Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61991CC0184

Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 9 de Dezembro de 1992.
Christof Oorburg e Serge van Messem contra Wasser- und Schiffahrtsdirektion Nordwest, Aurich.
Pedidos de decisão prejudicial: Amtsgericht Emden - Alemanha.
Artigo 76.º CEE - Transportes fluviais.
Processos apensos C-184/91 e C-221/91.

Colectânea de Jurisprudência 1993 I-01633

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:505

61991C0184

Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 9 de Dezembro de 1992. - CHRISTOF OORBURG E SERGE VAN MESSEM CONTRA WASSER- UND SCHIFFAHRTSDIREKTION NORDWEST, AURICH. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: AMTSGERICHT EMDEN - ALEMANHA. - ARTIGO 76. CEE - TRANSPORTES FLUVIAIS. - PROCESSOS APENSOS C-184/91 E C-221/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-01633


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. A acção da Comunidade implica, nomeadamente, a livre circulação de serviços e a adopção de uma política comum no domínio dos transportes (v. o artigo 3. do Tratado CEE).

Assim, não se pode deixar de manifestar alguma surpresa relativamente aos factos que estão na origem da questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça pelo Amtsgericht Emden (República Federal da Alemanha).

Os elementos de facto e o enquadramento jurídico que estão na origem dos dois processos pendentes no Amtsgericht Emden são simples. Ao navegarem em 1990 nas águas interiores alemãs, um nacional neerlandês e um nacional belga, ambos titulares de um certificado de navegação neerlandês, denominado "Groot Vaarbewijs II", viram serem-lhes aplicadas multas pela autoridade competente alemã, em virtude de o "Groot Vaarbewijs II" não ser um título de navegação válido na República Federal da Alemanha.

O espanto provocado por estes processos aumenta ainda mais quando se verifica que na verdade ° tal como resulta das considerações a seguir explanadas ° não é muito simples estabelecer o conteúdo das regras comunitárias relevantes para a solução a dar a processos como os que se apresentam nos casos vertentes.

Nos despachos de reenvio, o Amtsgericht Emden faz notar que não há razões objectivas para não reconhecer um direito de navegação em relação aos titulares do certificado de navegação neerlandês nas águas interiores alemãs em questão nos presentes casos e que o facto de as autoridades alemãs exigirem um certificado de navegação alemão implica uma discriminação indirecta contra os barqueiros em causa, titulares de um certificado de navegação neerlandês.

A questão prejudicial está redigida do seguinte modo:

"O artigo 76. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que é vedado a um Estado-membro fazer depender a navegação nas vias navegáveis nacionais da obtenção de um certificado de navegação emitido ao abrigo do direito nacional, sem estabelecer distinções, em princípio, conforme a natureza das zonas em que se efectua a navegação?"

A interpretação do artigo 76. do Tratado CEE

2. O artigo 76. do Tratado estipula que nenhum dos Estados-membros

"pode alterar as diversas disposições que regulem a matéria à data da entrada em vigor do presente Tratado, de tal modo que elas, nos seus efeitos directos ou indirectos, se tornem, para os transportadores dos restantes Estados-membros, menos favoráveis do que para os transportadores nacionais desse Estado" (1).

Tendo em vista a resposta à questão prejudicial, é importante verificar que o artigo 76. não prevê qualquer proibição em relação a normas nacionais com um determinado conteúdo, tais como, por exemplo, as normas nacionais que implicam uma discriminação indirecta. O artigo 76. proíbe simplesmente os Estados-membros de alterarem disposições existentes, de tal modo que estas, "nos seus efeitos directos ou indirectos, se tornem, para os transportadores dos restantes Estados-membros, menos favoráveis do que para os transportadores nacionais desse Estado". O artigo 76. contém aquilo que vulgarmente se chama uma cláusula de standstill.

Não se pode, portanto, deduzir do artigo 76. uma proibição em relação a normas nacionais que façam depender a navegação nas águas interiores da obtenção de um certificado de condução de embarcações emitido nos termos do direito nacional, desde que tais normas já existissem no momento da entrada em vigor do Tratado. Em contrapartida, haverá infracção ao artigo 76. se as normas alemãs relevantes tiverem, posteriormente à entrada em vigor do Tratado, sido objecto de alterações que provoquem os efeitos previstos nessa disposição. O artigo 76. cria direitos subjectivos que os particulares dos Estados-membros podem invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

3. Resulta da consulta dos processos que a legislação alemã relativa aos certificados de condução de embarcações foi várias vezes alterada desde a entrada em vigor do Tratado. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se tais alterações colocam os barqueiros estrangeiros numa situação menos favorável em relação aos barqueiros nacionais do que aquela que decorria do regime inicial. A natureza dessas alterações foi examinada no decurso do processo no Tribunal de Justiça e as informações obtidas nesse contexto mostram provavelmente que as normas alemãs alteradas não colocam em todo o caso os barqueiros estrangeiros numa situação menos favorável do que a anterior.

4. Foi alegado, no decurso do processo, que o modo como as normas eram aplicadas havia mudado e que esta mudança da prática administrativa é contrária ao artigo 76. , uma vez que implica que barqueiros titulares de um certificado de navegação neerlandês tenham recebido durante os últimos anos um tratamento menos favorável do que aquele que lhes era dado no passado (2).

Nenhum dos intervenientes no processo, incluindo o Governo alemão, pôs em causa, no decurso da instância, o facto de alterações ao modo de aplicação de uma lei poderem, eventualmente, implicar uma violação do artigo 76. Tal também não me parece oferecer dúvidas. As alterações das regras de aplicação prática da lei podem produzir efeitos tão sensíveis em relação às empresas estrangeiras de transportes quanto aqueles que decorrem de alterações de normas existentes e, portanto, tais alterações são também susceptíveis de entravar o prosseguimento dos objectivos cuja realização está prevista no artigo 76. (3).

5. Compete ao juiz nacional decidir a questão de saber se a prática administrativa foi alterada por forma a desfavorecer os transportadores estrangeiros. O juiz nacional deve verificar se existia no passado uma prática administrativa nos termos da qual os titulares do "Groot Vaarbewijs II" podiam utilizar as águas interiores alemãs sem serem detentores de um certificado de navegação alemão e se existe actualmente uma nova prática administrativa exigindo que tais barqueiros também sejam titulares de um certificado de navegação alemão.

Seria certamente de grande importância, no contexto dos presentes casos, que se pudesse eventualmente determinar ° tal como é sustentado especialmente pelo Governo neerlandês ° a existência de uma prática administrativa anterior com um certo grau de frequência e de generalidade (4), nos termos da qual os titulares de um certificado de navegação neerlandês podiam navegar nas águas interiores alemãs sem que lhes fosse também exigida a titularidade de um certificado de navegação alemão.

6. De resto, não se oferecem dúvidas quanto à interpretação a dar ao artigo 76. no sentido de que uma alteração de uma prática administrativa, tal como aquela que acaba de ser descrita, constitui uma violação do artigo 76. (5).

Poder-se-á deduzir das regras do Tratado uma obrigação de os Estados-membros reconhecerem os certificados de navegação emitidos no estrangeiro?

7. Como foi dito, o órgão jurisdicional de reenvio é da opinião que o não reconhecimento do certificado de navegação neerlandês constitui uma discriminação indirecta contra os barqueiros de outros Estados-membros. É por isso que parece igualmente necessário verificar se outras regras do Tratado podem ser relevantes para a questão de saber se os certificados de navegação neerlandeses devem ser reconhecidos pelas autoridades alemãs. Com efeito, esta questão foi examinada nas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça.

8. Os requerentes na causa principal efectuaram prestações de serviços em matéria de transportes na República Federal da Alemanha, impondo-se assim que se analise em especial a questão de saber se as regras do Tratado relativas à livre prestação de serviços ° v. artigos 59. e 60. ° podem ser aplicadas. A primeira questão sobre a qual convém tomar posição a este propósito relaciona-se com a importância que se deve atribuir ao disposto no n. 1 do artigo 61. do Tratado, segundo o qual "a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes".

9. À primeira vista, é-se tentado a considerar como ponto assente que a regulamentação das exigências relativas às qualificações dos barqueiros cai na alçada das regras especiais aplicáveis aos transportes do Título IV da segunda parte do Tratado. O artigo 74. estipula que, em matéria de transportes, os Estados-membros prosseguirão os objectivos do Tratado no âmbito de uma política comum dos transportes e o artigo 75. habilita, de maneira lata, o Conselho a adoptar para o efeito "disposições adequadas". Nestes termos, as directivas do Conselho relativas ao reconhecimento mútuo das cartas de condução nacionais de meios de transporte (6) foram adoptadas com base no artigo 75. (7).

10. Com efeito, o Governo alemão alega que o artigo 61. do Tratado deve implicar que os obstáculos à livre prestação de serviços decorrentes de exigências nacionais relativas aos certificados de navegação devem ser eliminados por meio de regras adoptadas com base no artigo 75. do Tratado e que as regras comunitárias relativas ao reconhecimento de certificados de navegação emitidos por outros Estados-membros eram inexistentes na altura dos factos que estão na origem destes dois processos. A citada Directiva 91/672 foi adoptada a 16 de Dezembro de 1991 e só deverá ser aplicada pelos Estados-membros a partir de 1 de Janeiro de 1993; o Governo alemão sustenta assim que só a partir dessa data é que a República Federal da Alemanha estará sujeita a uma obrigação comunitária no sentido de reconhecer o "Groot Vaarbewijs II" neerlandês (8).

11. À primeira vista, esta argumentação parece sólida. No entanto, o Governo neerlandês e a Comissão sustentaram que o artigo 61. não tem obrigatoriamente o efeito que lhe é dado pelo Governo alemão, e não se pode excluir que a Directiva 91/672 se limite, em todo o caso em certa medida, a constatar aquilo que decorre já das regras do Tratado.

As regras do Tratado relativas à livre circulação, o artigo 5. do Tratado e os objectivos gerais do Tratado permitirão deduzir um princípio geral de reconhecimento mútuo dos títulos profissionais?

12. A Comissão, no essencial, é da opinião que existe uma obrigação de reconhecimento dos certificados de navegação emitidos por outros Estados-membros mesmo no caso das prestações de serviços, apesar de as regras do Tratado relativas às prestações de serviços, por força do disposto no artigo 61. , não se aplicarem ao domínio dos transportes.

A Comissão toma como ponto de partida a declaração feita pelo Tribunal de Justiça, segundo a qual as regras fundamentais respeitantes à livre circulação das mercadorias, das pessoas, das prestações de serviços e dos capitais são aplicáveis ao domínio dos transportes, salvo disposições expressas em contrário. No acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/França, o Tribunal de Justiça declarou que "... estas normas fundamentais concebidas para serem aplicáveis ao conjunto das actividades económicas, apenas podem ser afastadas por estipulações expressas do Tratado" (9). O Tribunal de Justiça sublinhou que ao mesmo tempo que o artigo 61. constitui uma disposição expressa derrogatória do citado princípio, tendo em conta os problemas específicos suscitados pelo sector da actividade dos transportes.

Além disso, a Comissão remete para as declarações efectuadas pelo Tribunal de Justiça no âmbito da livre circulação de trabalhadores e do direito de estabelecimento, segundo as quais existe uma obrigação para os Estados-membros de tomarem em consideração os títulos profissionais obtidos nos outros Estados-membros, sendo essa obrigação igualmente aplicável, à luz do citado acórdão, ao domínio dos transportes.

A Comissão sustenta que a obrigação de tomar em consideração os títulos profissionais emitidos noutros Estados-membros decorre no essencial, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, do artigo 5. do Tratado conjugado com as missões e os objectivos gerais do Tratado. Tal implica, na opinião da Comissão, que se trata de um princípio geral, o qual também se aplica então aos casos de prestações de serviços no domínio dos transportes.

Para fundamentar esta conclusão, a Comissão sustenta que não seria razoável que prestadores de serviços que só exercem a título temporário uma actividade profissional num Estado-membro fossem alvo de um tratamento diferente e mais restritivo do que operadores económicos que, ao estabelecerem-se, desejam integrar-se de maneira duradoira na vida económica de um Estado-membro.

13. Na minha opinião, o raciocínio da Comissão não é consistente.

É obviamente exacto que o Tribunal de Justiça, em processos respeitantes às regras do Tratado relativas aos trabalhadores e ao estabelecimento, se referiu ao artigo 5. do Tratado em apoio da afirmação segundo a qual os Estados-membros devem tomar em consideração os títulos profissionais emitidos noutros Estados-membros e proceder a uma apreciação comparativa da respectiva equivalência (10).

Mas o Tribunal de Justiça sublinha precisamente que as obrigações impostas aos Estados-membros por força do artigo 5. são obrigações para os Estados-membros realizarem os objectivos do Tratado. Em último lugar, no acórdão Borrell, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que,

"... como o direito comunitário nada dispôs sobre a matéria, os objectivos do Tratado, designadamente a liberdade de estabelecimento, podem ser realizados através de medidas adoptadas pelos Estados-membros, os quais, nos termos do artigo 5. do Tratado, são obrigados a 'tomar todas as medidas... capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do presente Tratado...' e a abster-se de 'quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do presente Tratado' ..." (n. 9).

Por outras palavras, não se pode, com base apenas no artigo 5. , deduzir uma obrigação de reconhecer os títulos profissionais emitidos noutros Estados-membros. As obrigações que incumbem aos Estados-membros ao abrigo do artigo 5. decorrem nesta matéria das obrigações fundamentais contidas nas regras do Tratado relativas à livre circulação. A obrigação de os Estados-membros reconhecerem títulos profissionais emitidos noutros Estados-membros encontra, em última análise, fundamento nas regras especiais do Tratado relativas à realização da livre circulação de pessoas e de serviços. Este facto é igualmente relevante, visto resultar da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as regras do Tratado relativas à livre circulação podem, em função da natureza diferente de cada actividade,traduzir-se, segundo as circunstâncias, em obrigações diferentes para os Estados-membros (11).

Nessas condições, não penso que, na decisão a proferir nos presentes processos, se possa abstrair da circunstância de a questão dos certificados de navegação neerlandeses se ter colocado relativamente a casos em que as pessoas que reivindicam o reconhecimento dos referidos certificados efectuam prestações de serviços no domínio dos transportes.

14. A questão decisiva para as conclusões a tirar nestes processos é, portanto, a de saber se as regras do Tratado relativas às prestações de serviços são directa ou indirectamente aplicáveis neste domínio.

Pode o artigo 61. do Tratado ser interpretado de maneira restritiva, por forma a não excluir a aplicação dos artigos 59. e 60. ao domínio em questão nos presentes casos?

15. Tal como foi atrás referido, é-se tentado, numa primeira abordagem, a considerar que o artigo 61. engloba igualmente a questão do reconhecimento dos títulos profissionais no domínio dos transportes e esta concepção parece encontrar apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Assim, no acórdão de 22 de Maio de 1985, Parlamento/Conselho (12), que dizia respeito a uma alegada omissão do Conselho no domínio dos transportes, o Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

"Há que começar por recordar que, de acordo com o n. 1 do artigo 61. , a livre circulação dos serviços, em matéria de transportes, é regida pelas disposições do título relativo aos transportes. A aplicação dos princípios de liberdade de prestação de serviços, tal como definidos em especial pelos artigos 59. e 60. do Tratado, deve realizar-se segundo o Tratado, através da implementação da política comum dos transportes..." (n. 62) (13).

16. Contudo, na minha opinião, há boas razões para analisar se não é possível interpretar o artigo 61. de maneira restritiva, por forma a não excluir a aplicação dos artigos 59. e 60. do Tratado a questões relativas ao reconhecimento dos títulos profissionais em caso de prestações de serviços no domínio dos transportes (14).

17. É certo que o Tratado visa a realização da livre prestação de serviços também no domínio dos transportes (15). Deve-se igualmente ter como ponto assente que a regra nos termos da qual este objectivo deve ser concretizado pela adopção de uma política comum dos transportes foi justificada pela existência de condições especiais no domínio dos transportes (16) ° "os aspectos especiais dos transportes". As condições especiais do domínio dos transportes desempenharam um papel essencial na decisão do Tribunal de Justiça no caso Pinaud Wieger, o qual dizia respeito à cabotagem. O Tribunal de Justiça justificou a conclusão a que chegara atendendo à "complexidade do sector da cabotagem rodoviária" e sublinhou que a livre prestação de serviços "só pode fazer-se de modo ordenado no âmbito de uma política comum dos transportes que tome em consideração os problemas de natureza económica, social e ecológica e que assegure condições iguais de concorrência" (17). Assim, pode sustentar-se que o artigo 61. tem como único objectivo excluir a aplicação dos artigos 59. e 60. ao domínio dos transportes, sempre que problemas tais como o que acaba de ser referido impliquem dificuldades específicas para os Estados-membros no caso de estes autorizarem os prestadores de serviços a efectuarem no seu território prestações de serviços em matéria de transportes.

18. Estou convencido de que as condições específicas do domínio dos transportes que justificaram a redacção da regra prevista no artigo 61. do Tratado não existem no sector agora em causa. Na minha opinião, é essencial que as normas nacionais relevantes não tenham como objectivo restringir o acesso dos barqueiros estrangeiros às prestações de serviços efectuadas no território do Estado-membro, em função de considerações de natureza económica, social, ecológica, ou ligadas à concorrência, mas unicamente garantir que a segurança da navegação nas vias navegáveis interiores seja preservada. As normas alemãs conferem precisamente às autoridades a possibilidade de reconhecerem certificados de navegação estrangeiros e deve-se ter como ponto assente que, no quadro desta decisão, só intervêm considerações relacionadas com a segurança da navegação.

Em suma, uma interpretação restritiva do artigo 61. tem a vantagem de a livre circulação das prestações de serviços no domínio dos transportes não ser entravada, nos termos dessa disposição, por normas nacionais que podem ser manifestamente contrárias às regras do Tratado relativas à livre circulação das prestações de serviços e não justificadas por condições específicas do domínio dos transportes.

19. Em apoio igualmente de uma interpretação restritiva, pode citar-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça que, como foi referido, considera que as regras do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores e ao direito de estabelecimento se aplicam ao domínio dos transportes, sendo possível deduzir dessas regras uma obrigação de os Estados-membros reconhecerem, em determinadas condições, os títulos profissionais emitidos noutros Estados-membros. Penso que seria difícil justificar a razão pela qual as regras aplicáveis aos prestadores de serviços, que só exercem temporariamente a sua actividade profissional noutro Estado-membro, deveriam ser mais restritivas do que as regras relativas à livre circulação dos trabalhadores e ao direito de estabelecimento destinadas a permitir uma integração duradoira na vida económica de um Estado-membro (18).

20. Pelas considerações expostas, parece, em princípio, justificada uma interpretação restritiva do artigo 61. As minhas reticências no sentido de propor ao Tribunal de Justiça uma tal interpretação radicam, porém, em duas considerações. A primeira é a de que se pode defender que uma interpretação restritiva é dificilmente conciliável, por um lado, com a redacção do artigo 61. , o qual declara de maneira muito geral que "a livre prestação de serviços em matéria de transportes" é regulada pelas disposições específicas relativas aos transportes e, por outro lado, com a jurisprudência do Tribunal de Justiça que deve ser entendida no seu sentido mais natural, isto é, que a realização da livre circulação dos serviços em matéria de transportes deve ser feita, sob todos os pontos de vista, no âmbito das regras do Tratado relativas aos transportes (19).

A segunda consideração é a de ser possível, na minha opinião, com base nas regras especiais do Tratado em matéria de transportes, chegar a um resultado que garanta que o objectivo fundamental do Tratado relativo à livre prestação dos serviços possa ser igualmente assegurado no domínio agora em causa.

As disposições especiais do Tratado em matéria de transportes implicam uma obrigação directamente aplicável no sentido de assegurar a livre prestação dos serviços?

21. A resposta a esta pergunta encontra-se no acórdão Parlamento/Conselho (20).

Neste acórdão o Tribunal de Justiça declarou

"... as obrigações impostas ao Conselho, pelo artigo 75. , n. 1, alíneas a) e b), incluem a de proceder à instauração da livre prestação de serviços em matéria de transportes e o alcance de tais obrigações está claramente definido pelo Tratado. Por força dos artigos 59. e 60. , os imperativos da livre prestação de serviços englobam, com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb (279/80, Recueil, p. 3305), a eliminação de qualquer discriminação relativamente ao prestador de serviços em razão da sua nacionalidade ou da circunstância de estar estabelecido num Estado-membro diferente daquele em que a prestação é efectuada" (n. 64).

O Tribunal de Justiça declarou seguidamente que

° "o Conselho estava obrigado a alargar a liberdade de prestações de serviços ao sector dos transportes antes do termo do período de transição, de acordo com o n.os 1, alínea a), e 2 do artigo 75. , visando tal alargamento os transportes internacionais executados com partida do ou com destino ao território de um Estado-membro ou atravessando o território de um ou vários Estados-membros";

° "verifica-se que as medidas necessárias para o efeito ainda não foram tomadas";

° Assim, quanto a este ponto, há que declarar verificada "a omissão do Conselho, uma vez que (este) se absteve de tomar medidas que deveriam ter sido tomadas antes do termo do período de transição e cujos objectivo e natureza podem ser determinados com um suficiente grau de previsão".

Finalmente, o Tribunal de Justiça declarou, no n. 69, que nos termos do artigo 176. incumbe ao Conselho tomar as medidas necessárias à execução do acórdão e que o Conselho "dispõe, para esse efeito, de um prazo razoável".

22. A minha opinião sobre a importância deste acórdão para efeitos dos presentes casos pode exprimir-se tão simplesmente quanto isto:

O "prazo razoável" de que o Conselho dispunha para a concretização da livre prestação de serviços em matéria de transportes já havia em todo o caso expirado, para efeitos da obrigação que incumbe aos Estados-membros de reconhecerem os títulos profissionais emitidos por outros Estados-membros, no momento dos factos dos presentes casos, isto é, em 1990. A questão da duração do prazo deve ser apreciada concretamente em relação com as medidas de que se trata. O acórdão Pinaud Wieger testemunha, na minha opinião, que o Tribunal de Justiça fez quanto a este aspecto tal apreciação concreta. O Tribunal de Justiça pretendeu dar ao Conselho um prazo razoável para concretizar a livre prestação de serviços à luz dos "aspectos especiais dos transportes" (21). Tal como disse anteriormente, considero não existirem, no domínio em causa nos presentes casos, dificuldades especiais ° qualquer que seja a natureza ° que possam justificar a não concretização da livre prestação de serviços.

23. A obrigação de concretizar a livre prestação de serviços no domínio assim delimitado decorre directamente, após a expiração do prazo, das regras do Tratado em matéria de transportes.

O conteúdo da obrigação resulta dos artigos 59. e 60. , tal como estas disposições foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça ° v. a remissão feita a este propósito no n. 64 do acórdão Parlamento/Conselho, já referido, para o acórdão Webb.

24. A obrigação é directamente aplicável, tal como o são os artigos 59. e 60.

25. Esta interpretação é, na minha opinião, correcta e, aliás, necessária, uma vez que um outro resultado, tal como o exprimiu o advogado-geral Darmon (22), implicaria "fermentos ameaçadores para a autoridade dos acórdãos do Tribunal de Justiça, para o rigor com que eles devem ser executados e, em definitivo, para o cumprimento pelas instituições das suas obrigações".

Os argumentos atrás expostos a favor de uma interpretação restritiva do artigo 61. militam decididamente a favor do resultado agora indicado.

26. A circunstância de o Tribunal de Justiça, no n. 65 do acórdão Parlamento/Conselho, ter declarado que o Conselho podia exercer um "certo poder de apreciação" no que respeita às modalidades necessárias à realização da livre prestação de serviços em matéria de transportes é irrelevante para efeitos do domínio agora em causa.

Pode ser que noutros domínios haja sempre boas razões para admitir que o Conselho dispõe de um poder de apreciação e para considerar que o prazo razoável ainda não terminou. Como foi anteriormente referido, era esse o sentido do acórdão Pinaud Wieger, no qual o Tribunal de Justiça considerou que os interesses em causa no sector da cabotagem eram de uma grande especificidade, existindo ainda dificuldades consideráveis para a realização da livre prestação de serviços nesse domínio.

Tais dificuldades não se fazem sentir no âmbito do reconhecimento pelos Estados-membros dos títulos profissionais emitidos noutros Estados-membros. Nessa área, as obrigações decorrentes do Tratado para efeitos da realização da livre prestação de serviços não oferecem dúvidas e não se podem invocar razões que levem à conclusão que as disposições gerais do Tratado nesse domínio não são aplicáveis em matéria de transportes.

27. A obrigação, prevista pelas regras do Tratado aplicáveis aos transportes, de assegurar a livre prestação de serviços (v. artigos 59. e 60. ) no que respeita ao reconhecimento dos títulos profissionais emitidos noutros Estados-membros é, portanto, directamente aplicável, em todo o caso, na altura dos factos relevante.

As consequências resultantes da obrigação de assegurar a livre prestação de serviços no domínio agora em causa

28. Decorre das considerações atrás explanadas que as exigências nacionais respeitantes aos certificados de navegação devem ser apreciadas à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a interpretação dos artigos 59. e 60. do Tratado.

Resulta dessa jurisprudência que os artigos 59. e 60. do Tratado exigem não apenas a eliminação de qualquer discriminação do prestador de serviços em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição à livre prestação de serviços (23). O Tribunal de Justiça declarou que o terceiro parágrafo do artigo 60. do Tratado, nos termos do qual o prestador de serviços pode exercer a sua actividade no Estado-membro onde a prestação é realizada, nas mesmas condições que esse Estado impõe aos seus próprios nacionais, não implica

"... que qualquer legislação nacional aplicável aos nacionais desse Estado e que tenha em vista normalmente uma actividade permanente das empresas nele estabelecidas possa ser aplicada integralmente, da mesma maneira, a actividades, de carácter temporário, exercidas por empresas estabelecidas noutros Estados-membros" (24).

É evidente que nem todo o entrave à livre prestação de serviços é incompatível com os artigos 59. e 60. Numa série de acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

"No entanto, tendo em conta as exigências especiais de determinadas prestações, o facto de um Estado-membro as subordinar a condições de qualificação do prestador, em aplicação das normas que regulam esse tipo de actividades no seu território, não pode ser considerado incompatível com os artigos 59. e 60. do Tratado. Todavia, a livre prestação de serviços, enquanto princípio fundamental do Tratado, só pode ser limitada por regulamentações justificadas pelo interesse geral que se apliquem a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do Estado-membro destinatário, na medida em que esse interesse não esteja salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado-membro em que está estabelecido. Além disso, essas exigências devem ser objectivamente necessárias para garantir o respeito das normas profissionais e assegurar a protecção dos interesses que constituem o objectivo destas" (25).

29. O facto de se exigir a titularidade de um certificado de navegação nacional constitui, sem dúvida alguma, um entrave à livre prestação de serviços. Todavia, o interesse da segurança da navegação nas águas interiores constitui indubitavelmente uma consideração de interesse geral que pode justificar que se exija ao prestador de serviços o preenchimento de certas condições de qualificação. A eventual compatibilidade da exigência controvertida com o direito comunitário dependerá, então, da questão de saber se o interesse da segurança ficou já salvaguardado pelas regras a que está sujeito o prestador de serviços no Estado de estabelecimento e se essa exigência é objectivamente necessária para efeitos da protecção desse interesse.

É ponto assente, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que as autoridades devem tomar em consideração as qualificações e os títulos profissionais adquiridos noutros Estados-membros, quando se trata de apreciar se o operador pode licitamente fornecer serviços no território do Estado-membro.

É também ponto assente, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que um Estado-membro pode exigir a um barqueiro estrangeiro que preencha requisitos de qualificação equivalentes àqueles que são exigidos como prévios para a emissão de um certificado de navegação nacional. Por um lado, as vias navegáveis interiores de um Estado-membro têm características diferentes, de tal modo que a navegação nessas vias poderia pressupor qualificações diferentes. Por outro lado, os Estados-membros devem, em princípio, na falta de harmonização das condições de emissão dos certificados de navegação, estar habilitados a fixar eles próprios o nível de segurança que desejam ver respeitado.

30. Resulta das normas alemãs relevantes que as autoridades alemãs só exigem aos barqueiros que sejam titulares de um certificado de navegação alemão se o certificado de navegação estrangeiro em causa não for reconhecido como equivalente.

Deve-se examinar, nessas circunstâncias, se as autoridades alemãs podem exigir que o prestador de serviços requeira o reconhecimento da equivalência do seu certificado de navegação estrangeiro antes de começar a efectuar as prestações de serviços na República Federal da Alemanha.

31. Se a esta questão for dada uma resposta afirmativa, o facto de não se requerer o reconhecimento do certificado de navegação estrangeiro implica que é ilegal navegar nas águas interiores alemãs, mesmo que o prestador de serviços seja detentor de um certificado de navegação estrangeiro, que poderia ser considerado concretamente do mesmo valor do que o certificado alemão. A fiscalização dos órgãos jurisdicionais alemães para verificar se as autoridades estão a avaliar correctamente a equivalência dos certificados só pode exercer-se, numa tal situação, se o interessado recorrer para os tribunais de um eventual indeferimento do pedido de reconhecimento.

Se, pelo contrário, não se puder exigir que o prestador de serviços tenha previamente requerido o reconhecimento do seu certificado, o órgão jurisdicional alemão, no âmbito de uma acção penal intentada contra o prestador de serviços detentor apenas de um certificado de navegação estrangeiro, será chamado a pronunciar-se concretamente sobre a questão de saber se tal certificado de navegação estrangeiro é equivalente ao certificado alemão. Em caso de equivalência, o prestador de serviços deveria, numa tal hipótese, ser absolvido. Nos processos vertentes, isso implica que o órgão jurisdicional alemão deve apreciar os argumentos invocados pelas autoridades alemãs em apoio da sua recusa em reconhecer a equivalência do certificado de navegação neerlandês.

32. A primeira situação corresponde ao estado da legislação em vigor no domínio do direito de estabelecimento, segundo a qual o Estado-membro pode exigir que aquele que está estabelecido obtenha o certificado nacional ou o reconhecimento da equivalência do seu certificado de estrangeiro (26).

33. A jurisprudência do Tribunal de Justiça respeitante à livre circulação de serviços deve pelo contrário, na minha opinião, ser entendida no sentido que a questão de saber se, previamente ao exercício da sua actividade no território do Estado-membro em causa, se deve exigir ao prestador de serviços que obtenha das autoridades o reconhecimento de que o seu título profissional é efectivamente equivalente, dependerá de uma apreciação concreta da natureza da actividade profissional, bem como do interesse geral que as condições fixadas para efeitos da qualificação têm como objectivo proteger.

34. O Tribunal de Justiça teve a oportunidade de se pronunciar sobre situações em que um Estado-membro faz depender o exercício de determinadas prestações de certas qualificações por parte do interessado, dispondo ao mesmo tempo que a actividade em causa não pode ser exercida antes de o interessado ter obtido a respectiva autorização por meio da emissão de uma declaração ou título do mesmo género, no âmbito do qual as autoridades decidem se os condições estabelecidas para efeitos da qualificação estão preenchidas.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça indica que o próprio facto de se exigir a um prestador que preencha as condições de qualificação em vigor no Estado-membro em causa pode ser contrário ao direito comunitário (27).

Todavia, a jurisprudência do Tribunal de Justiça mostra igualmente que as considerações de interesse geral que justificam os requisitos de qualificação são, por norma, suficientemente imperiosas para que se possa exigir aos prestadores abrangidos pelas regras do Tratado relativas aos serviços que preencham também eles os citados requisitos. Nestes casos, os Estados-membros têm a referida obrigação de tomarem em consideração as qualificações que o interessado já obteve no seu país de origem.

35. A questão, em tais situações, é a de saber se se pode, para além disso, exigir ao prestador de serviços em causa que apresente um pedido prévio de autorização no país da execução da prestação, a fim de dar às autoridades desse país a possibilidade de previamente tomarem posição sobre se o interessado preenche os requisitos exigidos para efeitos das qualificações em virtude de qualificações equivalentes obtidas no Estado de estabelecimento.

É claro que o facto de se exigir um pedido prévio para efeitos de reconhecimento da equivalência das qualificações adquiridas no Estado de estabelecimento constitui em si um entrave à livre prestação de serviços.

É, portanto, também claro que a exigência de um pedido prévio de reconhecimento só pode ser feita se obedecer às condições fixadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de serem considerados lícitos certos entraves à livre prestação de serviços (28).

36. Neste contexto, há que sublinhar que a exigência de um reconhecimento prévio restringe de maneira significativa o direito à livre prestação de serviços garantido pelo Tratado. Visto que os prestadores de serviços exercem, por definição, actividades de natureza temporária no Estado-membro de acolhimento, será por eles sentida como um incómodo considerável e, segundo tudo leva a crer, susceptível de entravar o exercício efectivo do direito de desenvolver as actividades em causa, a obrigação que lhes é imposta de requererem, previamente ao exercício das suas actividades, o reconhecimento das respectivas qualificações, com os atrasos e custos que tal implica.

37. Nestes termos, sou da opinião que só se pode exigir aos prestadores de serviços abrangidos pelas regras do Tratado que requeiram e obtenham o reconhecimento das suas qualificações, antes mesmo de efectuarem prestações de serviços no território de um Estado-membro, se se estiver na presença de um interesse geral que justifique de maneira específica uma tal regra (29). As considerações de interesse geral que justificam os requisitos de qualificação ficarão, por norma, suficientemente protegidas pela possibilidade de os Estados-membros intervirem reprimindo os prestadores de serviços que não preencherem os requisitos de qualificação impostos.

Considero que, nos casos vertentes, nenhum interesse geral específico justifica que se exija aos barqueiros neerlandeses a apresentação de um pedido prévio de reconhecimento do seu "Groot Vaarbewijs II" antes de efectuarem prestações de serviços na República Federal da Alemanha.

38. Nestes termos, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se os detentores do "Groot Vaarbewijs II" possuem qualificações que devem ser consideradas equivalentes às que os candidatos a um certificado de navegação alemão devem apresentar (30).

39. Tendo em conta as considerações atrás explanadas, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que a obrigação de assegurar a livre prestação de serviços, tal como esta se aplica ao domínio dos transportes, implica que um Estado-membro não possa impor a obtenção de um certificado de navegação nacional a um prestador de serviços detentor de um certificado de navegação emitido por um outro Estado-membro em condições análogas às que são exigidas no Estado-membro em que a prestação é efectuada, e cujas qualificações devem, assim, ser consideradas equivalentes às que são exigidas para efeitos da emissão dos certificados de navegação nacionais. Quanto a este aspecto, não se pode exigir que o prestador de serviços tenha previamente obtido do Estado-membro o reconhecimento da equivalência do seu certificado de navegação.

Conclusão

40. Nestes termos, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões colocadas do seguinte modo:

"O artigo 76. do Tratado proíbe que um Estado-membro altere a sua legislação por forma a colocar os barqueiros de outros Estados-membros em relação aos barqueiros nacionais em situação menos favorável do que aquela que existia ao abrigo das normas aplicáveis no momento da entrada em vigor do Tratado.

O artigo 76. do Tratado proíbe igualmente que um Estado-membro altere o modo de aplicação das normas em causa, de maneira a que os barqueiros titulares de certificados de navegação emitidos noutros Estados-membros, contrariamente ao que acontecia no passado, deixem de poder utilizar as vias navegáveis interiores do Estado-membro em causa, se não forem, para além disso, detentores de um certificado de navegação emitido por esse Estado-membro.

A obrigação de assegurar a livre prestação de serviços, tal como se aplica ao domínio dos transportes, implica que um Estado-membro não possa impor a obtenção de um certificado de navegação nacional a um prestador de serviços detentor de um certificado de navegação emitido por um outro Estado-membro em condições análogas às que são exigidas no Estado-membro em que a prestação é efectuada e cujas qualificações devem, assim, ser consideradas equivalentes às que são exigidas para efeitos da emissão dos certificados de navegação nacionais. Não se pode, portanto, exigir que o prestador de serviços tenha previamente obtido do Estado-membro o reconhecimento da equivalência do seu certificado de navegação."

(*) Língua original: dinamarquês.

(1) ° A proibição prevista no artigo 76. só se aplica enquanto não forem adoptadas as disposições referidas no n. 1 do artigo 75. e desde que o Conselho, deliberando por unanimidade, não tenha decidido de maneira diversa. Estas reservas não têm relevância para efeitos dos presentes casos. Na altura dos factos pertinentes, o Conselho ainda não fizera uso da sua competência legislativa para resolver os problemas decorrentes da ausência de reconhecimento recíproco dos certificados de condução de embarcações; v. infra, a propósito da directiva adoptada em 1991.

(2) ° Foi alegado que as autoridades alemãs tinham anteriormente fechado os olhos ao facto de titulares do Groot Vaarbewijs II utilizarem as águas interiores alemãs sem serem detentores de um certificado de condução alemão. Resulta, por exemplo, do despacho de reenvio do processo C-221/91 que o demandante na acção principal alegou que, se bem que submetido por várias vezes a controlos, nunca tivera problemas no passado relacionados com o facto de navegar ao abrigo de um certificado neerlandês. Na audiência, em ambos os processos, o Governo neerlandês explicou que os problemas encontrados na prática pelos banqueiros titulares do Groot Vaarbewijs II vieram à luz do dia a partir do momento em que a legislação alemã previu a possibilidade de um reconhecimento dos certificados de condução de embarcações estrangeiros, isto é, em 1981, tendo surgido, nos últimos três anos, 30 a 40 casos em que batelões neerlandeses foram inspeccionados e só puderam continuar viagem com um piloto detentor de um certificado de condução de embarcações alemão.

(3) ° No acórdão de 19 de Maio de 1992, Comissão/Alemanha (C-195/90, Colect., p. I-3141, n.os 20 e 21), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 76. ...destina-se a evitar que a instauração, pelo Conselho, da política comum dos transportes seja dificultada ou entravada pela adopção, sem o acordo do Conselho, de medidas nacionais que tenham como efeito, directo ou indirecto, alterar, num sentido desfavorável, a situação de que gozam, num Estado-membro, os transportadores dos outros Estados-membros, em relação aos transportadores nacionais .

(4) ° No que diz respeito às exigências de frequência e de generalidade da prática administrativa, pode-se remeter para o acórdão de 9 de Maio de 1985, Comissão/França (21/84, Recueil, p. 1355, n. 12), no qual o Tribunal de Justiça declarou o seguinte: Convém, no entanto, sublinhar que, para poder ser considerada uma medida proibida pelo artigo 30. , uma prática administrativa deve apresentar um certo grau de frequência e de generalidade. Esta generalidade deve ser apreciada de maneira diferenciada conforme se trate de um mercado com numerosos operadores económicos ou de um mercado, como o dos aparelhos de franquia postal, que é caracterizado pela presença de apenas algumas empresas. Neste último caso, a atitude adoptada por uma administração nacional em relação a uma única empresa pode já constituir uma medida incompatível com o artigo 30. (n. 13).

(5) ° Com efeito, penso que o facto de se exigir aos barqueiros estrangeiros que sejam titulares de um certificado de navegação alemão coloca, na prática, os barqueiros estrangeiros numa situação menos favorável do que a dos seus homólogos alemães e não traduz simplesmente uma igualdade de tratamento entre barqueiros estrangeiros e barqueiros alemães. Em minha opinião, os presentes casos não dão portanto azo a que se decida sobre a questão de saber se o artigo 76. se limita a proibir que os Estados-membros coloquem as empresas estrangeiras numa situação menos favorável do que a das empresas nacionais ou se tal preceito proíbe também que os Estados-membros retirem aos operadores de outros Estados-membros uma vantagem relativa, da qual beneficiaram até agora por comparação com os operadores nacionais. V. conclusões do advogado-geral Jacobs de 13 de Março de 1992, Comissão/Alemanha, n.os 14 a 17 (acórdão referido na nota 3, Colect., pp. I-3141, I-3158).

(6) ° V. primeira Directiva 80/1263/CEE do Conselho, de 4 de Dezembro de 1980, relativa à criação de uma carta de condução comunitária (JO L 375, p. 1) e Directiva 91/672/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, sobre o reconhecimento recíproco dos certificados nacionais de condução de embarcações para transporte de mercadorias e de passageiros por navegação interior (JO L 373, p. 29).

(7) ° O acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1978, Choquet (16/78, Recueil, p. 2293), que dizia respeito à legalidade face ao direito comunitário de normas alemãs que impunham aos titulares de cartas de condução estrangeiras a obtenção de uma carta de condução alemã quando residiam há mais de um ano na República Federal da Alemanha não se opõe a esta concepção. É verdade que o Tribunal de Justiça declarou que disposições legislativas deste tipo eram susceptíveis de afectar indirectamente não só os direitos garantidos pelos artigos 48. e 52. do Tratado, mas também os direitos garantidos pelo artigo 59. ao abrigo da livre prestação de serviços. Este acórdão poderia portanto aparentemente ser invocado em apoio da tese segundo a qual, apesar da regra prevista no artigo 61. , o artigo 59. é geralmente aplicável às normas nacionais relativas aos certificados de condução. Não é, no entanto, esse o sentido que convém dar ao citado acórdão. Este acórdão não diz respeito aos prestadores de serviços no domínio dos transportes, mas a todos aqueles que, na qualidade de trabalhadores assalariados ou independentes ° quer estes últimos desejem estabelecer-se ou efectuar prestações de serviços °, utilizam, no âmbito do exercício da sua actividade principal, veículos de transporte e em relação aos quais, por conseguinte, a carta de condução se reveste de grande importância para efeitos dessa actividade. No n. 4, o Tribunal de Justiça verificou que ...as regulamentações nacionais relativas à emissão e ao reconhecimento recíproco de cartas de condução, pelos Estados-membros, têm uma influência tanto directa como indirecta sobre o exercício dos direitos garantidos pelas disposições do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores, ao estabelecimento e, sem prejuízo da remissão para o n. 1 do artigo 61. do Tratado, à generalidade das prestações de serviços .

(8) ° A directiva estabelece uma lista de certificados de navegação, entre os quais figura o Groot Vaarbewijs II , que devem ser reconhecidos, por força do artigo 3. da directiva, como válidos para a navegação em certas vias navegáveis, entre as quais constam determinadas vias navegáveis alemãs. O reconhecimento recíproco dos certificados de navegação foi decidido sem que tenha sido necessário harmonizar previamente as disposições dos Estados-membros relativas à sua emissão. É, pois, assim que o artigo 5. da directiva estipula que tal harmonização deve estar efectuada o mais tardar a 31 de Dezembro de 1994. A directiva traduz, portanto, a opinião dos Estados-membros, nos termos da qual a emissão desses certificados deve obedecer a exigências de qualificação, as quais implicam que seja razoável autorizar a navegação nas vias navegáveis em causa.

(9) ° 167/73, Recueil, p. 359, n. 21.

(10) ° V. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1977, Thieffry (71/76, Recueil, p. 765, n.os 15 a 19), de 15 de Outubro de 1987, Heylens e o. (222/86, Colect., p. 4097, n. 12), de 7 de Maio de 1991, Vlassopoulou (C-340/89, Colect., p. I-2357, n. 14), e de 7 de Maio de 1992, Borrell e o. (C-104/91, Colect., p. I-3003, n. 9).

(11) ° Tal como decorre da análise a seguir efectuada, não penso que o artigo 5. do Tratado constitua uma base jurídica necessária para que seja constatada a obrigação de reconhecer os títulos profissionais em matéria de prestações de serviços.

(12) ° 13/83, Recueil, p. 1513.

(13) ° V. fundamentação análoga no n. 7 do acórdão de 7 de Novembro de 1991, Pinaud Wieger (C-17/90, Colect., p. I-5253).

(14) ° Tal como foi atrás referido, resulta do acórdão Comissão/França, citado na nota 9, que as regras fundamentais do Tratado relativas à livre circulação se aplicam directamente ao domínio dos transportes, sempre que o Tratado não excluir expressamente uma tal aplicação.

(15) ° V. n.os 62 e 64 do acórdão Parlamento/Conselho, já referido na nota 12.

(16) ° V. n. 65 do acórdão Parlamento/Conselho, já referido. V., para além disso, o acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/França, citado na nota 9, no qual o Tribunal de Justiça declarou que ... tendo em conta que os transportes se materializam principalmente em prestações de serviço, e considerando os aspectos especiais deste ramo de actividade, foi julgado necessário submetê-los, nesta matéria, a um regime especial; ... com este fim, foi prevista uma derrogação expressa no n. 1 do artigo 61. .. (n.os 27 e 28).

(17) ° V. n. 11 do acórdão Pinaud Wieger, já referido na nota 13.

(18) ° Encontra-se, no próprio domínio das prestações de serviços, um exemplo análogo de uma diferença de tratamento dificilmente explicável que resultaria da inaplicabilidade dos artigos 59. e 60. em matéria de transportes, no que diz respeito às questões relacionadas com o reconhecimento das cartas de condução dos meios de transporte. Como se sabe, o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão Choquet (v. nota 7, supra) que pessoas, que efectuam prestações de serviços fora do domínio dos transportes, tais como, por exemplo, artesãos ou comerciantes, e que utilizam nesse contexto um meio de transporte, podem invocar os artigos 59. e 60. se, no Estado do local da execução da prestação, existirem entraves que afectem indirectamente a prestação, em virtude de condições exigidas para efeitos da prova da respectiva habilitação para a condução dos meios de transporte por eles utilizados, condições essas sem justificação objectiva. Vê-se mal por que razões este grupo de pessoas é suposto ser protegido pelos artigos 59. e 60. , ao passo que as pessoas em relação às quais os certificados em causa constituem uma condição directa do exercício da sua actividade, não o seriam.

(19) ° Para além disso, no acórdão Choquet, o Tribunal de Justiça emitiu expressamente uma reserva no que diz respeito ao artigo 61. , a qual pode ser dificilmente entendida, a não ser que se atribua ao artigo 61. o sentido de ele ser igualmente aplicável no domínio em causa nos presentes casos.

(20) ° Já referido na nota 12. Remete-se a este propósito para as conclusões apresentadas a 2 de Julho de 1991 pelo advogado-geral Darmon no processo Pinaud Wieger (acórdão citado na nota 13, Colect., pp. I-5253, I-5262).

(21) ° V. n. 65 do acórdão Parlamento/Conselho, já referido na nota 12.

(22) ° V. n. 48 das suas conclusões no caso Pinaud Wieger, já referido na nota 20.

(23) ° V. acórdãos de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen (33/74, Recueil, p. 1299, n. 10), e de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França (C-154/89, Colect., p. I-659, n. 12).

(24) ° V. acórdão Webb, já referido no n. 21, n. 16. V. acórdãos análogos de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha (205/84, Colect., p. 3755, n. 24), e de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, já referido na nota 23, n. 12.

(25) ° V., nomeadamente, acórdão de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França (processo dos guias turísticos ), já referido, n. 18.

(26) ° V., por exemplo, o acórdão Borrell e o. já referido na nota 10, no qual o Tribunal de Justiça declarou, no n. 19, ... as normas do Tratado em matéria de liberdade de estabelecimento não afectam a competência dos Estados-membros para reprimir o exercício ilegal de uma profissão sujeita a regulamentação por um nacional de outro Estado-membro,em especial na hipótese de o cidadão comunitário não ter solicitado o exame de equivalência de diploma ou título profissional emitido no seu Estado de origem com o exigido no Estado de acolhimento, ou de essa equivalência não ter sido demonstrada .

(27) ° V. acórdão Comissão/França (caso dos guias turísticos ), já referido na nota 23.

(28) ° Este ponto de vista é confirmado pelo acórdão de 18 de Janeiro de 1979, Van Wesemael (110/78 e 111/78, Recueil, p. 35). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça interpretou os artigos 59. e 60. , tendo em vista apreciar a legalidade de uma licença exigida pelo Reino da Bélgica para a exploração de agências de colocação de artistas do espectáculo. A questão submetida ao Tribunal de Justiça tinha a sua origem em acções penais instauradas contra indivíduos acusados de terem infringido a legislação belga. O Tribunal de Justiça considerou que a exigência de uma licença não era objectivamente necessária, se o prestador de serviços, estabelecido noutro Estado-membro, nele detivesse uma licença emitida em condições comparáveis às que são exigidas pelo Estado em que a prestação é realizada... (n. 30). Incumbia assim ao juiz nacional competente na acção penal examinar concretamente se se tratava de licenças equivalentes e, portanto, de absolver, se fosse caso disso, os prestadores de serviços em causa.

(29) ° Segundo creio, o acórdão Webb, já referido no n. 21, confirma esta opinião. O processo dizia respeito a um regime neerlandês de autorização em matéria de colocação de mão-de-obra. O Tribunal de Justiça sublinha que se tratava de uma matéria particularmente sensível e remeteu para as diferenças que podem existir entre as condições dos mercados de trabalho de um Estado-membro para outro e... para a diversidade dos critérios de apreciação aplicáveis ao exercício deste género de actividades . Nestes termos, o Tribunal de Justiça declarou, no n. 21, que o artigo 59. não impede que um Estado-membro que sujeite as empresas de fornecimento de mão-de-obra a autorização obrigue um prestador de serviços estabelecido noutro Estado-membro e que exerça essa actividade no seu território a respeitar esta condição, ainda que ele seja titular de uma autorização emitida pelo Estado de estabelecimento, sem prejuízo, todavia, por um lado, de o Estado-membro... e, por outro lado, de ele ter em conta os elementos justificativos e as garantias já apresentados pelo prestador de serviços para o exercício da sua actividade no Estado-membro de estabelecimento .

(30) ° Há que mencionar, neste contexto, as declarações do Governo neerlandês segundo as quais o Groot Vaarbewijs II é o certificado neerlandês que atesta o grau mais elevado de qualificações, uma vez que habilita o seu titular a conduzir toda a espécie de embarcações. Para além disso, como já foi referido, o Governo neerlandês indicou não haver razão objectiva para não autorizar a navegação nos canais alemães em causa nos presentes processos, uma vez que são comparáveis, em larga medida, às vias navegáveis interiores neerlandesas.

O Governo alemão indicou, pelo contrário, que a legislação alemã previa a possibilidade de um reconhecimento dos certificados estrangeiros, tendo havido negociações com o Governo neerlandês para efeitos do reconhecimento dos certificados de condução de embarcações neerlandeses, não tendo sido possível na altura acordar esse reconhecimento, uma vez que o Governo considerou que o regime neerlandês relativo à emissão dos certificados de condução das embarcações não oferecia suficientes garantias, quanto mais não fosse porque a obrigação de se ser titular de um certificado de condução de embarcações válido só existia nos Países Baixos desde o dia 1 de Abril de 1991 e porque certos regimes transitórios aplicáveis até 1984 permitiam que os barqueiros obtivessem um certificado de condução de embarcações mediante a simples apresentação de uma declaração nos termos da qual preenchiam os requisitos de aptidão e de experiência exigidos.

Na minha opinião, deve-se, nos presentes casos, poder atribuir uma importância decisiva ao facto de a Directiva 91/672 reconhecer o Groot Vaarbewijs II neerlandês como válido para a navegação numa série de vias navegáveis alemãs. À luz deste elemento, a argumentação do Governo alemão parece pouco convincente.

Top