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Document 61990CJ0255

Acórdão do Tribunal (Quarta Secção) de 31 de Março de 1992.
Jean-Louis Burban contra Parlamento Europeu.
Recurso - Recusa de admissão a concurso - Dever de solicitude e princípio de boa administração.
Processo C-255/90 P.

Colectânea de Jurisprudência 1992 I-02253

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:153

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-255/90 P ( *1 )

I — Factos e tramitação processual perante o Tribunal de Primeira Instância

1.

Resulta do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Junho de 1990, Burban/Parlamento (T-133/89, Colect., p. II-245), que:

«1.

O Parlamento Europeu publicou, em 28 de Dezembro de 1988, um aviso de concurso geral PE/44/A (JO C 333, p. 16), documental e por prestação de provas, destinado a prover um lugar dé chefe de divisão de língua francesa, de grau A 3, para dirigir o Serviço de Informação de Paris. Desse aviso constavam nomeadamente os dois pontos seguintes:

a)

sob a rubrica ‘Concurso — Natureza e condições de admissão’, no ponto III, B. 1. c):

‘Para a constituição dós seus processos, os candidatos, incluindo os funcionários e outros agentes do Parlamento Europeu e de outras instituições da Comunidade Europeia, não podem, em caso algum, referir-se a documentos, actos de candidatura, fichas de informação, etc., entregues em candidaturas anteriores.’

b)

sob a rubrica ‘Apresentação das candidaturas’, no ponto VII:

‘Os candidatos devem enviar o formulário do acto de candidatura inserido no presente Jornal Oficial a ‘Parlamento Europeu, Serviço de Recrutamento, L-2929 Luxemburgo’. Este acto de candidatura, acompanhado dos documentos comprovativos dos seus estudos e experiência profissional, deve ser enviado em carta registada, o mais tardar no dia 13 de Fevereiro de 1989 à meia-noite, fazendo fé a data do carimbo do correio’. Um nota bene, redigido em itálico, precisava que: ‘Os candidatos que não tenham apresentado os actos de candidatura, bem como todos os documentos comprovativos no prazo estabelecido, não serão admitidos a concurso. O mesmo valerá para os funcionários e outros agentes do Parlamento Europeu e de outras instituições da Comunidade Europeia’.

Por fim, o formulário de acusação da recepção do acto de candidatura a preencher pelo candidato precisava que ‘apenas os documentos comprovativos de diplomas ou certificados de estudo e da experiência profissional expedidos nos prazos estabelecidos no aviso de concurso ou no aviso de recrutamento sob a rubrica ‘Apresentação das candidaturas’ serão tomados em consideração.’

2.

O recorrente, ao serviço do Parlamento desde 1968, exercia as funções de adjunto do director do Serviço de Informação do Parlamento Europeu em Paris, desde 1982, quando apresentou a sua candidatura a este concurso, enviando o formulário do acto de candidatura no prazo, mas não o fazendo acompanhar dos diplomas e documentos comprovativos da sua experiência profissional. Com efeito, no decorrer do mês de Janeiro de 1989, sustenta ter tido uma conversa telefónica com o chefe do serviço ‘Estatuto e Gestão do Pessoal’ do Parlamento, em que este último teria dito que, na sua opinião, para os funcionários da instituição candidatos a um concurso, estes documentos eram directamente comunicados ao júri pela administração. O chefe do serviço ‘Estatuto e Gestão de Pessoal’ enviou, em 28 de Junho de 1989, ao presidente do júri, uma carta confirmando que tal conversa telefônica tinha tido lugar...

3.

Em 24 de Maio de 1989, o presidente do júri do concurso enviou uma carta ao recorrente informando-o da rejeição da sua candidatura decidida pelo júri aquando da reunião de 17 de Maio de 1989, invocando duas razões: ‘apresentação de documentos comprovativos fora de prazo’ e ‘falta de documentos comprovativos’.

4.

A 13 de Junho de 1989, o recorrente dirigiu ao presidente do Parlamento uma reclamação, pedindo o adiamento das provas, fixadas de 3 a 6 de Julho de 1989, para — na sua opinião — reparar a injustiça cometida contra si. Sustenta, em primeiro lugar, que a administração do Parlamento, na pessoa do chefe do serviço ‘Estatuto e Gestão do Pessoal’, o tinha induzido em erro; em segundo lugar, estando em Paris, encontrava-se afastado da administração central do Parlamento; em terceiro lugar, devido ao dever de solicitude, a entidade competente para proceder a nomeações tinha ‘o direito e mesmo o dever de corrigir as decisões do júri, no caso de um candidato ser vítima de uma falta ou erro administrativo’.

5.

Na mesma data de 13 de Junho de 1989, o recorrente dirigiu igualmente uma carta ao presidente do júri na qual, por um lado, lhe pedia para reconsiderar a sua decisão de recusa de admissão a concurso e, por outro, desenvolvia os mesmos argumentos expostos ria carta dirigida ao presidente do Parlamento...

...

8.

A 5 de Julho de 1989, o presidente do júri dirigiu ao recorrente uma carta indicando-lhe que, por decisão de 3 de Julho de 1989, o júri confirmou a anterior decisão de não admissão ao concurso.»

2.

Foi nestas condições que, em 28 de Agosto de 1989, J. L. Búrban interpôs um recurso de anulação dessa decisão do júri. J. L. Burban concluía pedindo que o Tribunal se dignasse:

declarar o presente recurso admissível e fundamentado;

em consequência, anular:

a)

a decisão de 3 de Julho de 1989 do júri do concurso geral PE/44/A de não o admitir ao concurso;

b)

qualquer outra decisão posterior tomada pelo júri deste concurso e mais precisamente a que estabelece a lista de aptidão, bem como qualquer decisão da parte contrária que se baseie em tais decisões;

c)

a título subsidiário, a decisão do júri de 15 de Maio de 1989 que recusou pela primeira vez admiti-lo ao concurso;

condenar o recorrido nas despesas da causa, nos termos quer do artigo 69.°, n.° 2, quer do artigo 69.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo, bem cómo nas despesas indispensáveis suportadas para fins do processo, nomeadamente com a escolha de domicílio, deslocação, estada e honorários de advogados, nos termos do artigo 73.°-B do mesmo regulamento.

3.

Em apoio do recurso que interpôs no Tribunal de Primeira Instância, J. L. Búrban invocou três fundamentos baseados, respectivamente, no incumprimento do dever de solicitude e do princípio da boa administração, na violação do artigo 25.° do Estatuto, relativo à obrigação de fundamentação, e na violação, pelo aviso de concurso, do artigo 2.° do anexo III do Estatuto e do dever de solicitude.

4.

No que diz particularmente respeito ao primeiro desses fundamentos, o Tribunal de Primeira Instância salienta, no acórdão impugnado, que

«...

27.

Assim, convém, liminarmente, lembrar que o Tribunal considerou nos acórdãos de 28 de Maio de 1980, Kuhner/Comissão (33/79 e 75/79, Recueil, p. 1677), de 9 de Dezembro de 1982, Plug/Comissão (191/81, Recueil, p. 4229), e de 23 de Outubro de 1986, Schwiering (321/85, já citado), que, embora não mencionado no Estatuto dos Funcionários, o dever de solicitude da administração face aos seus funcionários, que se impõe igualmente a um júri de concurso, reflecte o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocas que o Estatuto instituiu nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. Este dever, tal como o princípio da boa administração, implica nomeadamente que, quando a administração toma uma decisão sobre a situação de um funcionário, a autoridade toma em consideração o conjunto dos elementos susceptíveis de determinar a sua decisão e, deste modo, tem em consideração não só o interesse do serviço mas também o do funcionário em questão.

28.

Importa examinar, portanto, se, como sustentou o recorrente, a administração do Parlamento Europeu ou o júri do concurso faltaram, no caso vertente, ao dever de solicitude assim definido.

29.

Deve, em primeiro lugar, ter-se em conta que o aviso do concurso PE/44/A prescreve, sem qualquer equívoco, por duas vezes, uma das quais em itálico — com o objectivo de chamar a atenção — e para o conjunto dos candidatos, incluindo os funcionários do Parlamento Europeu, a obrigação de juntar ao seu acto de candidatura todos os documentos comprovativos dos seus diplomas e experiência profissional, sob pena de não serem admitidos a concurso. Esta obrigação é lembrada uma terceira vez num formulário de recepção do acto de candidatura que deve ser preenchido pelo próprio candidato quando envia o seu acto de candidatura ao serviço de recrutamento e quando este lhe é mandado de volta.

30.

Esta obrigação, assim mencionada por três vezes, é, além do mais, desprovida de qualquer ambiguidade, contrariamente ao que sustenta o recorrente, nomeadamente no decurso da audiência. Se, sob a rubrica III, B. 1. c), já citada, o aviso de concurso proíbe a todos os candidatos, incluindo os funcionários do Parlamento Europeu, de se referirem para a constituição do seu processo individual a documentos entregues por altura de candidaturas anteriores, esta proibição visa, no caso em apreço, sem qualquer equívoco, os diplomas ou outros documentos que tinham sido juntos pelo recorrente ao acto de candidatura inicialmente enviado por si ao Parlamento Europeu, quando se tornou, em 1968, funcionário desta instituição. Seguidamente, a distinção feita pelo recorrente entre, por um lado, documentos entregues por altura das candidaturas anteriores e, por outro, documentos que constituem a totalidade do processo individual do funcionário, no qual se compreendem necessariamente os primeiros, não pode deixar de ser afastada. Além do mais, as outras disposições já citadas do aviso de concurso demonstram, se fosse necessário, que a interpretação do recorrente não pode ser acolhida.

31.

Importa acrescentar que, no âmbito de um concurso documental e por prestação de provas, cabe apenas ao candidato determinar os diplomas, documentos e atestações da experiência profissional que entende juntar em anexo ao seu acto de candidatura e não aos serviços de gestão de pessoal, tendo em conta o risco de erro em que podem incorrer. Não cabe, pois, a estes serviços transmitir ao júri o processo individual completo do interessado que compreende outros documentos cuja apresentação é pedida no aviso do concurso, o que imporia ao júri pesadas tarefas materiais, incompatíveis com o respeito do princípio da boa administração.

...

33.

Resulta do que vem dito que os serviços do Parlamento Europeu não faltaram ao dever de solicitude a que estão obrigados face ao recorrente nem ao respeito do princípio da boa administração, uma vez que o equilíbrio de direitos e obrigações recíprocas entre a instituição e o recorrente exigiam que este fizesse uma leitura atenta e séria das disposições do aviso de concurso, que é efectivamente claro, preciso e incondicional.

34.

Tratando-se do respeito do dever de solicitude e do princípio da boa administração por parte do júri do concurso, cabe referir, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, pertence, em princípio, ao candidato a um concurso fornecer ao júri todas as informações e documentos que lhe permitam verificar se estão preenchidas as condições fixadas no respectivo aviso. Com efeito, um júri não está obrigado a proceder ele próprio a investigações para verificar se os candidatos satisfazem o conjunto das condições indicadas no aviso de concurso. E a estes últimos que compete fornecer ao júri todas as informações que consideram úteis para o exame da sua candidatura, a fortiori, se para talsãp expressa è formalmente convidados (ver, nomeadamente, acórdão de 12 de Julho de 1989, Belardinelli /Tribunal de Justiça, 225/87, Colect., p. 2353).

...

36.

Importa sublinhar, em terceiro lugar, que as informações erradas que teriam sido dadas ao recorrente pelo chefe do serviço ‘Estatuto e Gestão do Pessoal’ no decurso de uma comunicação telefónica, a dá-las como provadas e por lamentável que seja, não eram de molde a dispensá-lo de uma leitura atenta das prescrições em questão do aviso de concurso, indicadas de modo claro, preciso e incondicional. Tal interpretação errada, admitindo que tenha sido efectivamente dada nos termos relatados pelo recorrente e pelo funcionário em questão do Parlamento Europeu, não pode vincular esta instituição, perante um aviso de concurso sem qualquer ambiguidade, sobretudo quando, por um lado, o funcionário do Parlamento Europeu que deu tal interpretação reconheceu, na carta de 8 de Junho de 1989, que tinha ‘alargado aos candidatos internos a um concurso externo o que só era válido para um concurso interno’, e, por outro lado, o próprio recorrente, na carta de 13 de Junho de 1989 enviada ao presidente do júri, sustenta que os seus colegas candidatos internos no mesmo concurso obtiveram, por seu turno, informações exactas dos serviços competentes do Parlamento.

37.

Em quarto lugar, o recorrente não pode invocar diferenças de tratamento no plano da remuneração e da nomeação entre candidatos funcionários e candidatos externos após a sua entrada em funções para tentar justificar uma diferença de tratamento aquando das modalidades de selecção dos candidatos no âmbito do mesmo processo de concurso geral. Tal discriminação nas modalidades de escolha dos candidatos funcionários e dos externos violaria, com efeito, o princípio da igualdade de todos os candidatos perante um mesmo processo de concurso.

38.

Resulta do que vem dito que a administração do Parlamento Europeu e o júri do concurso não violaram o dever de solicitude e o respeito do princípio da boa administração a que estão obrigados face ao recorrente, que foi correctamente que o júri, na decisão de 17 de Maio de 1989, confirmada pela de 3 de Julho do mesmo ano, não admitiu a candidatura do recorrente a este concurso por este não ter juntado ao formulário do seu acto de candidatura qualquer documento comprovativo.

39.

Nestas condições, os outros argumentos alegados pelo recorrente, a saber, o seu afastamento dos serviços do Parlamento Europeu devido ao lugar que ocupava em Paris, o facto de o seu superior hierárquico ser membro do júri do concurso e a circunstância da administração não poder ignorar que ele preenchia as condições exigidas não relevam e não podem justificar o seu próprio desconhecimento das disposições inequívocas do aviso do concurso PE/44/A.

40.

Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

...»

II — Objecto e conclusões do recurso

5.

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Agosto de 1990, J. L. Búrban interpôs recurso do supramencionado acórdão do Tribunal de Primeira Instância, notificado ao interessado em 20 de Junho de 1990, com fundamento em ter sido proferido em violação do direito comunitário.

6.

J. L. Búrban conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

quanto à forma, julgar o presente recurso admissível;

quanto ao mérito, julgá-lo procedente;

em consequência

I —

julgar procedente o pedido do recorrente, tal como foi formulado em primeira instância;

anular a decisão de 3 de Julho de 1989 do júri do concurso geral PE/44/A de não o admitir ao concurso;

anular qualquer outra decisão posterior tomada pelo júri deste concurso e mais precisamente a que estabelece a lista de aptidão, bem como qualquer decisão da parte contrária que se baseie em tais decisões;

a título subsidiário, anular a decisão do júri de 15 de Maio de 1989 que recusou pela primeira vez a admissão do recorrente ao concurso;

II —

condenar o recorrido nas despesas das duas instâncias, nos termos quer dos artigos 69.°, n.° 2, e 122.°, quer dos artigos 69.°, n.° 3, segundo parágrafo, e 122.° do Regulamento de Processo, bem como nas despesas indispensáveis suportadas para fins do processo, nomeadamente com a escolha de domicílio, deslocação e honorários de advogados, nos termos do artigo 73.°, alínea b), do mesmo regulamento.

7.

O Parlamento Europeu conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

quanto ao mérito, negar provimento ao recurso;

quanto às despesas, decidir em conformidade com as disposições aplicáveis do Regulamento de Processo.

III — Fundamentos e argumentos das partes

8.

J. L. Búrban expõe, em apoio do seu recurso, um único fundamento baseado na interpretação errada e, por conseguinte, na violação do princípio do dever de solicitude e do princípio da boa administração por parte do acórdão impugnado. A este respeito, apresenta os argumentos que se seguem.

9.

Resulta da jurisprudência do Tribunal, de Justiça (acórdãos de 23 de Outubro de 1986, Schwiering/Tribunal dę Contas, 321/85, Colect., p. 3199, e de 4 de Fevereiro de 1987, Maurissen/Tribunal de Contas, 417/85, Colect., p. 551) que o dever de solicitude e o princípio da boa administração impõem ao júri do concurso, nomeadamente num caso como o de J. L. Búrban, a obrigação de prevenir o funcionário do caracter incompleto do seu processo, recorrendo ao artigo 2° do anexo III do Estatuto, ou, pelo menos, de lhe permitir completar o seu processo.

10.

J. L. Búrban precisa que, na verdade, essa obrigação do júri não existe nos casos em que o funcionário cometeu um erro não desculpável, ou seja, quando agiu com culpa grave ou com culpa voluntária. Em contrapartida, o dever de solicitude é aplicável no caso de uma «culpa levíssima», ou seja, de um erro benigno e desculpável do funcionário. Por maioria de razão, deve proceder-se assim quando o funcionário foi induzido em erro pela própria administração.

11.

Ora, a interpretação que o Tribunal de Primeira Instância adopta, no acórdão impugnado, da noção pretoriana do dever de solicitude e da boa administração é demasiado restritiva na medida em que a menor falta do funcionário dispensaria a administração e, em particular, um júri de concurso de respeitar este dever. Todavia, se o comportamento do funcionário está isento de qualquer censura, o dever de solicitude deixa de ter razão de existir. Foi precisamente com o objectivo de salvaguardar os interesses do funcionário e, bem entendido, os interesses da administração que esta noção foi criada pelo Tribunal de Justiça.

12.

J. L. Búrban alega igualmente ser errada a referência feita pelo Tribunal de Primeira Instância, no acórdão impugnado, ao acórdão de 12 de Julho de 1989, Belardinelli/Tribunal de Justiça (225/87, Colect., p. 2353), donde decorre que o júri do concurso não está obrigado a proceder ele próprio a investigações para verificar se os candidatos satisfazem o conjunto das condições indicadas no aviso de concurso. Não existe qualquer possibilidade de analogia com este acórdão uma vez que, no caso vertente, não se trata de efectuar investigações já que era notório, para os membros do júri e, sobretudo, para o respectivo presidente, que o recorrente dispunha dos diplomas e da experiência profissional exigidos no aviso de concurso.

13.

J. L. Búrban considera errado o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância segundo o qual o facto de prevenir o recorrente do carácter incompleto do seu processo seria discriminatório em relação aos candidatos não funcionários. Alega que a sua admissão a concurso não diminuía, de modo algum, as hipóteses de um candidato externo cujas qualidades fossem superiores às suas.

14.

Por fim, J. L. Búrban considera que a finalidade de um concurso não é a de criar um jogo de regras formalistas, imutáveis, que devem ser aplicadas com rigor, com o objectivo de eliminar o máximo de candidatos antes das provas propriamente ditas, mas o de aí fazer chegar o máximo de candidatos para que a administração disponha da escolha mais vasta possível de candidatos para poder seleccionar o melhor.

15.

O Parlamento Europeu refere-se, no que diz respeito ao alcance do dever de solicitude e do princípio da boa administração, ao raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Primeira Instância (n.os 27 e 29 a 36 do acórdão impugnado). Acrescenta que J. L. Búrban não tem razão quando considera que, na hipótese de um erro desculpável, o que, em qualquer caso, não sucede no caso vertente, o júri tem a obrigação de prevenir o funcionário do carácter incompleto do seu processo.

16.

Aceitar essa tese significaria que, para cada candidato cujos documentos comprovativos faltam ou estão incompletos, o júri deveria examinar as razões devido às quais o respectivo processo está incompleto, com vista a determinar se essa circunstância resultou de um «erro desculpável» do interessado. Ora, para além do facto de o júri não dispor de dados que o permitam levar a bom termo uma investigação sobre o «erro desculpável», tal obrigação exorbitante não pode ser deduzida do dever de solicitude e do princípio da boa administração.

17.

De igual modo, é errada a tese de J. L. Búrban de acordo com a qual o facto de o júri, sobretudo o seu presidente, não poder ignorar que o recorrente possuía os diplomas e a experiência profissional exigidos implicava para esse júri a obrigação de dar ao interessado a possibilidade de completar o seu processo, utilizando a faculdade prevista no artigo 2° do anexo III do Estatuto. O princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação impedem que o júri possa tomar tal iniciativa com base no conhecimento pessoal que o seu presidente têm de um candidato. Noutros termos, o dever de solicitude e o princípio da boa administração não podem implicar a obrigação de conceder um tratamento preferencial a um candidato.

C. N. Kakouris

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: francês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

31 de Março de 1992 ( *1 )

No processo C-255/90 P,

Jean-Louis Búrban, representado por Jean-Paul Noesen, advogado no foro do Luxemburgo, com domicílio escolhido no Luxemburgo no seu escritório, 38, avenue Victor Hugo,

recorrente,

que tem por objecto o recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Quinta Secção) em 20 de Junho de 1990, no processo T-133/89, em que foram partes Jean-Louis Búrban e o Parlamento Europeu, com vista à revogação deste acórdão,

sendo recorrido neste processo:

Parlamento Europeu, representado por Jorge Campinos, jurisconsulto, e Manfred Peter, chefe de divisão, na qualidade de agentes, assistidos por Hugo Vanderberghe, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete do seu agente Manfred Peter,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: P. J. G. Kapteyn, presidente de secção, C. N. Kakouris e Diez de Velasco, juízes,

advogado-geral: C. Gulmann

secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 24 de Outubro de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Dezembro de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Agosto de 1990, J. L. Búrban interpôs recurso do acórdão de 20 de Junho de 1990, Burban/Parlamento (T-133/89, Colect., p. II-245), pelo qual o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao seu recurso que visava a anulação das decisões do júri do concurso geral PE/44/A de não o admitir ao concurso.

2

Resulta do acórdão impugnado que o recorrente, ao serviço do Parlamento desde 1968, exercia as funções de adjunto do director do Serviço de Informação do Parlamento Europeu em Paris quando apresentou a sua candidatura ao supramencionado concurso. Todavia, não anexou ao formulário do seu acto de candidatura os diplomas e documentos comprovativos da sua experiência profissional, apesar das expressas prescrições em contrário constantes do aviso de concurso. Por conseguinte, por decisão de 17 de Maio de 1989, confirmada por uma segunda decisão de 3 de Julho de 1989, o júri não admitiu o recorrente ao concurso.

3

No Tribunal de Primeira Instância, o recorrente alegou que estas decisões do júri eram ilegais por terem sido tomadas, designadamente, em violação do dever de solicitude e do princípio da boa administração. O recorrente sustentou, a este respeito, que a administração do Parlamento tinha a obrigação, em virtude desse dever e desse princípio, de o prevenir do seu erro e que o júri do concurso lhe devia dar a possibilidade de o rectificar pelas seguintes razões: a) foi induzido em erro pelas informações que lhe deu o chefe do serviço «Estatuto e Gestão do Pessoal» do Parlamento quando o consultou por telefone; b) o júri não podia ignorar que ele preenchia as condições exigidas pelo aviso de concurso já que o chefe do Serviço de Informação de Paris, seu superior hierárquico, era membro desse júri; e c) o júri devia ter aplicado o segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), que lhe permitia convidar o candidato a completar o seu processo.

4

Em apoio do seu recurso, o recorrente apresenta um «único fundamento» baseado na interpretação errada e, por conseguinte, na violação pelo acórdão impugnado da noção do dever de solicitude e do princípio da boa administração. Em particular, o Tribunal de Primeira Instância terá efectuado uma interpretação demasiado restritiva do dever de solicitude e do princípio da boa administração quando concluiu que as circunstâncias mencionadas no n.° 3 não eram de molde a criar, para o júri do concurso, a obrigação de informar o funcionário do carácter incompleto do seu processo.

5

Formulado nestes termos, o fundamento sustentado constitui, na realidade, um fundamento baseado na aplicação incorrecta dos mesmos princípios, tendo em atenção as circunstâncias que caracterizam o caso considerado. Convém, pois, analisar esse fundamento relativamente a cada uma dessas circunstâncias.

6

Para mais ampla exposição dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos dos autos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal de Justiça:

7

No n.° 27 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância relembra a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao dever de solicitude e ao princípio da boa administração. A este respeito, esclarece que, como o Tribunal de Justiça considerou nos acórdãos de 28 de Maio de 1980, Kuhner/Comissão (33/79 e 75/79, Recueil, p. 1677), de 9 de Dezembro de 1982, Plug/Comissão (191/81, Recueil, p. 4229), e de 23 de Outubro de 1986, Schwiering/Tribunal de Contas (321/85, Colect., p. 3199), «embora não mencionado no Estatuto dos Funcionarios, o dever de solicitude da administração face aos seus funcionários, que se impõe igualmente a um júri de concurso, reflecte o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocas que o Estatuto institui nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. Este dever, tal como o princípio da boa administração, implica nomeadamente que, quando a administração toma uma decisão sobre a situação de um funcionário, a autoridade toma em consideração o conjunto dos elementos susceptíveis de determinar a sua decisão e, deste modo, tem em consideração não só o interesse do serviço mas também o do funcionário em questão».

8

De seguida, nos n.os 29 a 34 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância salienta que o aviso do concurso prescrevia, claramente e sem qualquer equívoco, a obrigação que incumbia a todos os candidatos, incluindo os funcionários do Parlamento Europeu, de juntar ao seu acto de candidatura todos os documentos comprovativos dos seus diplomas e experiência profissional, sob pena de não serem admitidos a concurso, e conclui que, no âmbito de um concurso geral documental e por prestação de provas, cabe apenas ao candidato cumprir esta obrigação, e não aos serviços de gestão de pessoal ou ao júri do concurso.

9

O recorrente não contesta o facto de que, em conformidade com o aviso de concurso, lhe incumbia a obrigação de juntar ao seu acto de candidatura os documentos comprovativos exigidos. Todavia, sustenta que a administração ou o júri do concurso tinham a obrigação, em virtude das circunstâncias específicas do seu caso, de o informar do carácter incompleto do seu processo e que, ao rejeitar esta tese no acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância efectuou uma aplicação errada do dever de solicitude e do princípio da boa administração. Convém, pois, examinar o alcance do dever de solicitude e do princípio da boa administração atendendo a estas circunstâncias.

Quanto às informações dadas por um funcionário do Parlamento

10

O Tribunal de Primeira Instância afirma, no n.° 36 do acórdão impugnado, que «as informações erradas que teriam sido dadas ao recorrente pelo chefe do serviço ‘Estatuto e Gestão do Pessoal’ no decurso de uma comunicação telefônica, a dá-las como provadas e por lamentável que seja, não eram de molde a dispensá-lo de uma leitura atenta das prescrições em questão do aviso de concurso, indicadas de modo claro, preciso e incondicional» e que «tal interpretação errada, admitindo que tenha sido efectivamente dada nos termos relatados pelo recorrente e pelo funcionário em questão do Parlamento Europeu, não pode vincular esta instituição».

11

O recorrente alega que o dever de solicitude e o princípio da boa administração são aplicáveis quando o funcionário foi induzido em erro pela própria administração.

12

Esta alegação do recorrente não procede. Com efeito, quando as disposições claras do aviso de concurso prescrevem, sem equívoco, a obrigação de juntar ao acto de candidatura os documentos comprovativos exigidos, as informações erradas dadas por um funcionário, que não tem qualquer competência para modificar essas disposições, não podem, tendo em conta a acepção do dever de solicitude e do princípio da boa administração, habilitar ou, por maioria de razão, obrigar o júri ou a autoridade investida do poder de nomeação a agir em contrariedade com esse aviso de concurso.

Quanto à participação do superior hierárquico do recorrente no júri do concurso

13

No mesmo acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, ao não convidar o recorrente a completar o seu processo, o júri do concurso não violou, designadamente, o dever de solicitude e o princípio da boa administração já que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (ver, nomeadamente, acórdão de 12 de Julho de 1989, Belardinelli/Tribunal de Justiça, 225/87, Colect., p. 2353), um júri de concurso não está obrigado a proceder ele próprio a investigações para verificar se os candidatos satisfazem o conjunto das condições indicadas no aviso de concurso (n.° 34 do acórdão impugnado). O Tribunal de Primeira Instância também considerou inoperante o argumento que o recorrente baseava no facto de o seu superior hierárquico ser membro do referido júri do concurso (n.° 39).

14

Segundo o recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não tem razão ao referir-se ao acórdão Belardinelli/Tribunal de Justiça para sustentar a sua interpretação do dever de solicitude e do princípio da boa administração. Não existe qualquer possibilidade de analogia com esse acórdão já que, no caso vertente, o júri do concurso não devia proceder a qualquer investigação para verificar se o recorrente satisfazia as condições exigidas uma vez que o seu superior hierárquico era membro do júri.

15

Basta salientar a este respeito que o facto de um membro do júri do concurso ser o superior hierárquico do recorrente não autoriza esse júri a desrespeitar as exigências claras do aviso do concurso. Aliás, tal iniciativa do júri constituiria uma discriminação relativamente aos candidatos que se encontravam na mesma situação do recorrente e que, no entanto, seriam afastados pois nenhum membro do júri os conhecia. Por conseguinte, o argumento sustentado pelo recorrente não pode ser acolhido.

Quanto ao segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do Estatuto

16

O Tribunal de Primeira Instância salienta no acórdão impugnado (n.° 35) que o segundo parágrafo do artigo 2° do anexo III do Estatuto, nos termos do qual os candidatos «podem ser convidados a fornecer todos os documentos ou informações complementares» no âmbito dos processos de concurso organizados pelas instituições, confere uma mera faculdade ao júri de solicitar aos candidatos informações complementares quando se suscitam dúvidas sobre o alcance de determinado documento apresentado, mas não pode, de modo algum, ser interpretado como impondo uma obrigação de o júri solicitar o envio do conjunto dos documentos requeridos e, por conseguinte, o recorrente não pode invocar esta disposição para se subtrair a uma obrigação clara, precisa e incondicional prescrita no aviso de concurso.

17

Além do mais, respondendo ao argumento do recorrente segundo o qual o recurso a essa disposição se impunha tanto mais que o princípio da igualdade de tratamento não se podia aplicar no caso em apreço, já que os candidatos funcionários e os candidatos externos estavam em situação jurídica diferente, o Tribunal de Primeira Instância considerou (n.° 37) que uma discriminação nas modalidades de escolha dos candidatos funcionários e dos candidatos externos violaria o princípio da igualdade de todos os candidatos perante um mesmo processo de concurso.

18

O recorrente sustenta, referindo-se aos acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1986, Schwiering/Tribunal de Contas, já referido, e de 4 de Fevereiro de 1987, Maurissen/Tribunal de Contas (417/85, Colect., p. 551), que, a partir do momento em que o citado artigo conferia ao júri a possibilidade de solicitar aos candidatos informações complementares, este, no contexto do dever de solicitude e do princípio da boa administração, tinha a obrigação de utilizar essa faculdade e de prevenir o recorrente do carácter incompleto do seu processo.

19

Além disso, o recorrente considera errado o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância relativo ao princípio da igualdade, já que a sua admissão ao concurso não diminuiria, de modo algum, as probabilidades de um candidato externo cujas qualidades fossem superiores às suas.

20

Deve-se observar, a este respeito, que o recorrente, invocando o dever de solicitude e o princípio da boa administração, não pode transformar numa obrigação o que o legislador concebeu como uma simples faculdade do júri do concurso. Os acórdãos invocados pelo recorrente, para além do facto de terem por objecto concursos internos, diziam respeito a casos em que o júri já tinha decidido utilizar a faculdade oferecida pelo segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do Estatuto.

21

Há que salientar, além disso, que é a justo título que o acórdão impugnado considerou o ponto de vista do recorrente contrário ao princípio da igualdade de tratamento entre candidatos funcionários e candidatos externos que se encontram na mesma situação do recorrente no âmbito do mesmo processo de concurso geral.

22

Por conseguinte, os argumentos do recorrente relativos ao segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do Estatuto não podem ser acolhidos.

Quanto à gravidade do erro cometido pelo funcionário

23

Por fim, o recorrente alega que o dever de solicitude e o princípio da boa administração são aplicáveis no caso em que o funcionário cometeu um erro benigno e desculpável, o que sucede no caso vertente. Se o comportamento do funcionário estivesse sempre ao abrigo de qualquer reprovação, o dever de solicitude deixaria de ter razão de existir.

24

A este respeito, e sem ser necessário examinar a admissibilidade da alegação do recorrente respeitante ao facto de o seu erro ser desculpável, basta referir que o dever de solicitude e o princípio da boa administração não são aplicáveis no caso do erro invocado pelo recorrente, nas circunstâncias anteriormente examinadas.

25

Decorre de todas as considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente.

Quanto às despesas

26

Nos termos do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. No presente processo, o Parlamento Europeu pediu ao Tribunal de Justiça que decidisse sobre as despesas em conformidade com as disposições do Regulamento de Processo. Essa conclusão não pode ser considerada como um pedido de condenação do recorrente nas despesas. Assim, cada parte deve suportar as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

 

Kapteyn

Kakouris

Diez de Velasco

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 31 de Março de 1992.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Quarta Secção

P. J. G.


( *1 ) Língua do processo: francês.

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