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Document 61990CJ0041

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 23 de Abril de 1991.
    Klaus Höfner e Fritz Elser contra Macrotron GmbH.
    Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht München - Alemanha.
    Livre prestação de serviços - Exercício de autoridade pública - Concorrência -Consulto em matéria de recrutamento de quadros e de dirigentes de empresas.
    Processo C-41/90.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-01979

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:161

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-41/90 ( *1 )

    I — Matéria de facto

    1. Enquadramento jurídico

    a) Direito internacional

    1.

    Na sua 3. a sessão, a Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho adoptou, em 9 de Julho de 1948, a convenção n.o 88 relativa à organização do serviço de emprego (Conventions et recommandations adoptées para la conférence international du travail, 1919-1966, Bureau international du travail, Genebra, 1966, p. 756). O artigo l.o desta convenção obriga cada Estado-membro no qual esta se encontre em vigor, a manter ou procurar que seja mantido um serviço público e gratuito de emprego. Este serviço deve, nos termos do artigo 2.o, ser constituído por um sistema nacional de delegações de emprego colocado sob a direcção de uma autoridade nacional. O artigo 6.o estabelece que o serviço deve ser organizado de modo a assegurar eficazmente o recrutamento e a colocação dos trabalhadores.

    2.

    O artigo 10.o impõe a adopção de todas as medidas possíveis pelo serviço de emprego e, se necessário, por outras autoridades públicas, em colaboração com as organizações de patrões e trabalhadores e outros organismos interessados, a fim de encorajar a plena utilização, numa base voluntária, do serviço de emprego por patrões e trabalhadores. Por último, o artigo 11.o impõe às autoridades competentes a adopção de todas as medidas necessárias para garantir uma cooperação eficaz entre o serviço público de emprego e os organismos privados de colocação que tenham fins não lucrativos.

    3.

    A convenção n.o 96 adoptada em 1 de Julho de 1949 pela Conferência Geral na sua 32a sessão diz respeito às agências de colocação não gratuitas (Conventions et recommandations adoptées par la conférence international du travail, 1919-1966, Bureau international du travail, Genebra, 1966, p. 835). O seu artigo l.o distingue entre «as agências de colocação não gratuitas criadas com fim lucrativo e as que não têm fim lucrativo. As agências com fim lucrativo são definidas como todas as pessoas, sociedades, instituições, agências ou quaisquer outras organizações que sirvam de intermediários para fornecer um emprego a um trabalhador ou um trabalhador a um empregador, a fim de obterem de um ou de outro um lucro material directo ou indirecto; esta definição não se aplica aos jornais ou outras publicações, salvo àqueles cujo objectivo único ou principal seja actuarem como intermediários entre empregadores e trabalhadores.

    4.

    O artigo 2o da convenção oferece aos membros que a ratifiquem a possibilidade de indicar se aceitam as disposições da parte III que prevêem a supressão progressiva das agências de colocação não gratuitas com fins lucrativos e a regulamentação das outras agências de colocação, ou as disposições da parte III, que prevêem a regulamentação das agências de colocação não gratuita, incluindo as de colocação com fins lucrativos. A eliminação gradual destas últimas agências, de acordo com as regras estabelecidas na parte II da convenção, não é no entanto absoluta. O artigo 5.o, n.o 1, esclarece, na verdade, que a autoridade competente permitirá, a título excepcional, derrogações à eliminação, relativamente a categorias de pessoas, definidas de forma precisa pela legislação nacional, cujo pedido de colocação não possa ser convenientemente atendido no âmbito do serviço público de emprego, mas apenas após consulta, por meios adequados, das organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas. O n.o 2 desta disposição enumera as condições a que estão sujeitas as derrogações. A agência em causa deverá ficar submetida ao controlo da autoridade competente, deverá possuir uma licença especial, apenas poderá cobrar taxas e despesas que constem de uma tabela aprovada pela autoridade competente e não poderá colocar ou recrutar trabalhadores no estrangeiro se para tal não estiver autorizada pela autoridade competente e nas condições estabelecidas pela legislação em vigor.

    5.

    O artigo 8.o prevê que serão estabelecidas sanções penais adequadas, incluindo a apreensão, se for caso disso, da licença ou da autorização prevista pela convenção, relativamente quer a qualquer infracção à parte II da convenção, quer às prescrições da legislação que lhe der cumprimento.

    6.

    A convenção n.o 96 foi ratificada por todos os Estados-membros da Comunidade, com excepção da Dinamarca e do Reino Unido.

    b) Direito nacional

    7.

    O serviço de emprego encontra-se regulamentado na Alemanha pela Arbeitsförderungsgesetz (lei do fomento do emprego, a seguir «AFG»). O seu artigo 1.o fixa o objectivo da AFG: as medidas adoptadas em conformidade com a AFG visam, no quadro da política económica e social do governo federal, alcançar e manter um elevado nível de emprego, melhorar constantemente a estrutura dos empregos e promover deste modo o crescimento da economia. O artigo 3.o confia a realização deste objectivo geral, definido no artigo 2.o, ao Bundesanstalt für Arbeit (serviço federal do emprego, a seguir «BA»). A colocação e a concessão de subsídio de desemprego fazem parte das tarefas que lhe foram atribuídas.

    8.

    A noção de colocação é definida no artigo 13.o da AFG; a colocação, na acepção desta lei, constitui uma actividade que visa pôr em contacto os candidatos a emprego com os empregadores a fim de estabelecerem relações de trabalho. Para desempenhar as suas funções de colocação, o BA beneficia de um direito de exclusividade, nos termos do artigo 4.o O artigo 18.o esclarece, a este respeito, que o recrutamento e a colocação em empregos no estrangeiro, bem como o recrutamento no estrangeiro e a colocação em empregos na Alemanha, constituem actividades reservadas ao BA. Outras instituições ou pessoas podem no entanto levar a cabo tais actividades internacionais após terem obtido autorização prévia do BA. Este decide nesta matéria tendo em conta os interesses dos trabalhadores alemães e da economia alemã, bem como a situação no mercado de emprego. Pode subordinar a sua decisão a condições e obrigações. Nos termos do artigo 18.o, n.o 2, não poderão no entanto ser violadas as disposições do direito comunitário.

    9.

    O artigo 23.o prevê uma outra derrogação possível ao direito exclusivo de colocação. O BA pode, em casos excepcionais e após consulta das associações de trabalhadores e de empregadores em causa, encarregar outras instituições ou pessoas da colocação no que respeita a determinadas profissões. A sua actividade continuará no entanto sujeita ao controlo do BA.

    10.

    O BA exerce, nos termos dos artigos 20.o e 21.o, o direito exclusivo de colocação de forma imparcial e gratuita. O título sexto da AFG diz respeito aos meios financeiros que permitem ao BA levar a cabo as suas actividades desta forma. O artigo 167.o permite-lhe, assim, receber contribuições dos empregadores e dos trabalhadores.

    11.

    O oitavo título da AEF contém disposições em matéria de sanções penais e de con-tra-ordenação. O seu artigo 227.o prevê que quem exercer actividades de colocação de trabalhadores alemães no estrangeiro ou de trabalhadores estrangeiros na Alemanha, sem a autorização prévia prevista no artigo 18.o, ou sem disso ser encarregado pelo BA nos termos do artigo 23.o, é passível de pena de prisão ou de multa. O artigo 228.o prevê a aplicação de multa por actividades de colocação contrárias às disposições da AFG.

    12.

    Apesar da existência do direito exclusivo de colocação do BA, desenvolveu-se na Alemanha uma actividade especial de colocação, relativa a quadros e dirigentes de empresa. Esta actividade é exercida por consultores de recrutamento que prestam assistência às empresas em matéria de política de pessoal. O BA reagiu a esta evolução de dois modos. Publicou, em primeiro lugar, em Setembro de 1957 uma circular sobre os critérios de distinção das actividades de consultor de recrutamento e a de colocação propriamente dita (Amtliche Nachrichten der Bundesanstalt fiir Arbeit 1957, p. 457). Nesta circular, o BA declara que tolerará, no quadro de um acordo com as diversas associações profissionais, determinadas actividades dos consultores de recrutamento. Esta circular foi substituída, em 6 de Novembro de 1970, por um novo texto (Amtliche Nachrichten der Bundesanstalt fiir Arbeit, p. 889).

    13.

    O BA decidiu, em segundo lugar, abrir uma agência para dirigentes (Büro Für Führungskräfte der Wirtschaft), encarregada da colocação de pessoas altamente qualificadas para lugares de quadros nas grandes empresas.

    14.

    Por último, a extensão do monopólio de colocação do BA foi objecto de várias decisões judiciais na Alemanha. Assim, o Bundesverfassungsgericht decidiu, em acórdão de 4 de Abril de 1967(Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, BVerfGE, volume 21, p. 245) que, tendo em conta o interesse geral, este monopólio não era incompatível com o direito de livre escolha de uma profissão. O monopólio deve ser considerado indispensável para evitar os abusos verificados no passado e a fim de remediar as deficiências dos serviços de colocação privados com fim lucrativo. Abrange igualmente, no entender do Bundesverfassungsgericht, o sector da colocação de quadros e dirigentes, ainda que este se distinga da actividade de colocação em geral. Seria difícil estabelecer uma diferenciação, no âmbito do monopólio, em função das diversas profissões, o que prejudicaria a eficácia das actividades do BA. Por seu lado, o Bundesgerichtshof considera que o monopólio se aplica aos quadros e dirigentes (decisão de 23 de Outubro de 1974, IV ZR 7/73, Betriebsberater 2-20, Janeiro de 1975, p. 96). As actividades de consultor de recrutamento apenas escapam a esse monopólio se se traduzirem principalmente em fornecer pareceres e se a assistência na procura de candidatos não der lugar ao pagamento de honorários especiais. Os honorários solicitados pelas actividades de colocação de quadros que não satisfaçam estas condições não podem ser juridicamente tutelados (decisão de 12 de Abril de 1978, IV ZR 157/75, Betriebsberater 28, p. 1415). Com efeito, o artigo 134.o do Código Civil alemão considera nulos os contratos que violem uma proibição legal.

    2. Materia de facto e tramitação do processo principal

    15.

    O processo principal opõe os consultores de colocação, Srs. Höfner e Elser, cidadãos alemães residentes na Alemanha, à sociedade Macrotron, com sede em Munique. As duas partes tinham concluído um contrato de procura e selecção de candidatos a um lugar de director do serviço de vendas. No final dos seus trabalhos, os Srs. Höfner e Elser apresentaram a esta empresa o candidato que consideravam idóneo, R. Dechert, cidadão alemão. A Macrotron decidiu no entanto não recrutar R. Dechert e recusou pagar os honorários dos consultores de colocação. Estes demandaram então a Macrotron perante o Landgericht München I, requerendo que a demandada fosse condenada no pagamento dos honorarios estipulados. O Landgericht considerou improcedente esta acção, por sentença de 27 de Outubro de 1987. Os demandantes recorreram então desta decisão para o Oberlandesgericht München.

    3. Questões prejudiciais

    16.

    A secção do Oberlandesgericht a que foi distribuído recurso considerou, em decisão de 31 de Janeiro de 1990, que o contrato celebrado pelas partes era um contrato de trabalho nulo, nos termos do artigo 134.o do Código Civil alemão (BGB) conjugado com o artigo 13.o da AFG. O tribunal de reenvio remete neste ponto para a jurisprudência do Bundesgerichtshof, nos termos da qual a obrigação de pagar honorários é nula se forem estipulados para remunerar uma colocação não autorizada nos termos da AFG. Considera que se está, no caso em apreço, perante uma colocação desse tipo. Entende igualmente que a acção não podia basear-se no artigo 812.o do Código Civil, que diz respeito ao enriquecimento sem causa, dado que os recorrentes não apresentaram as provas necessárias para tal.

    17.

    No entender da secção, o pedido deve assim ser considerado improcedente, na medida em que se baseie no direito nacional. No entanto, o mesmo não acontece necessariamente no que respeita ao direito comunitário. É neste contexto que o Oberlandesgericht München decidiu, através do referido despacho de 31 de Janeiro de 1990, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE:

    «1)

    A mediação de empresas de consultadoria sobre questões de pessoal no recrutamento de quadros directivos do sector empresarial constitui uma prestação de serviços, na acepção do primeiro parágrafo do artigo 60.o do Tratado CEE, e está relacionada com o exercício de autoridade pública, na acepção dos artigos 66.o e 55.o do Tratado CEE?

    2)

    A proibição absoluta da mediação de empresas alemãs de consultadoria sobre questões de pessoal no recrutamento de quadros directivos, estabelecida pelos artigos 4.o e 13.o da AFG, constitui uma disposição laboral justificada pelo interesse geral ou um monopólio justificado por razões de ordem pública e de segurança pública (artigos 66.o 56.o, n.o 1, do Tratado CEE)?

    3)

    Uma empresa alemã de consultadoria sobre questões de pessoal pode invocar os artigos 7o e 59.o do Tratado CEE para exercer a mediação no recrutamento de nacionais alemães para empresas alemãs?

    4)

    Atendendo ao disposto no n.o 2 do artigo 90.o do Tratado CEE, o Bundesanstalt für Arbeit (serviço federal de emprego) está submetido, ao servir de intermediário no recrutamento de quadros directivos, às disposições do Tratado CEE e, em especial, ao seu artigo 59.o? A exclusividade dessa mediação constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante no mercado, na acepção do artigo 86.o do Tratado CEE?»

    4. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    18.

    O acórdão de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Fevereiro de 1990.

    19.

    Nos termos do artigo 20.o do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas pelo recorrente no processo principal, patrocinado pelo Dr. Joachim Müller, advogado de Munique, e pelo prof. Dr. Volker Emmerich, professor de direito da Universidade de Bayreuth, pela recorrida no processo principal, patrocinada por Holm Tipper, advogado de Munique, pelo Governo alemão, representado pelo Dr. Ernst Roder, Regierungsdirektor no Ministério federal da Economia, na qualidade de agente, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Etienne Lasnet, consultor jurídico, e Bernhard Jansen, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes.

    20.

    Por decisão de 10 de Outubro de 1990, adoptada nos termos do artigo 95.o, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça atribuiu o processo à Sexta Secção. Com base no relatório do juiz-relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

    II — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

    1. Quanto à noção de «serviço»

    21.

    Höfner e Eiser observam que a noção de «serviço», na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE, deve ser interpretada extensivamente. Abrange todos os tipos de actividades exercidas de forma independente e remunerada, independentemente do objectivo prosseguido por essas actividades. O facto de o serviço ser fornecido de forma remunerada significa apenas que deve ser pago. O pagamento não deve necessariamente ser efectuado pelo beneficiário de serviço, podendo igualmente provir de um terceiro. A natureza, o montante e o momento do pagamento são irrelevantes. Pode tratar-se inclusivamente de um financiamento público através de impostos ou de adiantamentos.

    22.

    Para os demandantes no processo principal, ressalta do acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 1979, Van Wesemael (110/78 e 111/78, Recueil, p. 35) que a mediação no recrutamento de trabalhadores constitui um serviço na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE. Isto vale especialmente para o recrutamento de quadros e dirigentes de empresas. Este serviço distingue-se em alguns pontos da colocação em geral de trabalhadores. Ao contrário deste, o recrutamento de quadros não depende da iniciativa do candidato a emprego. E o empregador que contacta por sua própria iniciativa uma empresa de consultadoria em recrutamento a fim de ser por esta assistida na procura e na selecção de quadros. O mediador raramente se ocupa da escolha definitiva do candidato, oferecendo antes todas as facilidades necessárias para o efeito. Está pois fora de questão, ainda no entender de Höfner e Elser, que as actividades de consultadoria em matéria de colocação impliquem os mesmos riscos de exploração abusiva de trabalhadores que as agências privadas de colocação em geral.

    23.

    Segundo os demandantes no processo principal, esta diferença é aliás confirmada pela prática do mercado de emprego na Alemanha e nos outros Estados-membros. O facto de o BA ter aberto um serviço especializado no recrutamento de quadros demonstra precisamente que se está perante um sector especial. Neste sector operam na Alemanha, segundo os números fornecidos por Höfner e Eiser, entre 700 a 800 empresas de consultadoria em matéria de recrutamento que empregam aproximadamente 2000 agentes e que perfazem um volume de negócios global de 750 a 1200 milhões de DM. Dadas estas particularidades, as actividades destas empresas de consultadoria nem sequer podem ser consideradas como de colocação de pessoal propriamente dita.

    24.

    Para Höfner e Eiser, o facto de o monopólio legal do BA abranger em princípio estas actividades não as subtrai à aplicação das regras comunitárias de livre prestação de serviços. Estas regras aplicam-se igualmente aos serviços prestados sob a forma jurídica de serviço público (ver, por exemplo, o acórdão de 30 de Abril de 1974, Sacchi, 155/73, Recueil, p. 409). Estas regras não podem igualmente ser afastadas pelo facto de o BA oferecer os seus serviços gratuitamente, dado que a remuneração se verifica efectivamente através das contribuições dos empregadores e dos trabalhadores, nos termos do artigo 167.o da AFG. Se assim não fosse, os Estados-membros poderiam subtrair determinados serviços ao âmbito de aplicação dos artigos 59.o e seguintes do Tratado CEE, procedendo à sua prestação através de um monopólio financiado por contribuições obrigatórias.

    25.

    O Governo alemão salienta que o Tribunal de Justiça já decidiu, no acórdão de 18 de Janeiro de 1979, Van Wesemael (110/78 e 111/78, Recueil, p. 35), que o recrutamento de artistas constitui um serviço na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE. A categoria de pessoas visada pela operação de recrutamento é irrelevante para este efeito.

    26.

    A Comissão refere-se igualmente a esta jurisprudência do Tribunal de Justiça. O facto de os serviços de colocação de quadros não serem prestados apenas por empresas de consultadoria na matéria, mas também por um organismo público, como o BA, que o faz gratuitamente, demonstra claramente que há transacções efectuadas mediante remuneração. Nada importa, neste contexto, que tal existência se explique pela atitude do BA que tolera essa violação do seu monopólio.

    2. Quanto ao exercício de autoridade pública

    27.

    Para Höfner e Elser, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1974 (Reyners, 2/74, Recueil, p. 631) que a noção de exercício da autoridade pública é uma noção comunitária que deve ser interpretada restritamente. Esta apenas se aplica se a actividade em causa constituir uma participação directa e concreta no exercício da autoridade pública. Esta condição não é satisfeita pelo simples facto de a actividade em questão fazer parte das atribuições públicas e de ser exercida por um organismo público como o BA. Consideram, por outro lado, que não é de aceitar a ideia de que a selecção de quadros de empresas constitui um exercício da autoridade pública.

    28.

    A Macrotron observa que um dos objectivos essenciais do Estado social é o pleno emprego. Este exige uma política activa por parte do Estado, que na Alemanha é concretizada, designadamente, pela AFG. O direito exclusivo do BA de proceder à colocação profissional de todas as categorias do pessoal corresponde, assim, directa e especificamente, ao desempenho das atribuições que competem aos poderes públicos. A actividade de colocação profissional de quadros está, assim, sujeita ao artigo 55.o do Tratado CEE.

    29.

    O Governo alemão partilha o ponto de vista da recorrida no processo principal. Considera que é em função do direito nacional que se deve determinar se há ou não exercício da autoridade pública. Esta noção visa, em seu entender, não apenas à aplicação de meios de coacção no domínio das liberdades do cidadão, mas igualmente todas as formas de acção administrativa em que o cidadão se encontra face a um organismo investido numa parte da autoridade do Estado. Tal transferência de autoridade beneficiou, no quadro da AFG, o BA, dada a importância da sua missão. Este deve, na verdade, velar pelos interesses dos trabalhadores e da economia em geral, limitando ao máximo os choques provocados pelas acções de reequilíbrio do mercado de emprego e proporcionando uma adequada cobertura social. Trata-se, no caso em apreço, de uma missão em relação à qual o Estado federal assume uma responsabilidade especial, ao abrigo das convenções n.os 88 e 96, já citadas, e que, nos termos do artigo 3.o da AFG, o BA deve desempenhar «no quadro da política económica e social do Governo federal alemão». Para efeitos da sua missão, o BA deve dispor de um monopólio de colocação profissional em geral que lhe permita ter uma visão de conjunto do mercado de emprego. Tal visão ficaria comprometida se se distinguissem as tarefas de colocação profissional em função da qualificação das pessoas envolvidas. O Governo alemão salienta, por outro lado, que as necessidades de protecção em matéria de colocação profissional não variam de profissão para profissão.

    30.

    A Comissão considera, pelo contrário, que o exercício da autoridade pública constitui uma noção comunitária cujo conteúdo não pode depender do facto das actividades em questão serem reservadas a organismos públicos em determinados Estados-membros. Importante é saber se a actividade em causa corresponde ao exercício da autoridade pública pelo Estado. Não é o que se verifica certamente nas actividades de colocação colocadas sob tutela das autoridades públicas para proteger os trabalhadores de abusos. O facto de o recrutamento de quadros privados ser tolerado vem confirmar não se estar perante um exercício da autoridade pública.

    3. Quanto à justificação da proibição

    31.

    Höfner e Eiser observam que o artigo 59.o do Tratado CEE não se opõe apenas às regulamentações discriminatórias, mas também às que, sem discriminar os prestadores estrangeiros de serviços, constituem um obstáculo à sua livre prestação. No caso em apreço, trata-se de uma regulamentação aplicável indistintamente a cidadãos estrangeiros e alemães que entrava esta liberdade de diversas formas. O monopólio do BA impede as empresas de consultadoria em matéria de pessoal de outros Estados-membros de efectuarem serviços de colocação na Alemanha e obriga as empresas alemãs a recorrerem ao BA.

    32.

    No entender dos recorrentes no processo principal, este tipo de restrições pode, no entanto, justificar-se, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por considerações de interesse geral, como a protecção dos trabalhadores e a salvaguarda de boas relações do mercado de emprego (acórdão de 18 de Janeiro de 1979, Van Wesemael, 110/78 e 111/78, Recueil, p. 35, e acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb, 279/80, Recueil, p. 3305). Esta justificação apenas é válida na medida em que a regulamentação mantenha uma relação de proporcionalidade face ao objectivo legítimo prosseguido. Este requisito de proporcionalidade não é satisfeito quando o Estado-membro em que a prestação deve ser efectuada não tem em conta as regras a que o destinatário se encontra sujeito no Estado-membro onde está estabelecido. Ora, no caso em apreço, a proibição alemã não tem de forma alguma em conta legislações estrangeiras em matéria de colocação. A proibição é categórica, ainda que a AFG preveja a possibilidade de autorizar esta actividade.

    33.

    Os demanda ntes no processo principal alegam que esta violação do princípio da proporcionalidade se verifica especialmente nas actividades de consultadoria em matéria de recrutamento, que não são consideradas de interesse geral em nenhum Estado-membro. Salientam que mesmo o BA reconhece, nas suas circulares de 1957 e de 1970, que estas actividades se distinguem da colocação em geral. Apesar deste reconhecimento, oBA tenta monopolizar este sector, sem estar em condições de satisfazer adequadamente a procura.

    34.

    A Macrotron contesta o facto de o BA não poder satisfazer esta procura. Salienta que o BA alcançou, em 1988, uma parte do mercado alemão de recrutamento de quadros de 16 % em relação ao acesso ao emprego, e de cerca de 30 % em relação aos candidatos. Nenhuma sociedade privada de recrutamento alcançou estes valores.

    35.

    A Macrotron considera, além disso, que a regulamentação alemã que estabelece o monopólio satisfaz todas as exigências formuladas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para justificar uma derrogação à livre prestação de serviços (ver acórdãos de 18 de Janeiro de 1979 e de 17 de Dezembro de 1981, bem como o acórdão de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, 33/74, Recueil, p. 1299). O monopólio do BA constitui uma opção política ditada pelo interesse geral. Continua a ser indispensável à obtenção de condições favoráveis no mercado do trabalho na Alemanha, caracterizado por importante número de desempregados, e para garantir a segurança dos trabalhadores no plano social. No entender da Macrotron, a proibição de qualquer actividade de colocação fora do âmbito do monopólio é aplicável tanto em relação aos cidadãos nacionais como aos de outros Estados-membros. Não pode, por outro lado, falar-se de monopólio excessivo. E perfeitamente possível estabelecer derrogações, possibilidade que os demandantes no processo principal podiam ter explorado.

    36.

    O Governo alemão observa que os artigos 66.o e 56.o do Tratado CEE não são aplicáveis ao caso em apreço. Na verdade, o monopólio em matéria de colocação não constitui «um regime especial para os estrangeiros».

    37.

    O Governo alemão chama a atenção para a evolução histórica que justificou a instituição deste monopólio. Antigamente, as empresas privadas de colocação privilegiavam, a fim de obter uma relação custos/lucros favorável, o recrutamento de especialistas altamente qualificados e abusavam da sua posição ao explorar a situação difícil dos desempregados ou encorajavam os trabalhadores a pôr termo ao contrato a fim de poderem receber a comissão de mediação. O recrutamento imparcial e gratuito pelo BA pôs fim a estas práticas. Este serviço deve estar à disposição de todos os assalariados, independentemente da sua qualificação e competitividade. A fim de proteger os menos favorecidos, deve, segundo o Governo alemão, evitar-se a divisão do mercado de emprego entre um sector privado que se ocuparia da colocação dos trabalhadores especializados e qualificados, por um lado, e um sector público que se encarregaria da colocação de pessoas de fraca capacidade produtiva, por outro. Isto aplica-se designadamente ao mercado alemão de emprego, que se caracteriza actualmente por um desemprego considerável e pela falta de mão-de-obra em determinadas profissões.

    38.

    A Comissão sustenta, a propósito da segunda questão do tribunal de reenvio, que a proibição em causa não é absoluta, a não ser para as actividades não abrangidas pela circular de 1970. Mesmo que respeitem a circular, as empresas de consultadoria não podem fazer valer os respectivos direitos contratuais, dado que o artigo 134.o do Código Civil alemão a tal se opõe. A Comissão considera que esta sanção civil constitui uma restrição à livre prestação de serviços.

    39.

    A Comissão adianta três justificações para a restrição assim definida. A primeira tem a ver com um combate eficaz ao desemprego. As actividades das empresas de consultadoria não parecem prejudicar este objectivo. Trata-se de um sector relativamente restrito e específico, cuja incidência sobre o mercado geral é pouco significativa. O facto de o BA, primeiro responsável pela luta contra o desemprego, tolerar a actividade privada neste sector, confirma esta análise. A restrição a esta actividade é, em tais circunstâncias, desproporcionada.

    40.

    O mesmo se deve dizer da segunda justificação, a prevenção de abusos. Os quadros com os quais tem a ver a actividade de recrutamento das empresas de colocação não se encontram na situação de dependência que caracteriza o desempregado clássico. A existência da circular constitui igualmente, neste contexto, um índice do carácter desproporcionado da restrição.

    41.

    Uma terceira justificação poderia eventualmente resultar das obrigações internacionais contidas nas convenções da Organização Internacional do Trabalho. Todavia, o artigo 5.o da convenção n.o 96 prevê expressamente a possibilidade de excepções à proibição de agências de colocação não gratuita com fins lucrativos para o recrutamento de determinadas categorias de pessoas. Esta norma inspirou provavelmente o BA no momento da publicação das circulares. Estas não legalizam no entanto a situação das empresas de consultadoria. Por isso, a República Federal da Alemanha não cumpriu a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 59.o do Tratado CEE, ao não conceder uma derrogação especial às empresas de consultadoria em matéria de colocação, nos termos do artigo 5.o da convenção n.o 96.

    42.

    Considera, por outro lado, que o tribunal de reenvio devia encarar a hipótese de submeter uma nova questão prejudicial, nos termos do artigo 177.o, se no decurso do processo principal viessem a deparar-se outras possibilidades de justificar a restrição à livre prestação de serviços.

    4. Possibilidades de invocar os artigos 7.o e 59.o do Tratado CEE

    43.

    Höfner e Eiser começam por salientar que, nos termos de jurisprudência constante, cabe ao tribunal de reenvio, no àmbito da repartição de competências entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais, no quadro do artigo 177.o do Tratado CEE, decidir da pertinência das questões prejudiciais. Estas questões visam, no caso em apreço, o problema da discriminação em sentido contrário.

    44.

    A este respeito, consideram que deve, antes de mais, salientar-se que as actividades das empresas de consultadoria em colocação abrangem geralmente um número suficiente de elementos internacionais para as fazer entrar no âmbito do direito comunitário. Podem estar em causa diferentes situações de facto: quer a de a empresa de consultadoria procurar trabalhadores na Alemanha ou o contrário, a de o cliente estrangeiro contactar um quadro alemão ou o contrário. No entender dos recorrentes no processo principal, o caso em apreço apresenta igualmente uma ligação comunitária desse tipo. De facto, o contrato que concluíram com a Macrotron previa a possibilidade de procurar candidatos alemães ou estrangeiros residentes em outros Estados-membros.

    45.

    Salientam em seguida que o artigo 7.o do Tratado CEE constitui uma disposição fundamental que, pelo seu conteúdo, proíbe qualquer discriminação em razão da nacionalidade, beneficiando assim todos os cidadãos comunitários, independentemente da situação de facto em que se encontrem. Esta igualdade de oportunidades obsta a que os próprios nacionais sejam desfavorecidos em relação aos estrangeiros. Observam que estas conclusões são conformes à jurisprudência do Tribunal de Justiça (ver, por exemplo, acórdão de 7 de Fevereiro de 1979, Knoors, 115/78, Recueil, p. 399). Nos casos em que o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 7o não exclui a existência de regras mais rigorosas que as em vigor no estrangeiro, tratava-se de regras nacionais compatíveis com o direito comunitário (acórdãos de 3 de Julho de 1979, Van Dam, 185/78 a 204/78, Recueil, p. 2345; e de 14 de Julho de 1981, Oebel, 155/80, Recueil, p. 1993). No caso em apreço, estar-se-ia perante uma regra incompatível e injustificada.

    46.

    Os recorrentes no processo principal observam, relativamente ao artigo 59.o do Tratado CEE, que esta disposição contém uma proibição geral que aproveita igualmente aos cidadãos nacionais que prestam serviços que apresentam elementos de conexão com vários países. Isto é confirmado pelo terceiro parágrafo do artigo 60.o do Tratado CEE, que prevê para os estrangeiros o mesmo tratamento que for aplicado aos nacionais. Se estas disposições fossem interpretadas no sentido de que permitem uma discriminação dos cidadãos nacionais, o artigo 59.o alteraria as condições de concorrência em detrimento destes. No entender dos demandantes no processo principal, o Tribunal de Justiça reconheceu, aliás, a possibilidade de os cidadãos nacionais invocarem o artigo 59.o contra o seu próprio Estado-membro (acórdãos de 7 de Fevereiro de 1979, já referido, e de 12 de Julho de 1984, Klopp, 107/83, Recueil, p. 2971).

    47.

    Höfner e Eiser salientam que, se não fosse fornecida ao cidadão nacional esta possibilidade, as consequências da discriminação em sentido contrário seriam incompatíveis com os objectivos dos artigos 2.o, 3.o e 8.o A do Tratado CEE. A fim de poder exercer a sua actividade livremente, as empresas de consultadoria em matéria de pessoal alemãs teriam de se estabelecer noutros Estados-membros, sem que isso se justificasse necessariamente no plano económico. Observam, por outro lado, que a livre prestação de serviços implica igualmente a possibilidade de optar por não recorrer a serviços transfronteiriços. Se o artigo 59.o não pudesse ser invocado numa situação como a presente, as empresas alemãs seriam obrigadas a recorrer a empresas de consultadoria em matéria de pessoal estrangeiras.

    48.

    A Macrotron observa que a aplicabilidade do artigo 59.o do Tratado CEE depende da existência de um elemento de conexão internacional na situação de facto em questão. Em seu entender, no caso em apreço não existe tal elemento. O facto de os demandantes no processo principal terem elaborado de forma teórica e abstrata tal elemento, não basta para aplicar os artigos 7.o e 59.o Os recorrentes não se encontram na mesma situação que uma empresa de consultadoria estrangeira afectada pelo monopólio do BA.

    49.

    O Governo alemão considera igualmente que os factos do presente caso não tem conexão com qualquer país estrangeiro. Da decisão de reenvio do Oberlandesgericht München não se depreende com clareza em que lugar devia ser efectuada a prestação de serviço em causa. Na falta de indicações mais precisas, há que, de acordo com o Governo alemão, partir da hipótese mais normal, a de que o contrato apenas se aplicava no país.

    50.

    Para a Comissão, o artigo 7.o apenas é aplicável se o Tratado não contiver disposições especiais. Deve, assim, remeter-se, no caso em apreço, para o artigo 59.o A Comissão salienta que não existe ainda jurisprudência sobre a aplicação desta disposição a situações de facto estritamente internas de um Estado-membro. A jurisprudência relativa às outras disposições do Tratado pode dar a entender que o artigo 59.o não se aplica na falta de elementos de conexão internacionais (acórdãos de 28 de Março de 1979, Saunders, 175/78, Recueil, p. 1129, de 27 de Outubro de 1982, Morson, 35/82 e 36/82, Recueil, p. 3723, e de 8 de Dezembro de 1987, Gauchard, 20/87, Colect., p. 4879). A Comissão observa que o Tribunal de Justiça interpretou no entanto de forma extensiva o âmbito da aplicação material do artigo 59.o no acórdão de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377). A Comissão considera, assim, que o artigo 59.o pode ser invocado no caso em apreço, na medida em que o contrato em questão não exclui expressamente a possibilidade de procurar candidatos noutros Estados-membros. Cabe, no entanto, ao tribunal de reenvio pronunciar-se definitivamente a este respeito.

    5. Os artigos 59o, 86.o e 90o do tratado CEE

    51.

    Höfner e Eiser salientam que a noção de empresa abrange, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e o entendimento da Comissão, qualquer entidade que exerça uma actividade económica. O BA deve ser qualificado como tal, dado que exerce esse tipo de actividades. O seu carácter público não o subtrai às regras do Tratado (ver acórdãos de 30 de Abril de 1974, Sacchi, 155/73, Recueil, p. 409, e de 20 de Março de 1985, Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873). No entender de Höfner e Elser, o BA constitui, assim, uma empresa pública, na acepção do artigo 90.o, n.o 1, do Tratado CEE, à qual a AFG conferiu um direito exclusivo. Este tipo de empresas encontra-se, sem prejuízo do artigo 90.o, n.o 2, sujeito a todas as disposições do Tratado, incluindo o artigo 59.o

    52.

    Reconhecem que o BA é uma empresa à qual o legislador confiou, por acto de autoridade pública, na ocorrência a AFG, um serviço de interesse económico geral, independentemente das dúvidas que podem gerar-se a propósito da extensão desta missão às actividades de consultadoria em matéria de colocação. Contudo, este facto não satisfaz, por si só, as condições de aplicação do artigo 90.o, n.o 2. É ainda necessário que o desempenho desta missão seja impedido pela aplicação das regras do Tratado. Não basta que a realização da missão se tenha tornado mais difícil. A excepção do artigo 90.o, n.o 2, apenas é aplicável no caso de a missão apenas poder ser desempenhada com infracção às regras do Tratado. A aplicação destas regras deve, de algum modo, tornar a missão impossível. Esta condição não se encontra preenchida no caso em apreço. As actividades das empresas de consultadoria em matéria de colocação não impedem, de modo algum, o BA de levar a cabo as tarefas que lhe foram expressamente confiadas pela AFG. Pelo contrário, essas actividades contribuem, devido à sua eficácia, para o desempenho daquelas tarefas.

    53.

    Todas as condições de aplicação do artigo 86.o se encontram reunidas. O BA ocupa, devido ao seu monopólio legal, uma posição dominante numa parte substancial da Comunidade, isto é, o território alemão. O facto de o BA não ter talvez uma posição dominante no mercado das empresas de consultadoria em matéria de pessoal pouco importa. Em primeiro lugar, não é certo que este mercado se distinga do mercado de recrutamento em geral. Em segundo lugar, o artigo 86.o aplica-se igualmente no caso da empresa ocupar uma posição dominante num mercado diferente daquele onde cometa o abuso. Höfner e Elser salientam, por último, que o BA dispõe de qualquer modo, relativamente às empresas privadas de consultadoria em matéria de colocação, de determinados meios de coacção que lhe permitem excluí-las do respectivo mercado da consultadoria em matéria de colocação.

    54.

    Defendem que o BA abusa da sua posição dominante mediante a extensão do seu monopólio legal a actividades que podem ser realizadas tão bem ou melhor por empresas privadas. Este alargamento não se lhes afigura justificado por qualquer interesse geral. Höfner e Elser acrescentam que o BA obriga as empresas alemãs, com violação do artigo 86.o, n.o 2, alínea d), a recorreram aos seus serviços. Tais abusos afectam o comércio entre os Estados-membros dado que impedem as empresas de consultadoria alemãs e estrangeiras de fornecerem os respectivos serviços tanto na Alemanha como no estrangeiro.

    55.

    Concluem que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 90.o, n.o 1, ao permitir tais abusos. Ao adoptar medidas que privam de efeito útil as regras de concorrência comunitária, violou igualmente os artigos 3.o, 5.o e 86.o (acórdão de 16 de Novembro de 1977, GB-Inno/Atab, 13/77, Recueil, p. 2115).

    56.

    A Macrotron observa que a regulamentação em causa tutela um interesse público superior, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, estando assim subtraída à aplicação das regras de concorrência.

    57.

    O Governo alemão entende igualmente que o serviço de recrutamento se integra num domínio onde não se aplica a concorrência. O BA realiza, no interesse geral, uma tarefa exclusivamente estatal, sem prosseguir uma finalidade económica. O Tribunal de Justiça afirmou aliás que o monopólio concedido pelo Estado a uma empresa de direito privado pode ser compatível com os artigos 86.o e 90.o (ver acórdão de 30 de Abril de 1974, já citado).

    58.

    A Comissão observa que a jurisprudência do Tribunal de Justiça ainda não esclareceu a questão de saber se a excepção prevista no artigo 90.o, n.o 2, é igualmente aplicável ao artigo 59.o A Comissão explica esta lacuna pelo facto de o artigo 59.o se dirigir aos Estados, enquanto as regras de concorrência visam as empresas. No caso em apreço, basta, em seu entender, verificar que as atribuições conferidas ao BA (luta contra o desemprego e salvaguarda de relações equilibradas no mercado do emprego) não são de modo algum afectadas pela existência de empresas privadas de colocação. A melhor prova desta conclusão encontra-se na referida circular de 1970.

    59.

    Analisa igualmente o monopólio legal à luz dos artigos 86.o e 90.o As normas legislativas relativas a este monopólio, conjugadas com a prática do BA, conduzem à limitação da produção, na acepção do artigo 86.o, n.o 2, alínea b). O BA renuncia na prática a exercer o seu monopólio, de modo que não satisfaz convenientemente a procura existente para as actividades de consultadoria em matéria'de colocação (ver acórdão de 5 de Outubro de 1988, Volvo, 238/78, Colect., p. 6211). O monopólio legal continua, no entanto, em vigor. Tem por consequência que as empresas de consultadoria privadas não podem exercer as respectivas actividades legalmente, nos termos do artigo 134.o do Código Civil alemão, e que a oferta é limitada em relação à procura real. A Comissão considera que este abuso é susceptível de afectar potencialmente o comércio entre os Estados-membros, dado que a colocação de quadros diz frequentemente respeito a candidatos de outros Estados-membros. A Comissão revela que procederá à instauração dos processos previstos no Tratado com vista ao exame destas práticas.

    P. J. G. Kapteyn

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    23 de Abril de 1991 ( *1 )

    No processo C-41/90,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Oberlandesgericht München (República Federal da Alemanha), com vista a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

    Klaus Höfner et Fritz Eiser, por um lado,

    e

    Macrotron GmbH, por outro,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 7o, 55.o, 56.o, 59.o, 86.o e 90.o do Tratado CEE,

    O TRIBUNAL (Sexta Secção),

    composto por G. F. Mancini, presidente da secção, T. F. O'Higgins, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral: F. G. Jacobs

    secretário f. f.: V. Di Bucci, administrador

    vistas as observações escritas apresentadas

    em representação de K. Höfner e F. Eiser, por Dr. Joachim Müller, advogado de Munique e Dr. Volker Emmerich, professor de direito da Universidade de Bayreuth,

    em representação da Macrotron, por Holm Tippner, advogado de Munique,

    em representação do Governo alemão, pelo Dr. Ernst Roder, Regierungsdirektor do Ministério federal da Economia, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão, por Étienne Lasnet, consultor jurídico, e por Dr. Bernhard Jansen, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de K. Höfner, de F. Elser, da Macrotron GmbH, do Governo alemão e da Comissão, na audiência de 13 de Novembro de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral representadas na audiência de 15 de Janeiro de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por decisão de 31 de Janeiro de 1990, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Fevereiro do mesmo ano, o Oberlandesgericht München submeteu, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, quatro questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 7.o, 55.o, 56.o, 59.o, 60.o, 66.o, 86.o e 90.o do Tratado CEE.

    2

    Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio entre os Srs. Höfner e Elser consultores de recrutamento, à Macrotron GmbH, sociedade de direito alemão com sede em Munique. O litígio diz respeito aos honorários reclamados a essa sociedade por Höfner e Elser, com base num contrato nos termos do qual aqueles deviam prestar assistência a esta empresa no recrutamento de um director do serviço de vendas.

    3

    O mercado de emprego é regulado na Alemanha pela Arbeitsförderungsgesetz (lei de promoção do emprego, a seguir «AFG»). Nos termos do seu artigo 1.o, as medidas adoptadas em conformidade com a AFG visam, no âmbito da política económica e social do Governo federal, alcançar e manter um elevado nível de emprego, melhorar constantemente a repartição dos empregos, promovendo assim o crescimento da economia. O artigo 3.o confia a realização deste objectivo geral, consagrado no artigo 2.o, ao Bundesanstalt für Arbeit (serviço federal de emprego, a seguir «BA»), cuja actividade consiste essencialmente, por um lado, em pôr em contacto os candidatos a emprego com os empregadores e, por outro, em conceder subsídios de desemprego.

    4

    A primeira das referidas actividades, definida no artigo 13.o da AFG, é exercida pelo BA ao abrigo de um direito de exclusividade que lhe foi conferido para esse efeito, pelo artigo 4.o da AFG (a seguir «direito exclusivo de colocação»).

    5

    O artigo 23.o da AFG prevê, no entanto, uma possibilidade de derrogação ao direito exclusivo de mediação no emprego. O BA pode, de facto, em casos excepcionais e após consultar as associações de trabalhadores e de empregadores interessados, encarregar outras instituições ou pessoas da actividade de mediação de emprego relativa a determinadas profissões. As actividades destas continuam no entanto a estar sujeitas a controlo do BA.

    6

    O BA exerce, nos termos dos artigos 20.o e 21.o da AFG, o seu direito exclusivo de mediação de emprego de forma imparcial e gratuita. O sexto título da AFG, relativo aos meios financeiros que permitem ao BA exercer as suas actividades desta forma, autoriza, no seu artigo 167.o, o BA a receber contribuições dos empregadores e dos trabalhadores.

    7

    O título oitavo da AFG contém disposições em matéria penal e de contra-ordenação. No seu artigo 228.o prevê que qualquer actividade de colocação contrária às normas da AFG é passível de multa.

    8

    Apesar da existência do direito exclusivo de colocação no emprego do BA, desenvolveu-se na Alemanha uma actividade específica de colocação relativamente aos quadros e dirigentes de empresas. Esta actividade é exercida por empresas de consultadoria que prestam assistência às empresas em matéria de política de pessoal.

    9

    O BA reagiu a esta evolução de duas formas. Decidiu, em primeiro lugar, criar em 1954 um serviço especial encarregado da mediação de emprego dè pessoas altamente qualificadas para funções de direcção nas empresas. O BA publicou, em segundo lugar, circulares em que se declarava disposto a tolerar, no quadro de uma convenção concluída entre o BA, o ministro federal do Trabalho e diversas federações profissionais, determinadas actividades de consultadoria em matéria de pessoal relativamente aos quadros e dirigentes de empresas. Esta atitude de tolerância reflecte-se igualmente no facto do BA não ter agido judicialmente, nos termos do artigo 228.o da AFG, contra as empresas de consultadoria em recrutamento, devido às actividades por estas exercidas.

    10

    Se as actividades de consultadoria em matéria de pessoal beneficiam assim de uma determinada tolerância por parte do BA, não é menos certo que qualquer acto jurídico que viole uma proibição legal é nulo nos termos do artigo 134.o do Código Civil alemão e que, de acordo com a jurisprudência dos tribunais alemães, tal proibição abrange as actividades de colocação exercidas com violação das regras da AFG.

    11

    No processo principal está em causa a compatibilidade do contrato de consultadoria em matéria de pessoal concluído entre Höfner e Eiser, por um lado, e a Macrotron, por outro, com as disposições da AFG. No cumprimento das suas obrigações contratuais, Höfner e Eiser apresentaram à Macrotron um candidato para a função de director do serviço de vendas. Tratava-se de um cidadão alemão que, segundo os consultores, convinha perfeitamente para o lugar em questão. A Macrotron decidiu, no entanto, não contratar esse candidato e recusou pagar os honorários estipulados no contrato.

    12

    Höfner e Eiser demandaram então a Macrotron no Landgericht München I a fim de obter a condenação desta no pagamento dos honorarios estipulados. O Landgericht julgou improcedente o seu pedido por sentença de 27 de Outubro de 1987. Os recorrentes recorreram desta decisão para o Oberlandesgericht München, que considerou o contrato em questão nulo, nos termos do artigo 134.o do Código Civil alemão, por violar o artigo 13.o da AFG. Este tribunal declarou, no entanto, que a solução do litígio dependia em definitivo da interpretação do direito comunitário e, em consequência, decidiu submeter as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    A mediação de empresas de consultadoria sobre questões de pessoal no recrutamento de quadros directivos do sector empresarial constitui uma prestação de serviços, na acepção do primeiro parágrafo do artigo 60.o do Tratado CEE, e está relacionada com o exercício de autoridade pública, na acepção dos artigos 66.o e 55.o do Tratado CEE?

    2)

    A proibição absoluta da mediação de empresas alemãs de consultadoria sobre questões de pessoal no recrutamento de quadros directivos, estabelecida pelos artigos 4.o e 13.o da AFG, constitui uma disposição laboral justificada pelo interesse geral ou um monopólio justificado por razões de ordem pública e de segurança pública (artigos 66.o e 56.o, n.o 1, do Tratado CEE)?

    3)

    Uma empresa alemã de consultadoria sobre questões de pessoal pode invocar os artigos 7.o e 59.o do Tratado CEE para exercer a mediação no recrutamento de nacionais alemães para empresas alemãs?

    4)

    Atendendo ao disposto no n.o 2 do artigo 90.o do Tratado CEE, o Bundesanstalt für Arbeit (serviço federal de emprego) está submetido, ao servir de intermediário no recrutamento de quadros directivos, às disposições do Tratado CEE e, em especial, ao seu artigo 59.o? A exclusividade dessa mediação constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante no mercado, na acepção do artigo 86.o do Tratado CEE?»

    13

    Para mais ampla exposição do enquadramento legal e dos antecedentes do litígio no processo principal, da tramitação do processo e das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do tribunal.

    14

    Com as três primeiras questões e a parte da quarta relativa ao artigo 59.o do Tratado, o tribunal de reenvio pretende fundamentalmente saber se as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços se opõem a uma proibição legal, de as sociedades privadas de consultadoria de recrutamento, procederem à colocação profissional de quadros e dirigentes de empresas. A quarta questão visa essencialmente a interpretação dos artigos 86.o e 90.o do Tratado, no quadro das relações, concorrenciais entre estas sociedades e um serviço público de emprego que beneficia de um direito exclusivo de colocação.

    15

    Esta última questão suscita o problema da extensão deste direito exclusivo e, assim, da proibição legal da colocação profissional de quadros e dirigentes por sociedades privadas como a do processo principal. Deve, assim, ser analisada em primeiro lugar.

    Interpretação dos artigos 86.o e 90.o do Tratado CEE

    16

    Com a quarta questão, o tribunal de reenvio pretende, em concreto, saber se o monopólio da colocação profissional de quadros e de dirigentes de empresas reservado a um serviço público de emprego constitui um abuso de posição dominante, na acepção do artigo 86.o, tendo em conta o disposto no artigo 90.o, n.o 2. A fim de responder utilmente a esta questão, é necessário analisar este direito exclusivo também à luz do artigo 90.o, n.o 1, que indica as condições que os Estados-membros devem respeitar ao conceder direitos exclusivos ou especiais. As observações apresentadas ao Tribunal de Justiça incidem aliás tanto sobre o n.o 1 como sobre o n.o 2 do artigo 90.o do Tratado.

    17

    Segundo os recorrentes no processo principal, um instituto como o BA é simultaneamente uma empresa pública, na acepção do artigo 90.o, n.o 1, e uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse econômico geral, na acepção do artigo 90.o, n.o 2, do Tratado. O BA encontra-se, deste modo, sujeito às regras da concorrência, na medida em que a aplicação destas não prejudique a missão específica que lhe foi confiada, o que não se verifica no caso em apreço. As recorrentes no processo principal alegam ainda que o BA, que alargava o seu monopólio legal em matéria de colocação a actividades para as quais a criação de um monopólio nao se justifica no interesse geral, actuava de forma abusiva, na acepção do artigo 86.o do Tratado. Afirmam, além disso, que um Estado-membro que permite tal abuso viola o artigo 90.o, n.o 1, e o princípio geral de que os Estados-membros devem abster-se de qualquer medida susceptível de eliminar o efeito útil das regras de concorrência comunitárias.

    18

    A Comissão defendeu um ponto de vista ligeiramente diferente. A manutenção de um monopólio de colocação de quadros e dirigentes de empresas constitui, em seu entender, uma infracção às disposições conjugadas dos artigos 90.o, n.o 1, e 86.o do Tratado, sempre que o beneficiário do monopólio não esteja disposto ou em condições de assegurar integralmente esse serviço, de acordo com a procura existente no mercado, desde que esse comportamento seja de molde a afectar o comércio entre os Estados-membros.

    19

    A recorrida no processo principal e o Governo alemão consideram, em contrapartida, que as actividades de um serviço de emprego não eram abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras da concorrência, desde que exercidas por um organismo público. O Governo alemão esclareceu a este respeito que um serviço^pú-blico de emprego não pode ser considerado empresa, na acepção do artigo 86.o do Tratado, na medida em que os serviços de mediação de emprego eram gratuitos. O facto de estas actividades serem financiadas principalmente através de contribuições dos empregadores e dos trabalhadores não afecta, em seu entender, o seu carácter gratuito, dado tratar-se de cotizações gerais sem qualquer relação com cada serviço prestado em concreto.

    20

    Tendo em conta as considerações precedentes, convém verificar se um serviço público de emprego, como o BA, pode ser considerado empresa, na acepção dos artigos 85.o e 86.o do Tratado CEE.

    21

    Deve esclarecer-se, a este respeito, que no âmbito do direito da concorrência o conceito da empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de funcionamento. A actividade de mediação de emprego é uma actividade económica.

    22

    O facto de as actividades de colocação serem normalmente confiadas a serviços públicos não prejudica a natureza económica dessas actividades. As actividades de colocação nem sempre foram e não são necessariamente exercidas por entidades públicas. Esta afirmação é válida, em especial, para as actividades de colocação de quadros e de dirigentes de empresas.

    23

    Donde resulta que uma entidade como um serviço público de emprego que exerça actividades de colocação pode ser considerada empresa para efeitos da aplicação das regras de concorrência comunitárias.

    24

    Deve esclarecer-se que um serviço público de emprego, encarregado nos termos da legislação de um Estado-membro da gestão de serviços de interesse geral, como os previstos no artigo 3.o da AFG, continua sujeito às regras de concorrência, nos termos do artigo 90.o, n.o 2, do Tratado, na medida em que não seja provado que a aplicação dessas regras é incompatível com o desempenho da sua missão (ver acórdão de 30 de Janeiro de 1974, Sacchi, n.o 15, 155/73, Recueil, p. 409).

    25

    No que respeita ao comportamento de um serviço público de emprego que beneficia de um direito exclusivo em matéria de colocação em relação às actividades de colocação de quadros e de dirigentes de empresas exercidas por empresas privadas de consultadoria, deve notar-se que a aplicação do artigo 86.o do Tratado não pode prejudicar a missão específica atribuída a este serviço público, quando este não se encontra manifestamente em condições de satisfazer a procura existente neste sector de mercado e tolera, de facto, uma violação do seu direito exclusivo por aquelas.

    26

    Se é certo que o artigo 86.o visa as empresas e pode ser aplicado, dentro dos limites estabelecidos no artigo 90.o, n.o 2, às empresas públicas e às empresas que disponham de direitos exclusivos ou especiais, também é verdade que o Tratado impõe aos Estados-membros a obrigação de não tomarem ou manterem em vigor medidas susceptíveis de eliminar o efeito útil desta norma (ver acórdão de 16 de Novembro de 1977, Inno, n.os 31 e 32, 13/77, Recueil, p. 2115). De facto, o artigo 90.o, n.o 1, prevê que os Estados-membros, no que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, não tomarão nem manterão qualquer medida contrária às regras do Tratado, designadamente às contidas nos artigos 85.o a 94.o inclusive.

    27

    Em consequência, é incompatível com as regras do Tratado qualquer medida de um Estado-membro que mantenha em vigor uma exposição legal que estabeleça uma situação em que um serviço público de emprego seja necessariamente levado a violar o disposto no artigo 86.o

    28

    A este respeito, deve antes de mais recordar-se que pode considerar-se que uma empresa que beneficia de um monopólio legal ocupa uma posição dominante, na acepção do artigo 86.o do Tratado (ver acórdão de 3 de Outubro de 1985, CBEM, n.o 16, 311/84, Recueil, p. 3261) e que o territòrio de um Estado-membro abrangido por esse monopólio pode constituir uma parte substancial do mercado comum (ver acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin, n.o 28, 322/81, Recueil, p. 3461).

    29

    Deve esclarecer-se, em segundo lugar, que o simples facto de criar tal posição dominante através da concessão de um direito exclusivo, na acepção do artigo 90.o, n.o 1, não é, em si mesmo, incompatível com o artigo 86.o do Tratado (ver acórdão de 3 de Outubro de 1985, CBEM, já citado, n.o 17). Um Estado-membro apenas viola, na verdade, as proibições contidas nessas duas normas se a empresa em questão, pelo mero exercício do direito exclusivo que lhe foi confiado, explorar de forma abusiva a sua posição dominante.

    30

    Nos termos do artigo 86.o, segundo parágrafo, alínea b), do Tratado, tal prática abusiva pode consistir, designadamente, numa limitação da actividade, em prejuízo dos que recorrem ao serviço em causa.

    31

    Ora, um Estado-membro cria uma situação em que a actividade de prestação é limitada quando a empresa à qual concedeu um direito exclusivo que abrange as actividades de mediação no emprego de quadros de dirigentes de empresas nao se encontra manifestamente em condições de satisfazer a procura existente no mercado para este género de actividades e quando o exercício efectivo destas por sociedades privadas se torna impossível devido à manutenção em vigor de uma disposição legal que proíbe tais actividades, sob pena de nulidade dos contratos celebrados no seu exercício.

    32

    Saliente-se, em terceiro lugar, que a responsabilidade que incumbe aos Estados-membros, nos termos dos artigos 86.o e 90.o, n.o 1, do Tratado, apenas existe se o comportamento abusivo do serviço em questão for susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros. Para que esta condição seja satisfeita não é necessário que aquele comportamento tenha efectivamente afectado esse comércio. Basta provar que é de molde a produzir tal efeito (ver acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin, já citado, n.o 104).

    33

    Tal efeito potencial sobre as trocas interestatais existe designadamente quando as actividades de colocação de quadros e dirigentes de empresas exercidas por empresas privadas possam abranger cidadãos e territórios de outros Estados-membros.

    34

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quarta questão prejudicial que um serviço público de emprego que exerce actividades de colocação se encontra sujeito à proibição do artigo 86.o do Tratado, na medida em que a aplicação desta disposição não prejudique a missão específica que lhe foi confiada. O Estado-membro que lhe concedeu um direito exclusivo de mediação de emprego viola o artigo 90.o, n.o 1, do Tratado ao criar uma situação em que o serviço público de emprego tem necessariamente que violar o disposto no artigo 86.o do Tratado. O que acontece, designadamente, quando se encontram satisfeitas as seguintes condições:

    o direito exclusivo estende-se às actividades de colacação de quadros e dirigentes de empresas;

    o serviço público de emprego não se encontra manifestamente em condições de satisfazer a procura existente no mercado para este género de actividades;

    o exercício efectivo das actividades de colacação por agências privadas de consultadoria em matéria de colocação torna-se impossível devido à manutenção em vigor de uma disposição legal que proíbe estas actividades sob pena de nulidade dos contratos correspondentes;

    as actividades de colocação em questão podem alargar-se a cidadãos e territórios de outros Estados-membros.

    Interpretação do artigo 59.o do Tratado CEE

    35

    Com a terceira questão, o tribunal de reenvio pretende saber se uma empresa de consultadoria em matéria de pessoal de um Estado-membro pode invocar os artigos 7o e 59.o do Tratado com vista à mediação na colocação de nacionais deste Estado-membro em empresas do mesmo Estado.

    36

    Deve recordar-se antes de mais que o artigo 59.o do Tratado garante, no domínio da livre prestação de serviços, a aplicação do princípio consagrado no artigo 7.o do Tratado. Em consequência, quando uma regulamentação é compatível com o artigo 59.o também o é com o artigo 7.o (ver acórdão de 9 de Junho de 1977, Van Ameyde, n.o 27, 90/76, Recueil, p. 1091).

    37

    Há que salientar em seguida que, de acordo com uma jurisprudência constante, as disposições do Tratado em matéria de livre circulação de serviços não são aplicáveis às actividades em que todos os elementos se circunscrevem ao território de um único Estado-membro, e que a questão de saber se se está perante uma situação dessas depende de juízos de facto da competência do tribunal nacional (ver, designadamente, acórdão de 18 de Março de 1980, Debauve, n.o 9, 52/79, Recueil, p. 833).

    38

    Ora, resulta dos factos dados por provados pelo tribunal nacional na decisão de reenvio que a situação de facto em causa no processo principal se prende com um litígio entre consultores de colocação alemães e uma empresa alemã, relativo ao recrutamento de um cidadão alemão.

    39

    Tal situação não apresenta qualquer elemento de conexão com qualquer uma das situações visadas pelo direito comunitário. Tal conclusão não pode ser afectada pelo facto de um contrato celebrado entre os consultores de colocação e uma empresa prever a faculdade teórica de serem procurados candidatos alemães que residam noutros Estados-membros ou cidadãos deste Estado.

    40

    Deve assim responder-se à terceira questão prejudicial que uma empresa de consultadoria em matéria de pessoal de um Estado-membro não pode invocar os artigos 7.o e 59.o do Tratado para efeitos da mediação na colocação de cidadãos deste Estado-membro em empresas do mesmo Estado.

    41

    Tendo em conta esta resposta, torna-se desnecessário analisar as duas primeiras questões e a parte da quarta questão, as quais têm em vista apurar se o artigo 59.o do Tratado se opõe a uma proibição legal de as sociedades privadas de consultadoria em matéria de pessoal de um Estado-membro exercerem a actividade de colocação de quadros e de dirigentes de empresas.

    Quanto às despesas

    42

    As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, relativamente às partes no processo principal, a natureza de um incidente suscitado perante o tribunal nacional, cabe a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Oberlandesgericht München, por decisão de 31 de Janeiro de 1990, declara:

     

    1)

    Um serviço público de emprego, que exerça actividades de colocação, está sujeito à proibição do artigo 86.o do Tratado, na medida em que a aplicação desta disposição o não impossibilite de cumprir a especial tarefa de que foi incumbido. O Estado-membro que lhe concedeu um direito exclusivo de colocação viola o n.o 1 do artigo 90.o do Tratado se criar uma situação em que o serviço público de emprego tenha necessariamente que violar o disposto no artigo 86.o do Tratado. E o que acontece, designadamente, sempre que estejam preenchidas as seguintes condições:

    o direito exclusivo abranja as actividades de colocação de quadros e dirigentes de empresas;

    o serviço público de emprego não esteja manifestamente em condições de satisfazer a procura existente no mercado para esse tipo de actividades;

    o exercício efectivo de actividades de mediação de emprego por parte de sociedades privadas de consultadoria em matéria de colocação se tenha tornado impossível pela manutenção em vigor de uma disposição legal que proíba essas actividades sob pena de nulidade dos correspondentes contratos;

    as actividades de colocação em causa possam abranger cidadãos ou territórios de outros Estados-membros.

     

    2)

    Uma sociedade de consultadoria em matéria de colocação de um Estado-membro não pode invocar os artigos 7.o e 59.o do Tratado para efeitos da mediação na colocação de nacionais desse Estado-membro em empresas do mesmo Estado.

     

    Mancini

    O'Higgins

    Kakouris

    Schockweiler

    Kapteyn

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de Abril de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente da Sexta Secção

    G. F. Mancini


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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