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Document 61990CJ0039

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 20 de Junho de 1991.
Denkavit Futtermittel GmbH contra Land Baden-Württemberg.
Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg - Alemanha.
Alimentos compostos para animais - Obrigação de indicar os ingredientes utilizados no alimento composto - Artigos 30.º e 36.º do tratado e directiva 79/373/CEE.
Processo C-39/90.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-03069

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:267

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-39/90 ( *1 )

I — Matéria de facto

A — Enquadramento legislativo

1.

Nos termos da alínea b) do n.° 4 e do n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização de alimentos compostos para animais (JO L 86, p. 30; EE 03 F16 p. 75):

«4.

Os Estados-membros poderão exigir apenas a totalidade ou parte das seguintes indicações complementares :

a)

...

b)

os ingredientes;

...

7.

Na medida em que forem fornecidas todas as indicações relativas aos ingredientes, todos os ingredientes utilizados deverão ser mencionados, quer indicando o seu conteúdo, quer por ordem decrescente de peso no alimento composto. Os Estados-membros poderão optar por exigir uma destas duas formas de indicação, que excluirá a outra. Caso os Estados-membros não tenham tomado quaisquer medidas resultantes do disposto na alínea b) do artigo 10.°, classificar os ingredientes por categoria, ou manter categorias existentes, e permitir que a indicação dos ingredientes seja substituída pela das categorias.»

No quinto considerando do preâmbulo da Directiva 79/373, o Conselho considera que,

«enquanto não forem adoptadas disposições suplementares, e dadas as práticas existentes em certos Estados-membros, se verifica a necessidade de prever — provisoriamente — a possibilidade de exigir, a nível nacional, uma declaração mais completa na composição dos alimentos quanto aos seus componentes e aos ingredientes neles utilizados; que, todavia, tais declarações apenas poderão ser exigidas na medida em que estejam previstas na presente directiva».

2.

O artigo 8.° da Directiva 79/373 vem redigido como se segue:

«Artigo 8.°

Os Estados-membros ficam autorizados, desde que a legislação nacional assim o permita à data da adopção da presente directiva, a limitar a comercialização dos alimentos compostos àqueles:

que forem obtidos a partir de certos ingredientes, ou

que não contenham certos ingredientes.»

Em conformidade com o o disposto no artigo 9.° dessa directiva:

«Os Estados-membros deverão tomar providências para que os alimentos compostos não fiquem sujeitos, por razões que digam respeito às disposições contidas na presente directiva, a restrições de comercialização diferentes das nela previstas.»

3.

O comércio de alimentos compostos para animais, importados ou fabricados, em território da República Federal da Alemanha rege-se pela lei alemã de 2 de Julho de 1975 relativa aos alimentos para animais (BGBl. I, p. 1745, a seguir «FMG») e por regulamentos adoptados na base dessa lei, entre os quais nomeadamente o de 8 de Abril de 1981 (publicado no BGBl. I, p. 352, a seguir «FMV»). Na primeira frase do n.° 2 do artigo 13.° da FMV (na redacção que lhe deu o sexto regulamento de alteração de 22 de Junho de 1988, publicado no BGBl. I, p. 869), a partir de 30 de Junho de 1988, é necessário indicar, no que toca aos alimentos compostos destinados aos animais de rendimento (destinados à criação, produção de leite, carne ou ovos), «todos os ingredientes que os compõem por ordem decrescente do respectivo peso» (a seguir «declaração semiaberta»).

4.

Já a partir de 1 de Outubro de 1985, a FMV (na versão resultante do quarto regulamento de 23 de Janeiro de 1985 relativo à alteração da FMV, publicado no BGBl. I, p. 170) impunha a obrigação de indicar a «percentagem em peso de todos os ingredientes» (a seguir «declaração aberta») que entram na composição dos alimentos compostos destinados aos animais de rendimento. A esta última indicação faltava acrescentar a «designação dos ingredientes» (em conformidade com o quinto regulamento de alteração de 2 de Janeiro de 1987 da FMV, publicado no BGBl. I, p. 94). Antes de 1976, a legislação alemã exigia uma declaração aberta dos ingredientes dos alimentos compostos. Entre 1976 e 1985, a legislação alemã relativa aos alimentos compostos para animais não exigia qualquer declaração relativa aos ingredientes destes alimentos.

B — Os antecedentes do litígio a título principal

5.

A Denkavit Futtermittel GmbH (a seguir «Denkavit»), recorrente no processo principal, produz e importa alimentos para animais, e, nomeadamente, alimentos compostos para animais. A importação, para o território da República Federal da Alemanha, de certos alimentos compostos para animais, fabricados nos Países Baixos, é uma das actividades principais da Denkavit. Esta pretende importar esses alimentos compostos sem respeitar a obrigação de declaração imposta pela primeira frase do n.° 2 do artigo 13.° da FMV. O recorrido no processo principal, o Land Baden-Württemberg, não reconheceu a susceptibilidade de comercialização desses alimentos compostos ou importados. Perante esu recusa, a Denkavit alega que a exigência da declaração semiaberta, na acepção da primeira fase do n.° 2 do artigo 13.° da FMG, é contrária à Directiva 79/373, bem como ao artigo 30.° do Tratado CEE e que não se justifica por qualquer das razões enumeradas no artigo 36.° do Tratado.

6.

Em primeira instância, o Verwaltungsgericht Stuttgart considerou que a exigência da declaração aberta — imposta em conformidade com o quinto regulamento de 2 de Janeiro de 1987, aplicável à época em que esse órgão jurisdicional se pronunciou — violava a Directiva 79/373.

7.

Contra essa decisão, o Land Baden-- Württemberg interpôs apelação perante o Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg.

C — As questões prejudiciais

8.

Entendendo que o litígio suscita questões de interpretação e de validade das disposições da Directiva 79/373 e do Tratado CEE, o Verwaltungsgerichtshof Baden-- Württemberg, por decisão de 16 de Janeiro de 1990, suspendeu a instância e solicitou ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 177.° do Tratado CEE, que se pronunciasse a título prejudicial quanto às seguintes questões:

«1)

O artigo 5.° n.° 4, alínea b), em conjugação com o n.° 7, da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização de alimentos compostos para animais, deve ser interpretado no sentido de que:

confere aos Estados-membros a competência para impor a obrigação, ainda näo existente em direito nacional à data da entrada em vigor da directiva, de indicação dos ingredientes utilizados no alimento composto para animais pela ordem decrescente do ser peso (“declaração semiaberta”) ou

apenas concede aos Estados-membros o direito de manter tal obrigação se esta, à data da entrada em vigor da directiva, já existia em direito nacional?

2)

No caso de a Directiva 79/373/CEE autorizar aos Estados-membros não só a manutenção mas também a introdução desta obrigação de rotulagem:

a)

Tal constituiria uma “medida de efeito equivalente” a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE?

b)

No caso de se afirmar a existência de uma medida de efeito equivalente, o objectivo da protecção do consumidor tornará necessária a rotulagem em causa?

c)

No caso de a rotulagem em causa ser necessária para dar satisfação às exigências da protecção do consumidor, constituirá ela um meio que entrava a livre circulação de mercadorias?

3)

No caso de não se poder justificar à luz do artigo 30.° do Tratado CEE um entrave à livre circulação de mercadorias, como consequência da rotulagem em causa: poder-se-á justificar excepcionalmente, à luz do artigo 36.° do Tratado CEE, o entrave ao comércio por razões de protecção da saúde das pessoas e dos animais?»

9.

Na fundamentação da decisão de reenvio, o Verwaltungsgerichtshof Baden-- Württemberg especifica, a propósito da primeira questão, que tanto a redacção do n.° 4 e do n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373 como a interpretação a contrário do artigo 8.° dessa directiva militam a favor do caracter lícito da introdução da exigência de uma declaração semiaberta. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o objectivo da harmonização, na acepção do artigo 100.° do Tratado CEE, das disposições relativas à rotulagem, com vista à protecção do consumidor, não parece opor-se à introdução de uma exigência de declaração mais severa que as já existentes na legislação nacional no momento da entrada em vigor da directiva. Todavia, colocar-se-á a questão de saber se o quinto considerando da directiva, já referido, permitia, no quadro de uma interpretação da directiva em função da sua finalidade, limitar a possibilidade de escolha dos Estados-membros apenas à manutenção das obrigações de declaração já previstas pelo direito nacional no momento da entrada em vigor da directiva.

Quanto à segunda questão prejudicial, o Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg expõe que, tendo em conta a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (ver acórdão de 12 de Março de 1987, Comissão/Alemanha, 178/84, Colect., p. 1227), se colocaria ainda a questão de saber se a restrição às trocas comerciais, decorrente da exigência da declaração semiaberta, pode ser justificada por exigências imperativas atinentes, entre outras coisas, à protecção dos consumidores. A este propósito, tratar-se-ia de determinar, em primeiro lugar, se a finalidade da protecção do consumidor tornaria necessária a declaração semiaberta e, em seguida, se esta constituía o meio que menos afecta as trocas entre os Estados-membros. Uma das razões pelas quais o legislador nacional exigiu a indicação relativa à composição da mistura teria sido a informação do criador de gado sobre o tipo e a quantidade das matérias-primas (percentagem de cereais, etc.) do alimento composto para animais.

No que respeita à terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional de reenvio entende que o Conselho das Comunidades Europeias, em obediência ao disposto no artigo 100.° do Tratado, regulamentou de forma exaustiva a protecção da saúde das pessoas no domínio dos aditivos e das substâncias indesejáveis. Do acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1977, Tedeschi (5/77, Recueil, p. 1555), o órgão jurisdicional nacional deduz que, quando as directivas prevêem a harmonização das, medidas necessárias para garantir a protecção das pessoas ou dos animais e o controlo dessa protecção por processos comunitários, deixa de ser possível invocar o artigo 36.° do Tratado. O Bundesverwaltungsgericht num acórdão de 5 de Julho de 1986 [publicado no Bundesverwaltungsgerichtsentscheidungen (decisões do tribunal administrativo federal) n.° 74, p. 241], teria exposto que ao nível da harmonização ocorrida no âmbito da alimentação para animais estaria excluído um recurso à disposição derrogatória do artigo 36.° do Tratado CEE.

II — Tramitação do processo

10.

A decisão de reenvio foi registada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de Fevereiro de 1990.

11.

Em conformidade com o disposto no artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas:

em representação da Denkavit Futtermittel GmbH, por V. Schiller, advogado no foro de Colónia,

em representação do Land Baden-Württemberg, pelo Ministerium für ländlichen Raum, Ernährung, Landwirtschaft und Forsten representado por Ziegler,

em representação da República Francesa, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros representado por P. Pouzoulet e G. Bergues,

em representação da República Italiana, pela Avvocatura generale dello Stato, representada por Ivo M. Braguglia,

em representação do Conselho das Comunidades Europeias, por Guus Houttuin, administrador no Serviço Jurídico do Conselho, na qualidade de agente, e

em representação das Comunidades Europeias, por J. Sack, consultor jurídico da Comissão, na qualidade de agente.

12.

O Tribunal de Justiça, com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia.

13.

O Tribunal de Justiça, por decisão de 5 de Dezembro de 1990, tendo em conta o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 95.° do Regulamento de Processo, decidiu atribuir o julgamento da causa à Segunda Secção.

III — Resumo das observações escritas apresentadas perante o Tribunal de Justiça

A — Quanto á primeira questão prejudicial

14.

A Denkavit, a título preliminar, refere que o legislador nacional justificou a reintrodução, em 1985, da exigência da declaração aberta pela preocupação de fornecer ao criador de gado indicações quanto à natureza e à quantidade das matérias-primas e, em particular, quanto ao tipo de cereais utilizado no fabrico do alimento composto. Segundo a Denkavit, a declaração (semi) aberu não constitui, no entanto, um elemento de informação necessário para isso e a Directiva 79/373 não a imporia por isso imperativamente. Com razão, o legislador comunitário teria entendido que a informação necessária ao criador de gado diria respeito apenas aos «componentes» cuja indicação é de prescrever obrigatoriamente em todos os Estados-membros em conformidade com o disposto na alínea e) do n.° 1 do artigo 5.° da Directiva 79/373.

Ademais, a Denkavit sustenta que a declaração (semi) aberta implica um encargo económico desproporcionado. A declaração (semi) aberta constituiria obstáculo à investigação científica, pois os resultados dessas investigações seriam imediatamente divulgados ao público e aos concorrentes que tomariam assim contacto com o know-how do produtor. Quanto a este aspecto, a Denkavit especifica que se tem especializado na venda de elementos compostos cuja composição, qualidade e natureza seriam, antes de tudo, o resultado de uma investigação científica e técnica dispendiosa. Em razão desses custos elevados, seria inconcebível para um fabricante de alimentos para animais tão especializados divulgar, pela declaração (semi) aberta, o seu know-how. O Comité Económico e Social, no seu parecer de 23 de Novembro de 1988«sobre a proposta de directiva do Conselho para alteração da Directiva 79/373/CEE relativa à comercialização dos alimentos compostos para animais» (publicado no JO 1989, C 23, p. 10), teria declarado que uma exigência de declaração, aberta ou semiaberta, não oferecia as garantias necessárias para a protecção do know-how.

15.

A Denkavit considera que a exigência da declaração (semi) aberta é contrária à Directiva 79/373 porque uma cláusula standstill seria inerente à natureza dessa directiva.

Resultaria, em primeiro lugar, do artigo 9.° da Directiva 79/373 que os Estados-membros deveriam abster-se de sujeitar a comercialização dos alimentos compostos para animais a outras restrições que não as previstas pela directiva. Toda a disposição nacional contrária seria inaplicável. Esse artigo 9.° diria respeito a todos os alimentos compostos para animais, qualquer que seja o local da sua produção.

Em seguida, a Denkavit acrescenta que, à primeira vista, somente a redacção do artigo 5.° da Directiva 79/373 pareceria permitir a introdução de uma declaração (semi) aberta obrigatória. Com efeito, apesar de a redacção desse artigo 5.°, já referido, não fazer distinção entre as disposições nacionais que existiam já no momento da adopção da Directiva 79/373 (isto é, em 2 de Abril de 1979) e as que deixaram de existir ou ainda não existiam a essa data, resultaria do espírito, da finalidade e dos considerandos dessa directiva que a introdução da exigência de uma declaração (semi) aberta seria incompatível com a economia geral da Directiva 79/373 bem como com o seu objectivo de harmonização. Essa introdução constituiria um novo obstáculo à livre circulação de mercadorias. O quinto considerando da Directiva 79/373 confirmaria que, com a alínea b) do n.° 4 do artigo 5.°, o legislador comunitário teria pretendido apenas abrir a possibilidade de manter provisoriamente a prática existente em certos Estados-membros. A Denkavit especifica que o espírito e a finalidade da directiva estão expressos nos seus considerandos e que o Tribunal de Justiça confirmou, em muitas ocasiões, a importância dos considerandos (ver, nomeadamente, o acórdão de 14 de Outubro de 1987, Comissão/Dinamarca, 278/85, Colect., p. 4069). Resultaria dos princípios enunciados por essa jurisprudência e do quinto considerando da Directiva 79/373 que esta se opõe à introdução, depois da sua adopção, de uma declaração (semi) aberta obrigatória. A expressão «práticas existentes em certos Estados-membros», do quinto considerando, deveria ser compreendida justamente como a referência às regulamentações existentes já «no momento da adopção da presente directiva» dos sétimo e oitavo considerandos.

Por fim, a Denkavit considera que a regulamentação de standstill não conduz a uma discriminação ilícita. A cláusula stanstill assente na existência objectiva de certas disposições nacionais no momento da adopção da Directiva 79/373 não seria arbitrária e seria suficientemente justificada no sentido do acórdão de 15 de Setembro de 1982, Julius Kind (106/81, Recueil, p. 2885).

16.

Para a Denkavit, resulta claro que, em 2 de Abril de 1979, nenhuma declaração obrigatória, aberta ou semiaberta, era exigida pela legislação alemã. Só a existência, no terceiro travessão do n.o 2 do artigo 6.° da FMG, já referida, de uma habilitação legal que autoriza a adopção de uma legislação que exige tal declaração seria insuficiente para concluir pela existência, em 1979, de uma declaração obrigatória. O Tribunal de Justiça teria decidido neste sentido, a propósito de habilitação análoga, no acórdão de 3 de Outubro de 1985, Comissão/Alemanha (28/84, Recueil, p. 3097).

17.

Por fim, a Denkavit especifica que a Directiva 90/44/CEE do Conselho, de 22 de Janeiro de 1990, que altera a Directiva 79/373/CEE relativa à comercialização de alimentos compostos para animais (JO L 27, p. 35), entrará apenas em vigor em 22 de Janeiro de 1992 e é, por conseguinte, inaplicável ao caso em apreço.

18.

Em apoio da sua tese, a Denkavit cita ainda uma carta da Comissão de 14 de Março de 1986 dirigida à República Federal da Alemanha e na qual a Comissão antecipa, no essencial, argumentos que apresenta nas observações escritas apresentadas no presente processo.

19.

A Denkavit propõe ao Tribunal de Justiça que responda como se segue à primeira questão :

«As disposições conjugadas da alínea b) do n.° 4 do artigo 5.° do n.o 7 do mesmo artigo, do artigo 9.° e do quinto considerando da Directiva 79/373/CEE relativa aos alimentos compostos para animais, na redacção em vigor até 22 de Janeiro de 1992, devem ser interpretadas no sentido de que os Estados-membros não têm o direito de introduzir uma obrigação de indicar os ingredientes dos alimentos compostos para animais, seja em percentagem (“declaração aberta”) ou por ordem decrescente do seu peso (“declaração semiaberta”), se tal obrigação não era já prescrita de forma imperativa pelo direito nacional do Estado-membro considerado no momento da adopção da directiva relativa aos alimentos compostos para animais (2 de Abril de 1979).»

20.

Para o Land Baden-Württemberg, o texto da alínea b) do n.° 4 do artigo 5.° da Directiva 79/373 é claro e não necessita de interpretação. O recurso aos considerandos seria possível apenas se a disposição a interpretar permitisse várias interpretações, o que não seria o caso na situação em apreço.

21.

O Land Baden-Württemberg acrescenta, no entanto, que os sétimo e oitavo considerandos da Directiva 79/373 mencionam expressamente a possibilidade para os Estados-membros de manter normas (de fabrico e de rotulagem dos alimentos compostos para animais) na hipótese de existirem já no momento da adopção da Directiva 79/373. Tal não seria o caso em relação ao quinto considerando que diria respeito a um domínio no qual a aproximação integral das legislações não teria sido possível. Por isso, este domínio deveria continuar a ser regulamentado ao nível nacional no quadro definido pela alínea b) do n.° 4 do artigo 5.° e do n.° 7 do mesmo artigo da Directiva 79/373. O quinto considerando não constituiria também uma cláusula de standstill. Se tal tivesse sido a finalidade pretendida pelo legislador comunitário, este deveria ter inserido uma formulação que fosse no sentido do artigo 5.° da Directiva 79/373, à imagem do que teria acontecido com o oitavo considerando que encontraria a sua expressão no artigo 8.° da directiva.

22.

O Land Baden-Württemberg assinala, além disso, que a alínea d) do terceiro travessão do n.° 2 do artigo 6.° da FMG continha, no momento da adopção da directiva, a habilitação legal que autoriza a adopção de uma regulamentação que exige uma declaração relativa às composições de alimentos para animais. Essa habilitação teria sido conhecida do Conselho no momento da adopção da directiva. Finalmente, a obrigação de declaração semiaberta teria sido entretanto prescrita de forma uniforme para a Comunidade através da Directiva 90/44, já citada.

23.

Para concluir, o Land Baden-Württemberg propõe ao Tribunal que responda à primeira questão prejudicial como se segue:

«As disposições conjugadas da alínea b) do n.° 4 do artigo 5.°, e do n.° 7 do mesmo artigo da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização dos alimentos compostos para animais, devem interpretar-se no sentido de que conferem aos Estados-membros a possibilidade de introduzir uma obrigação de indicar os ingredientes utilizados num alimento composto por ordem decrescente do peso (declaração semiaberta) ainda não existente no direito nacional na altura da entrada em vigor da directiva.»

24.

O Governo francês entende que a fórmula «os Estados-membros podem exigir» contida no n.° 4 do artigo 5.° da Directiva 79/373 indica claramente que os Estados-membros podem introduzir na sua legislação, mesmo depois da entrada em vigor dessa directiva, uma regulamentação que exija a declaração de ingredientes. A fórmula já referida poderia ser aproximada do n.° 3 do artigo 28.° da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54), que distinguiria os casos em que os Estados-membros «podem prever» dos casos em que eles «podem continuar a aplicar» tal ou tal regime derrogatório.

25.

O Governo francês acrescenta que o quinto considerando da Directiva 79/373 afirma apenas a existencia, em certos Estados-membros, de regulamentações nacionais que prevêem a menção obrigatória dos ingredientes, sem com isso excluir que outros Estados-membros adoptem tais disposições após a entrada em vigor da Directiva 79/373. Conviria notar que a declaração semiaberta, que seria apenas uma faculdade para os Estados-membros nos termos da Directiva 79/373, se teria tornado obrigatória com a Directiva 90/44, já referida.

26.

Tendo em conta estas considerações, o Governo francês propõe ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial como se segue:

«As disposições conjugadas da alínea b) do n.° 4 do artigo 5.°, e do n.° 7 do mesmo artigo devem ser interpretadas como não constituindo obstáculo a uma regulamentação, mesmo introduzida após a entrada em vigor da directiva, exigindo a menção, por ordem decrescente do seu peso, dos ingredientes utilizados nos alimentos compostos para animais.»

27.

O Governo italiano considera que o texto do n.° 4 do artigo 5.° da Direttiva 79/373 é claro e que os Estados-membros podem exigir a declaração semiaberta mesmo que tal obrigação não exista já na ordem jurídica nacional na altura da adopção da directiva.

28.

Do quinto considerando da Directiva 79/373 deduzir-se-ia apenas a possibilidade, oferecida a todos os Estados-membros, de exigir a declaração semiaberta. Visto que tal prática existia em certos Estados-membros, o Conselho teria decidido, no momento da adopção da Directiva de harmonização 79/373, colocar todos os Estados-membros em pé de igualdade proporcionando a todos a faculdade de exigir uma declaração semiaberta. Este resultado seria continuado pelo sétimo considerando em que uma faculdade de proibir a comercialização seria atribuída aos Estados-membros, na medida em que «... as suas regulamentações prevejam tais limitações no momento da adopção da presente directiva».

29.

O Governo italiano entende que a resposta à primeira questão deveria ser no sentido de que, com base da alínea b) do n.° 4 e do n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373, os Estados-membros poderão ou manter ou instituir ex novo a exigência da declaração semiaberta.

30.

O Conselho das Comunidades Europeias não formulou observações a propósito da primeira questão prejudicial e parte da hipótese de que os Estados-membros foram autorizados não somente a manter mas também a introduzir pela primeira vez a exigência de uma declaração semiaberta.

31.

A Comissão das Comunidades Europeias alega que a alínea b) do n.° 4 do artigo 5.° da Directiva 79/373 não concede aos Estados-membros senão a faculdade de manter a exigência de uma declaração, aberta ou semiaberta, mesmo que o texto desse artigo pareça significar que os Estados-membros podem introduzir a exigência de tal declaração e mesmo que o artigo 8.° da directiva mencione expressamente a fórmula «... desde que a legislação nacional assim o permita à data da adopção da presente directiva...». Segundo a Comissão, a tese da possibilidade de introduzir a exigência de declaração aberta ou semiaberta opõe-se ao quinto considerando da Directiva 79/373. Resultaria da remissão feita por esse considerando para as práticas existentes em certos Estados-membros e dá natureza provisória da disposição que não deveria ter sido aberta a todos os Estados-membros a possibilidade de prever de ora em diante as indicações relativas aos ingredientes utilizados.

32.

A tese defendida pela Comissão seria confirmada pelo sentido e objectivo de uma harmonização parcial, tal como a efectuada pela Directiva 79/373. Tal harmonização não teria por finalidade deteriorar a situação jurídica existente no domínio da livre circulação das mercadorias. Ora, tal teria sido bem o caso se os Estados-membros, cujas disposições nacionais não previam ainda indicação obrigatória dos ingredientes, tivessem podido introduzir tal obrigação. Para atingir os objectivos da harmonização, o Conselho deveria ter ou introduzido uma declaração obrigatória em todos os Estados-membros, ou pelo menos (como realmente aconteceu) impor provisoriamente a situaçao jurídica existente. Em nenhum caso, no entanto, deveria ter previsto numa directiva medidas que começariam por criar novos obstáculos.

33.

A Comissão propõe, por conseguinte, que se responda como se segue à primeira questão prejudicial:

«As disposições conjugadas da alínea b) do n.° 4 do artigo 5.°, e do n.° 7 do mesmo artigo da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização dé alimentos compostos, devem ser interpretadas na versão vinculante até 21 de Janeiro de 1992, no sentido de que permitem aos Estados-membros apenas o direito de manter uma obrigação de indicar os ingredientes utilizados, e não de introduzir tal obrigação.»

B — Quanto à segunda e à terceira questões prejudiciais

34.

A Denkavit salienta, a título preliminar, que a segunda questão diz respeito aos alimentos compostos para animais importados de outro Estado-membro, não exigindo a declaração (semi) aberta, no território nacional, e não aqueles que são produzidos neste.

35.

A Denkavit procede, em primeiro lugar, a uma análise jurídica detalhada da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual há que considerar como medida equivalente a uma restrição quantitativa toda a regulamentação comercial dos Estados-membros susceptível de constituir entrave directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, ao comércio intracomunitário (ver, nomeadamente, o acórdão de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837). A proibição contida no artigo 30.° do Tratado produziria efeitos directos e confereria aos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros deveriam proteger (nesse sentido, ver, nomeadamente, o acórdão de 8 de Novembro de 1979, Denkavit, 251/78, Recueil, p. 3369). O Tribunal teria repetidas vezes considerado que a extensão, a produtos importados, de uma regulamentação nacional prescrevendo uma certa composição, uma certa embalagem ou uma certa rotulagem constituiria uma medida que, mesmo que não excluísse inteiramente a importação de produtos provenientes de outros Estados-membros, era todavia susceptível de tornar mais difícil ou mais onerosa a sua comercialização no Estado de importação (ver, neste sentido, nomeadamente os acórdãos de 14 de Julho de 1988, Zoni, 90/86, Colect., p. 4285, e Smanor, 298/87, Colect., p. 4489). Assim, haveria que aceitar obstáculos ao comércio intracomunitário resultantes de disparidades das regulamentações nacionais apenas na medida em que a regulamentação nacional em causa, aplicável indistintamente aos produtos nacionais e importados, possa ser justificada pelo facto de ser necessária para satisfazer necessidades imperiosas, em particular, as necessidades da protecção da saúde pública bem como do consumidor e da lealdade das transacções comerciais. Tais regulamentações deveriam ser todavia proporcionadas à finalidade prosseguida e, quando um Estado-membro tivesse a possibilidade de escolher entre vários meios que permitem atingir o mesmo fim, deveria escolher o que menos afectasse a livre circulação de mercadorias.

A Denkavit sustenta que no que respeita à protecção dos consumidores e à lealdade das transacções comerciais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tratando-se de produtos importados que foram regularmente fabricados e rotulados em outro Estado-membro, prescrições nacionais de rotulagem não podem ser consideradas como compatíveis com o artigo 30.° do Tratado CEE a não ser no caso de essas disposições nacionais serem indispensáveis à protecção do consumidor contra um risco efectivo de confusão. O ónus da prova das exigências imperativas incumbiria ao Estado-membro que invocasse essas exigências para se furtar à proibição do artigo 30.° do Tratado.

A Denkavit cita ainda a comunicação da Comissão relativa à livre circulação de géneros alimentícios na Comunidade (JO 1989 C 271, p. 3), para daí concluir que a análise feita pela Comissão nesse documento da jurisprudência «Cassis de Dijon» confirma a análise jurídica da Denkavit, e isto apesar da circunstância de a referida comunicação dizer respeito aos géneros alimentícios e não a alimentos para animais.

36.

A Denkavit considera, em seguida, que a declaração (semi) aberta é incompatível com o artigo 30.° do Tratado, pois constituiria obstáculo à comercialização na República Federal da Alemanha de alimentos compostos, regularmente fabricados e comercializados nos Países Baixos.

A rotulagem não seria indispensável para a protecção do consumidor e da lealdade das transacções comerciais, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, pois a falta de declaração (semi) aberta não implicaria risco de confusão e de incerteza quanto à natureza e às características do produto. Por força da Directiva 79/373, os alimentos compostos não poderiam ser apresentados ou comercializados de forma que seja susceptível de induzir em erro (artigo 3.° da Directiva 79/373). O teor dos constituintes analíticos dos alimentos deveria também ser declarado (n.° 1 do artigo 5.° da Directiva 79/373). Pelo contrário, a indicação dos ingredientes dos alimentos compostos não seria imposta pela directiva, mas poderia figurar a título de «indicação complementar». Consequentemente, o alimento composto para animais, rotulado em conformidade com as disposições dos artigos 3.° e 5.°, n.° 1, da Direttiva 79/373, satisfaria as condições requeridas para a protecção dos consumidores e para a lealdade das transacções comerciais mesmo sem a indicação facultativa dos ingredientes. A Directiva 79/373 seria manifestamente contraditória se a obrigação de declaração (semi) aberta fosse necessária para a protecção dos consumidores. Com efeito, seria contraditório não prever, por um lado, que uma possibilidade facultativa para os Estados-membros de exigir essa declaração se, por outro, esta fosse imperativamente necessária para satisfazer as exigências explícitas dessa mesma directiva em matéria de protecção dos consumidores e de lealdade das transacções comerciais.

Aliás, e de qualquer forma, qualquer interessado na compra poderia evitar a compra de produtos sobre os quais não figurasse qualquer declaração (semi) aberta.

37.

Ademais, a Denkavit analisa a exigência da declaração semiaberta à luz do acórdão de 23 de Novembro de 1989, Eau de Cologne e 4711 (C-150/88, Colect., p. 3891). Assim, a exigência da declaração (semi) aberta constituiria entrave às trocas intracomunitárias porque obrigaria a alterar o acondicionamento no qual os alimentos compostos são legalmente comercializados em certos Estados-membros. Ademais, um distribuidor poderia sentir dificuldades em exportar os alimentos compostos para outro Estado-membro que exigisse a declaração (semi) aberta se o produtor dos alimentos compostos não indicasse os ingredientes. Por fim, no acórdão de 23 de Novembro de 1989, já referido, o Tribunal de Justiça teria considerado também que o objectivo da protecção dos consumidores podia ser atingido por meios menos restritivos às trocas comunitárias, por exemplo uma proibição geral de qualquer indicação susceptível de induzir o consumidor em erro. O conjunto do raciocínio podia na sua integralidade ser transposto para o caso em apreciação.

38.

A Denkavit alega igualmente que a exigência da declaração (semi) aberta não é automaticamente compatível com o artigo 30.° do Tratado porque ela satisfaz as disposições da alínea b) do n.° 4 do artigo 5.° da Directiva 79/373. Afirmar o contrário seria ignorar a relação entre o direito comunitário primário e derivado segundo a qual uma directiva não poderia exonerar os Estados-membros da obrigação para eles decorrente dos artigos 30.° a 36.° do Tratado (ver, neste sentido, nomeadamente o acórdão de 11 de Maio de 1989, Comissão/Alemanha, 76/86, Colect., p. 1021). Resultaria do exame da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, se a legislação alemã, que prevê a declaração (semi) aberta, constituísse uma regulamentação que é proibida de acordo com o disposto no artigo 30.° do Tratado, também não poderia ser coberta pela Directiva 79/373. No caso em apreço, bastaria verificar a incompatibilidade da legislação alemã em causa com o artigo 30.° do Tratado sem responder à questão de saber se a disposição da directiva, que está na base da legislação nacional, será ilícita por violação no disposto no artigo 30.° do Tratado.

39.

A Denkavit contesta, aliás, que a jurisprudência «Cassis de Dijon» permita a conclusão de que uma regulamentação relativa à rotulagem seja per se compatível com o artigo 30.° Com efeito, nos acórdãos integrantes dessa jurisprudência, importações de produtos cuja composição ou qualidade não teriam correspondido às disposições nacionais teriam estado em causa. No caso em apreço, a composição e a qualidade dos alimentos compostos para animais importados corresponderiam às normas alemãs, e, assim, esses alimentos não seriam susceptíveis de induzir em erro o consumidor.

40.

A Denkavit considera, além disso, que a discriminação dos produtos nacionais, que resulta do facto de na Alemanha poderem ser comercializados alimentos compostos para animais, importados sem a declaração (semi) aberta, paralelamente aos fabricados na República Federal da Alemanha que devem trazer tal declaração, não seria ilícita. Para o Tribunal de Justiça, tal diferença de tratamento não teria a ver com o disposto no artigo 30.° do Tratado e não violaria também outras proibições de discriminação do direito comunitário (ver, neste sentido, o acórdão de 18 de Fevereiro de 1987, Mathot, 98/86, Colect., p. 809).

41.

A Denkavit observa, finalmente, que a exigência da declaração (semi) aberta não pode ser justificada pela circunstância de contribuir para a redução dos excedentes de cereais. A redução dos excedentes de cereais caberia, com efeito, na competência exclusiva da Comunidade, e os Estados-membros deviam abster-se de qualquer medida unilateral nesse domínio.

42.

Quanto à terceira questão prejudicial, a Denkavit lembra que o artigo 36.° do Tratado deve ser objecto de interpretação restritiva e que a protecção dos consumidores e a lealdade das transacções comerciais não caem no seu âmbito de aplicação. Por isso dever-se-ia investigar a questão de saber se a exigência da declaração semiaberta poderia ser justificada por razões atinentes à protecção da saúde.

43.

A este propósito, a Denkavit observa que a luta contra a utilização de substâncias nocivas e indesejáveis nos alimentos compostos para animais é regulada de forma específica e exaustiva pela Directiva 74/63/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1973, relativa à fixação de teores máximos em substâncias e produtos indesejáveis nos alimentos para animais (JO L 38, p. 31; EE 03 F7 p. 151). Este ponto de vista seria confirmado pelos acórdãos de 5 de Outubro de 1977, 5/77, já referido, de 3 de Outubro de 1985, 28/84, já referido, e Denkavit (195/84, Recueil 1985, p. 3181).

Daí resultaria que uma questão que tenha a ver com a Directiva 74/63 não poderá ser debatida no quadro da Directiva 79/373. A primeira dessas directivas não preveria exigência de declaração (semi) aberta e, portanto, tal exigência não poderia ser imposta para os alimentos compostos destinados aos animais com a finalidade de lutar contra a utilização de substâncias nocivas e indesejáveis ou evitar uma contaminação por tais substâncias. Aliás, seria supérfluo exigir uma declaração (semi) aberta sempre que o alimento composto pudesse, tal sendo o caso, deixar de ser susceptível de comercialização porque um dos ingredientes é indesejável na acepção da Directiva 74/63.

O carácter exaustivo dessa Directiva 74/63 excluiria o recurso ao artigo 36.° do Tratado no domínio por ela coberto. Uma vez que nenhuma outra razão atinente à protecção da saúde a não ser o da luta contra as substâncias indesejáveis teria sido invocado, seria excluído justificar a exigência da declaração (semi-) aberta através do disposto no artigo 36.° do Tratado.

44.

Concluindo, a Denkavit propõe ao Tribunal que responda às segunda e terceira questões como se segue:

«Resposta que se propôs para a segunda questão

a)

A extensão de uma obrigação, unilateralmente imposta por um Estado-membro, de indicar os ingredientes (disposições conjugadas da alínea b) do n.° 4 do artigo 5.°, e do n.° 7 do mesmo artigo da directiva relativa aos alimentos compostos para animais) a alimentos compostos para animais importados de outro Estado-membro que não impõe essa indicação, constitui, enquanto medida de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação, uma medida incompatível com o artigo 30.° do Tratado CEE.

b)

A extensão, a semelhantes importações, de uma obrigação de indicar os ingredientes não pode ser justificada por exigências imperativas atinentes à protecção dos consumidores ou à lealdade das transacções comerciais, que são já asseguradas pelo artigo 3.° e pelo artigo 5.°, n.° 1, da directiva relativa aos alimentos compostos para animais.

c)

Vindo ao lado da proibição geral de indicações susceptíveis de induzir em erro, contida no artigo 3.° da directiva relativa aos alimentos compostos para animais, a extensão, a semelhantes importações, de uma obrigação de indicar os ingredientes constitui um meio desproporcionado em relação ao objectivo de protecção do consumidor.

Resposta que se propôs para a terceira questão

O artigo 36.° do Tratado CEE, especialmente conjugado com a Directiva 74/63/CEE relativa às substâncias indesejáveis, é de interpretar no sentido de que a extensão, a alimentos compostos importados, de uma obrigação de indicar os ingredientes que entram na composição dos alimentos compostos para animais não pode justificar-se por razões atinentes à protecção da saúde.»

45.

O Land Baden-Württemberg emende que a jurisprudência «Cassis de Dijon» não é aplicável ao caso em apreço pois faltaria uma das condições, nomeadamente a «ausência de uma regulamentação comumunitá-ria». O domínio dos alimentos compostos para animais seria regido por uma regulamentação comumunitária, a Directiva 79/373.

46.

O Land Baden-Württemberg observa, a título subsidiário, que a declaração semiaberta protege o comprador contra artifícios enganosos e contra a indução em erro, e contribui para a lealdade das transacções comerciais colocando-o em condições de conhecer, de forma suficientemente precisa, a natureza e a qualidade do produto e de o distinguir de outros produtos (ver, neste sentido, o acórdão de 22 Junho de 1982, Robertson, 220/81, Recueil, p. 2349). Graças à declaração semiaberta, o comprador estaria à altura de apreciar aproximativamente o risco de presença de substâncias nocivas. Estas considerações aplicar-se-iam também às possiblidades de controle das autoridades competentes no quadro do controlo administrativo dos alimentos para animais.

47.

O Land Baden-Württemberg acrescenta que a exigência da declaração semiaberta é proporcional ao objectivo pretendido e constitui o meio que menor entrave opõe à liberdade das trocas na acepção do acórdão de 12 de Março de 1987, Comissão/Alemanha, já referido.

48.

Em conclusão, o Land Baden-Württemberg propõe ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão prejudicial da alínea a) que:

«A introdução da obrigação de declaração simplificada, que constitui uma regulamentação correspondente às disposições do direito comunitário, não poderá constituir uma medida proibida na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE.»

49.

Em relação à terceira questão prejudicial, o Land Baden-Württemberg admite uma justificação da exigência da declaração semiaberta na base do disposto no artigo 36.° do Tratado. Com efeito, a exigência da referida declaração contribuiria para a protecção da saúde do homem e dos animais.

50.

O Governo francês entende, a propósito da segunda questão prejudicial, que para o Tribunal de Justiça a rotulagem seria uma exigência justificada para permitir uma completa informação dos consumidores. O interesse de tal declaração não teria, aliás, escapado ao legislador comunitário pois que a declaração semiaberta, simples faculdade na Directiva 79/373, se teria tornado obrigação para os Estados-membros nos termos da Directiva 90/44. Além disso, nenhuma outra medida que afecte menos a livre circulação de mercadorias permitiria esclarecer o comprador tão completamente sobre o produto com tal rotulagem.

51.

O Governo francês conclui que a obrigação de rotulagem em causa não poderia constituir uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação proibida pelo artigo 30.° do Tratado. Nessas condições, não haveria que responder à terceira questão prejudicial.

52.

Na opinião do Governo italiano, as segunda e terceira questões prejudiciais parecem dever ser consideradas como desprovidas de objecto.

Com efeito, se se admitisse que a Directiva 79/373 autoriza aos Estados-membros a impor, mesmo ex novo, a obrigação da declaração semiaberta para os ingredientes, a contradição considerada com o artigo 30.° não deveria ser relacionada com a obrigação imposta pelas ordens jurídicas nacionais, mas, tal sendo o caso, com a norma comunitária de autorização. Deveria alegar-se que a norma da directiva que autoriza Estados-membros a instituir, e não somente a manter, a exigência da declaração semiaberta dos ingredientes seria inválida porque contrária ao artigo 30.° do Tratado. Tal questão não teria sido colocada pelo órgão jurisdicional nacional.

Seria evidente que a disposição em questão deveria satisfazer as exigências de protecção do consumidor — através de um meio cuja proporcionalidade fosse incontestável — ao assegurar que, na altura da escolha do produto a adquirir, sejam reconhecíveis a natureza e a quantidade das substâncias contidas no alimento composto.

53.

Em conclusão, o Governo italiano propõe a título principal que as segunda e terceira questões fiquem sem objecto. A título subsidiário, o Governo acrescenta que a exigência da declaração semiaberta, imposta igualmente ex novo na base das disposições pertinentes do artigo 5.° da Directiva 79/373 visando satisfazer, de forma proporcionada, exigências imperiosas de protecção dos consumidores, é compatível com a proibição estabelecida no artigo 30.° do Tratado CEE.

54.

O Conselho das Comunidades Europeias considera que as segunda e terceira questões prejudiciais incidem sobre a compatibilidade da alínea b) do n.° 4 e do n. ° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373 com o artigo 30.° do Tratado.

A este propósito, deveriam ser examinados em primeiro lugar os objectivos e o âmbito de aplicação da directiva e a relação destas com outras disposições jurídicas comunitárias em matéria de alimentos para animais. Assim, a Directiva 79/373 teria em vista a implementação do mercado comum agrícola contribuindo para a livre circulação dos produtos agrícolas e assegurando a disponibilidade de alimentos adequados de boa qualidade considerados como factor importante para aumentar a produtividade da agricultura. A directiva seria centrada nas condições que regem a embalagem e a apresentação dos alimentos e, mais particularmente, sobre a harmonização das condições de fundo relativas à informação a dar ao utilizador. No acórdão de 3 de Outubro de 1985, Comissão/Alemanha (28/84, já referido), o Tribunal de Justiça teria declarado que a Directiva 70/524/CEE do Conselho, de 23 de Novembro de 1970, relativa aos aditivos na alimentação dos animais (JO L 270, p. 1), juntamente com a Directiva 74/63 e a Directiva 79/373, constituiriam um sistema coerente relativo ao fabrico e à utilização dos alimentos compostos. As três directivas referidas regulamentariam o domínio jurídico em questão, sem realizar, no entanto, uma harmonização completa das normas nacionais deixando, por um lado, uma margem para a aplicação das lesgislações nacionais divergentes e, por outro, obstáculos às trocas entre os Estados-membros. A directiva seria uma medida de harmonização progressiva por etapas na acepção do acórdão de 29 de Fevereiro de 1984, Rewe-Zentrale (37/83, Recueil, p. 1229). O facto de essa directiva não ser uma verdadeira medida de harmonização, pois que criaria novos obstáculos às trocas, seria o único motivo que pode ser invocado para sustentar a incompatibilidade da directiva com o artigo 30.° do Tratado.

55.

Conviria por isso examinar se, independentemente da directiva, os Estados-membros tinham a possibilidade de introduzir, pela primeira vez, a exigência de uma declaração semiaberta. Na opinião do Conselho, não há qualquer dúvida que, antes da adopção da Directiva 79/373, os Estados-membros tinham a faculdade de introduzir, e não simplesmente de manter, a exigência de uma declaração semiaberta, e isto por força do princípio consagrado pela jurisprudência «Cassis de Dijon». Por força dessa jurisprudência, conviria notar que a exigência da declaração semiaberta corresponderia a um objectivo de protecção dos consumidores. Com efeito, os compradores dos alimentos compostos seriam informados do tipo e da qualidade dos ingredientes desses alimentos.

56.

Por fim, o Conselho acrescenta que a exigência de uma declaração semiaberta constituiria a solução definitiva consagrada pela Directiva 90/44, de modo que os Estados-membros que não a exigissem ainda estariam na obrigação de a impor.

57.

O Conselho entende, em conclusão, que a exigência da declaração semiaberta não constitui uma medida de efeito equivalente na acepção do artigo 30.° do Tratado e que, segundo essa análise, o artigo 36.° do Tratado CEE não é aplicável. Em consequência, o Conselho propõe ao Tribunal de Justiça que responda, às segunda e terceira questões prejudiciais, no sentido de que o exame delas não revelou nada que fosse susceptível de constituir atentado à validade do disposto na alínea b) do n.° 4 e no n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373.

58.

A Comissão entende que, se bem que a segunda questão se relaciona com a interpretação do artigo 30.° do Tratado, não diz respeito à validade da alínea b) do n.° 4 do artigo 5.° da Directiva 79/373 à luz dos artigos 30.° e seguintes do Tratado. Para evitar tal conflito, conviria aplicar o princípio da interpretação conforme ao Tratado (ver, neste sentido, o acórdão de 13 de Dezembro de 1983, Comissão/Conselho 218/82, Recueil, p. 4063). O facto de uma directiva não ter eliminado completamente as disparidades existentes entre as legislações nacionais não constituiría ainda, por si, qualquer motivo contra a sua validade. Por outro lado, não poderia excluir-se, que no caso do agravamento das disparidades existentes nos direitos nacionais, através de uma directiva do Conselho constitua, nesse sentido, motivo para a sua invalidade.

Isto seria confirmado pela Directiva 90/44 pois ao impor uma data precisa (22 de Janeiro de 1992) para a adopção da declaração semiaberta, em lugar de utilizar a fórmula «antes de...», o Conselho teria julgado importante evitar a transposição de directiva em datas diferentes.

G. F. Mancini

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

20 de Junho de 1991 ( *1 )

No processo C-39/90,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg e destinado a obter, no litígio pendente perante esse órgão jurisdicional entre

Denkavit Futtermittel GmbH, Warendorf (República Federal da Alemanha)

e

Land Baden-Württemberg,

uma decisão a título prejudicial sobre a validade e a interpretação da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização dos alimentos compostos para animais (JO L 86, p. 30; EE 03 F16 p. 75) e dos artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: T. F. O'Higgins, presidente de secção, G. F. Mancini e F. A. Schockweiler, juízes,

advogado-geral : M. Darmon

secretário: V. Di Bucci, administrador

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Denkavit Futtermittel GmbH, por V. Schiller, advogado no foro de Colónia,

em representação do Land Baden-Württemberg, por W. Ziegler, Ministerialrat no Ministério do Ordenamento Rural, da Alimentação, da Agricultura e das Florestas do Land Baden-Württemberg,

em representação da República Francesa, por P. Pouzoulet e G. de Bergues, respectivamente, subdirector na direcção dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e secretário adjunto principal nesse mesmo ministério,

em representação da República Italiana, por Ivo M. Braguglia, avvocato dello Stato,

em representação do Conselho das Comunidades Europeias, por Guus Hout- tuin, administrador no Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Sack, consultor jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Denkavit, do Land Baden-Württemberg representado por Joachim Hentze, Regierungsdirector, e Toni Roth, Oberamtsrat, da República Francesa, do Conselho e da Comissão das Comunidades Europeias, na audiência de 5 de Fevereiro de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 5 de Março de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por decisão de 16 de Janeiro de 1990, entrada no Tribunal em 12 de Fevereiro seguinte, o Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, questões prejudiciais relativas à validade e à interpretação da alínea b) do n.° 4 e do n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização dos alimentos compostos para animais (JO L 86, p. 30; EE 03 F16 p. 75), e dos artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE com vista a apreciar a compatibilidade com essas disposições da regulamentação alemã relativa aos alimentos compostos para animais.

2

Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Denkavit Futtermittel GmbH (a seguir «Denkavit») ao Land Baden-Württemberg quanto à recusa pelas autoridades deste último da comercialização pela Denkavit, no território da República Federal da Alemanha, de alimentos compostos para animais fabricados regularmente nos Países Baixos, em virtude de não ter respeitado os termos do artigo 13.° do Futtermittelverordnung (regulamento relativo aos alimentos para animais) de 22 de Junho de 1988 (BGBl. I, p. 869, a seguir «FMV»), adoptado com base na Futtermittelgesetz (lei relativa aos alimentos para animais) de 2 de Julho de 1975 (BGBl. I, p. 1745). Resulta desse artigo da FMV que os alimentos compostos destinados aos animais de rendimento (destinados à criação, produção de leite, carne ou ovos) devem, a partir de 30 de Junho de 1988, trazer a menção de todos os ingredientes que os compõem «por ordem decrescente de peso» (a seguir «declaração semiaberta»).

3

A Denkavit interpôs recurso contra essa recusa perante o Verwaltungsgericht Stuttgart, alegando que a exigência imposta pela FMV era contrária às disposições da Directiva 79/373, já referida.

4

Chamado a intervir pelo Land Baden-Württemberg em apelação interposta contra a decisão do Verwaltungsgericht Stuttgart, o Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado a título prejudicial quanto às seguintes questões:

«1)

O artigo 5. n. 4, alínea b), em conjugação com o n. 7, da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização de alimentos compostos para animais, deve ser interpretado no sentido de que:

confere aos Estados-membros a competência para impor a obrigação, ainda não existente em direito nacional à data da entrada em vigor da directiva, de indicação dos ingredientes utilizados no alimento composto para animais pela ordem decrescente (“declaração semiaberta”) ou

apenas concede aos Estados-membros o direito de manter tal obrigação se esta, à data da entrada em vigor da directiva, já existisse em direito nacional?

2)

No caso de a Directiva 79/373/CEE autorizar aos Estados-membros não só a manutenção, mas também a introdução dessa obrigação de rotulagem :

a)

Tal constituiria uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE?

b)

No caso de se afirmar a existência de uma medida de efeito equivalente, o objectivo de protecção do consumidor tornará necessaria a rotulagem em causa?

c)

No caso de a rotulagem em causa ser necessaria para satisfazer as exigências de protecção do consumidor, constituirá ela um meio que entrava a livre circulação de mercadorias?

3)

No caso de não se poder justificar à luz do artigo 30.° do Tratado CEE o entrave à livre circulação de mercadorias, como consequência da rotulagem em causa, poder-se-á justificar excepcionalmente, à luz do artigo 36.° do Tratado CEE, o entrave ao comércio por razões de protecção da saúde das pessoas e dos animais?»

5

Na sua decisão de reenvio, o Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg alega que, tendo em conta o seu texto, os n.os 5 e 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373 parecem permitir a introdução de exigências mais severas que as já aplicáveis, por força da legislação nacional, à data da entrada em vigor dessa directiva. Ora, essa possibilidade está em contradição com os termos do quinto considerando da directiva que, no quadro de uma interpretação teleológica, parece reservar aos Estados-membros apenas a possibilidade de manter as obrigações de declaração já existentes na altura da entrada em vigor da Directiva 79/373. A propósito das segunda e terceira questões, o Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg precisa, em primeiro lugar, que a introdução da exigência da declaração semiaberta na República Federal da Alemanha foi motivada, nomeadamente, pela necessidade de informar o criador de gado quanto ao tipo e à quantidade de matérias-primas do alimento composto para animais e salienta, em seguida, a impossibilidade de invocar o artigo 36.° do Tratado, tendo em conta a regulamentação exaustiva adoptada pelo Conselho na base do artigo 100.° do Tratado CEE.

6

Para mais ampla exposição dos factos e da regulamentação aplicável ao litígio no processo principal, da tramitação processual bem como das observações escritas apresentadas perante o Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

7

A título preliminar, convém salientar, antes de mais, que a Directiva 79/373, já citada, constitui uma etapa do processo de harmonização das legislações nacionais que tende a eliminar progressivamente todos os obstáculos à livre circulação de alimentos compostos para animais no interior da Comunidade. Com efeito, segundo as disposições do artigo 15.° dessa directiva, a Comissão, com base na experiência adquirida, transmitirá ao Consellho as propostas de alteração à mesma directiva com vista a realizar a livre circulação dos alimentos compostos para animais e de eliminar certas disparidades, nomeadamente no que diz respeito à utilização dos ingredientes e à rotulagem.

8

Há que sublinhar, em seguida, que nos termos da alínea b) do n.° 4 e do n.° 7 do artigo 5.°, da Directiva 79/373, já citada,

«4.

Os Estados-membros poderão exigir apenas a totalidade ou parte das seguintes indicações complementares:

a)

...

b)

os ingredientes;

...

7.

Na medida em que forem fornecidas todas as indicações relativas aos ingredientes, todos os ingredientes utilizados deverão ser mencionados, quer indicando o seu conteúdo, quer por ordem decrescente de peso no alimento composto. Os Estados-membros poderão optar por exigir uma destas duas formas de indicação, que excluirá a outra. Caso os Estados-membros não tenham tomado quaisquer medidas resultantes do disposto na alínea b) do artigo 10.°, classificar os ingredientes por categoria, ou manter categorias existentes, e permitir que a indicação dos ingredientes seja substituída pela das categorias.»

9

Convém salientar igualmente que, segundo o quinto considerando do preâmbulo dessa directiva,

«... enquanto não forem adoptadas disposições suplementares, e dadas as práticas existentes em certos Estados-membros, se verifica a necessidade de prever — provisoriamente — a possibilidade de exigir, a nível nacional, uma declaração mais completa da composição dos alimentos quanto aos seus componentes e aos ingredientes neles utilizados... todavia, tais declarações apenas poderão ser exigidas na medida em que estejam previstas na presente directiva».

10

O teor dos artigos 8.° e 9.° da Directiva 79/373 é o seguinte:

«Artigo 8. °

Os Estados-membros ficam autorizados, desde que a legislação nacional assim o permita à data da adopção da presente directiva, a limitar a comercialização dos alimentos compostos àqueles:

que forem obtidos a partir de certos ingredientes, ou

que não contenham certos ingredientes.»

Artigo 9°.

Os Estados-membros deverão tomar providências para que os alimentos compostos não fiquem sujeitos, por razões que digam respeito às disposições contidas na presente directiva, a restrições de comercialização diferentes das nela previstas»

Quanto à primeira questão

11

Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio tende, no fundo, a saber se os n.os 4 e 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373 constituem uma cláusula de standstill que permita aos Estados-membros subordinar a comercialização dos alimentos compostos para animais a uma declaração semiaberta unicamente se o direito nacional contém já tal exigência, à data da entrada em vigor da directiva.

12

Convém salientar, em primeiro lugar, que uma eventual obrigação de standstill não pode ser deduzida do texto da alínea b) do n.° 4 e do n.° 7 do artigo 5.° da directiva já citada. Com efeito, essas disposições não contêm formulação explícita nesse sentido, ao contrário do artigo 8.° dessa mesma directiva, por força do qual os Estados-membros são autorizados a limitar a comercialização de certos alimentos «desde que a legislação assim o permita à data da adopção da presente directiva».

13

Tal obrigação de standstill não resulta já do quinto considerando da Directiva 79/373, pelo qual o Conselho se limita a declarar que só certos Estados-membros exigem uma declaração sobre os ingredientes e que, enquanto não forem adoptadas disposições suplementares, se afigura necessário prever a possibilidade de exigir ao nível nacional uma declaração mais completa sobre a composição dos alimentos no que toca aos constituintes analíticos e aos ingredientes utilizados.

14

A ausência de uma clásula de standstill nas disposições da alínea b) do n.° 4 e do n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373 é confirmada pela adopção, posteriormente aos factos do presente processo, da Directiva 90/44/CEE do Conselho, de 22 de Janeiro de 1990, que altera a Directiva 79/373 relativa à comercialização de alimentos compostos para animais (JO L 27, p. 35), por força da qual os Estados-membros são obrigados a pôr em vigor, em 22 de Janeiro de 1992, a declaração semiaberta.

15

Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão declarando que a alínea b) do n.° 4 e o n.° 7 do artigo 5.° na Directiva 79/373 devem ser interpretados no sentido de que não constituem obstáculo a que um Estado-membro introduza na sua legislação uma obrigação de indicar, por ordem decrescente de peso, os ingredientes utilizados no alimento composto, mesmo que tal obrigação não existisse em direito nacional à data da entrada em vigor da directiva já referida.

Quanto às segunda e terceira questões

16

Essas questões desenvolvem-se em duas partes. Por um lado, o órgão jurisdicional nacional deseja saber, no fundo, se, em caso de introdução por um Estado-membro da declaração semiaberta, esta constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 30.° do Tratado e, tal sendo o caso, se é justificada por exigência imperiosa da protecção do consumidor, reconhecida pela jurisprudência do Tribunal, ou por razões de protecção da saúde das pessoas e dos animais tendo em conta o disposto no artigo 36.° do Tratado. Por outro, o órgão jurisdicional nacional duvida da validade das disposições da Directiva 79/373, que autorizam a introdução por um Estado-membro da exigência da declaração semiaberta, tendo em conta o disposto nos artigos 30.° e seguintes do Tratado.

17

Quanto ao primeiro vector em que estas questões se desenvolvem, há que declarar, de imediato, que a exigência da menção semiaberta, indistintamente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados, tem por efeito tornar mais difíceis as importações dos alimentos compostos para animais provindas de outros Esta-dos-membros que não exigem tal declaração. Por conseguinte, e segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (ver nomeadamente acórdãos de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74 Recueil, p. 837, e de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe-Zentrale, 120/78, Recueil, p. 649), a exigência da declaração semiaberta cai na alçada do artigo 30.° do Tratado.

18

Convém lembrar em seguida que, sobretudo segundo o acórdão de 11 de Maio de 1989, Comissão/Alemanha (76/86, Colect., p. 1021), resulta dos artigos 30.° e seguintes do Tratado que uma regulamentação nacional, adoptada no caso da falta de regras comuns ou harmonizadas, indistintamente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados de outros Estados-membros em que são legalmente fabricados e comercializados, só é compatível com o referido Tratado na medida do necessário para satisfazer razões de interesse geral enumeradas no artigo 36.° do Tratado ou exigências imperiosas atinentes, nomeadamente, à lealdade das transacções comerciais e à protecção dos consumidores.

19

Por fim, como o Tribunal de Justiça o especificou, nomeadamente, no acórdão de 5 de Outubro de 1977, Tedeschi (5/77, Recueil, p. 1555), o recurso ao artigo 36.° só deixa de ser justificado se, por aplicação do artigo 100.°, directivas comunitárias prevêem a harmonização completa das legislações nacionais. Há que admitir que, quando a aproximação das legislações dos Estados-membros não foi ainda levada a cabo num certo domínio, as legislações nacionais correspondentes podem constituir obstáculo ao princípio da livre circulação, na medida em que os obstáculos em causa sejam justificados por uma das razões indicadas no artigo 36.° do Tratado ou por exigências imperiosas.

20

A este propósito, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça o salientou no acórdão de 27 de Março de 1985, Denkavit Futtermittel (73/84, Recueil, p. 1013), a Directiva 79/373, já citada, visa impor o respeito de certas normas de qualidade dos alimentos compostos para animais, garantir o controlo sanitário desses produtos e assegurar a lealdade nas transacções.

21

Segundo a decisão de reenvio, a exigência da declaração semiaberta foi imposta na República Federal da Alemanha com vista, nomeadamente, a garantir a informação do criador de gado sobre o tipo e a quantidade das matérias-primas contidas nos alimentos compostos.

22

Resulta dos quinto e sexto considerandos da Directiva 90/44, já referida, que torna obrigatória a declaração semiaberta a partir de 22 de Janeiro de 1992, que a Directiva 79/373 tem em vista informar objectiva e tão exactamente quanto possível o criador de gado quanto à composição e à utilização dos alimentos para animais e que a declaração dos ingredientes que entram na composição desses alimentos constitui, em certos casos, um elemento de informação importante para os criadores de gado.

23

Tendo em conta estas considerações, há que admitir que a exigência da declaração semiaberta tende a assegurar tanto a protecção da saúde e da vida das pessoas e dos animais, na acepção do artigo 36.° do Tratado, como a defesa do consumidor e a lealdade das transacções comerciais.

24

Tal exigência deve, todavia, ser satisfeita por meios que não sejam desproporcionados às finalidades visadas e que entravem o menos possível a importação dos produtos legalmente fabricados e comercializados em outros Estados-membros. Ora, a aposição obrigatória da indicação, sobre os alimentos compostos para animais, de todos os ingredientes que os compõem por ordem decrescente do peso pode ser considerada como um meio adequado e proporcional às finalidades prosseguidas, na medida em que é evidente que a rotulagem é um dos meios menos restritivos para a livre circulação desses produtos na Comunidade.

25

Convém, por isso, responder ao primeiro vector em que se desenvolve as segunda e terceira questões que a obrigação, imposta por força da legislação de um Estado-membro, de indicar por ordem decrescente de peso os ingredientes dos alimentos compostos para animais é justificada pelo interesse geral da protecção da saúde das pessoas e dos animais, na acepção do artigo 36.° do Tratado, bem como pelas exigências da protecção do consumidor e da lealdade nas transacções comerciais.

26

Tratando-se do segundo vector em que essas questões se desenvolvem que incide sobre a validade das disposições da Directiva 79/373, já referida, tendo em conta os artigos 30.° e seguintes do Tratado, convém recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (ver, nomeadamente, acórdão de 18 de Abril de 1991, Les Assurances du crédit, C-63/89, Colect., p. I-1799) segundo o qual, no quadro do exercício dos poderes que são conferidos às instituições quanto à aproximação das disposições legislativas, convém necessariamente reconhecer a essas instituições uma margem de apreciação sobre as etapas a observar na harmonização, tendo em conta especificidades da matéria sujeitas a coordenação.

27

Como o Tribunal de Justiça o declarou já, a harmonização efectuada até aqui no domínio dos alimentos compostos para animais tem apenas carácter parcial. Por isso, não resulta de forma nenhuma provado que, permitindo através das disposições contidas nos n.os 4 e 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373, já citada, a manutenção ou a introdução pelos Estados-membros da exigência da declaração semiaberta, o Conselho tenha ultrapassado os limites do seu poder de apreciação. Daí decorre que os obstáculos à livre circulação resultantes assim das disparidades entre as legislações dos Estados-membros devem ser aceites na medida em que a exigência da declaração contribua para a protecção da saúde das pessoas e dos animais, bem como a protecção do consumidor e para a lealdade nas transacções comerciais.

28

Daí resulta que há que responder ao segundo vector em que se desenvolvem a segunda e a terceira questões que o exame das disposições da alínea b) do n.° 4 e do n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373 não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade dessas disposições.

Quanto às despesas

29

As despesas efectuadas pelos governos francês e italiano, pelo Conselho e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Verwaltungsgerichtshof Baden-Württemberg, por decisão de 16 de Janeiro de 1990, declara:

 

1)

A alinea b) do n.° 4 e o n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização dos alimentos compostos para animais deve ser interpretada no sentido de que não constitui obstáculo a que um Estado-membro introduza na sua legislação uma obrigação de indicar por ordem decrescente de peso os ingredientes utilizados no alimento composto, mesmo que tal obrigação não existisse em direito nacional à data da entrada em vigor da directiva já referida.

 

2)

A obrigação, imposta por força da legislação de um Estado-membro, de indicar por ordem decrescente do peso os ingredientes dos alimentos compostos para animais é justificada pelo interesse geral da protecção da saúde das pessoas e dos animais, na acepção do artigo 36.° do Tratado, bem como pelas exigências da protecção do consumidor e da lealdade das transacções comerciais.

 

3)

O exame das disposições contidas na alínea b) do n.° 4 e no n.° 7 do artigo 5.° da Directiva 79/373 não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade dessas disposições.

 

O'Higgins

Mancini

Schockweiler

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Junho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Segunda Secção

T. F. O'Higgins


( *1 ) Lìngua do processo: alemão.

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