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Document 61990CC0002

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 10 de Janeiro de 1991.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.
Incumprimento de Estado - Proibição de depositar resíduos provenientes doutro Estado-membro.
Processo C-2/90.

Colectânea de Jurisprudência 1992 I-04431

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:6

61990C0002

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 10 de Janeiro de 1991. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REINO DA BELGICA. - INCUMPRIMENTO PELO ESTADO - PROIBICAO DE DEPOSITAR RESIDUOS PROVENIENTES DE UM OUTRO ESTADO-MEMBRO. - PROCESSO C-2/90.

Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-04431
Edição especial sueca página I-00031
Edição especial finlandesa página I-00031


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. No presente processo, a Comissão pede ao Tribunal que declare que, ao proibir que se armazenem, depositem ou vazem na Valónia resíduos provenientes de um Estado-membro ou de uma região diferente da região da Valónia, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força

1) da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1985, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129),

2) da Directiva 84/631/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1984, relativa ao controlo na Comunidade das transferências transfronteiras de resíduos perigosos (JO L 326, p. 31; EE 15 F5 p. 122) e dos

3) artigos 30. e 36. do Tratado CEE.

2. As proibições que a Comissão acusa a Bélgica de ter instituído figuram num decreto do Executivo regional da Valónia, de 19 de Março de 1987 que se refere à descarga de certos tipos de resíduos na Região da Valónia (Moniteur belge de 28.3.1987, p. 4671). O artigo 1. , primeiro parágrafo, deste decreto, na redacção dada pelo artigo 130. do decreto de 23 de Julho de 1987 (Moniteur belge de 29.9.1987, p. 14078) proíbe a armazenagem, o depósito ou a descarga dos resíduos provenientes de um país estrangeiro nos depósitos, entrepostos e locais de descarga autorizados na Valónia, com excepção dos depósitos anexos a uma instalação de destruição, de neutralização ou de eliminação dos resíduos tóxicos. O artigo 1. , segundo parágrafo, proíbe que as empresas de eliminação dos resíduos autorizem o armazenamento, etc, de resíduos estrangeiros nos estabelecimentos por elas explorados. O artigo 2. prevê a possibilidade de o executivo regional da Valónia conceder derrogações ao artigo 1. por um período limitado que não exceda dois anos e que se justifiquem por circunstâncias graves e excepcionais. O artigo 3. proíbe igualmente que se armazenem, depositem ou vazem na Valónia resíduos provenientes de outras regiões da Bélgica, concretamente, da Região da Flandres e de Bruxelas, embora preveja a possibilidade de se fixarem excepções em aplicação de acordos celebrados com essas regiões. O artigo 4. permite, além disso, que as entidades públicas ou privadas de produção, recolha ou escoamento de resíduos solicitem derrogações ao artigo 3. . Nos termos do artigo 5. , primeiro parágrafo, os resíduos provenientes de um Estado estrangeiro ou de uma outra região consideram-se resíduos não produzidos na Região da Valónia.

3. O decreto de 19 de Março de 1987 anulou e substituiu um decreto de 17 de Março de 1983 (Moniteur belge de 14.1.1983, p. 7717) e que, no essencial, continha as mesmas disposições. Não se nega que o decreto de 19 de Março de 1987 tem por efeito proibir, em termos globais, a importação de resíduos para a Valónia, sem prejuízo das excepções nele previstas e da possibilidade de derrogações suplementares.

4. A Comissão alega a violação de duas directivas comunitárias. A primeira, a Directiva 75/442, relativa aos resíduos, estabelece um determinado número de disposições e de princípios com carácter geral em matéria de resíduos. Impõe aos Estados-membros a adopção de medidas adequadas no sentido de promover a prevenção, a reciclagem e a transformação dos resíduos (artigo 3. ), bem como das medidas necessárias com vista a garantir que os resíduos serão eliminados sem riscos para a saúde humana e sem prejudicar o ambiente (artigo 4. ). Os Estados-membros deverão estabelecer ou designar a ou as autoridades competentes responsáveis, numa zona determinada, pela planificação, organização, autorização e fiscalização das operações de eliminação dos resíduos (artigo 5. ). Qualquer estabelecimento ou empresa que assegure o tratamento, a armazenagem ou o depósito dos resíduos por conta de outrem deve obter uma autorização da autoridade competente (artigo 8. ) e sujeitar-se a controlos periódicos desta última (artigo 9. ). As empresas que asseguram o transporte, a recolha, a armazenagem, o depósito ou o tratamento dos seus próprios resíduos, bem como as que recolhem ou transportam resíduos por conta de outrem devem igualmente sujeitar-se à fiscalização da autoridade competente (artigo 10. ). O termo "resíduo" é definido de forma lata no artigo 1. , alínea a), no sentido de se tratar de qualquer objecto ou substância de que o detentor se desfaz ou tem obrigação de se desfazer, por força da legislação nacional em vigor.

5. A Directiva 84/631, na redacção dada pelas Directivas 86/279/CEE do Conselho, de 12 de Junho de 1986 (JO L 181, p. 13) e 87/112/CEE, de 23 de Dezembro de 1986 (JO L 48, p. 31), institui um sistema de vigilância e de controlo das transferências transfronteiras de resíduos perigosos. Quando um detentor de resíduos pretenda transferir resíduos de um Estado-membro para outro ou fazê-los transitar por um ou vários Estados-membros, é obrigado a notificar as autoridades competentes dos Estados-membros em questão, através de um documento de acompanhamento uniforme (artigo 3. ). A transferência não se pode efectuar enquanto as autoridades competentes não tiverem acusado a recepção da referida notificação. As autoridades competentes do Estado-membro de destino ou de trânsito podem, no prazo de um mês a contar da notificação, suscitar objecções que devem ser fundamentadas com base nas disposições legislativas e regulamentares em matéria de protecção do ambiente, de ordem e de segurança públicas ou de protecção da saúde, em conformidade com a directiva e com os restantes instrumentos comunitários (artigo 4. ). A directiva aplica-se (sem prejuízo de algumas excepções de somenos importância) aos resíduos tóxicos e perigosos, tal como se encontram definidos na Directiva 78/319/CEE do Conselho, de 20 de Março de 1978, relativa aos resíduos tóxicos e perigosos (JO L 84, p. 43) e aos PCB, tal como foram definidos na Directiva 76/403/CEE do Conselho, de 6 de Abril de 1976, relativa à eliminação dos policlorobifenilos e dos policloroterfenilos (JO L 108, p. 41).

Violação das directivas

6. A Comissão alega que nenhuma das disposições das duas directivas permite que um Estado-membro fixe proibições do tipo das contidas no decreto de 19 de Março de 1987. Acrescenta que tais proibições são contrárias à estrutura geral e aos objectivos das directivas, que se destinam essencialmente a garantir a livre circulação dos resíduos e, ao mesmo tempo, a proteger a saúde e o ambiente.

7. A este argumento o Reino da Bélgica responde que, embora nenhuma disposição específica permita a proibição, também nenhuma a proíbe. Sustenta, além disso, que a proibição é compatível com o objectivo essencial das duas directivas, e que consiste na protecção da saúde humana e do ambiente.

8. A meu ver, a violação da Directiva 75/442 não está provada. É verdade que, como indica o seu primeiro considerando, esta directiva se destina, não só a assegurar a protecção da saúde e do ambiente mas também a evitar disparidades entre as legislações nacionais, que seriam susceptíveis de criar condições desiguais de concorrência e afectar o funcionamento do mercado comum: pode, pois, afirmar-se que a proibição toma como ponto de partida a livre circulação de mercadorias. No entanto, mais do que isso, a directiva limita-se a instituir um quadro geral de normas relativas à fiscalização das operações de eliminação dos resíduos: não contém qualquer disposição concreta que aponte especificamente para as trocas interestaduais de resíduos ou que exclua, expressa ou tacitamente, o tipo de medidas adoptadas pelo executivo regional da Valónia.

9. A situação é diferente no que respeita à Directiva 84/631. Tal como indica o seu quarto considerando, também esta segunda directiva se destina a assegurar que as disparidades entre as disposições relativas à eliminação dos resíduos perigosos não tenham por efeito falsear a concorrência e, por esse facto, afectar directamente o funcionamento do mercado comum. No entanto, ao contrário da Directiva 75/442, a Directiva 84/631 faz referência igualmente e de forma específica aos movimentos transfronteiras de resíduos perigosos e institui um sistema uniforme e pormenorizado de fiscalização e de controlo que inclui especialmente a obrigação de notificação prévia das transferências a efectuar. A meu ver, o facto de a directiva ter optado por um sistema de notificação prévia no quadro do qual é o Estado-membro de destino que tem o ónus de suscitar quaisquer objecções exclui a possibilidade de adoptar um sistema diferente de controlo do tipo de um sistema de proibição geral das importações, sujeita a possíveis derrogações.

10. O facto de a Directiva 84/631 prever a possibilidade serem levantadas objecções pelo Estado-membro de destino sugere que esta directiva se refere, efectivamente, à possibilidade de se restringir a importação de resíduos perigosos. Porém, a redacção da estrutura geral das disposições relativas à notificação e aos objectivos mostra claramente que tais restrições devem ter um alcance limitado. A redacção do artigo 3. , e especialmente a alusão às informações que devem constar do documento de acompanhamento, significa que o mecanismo da notificação prévia se refere à transferência prevista de uma remessa concreta de resíduos. O artigo 4. , n. 1, determina que as objecções devem ser formuladas, o mais tardar, no prazo de um mês a contar da recepção da notificação, isto é, da notificação da transferência prevista e que se processa através de um documento de acompanhamento. Daí resulta, em minha opinião, que qualquer objecção que o Estado-membro de destino possa levantar se deve referir obrigatoriamente à remessa concreta objecto da notificação e respeitar às informações com ela relacionadas e que constam do documento de acompanhamento. Assim, um Estado-membro, por exemplo, pode eventualmente atrasar uma remessa se não tiverem sido tomadas medidas para garantir a segurança do transporte ou se entender que o destinatário dos resíduos não possui a capacidade técnica adequada para eliminar os resíduos em questão, aspectos sobre os quais o detentor dos resíduos é obrigado a comunicar informações satisfatórias (artigo 3. , n. 3, terceiro e quarto travessões). Seja como for, estas disposições excluem a possibilidade de proibir globalmente e a priori as importações de resíduos.

11. Esta interpretação das disposições pertinentes é alicerçada pela finalidade da directiva, que se destina, nomeadamente, a garantir que o sistema de vigilância e de controlo das transferências transfronteira de resíduos perigosos não crie obstáculos às trocas intracomunitárias nem afecte a concorrência (sexto considerando). Assenta igualmente, como tentarei demonstrar, no artigo 30. do Tratado.

12. Assim, considero que a Comissão provou a existência de uma violação da Directiva 84/631.

Violação do artigo 30. do Tratado

13. O recurso da Comissão destina-se a fazer declarar que o Reino da Bélgica violou os artigos 30. e 36. do Tratado. Uma vez que o artigo 30. contém a proibição fundamental e que o artigo 36. se limita a prever um certo número de excepções, considero despropositado invocar uma violação do artigo 36. enquanto tal. Procederei, portanto, à análise, partindo do princípio de que o problema se refere apenas à violação do artigo 30.

14. A Comissão defende que a proibição de armazenar, depositar e vazar resíduos provenientes de outros países constitui manifestamente uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 30. do Tratado. Sustenta ainda que o recurso ao artigo 36. está excluído, pois as directivas instituem um regime uniforme e harmonizado de vigilância da eliminação dos resíduos e dos transportes interestaduais de resíduos, regime que exclui qualquer poder residual dos Estados-membros. Acrescenta que, de qualquer modo, a proibição das importações de resíduos provenientes de outros Estados-membros constitui uma forma de discriminação arbitrária na acepção da segunda parte do artigo 36. , dado não subsistirem razões para acreditar que os resíduos provenientes de outros Estados-membros são mais perigosos do que os produzidos na Valónia.

15. O Reino da Bélgica argumenta que os resíduos - em todo o caso, aqueles que não podem ser reciclados nem reutilizados - não têm valor comercial, não podendo, portanto, considerar-se abrangidos pelas disposições relativas à livre circulação das mercadorias. Baseia-se, a este propósito, no acórdão de 10 de Dezembro de 1968, Comissão/Itália (7/68, Recueil, pp. 617, 626) no qual o Tribunal declara que por mercadorias na acepção do artigo 9. do Tratado "devem entender-se os produtos avaliáveis em dinheiro e susceptíveis, enquanto tal, de constituírem objecto de transacções comerciais". O Reino da Bélgica sublinha igualmente que as proibições previstas no decreto não se referem apenas aos resíduos produzidos noutros Estados-membros, mas também aos provenientes de outras regiões da bélgica. Alega, finalmente, que a proibição se justifica à luz do artigo 36. e que deve considerar-se uma medida de salvaguarda urgente e temporária que foi adoptada na perspectiva de que a Valónia não fosse transformada no "caixote do lixo da Europa", com a afluência de resíduos provenientes de países onde a sua eliminação é regulamentada em termos mais rígidos e tributada mais gravosamente.

16. Para mim, as disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias devem considerar-se aplicáveis a todos os tipos de resíduos, mesmo aos não recicláveis nem reutilizáveis. Embora seja evidente que estes resíduos não têm valor comercial intrínseco - de facto, têm, em vez disso, um valor negativo - é, porém, manifesto que constituem objecto de transacções comerciais, na medida em que as empresas de eliminação dos resíduos recebem uma contraprestação pela sua eliminação. Com efeito, tal como sublinhou o agente da Comissão na audiência, um sector não negligenciável da economia dedica-se à eliminação dos resíduos. Deve ter-se igualmente em conta a finalidade das disposições comunitárias relativas à livre circulação de mercadorias, isto é, a supressão de todas as fronteiras internas. Acrescento que esta opinião parece corroborada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1983, Inter-Huiles (172/82, Recueil, p. 555) no qual o Tribunal declarou que as normas comunitárias relativas à livre circulação de mercadorias e a Directiva 75/439 do Conselho, relativa à eliminação dos óleos utilizados, não permitiam que um Estado-membro organizasse no seu território um sistema de recolha e de eliminação dos óleos utilizados de forma a proibir as exportações a uma empresa autorizada de eliminação ou de regeneração de outro Estado-membro.

17. Desde que se admita que todos os resíduos são regulados pelas disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias é evidente, segundo me parece, que uma medida que, ao proibir o armazenamento, o depósito e descarga de resíduos, tem por efeito restringir as importações de resíduos provenientes de outros Estados-membros, deve considerar-se uma medida de efeito equivalente. A este propósito, não há que ter em conta o facto de a proibição se estender igualmente aos resíduos provenientes das restantes regiões da Bélgica. O facto de uma medida restritiva das trocas intracomunitárias restringir igualmente as trocas no interior do Estado-membro em questão não pode permitir que esta escape à alçada do artigo 30. Além disso, como já indiquei, são possíveis derrogações à proibição mediante a celebração de acordos com outras regiões da Bélgica, possibilidade que não existe para as importações provenientes de outros Estados-membros. Seja como for, como a Comissão assinala em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Justiça, a proibição das importações provenientes de outras regiões da Bélgica é susceptível de reforçar a proibição das importações provenientes de outros Estados-membros na medida em que colocará obstáculos à possibilidade de os resíduos provenientes de outros Estados-membros serem tratados na Região de Flandres ou de Bruxelas antes de serem definitivamente eliminados na Valónia.

18. O facto de o artigo 2. do decreto permitir que sejam concedidas derrogações à proibição de importar resíduos a partir de outros Estados-membros parece-me igualmente um aspecto destituído de pertinência. Segundo jurisprudência assente, o simples facto de submeter os importadores e os comerciantes à obrigação de respeitar determinadas formalidades administrativas pode, em si, constituir uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa (v., por exemplo, acórdão de 24 de Janeiro de 1978, Van Tiggele, 82/77, Recueil, p. 25).

19. Coloca-se, então, a questão de saber se o recurso ao artigo 36. é possível. A Directiva 75/442, que contém apenas um quadro geral para fiscalização da eliminação dos resíduos, não suplanta, a meu ver, o artigo 36. Em contrapartida, considero que a Directiva 84/361 exclui, por sua vez, o recurso ao artigo 36. , pelo menos no que respeita aos resíduos perigosos por ela abrangidos. Como já referi, a Directiva 84/361 estabelece um regime pormenorizado e uniforme em matéria de fiscalização e controlo das transferências transfronteira de resíduos perigosos. Como o Tribunal declarou, sempre que, nos termos do artigo 100. do Tratado, directivas comunitárias determinarem a harmonização das medidas necessárias para assegurar a protecção da saúde dos animais e das pessoas e a adaptação dos processos comunitários de controlo da sua observância, o recurso ao artigo 36. deixa de se justificar, sendo no quadro traçado pela directiva de harmonização que os controlos adequados deverão ser feitos e que as medidas de protecção deverão ser tomadas (acórdãos de 5 de Outubro de 1977, Tedeschi, n. 35, 5/77, Recueil, p. 1555; e de 5 de Abril de 1979, Ratti, n. 36, 148/78, Recueil, p. 1629).

20. Em minha opinião, o Reino da Bélgica não pode invocar o artigo 36. para restringir as importações de resíduos não perigosos. Segundo jurisprudência assente, o artigo 36. deve ser interpretado de forma restritiva (v., por exemplo, acórdão de 25 de Janeiro de 1977, Bauhuis, 46/76, Recueil, p. 5); Assim, não me parece possível interpretar a excepção fundada na "saúde humana" em sentido lato, o que permitiria restrições sobre substâncias que não constituem ameaça para a saúde ou para vida, mas, quando muito, para a "qualidade de vida". Também não é possível recorrer às excepções ao artigo 30. baseadas em "exigências imperativas" que incluem a protecção do ambiente (v., acórdão de 20 de Setembro de 1988, Comissão/Dinamarca, 302/86, Colect., p. 4607). Estas excepções só podem ser invocadas em vista de medidas que não sejam discriminatórias. Ora, a medida em causa, que institui um tratamento favorável para os resíduos produzidos em determinada região de um Estado-membro, não é, manifestamente, uma medida indiferentemente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados.

21. Consequentemente, o Reino da Bélgica poderia, em princípio, invocar o artigo 36. apenas relativamente às categorias de resíduos perigosos não abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 84/631, tais como os resíduos radioactivos, excluídos daquele âmbito pelo artigo 3. da Directiva 78/319, ou os solventes clorados e orgânicos, excluídos daquele âmbito pelo artigo 2. , n. 1, alínea a), da Directiva 84/631. Não sendo necessário analisar a eventual justificação de restrições à importação para a Valónia que incidam sobre tais produtos, basta afirmar que a fixação a priori de uma proibição global que afecte as importações de resíduos a partir de outros Estados-membros não é manifestamente necessária nem propocionada para prevenir o risco que os produtos poderiam eventualmente apresentar para a saúde pública.

22. Antes de concluir, analisarei brevemente determinados argumentos com carácter geral que foram apresentados pelo Reino da Bélgica durante a audiência.

23. O Reino da Bélgica sustenta que a medida adoptada pelo executivo regional da Valónia é compatível com determinados princípios relacionados com a eliminação dos resíduos, que foram fixados pelo direito internacional e que o direito comunitário adoptará proximamente. Trata-se, em primeiro lugar, do princípio da auto-suficiência em matéria de eliminação de resíduos e, em segundo lugar, do princípio da proximidade, isto é, o princípio segundo o qual os resíduos devem ser eliminados o mais perto possível do local onde são produzidos a fim de limitar ao mínimo o seu transporte. O Reino da Bélgica defende que estes princípios se encontram previstos na Convenção de Basileia de 22 de Março de 1988 relativa ao controlo dos movimentos transfronteiras dos resíduos perigosos e da sua eliminação, ratificada pela Comunidade, e que são reconhecidos na Resolução do Conselho de 7 de Maio de 1990 sobre a política de resíduos (JO C 122, p. 2) assim como na proposta de regulamento do Conselho relativa à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade, que a Comissão apresentou em 10 de Outubro de 1990 (JO C 289, p. 9).

24. O preâmbulo da resolução do Conselho de 7 de Maio de 1990 afirma que importa que a Comunidade, no seu conjunto, seja capaz de garantir, ela própria, a eliminação dos seus resíduos e que é desejável que cada Estado-membro caminhe, individualmente, para tal auto-suficiência (quinto considerando). Nestes termos, o n. 7 da resolução preconiza a instalação de uma rede integrada e adequada de instalações de eliminação na Comunidade, por regiões ou por zonas (mas não a nível nacional), a fim de facilitar a eliminação dos resíduos numa das instalações adequadas mais próximas. Além disso, o preâmbulo da resolução (sétimo considerando) e o n. 11 preconizam a redução, para o mínimo, da circulação de resíduos. Porém, mesmo que a resolução fosse um instrumento com carácter obrigatório, nada nestas declarações me parece conter algo que justifique uma medida de alcance tão vasto como a adoptada pelo executivo regional da Valónia.

25. A proposta de regulamento destina-se, nomeadamente, a dar cumprimento à Convenção de Basileia. Baseia-se nos artigos 100. -A e 113. do Tratado e destina-se a substituir a Directiva 84/631. O seu oitavo considerando indica que a estratégia comunitária em matéria de eliminação dos resíduos assenta na redução das suas transferências ao estritamente necessário. O seu título II, que se refere à livre circulação dos resíduos no interior da Comunidade, reforça o regime da notificação prévia instituído pela Directiva 84/631. Os n.os 1 a 3 do artigo 4. desta proposta prevêem que tanto o Estado-membro expedidor como o Estado-membro destinatário podem levantar objecções a uma transferência de resíduos e, eventualmente, recusar a autorização, caso exista uma instalação de eliminação adequada e autorizada mais próxima do que a escolhida pelo autor da notificação. Embora este sistema seja, certamente, mais restritivo do que o actualmente previsto na Directiva 84/631, a verdade é que, mesmo que estivesse actualmente em vigor, o projecto de regulamento não poderia ser invocado como fundamento jurídico para justificar a proibição geral fixada pelo executivo regional da Valónia.

26. Acrescentarei que, para mim, em princípio, não existe incompatibilidade entre as disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias e os princípios de auto-suficiência e de proximidade, desde que estes princípios sejam aplicados num quadro comunitário, por oposição a um quadro puramente nacional: parece ser essa a intenção tanto da resolução do Conselho como da proposta de regulamento referidos. Consequentemente, os argumentos finais não nos parecem afectar a conclusão a que chegámos.

27. Ainda que, como referi, não me pareça que a Comissão tenha provado uma violação da Directiva 75/442, considero as suas pretensões precedentes quanto ao fundo e que, consequentemente, tem direito ao reembolso das suas despesas.

Conclusão

28. Proponho que o Tribunal:

1) declare que, ao proibir o armazenamento, depósito ou vazamento na Valónia dos resíduos provenientes de outros Estados-membros, e na medida em que isso afecta os resíduos provenientes de outros Estados-membros e outras regiões da Bélgica diferentes da Valónia, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 84/631/CEE do Conselho e do artigo 30. do Tratado CEE;

2) Negue provimento ao recurso quanto ao restante;

3) Condene o Reino da Bélgica nas despesas.

(*) Língua original: inglês.

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