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Document 61989TJ0120
Judgment of the Court of First Instance (First Chamber) of 27 June 1991. # Stahlwerke Peine-Salzgitter AG v Commission of the European Communities. # ECSC - Non-contractual liability of the Community. # Case T-120/89.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 27 de Junho de 1991.
Stahlwerke Peine-Salzgitter AG contra Comissão das Comunidades Europeias.
CECA - Responsabilidade extracontratual da Comunidade.
Processo T-120/89.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 27 de Junho de 1991.
Stahlwerke Peine-Salzgitter AG contra Comissão das Comunidades Europeias.
CECA - Responsabilidade extracontratual da Comunidade.
Processo T-120/89.
Colectânea de Jurisprudência 1991 II-00279
ECLI identifier: ECLI:EU:T:1991:32
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)
27 de Junho de 1991 ( *1 )
No processo T-120/89,
Stahlwerke Peine-Salzgitter AG, sociedade de direito alemão, com sede em Salzgitter (República Federal da Alemanha), representada pelo Dr. Sedemund, advogado de Colónia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Aloyse May, advogado, 31, Grand-Rue,
demandante,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Rolf Wägenbaur, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por Eberhard Grabitz, prof, da Universidade Livre de Berlim, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
demandada,
que tem por objecto uma acção de indemnização nos termos dos artigos 34.° e 40.° do Tratado CECA,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção),
composto por: J. L. Cruz Vilaça, presidente, R. Schintgen, D. A. O. Edward, R. García-Valdecasas e K. Lenaerts, juízes,
advogado-geral: J. Biancarelli
secretário: H. Jung
visto o processo e após a audiência de 19 de Setembro de 1990,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas por escrito em 30 de Janeiro de 1991,
profere o presente
Acórdão
Matéria de facto
1 |
Ao abrigo da Decisão geral n.° 234/84/CECA da Comissão, de 31 de Janeiro de 1984 (JO L 29, p. 1, a seguir «Decisão geral n.° 234/84»), que prorroga o sistema de vigilância e de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indústria siderúrgica para os anos de 1984 e 1985, a Comissão fixou trimestralmente, por empresa, as quotas de produção e a parte dessas quotas que podem ser entregues no mercado comum (a seguir «quotas de fornecimento») com base nas produções e quantidades de referência estabelecidas pela referida decisão e após aplicação, a essas produções e quantidades de referência, de determinadas taxas de redução fixadas trimestralmente. |
2 |
O artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84 estabelece que: «Se, por causa da alta taxa de redução de uma certa categoria de produtos fixada para um trimestre, um regime de quotas causar dificuldades excepcionais a uma empresa que, durante os doze meses anteriores ao trimestre em questão:
a Comissão procederá para o trimestre em questão a um ajustamento adequado das quotas e/ou partes de quotas que podem ser entregues no mercado comum para a categoria ou categorias de produtos em questão...» |
3 |
Consciente das dificuldades com que a demandante, empresa da indústria siderúrgica alemã, deparou devido a uma relação desfavorável entre a quota de fornecimento e a quota de produção (a chamada relação I:P), a Comissão procedeu, a pedido desta, a um ajustamento da quota de fornecimento para os segundo, terceiro e quarto trimestres de 1984, nos termos do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84. No entanto, a Comissão recusou, mediante decisão de 11 de Junho de 1985, conceder à demandante ajustamentos de quotas para os dois primeiros trimestres de 1985, pelo facto de as autoridades da República Federal da Alemanha lhe terem concedido, durante o quarto trimestre de 1984, auxílios a melhoramentos estruturais para amortizações especiais autorizadas pela Comissão. Segundo esta, estes auxílios a melhoramentos estruturais devem ser considerados auxílios destinados a cobrir perdas de exploração que, nos termos do referido artigo 14.°, se opõem à concessão de quotas suplementares ao abrigo desta disposição. Por outro lado, a Comissão declarou que, dado que os resultados da empresa demandante eram globalmente positivos a partir do quarto trimestre de 1984, já não se verificavam «dificuldades excepcionais» na acepção do artigo 14.° |
4 |
Por acórdão proferido em 14 de Julho de 1988, Stahlwerke Peine-Salzgitter AG/Comissão (103/85, Colect., p. 4145), o Tribunal de Justiça anulou a Decisão da Comissão de 11 de Junho de 1985 na parte em que recusou o ajustamento, nos termos do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, das quotas da recorrente referentes a produtos da categoria III para o primeiro trimestre de 1985. |
5 |
O Tribunal de Justiça começou por declarar que a demandante Stahlwerke Peine-Salzgitter produz, designadamente, aços laminados da categoria III, que representavam então 16 % da sua produção total e que, relativamente a esta categoria de produtos, a relação I: P era, na altura, excepcionalmente desfavorável no caso da demandante. |
6 |
O Tribunal de Justiça declarou em seguida que, ao determinar a existência de dificuldades excepcionais, a Comissão não podia ter em conta a situação global da empresa, mas apenas a existente em relação às categorias de produtos abrangidos pela elevada taxa de redução e que, em consequência, não podia invocar a circunstância de a empresa ser globalmente lucrativa para justificar a sua recusa de ajustamento de quotas, nos termos do artigo 14.° O Tribunal de Justiça declarou igualmente que os auxílios em causa, que tinham sido concedidos à demandante ao abrigo de um programa de reestruturação especialmente útil e que eram susceptíveis de reembolso, caso a empresa voltasse atrás na sua decisão sobre o encerramento ou a limitação da capacidade, não podiam ser considerados auxílios destinados a cobrir perdas de gestão, na acepção do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84. |
7 |
Independentemente da tramitação do processo perante o Tribunal de Justiça, a Comissão, conhecendo as dificuldades económicas excepcionais causadas à demandante bem como a outras empresas siderúrgicas, manifestou por diversas vezes a sua intenção de reexaminar a questão da relação I: P, antes de prorrogar por um novo período de dois anos o regime de quotas. Após ter consultado o Comité Consultivo CECA, solicitou o parecer favorável do Conselho relativamente ao novo regime sobre a matéria. Mas o Conselho recusou responder favoravelmente ao ajustamento da relação I: P. |
8 |
É nestas condições que a Comissão adoptou, em 27 de Novembro de 1985, a Decisão geral n.° 3485/85/CECA, que prorroga o sistema de vigilância e de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indústria siderúrgica para os anos de 1986 e 1987 (JO L 340, p. 5; EE 08 F3 p. 35, a seguir «Decisão geral n.° 3485/85»). Esta decisão não previa o ajustamento da relação I: P, que a própria Comissão tinha proposto ao Conselho. Nos termos do artigo 5.° desta decisão, a Comissão devia fixar trimestralmente, para cada empresa, as quotas de produção e as quotas de fornecimento com base nas produções e quantidades de referência fixadas pela referida decisão, e depois de aplicar a tais produções e quantidades de referência determinadas taxas de redução fixadas trimestralmente. |
9 |
Em aplicação desu disposição, a Comissão dirigiu à demandante, em 30 de Dezembro de 1985 e 21 de Março de 1986, decisões individuais que fixavam, para os primeiro e segundo trimestres de 1986, as suas quotas de fornecimento para os produtos das categoria Ia, Ib, Ie e III. |
10 |
Através de um acórdão proferido igualmente em 14 de Julho de 1988, Stahlwerke Peine-Salzgitter AG e Hoogovens Groep BV/Comissão (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, Colect., p. 4332), o Tribunal de Justiça anulou o artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85. |
11 |
O Tribunal de Justiça verificou que a demandante Stahlwerke Peine-Salzgitter fabrica, designadamente, produtos das categorias Ia, Ib Ie e III e que, para estas categorias, a relação I: P era excepcionalmente desfavorável na altura. |
12 |
Nos processos apensos Peine-Sazlgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86 já citados), a questão submetida ao Tribunal de Justiça era a de saber se a Comissão, para alterar a relação I:P, devia solicitar o parecer favorável do Conselho ou se, pelo contrário, tinha obrigação de agir autonomamente, o que não fez. |
13 |
O Tribunal de Justiça, após ter procedido à análise do artigo 58.°, n.os 1 e 2, do Tratado CECA, e da jurisprudência correspondente, salientou que os poderes conferidos à Comissão pelo referido Tratado seriam desviados do seu fim legal se se verificasse que a Comissão, recorrendo indevidamente ao processo previsto pela instituição do sistema de quotas, se absteve de exercer as suas competências, para adoptar as regras que considere necessárias para garantir o carácter equitativo das quotas. |
14 |
No caso em apreço, o Tribunal decidiu que, ao não proceder, nos termos do artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CECA, à alteração da relação I: P que a própria Comissão considerava necessária a fim de fixar as quotas de forma equitativa, a demandada tinha prosseguido um objectivo diferente daquele que esta disposição lhe impunha, cometendo assim um desvio de poder em relação à demandante. Em consequência, o Tribunal de Justiça anulou o artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85, na medida em que não permitia fixar quotas de fornecimento de uma forma considerada equitativa pela Comissão para as empresas em que a relação entre a quota de produção e a quota de fornecimento era sensivelmente inferior à média comunitária. |
15 |
As decisões individuais dirigidas em 30 de Dezembro de 1985 e 21 de Março de 1986 pela Comissão à demandante, parcialmente baseadas no próprio artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85, e cuja anulação tinha sido igualmente solicitada, foram anuladas pelo mesmo acórdão. |
16 |
De tudo isto resulta, por um lado, que o Tribunal de Justiça (acórdão de 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter, 103/85, já citado) anulou a decisão da Comissão de 11 de Junho de 1985 na parte em que esta recusava ajustar, nos termos do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, as quotas da demandante para o primeiro trimestre de 1985 e que, por outro, o Tribunal de Justiça (acórdão de 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter e outros, 33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citados) anulou, ao mesmo tempo que o artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85, as decisões individuais dirigidas à demandada pela demandante, em 30 de Dezembro de 1985 e 21 de Março de 1986, na parte em que estas fixavam as quotas de fornecimento da empresa Peine-Salzgitter para os primeiro e segundo trimestres de 1986, respectivamente. |
17 |
Em contrapartida, não foram anuladas pelo Tribunal de Justiça a decisão da Comissão de 11 de Junho de 1985, na parte em que recusava ajustar as quotas da demandante para o segundo trimestre de 1985, bem como as decisões da Comissão em que esta indeferiu tacitamente o pedido de ajustamento das quotas da demandante para os terceiro e quarto trimestres de 1985. Não foram anuladas pelo Tribunal de Justiça igualmente as decisões individuais dirigidas pela Comissão à demandante em 5 de Agosto de 1986, 28 de Novembro de 1986, 5 de Março de 1987, 9 de Junho de 1987, 12 de Agosto de 1987, 3 de Dezembro de 1987, 11 de Março de 1988 e 6 de Junho de 1988, na parte em que estas fixavam as quotas de fornecimento da empresa Peine-Salzgitter para os dois últimos trimestres de 1986, os quatro trimestres de 1987 e os dois primeiros trimestres de 1988. |
18 |
O Tribunal verifica que, pouco tempo após terem sido proferidos pelo Tribunal de Justiça os dois acórdãos de 14 de Julho de 1988, a demandante tentou, nos termos do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, obter uma justa indemnização ou uma reparação equitativa do dano que lhe fora causado pelas decisões ilegais da Comissão. Assim, o seu presidente do conselho de administração dirigiu-se directamente ao vice-presidente da Comissão, Sr. Narjes, logo em 12 de Agosto de 1988. Teve lugar, em 21 de Setembro de 1988, uma reunião entre os colaboradores da demandante e os serviços da Comissão. O representante desta, Sr. Kutscher, declarou então que a Comissão não podia mesmo indemnizar parte do prejuízo sofrido pela demandante, pelo facto do sistema de quotas ter expirado em 30 de Junho de 1988 e de a Comissão já não dispor dos meios necessários para garantir uma compensação financeira. O presidente do conselho de administração da demandante voltou então a dirigir-se, em 5 de Dezembro de 1988, ao vice-presidente da Comissão, lembrando-lhe que a demandante, por razões decorrentes do regime jurídico das sociedades anónimas e da legislação financeira, não podia renunciar ao direito a uma indemnização, devendo eventualmente intentar uma acção perante o Tribunal de Justiça. Foi efectuada uma outra reunião em 9 de Dezembro de 1988, entre os diferentes colaboradores da demandante e representantes da Direcção-Geral III da Comissão. No decurso desta, o Sr. Kutscher salientou que só um acórdão do Tribunal de Justiça podia levar a Comissão a reparar o dano invocado pela demandante. |
19 |
Em carta enviada em 28 de Dezembro de 1988 à demandante, o Sr. Kutscher indicava que, tendo em conta as consequências a retirar dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1988, a relação I: P da demandante era fixada, a partir de 1 de Janeiro de 1976, em 65,8 %. Declarou não ser possível proceder ao cálculo das referências e das quotas da demandante para os trimestres seguintes, tendo em conta os referidos acórdãos. Por último, o Sr. Kutscher propôs que a Comissão renunciasse a agir judicialmente contra as alegadas ultrapassagens de quotas da demandante durante os terceiro e quarto trimestre de 1986. Em contrapartida, esta devia comprometer-se a não intentar uma nova acção contra a Comissão na sequência dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça em 14 de Julho de 1988. |
20 |
Dado que as novas negociações entre as partes não traziam quaisquer resultados, a demandante informou a Comissão de que, em seu entender, o «prazo razoável» previsto no artigo 34.°, segundo parágrafo, do Tratado CECA, terminava em princípios de Abril de 1989, e que tencionava intentar uma acção de indemnização perante o Tribunal de Justiça, caso a Comissão não lhe apresentasse, até essa data, uma proposta satisfatória para compensar o prejuízo que sofrera. |
21 |
A Comissão não respondeu a este pedido. |
22 |
Por acórdão proferido em 14 de Junho de 1989, Hoogovens Groep BV e outros/Comissão (218/87, 223/87 e 72/88 e 92/88, Colect., p. 1711), o Tribunal de Justiça anulou o artigo 5° da Decisão geral n.° 194/88/CECA da Comissão, de 6 de Janeiro de 1988, que prorroga o sistema de vigilancia e de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indùstria siderùrgica para o primeiro semestre de 1988 (JO L 25, p. 1, a seguir «Decisão geral n.° 194/88»), que reproduzia o teor literal do artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85 e constituía a base legal das decisões individuais adoptadas pela Comissão para os primeiro e segundo trimestres de 1988. |
Tramitação do processo
23 |
Mediante petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de Julho de 1989, a demandante intentou a presente acção contra a Comissão. Requer, a título principal, nos termos do artigo 34.° do Tratado CECA e, subsidiariamente, nos termos do artigo 40.° do mesmo Tratado, uma indemnização pelo facto de a Comissão não ter adoptado, num prazo razoável, as medidas exigidas pela execução dos dois acórdãos de anulação proferidos pelo Tribunal de Justiça em 14 de Julho de 1988. |
24 |
A demandante alega que as decisões ilegais adoptadas pela Comissão e anuladas pelo Tribunal de Justiça envolvem uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. Avalia em 73065405 DM, o dano patrimonial especial causado por essas decisões ilegais. No decurso da instância, aumentou o pedido para 77603528 DM. Este prejuízo traduz-se na diferença entre as receitas que poderia ter realizado se a Comissão lhe tivesse concedido, nos termos devidos, uma quota de fornecimento superior para o mercado comunitário, em que os preços eram mais elevados, e as receitas que obteve efectivamente ao ser obrigada a vender a preços inferiores em países terceiros. |
25 |
Por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 14.° da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988 que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias. |
26 |
Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Nesta fase da tramitação, o presidente do Tribunal designou um advogado-geral. |
27 |
Na audiência de 19 de Setembro de 1990, foram ouvidas as alegações dos representantes das partes, bem como as respostas destes às perguntas colocadas pelo Tribunal, tendo o advogado-geral apresentado as suas conclusões escritas, na Secretaria do Tribunal, em 30 de Janeiro de 1991. |
28 |
A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:
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29 |
A demandada conclui pedindo que o Tribunal se digne :
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Quanto à admissibilidade
30 |
A demandanda contesta a admissibilidade da acção com base no artigo 34.° do Tratado CECA, invocando dois fundamentos: o primeiro baseia-se na falta de anteriores decisões de anulação e o segundo na falta de uma decisão anterior do Tribunal de Justiça que reconheça a existência de uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. |
Quanto ao fundamento baseado na inexistência de anteriores decisões de anulação
31 |
A demandada invoca a inadmissibilidade do pedido de indemnização apresentado com base no artigo 34.° do Tratado CECA, na parte em que se refere às decisões individuais relativas ao segundo, terceiro e quarto trimestres de 1985, aos dois últimos trimestres de 1986, aos quatro trimestres de 1987 e aos dois primeiros trimestres de 1988, pelo facto de estas decisões não terem sido previamente anuladas pelo Tribunal de Justiça. |
32 |
Salienta que a admissibilidade da acção prevista no artigo 34.° do Tratado CECA está sujeita à condição de ter sido obtida previamente uma decisão de anulação com base no artigo 33.° do mesmo Tratado (ver acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1986, Usinor/Comissão, 81/85 e 119/85, Colect. p. 1777). |
1. Quanto aos três últimos trimestres de 1985
33 |
A Comissão alega que a condição de existência de uma decisão de anulação anterior não se encontra preenchida em relação aos três últimos trimestres de 1985, já que nenhum recurso de anulação foi interposto no prazo de um mês, nem da Decisão geral n.° 234/84, nem das decisões individuais de execução relativas a esses trimestres. |
34 |
Se a demandante reconhece que a existência de uma decisão de anulação prévia condiciona em princípio a apresentação de um pedido com base no artigo 34.° do Tratado CECA, alega que a inexistência de decisões de anulação anteriores não pode impedir, no caso em apreço, uma decisão sobre o mérito da questão, dadas as garantias formais por escrito recebidas da Comissão. |
35 |
Invoca a este respeito uma troca de correspondência entre ela própria e a Comissão onde pode ler-se, designadamente, o seguinte :
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36 |
A demandante declara ter renunciado a outros recursos de anulação, confiando nos compromissos assumidos pela Comissão, a seu respeito, de retirar sem demoras as consequências do acórdão que o Tribunal de Justiça devia proferir no processo 103/85 (para o primeiro trimestre de 1985), a fim de alterar as decisões individuais que se seguiram à do primeiro trimestre de 1985. Defende que o acordo celebrado entre as partes visava evitar, em relação a esses trimestres, outros recursos de anulação inúteis, dada a identidade de objecto desses meios contenciosos. A demandante admite, no entanto, que, na correspondência entre si trocada, as partes não invocaram expressamente a possibilidade de uma indemnização. |
37 |
A demandante considera que o compromisso tomado pela Comissão no sentido de actuar, em relação aos trimestres ulteriores ao primeiro trimestre de 1985, como se os acórdãos de anulação tivessem sido proferidos era perfeitamente claro, tanto no que respeita a uma compensação no quadro do regime de quotas como em relação à indemnização pecuniária. Os termos do acordo não autorizavam qualquer outra interpretação. |
38 |
A demandante acusa deste modo a Comissão de violar a sua confiança legítima ao invocar, apesar das garantias fornecidas, a inexistência de anteriores decisões de anulação como fundamento de inadmissibilidade. |
39 |
Considera, por outro lado, que a troca de correspondência entre as partes configura a conclusão entre estas de uma convenção de direito público, pela qual teriam acordado alargar os efeitos jurídicos do artigo 34.° do Tratado CECA aos trimestres para os quais as decisões de fixação de quotas não tinham sido impugnadas. O seu direito à indemnização resulta assim directamente desta convenção, caso não possa deduzir-se directamente do artigo 34.° do Tratado CECA. |
40 |
Por sua vez, a demandada responde que, dado que a demandante apenas requereu um ajustamento de quotas em função do acórdão a proferir pelo Tribunal de Justiça, a Comissão limitou-se, assim, a indicar na sua carta que as consequências prometidas consistiriam apenas na atribuição de uma quota mais favorável à demandante. De facto, chegou a pensar, em meados de 1985, em manter o regime de quotas durante um período de três anos a contar de 1 de Janeiro de 1986, a que se seguiria eventualmente um regime facultativo de quotas, nos termos do artigo 46.° do Tratado CECA. E por isso que ambas as partes pensaram implicitamente na possibilidade de satisfazer pedidos eventuais da demandante através da concessão de quotas mais favoráveis. Na verdade, encontrando-se o regime de quotas ainda em vigor na altura da troca de correspondência, ambas as partes consideram que a decisão do Tribunal de Justiça seria proferida antes do final desse regime, em 30 de Junho de 1988. A Comissão acrescenta que as partes nunca tiveram em vista uma indemnização. |
41 |
Deve antes de mais recordar-se que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça (ver acórdão de 10 de Junho de 1986, Usinor, 81/85 e 119/85, já citado), uma acção de indemnização baseada no artigo 34. do Tratado CECA apenas é admissível depois de ter sido anulada a decisão alegadamente geradora do dano e depois de se provar que a Comissão não está disposta a adoptar as medidas exigidas pela reparação da ilegalidade verificada. |
42 |
No presente caso verifica-se, por um lado, que não foi interposto, nos termos do artigo 33.° do Tratado CECA, qualquer recurso de anulação da decisão individual da Comissão de 11 de Junho de 1985, na parte em que esta se referia ao segundo trimestre de 1985 e, por outro, que não foi interposto qualquer recurso de anulação, nos termos do artigo 35.° do Tratado CECA, das decisões de indeferimento tácito relativas aos dois últimos trimestres de 1985, que se presume resultarem da falta de uma decisão em resposta aos pedidos da demandante, cuja existência, não contestada pela Comissão, é comprovada pela referida troca de correspondencia. Estas decisões encontram-se afectadas pela mesma ilegalidade, como reconheceu a Comissão, que vicia a decisão de 11 de Junho de 1985, anulada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de Julho de 1988 proferido no processo 103/85, na parte em que se referia ao primeiro trimestre de 1985. |
43 |
Convém recordar que, num acórdão proferido em 26 de Abril de 1988, Asteris e outros e Grécia/Comissão, n.os 29 e 30 (97/86, 193/86, 9/86 e 215/86, Colect., p. 2181), o Tribunal de Justiça teve ocasião de especificar as obrigações que decorrem de um acórdão de anulação para a instituição responsável pelo acto anulado. Declarou que, em caso de anulação de uma decisão cuja eficácia se circunscreve a um período de tempo bem definido, «a instituição que a aprovou tem antes de mais obrigação de excluir dos textos legais a aprovar após o acórdão de anulação... qualquer disposição que tenha o mesmo conteúdo que a julgada ilegal», e que, «de acordo com a retroactividade inerente aos acórdão de anulação, a declaração de ilegalidade retrotrai-se à data da entrada em vigor do acto anulado», para concluir daí que «a instituição em causa deve igualmente eliminar dos textos já aprovados antes de ser proferido o acórdão de anulação... as disposições de conteúdo idêntico à que foi julgada ilegal». |
44 |
As circunstâncias concretas no presente caso correspondem, para os quatro trimestres de 1985, às que estiveram na origem do processo Astertis e outros e Grécia (97/86, 193/86, 9/869 e 215/86, já citado). Com efeito, em ambos os casos, se está perante actos normativos de carácter geral, cuja legalidade não é contestada, que servem de base a actos, expressos ou tácitos, de execução reiterados, cujo período de vigência é limitada e dos quais apenas um foi anulado pelo Tribunal de Justiça. |
45 |
No processo Asteris e outros e a República Helénica (processos apensos 97/86, 193/86, 99/86 e 215/86 já citado), o Tribunal de Justiça foi chamado a conhecer de regulamentos da Comissão, relativos a campanhas agrícolas sucessivas, adoptados em execução de um regulamento do Conselho cuja legalidade não era contestada. Dado que o regulamento da Comissão relativo a uma das campanhas agrícolas em causa tinha sido anulado pelo Tribunal de Justiça num primeiro acórdão, este decidiu, num segundo acórdão, que a Comissão devia adoptar, nos termos do artigo 176.° do Tratado CEE, as medidas necessárias à execução do acórdão de anulação, não apenas no que respeita ao regulamento anulado, mas ainda em relação ao regulamento cuja anulação não tinha sido solicitada, relativo à campanha agrícola situada entre aquela cujo regulamento foi anulado e o acórdão de anulação. |
46 |
No presente processo, a questão sobre a qual deve pronunciar-se o Tribunal é a de saber se a Comissão deve adoptar, nos termos do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, as medidas necessárias à execução do acórdão de anulação, no que respeita aos segundo, terceiro e quarto trimestres de 1985. Para estes trimestres, foram proferidas uma decisão de indeferimento expresso para o segundo trimestre, e decisões tácitas nos terceiro e quarto trimestres, com o mesmo conteúdo, no essencial, que a decisão anulada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter (103/85, já citado), decisões que foram adoptadas após a data de entrada em vigor do acto anulado e antes do acórdão de anulação. |
47 |
Resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1988, Asteris e outros e Grécia (97/86, 193/86, 99/86 e 215/86, já citado) que, para efeitos da aplicação do artigo 176.° do Tratado CEE, devem ser equiparados ao acto anulado os actos expressos ou tácitos cujo conteúdo seja no essencial idêntico ao do acto anulado e que tenham sido adoptados entre a data da entrada em vigor deste último e o acórdão de anulação. Esta solução deve ser alargada à aplicação do artigo 34.° do Tratado CECA, na medida em que esta disposição se encontra redigida em termos semelhantes aos do artigo 176.° do Tratado CEE no que respeita à obrigação da instituição de que emana o acto anulado de tomar as medidas necessárias à execução do acórdão de anulação. |
48 |
A Comissão comprometeu-se, por carta de 12 de Julho de 1985, perante a demandante, a tirar de imediato as consequências de eventuais acórdãos de anulação do Tribunal de Justiça, alterando, sendo caso disso, as decisões até então proferidas. Ao considerar este compromisso como não sendo mais que a expressão de uma evidência, a Comissão reconheceu expressamente que sabia, já em 12 de Julho de 1985, que tinha obrigação de tomar, nos termos no artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, as medidas necessárias à execução de tais acórdãos de anulação não apenas em relação ao acto anulado, mas também no que respeita aos actos ulteriores cujo conteúdo seja, no essencial, idêntico ao do acto anulado. |
49 |
Resulta daqui que, no quadro do pedido baseado no artigo 34.° do Tratado CECA, o primeiro fundamento de inadmissibilidade deve ser rejeitado na medida em que diz respeito às decisões individuais relativas aos três últimos trimestres de 1985. |
2. Quanto aos dois últimos trimestres de 1986, 1987 e aos dois primeiros trimestres de 1988
50 |
A demandada alega que a acção é inadmissível em relação aos dois últimos trimestres de 1986, aos quatros trimestres de 1987, e, no essencial, aos dois primeiros trimestres de 1988, na medida em que as decisões individuais que fixaram as respectivas quotas não foram anuladas judicialmente. |
51 |
Alega que a posterior anulação do artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85, que constitui a base legal das referidas decisões individuais, não as afectou. De facto, tendo-se estas tornado definitivas expirado o prazo de um mês previsto no artigo 33.°, terceiro parágrafo, do Tratado CECA, o seu destino é independente do da decisão geral em que se baseiam, por força dos princípios da segurança jurídica e da inimpugnabilidade do acto, os quais se opõem a que a autoridade de decisões individuais possa ser eliminada através de uma acção de indemnização intentada expirado o prazo de caducidade previsto no artigo 33.°, terceiro parágrafo, do Tratado CECA. Acrescenta que nos processos apensos Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citado), o Tribunal de Justiça anulou não apenas a Decisão geral n.° 3485/85, mas igualmente as decisões individuais de 30 de Dezembro de 1985 e 21 de Março de 1986, relativas aos dois primeiros trimestres de 1986. |
52 |
A demandante, reconhecendo embora que a existência de uma decisão de anulação anterior condiciona em princípio o direito de intentar uma acção com base no artigo 34.° do Tratado CECA, repete que a falta de decisões de anulação prévias não pode, no caso em apreço, impedir o conhecimento do mérito da causa, dadas as garantias formais que lhe foram dadas por escrito pela Comissão. |
53 |
Invoca, a este respeito, uma segunda troca de correspondência entre si e a Comissão, em que pode ler-se, designadamente, o seguinte :
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54 |
A demandante declara ter renunciado à apresentação de outros pedidos de anulação com base no compromisso que a Comissão assim assumira perante si no sentido de tirar de imediato as consequências decorrentes do acórdão que o Tribunal de Justiça devia proferir nos processos 33/86, 44/86 e 110/86 (para os dois primeiros trimestres de 1986), alterando as decisões individuais posteriores aos dois primerios trimestres de 1986. Alega que o acordo celebrado entre as partes visava evitar, em relação a esses trimestres, outros pedidos de anulação inúteis dada a identidade de objecto dos recursos. A demandante admite no entanto que as partes não se referiram expressamente, na sua correspondência, à possibilidade de uma indemnização. |
55 |
Alega que a demandada não pode basear a sua argumentação no facto de o Tribunal de Justiça ter não apenas anulado a Decisão geral n.° 3485/85, mas igualmente as decisões individuais relativas aos dois primeiros trimestres de 1986, na medida em que, ao proceder desse modo, o Tribunal de Justiça se limitou a atender os pedidos que tinham sido apresentados pelas partes, sem no entanto pretender dissociar a sorte das decisões individuais não impugnadas da decisão geral, que constitui a sua base legal. A demandante considera assim que a anulação da Decisão geral n.° 3485/85 implicou assim a anulação das decisões individuais de execução nela baseadas. |
56 |
A demandante responde ao argumento baseado na inobservância do prazo de caducidade estabelecido no artigo 33.°, terceiro parágrafo, do Tratado CECA, que a segurança jurídica não é afectada no caso em apreço, dado que o facto de se ter abstido de interpor novos recursos de anulação se deveu apenas a razões de economia processual. |
57 |
A demandada responde que sendo os prazos processuais de ordem pública, as partes não podiam dispor por acordo do prazo de caducidade previsto no artigo 33.°, terceiro parágrafo, do Tratado CECA. Mesmo que a existência de tal acordo pudesse ser provada, este seria necessariamente ineficaz. |
58 |
O Tribunal conclui que, após o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1988 nos processos apensos Peine-Salzgittere e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citados), que anulou não apenas o artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85, mas ainda as decisões individuais de 30 de Dezembro de 1985 e 21 de Março de 1986, relativas aos dois primeiros trimestres de 1986, a Comissão tinha a obrigação de eliminar das decisões já aprovadas no momento do acórdão de anulação as disposições que têm, no essencial, o mesmo conteúdo que as declaradas ilegais, ou seja, as decisões individuais relativas aos dois últimos trimestres de 1986, aos quatro trimestres de 1987, e aos dois primeiros trimestres de 1988. No que respeita a estes últimos, há que salientar que estas decisões têm, no essencial, o mesmo conteúdo que as decisões individuais anuladas, dado que aplicam o artigo 5.° da Decisão geral n.° 194/88, que é idêntico ao artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85 e que foi aliás, como este último, anulado pelo Tribunal de Justiça (acórdão de 14 de Junho de 1989, Hoogovens, 218/87 e 223/87, 72/88 e 92/88, já citado). |
59 |
Além disso, a demandada comprometeu-se perante a demandante, na carta enviada em 16 de Maio de 1986, a tirar de imediato as consequências de eventuais acórdãos de anulação do Tribunal de Justiça, alterando, eventualmente, as decisões que tivesse proferido até essa altura. Ao qualificar este compromisso como uma evidência, a demandada reconheceu expressamente que conhecia, desde 16 de Maio de 1986, a sua obrigação de adoptar, nos termos do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, as medidas necessárias à execução de tais acórdãos de anulação não apenas em relação aos actos anulados, mas igualmente aos actos posteriores que tivessem no essencial o mesmo conteúdo que estes. |
60 |
No entanto, se a Comissão tivesse a obrigação de adoptar, nos termos do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, as medidas necessárias à execução de um acórdão de anulação não apenas em relação ao acto anulado mas igualmente aos actos posteriores, relativos aos períodos seguintes e viciados pela mesma ilegalidade, teria, por maioria de razão, obrigação de adoptar essas medidas em relação a todos os actos de execução de uma decisão geral anulada. |
61 |
No caso em apreço, o Tribunal de Justiça, ao anular o artigo 5.° das decisões gerais n.os 3485/85 e 194/88 pelos acórdãos de 14 de Julho 1988, Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citado) e de 14 de Junho de 1989, Hoogovens (218/87 e 223/87, 72/88 e 92/88, já citado), privou as decisões individuais relativas aos dois últimos trimestres de 1986, aos quatro trimestres de 1987, bem como aos dois primeiros trimestres de 1988, de base legal a partir da data da entrada em vigor das disposições gerais anuladas. Em consequência, a Comissão devia adoptar, em cumprimento destes acórdãos de anulação, as mesmas medidas que teria obrigação de tomar se as referidas decisões individuais tivessem elas próprias sido anuladas. |
62 |
Resulta do que antecede que, pelas mesmas razões que levaram o Tribunal de Primeira Instância a rejeitar o primeiro fundamento de inadmissibilidade, na medida em que este se referia às decisões individuais relativas aos três últimos trimestres de 1985, há que rejeitá-lo igualmente no que respeita às decisões individuais relativas aos terceiro e quarto trimestres de 1986, aos quatro trimestres de 1987, bem como aos dois primeiros trimestres de 1988. |
Quanto ao fundamento baseado na falta de um anterior acórdão do Tribunal de Justiça que declarasse a existência de culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade.
63 |
A demandada considera inadmissível a acção de indemnização alegando que a declaração, pelo Tribunal de Justiça, da existência de um facto ilícito e culposo deve preceder a apresentação de um pedido de indemnização baseado no artigo 34.°, segundo parágrafo, do Tratado CECA. De facto, considera imperativo que a Comunidade possa dispor, após o reconhecimento judicial da existência de uma falta, de um prazo adequado para reagir à ameaça de condenação pecuniária. Durante a audiência, a demandada esclareceu ainda, por um lado, não ser necessário que a acção que tem por objecto a declaração da existência de uma falta intentada juntamente com o recurso de anulação e, por outro, que a acção de declaração da existência da falta e acção de indemnização devem ser intentadas separadamente, dado que a acção de indemnização apenas é admissível uma vez que o Tribunal de Justiça tenha declarado a existência de uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. |
64 |
Na audiência, a demandante reconheceu que, de acordo com o disposto no artigo 34.° do Tratado CECA, devia ser efectivamente concedido à Comissão um prazo razoável após a declaração da existência da falta. Mas, em seu entender, este mesmo artigo não proíbe que as acções de declaração de existência de falta e de indemnização sejam intentadas conjuntamente, desde que o prazo necessário à reacção da Comissão já há muito tenha expirado. |
65 |
Convém salientar que o Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 14 de Julho de 1988 nos processos apensos Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citado), se limitou a anular o artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85, bem como as decisões individuais adoptadas em 30 de Dezembro de 1985 e 21 de Março de 1986, sem declarar, no entanto, que as disposições anuladas envolviam culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. Do mesmo modo, no acórdão proferido em 14 de Julho de 1988 no processo Peine-Salzgitter (103/85, já citado), o Tribunal de Justiça limitou-se a anular a decisão individual de 11 de Junho de 1985 adoptada nos termos do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, sem declarar que essa decisão individual envolvia culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. |
66 |
O Tribunal considera que, quando na sequência de um acórdão de anulação, uma empresa exerce o seu direito de acção apenas com vista a obter a declaração da existência da responsabilidade da Comunidade e do dano directo e especial por ela sofrido, a subsequente acção de indemnização intentada nos termos do artigo 34.°, segundo parágrafo, do Tratado CECA, só pode ser deduzida depois de ter expirado um prazo razoável após o acórdão declarativo da responsabilidade, de forma a permitir à Comissão adoptar as medidas adequadas para garantir uma reparação equitativa do dano e para atribuir, quando necessário, uma justa indemnização. |
67 |
Ora, a presente acção visa, antes de mais, obter do Tribunal a declaração, com base no artigo 34.°, primeiro paràgrafo, da existência de uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade e de um dano directo e especial sofrido pela demandante. |
68 |
Em consequência, o pedido apresentado simultaneamente pela demandante no sentido de obter a condenação da demandada, com base no artigo 34.°, segundo paràgrafo, no pagamento de 77603528 DM, é nesta fase prematuro, devendo assim ser declarado inadmissível. |
69 |
Resulta do conjunto das considerações antecedentes que a acção intentada nos termos do artigo 34.° do Tratado CECA pela demandante é de admitir na medida em que visa obter do Tribunal a declaração de que as decisões individuais relativas aos quatro trimestres de 1985, 1986 e 1987 e aos dois primeiros trimestres de 1988 envolvem culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade e causaram o dano directo e especial invocado pela demandante. Em contrapartida, o pedido por esta apresentado de atribuição de uma indemnização pecuniária para os mesmos trimestres é, nesta fase do processo, prematuro. |
Quanto ao mérito
70 |
Há que analisar quanto ao mérito, por um lado, se as decisões ilegais envolvem culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade e, por outro, se a empresa demandante sofreu um dano indemnizável em resultado dessas decisões. |
O regime de responsabilidade civil aplicável no âmbito do Tratado CECA
71 |
A demandante defende que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE não pode ser alargada à presente acção, intentada com base no artigo 34.° do Tratado CECA, dadas as diferenças estruturais entre ambas as disposições. Acrescenta que pode, quando muito, admitir a existência de um paralelismo entre o artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, e o artigo 40.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA. Por último, durante a audiência, a demandante defendeu ainda que os autores do Tratado CECA tinham partido do princípio de que as decisões da Comissão no âmbito do Tratado CECA revestiam apenas um carácter essencialmente administrativo, razão pela qual, neste Tratado, tinham sido atribuídas quase exclusivamente competências à Comissão e não ao Conselho. Sendo assim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, que respeita as medidas de natureza legislativa, não pode ser transposta, tal qual, para a aplicação do artigo 34.° do Tratado CECA. |
72 |
A demandada entende, pelo contrário, que, para efeitos da aplicação do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, há que ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE para caracterizar a noção de «culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade» no caso de acto normativo ilegal. E por essa razão que a demandada afirma que a responsabilidade da Comunidade por um acto normativo, ou qualquer acto que implique opções de política económica e o exercício de poderes discricionários, apenas pode ser determinada por uma violação suficientemente grave de uma regra superior de direito tuteladora dos particulares, ou ainda no caso de a instituição em causa ter violado, de forma manifesta e grave, os limites impostos ao exercício dos seus poderes. Acrescenta, invocando o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 1979, Scholten-Honig/Conselho e Comissão (143/77, Recueil, p. 3583), que a responsabilidade da Comunidade apenas será determinada em caso de «comportamento quase arbitrário». |
73 |
A questão que o Tribunal é chamado a resolver é a de saber se, para definir a noção de culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, na acepção do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, há que recorrer aos critérios definidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao regime de responsabilidade civil estabelecido pelo artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE ou se a natureza diversa dos tratados CECA e CEE implica a existência de regimes de responsabilidade civil diferentes. |
74 |
A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que apenas pode existir falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, na acepçao do segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado CEE, quando o acto ilegal implica uma violação suficientemente grave de uma regra superior de direito tuteladora dos particulares (ver acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1971, Aktien-Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, 5/71, Recueil, p. 975; de 24 de Outubro de 1973, Merkur Außenhandels GmbH/Comissão, 43/72, Recueil, p. 1055; de 13 de Novembro de 1973, Wilhelm Werhahn Hansamühle e outros/Conselho, 63/72 a 69/72, Recueil, p. 1229; de 2 de Julho de 1974, Holtz e outros/Conselho e Comissão, 153/73, Recueil, p. 675; de 31 de Março de 1977, Compagnie industrielle e agricole du comté de Loheac e outros/Conselho e Comissão, 54/76 a 60/76, Recueil, p. 645; de 25 de Maio de 1978, Bayerische HNL Vermehrungsbetriebe GmbH und Co. KG e outros/Conselho e Comissão, 83/76 e 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, Recueil, p. 1209) ou quando a instituição, ao adoptar o acto ilegal, violou, de forma manifesta e grave, os limites impostos ao exercício dos seus direitos (ver acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 1978, Bayerische HNL, já citado; de 4 de Outubro de 1979, Ireks-Arkady GmbH/Conselho e Comissão, 238/78, Recueil, p. 2955; de 4 de Outubro de 1979, DGV, Deutsche Getreideverwertung und Rheinische Kraftfutterwerke GmbH e outros/Conselho e Comissão, 241/78, 242/78, 245 a 250/78, p. 3017; de 5 de Dezembro de 1979, G. R. Amylum NV e outros/Conselho e Comissão, 116/77 e 124/77, Recueil, p. 3497; de 26 de Junho de 1990, Sofrimport SARL/Comissão, C-152/88, Colect., p. I-2477). |
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Resulta, por outro lado, de uma leitura conjunta dos artigos 33.° e 34.° do Tratado CECA que a anulação de uma decisão da Comissão ao abrigo do artigo 33.° não pode resultar da apreciação da situação decorrente de factos ou circunstâncias económicas com base nos quais foi tomada a referida decisão, a não ser que a Comissão seja acusada de ter cometido desvio de poder ou violado de forma manifesta as disposições do Tratado ou qualquer norma jurídica de execução deste, e que a anulação de uma decisão da Comissão apenas pode determinar a responsabilidade da Comunidade, nos termos do artigo 34.°, na medida em que tenha causado um dano directo e especial, tendo o tribunal competente reconhecido que a decisão anulada envolvia uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. |
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Em consequência, a mera anulação pelo Tribunal de Justiça de um acto normativo da Comissão não é suficiente para determinar a responsabilidade da Comunidade nos termos do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA. |
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Esta conclusão, baseada nos próprios termos do Tratado CECA, está bastante próxima do que decidiu o Tribunal de Justiça, no âmbito do Tratado CEE, no que respeita à determinação da responsabilidade da Comunidade por actos normativos ilegais. |
78 |
Dada a necessidade, no âmbito de uma ordem jurídica única, ainda que instituída por três tratados diferentes, de garantir o melhor possível a uniformidade da aplicação do direito comunitário em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade decorrente de actos normativos ilegais, bem como a coerência do sistema de tutela jurisdicional instituído pelos diversos tratados (ver, por último, o acórdão de 22 de Fevereiro de 1990, Busseni/Comissão, n.os 13 a 16 (221/88, Colect., p. I-519), parece conveniente, perante a ilegalidade de um acto normativo, interpretar a noção de culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, na acepção do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, à luz dos criterios formulados pela jurisprudencia do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE. |
Efeitos jurídicos da ilegalidade declarada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1988 no processo Peine-Salzgitter (103/85)
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A demandante alega que a decisão da Comissão de 11 de Junho de 1985, em que esta recusou ajustar, nos termos do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, as quotas da demandante para os produtos da categoria III para o primeiro trimestre de 1985, que o Tribunal de Justiça anulou no acórdão proferido em 14 de Julho de 1988 no processo Peine-Salzgitter (103/85, já citado) por se basear numa interpretação errada do referido artigo 14.°, envolve uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. Considera, de facto, que a interpretação errada pela Comissão das noções de «dificuldades excepcionais» e de «auxílios destinados a cobrir perdas de exploração», a que se refere o artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, envolve falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. |
80 |
Por outro lado, a demandante considera que as decisões pelas quais a Comissão recusou ajustar as suas quotas para os segundo, terceiro e quarto trimestres de 1985, que não foram impugnadas perante o Tribunal de Justiça, envolvem igualmente falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, na medida em que estão viciadas pela mesma ilegalidade que afecta a decisão de 11 de Junho de 1985. |
81 |
A demandante defende, por um lado, que devia ser evidente para a demandada que não podia ter em conta, para determinar a existência de dificuldades excepcionais, na acepção do artigo 14.°, nem a situação de outras categorias de produtos, nem o facto de a empresa ser globalmente lucrativa, na medida em que o Tribunal de Justiça, no acórdão de 22 de Junho de 1983, Usine Gustave Boel e Fabrique de fer de Maubeuge/Comissão (317/82, Recueil, p. 2041), tinha já decidido que a Comissão pode proceder a um ajustamento de quotas em circunstâncias excepcionais, quando necessário para as categorias objecto de uma taxa de redução elevada. |
82 |
Além disso, a Comissão tinha dado, em vários outros casos, uma interpretação correcta à noção em causa, concedendo quotas suplementares a empresas que realizavam lucros, facto que revela que devia, no caso em apreço, ter tido consciência do seu erro. |
83 |
A demandante considera, por outro lado, que devia ser evidente para a Comissão que os auxílios que lhe tinham sido concedidos ao abrigo da directiva do ministro federal alemão da Economia de 28 de Dezembro de 1983, relativa à concessão de auxílios ao melhoramento das estruturas das empresas siderúrgicas, que eram efectivamente susceptíveis de promover a reestruturação e a melhoria da competitividade, não podiam ser considerados auxílios destinados a cobrir perdas de gestão, na acepção do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, dado que, nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1985, Finsider/Comissão (250/83, Recueil, p. 131), estes auxílios não podem ser de molde a retardar a desejada reestruturação. Ao qualificar estes auxílios de auxílios destinados a cobrir perdas de gestão, a Comissão deu uma interpretação manifesta e abertamente errada da noção de auxílios destinados a cobrir perdas de gestão, na acepção do artigo 14°. |
84 |
Por o seu lado, a demandada alega não ter cometido qualquer erro manifesto na interpretação da noção de «dificuldades excepcionais». Recorda que no acórdão de22 de Junho de 1983, Usine Gustave Boël (317/82, já citado), o Tribunal de Justiça se limitou apenas a referir que só as dificuldades que resultam directamente da instituição e da aplicação do regime de quotas podem ser tidas em conta aquando da aplicação do artigo 14.° e que, deste modo, é apenas para as categorias objecto de uma taxa de redução elevada que pode tornar-se necessário, em circunstâncias excepcionais, um ajustamento, não tendo, assim, o Tribunal de Justiça explicitado as novas noções de «consequência directa» e de «circunstâncias excepcionais». Segundo a demandada, importantes indícios levaram-na aliás a considerar que as dificuldades da demandante eram imputáveis não ao regime de quotas, mas a difidencias estruturais da empresa e, designadamente, à sobrecapacidade do pórtico universal construído nos anos 70. |
85 |
A demandada alega fundamentalmente que não era de modo algum evidente que os auxílios ao melhoramento estrutural previstos pela referida directiva do ministro federal alemão da Economia não devessem ser considerados auxílios destinados a cobrir perdas de exploração. Embora admita que no acórdão de 15 de Janeiro de 1985, Finsider (250/83, já citado), o Tribunal de Justiça enunciava o princípio de que nem todas as formas de auxílio efectivamente susceptíveis de promover a reestruturação se opõem ao ajustamento de quotas, a demandada defende que o Tribunal de Justiça nem por isso forneceu uma resposta clara à questão de saber se os auxílios ao melhoramento estrutural em causa responderam efectivamente a essa finalidade. Refere que a extensão desses auxílios a instalações que não funcionam a 100 % teria levado legitimamente a Comissão a considerá-los como auxílios dissimulados destinados a cobrir perdas de exploração, dado que, nos termos da Decisão geral n.° 2320/81/CECA, de 7 de Agosto de 1981, que institui regras comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 228, p. 14, normalmente conhecida por «código dos auxílios CECA»), só os encerramentos definitivos podem ser reconhecidos como verdadeiras medidas de reestruturação. |
86 |
Deve concluir-se que a decisão individual de 11 de Junho de 1985 que recusou ajustar, nos termos do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, as quotas da demandante para o primeiro trimestre de 1985 foi anulada pelo Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 33.° do Tratado CECA, devido à violação de uma norma de execução do Tratado, e que a responsabilidade decorrente para a Comunidade do facto de uma decisão individual ter sido anulada pelo Tribunal de Justiça apenas pode ser determinada nos termos do artigo 34.° quando se reconheça que a decisão envolve ainda uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. |
87 |
Devem ser equiparadas a esta decisão individual relativa ao primeiro trimestre de 1985 as decisões individuais relativas aos três últimos trimestres de 1985, na medida em que a Comissão tinha obrigação de tirar, em relação a essas decisões, as mesmas consequências que para a decisão anulada. |
88 |
A responsabilidade da Comunidade por decisões individuais de recusa de ajustamento das quotas para os quatro trimestres de 1985 apenas é determinada na medida em que a demandada tenha violado, de forma manifesta e grave, os limites impostos ao exercício dos seus poderes. |
89 |
Deve salientar-se a este respeito, em primeiro lugar, que, tendo em conta o acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1983, Usine Gustave Boël (317/82, já citado), a demandada não podia ignorar, ao adoptar as decisões de recusa de ajustamento de quotas, que não podia ter em conta, ao apreciar a existência de dificuldades excepcionais, a situação de outras categorias de produtos, não podendo, assim, basear legitimamente a sua recusa no facto da empresa ser globalmente lucrativa. |
90 |
Em consequência, a interpretação feita pela demandada encontrava-se viciada de erro manifesto relativamente ao teor do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84 e à interpretação que dele fizera o Tribunal de Justiça. |
91 |
Além disso, a gravidade do erro cometido pela demandada é ainda acentuada por duas outras circunstâncias: por um lado, após ter interpretado a disposição em 1984 sem ter em conta a situação globalmente lucrativa da demandante, a demandada, sem motivo aparente, procedeu a uma reviravolta na sua posição a partir de 1985; por outro lado, como o Tribunal de Justiça referiu no acórdão de 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter (103/85, já citado), resulta dos documentos juntos aos autos que, em diversos casos, a demandada concedeu quotas suplementares ao abrigo do artigo 14.°, apesar de as empresas beneficiadas realizarem lucros. |
92 |
Deve concluir-se que a demandada violou de forma manifesta o princípio da igualdade de tratamento dos agentes económicos. |
93 |
Deve salientar-se, em segundo lugar, que o acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1985 (Finsider 250/83) tinha claramente enunciado o princípio de que apenas as empresas que tenham recebido um tipo de auxílio susceptível de atrasar a reestruturação podem ser excluídas do benefício das quotas suplementares, cuja concessão é igualmente susceptível de desincentivar essa reestruturação. |
94 |
Por conseguinte, a demandada não podia ignorar, ao adoptar as decisões de recusa de ajustamento de quotas para os quatro trimestres de 1985, que o efeito que um auxílio pode exercer sobre a conta de ganhos e perdas de uma empresa não pode ser considerado critério válido para identificar os auxílios destinados a cobrir perdas de exploração, na acepção do artigo 14.°, dado que qualquer auxílio pode ter por consequência a compensação total ou parcial de eventuais perdas de exploração. |
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Em consequência, o erro cometido pela demandada na interpretação da noção de perdas de exploração deve ser considerado indesculpável. |
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Resulta do que antecede que, ao recusar à demandante o benefício, para os quatros trimestres de 1985, do disposto no artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, a demandada violou de forma manifesta e grave os limites impostos ao exercício do poder discricionário de que goza para efeitos da aplicação do regime das quotas de produção baseado no artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CECA, tendo assim cometido uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, nos termos do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA. |
Consequências das ilegalidades cuja existência foi declarada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1988, nos processos apensos Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86), e pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 1989 nos processos apensos Hoogovens e outros (218/87 e 223/87 e 72/88 e 92/88)
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A demandante emende que a Decisão geral n.° 3485/85, bem como as decisões individuais nela baseadas, envolvem uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade por o Tribunal de Justiça ter decidido no acórdão de 14 de Julho de 1988, nos processos apensos Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citado), que a Comissão tinha prosseguido um objectivo diverso do imposto pelo artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CECA, ao não proceder a alteração da relação I: P, que ela própria tinha considerado necessária à fixação de quotas de forma equitativa, tendo assim cometido um desvio de poder manifesto em relação à demandante. Foi com base nesta verificação que o Tribunal de Justiça anulou o artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85, bem como as decisões individuais que fixam, com base nela, as quotas de fornecimento das demandantes para os dois primeiros trimestres de 1986. |
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Alega que a Comissão, ao não proceder por sua própria iniciativa à alteração da relação I: P da demandante, violou de forma especialmente grave o artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CECA, na medida em que, por um lado, assim procedendo, actuou de forma contrária à comunicação que ela própria enviara ao Conselho, em 25 de Setembro de 1985, na qual tinha considerado indispensável proceder a uma adaptação das referências para o cálculo das quotas de fornecimento e em que, por outro, a Comissão, ao solicitar o parecer favorável do Conselho, não tivera em conta os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça em 11 de Maio de 1983, Klöckner-Werke AG/Comissão (244/81, Recueil, p. 1451), e em 21 de Fevereiro de 1984, Walzstahl-Vereinigung e Thyssen AG/Comissão (140/82, 146/82, 221/82 e 226/82, Recueil, p. 951). |
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A demandante contesta igualmente a tese do erro de direito de que teria sido vítima a demandada ao referir que a situação jurídica, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e designadamente do acórdão de 11 de Maio de 1983, Klöckner-Werke (244/81, já citado), era perfeitamente clara. Salienta, por outro lado, que a Comissão adoptou a Decisão geral n.° 1433/87/CECA, de 20 de Maio de 1987, relativa à transformação de parte das quotas de produção em quotas de fornecimento dentro do mercado comum (JO L 136, p. 37), sem ter solicitado o parecer favorável do Conselho. |
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Baseando-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 4 de Outubro de 1979, Ireks-Arkady, 238/78, já citado), a demandante considera que a Comissão violou de forma manifesta e grave os limites impostos ao exercício dos seus poderes, na medida em que o seu comportamento carece de justificação suficiente. |
101 |
Defende ainda que, mesmo que se admita que só possa haver violação grave pela Comissão dos limites impostos ao exercício dos seus poderes na medida em que o seu comportamento seja considerado quase arbitrário, encontra-se provado no caso em apreço que a demandada a colocou numa posição desvantajosa e a prejudicou deliberadamente por razões de oportunidade política, sacrificando, por pressões políticas, os direitos da demandante cuja existência ela própria reconhecera. |
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Aliás, a atenuação da responsabilidade susceptível de ser invocada pela demandada em relação às decisões que implicam opções de política económica adoptadas no exercício do amplo poder discricionário que lhe é conferido pelo Tratado CECA, não pode ser invocada em relação a decisões resultantes de uma apreciação jurídica errada, dado que a apreciação jurídica já não integra o domínio reservado à Comissão das opções de política económica. |
103 |
Na audiência, o representante da demandante alegou ainda que esta atenuação da responsabilidade da Comunidade apenas pode ser invocada em relação a actos normativos caracterizados pelo exercício de um amplo poder discricionário. O Tribunal de Justiça, no acórdão de 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citado) qualificou o ajustamento de quotas de pormenor da adaptação do sistema, pelo que o artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85 não constitui um acto normativo caracterizado pelo exercício de um amplo poder discricionário. |
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A demandada responde as estas acusações alegando que a sua actuação assentou em erro de direito. Dado que o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão de 11 de Maio de 1983, Klöckner-Werke, 244/81, já citado), que a Comissão possui competência própria para regulamentar o sistema de quotas, sem no entanto definir claramente os limites dos poderes atribuídos à Comissão, a demandada considera ter tido razão ao qualificar o ajustamento da relação I: P não como ponto de pormenor, mas, pelo contrário, como questão essencial que exige parecer favorável do Conselho. |
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Acrescenta que só o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citado) é que veio qualificar o ajustamento da relação I : P de pormenor da adaptação do regime de quotas de produção instituído com base no artigo 58.° do Tratado CECA. |
106 |
A demandada alega ainda que apenas pode haver violação grave, por uma instituição, dos limites impostos ao exercício dos seus poderes na medida em que o seu comportamento tenha sido quase arbitrário. De qualquer modo, está fora de questão no caso em apreço acusar a Comissão de actuação arbitrária decorrente de uma vontade deliberada de colocar a demandante em desvantagem, dado que, ao solicitar o parecer favorável do Conselho para a alteração da relação I: P, tentou precisamente atender às preocupações da demandante. |
107 |
Como já se referiu, a responsabilidade da Comunidade, nos termos do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, por uma decisão anulada pelo Tribunal de Justiça apenas pode ser determinada quando aquele Tribunal tenha reconhecido que esta envolve culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, não sendo suficiente para este efeito uma mera anulação. |
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Convém, assim, verificar se a decisão da Comissão anulada resultou de uma apreciação errada, mas desculpável, de uma questão de direito não resolvida ou se, pelo contrário, resultou de uma violação grave e manifesta, e portanto indesculpável, pela Comissão, dos limites impostos ao exercício dos seus poderes. |
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No acórdão de 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/96 e 285/86, já citado), o Tribunal de Justiça declarou que, ao não ter procedido à modificação da relação I : P, que ela própria considerava necessária para efeitos de fixação de quotas numa base equitativa, a demandada tinha cometido um desvio de poder. Ao declarar que o artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85 se encontrava viciado por uma ilegalidade resultante de desvio de poder, o Tribunal de Justiça desaprovou, sem margem para dúvidas, nos termos do artigo 33.°, primeiro parágrafo, segunda parte, do Tratado CECA, um acto normativo resultante do exercício de um poder discricionário. Esta observação é igualmente válida em relação ao artigo 5.° da Decisão geral n.° 194/88, anulado, pelas mesmas razões, pelo acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 14 de Junho de 1989, Hoogovens (210/87 e 223/87 e 72/88 e 92/88, já citado), dado que o referido artigo 5.° reproduz literalmente o teor do artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85. |
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O Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de que as decisões individuais adoptadas trimestralmente para fixar as quotas de produção e de fornecimento da demandante com base tanto no artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85 como no artigo 5.° da Decisão geral n.° 194/88 deviam ser anuladas, dado que constituem decisões de execução das referidas decisões gerais. Donde resulta que as decisões individuais se encontravam necessariamente afectadas pelo mesmo desvio de poder que viciava as decisões gerais que constituíam a sua base legal. |
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O Tribunal de Primeira Instância considera que, nas circunstâncias do presente processo, o desvio de poder verificado pelo Tribunal de Justiça, bem como a violaII - 398 cäo manifesta tanto do artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CECA como do princípio da igualdade de tratamento envolvem culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, na acepção do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA. |
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Efectivamente, deve salientar-se, em primeiro lugar, que, no acórdão de 11 de Maio de 1983, Klöckner (244/81, já citado), o Tribunal de Justiça tinha claramente referido que o consentimento do Conselho só era necessário para a instituição do regime de quotas de produção com base no artigo 58.° do Tratado CECA, dado que a Comissão não excedia de modo algum os poderes que lhe eram conferidos pelo artigo 58.° ao fixar trimestralmente produções e quantidades de referência distintas para a aplicação das taxas de redução aplicáveis à determinação, respectivamente, da quota de produção e da parte de produção que pode ser entregue no mercado comum. |
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Por outro lado, a própria Comissão tinha entendido no processo 119/81 (ver acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 1982, Klockner/Comissão, 119/81, Recueil, p. 2627) que «a exigência de parecer favorável prevista no artigo 58.° seria cumprida se o Conselho desse o seu consentimento ao princípio da instituição de um regime de quotas», não sendo «necessário que o Conselho se pronuncie sobre os promenores da regulamentação desse regime». |
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Note-se, por último, que no acórdão de 21 de Fevereiro de 1984, Walzstahl e outros/Comissão (140/82, 146/82, 221/82 e 226/82, Recueil, p. 951), o Tribunal de Justiça tinha claramente indicado que os poderes atribuídos à Comissão pelo Tratado CECA seriam desviados do seu objectivo legal se se verificasse que os exerceu com o objectivo exclusivo, ou pelo menos principal, de iludir a aplicação de um processo que o Tratado prevê especialmente para as circunstâncias como aquelas a que a Comissão deve fazer face. |
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Ora, o Tribunal verifica que, no caso em apreço, a demandada, após ter procedido ao exame da situação particular das empresas Peine-Salzgitter e Hoogovens e ter concluído, na sequência de discussões com as empresas envolvidas no quadro do Comité Consultivo e, sobretudo, da comunicação que enviou ao Conselho em 25 de Setembro de 1985, que as relações I: P dessas empresas deviam ser ajustadas a fim de fixar as quotas de forma equitativa, não adoptou, no entanto, com base no artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CECA, as disposições necessárias para levar à pratica essa conclusão. Na verdade, apesar de o Conselho ter dado já o seu consentimento ao princípio da instituição de um regime de quotas, a demandada limitou-se a apresentar ao Conselho um projecto baseado no artigo 58.°, n.° 1, quando não ignorava não ser necessário que o Conselho se pronunciasse sobre a fixação de produções e quantidades de referência para efeitos da aplicação das taxas de redução na determinação, empresa a empresa, das quotas de produção e de fornecimento. |
116 |
O Tribunal verifica ainda que, não tendo obtido parecer favorável do Conselho, a demandada adoptou as decisões gerais n.os 3485/85 e 194/88 sem qualquer alteração no domínio das quotas de fornecimento. |
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O Tribunal considera, à luz do que precede, por um lado, que a demandada não podia ignorar que tinha a obrigação de fixar, sob a sua exclusiva responsabilidade, as quotas de fornecimento de uma forma equitativa, velando por que o princípio da igualdade perante os encargos públicos fosse sempre respeitado da forma mais escrupulosa (ver acórdão de 13 de Julho de 1961, Meroni e outros/Alta Autoridade da CECA, 14/60, 16/60, 17/60, 20/60, 24/60, 26/60, 27/60 e 1/61, Recueil, p. 319), e, por outro, que tinha a obrigação de saber que a violação desta obrigação relativamente a um número limitado de empresas, para as quais a relação I: P se tornara excepcionalmente desvaforável conduzia ao desrespeito do princípio da repartição equitativa das quotas de fornecimento. |
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Donde resulta que, ao adoptar o artigo 5.° da Decisão Geral n.° 3485/85 e as decisões individuais em execução desta disposição, bem como o artigo 5.° da Decisão geral n.° 194/88 e as decisões individuais adoptadas em sua execução, a Comissão violou de forma manifesta e grave os limites impostos ao exercício do poder discricionário de que goza com vista à aplicação do regime de quotas de produção baseado no artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CECA, o que envolve, da sua parte, culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, na acepção do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA. |
Quanto ao dano
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Resta ainda analisar se a demandante sofreu, em resultado das decisões que, como já se viu, envolvem uma falta susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade, um dano directo e especial, traduzido na diferença entre as receitas que podia ter auferido se a Comissão lhe tivesse concedido devidamente uma quota de fornecimento superior para o mercado da Comunidade, em que os preços eram mais elevados, e as receitas que obteve na realidade, ao ser obrigada a vender a preços inferiores nos países terceiros. |
Natureza indirecta do dano
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A demandante sustenta que deve verificar-se se o mesmo prejuízo se teria verificado na falta do facto danoso. No caso em apreço, foram as decisões ilegais da Comissão que causaram directamente o dano à demandante, na medida em que a impediram de praticar preços de venda mais elevados para as quantidades suplementares que teria podido comercializar na Comunidade, se não tivessem existido as decisões viciadas de ilegalidade. |
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A demandada refere que o alegado dano resultou de casos diferentes das decisões ilegais adoptadas pela Comissão, como o nível de preços praticados no mercado mundial, que escapam ao poder de controlo da demandada. O nexo de causualidade deve, aliás, procurar-se nas decisões individuais não impugnadas e não nas decisões gerais anuladas. Por último, dado que a demandante saiu indemne da crise graças ao regime de quotas, não tem o direito de invocar um dano, após ter expirado o regime de quotas, no momento em que realiza de novo elevados lucros. |
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No entender deste Tribunal, as empresas não podem fundamentar o respectivo direito à indemnização nas medidas restritivas impostas no âmbito do regime de quotas no interesse de saneamento do mercado e da sua rentabilidade a longo prazo. A Comissão não pode no entanto subtrair-se às suas responsabilidades pelo simples facto de, ao expirar o regime de quotas, uma conjuntura favorável no sector do aço ter permitido às empresas que não foram afectadas pela crise realizar de novo lucros. |
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Por outro lado, se é certo que o dano inicial foi causado, designadamente, pelas decisões gerais n.os 3485/85 e 194/88, reconhecidamente viciadas de ilegalidade, não o é menos que determinadas decisões individuais foram igualmente anuladas pelo Tribunal de Justiça por enfermarem da mesma ilegalidade que a Decisão geral n.° 3485/85 e que as outras decisões individuais, ainda que não anuladas, se encontravam viciadas da mesma ilegalidade, pelo que teriam sofrido a mesma sorte se tivessem sido impugnadas perante o Tribunal de Justiça. Além disso, no que respeita a 1985, o dano foi causado por uma decisão individual anulada pelo Tribunal de Justiça, bem como por três outras decisões individuais que, ainda que não anuladas, se encontram viciadas pela mesma ilegalidade. |
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Além disso, o prejuízo sofrido pela Peine-Salzgitter não resulta da queda dos preços do aço em determinados mercados de países terceiros, mas, pelo contrário, da obrigação que lhe foi imposta, devido a uma sucessão de decisões ilegais da Comissão, de escoar a sua produção nesses mercados em condições não rentáveis. |
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Por último, deve salientar-se que a demandante não requer o restabelecimento das partes de mercado que alega ter perdido para as concorrentes que beneficiaram indevidamente das quotas de fornecimento que lhe foram ilegalmente recusadas, mas solicita uma compensação pecuniária do dano directo causado pelas decisões ilegais que envolvem culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade. |
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Deve assim concluir-se que foi o comportamento culposo da Comissão que causou o dano invocado pela demandante. |
Natureza especial do dano
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A demandante defende que, no caso em apreço, o prejuízo sofrido vai além da «gêne commune» que deve ser suportada uniformemente por todos os agentes económicos. De facto, só a demandante e a sociedade Hoogovens sofreram perdas de receitas em resultado da recusa da Comissão em ajustar a respectiva relação I : P. |
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Salienta, por outro lado, que o Tribunal de Justiça declarou expressamente no acórdão de 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, já citado), a existência de «dificuldades excepcionais» em relação à demandante. |
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A demandante alega, por último, que não se trata de saber se aufere lucros desde que expirou o regime de quotas, mas de saber se foi objecto de uma discriminação durante a aplicação desse regime. Em seu entender, as empresas concorrentes realizaram no mercado comunitário, devido ao comportamento da Comissão, lucros adicionais que deviam caber à demandante. Os lucros cessantes da demandante durante o período que vai do primeiro trimestre de 1985 ao segundo trimestre de 1988, em resultado das decisões culposas da Comissão, comprometeram definitivamente os investimentos e a amortização das dívidas da demandante. Foi colocada em desvantagem já que, desde que o regime de quotas expirou, tem de fazer face a uma nova situação concorrencial, suportando simultaneamente o encargo das perdas sofridas no passado. |
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A demandada alega que, no caso em apreço, não existe qualquer dano indemnizável, na acepção do artigo 34.° CECA, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (ver despacho de 2 de Maio de 1988, Assider/Comissão, 92/88 R, Colect., p. 2425), exije «perdas de relatividade» duradouras. Após ter sido abolido o regime de quotas, tal dano duradouro não se verifica, dado que as empresas, sujeitas de novo à concorrência, têm a possibilidade de aumentar as respectivas partes de mercado, podendo assim compensar as perdas sofridas na altura em que o regime de quotas se encontrava em vigor. Acrescenta que é graças ao regime de quotas e ao clima econômico positivo criado pela Comunidade que a demandante conseguiu atingir de novo um elevado nível de lucros num mercado restabelecido. |
131 |
Deve recordar-se a este respeito que a noção de especialidade do dano visa, por um lado, a intensidade especial do dano e, por outro, a afectação de um número restrito e delimitável de agentes económicos. |
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Relativamente à especialidade do dano sofrido em resultado da aplicação do artigo 5.° da Decisão geral n.° 3485/85, deve, por um lado, salientar-se que a verificação efectuada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de Julho de 1988, Peine-Salzgitter e outros (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86), nos termos da qual «é pacífico que estas relações I: P desfavoráveis causam às recorrentes dificuldades económicas excepcionais», permite concluir que o dano de facto causado pela ilegalidade culposa que vicia as decisões da Comissão ultrapassa largamente aquilo que é legítimo exigir a um particular que suporte, dentro de limites razoáveis, sem direito a indemnização dos fundos públicos, pelo facto de terem sido lesados os seus interesses económicos por um acto normativo culposo. |
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Por outro lado, o requisito da afectação de um número restrito e delimitável de agentes económicos encontra-se igualmente satisfeito, dado que nove empresas siderúrgicas, identificadas pelo nome, experimentaram dificuldades consideráveis devido a uma relação I : P particularmente desfavorável. |
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No que respeita à natureza especial do dano resultante da decisão anulada de 11 de Junho de 1985 e das decisões relativas aos três últimos trimestres do mesmo ano, que recusaram ajustar as quotas de fornecimento em conformidade com o artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84, deve notar-se, por um lado, que, em carta dirigida em Dezembro de 1988 à empresa demandante, a própria Comissão tinha avaliado em 7000 toneladas por trimestre, para o ano de 1985, o volume da tonelagem suplementar a que respeita o artigo 14.°, número confirmado pela avaliação das tonelagens suplementares fornecida pela própria demandante. Este prejuízo ultrapassa largamente os limites do que é razoavelmente exigível de um particular. |
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Por outro lado, o requisito da afectação de um número restrito e delimitável de agentes económicos afectados pelas decisões culposas encontra-se igualmente preenchida pelo facto, não contestado pela demandada, de apenas à empresa Peine-Salzgitter ter sido recusado pela Comissão o ajustamento da relação I:P correspondente a 1985, nos termos do artigo 14.° da Decisão geral n.° 234/84. |
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Daqui resulta que foi provado que a Comissão violou injustificadamente o princípio da igualdade de tratamento dos agentes económicos, dado que tal violação afectou um grupo restrito e claramente delimitado de agentes e que o dano invocado ultrapassa os limites dos riscos económicos inerentes às actividades do sector em questão (ver acórdãos de 4 de Outubro de 1979, Ireks-Arkady, 238/78, já citado; DGV, 241/78, 242/78, 245/78 a 250/78; Interquell e Diamalt/Conselho e Comissão (261/78 e 262/78, Recueil, p. 3045). |
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Resulta do conjunto das considerações antecedentes que as decisões individuais relativas as quatro trimestres de 1985, 1986 e 1987 e aos dois primeiros trimestres de 1988 envolvem, na acepção do artigo 34.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, culpa susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade e que, em resultado dessas decisões, a demandante sofreu um dano directo e especial. |
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Em consequência, há que devolver o processo à Comissão, que deverá tomar as medidas adequadas para garantir uma reparação equitativa do dano directamente resultante do conjunto das decisões individuais já enumeradas e atribuir, se necessário, uma justa indemnização. |
Quanto às despesas
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Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável mutatis mutandis ao processo perante o Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal for pedido. No caso em apreço, a demandada foi vencida quantos aos fundamentos invocados, excepto no que se refere ao pedido de pagamento de um montante de 77603528 DM. Em consequêcia, deve a demandada ser condenada a suportar as suas próprias despesas e 90 % das despesas da demandante. Esta suportará 10 % das suas próprias despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção) decide : |
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Cruz Vilaça Schintgen Edward García-Valdecasas Lenaerts Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Junho de 1991. O secretário H. Jung O presidente J. L. Cruz Vilaça |
( *1 ) Língua do processo: alemão.