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Document 61989TJ0035

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 12 de Julho de 1990.
    Alessandro Albani e o. contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Funcionários - Recrutamento - Concurso por prestação de provas - Irregularidade na correcção - Anulação.
    Processo T-35/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 II-00395

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:1990:44

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

    (Terceira Secção)

    12 de Julho de 1990 ( *1 )

    No processo T-35/89,

    Alessandro Albani, Alberto Caferri, Claudio Caruso e Bruno Buffarla, todos residentes em Bruxelas, patrocinados pelo advogado Gerard Collin, do foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório da Fiduciaire Myson SARL, 6-8, rue Origer,

    recorrentes,

    apoiados por

    Syndicat des fonctionnaires internationaux et européens, patrocinado pelos advogados Michel Deruyver e Françoise Decoster, do foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório da Fiduciaire Myson SARL, 6-8, rue Origer,

    interveniente,

    e

    Union syndicale, patrocinada pelo advogado Jean-Nöel Louis, do foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório da Fiduciaire Myson SARL, 6-8, rue Origer,

    interveniente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Sergio Fabro, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centro Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação das decisões do júri do concurso geral COM//A/482,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),

    constituído pelos Srs. A. Saggio, presidente de secção, C. Yeraris e B. Vesterdorf, juízes,

    secretário: B. Pastor, administradora

    visto os autos e após a realização das audiências de 3 de Maio, 6 de Junho e 20 de Junho de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    Os factos que estão na origem do recurso

    1

    Através de um aviso de concurso COM/A/482, publicado em 12 de Fevereiro de 1987 (JO C 34, p. 15), a Comissão abriu um concurso geral, documental e por prestação de provas para a constituição de uma reserva de recrutamento de administradores nos graus 7 e 6 da categoria A nos domínios da agricultura, da pesca e da cooperação com os países em vias de desenvolvimento.

    2

    Nos termos do aviso de concurso, as provas deviam comportar duas fases: uma escrita e outra oral.

    3

    A fase escrita também se dividia em duas etapas sucessivas: uma primeira prova escrita, que consistia numa série de questões de escolha múltipla, visava avaliar os conhecimentos gerais dos candidatos nos domínios do concurso; uma segunda prova escrita, de natureza prática, devia permitir avaliar as capacidades de análise dos candidatos e a sua experiência no tratamento de um dossier. Só a aprovação na primeira prova escrita permitia participar na segunda.

    4

    Eram admitidos a participar na fase oral os candidatos que tivessem obtido, num total de 100 pontos, um mínimo de 60 pontos nas duas provas da fase escrita e que tivessem atingido a cotação mínima exigida para cada prova.

    5

    Os quatro recorrentes estavam entre os 877 candidatos que foram admitidos às provas escritas. A primeira prova escrita teve lugar a 20 de Novembro de 1987 em dezanove centros diferentes, na Europa, na América do Sul e na Austrália. Os recorrentes obtiveram o mínimo de pontos exigidos na prova eliminatória e apresentaram-se à segunda prova escrita.

    6

    Nessa última prova escrita, cuja duração foi fixada em três horas e trinta minutos, o júri pediu aos candidatos que apresentassem, a partir de um dossier, uma nota limitada a 800 palavras para a totalidade da exposição. A nota, redigida à atenção do presidente da Comissão, devia incluir uma síntese do relatório especial do Tribunal de Contas sobre o sistema de pagamento das restituições agrícolas às exportações e as opiniões pessoais do candidato sobre o problema tratado.

    7

    Das 800 palavras da exposição, 300 deviam ser consagradas ao desenvolvimento das opiniões pessoais dos candidatos. Os candidatos deviam contar eles próprios o número de palavras utilizadas e registar esses números em quadros ad hoc. A inobservância das mencionadas condições, assim como a ¡legibilidade dos manuscritos, implicariam a não correcção das cópias não conformes com as instruções.

    8

    Após ter sido efectuada a segunda prova escrita e antes da correcção desta, o júri deu instruções aos correctores para não corrigirem os manuscritos manifestamente demasiado longos, isto é, aqueles que ultrapassassem 1200 palavras.

    9

    Os recorrentes reprovaram na segunda prova escrita, não tendo atingido nas duas provas o mínimo exigido de 60 °/o dos pontos. Em consequência, não foram admitidos a participar na prova oral, conforme lhes comunicou o chefe da Divisão «Recrutamento» por carta de 21 de Março de 1988.

    10

    Só foram admitidos à prova oral 172 candidatos, 167 dos quais se apresentaram para nela participar.

    11

    Finalmente, foi estabelecida uma lista de aptidão em 26 de Maio de 1988, comportando 67 aprovados.

    O processo

    12

    Foi nestas condições que, por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Maio de 1988, os recorrentes interpuseram recurso das decisões adoptadas pelo júri do concurso COM/A/482.

    13

    No mesmo dia da interposição do recurso, os recorrentes apresentaram, em acto separado, um pedido de medidas provisórias nos termos do artigo 83.°, n.° 2, do Regulamento Processual, com vista a obter a suspensão do prosseguimento das operações do concurso e, nomeadamente, a suspensão da constituição ou da publicação da lista de aptidão resultante do concurso.

    14

    Nos termos do artigo 93.° do Regulamento Processual, foram apresentados em 12 de Junho de 1988 pedidos de intervenção, em apoio dos pedidos dos recorrentes, por:

    Syndicat des fonctionnaires internationaux et européens (SFIE);

    Union syndicale, Giovanni di Muro e Arlette Grynberg;

    o Comité Central do Pessoal.

    Os referidos pedidos foram apresentados tanto para efeitos do processo de medidas provisórias como do processo principal.

    15

    Por despacho de 13 de Junho de 1988, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Justiça admitiu a Union syndicale e o Syndicat des fonctionnaires internationaux et européens a intervir no processo de medidas provisórias e indeferiu o pedido de Giovanni di Muro e de Arlette Grynberg.

    16

    Na audiência do processo de medidas provisórias, a Comissão informou que apenas 5 dos 172 candidatos que tinham sido aprovados na prova escrita tinham excedido o limite de 800 palavras e que nenhum desses candidatos figurava na lista de aptidão. Na mesma audiência, o Comité Central do Pessoal declarou desistir do seu pedido de intervenção.

    17

    Por despacho de 21 de Junho de 1988, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de medidas provisórias. O Tribunal de Justiça, não deixando de sublinhar a forma lamentável como a Comissão tinha agido, por só na audiência ter prestado essas informações de carácter anónimo, considerou que, nesta fase do processo, devia tomá-las como base da sua decisão. Considerou que, segundo essas informações, a alegada irregularidade não era susceptível de falsear o resultado final do concurso.

    18

    Por despacho de 13 de Dezembro de 1988, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) admitiu a Union syndicale e o Syndicat des fonctionnaires internationaux et européens a intervir no processo principal em apoio dos pedidos dos recorrentes.

    19

    Por despachos de 13 de Dezembro de 1988, o Tribunal consignou, respectivamente, a desistência dos pedidos de intervenção de Giovanni di Muro e de Arlette Grynberg, assim como do pedido do Comité Central do Pessoal.

    20

    Por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do artigo 14.° da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988 que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

    21

    Por despacho de 13 de Fevereiro de 1990, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) solicitou à Comissão que apresentasse os documentos seguintes :

    a)

    a lista de aptidão resultante do concurso COM/A/482;

    b)

    os relatórios intermédio e final do júri relativos, respectivamente, à segunda prova escrita e à prova oral do referido concurso;

    c)

    os extractos dos dossiers respeitantes à segunda prova escrita dos 67 aprovados ou qualquer outro elemento útil que pudesse provar o número de palavras utilizadas por esses aprovados na sua exposição na segunda prova escrita.

    22

    Por despacho de 14 de Março de 1990, o Tribunal de Primeira Instância concedeu uma prorrogação do prazo fixado para apresentação desses documentos.

    23

    Na sequência do despacho do Tribunal, a instituição recorrida apresentou, em 22 de Março de 1990, uma parte dos documentos solicitados, a saber, os referidos nas alíneas a) e b). No que se refere à alínea c), a Comissão não apresentou qualquer documento, informando que «não estava em condições de dar cumprimento ao ponto em questão».

    24

    Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo. Solicitou à Comissão que fornecesse determinados esclarecimentos que considerava necessários para efeitos do processo. Mais especificamente, foi solicitado à Comissão que fornecesse, na audiência, os esclarecimentos seguintes :

    a)

    informar se a lista de aptidão ainda está em vigor e, no caso de a mesma já ter expirado, se foram feitos recrutamentos com base nessa lista;

    b)

    fornecer a prova de que apenas cinco pessoas excederam o limite de 800 palavras (das quais uma com 810, duas entre 820 e 830 e duas outras entre 840 e 850 palavras);

    c)

    demonstrar que os cinco candidatos acima referidos não figuram na lista dos aprovados.

    25

    Na audiência de 3 de Maio de 1990, o agente da Comissão declarou que a validade da lista de aptidão foi prorrogada até 31 de Dezembro de 1990 e que foram feitos recrutamentos com base nessa lista. Estas informações foram completadas por um documento que aquele agente apresentou na audiência e no qual figuram os nomes dos aprovados que foram recrutados até essa data. Além disso, o agente da Comissão esclareceu que lhe era materialmente impossível apresentar as provas escritas mencionadas na alínea c) do citado despacho, assim como nas alíneas b) e c) do questionário enviado pelo Tribunal à Comissão, uma vez que as provas escritas do concurso tinham sido destruídas, apesar das instruções em contrário dadas pelo Sr. Kalbe, chefe da Divisão «Recrutamento», aquando da sua transferência. Tendo em conta este facto, a Comissão requereu que o Sr. Kalbe fosse ouvido como testemunha pelo Tribunal, a fim de responder a estas questões.

    26

    Por despacho de 15 de Maio de 1990, o Tribunal, reservando para momento ulterior a sua decisão sobre o pedido de audição do Sr. Kalbe, decidiu que era oportuno ouvir o testemunho dos Srs. Benda e Bouratsis, membros do júri. Foi solicitado às testemunhas que depusessem sobre os factos relativos à correcção das provas escritas do referido concurso e que descrevessem, de acordo com a sua experiência, a prática da administração no que diz respeito à conservação das provas após a realização de um concurso. O Tribunal não pôde proceder à audição como testemunha do Sr. Ries, na sua qualidade de presidente do júri, porque, segundo informações fornecidas à Secretaria, este, que tinha entretanto passado à reforma, se encontrava em viagem longínqua por um período indeterminado.

    27

    Na audiência de 6 de Junho de 1990, o Tribunal ouviu o Sr. Benda e, a pedido da Comissão, ouviu igualmente o Sr. Heine, vice-presidente do júri.

    28

    O Sr. Benda declarou, designadamente, que não lhe era possível indicar nem o número exacto de candidatos que tinham excedido o limite de 800 palavras nem o número de palavras utilizadas. Em qualquer circunstância, esses candidatos não deviam ter sido mais de dez e o número de palavras que excedia o limite não devia ter sido superior a 200. Além disso, não podia afirmar se algum desses candidatos tinha sido inscrito na lista de aptidão. As instruções aos correctores, autorizando a correcção de manuscritos que não excedessem 1200 palavras, tinham como finalidade facilitar a sua tarefa dando-lhe uma certa flexibilidade. Finalmente, a testemunha declarou que ignorava a prática da administração quanto à conservação dos documentos de um concurso.

    29

    A segunda testemunha, o Sr. Heine, declarou, designadamente, que ignorava se tinha havido candidatos admitidos à prova oral que tivessem ultrapassado o limite de 800 palavras. A partir do momento em que foi decidido permitir que fossem excedidas 800 palavras, a questão não voltou a ser apreciada. O júri contentou-se em consignar que os correctores tinham verificado que as 800 palavras não tinham sido consideravelmente excedidas. Também não se recordava se, entre os 67 aprovados, figurava um candidato que tivesse ultrapassado o limite de 800 palavras. Também não conhecia a prática relativa à conservação dos documentos após a realização de um concurso. No que respeita ao concurso em causa, duas secretárias da Direcção-Geral (DG) IX tinham sido incumbidas de guardar as provas. Na sua opinião, essas secretárias não podiam, por sua iniciativa, proceder à sua destruição.

    30

    Por despacho de 6 de Junho de 1990, o Tribunal decidiu que era oportuno deferir o pedido da Comissão de ouvir o Sr. Kalbe como testemunha sobre os factos relativos à correcção da segunda prova escrita e sobre o destino das provas após a realização do concurso objecto do litígio.

    31

    Na audiência de 20 de Junho de 1990, o Tribunal ouviu como testemunhas os Srs. Bouratsis e Kalbe.

    32

    O Sr. Bouratsis declarou, designadamente, que os próprios candidatos deviam contar o número de palavras utilizadas e que os correctores tinham, evidentemente, de efectuar um controlo. Segundo ele, as instruções para corrigir as provas que comportassem mais de 800 palavras tinham sido uma iniciativa do presidente do júri, comunicada posteriormente aos outros membros. Para além disso, não lhe era possível afirmar qual o número de candidatos admitidos às provas orais que tinham excedido o limite de 800 palavras. Declarou também que ignorava a prática administrativa relativa à conservação das provas após a realização do concurso. No que respeita às provas em causa, recordava-se de que, após a realização do concurso, as secretárias tinham depositado os dossiers num cofre da DG IX, mas ele próprio ignorava o seu ulterior destino.

    33

    O Sr. Kalbe declarou, designadamente, que as instruções enviadas aos correctores foram dadas pelo presidente do júri antes da correcção da segunda prova escrita. A questão do excesso do número de palavras autorizadas colocou-se, para o júri, quando a Union syndicale a suscitou, através de uma comunicação ao pessoal, antes da realização das provas orais. Nessa altura, o júri pediu ao secretariado que procedesse a um controlo. Foi efectuado um segundo controlo aquando do processo de medidas provisórias no Tribunal de Justiça. O controlo incidiu sobre as provas das 172 pessoas admitidas à prova oral. Entre estas, o secretariado controlou as provas nas quais estava mencionado um número de cerca de 800 palavras. Em relação às outras, procedeu por amostragem. Como resultado desse controlo, verificou-se que apenas cinco candidatos tinham excedido o limite de 800 palavras. Não era possível à testemunha informar o nome dessas cinco pessoas, pois a verificação foi efectuada a partir do número de código do aprovado em comparação com o número das referidas cinco pessoas. Nenhuma dessas cinco pessoas figurava na lista dos aprovados. Segundo a testemunha, os dossiers que incluem provas escritas são normalmente guardados durante muito tempo. No que respeita às provas em questão, tinha dado as instruções necessárias para que as mesmas fossem conservadas. Todavia, teve de deixar a Divisão de Recrutamento em fins de Julho de 1989. Quando fez uma busca nos arquivos, na altura da fase escrita do processo, nada encontrou. Daí concluiu que as provas deviam ter sido destruídas.

    34

    Após os depoimentos das testemunhas, foram ouvidas as alegações dos representantes das partes, terminadas as quais o presidente ordenou o encerramento da fase oral do processo.

    Pedidos das partes

    35

    Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne :

    julgar o presente recurso admissível e procedente;

    em consequência, anular todo o processo de correcção das provas escritas do concurso ou, pelo menos, anular a decisão do júri de não admitir os recorrentes às provas orais do concurso;

    condenar a recorrida na totalidade das despesas.

    36

    A instituição recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne :

    julgar o recurso improcedente;

    decidir sobre as despesas nos termos legais.

    Quanto ao mérito

    37

    Os recorrentes alegam, em substância, que o júri do concurso, após ter decidido conceder aos candidatos um tempo limitado, ter-lhes imposto um número máximo (800) de palavras e tê-los obrigado a contá-las eles próprios, se afastou das suas instruções e solicitou aos correctores que não corrigissem as provas que contivessem mais de 1200 palavras. Desta forma, o júri do concurso impôs aos correctores que tomassem em consideração as provas dos candidatos que tinham deliberadamente violado as referidas instruções, excedendo o número de palavras imposto e não despendendo trabalho nem tempo a contar as palavras que tinham utilizado. Assim, o júri alterou as condições claras que inicialmente tinha imposto para a realização das provas escritas, ao permitir a determinados candidatos beneficiar de uma vantagem incontestável em detrimento dos outros. Essa forma de agir constitui, segundo os recorrentes, uma violação dos critérios impostos para a realização da segunda prova escrita assim como dos princípios da igualdade de tratamento, da objectividade e da confiança legítima e deve, em consequência, implicar a anulação das decisões impugnadas.

    38

    A Comissão afirma que, entre os 172 candidatos que ficaram aprovados na segunda prova escrita, apenas figuravam cinco candidatos que tinha excedido o limite de 800 palavras, tendo um utilizado até 810, dois entre 820 e 830 e dois outros entre 840 e 850 palavras. Nenhum desses cinco candidatos foi inscrito na lista dos aprovados. A alteração introduzida nas condições impostas pelo júri justificava-se tendo em vista as condições específicas do exame, os erros de contagem que teriam podido ocorrer, assim como diferenças de estrutura entre as línguas utilizadas pelos candidatos, que era necessário tomar em conta. Além disso, a instituição recorrida sustenta que as instruções enviadas aos correctores não afectaram os recorrentes, pois a sua eliminação, na segunda prova escrita, deveu-se a uma decisão do júri baseada numa apreciação comparativa e objectiva da qualidade das suas provas.

    39

    Os recorrentes fazem notar que a diferença de estrutura entre as línguas não poderia justificar uma reapreciação em 50 % das normas estabelecidas. No caso em apreço, o júri devia, antes da correcção da segunda prova escrita, eliminar à partida todos os candidatos que não tivessem procedido à contagem das palavras utilizadas e todos os que não tivessem respeitado o limite imposto. Finalmente, os recorrentes consideram que a recorrida não apresenta qualquer prova relativamente ao número de candidatos que excederam o limite imposto e o número de palavras utilizadas para além deste. Desta forma, a Comissão não permite nem ao Tribunal nem aos recorrentes verificar se as decisões impugnadas tiveram ou não como consequência falsear o exame comparativo dos méritos dos candidatos.

    40

    A instituição recorrida responde que é difícil imaginar que um exame comparativo das provas tenha sido errado pelo simples facto de o júri ter tomado em consideração as provas dos cinco outros candidatos que tinham excedido ligeiramente o limite de 800 palavras. Além disso, declara-se pronta e em condições de fornecer ao Tribunal a prova das suas declarações. Finalmente, a Comissão invoca a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o júri dispõe de um amplo poder de apreciação e o fundamento dos seus juízos de valor não pode ser fiscalizado pelo Tribunal.

    41

    Por seu turno, os intervenientes, aderindo à argumentação expendida pelos recorrentes, sublinham, por um lado, a importância da segunda prova escrita e, por outro lado, o facto de a Comissão não ter provado a materialidade das suas afirmações.

    42

    Há que salientar que o aviso de concurso em questão, no título VII, indica a natureza, a duração e as regras de classificação das provas escritas. A segunda prova escrita, mais especificamente, devia ser de natureza prática, a partir de um dossier, de maneira a permitir aos correctores avaliar as capacidades de análise dos candidatos e a sua experiência no tratamento de um dossier. Em conformidade com o aviso de concurso, o júri solicitou aos candidatos, sob pena de não correcção dos manuscritos, que preparassem uma nota de natureza prática, impondo-lhes, paralelamente, um limite de tempo (3 horas e 30 minutos) e de redacção (800 palavras).

    43

    Os limites impostos tinham como objectivo assegurar aos candidatos as mesmas condições de tratamento do tema da prova escrita, assim como permitir aos correctores aplicar de maneira uniforme critérios objectivos a trabalhos comparáveis. A inobservância do limite de 800 palavras, no caso de se revelar substancial, constitui uma irregularidade susceptível de viciar tanto a decisão controvertida do júri respeitante à correcção da prova como o processo ulterior.

    44

    Todavia, tratando-se de um concurso geral de recrutamento documental e por prestação de provas, cuja realização se efectua em várias fases, a irregularidade verificada numa fase intermédia só justifica a anulação da decisão impugnada se o vício tiver falseado o resultado do concurso. Com efeito, em tal hipótese, o concurso constitui um processo administrativo complexo no sentido de que os actos anteriores se encontram incorporados no acto final.

    45

    No caso vertente, os recorrentes afirmam que as instruções dadas pelo júri aos correctores constituem uma alteração substancial das condições da segunda prova escrita. Esta arguição, cuja exactidão é um facto assente, parece ter fundamento jurídico. Com efeito, na perspectiva do raciocinio anteriormente exposto, a reapreciação ulterior pelo júri do número de palavras autorizadas na prova numa proporção que podia ir até 50 % constimi uma irregularidade substancial, que não pode ser justificada nem pela diferença de estrutura das línguas utilizadas nem por eventuais erros de contagem dos candidatos, como pretende, sem razão, a administração.

    46

    O argumento da recorrida, segundo o qual as instruções dadas aos correctores não afectaram directamente os recorrentes, não procede. Com efeito, os recorrentes têm um interesse legítimo em invocar este argumento, que se prende com o respeito dos limites impostos na prova comum, de forma a que só possam ser objecto de correcção trabalhos comparáveis.

    47

    Em contrapartida, tendo em conta as considerações acima expostas (n.os 43 e 44), o argumento da recorrida, segundo o qual apenas cinco candidatos excederam ligeiramente o limite de 800 palavras e segundo o qual essa irregularidade não substancial não podia falsear o resultado final do concurso, parece pertinente, e convém apreciá-lo.

    48

    Uma vez que os recorrentes provaram o facto de o júri ter permitido que fossem excedidos os limites impostos, é à instituição recorrida que incumbe o ónus da prova da exactidão das suas anteriores alegações, tanto mais que no caso em apreço as provas controvertidas estão na sua posse.

    49

    Tendo sido solicitado à recorrida, por despacho de 13 de Fevereiro de 1990, que produzisse aquela prova, apresentando os documentos úteis, a mesma declarou que não lhe era possível dar cumprimento a esse ponto do despacho. Na audiência, o representante da Comissão esclareceu que lhe era materialmente impossível apresentar as provas escritas, pois as mesmas tinham sido destruídas após a transferência do Sr. Kalbe, chefe da Divisão de Recrutamento na altura. Nestas condições, o Tribunal decidiu ouvir testemunhas, como vem amplamente referido na parte «processo» do presente acórdão.

    50

    Resulta dos depoimentos das testemunhas que o júri não verificou ele próprio se tinham sido ultrapassadas as 800 palavras. O controlo foi efectuado pelo secretariado da Divisão de Recrutamento, nomeadamente por ocasião do processo de medidas provisórias. Segundo o depoimento do Sr. Kalbe, esse controlo não incidiu sobre todas as provas das 172 pessoas admitidas à oral, mas foi limitado apenas às provas em que os candidatos tinham indicado nos quadros ad hoc um número de palavras próximo de 800, tendo o resto das provas sido controlado apenas por amostragem. Não é, portanto, de excluir que, entre as provas não controladas, algumas tenham excedido o limite imposto. Em consequência, o resultado desse controlo não pode ser considerado fiável. Além do mais, näo existe qualquer prova testemunhal sobre o nome dos cinco candidatos que, segundo a administração, excederam o limite, mas não foram inscritos na lista dos aprovados. Só a identificação dessas pessoas teria permitido aos recorrentes apresentar prova em contrário.

    51

    Perante estes elementos, deve declarar-se que a instituição recorrida não fez prova do seu argumento principal, segundo o qual apenas cinco candidatos ultrapassaram ligeiramente o limite de 800 palavras e segundo o qual essas cinco pessoas não constam da lista dos aprovados.

    52

    Nestas condições, não é possível ao Tribunal verificar se o princípio da igualdade de tratamento dos candidatos foi respeitado na correcção da segunda prova escrita, nem se este vício falseou o resultado final do concurso.

    53

    Em consequência, devem ser julgados procedentes os pedidos dos recorrentes e anular-se a correcção da segunda prova escrita do concurso COM/A/482, assim como os actos posteriores do processo. A nova correcção deverá ser efectuada procedendo a uma reapreciação comparativa das provas que respeitaram os limites impostos. Todavia, se as provas dos 172 candidatos admitidos à oral tiverem de ser consideradas definitivamente perdidas ou se o segredo dos trabalhos do júri não puder ser assegurado aquando de uma nova correcção, é evidente que a administração poderá sempre retomar o processo de concurso a partir da segunda prova escrita.

    Quanto às despesas

    54

    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça, aplicável mutatis mutandis ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 11.°, terceiro parágrafo, da citada decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o houver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, deve ser condenada nas despesas, incluindo as dos intervenientes.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (Terceira Secção)

    decide :

     

    1)

    É anulada a decisão do júri do concurso COM/A/482 respeitante à correcção da segunda prova escrita, assim como todos os actos posteriores do processo de concurso.

     

    2)

    A Comissão é condenada nas despesas, incluindo as dos intervenientes.

     

    Saggio

    Yeraris

    Vesterdorf

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 12 de Julho de 1990.

    O secretário

    H. Jung

    O presidente da Terceira Secção

    A. Saggio


    ( *1 ) Língua do processo: francis.

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