This document is an excerpt from the EUR-Lex website
Document 61989CJ0353
Judgment of the Court of 25 July 1991. # Commission of the European Communities v Kingdom of the Netherlands. # Failure to fulfil obligations - Freedom to provide services - Obligation to use the services of a national undertaking for the production of radio and television programmes - Conditions imposed on the re-transmission of advertising contained in radio or television programmes broadcast from other Member States. # Case C-353/89.
Acórdão do Tribunal de 25 de Julho de 1991.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino dos Países Baixos.
Incumprimentos - Livre prestação de serviços - Obrigação de se dirigir a uma empresa nacional para a realização de programas de rádio e televisão - Condições exigidas para a retransmissão de mensagens publicitárias constantes de programas de rádio ou de televisão emitidos a partir de outros Estados-membros.
Processo C-353/89.
Acórdão do Tribunal de 25 de Julho de 1991.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino dos Países Baixos.
Incumprimentos - Livre prestação de serviços - Obrigação de se dirigir a uma empresa nacional para a realização de programas de rádio e televisão - Condições exigidas para a retransmissão de mensagens publicitárias constantes de programas de rádio ou de televisão emitidos a partir de outros Estados-membros.
Processo C-353/89.
Colectânea de Jurisprudência 1991 I-04069
ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:325
apresentado no processo C-353/89 ( *1 )
I — Matéria de facto e quadro regulamentar
A — Objecto do pedido
O pedido abrange duas medidas, independentes uma da outra, que figuram na mesma lei neerlandesa de 21 de Abril de 1987 que regula o fornecimento de programas de radiodifusão e de televisão, as taxas de radiotelevisão e as medidas de auxílio aos órgãos de imprensa (Stbl. 1987, 249, a seguir «Mediawet»), entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1988.
A Comissão impugna dois aspectos desta lei: por um lado, a obrigação imposta aos organismos nacionais de radiodifusão de recorrerem a uma empresa nacional para a realização dos seus programas de rádio e de televisão e, por outro, as condições impostas para a retransmissão de mensagens publicitárias contidas em programas de rádio ou de televisão emitidos a partir do território de outros Estados-membros.
B — Regime instituído pela Mediawet
Nos Países Baixos, o essencial do tempo de emissão disponível para a radiodifusão nacional é partilhado entre organismos designados «omroepverenigingen».
Estas «omroepverenigingen» são associações de ouvintes ou de telespectadores, dotadas de personalidade jurídica, e que têm por objecto representar uma corrente social, cultural, religiosa ou espiritual determinada, indicada nos seus estatutos, e procurar satisfazer, através dos seus programas, as necessidades sociais, culturais, religiosas ou espirituais dos Países Baixos. Uma «omroepvereniging» é considerada representativa quando tenha pelo menos 150000 membros.
O tempo de emissão é atribuído a cada «omroepvereniging» em função do número dos seus membros.
As «omroepverenigingen» têm, em princípio, inteira liberdade quanto à sua programação. Podem comprar programas já realizados nos Países Baixos ou noutros países, ou realizar elas próprias as suas emissões.
Neste último caso, as «omroepverenigingen», que dispõem de tempo de emissão na rede nacional, têm a obrigação de recorrer aos meios técnicos (estúdios de gravação, oficinas de cenografia, técnicos...) de uma sociedade anónima de direito neerlandês, o Nederlandse Omroepproduktie Bedrijf (a seguir «Bedrijf»). Estes meios técnicos são postos à disposição das associações, segundo uma tarifa estabelecida pelo próprio Bedrijf. A Mediawet prevê que as «omroepverenigingen» têm a obrigação de recorrer aos meios técnicos proporcionados pelo Bedrijf para a realização de todos os seus programas de rádio; quanto à realização de programas de televisão, só devem dirigir-se ao Bedrijf para uma certa percentagem das suas necessidades.
Mais precisamente, o artigo 61.° da Mediawet dispõe:
«A fim de assegurar a manutenção dos meios de produção, os organismos que tiverem obtido tempo de emissão na rede nacional devem despender todos os anos junto do Bedrijf a totalidade dos montantes colocados à sua disposição em aplicação dos artigos 101.° e 102.° no que diz respeito à realização de programas de rádio, e uma percentagem fixada por decreto no que diz respeito à realização de programas de televisão.»
Por outro lado, o artigo 154.° prevê que «relativamente à primeira fixação da percentagem em aplicação do artigo 61.°, a percentagem em questão é fixada em 75%».
Os meios financeiros necessários à realização dos programas nacionais das «omroepverenigingen» provêm, em parte, de uma taxa de radiotelevisão e, em parte, das receitas da publicidade audiovisual.
Estas «omroepverenigingen» não podem no entanto inserir nos seus programas mensagens publicitárias emanando de terceiros. O monopólio da difusão destas mensagens é reservado a uma fundação, a Stichting Etherreclame (a seguir «STER»). A STER, independente das «omroepverenigingen», não realiza ela própria as mensagens publicitárias. Estas são fornecidas pelos próprios publicitários. A STER limita-se, de facto, à venda de tempo de antena de publicidade. As receitas da STER são em parte utilizadas para subsidiar as associações de radiodifusão e em parte para apoiar a imprensa escrita.
Nos Países Baixos, a maior parte dos programas de rádio ou de televisão só podem ser recebidos em casa através da teledistribuição por cabo.
Os exploradores de redes de teledistribuição têm a obrigação de transmitir os programas das rádios e das televisões nacionais. Têm, além disso, a autorização de transmitir programas estrangeiros. Todavia, exceptuando o caso em que esses programas podem ser captados através de uma antena individual vulgar, o artigo 66.° da Mediawet só autoriza a sua retransmissão quando os mesmos contenham publicidade comercial especialmente destinada ao público neerlandês, se estiverem preenchidas duas séries de condições.
Umas referem-se às próprias mensagens publicitárias: estas devem poder ser reconhecidas enquanto tais; não podem exceder 5% do tempo total de emissão, nem ser difundidas ao domingo.
As outras referem-se ao emissor: este não deve prosseguir um fim lucrativo; não pode obter lucros para terceiros; deve confiar a gestão da publicidade a uma pessoa colectiva distinta do fornecedor de programas.
Mais especialmente, o artigo 66.° dispõe nomeadamente:
«1. |
O explorador de uma rede de teledistribuição pode:
|
2. |
Para efeitos da aplicação do disposto no n.° 1, alínea b), considerar-se-á que as mensagens publicitárias se dirigem especialmente ao público neerlandês quando forem difundidas durante ou imediatamente depois de uma parte de um programa ou de um conjunto coerente de partes de programa legendados em neerlandês ou que tenham uma parte de programa em língua neerlandesa. |
3. |
O ministro competente pode conceder uma derrogação à proibição prevista no n.° 1, alínea b), no que diz respeito aos programas de radiodifusão que são emitidos na Bélgica com destino ao público de língua neerlandesa da Bélgica.» |
C — Antecedentes do litígio
1. Quanto à obrigação, absoluta ou parcial, de recorrer aos meios técnicos do Bedrijf para a realização de programas de radiodifusão ou de televisão
Por carta de 21 de Dezembro de 1987, a Comissão comunicou ao Governo neerlandês que, ao reservar ao Bedrijf a totalidade das encomendas dos organismos neerlandeses de radiodifusão sonora e 75% das encomendas dos organismos neerlandeses de televisão, este não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 30.°, 52.° e 59.° do Tratado CEE.
A Comissão salientava, nesta cana, que nos termos da Directiva 70/50/CEE de 22 de Dezembro de 1969 (JO 1970, L 13) devem ser consideradas medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas, contrárias ao artigo 30.° do Tratado CEE, as medidas que «favoreçam os produtos nacionais ou lhes concedam uma preferência» (artigo 2.°, n.° 2, última frase), e que «incitem à compra apenas dos produtos nacionais ou imponham esta compra ou lhe concedam uma preferência» [artigo 2.°, n.° 3, alínea k)].
Considerava, assim, que a Mediawet limitava as possibilidades de as empresas dos outros Estados-membros :
— |
beneficiarem da livre circulação de mercadorias, prevista no artigo 30.° do Tratado CEE, uma vez que estas empresas não podem fornecer qualquer programa sonoro aos organismos neerlandeses de radiodifusão e só lhes podem fornecer uma quantidade limitada de programas televisivos; |
— |
utilizarem a liberdade de estabelecimento, proporcionada pelo artigo 52.° do Tratado, visto que lhes é mais difícil estabelecerem-se nos Países Baixos a fim de aí exercerem as suas actividades; |
— |
exercerem a liberdade de prestação de serviços, prevista no artigo 59.° do Tratado, dado que estas empresas não podem fornecer qualquer serviço de radiodifusão sonora aos organismos neerlandeses e só lhes podem fornecer uma parte limitada de serviços de radiodifusão televisiva. |
Por carta de 29 de Abril de 1988, o Reino dos Países Baixos respondeu que a obrigação de se dirigir ao Bedrijf com vista à realização de emissões era alheia à livre circulação de mercadorias não sendo assim abrangida pelo disposto no artigo 30.° do Tratado CEE. As actividades do Bedrijf consistem em prestações de serviços: a sua função essencial é a de pôr à disposição dos organismos de radiodifusão meios técnicos, como estúdios e pessoal. Por outro lado, os organismos de radiodifusão seriam livres de comprar, tanto no país como no estrangeiro, os suportes materiais de produções já realizadas, como filmes, cassetes, bandas magnéticas...
O Reino dos Países Baixos acrescentava que o artigo 61.° da Mediawet também não era incompatível com o artigo 52.° do Tratado CEE. Em sua opinião, a Mediawet não coloca qualquer entrave ao estabelecimento de empresas que proponham serviços análogos aos prestados pelo Bedrijf. A obrigação de recorrer ao Bedrijf só diz respeito aos organismos constituídos a nível nacional, e não aos organismos de radiodifusão regionais e locais. Estes últimos podem recorrer às empresas da sua escolha para a realização das suas emissões. Os organismos nacionais têm aliás a mesma faculdade, até ao limite de 25% dos seus meios financeiros. No entanto, mesmo que existam entraves à liberdade de estabelecimento, estes afectam sem discriminação as empresas neerlandesas, com excepção do Bedrijf, e as empresas estrangeiras.
Em seguida, o Reino dos Países Baixos sublinhava que a obrigação enunciada no artigo 61.° da Mediawet, que é temporária, não podia ter qualquer incidência sobre a livre prestação de serviços. Assim, não estabeleceria qualquer discriminação entre as empresas neerlandesas, com excepção do Bedrijf, e as empresas do sector audiovisual dos outros Estados-membros que desejem prestar os seus serviços nos Países Baixos. Em seguida, as empresas ou os organismos de radiodifusão, com excepção dos constituídos ao nível nacional, podem recorrer aos meios técnicos das sociedades da sua escolha.
Por último, o Governo neerlandês considerava que o artigo 90.° do Tratado CEE permitia aos Estados-membros, agindo por considerações não económicas de interesse geral, subtrair certas actividades económicas do campo da livre concorrência e atribuir a uma ou várias sociedades o direito exclusivo de as exercer. Entre estas considerações de interesse geral figuram, no caso concreto, a necessidade de conceder meios de qualidade ao menor custo aos organismos de radiodifusão que representam as diversas tendências da sociedade neerlandesa e a de manter meios materiais que concretizem a política cultural desenvolvida pelo Governo neerlandês: orquestra, coros, fonoteca, arquivos visuais.
A Comissão, não se considerando satisfeita com esta resposta, formulou um parecer fundamentado em 27 de Janeiro de 1989.
A argumentação do Reino dos Países Baixos relativa ao artigo 30.° não convenceu a Comissão. Segundo a Comissão, a obrigação imposta aos organismos nacionais de radiodifusão de despender junto do Bedrijf 75% ou 100% dos seus recursos financeiros restringe as suas possibilidades de compra de obras audiovisuais junto de empresas estrangeiras.
Em contrapartida, a Comissão aceitou os argumentos adiantados pelas autoridades neerlandesas para excluir a aplicação do artigo 52.° do Tratado.
Por último, a Comissão manteve que a obrigação prevista no artigo 61.° da Mediawet era contrária ao artigo 59.° do Tratado.
A Comissão concluiu, assim, que ao reservar a uma empresa neerlandesa a totalidade ou parte das encomendas emanando dos organismos nacionais neerlandeses de radiodifusão, o Reino dos Países Baixos não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 30.° e 59.° do Tratado CEE.
Convidou o Reino dos Países Baixos a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao seu parecer fundamentado no prazo de trinta dias.
O Reino dos Países Baixos respondeu em 4 de Julho de 1989. Pediu à Comissão que se mostrasse compreensiva. Explicou que se tratavam de medidas de protecção temporária destinadas a permitir ao Bedrijf reorganizar-se para poder adaptar-se à evolução do mercado. Assegurou que a política dos Países Baixos era chegar a uma supressão rápida do sistema de recurso obrigatório aos meios técnicos do Bedrijf. Assinalou que a obrigação em causa seria reduzida para 50% em 1 de Janeiro de 1990 e para 0% em 1 de Janeiro de 1991. Mencionou no entanto existirem dificuldades políticas.
Em 17 de Novembro de 1989, a Comissão intentou a presente acção por incumprimento.
2. Quanto às condições impostas à transmissão de mensagens publicitárias contidas em programas de rádio ou de televisão emitidos a partir de outros Estados-membros
Por carta de 10 de Fevereiro de 1988, a Comissão comunicou às autoridades neerlandesas que as regras que restringiam a difusão por cabo nos Países Baixos de programas de rádio e de televisão em proveniência de outros Estados-membros eram incompatíveis com o artigo 59.° do Tratado.
Segundo a Comissão, a medida tomada pelo Governo neerlandês limita a possibilidade de os emissores de outros Estados-membros obterem lucros no mercado neerlandês da publicidade e restringe, de modo discriminatório, a livre circulação dos programas de radiodifusão sonora e televisiva. Com efeito, através dos lucros da STER que lhes são finalmente destinados, os emissores neerlandeses beneficiam dos lucros financeiros resultantes da publicidade destinada ao público neerlandês, ao passo que os emissores dos outros Estados-membros não teriam acesso a esta fonte de rendimentos. Além disso, as próprias empresas neerlandesas veriam reduzidas as suas possibilidades de pedir aos emissores de outros Estados-membros para difundirem mensagens publicitárias destinadas em particular ao público neerlandês.
Além disso, os critérios relativos ao conteúdo publicitário teriam um efeito discriminatório em detrimento dos programas importados: estes últimos só poderiam, com efeito, ser retransmitidos se a legislação do país de emissão correspondesse à legislação neerlandesa.
Para a Comissão, o motivo da restrição em litígio é puramente económico. Ao reduzir o acesso dos radiodifusores de outros Estados-membros ao mercado publicitário neerlandês, a regulamentação em causa protege os organismos de radiodifusão neerlandeses.
O Governo neerlandês respondeu por carta de 22 de Abril de 1988.
Alegou que o facto de limitar a difusão por cabo de programas de outros Estados-membros que não podem ser captados directamente e que contêm mensagens publicitárias especialmente destinadas ao público neerlandês não era incompatível com o disposto no artigo 59.° do Tratado CEE.
Considerou, em primeiro lugar, que o artigo 59.° não era aplicável no caso concreto. Antes de mais, não existiria qualquer aspecto transfronteiras : a difusão de mensagens publicitárias visada pelo artigo 66.° da Mediawet limitar-se-ia ao interior de um único Estado-membro, os Países Baixos. Em apoio desta posição invocou o acórdão de 18 de Março de 1980, Debauve (52/79, Recueil, p. 833). Em seguida, esta prestação de serviço não seria abrangida pelo artigo 59.° por uma outra razão: não é remunerada. Com efeito, o espectador ou o ouvinte neerlandês não pagam qualquer taxa ao emissor estrangeiro.
Em segundo lugar, no caso do artigo 59.° ser considerado aplicável, o Governo neerlandês alegou que as disposições litigiosas eram inspiradas por preocupações de interesse geral e não tinham caracter discriminatório. Referiu-se a este respeito ao acórdão sobre a actividade das companhias de seguros, de 4 de Dezembro de 1986, Comissão//Alemanha (205/84, Colect., p. 3755). O regime neerlandês impõe aos organismos estrangeiros de radiodifusão que se submetam, de modo limitado, às condições em vigor nos Países Baixos, e, assim não sendo, que se abstenham de publicidade destinada especialmente ao público neerlandês.
Em terceiro lugar, o Governo neerlandês sublinhou que estas restrições encontravam igualmente uma justificação na jurisprudência do Tribunal, que permite a um Estado-membro adoptar disposições com vista a impedir o uso abusivo do direito à livre prestação de serviços (acórdão de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, 33/74, Recueil, p. 1299).
Em quarto lugar, o Governo neerlandês alegou, no caso de as disposições litigiosas serem consideradas discriminatórias, que essa discriminação se justificaria tendo em conta o disposto no artigo 56.° do Tratado. Mencionou, a este respeito, o acórdão de 11 de Julho de 1985, Cinéthèque (60/84 e 61/84, Recueil, p. 1618), que teria reconhecido que os objectivos de política cultural dos Es-tados-membros podem justificar certas medidas restritivas, mesmo que haja igualmente certos aspectos económicos em jogo.
Em quinto lugar, sustentou que a regulamentação satisfazia o critério de proporcionalidade: não será mais restritiva do que o necessário, e deixa, em todos os casos em que é possível fazê-lo, a maior liberdade para difundir programas estrangeiros.
A Comissão considerou que as explicações dadas pelo Reino dos Países Baixos sobre este capítulo não eram mais satisfatórias do que as relativas à primeira acusação; formulou assim o parecer fundamentado de 27 de Janeiro de 1989, atrás referido.
Nesse parecer considerou não haver interesse em pronunciar-se sobre os argumentos que as autoridades neerlandesas tinham exposto na sua resposta de 22 de Abril de 1988, porque, desde então, o Tribunal reconheceu no seu acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders (352/85, Colect., p. 2085), o carácter transfronteiras dos diferentes serviços decorrentes da radiodifusão e o aspecto remuneratório destas prestações.
Quanto ao restante, a Comissão desenvolveu argumentos que retomará no pedido.
Na sua resposta de 4 de Julho de 1989, o Governo neerlandês assinalou que tendo em conta o acórdão Bond van Adverteerders, atrás referido, tinha decidido ter em conta as objecções da Comissão e proceder a uma adaptação do artigo 66.° da Mediawet. Esta adaptação visava suprimir as condições impostas aos emissores estrangeiros, a saber, a obrigação de fazer gerir a publicidade por uma pessoa colectiva independente, a afectação obrigatória dos lucros da publicidade e a proibição de prosseguir um fim lucrativo. Referiu no entanto verificarem-se algumas dificuldades políticas.
Em 17 de Novembro de 1989, a Comissão intentou a presente acção por incumprimento.
Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral sem instrução prévia. Apresentou no entanto ao Governo neerlandês um pedido de comunicação de documentos. Este pedido foi satisfeito no prazo fixado.
II — Pedidos das partes
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal:
— |
declare que
|
— |
condene o Reino dos Países Baixos nas despesas. |
O Reino dos Países Baixos conclui pedindo que o Tribunal:
— |
rejeite o pedido da Comissão destinado a obter a declaração de que a obrigação imposta aos organismos nacionais de radiodifusão de efectuarem as suas encomendas, no todo ou em parte, junto do Nederlandse Omroepproduktie Bedrijf é incompatível com o artigo 59.° do Tratado CEE:
|
— |
rejeite o pedido da Comissão relativo ao regime constante do artigo 66.° respeitante à difusão de programas por um organismo de radiodifusão estrangeiro e dos quais façam parte mensagens publicitárias especialmente destinadas ao público neerlandês, porque esta regulamentação não é incompatível com o artigo 59.° do Tratado; |
— |
condene a Comissão nas despesas. |
III — Argumentos das partes
1. Quanto à obrigação, absoluta ou parcial, de recorrer aos meios técnicos do Bedrijf para a realização de programas de radiodifusão ou de televisão
A Comissão considera que o carácter provisório da situação actual não permite ao Governo neerlandês escapar ao estabelecido no artigo 59.° Sublinha que o período transitório organizado pelo Tratado terminou em 31 de Dezembro de 1969. O legislador nacional não está, portanto, autorizado a introduzir um novo prazo. Assim, a Comissão considera que o artigo 61.° deve ser apreciado em si próprio, sem ter em conta o caracter temporário das obrigações nele previstas.
Pela mesma razão, a circunstância de que, sob a égide da legislação anterior, a obrigação de mandar realizar os programas televisivos pelo Bedrijf era absoluta, enquanto na Mediawet é limitada, não é suficiente para absolver esta última.
A Comissão sublinha que o artigo 61.° da Mediawet é discriminatório. Ao reservar ao Bedrijf a maioria das encomendas respeitantes às emissões televisivas e a totalidade das relativas às emissões de rádio, a Mediawet assegura a um prestador nacional a cobertura de uma grande parte das necessidades nacionais. A Comissão compara esta situação à medida irlandesa que obrigava os importadores de produtos petrolíferos a abastecerem-se em parte junto de uma refinaria instalada no território nacional, medida que o Tribunal examinou no seu acórdão de 10 de Julho de 1984, Campus Oil (72/83, Recueil, p. 2727). Se bem que este último processo diga respeito à livre circulação de mercadorias, a Comissão considera que convém transpor para as prestações de serviços a apreciação feita pelo Tribunal: ou seja, que tal medida «tem um efeito protector em favor de uma produção nacional e desfavorece, na mesma medida, os produtores de outros Estados-membros». A Comissão considera assim que nos Países Baixos, a obrigação imposta às «omroepverenigingen» de se dirigirem ao Bedrijf restringe as possibilidades de os prestadores estrangeiros oferecerem os seus próprios serviços.
A importância da concorrência é tanto maior e esta restrição tanto mais grave quanto nos Países Baixos não há, além do Bedrijf, praticamente empresas que possam prestar tais serviços.
A Comissão acrescenta que as restrições discriminatórias à livre prestação de serviços só podem ser justificadas pelas razões enunciadas no artigo 56.° do Tratado e que as mesmas não englobam a política cultural.
No acórdão de 30 de Abril de 1974, Sacchi (155/73, Recueil, p. 409), que é invocado pelo Governo neerlandês, é um facto que o Tribunal considerou que os Estados-membros podem, por razões de interesse público de natureza não económica, subtrair certas actividades económicas ao jogo da concorrência. Segundo a Comissão, esta referência é no entanto irrelevante. Com efeito, o interesse geral não se opõe nos Países Baixos à concorrência enquanto tal, dado que uma concorrência limitada é ainda assim permitida pela Mediawet.
A Comissão acrescenta que não existe qualquer nexo entre a obrigação em causa e o interesse que existe em fazer beneficiar o sistema de radiodifusão de meios técnicos de qualidade. Em primeiro lugar, se o Bedrijf tivesse concorrentes, a oferta de serviços aos organismos de radiodifusão seria alargada. Em seguida, se os organismos de radiodifusão tivessem realmente interesse em dirigir-se ao Bedrijf, fá-lo-iam sem obrigação jurídica. Só faria sentido impor-lhes a obrigação se houvesse um risco de que se dirigissem a outro lado. A única finalidade da obrigação de recorrer ao Bedrijf seria a de manter esta empresa em vida: assim, não seria de interesse geral.
A circunstância de que, por outro lado, o Bedrijf tem uma missão cultural ao conservar uma fonoteca, arquivos de filmes ou uma orquestra é irrelevante, porque estas actividades são financiadas pelo Estado e podem, por esta razão, continuar após a supressão da obrigação prevista no artigo 61.°
Uma vez que não existe qualquer interesse geral servido pela obrigação em causa, é em vão que o Governo neerlandês invoca o carácter proporcional desta obrigação em relação ao referido interesse geral e aos objectivos da política cultural.
O Governo neerlandês refere, antes de mais, que a situação actual é provisória, que é exigida pela preocupação de assegurar uma transição harmoniosa entre o antigo sistema, em que os meios técnicos necessários à realização de programas de radiodifusão pertenciam ao sector público, e um sistema em que as regras do mercado produziriam plenamente os seus efeitos. Este processo para atingir a autonomia do Bedrijf só pode realizar-se de modo aceitável se for escalonado no tempo: será conveniente, por outro lado, evitar a falência desta instituição e despedimentos em massa, e, por outro, preservar as realizações culturais do período anterior, como o pluralismo da sociedade neerlandesa. Sem período transitório, o Bedrijf poderia deparar com graves dificuldades financeiras, não excluindo o seu desaparecimento, o que teria impedido o acesso dos organismos de radiodifusão aos seus meios técnicos e comprometido a continuidade do sistema.
O Governo neerlandês declara que este período transitório vai terminar e que decidiu propor aos Estados gerais a supressão da obrigação prevista no artigo 61.° da Mediawet com efeitos em 1 de Janeiro de 1991, no que diz respeito às emissões de televisão, e em 1 de Janeiro de 1992, no que diz respeito às emissões de rádio.
Explica-se em seguida sobre a compatibilidade com o artigo 59.° do Tratado das vantagens que são actualmente concedidas ao Bedrijf. À Comissão, que alegou que a situação actual não pode ser considerada período transitório, porque o mesmo terminou em 31 de Dezembro de 1969 no que diz respeito ao artigo 59.° do Tratado CEE, o Governo neerlandês replica que este ponto de vista ignora a situação de facto. A Mediawet deve ser compreendida não como um conjunto de medidas proteccionistas, mas como um elemento de um processo de liberalização progressiva. Permite às «omroepverenigingen» satisfazerem 25% das suas necessidades em meios técnicos televisivos no mercado livre, começando já assim a dar um impulso a este mercado.
Uma vez que esta obrigação tem assim carácter temporário, é erradamente que a Comissão a assimila à obrigação irlandesa condenada pelo Tribunal no acórdão de 10 de Julho de 1984, Campus Oil, atrás referido. Esta, que impunha aos importadores de produtos petrolíferos que se abastecessem em parte junto de uma refinaria nacional, tinha caracter permanente. Além disso, o acórdão Campus Oil, atrás referido, dizia respeito à livre circulação de mercadorias, e não à livre prestação de serviços.
O Governo neerlandês alega além disso que, segundo jurisprudência constante, as excepções ao artigo 59.° são legítimas quando tenham a sua justificação no interesse geral e sejam aplicadas de modo não discriminatório (acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb, n.° 17, 279/80, Recueil, p. 3305).
O interesse geral, que engloba a política cultural, exige a manutenção de um estatuto pluralista e não comercial do audiovisual. A este propósito, o Governo neerlandês baseia-se no acórdão de 11 de Julho de 1985, Cinéthèque, atrás referido. Neste acórdão, o Tribunal decidiu que eram admissíveis restrições à comercialização de filmes gravados em cassetes vídeo, quando o único objectivo prosseguido por estas restrições era encorajar a exploração financeira dos filmes nas salas de cinema. Este acórdão demonstra, antes de mais, que os objectivos de política cultural devem ser classificados entre os interesses que podem justificar medidas restritivas. Daí resultaria, além disso, que tais medidas podem ser de natureza económica.
A importância do Bedrijf na política cultural neerlandesa reside no facto de que este coloca à disposição das «omroepverenigingen» meios técnicos a um custo controlado pelos poderes públicos.
Ora, a sobrevivência do Bedrijf só pode ser assegurada provisoriamente pelo seu monopólio. E precisamente o interesse geral que, em tais circunstâncias, tornaria necessárias as medidas transitórias. Outras medidas, tal como um aumento das taxas de radiodifusão, estariam excluídas, porque o interesse geral exigiria igualmente que se «controlasse o montante da taxa de radiodifusão a pagar pelos cidadãos neerlandeses».
Além disso, o Bedrijf prossegue tarefas específicas de interesse geral, como a manutenção de uma fonoteca, a conservação de arquivos de filmes ou a direcção de uma orquestra e de coros. É um facto que estas tarefas seriam inteiramente financiadas pelo Estado, mas permitiriam igualmente a realização de emissões de grande qualidade. Seria muito difícil, assim, distingui-las das tarefas que consistem em colocar meios técnicos à disposição das «omroepverenigingen».
Por estas razões, o Governo neerlandês considera que a obrigação de utilizar os meios técnicos do Bedrijf é proporcional ao objectivo prosseguido.
A título subsidiário, o Governo neerlandês alega que a posição privilegiada do Bedrijf é justificada pelo artigo 90.° do Tratado CEE. Baseia-se no acórdão de 30 de Abril de 1974, Sacchi, atrás referido, para afirmar que os Estados-membros podem, por razões de interesse público, não económicas, subtrair certas actividades económicas à livre concorrência, como a realização de programas de rádio e de televisão, concedendo um monopólio a certas empresas.
Daí infere que a existência de um monopólio parcial em benefício de uma empresa à qual um Estado-membro concede direitos exclusivos não é, enquanto tal, incompatível com as disposições do Tratado.
No caso do Bedrijf, a subtracção de certas actividades à livre concorrência é justificada pelo interesse geral. O Governo neerlandês invoca a este propósito as mesmas razões de interesse geral que adiantava, a título principal, para justificar as restrições à livre prestação de serviços: a saber, a continuidade do sistema de radiodifusão, a manutenção do pluralismo nos meios de comunicação, o interesse para os organismos de radiodifusão de terem acesso a meios técnicos de qualidade e a prossecução pelo Bedrijf de tarefas culturais não rentáveis.
Segundo o Governo neerlandês, é erradamente que a Comissão sustenta que esta restrição da concorrência tem exclusivamente por finalidade prolongar a sobrevivência do Bedrijf.
Do mesmo modo, este Governo contesta a Comissão, quando esta considera que uma subtracção simplesmente parcial de certos serviços ao jogo da concorrência demonstra que o interesse geral não se opõe à concorrência. Com efeito, o artigo 90.° toleraria não só o monopólio absoluto, mas igualmente as posições privilegiadas parciais.
2. Quanto às condições impostas à transmissão nos Países Baixos de mensagens publicitárias em programas de rádio ou de televisão emitidos a partir de outros Estados-membros
Segundo a Comissão, as restrições à transmissão por cabo dos programas televisivos dos outros Estados-membros que contenham publicidade especialmente destinada ao público neerlandês não são compatíveis com o artigo 59.° do Tratado CEE.
A Comissão começa por distinguir as condições impostas aos emissores (que não devem prosseguir um fim lucrativo, não podem realizar lucros para terceiros, e devem confiar a gestão da publicidade a uma pessoa colectiva independente), condições relativas à publicidade (que não deve ultrapassar 5% do tempo de emissão, deve ser claramente identificável e distinta do resto do programa, e não deve ser difundida ao domingo).
As condições relativas aos emissores estrangeiros poderiam parecer idênticas às impostas aos organismos nacionais de radiodifusão. A Comissão verifica no entanto que ao tornar extensivo aos emissores estrangeiros o sistema aplicável aos emissores nacionais, a Mediawet torna impossível a tarefa dos primeiros: estes só podem difundir os seus programas se se encontrarem estabelecidos num Estado-membro que tenha decalcado a sua legislação da dos Países Baixos. A Comissão considera que uma vez assegurado que o sistema nacional reflecte adequadamente as correntes da sociedade neerlandesa sem contaminação publicitária e garante, assim, o pluralismo, qualquer programa estrangeiro, independentemente da publicidade nele contida, só pode enriquecer o pluralismo de que beneficia o público neerlandês. Nesta mesma lógica, a partir do momento em que a publicidade televisiva é admitida nos Países Baixos, deveria igualmente ser aberta a residentes de outros Estados-membros, sem que, além disso, se exija dos mesmos que renunciem a todo e qualquer lucro.
As condições relativas à publicidade seriam, quanto a elas, indistintamente aplicáveis. Deviam, assim, segundo a Comissão, ser justificadas por razões de interesse geral, como a de proteger o espectador ou o ouvinte dos excessos da publicidade. Ora, a Comissão sublinha que estas condições já não devem ser respeitadas quando a publicidade não se destine especialmente ao público neerlandês. Daí a Comissão infere que as mesmas não prosseguem outra finalidade que não seja proteger o mercado neerlandês da publicidade em benefício do sistema nacional de radiodifusão e contra a concorrência estrangeira.
Por último, a Comissão salienta as diferenças entre o presente processo e o que deu origem ao acórdão de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, atrás referido, invocado pelo Governo neerlandês. Esta jurisprudência é motivada pela preocupação de preservar a aplicabilidade de regras profissionais destinadas a proteger os destinatários do serviço. Destina-se a assegurar que um prestador de serviços estabelecido no estrangeiro não escape às regras impostas ao prestador estabelecido, por exemplo as regras de organização, de qualificação, de deontologia, de controlo e de responsabilidade. Não existiria qualquer preocupação deste tipo subjacente ao artigo 66.° da Mediawet. A proibição da Mediawet não se limita às hipóteses consideradas pelo Tribunal. Além disso, o acórdão Van Binsbergen, atrás referido, dizia respeito a um prestador de serviços estabelecido num Estado-membro e cuja actividade era «integral ou principalmente virada para o território de outro Estado-membro». Não seria aqui essa a situação: os emissores estrangeiros não têm por finalidade essencial obter favores do público neerlandês.
Sintetizando, a Comissão considera que os critérios visados no artigo 66.°, n.° 1, alínea b), da Mediawet são ou discriminatórios e não relevam da ordem pública, ou isentos de caracter discriminatório, mas não justificáveis face ao interesse geral. A Comissão adianta que as condições da Mediawet têm por única finalidade fechar o mercado neerlandês da publicidade audiovisual à concorrência estrangeira. A protecção de um objectivo cultural não pode passar por tal meio proteccionista.
O Reino dos Países Baixos defende que o pedido não deve ser satisfeito.
Começa por comparar a Mediawet com a legislação que a precedeu, a Kabelregeling.
Observa, em primeiro lugar, que a Mediawet manteve os princípios fundamentais do sistema neerlandês de radiodifusão que, tal como a imprensa escrita diária, é o garante da liberdade de expressão e da identidade cultural neerlandesa. Explica que a política neerlandesa tem por finalidade permitir às diferentes correntes sociais, culturais, religiosas e espirituais existentes nos Países Baixos exprimir-se. Este sistema opõe-se a que o acesso aos meios de comunicação seja função de considerações comerciais. É com este objectivo que a Mediawet impõe aos organismos de radiodifusão condições específicas (número de membros, programas oferecidos, proibição de publicidade...).
No que diz respeito à transmissão de programas de radiodifusão estrangeiros e à utilização das redes de teledistribuição, o Governo neerlandês menciona diferenças entre a Mediawet e a Kabelregeling. Diferentemente da Kabelregeling, a Mediawet não prevê qualquer proibição de legendagem. Abandonou igualmente a proibição absoluta de difusão de programas com publicidade dirigindo-se especialmente ao público neerlandês. Autoriza a partir de agora os exploradores de redes de teledistribuição a transmitir programas publicitários deste tipo, desde que estejam preenchidas as condições previstas no artigo 66.° da Mediawet. Estas condições destinam-se a garantir os objectivos do sistema neerlandês: reconduzem-se a impor aos emissores estrangeiros as exigências mais essenciais do sistema neerlandês.
O Governo neerlandês observa que as prescrições do artigo 66.°, n.° 1, alínea b), segunda frase, da Mediawet também se aplicam aos organismos neerlandeses de radiodifusão. Sublinha que estes organismos estão, além disso, sujeitos a condições de obtenção de tempo de emissão e de composição de programas que não são impostas aos organismos estrangeiros.
Consequentemente, contesta que as condições cumulativas previstas por este artigo possam conduzir, na prática, ao mesmo resultado que uma proibição absoluta imposta aos emissores estrangeiros de transmitirem programas destinados ao público neerlandês. Em apoio do seu ponto de vista, salienta que um programa de televisão comercial, RTL Véronique, e dois programas de rádios comerciais, Radio 10 e Sky Radio, que emanam de emissores estrangeiros, satisfazem as exigências do artigo 66.° e são transmitidos sem restrição através de cabo nos Países Baixos.
Examina, em seguida, cada uma das condições previstas na Mediawet.
No que diz respeito à primeira exigência — que as mensagens publicitárias sejam produzidas por uma pessoa colectiva distinta do produtor de programas —, o Governo neerlandês alega que a mesma visa impedir que os produtores de publicidade influenciem o conteúdo dos programas. No sistema nacional, este objectivo estaria na base da separação efectuada entre as organizações de radiodifusão e a STER. O Governo neerlandês não exige que esta distinção seja prevista pela legislação em vigor no Estado-membro de emissão. Basta que, na empresa de radiodifusão em causa, o serviço de redacção e o que vende tempo de emissão para a publicidade sejam juridicamente distintos.
Quanto à segunda exigência — que as mensagens publicitárias devem ser facilmente reconhecíveis enquanto tais e bem distintas de outras partes do programa —, o Governo neerlandês salienta que a mesma se encontra nos artigos 10.° e 11.° da Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23) e nos artigos 13.° e 14.° da convenção do Conselho da Europa sobre a televisão transfronteiras. Do mesmo modo, a proibição de difusão de mensagens publicitárias ao domingo é reconhecida como uma exigência objectiva pelo Tribunal no acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders, atrás referido, n.° 37.
Também a terceira exigência, relativa à percentagem máxima de tempo de emissão reservado à publicidade, é uma exigência objectiva mencionada expressamente pelo Tribunal no acórdão Bond van Adverteerders, atrás referido, n.° 37.
A quarta exigência — que os emissores estrangeiros não realizem lucros para terceiros — destina-se a garantir o carácter não comercial da radiodifusão. Impede, com efeito, que sejam desviadas quantias que devem ser afectadas ao funcionamento da radiodifusão. O Governo neerlandês afirma que esta exigência não diz respeito «à realização de lucros normais por terceiros».
Por último, no que diz respeito à condição ligada à afectação das receitas publicitárias, o Governo neerlandês declara que a mesma tem por objectivo «proporcionar aos emissores estrangeiros condições pelo menos análogas às que existem para o sistema neerlandês». No sistema nacional, a maior parte das receitas de publicidade da STER cobre as despesas de funcionamento da radiodifusão e a parte restante serve para apoiar a imprensa escrita. Uma vez que esta afectação só é imposta no sistema nacional dos Países Baixos, os emissores estrangeiros encontrar--se-iam mesmo na realidade beneficiados.
O Governo neerlandês recorda que o Tribunal considerou que, em razão da natureza especial de certas prestações de serviços, como a emissão de mensagens televisivas, exigências específicas justificadas pelo interesse geral são compatíveis com o Tratado, desde que se imponham do mesmo modo a qualquer pessoa ou empresa estabelecida no território do Estado-membro de recepção (acórdão de 18 de Março de 1980, Debauve, atrás referido).
Os Estados-membros dispõem, além disso, de um amplo poder com vista a apreciar não só o que é indispensável ou desejável no interesse geral, mas igualmente os meios mais adequados a servir o interesse geral. Segundo o Governo neerlandês, o interesse geral exige a manutenção de um sistema de radiodifusão pluralista e sem carácter comercial.
Este Governo acrescenta que, segundo jurisprudência constante do Tribunal, um Estado-membro tem o direito de tomar medidas com vista a impedir que a liberdade garantida pelo artigo 59.° do Tratado CEE seja utilizada por um prestador cuja actividade esteja total ou principalmente virada para o seu território, e que procure subtrair-se às regras específicas que lhe seriam aplicáveis se estivesse estabelecido no território deste Estado (acórdãos de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, atrás referido; de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha, atrás referido; de 27 de Setembro de 1989, Van de Bijl, 130/88, Colect., p. 3039).
No entanto, termina acrescentando que tenciona alterar o artigo 66.° da Mediawet para deixar de impor exigências especiais aos emissores estrangeiros que incluam nos seus programas mensagens publicitárias especialmente destinadas ao público neerlandês. Acrescenta todavia que este projecto não é inspirado pelo sentimento de que o artigo 66.° actual da Mediawet é contrário ao Tratado CEE.
IV — Questão colocada pelo Tribunal ao Governo neerlandês
Em resposta ao pedido do Tribunal, o Governo neerlandês transmitiu-lhe o projecto de lei sobre a radiodifusão comercial que foi apresentado no parlamento neerlandês em 18 de Maio de 1990.
No que diz respeito à fase em que se encontra este projecto, o Governo neerlandês introduziu as precisões que se encontram mencionadas no relatório para audiência relativo ao processo Stichting Collectieve Antennevoorziening Gouda (C-228/89).
R. Joliét
Juiz relator
( *1 ) Língua do processo: neerlandês.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
25 de Julho de 1991 ( *1 )
No processo C-353/89,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Giuliano Marenco e René Barents, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
demandante,
contra
Reino dos Países Baixos, representado por A. Bos e J. W. de Zwaan, respectivamente consultor jurídico e consultor jurídico adjunto do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada dos Países Baixos, 5, rue C. M. Spoo,
demandado,
que tem por objecto um pedido destinado a obter a declaração de que, ao reservar a uma empresa neerlandesa a totalidade ou parte das encomendas emanando dos organismos nacionais neerlandeses de radiodifusão, e ao restringir a retransmissão nos Países Baixos dos programas de outros Estados-membros com publicidade especialmente destinada ao público neerlandês, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado CEE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, exercendo funções de presidente, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,
advogado-geral : G. Tesauro
secretário: J.-G. Giraud
visto o relatório para audiencia,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 21 de Fevereiro de 1991, durante a qual o Governo neerlandês foi representado por J. W. de Zwaan e T. Heukels, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Abril de 1991,
profere o presente
Acórdão
1 |
Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal em 17 de Novembro de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao reservar a uma empresa neerlandesa a totalidade ou parte das encomendas emanando dos organismos nacionais neerlandeses de radiodifusão, e ao restringir a retransmissão nos Países Baixos dos programas de outros Estados-membros com publicidade especialmente destinada ao público neerlandês, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado CEE. |
2 |
A Comissão impugna duas medidas independentes uma da outra: a primeira diz respeito à obrigação que impende sobre os organismos nacionais de radiodifusão estabelecidos nos Países Baixos de mandarem realizar a totalidade ou parte dos seus programas por uma empresa neerlandesa; a segunda refere-se às condições de transmissão por cabo de programas provenientes de outros Estados-membros, quando estes programas contêm publicidade destinada especialmente ao público neerlandês. Estas duas medidas constam da lei neerlandesa de 21 de Abril de 1987, que regula o fornecimento de programas de radiodifusão e de televisão, as taxas de radiotelevisão e as medidas de auxílio aos órgãos de imprensa (Stbl. n.° 249 de 4.6.1987, a seguir «Mediawet»). |
3 |
A Mediawet pretende criar um sistema de radiodifusão e de televisão de caracter pluralista e não comercial. Por força dos artigos 31.° e 34.° desta lei, o tempo de emissão disponível para a difusão de programas na rede nacional de rádio ou de televisão é atribuído pela instituição encarregue da fiscalização da aplicação da Mediawet, o Commissariaat voor de Media, nomeadamente a organismos de radiodifusão, que são associações de ouvintes ou de telespectadores, com personalidade jurídica e representando as grandes correntes de opinião da sociedade neerlandesa. |
4 |
Estes organismos têm, em princípio, inteira liberdade de realizar eles mesmos emissões. Todavia, têm a obrigação, menos onerosa no caso da televisão do que no da rádio, de recorrer aos meios técnicos (estúdios de gravação, oficinas de cenografia, técnicos...) de uma sociedade anónima de direito neerlandês, o Nederlandse Omroepproduktie Bedrijf (a seguir «Bedrijf»). |
5 |
Esta obrigação figura no artigo 61.° da Mediawet. Este prevê: «A fim de assegurar a manutenção dos meios de produção, os organismos que tiverem obtido tempo de emissão na rede nacional devem despender todos os anos junto do Bedrijf a totalidade dos montantes colocados à sua disposição em aplicação dos artigos 101.° e 102.° no que diz respeito à realização de programas de rádio, e uma percentagem fixada por decreto no que diz respeito à realização de programas de televisão.» |
6 |
Os artigos 101.° e 102.° referidos nesta disposição visam essencialmente as taxas de radiotelevisão a cargo dos ouvintes ou dos telespectadores, e que o Commissariaat voor de Media coloca à disposição dos organismos de radiodifusão. |
7 |
O artigo 154.° da Mediawet especifica, além disso, que, no que diz respeito à televisão, a percentagem visada no artigo 61.° é fixada em 75%. |
8 |
A segunda das medidas impugnadas pela Comissão figura no artigo 66.° da Mediawet. Este artigo diz respeito à transmissão, nos Países Baixos, através da teledistribuição, de programas de rádio ou de televisão emitidos a partir do estrangeiro. Dispõe o seguinte:
|
9 |
O artigo 55.°, n.° 1, que é referido nesta disposição prevê que em princípio «os organismos que obtiveram tempo de emissão não podem ser utilizados para permitir a realização de lucros por terceiros...». |
10 |
Para mais ampla exposição dos factos do litígio, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo só serão adiante retomados na medida do necessário à fundamentação da decisão do Tribunal. |
Quanto ao âmbito de aplicação do artigo 59.° do Tratado
11 |
A Comissão considera que as duas medidas adoptadas pelo Reino dos Países Baixos violam o princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 59.° do Tratado. O Governo neerlandês alega, por seu lado, que estas medidas são inteiramente justificadas. |
12 |
Dado que a discussão incide, portanto, sobre o âmbito de aplicação deste artigo, convém definir o seu alcance e os seus limites. |
13 |
O artigo 59.° dispõe, no seu primeiro parágrafo, que as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão progressivamente suprimidas, durante o período de transição, em relação aos nacionais dos Estados-membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação. |
14 |
A este respeito, resulta de uma jurisprudência constante (ver, em último lugar, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, n.° 12, C-154/89, Colect., p. I-659; Comissão/Itália, n.° 15, C-180/89, Colect., p. I-709; e Comissão//Grécia, n.° 16, C-198/89, Colect., p. I-727) que o artigo 59.° do Tratado implica, em primeiro lugar, a eliminação de toda e qualquer discriminação do prestador em razão da sua nacionalidade ou com fundamento no facto de se encontrar estabelecido num Estado-membro diferente daquele em que a prestação é efectuada. |
15 |
Tal como o Tribunal o salientou no seu acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders, n.os 32 e 33 (352/85, Colect., p. 2085), regulamentações nacionais, não indistintamente aplicáveis às prestações de serviços independentemente da sua origem, apenas estarão em conformidade com o direito comunitário se puderem ser abrangidas por uma disposição derrogatória expressa, como o artigo 56.° do Tratado. Deste acórdão (n.° 34), decorre ainda que os objectivos de natureza económica não podem constituir razões de ordem pública no sentido deste artigo. |
16 |
Na ausência de harmonização das regras aplicáveis aos serviços, ou de um regime de equivalência, entraves à liberdade garantida pelo Tratado neste domínio podem, em segundo lugar, resultar da aplicação de regulamentações nacionais, que afectam qualquer pessoa estabelecida no território nacional, a prestadores estabelecidos no território de outro Estado-membro, que devem já satisfazer as exigências da legislação deste Estado. |
17 |
Tal como decorre de uma jurisprudência constante (ver, em último lugar, os acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, atrás referido, n.° 15; Comissão/Itália, atrás referido, n.° 18; Comissão/Grécia, atrás referido, n.° 18), tais entraves são abrangidos pelo artigo 59.° desde que a aplicação da legislação nacional aos prestadores estrangeiros não seja justificada por razões imperiosas de interesse geral ou que as exigências dessa legislação sejam já satisfeitas pelas regras impostas a estes prestadores no Estado-membro em que se encontram estabelecidos. |
18 |
A este respeito, figuram entre as razões imperiosas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal as regras profissionais destinadas a proteger os destinatários do serviço (acórdão de 18 de Janeiro de 1979, Van Wesemael, n.° 28, 110/78 e 111/78, Recueil, p. 35), a protecção da propriedade intelectual (acórdão de 18 de Março de 1980, Coditei, 62/79, Recueil, p. 881), a dos trabalhadores (acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb, n.° 19, 279/80, Recueil, p. 3305; acórdão de 3 de Fevereiro de 1982, Seco/EVI, n.° 14, 62/81 e 63/81, Recueil, p. 223; acórdão de 27 de Março de 1990, Rush Portuguesa, n.° 18, C-113/89, Colect., p. I-1417), a dos consumidores (acórdãos de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/França, n.° 20, 220/83, Colect., p. 3663; Comissão/Dinamarca, n.° 20, 252/83, Colect., p. 3713; Comissão/Alemanha, n.° 30, 205/84, Colect., p. 3755; Comissão/Irlanda, n.° 20, 206/84, Colect., p. 3817; acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, atrás refendo, n.° 20; Comissão/Grécia, atrás referido, n.° 21), a conservação do património histórico e artístico nacional (acórdão de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, atrás referido, n.° 20), a valorização das riquezas arqueológicas, históricas e artísticas e a melhor difusão possível dos conhecimentos relativos ao património artístico e cultural de um país (acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, atrás referido, n.° 17, e Comissão/Grécia, atrás referido, n.° 21). |
19 |
Por último, segundo uma jurisprudência constante, a aplicação das regulamentações nacionais aos prestadores estabelecidos noutros Estados-membros deve ser destinada a garantir a realização do objectivo por elas visado e não ultrapassar o que é necessário para que o mesmo seja alcançado; noutros termos, é necessário que o mesmo resultado não possa ser obtido através de normas menos restritivas (ver, em último lugar, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, atrás referido, n.os 14 e 15; Comissão/Itália, atrás referido, n.os 17 e 18; Comissão/Grécia, atrás referido, n.os 18 e 19). |
20 |
E à luz dos princípios assim recordados que convém examinar, em primeiro lugar, a obrigação imposta pelo artigo 61.° da Mediawet aos organismos nacionais de radiodifusão de recorrerem aos meios técnicos do Bedrijf para a realização dos seus programas de radiodifusão ou de televisão e, em segundo lugar, as condições impostas pelo artigo 66.° da Mediawet à transmissão nos Países Baixos de mensagens publicitárias contidas em programas de rádio ou de televisão emitidos a partir de outros Estados-membros. |
Quanto à obrigação, absoluta ou parcial, de recorrer aos meios técnicos do Bedrijf para a realização de programas de radiodifusão ou de televisão
21 |
A Comissão critica o artigo 61.° da Mediawet alegando que o mesmo impede as empresas estabelecidas nos outros Estados-membros de fornecerem os seus serviços para a realização de programas radiofónicos aos organismos nacionais de radiodifusão estabelecidos nos Países Baixos, e reduz a 25% as suas possibilidades de prestarem serviços a estes mesmos organismos para a produção de programas televisivos. |
22 |
Convém sublinhar de imediato que o sistema criado pelo artigo 61.° da Mediawet conduz efectivamente a uma restrição à livre prestação de serviços na Comunidade na acepção do artigo 59.° do Tratado. |
23 |
Com efeito, a obrigação imposta a todos os organismos nacionais de radiodifusão estabelecidos num Estado-membro de recorrerem, no todo ou em parte, aos meios técnicos oferecidos por uma empresa nacional, impede estes organismos ou limita, de qualquer modo, as suas possibilidades de utilizarem os serviços das empresas estabelecidas noutros Estados-membros. Tem, portanto, um efeito protector em favor de uma empresa de serviços estabelecida no território nacional e desfavorece, na mesma medida, as empresas do mesmo tipo estabelecidas noutros Estados-membros. |
24 |
O Governo neerlandês alega que este regime preferencial produz os seus efeitos restritivos na mesma medida em relação a empresas de serviços, que não o Bedrijf, estabelecidas nos Países Baixos, e em relação a empresas estabelecidas nos outros Estados-membros. |
25 |
Esta circunstância não é, de qualquer modo, susceptível de excluir o regime preferencial de que beneficia o Bedrijf do âmbito de aplicação do artigo 59.° do Tratado. Aliás, não é necessário que todas as empresas de um Estado-membro sejam beneficiadas em relação às empresas estrangeiras. Basta que o regime preferencial existente beneficie um prestador nacional. |
26 |
O Governo neerlandês alega igualmente que é necessário garantir uma transição harmoniosa entre o sistema de radiodifusão anterior, em que os meios técnicos necessários para a realização de programas pertenciam ao sector público, e a introdução de um regime de concorrência. Com efeito, segundo o Governo neerlandês, era necessário, em primeiro lugar, preservar as realizações culturais do período anterior e, em segundo lugar, evitar a falência do Bedrijf e despedimentos em massa. Na audiência, no entanto, este Governo anunciou que a obrigação em causa tinha sido suprimida a partir de 1 de Janeiro de 1991 no que diz respeito à realização dos programas de televisão e que o seria a partir de 1 de Janeiro de 1992 no que diz respeito à realização dos programas de rádio. |
27 |
Quanto ao argumento baseado na necessidade de assegurar progressivamente um regime de concorrência, deve recordar-se que o período transitório previsto pelo Tratado terminou em 31 de Dezembro de 1969 e que os imperativos do artigo 59.° do Tratado se tornaram de aplicação directa e incondicional no termo deste período (ver acórdão de 18 de Janeiro de 1979, Van Wesemael, atrás referido, n.° 26). Deste modo, um legislador nacional não está autorizado a introduzir novos prazos. |
28 |
No que diz respeito às adaptações recentes do regime preferencial criticado, as mesmas não são susceptíveis de modificar as apreciações que precedem. Por um lado, subsiste a obrigação no que diz respeito à realização de programas de rádio. Por outro, é jurisprudência constante (ver, em último lugar, acórdãos de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha, n.° 31, C-361/88, Colect., p. I-2567; e Comissão/Alemanha, n.° 35, C-59/89, Colect., p. I-2607) que o objecto de uma acção intentada nos termos do artigo 169.° do Tratado é fixado pelo parecer fundamentado da Comissão e que, mesmo na hipótese de o incumprimento ter sido sanado posteriormente ao prazo fixado por força do segundo parágrafo do referido artigo, continua a haver interesse no prosseguimento da acção, a fim de provar o facto gerador da responsabilidade em que um Estado-membro pode incorrer, devido ao seu incumprimento, perante outros Estados-membros, a Comunidade ou particulares. |
29 |
O Governo neerlandês alega ainda que as excepções ao artigo 59.° são legítimas quando tenham a sua justificação no interesse geral. Afirma a este respeito que estas restrições são justificadas pelos imperativos relacionados com a política cultural que criou no sector audiovisual. Explica que a mesma tem por objectivo proteger a liberdade de expressão das diferentes componentes, nomeadamente sociais, culturais, religiosas ou filosóficas existentes nos Países Baixos, como a mesma deve poder manifestar-se na imprensa, na rádio ou na televisão. Recorda que o Bedrijf, ao colocar meios técnicos à disposição dos diversos organismos nacionais de radiodifusão, permite a manutenção do estatuto pluralista e não comercial do audiovisual neerlandês. Acrescenta que o Bedrijf desempenha igualmente tarefas culturais, como a gestão de uma fonoteca, a conservação de arquivos de filmes ou a direcção de uma orquestra ou de coros. Ora, razões de política cultural, como essas, deviam ser classificadas entre as considerações de interesse geral que podem justificar medidas restritivas, mesmo que estas últimas sejam de natureza económica. |
30 |
Entendida neste sentido, uma política cultural pode certamente constituir uma razão imperiosa de interesse geral justificando uma restrição à livre prestação de serviços. Com efeito, a manutenção do pluralismo que esta política neerlandesa pretende garantir está ligada à liberdade de expressão, como é protegida pelo artigo 10.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que figura entre os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica comunitária (acórdão de 14 de Maio de 1974, Nold, n.° 13, 4/73, Recueil, p. 491). |
31 |
Todavia, ao obrigar os organismos nacionais de radiodifusão que representam as componentes sociais, culturais, religiosas ou filosóficas da sociedade neerlandesa a mandarem realizar, no todo ou em parte, as suas emissões por uma empresa nacional, o Reino dos Países Baixos vai para além da finalidade que prossegue, a saber, a protecção da liberdade de expressão. Com efeito, o pluralismo no sector audiovisual de um Estado-membro não pode de modo algum ser afectado pela possibilidade dada aos diversos organismos nacionais de radiodifusão de se dirigirem aos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-membros. Como a Comissão assinalou acertadamente, se esses organismos de radiodifusão têm realmente interesse em dirigir-se ao Bedrijf, não é necessário impor-lhes a obrigação. |
32 |
Aliás, como o próprio Governo neerlandês reconhece, as tarefas culturais desempenhadas pelo Bedrijf são financiadas integralmente pelo Estado. São, assim, alheias à obrigação imposta aos organismos de radiodifusão de gastarem a totalidade ou parte dos seus meios financeiros junto do Bedrijf e não podem portanto justificá-la. |
33 |
O Governo neerlandês referiu-se em seguida ao artigo 90.° do Tratado. Desta disposição, deduz que os Estados-membros podem, no seu território, subtrair certas actividades económicas à livre concorrência. No âmbito do sistema audiovisual neerlandês, tal monopólio seria justificado pelas razões de interesse geral já mencionadas, a saber, a manutenção do pluralismo nos meios de comunicação, o interesse dos organismos nacionais de radiodifusão em terem acesso a meios técnicos de qualidade e a prossecução pelo Bedrijf de tarefas culturais não rentáveis. |
34 |
A este propósito, basta notar que resulta do acórdão de 19 de Março de 1991, França/Comissão, n.° 22 (C-202/88, Colect., p. I-1223), que mesmo que o artigo 90.° do Tratado pressuponha a existência de empresas titulares de certos direitos especiais ou exclusivos, daí não resulta que todos os direitos especiais e exclusivos sejam necessariamente compatíveis com o Tratado. Isso depende das diferentes regras para que o n.° 1 do artigo 90.° remete. |
35 |
Daqui decorre que saber se um Estado-membro pode subtrair determinadas prestações de serviços à livre concorrência se reconduz a determinar se as restrições à livre prestação de serviços, que assim seriam criadas, podem ser justificadas pelas razões de interesse geral atrás evocadas (n.os 17 e 18). |
36 |
Ora, como foi dito anteriormente (n.os 31 e 32), não existe qualquer razão de interesse geral que justifique, no caso concreto, o regime privilegiado que as autoridades neerlandesas concederam ao Bedrijf. |
37 |
Deve assim verificar-se que, ao obrigar os organismos que obtiveram tempo de emissão na rede nacional de radiodifusão a despender junto do Bedrijf a totalidade dos montantes colocados à sua disposição no que diz respeito à realização dos programas de rádio e uma percentagem fixada por decreto no que diz respeito à realização dos programas de televisão, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado. |
Quanto às condições impostas à transmissão nos Países Baixos de mensagens publicitárias contidas em programas de rádio ou de televisão emitidos a partir de outros Estados-membros
38 |
No que diz respeito às condições impostas pelo artigo 66.°, n.° 1, alínea b), segunda frase, da Mediawet, quanto à transmissão nos Países Baixos de mensagens publicitárias constantes de programas de radiotelevisão emitidos a partir do estrangeiro, convém verificar-se à partida que tais condições comportam uma dupla restrição à livre prestação de serviços. Por um lado, impedem os exploradores de redes de teledistribuição estabelecidos num Estado-membro de transmitir programas de rádio ou de televisão oferecidos por emissores estabelecidos noutros Estados-membros, que não satisfaçam essas condições. Por outro, limitam as possibilidades que têm estes emissores de programar em benefício de publicitários estabelecidos nomeadamente no Estado de recepção mensagens destinadas especialmente ao público deste Estado. |
39 |
Tal como a Comissão salientou acertadamente, as condições que são exigidas pelo artigo 66.° da Mediawet pertencem a duas categorias diversas. Existem em primeiro lugar condições relativas à estrutura dos emissores: estes devem confiar a publicidade a uma pessoa colectiva independente dos fornecedores de programas; devem afectar integralmente as suas receitas publicitárias à produção de programas; não podem permitir a terceiros realizar lucros. Há em seguida condições que se referem à própria publicidade: esta deve ser claramente identificada enquanto tal e separada das outras partes do programa; esta não pode ultrapassar 5% do tempo de emissão; não deve ser difundida ao domingo. Cabe, portanto, examinar separadamente estas condições. |
A — No que diz respeito às condições relativas à estrutura dos organismos de radiodifusão estabelecidos noutros Estados-membros
40 |
Quanto às condições relativas às estruturas dos organismos de radiodifusão estabelecidos noutros Estados-membros, o Governo neerlandês explica que elas são idênticas às que devem satisfazer os organismos neerlandeses de radiodifusão. Assim, a exigência segundo a qual as mensagens publicitárias devem ser produzidas por uma pessoa colectiva distinta dos produtores de programas corresponde à proibição feita pela Mediawet aos organismos nacionais de emitirem publicidade comercial, sendo a difusão da mesma reservada à fundação para a publicidade televisiva, a «Stichting Etherreclame» (a seguir «STER»). A obrigação imposta aos emissores de outros Estados-membros de não realização de lucros por terceiros destinar-se-ia a garantir o caracter não comercial da radiodifusão, carácter que a Mediawet visa manter para os organismos nacionais de radiodifusão. Por último, a exigência relacionada com a afectação das receitas publicitárias, que devem ser reservadas à produção de programas, teria por finalidade proporcionar aos emissores de outros Estados-membros meios pelo menos equivalentes aos que existem no sistema nacional, onde a maior parte das receitas de publicidade da STER cobre as despesas de funcionamento da rádio e da televisão. |
41 |
O Governo neerlandês justifica estas restrições alegando que as mesmas têm por objectivo evitar uma preponderância excessiva dos publicitários na elaboração dos programas, que poderia pôr em perigo a política cultural que instituiu no sector audiovisual. |
42 |
Convém no entanto verificar que não existe relação necessária entre tal política cultural e as condições relativas à estrutura dos organismos de radiodifusão estrangeiros. Com vista a assegurar o pluralismo no sector audiovisual, não é de modo algum indispensável, com efeito, que a legislação nacional imponha aos organismos de radiodifusão estabelecidos noutros Estados-membros que se alinhem pelo modelo neerlandês, se pretenderem difundir programas com mensagens publicitárias destinadas ao público neerlandês. Para garantir o pluralismo que deseja manter, o Governo neerlandês pode muito bem limitar-se a elaborar o estatuto dos seus próprios organismos de modo adequado. |
43 |
Condições relacionadas com a estrutura dos organismos de radiodifusão estrangeiros não podem portanto ser consideradas objectivamente necessárias com vista a garantir o interesse geral que constitui a manutenção de um sistema nacional de rádio e de televisão que garanta o pluralismo. |
B — No que diz respeito às condições relativas às mensagens publicitárias
44 |
Segundo o Governo neerlandês, e contrariamente ao ponto de vista defendido pela Comissão, nem a proibição de transmitir mensagens publicitárias certos dias, nem a limitação da sua duração, nem a obrigação de as identificar enquanto tais e de as separar das outras partes dos programas têm carácter discriminatorio. Os serviços prestados pela STER estariam sujeitos às mesmas restrições. O Governo neerlandês referiu-se, a este respeito, ao artigo 39.° da Mediawet. Deste texto resulta que o Commissariaat voor de Media atribui à STER tempo de emissão disponível na rede nacional, e que esta atribuição deve ser feita de tal modo que os programas dos organismos nacionais de radiodifusão não sejam interrompidos. Por fim, segundo o mesmo artigo, aos domingos não é atribuído qualquer tempo de emissão. |
45 |
A este respeito, deve sublinhar-se em primeiro lugar que podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral restrições à emissão de mensagens publicitárias, tal como a proibição de publicidade para certos produtos ou certos dias, a limitação da duração ou da frequência das mensagens, ou restrições que têm por finalidade permitir aos ouvintes ou aos telespectadores não confundir a publicidade comercial com outras partes do programa. Tais restrições podem, com efeito, ser impostas para proteger os consumidores contra os excessos da publicidade comercial ou, com um objectivo de política cultural, para manter uma certa qualidade dos programas. |
46 |
Convém em seguida salientar que as restrições em causa só dizem respeito ao mercado das mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público neerlandês. Este mercado era igualmente o único visado pela proibição de publicidade contida na Kabelregeling, que deu origem às questões prejudiciais no âmbito do processo Bond van Adverteerders (ver acórdão de 26 de Abril de 1988, já refendo). Mesmo que as mensagens publicitárias digam respeito a produtos que podem ser consumidos nos Países Baixos, as restrições só produzem os seus efeitos quando as mensagens acompanhem programas em neerlandês ou legendados em neerlandês. Além disso, estas restrições podem ser levantadas no que diz respeito aos programas em neerlandês que são emitidos na Bélgica com destino ao público belga de língua neerlandesa. |
47 |
Diferentemente da Kabelregeling, as disposições da Mediawet aqui visadas deixaram de reservar à STER a totalidade das receitas provenientes das mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público neerlandês. Todavia, ao regulamentar a transmissão destas mensagens, restringem a concorrência com a qual a STER pode ser confrontada, neste mercado, por parte dos organismos de radiodifusão estrangeiros. Conduzem assim, embora em menor medida do que na Kabelregeling, a proteger as receitas da STER e prosseguem portanto o mesmo objectivo que a regulamentação anterior. Ora, tal como foi decidido no acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders (atrás referido, n.° 34), este objectivo não pode justificar as restrições à livre prestação de serviços. |
48 |
Deve pois declarar-se que, ao proibir aos exploradores de redes de teledistribuição estabelecidos no seu território a transmissão de programas de rádio ou de televisão que contenham mensagens publicitárias destinadas em especial ao público neerlandês e emitidos por um organismo de radiodifusão estabelecido no território de outro Estado-membro, quando não sejam preenchidas determinadas condições relativas à estrutura desses organismos ou respeitantes às mensagens publicitárias contidas nos seus programas e destinadas ao público neerlandês, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado CEE. |
Quanto às despesas
49 |
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2 do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo o demandado sido vencido, há que condená-lo nas despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA declara: |
|
|
Mancini O'Higgins Moitinho de Almeida Rodríguez Iglesias Diez de Velasco Slynn Kakouris Joliét Schockweiler Grévisse Zuleeg Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 25 de Julho de 1991. O secretario J.-G. Giraud O presidente em exercício G. F. Mancini Presidente de secção |
( *1 ) Língua do processo: neerlandês.