Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61989CJ0281

    Acórdão do Tribunal de 19 de Fevereiro de 1991.
    República Italiana contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Apuramento das contas FEOGA - Ano financeiro de 1986 - Despesas de coloração de cereais.
    Processo C-281/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-00347

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:59

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-281/89 ( *1 )

    I — Matéria de facto e tramitação do processo

    1. Enquadramento jurídico

    a) Sistema de financiamento da política agrícola comum

    1.

    O Regulamento (CEE) n.° 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, regula o financiamento da política agrícola comum (JO L 94 p. 13; EE 03 F3 p. 220). O seu artigo 1.° prevê que a Secção Garantia do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (a seguir designado por «FEOGA») financie as restituições à exportação para países terceiros e as intervenções destinadas à regularização dos mercados agrícolas. Estas intervenções são empreendidas, nos termos do artigo 3.° do regulamento, segundo as regras comunitárias no âmbito da organização comum dos mercados agrícolas.

    2.

    O artigo 4.° estabelece que os Estados-membros designarão os serviços e organismos competentes para pagar as despesas referidas no artigo 3.° As contas anuais destes serviços e organismos, que os Estados-membros transmitirão à Comissão, são apuradas por esta nos termos do artigo 5.°, n.° 2, alínea b). Os Estados-membros fornecem igualmente os documentos necessários a esse apuramento.

    3.

    Nos termos do artigo 9.°, os Estados-membros porão à disposição da Comissão todas as informações necessárias ao bom funcionamento do FEOGA. Além disso, os agentes da Comissão têm o direito de efectuar verificações locais no âmbito das quais têm acesso a todos os documentos que digam respeito às despesas financiadas pelo FEOGA.

    4.

    O Regulamento (CEE) n.° 1723/72 da Comissão, de 26 de Julho de 1972, relativo ao apuramento das contas da Secção Garantia do FEOGA (JO L 186, p. 1; EE 03 F6 p. 70), estabelece as modalidades segundo as quais as contas anuais devem ser transmitidas à Comissão, a fim de esta poder tomar a decisão de apuramento prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 729/70. O artigo 8.°, alínea a), do Regulamento n.° 1723/72 esclarece que esta decisão deve implicar a determinação do montante das despesas efectuadas em cada Estado-membro durante o ano em questão, atribuídas ao FEOGA, Secção Garantia.

    5.

    O Regulamento (CEE) n.° 1883/78 do Conselho, de 2 de Agosto de 1978QO L 216, p. 1; EE 03 F14 p. 245), estabelece as regras gerais sobre o financiamento das intervenções pelo FEOGA, Secção Garantia. O Regulamento (CEE) n.° 3247/81 do Conselho, de 9 de Novembro de 1981 (JO L 327, p. 1; EE 03 F23 p. 174), estabelece, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1883/78, certas regras e condições aplicáveis às contas anuais dos organismos de intervenção, e nomeadamente as ligadas a medidas de intervenção que consistem na compra, armazenagem e venda de produtos agrícolas pelos organismos de intervenção. O regulamento cita, no anexo I, os elementos a inscrever a débito (despesas) nas contas anuais e especifica na rubrica I, «despesas de operações materiais», as despesas que são expressas em montantes fixos.

    b) A coloração do trigo mole panificável

    6.

    O Regulamento (CEE) n.° 2727/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975QO L 281, p. 1; EE 03 F9 p. 13), estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais. No âmbito desta organização comum, o Conselho adoptou, em 17 de Maio de 1976, o Regulamento (CEE) n.° 1146/76, relativo às medidas particulares e especiais de intervenção no sector dos cereais QO L 130, p. 9; EE 3 FIO p. 96). Estas medidas dizem respeito aos cereais em relação aos quais existe, em determinadas regiões da Comunidade, um risco de apresentação em massa à intervenção.

    7.

    Em 1983, o Conselho considerou necessário adoptar medidas especiais devido a um aumento substancial das existências de trigo mole nos principais Estados-membros produtores e pelo facto de este aumento poder provocar, durante a colheita de 1983/1984, o bloqueamento dos mecanismos de intervenção nesses Estados. O Regulamento (CEE) n.° 1322/83 do Conselho, de 26 de Maio de 1983, relativo à transferência de 550000 toneladas de trigo mole panificável em posse dos organismos de intervenção francês e alemão QO L 138, p. 63), prevê, neste contexto, que determinadas quantidades de trigo mole apresentadas à intervenção em França e na Alemanha com vista à sua utilização na alimentação animal sejam transferidas para determinadas regiões deficitárias da Comunidade.

    8.

    O Regulamento (CEE) n.° 2794/83 da Comissão, de 6 de Outubro de 1983, relativo ao lançamento no mercado interno de 450000 toneladas de trigo mole panificável em posse do organismo de intervenção italiano, e que altera o Regulamento (CEE) n.° 1687/76 QO 1983, L 274, p. 18), especifica as modalidades da transferência e da colocação à venda em Itália. O seu artigo 5.°, segundo parágrafo, visa facilitar o controlo da utilização do trigo em questão na alimentação animal. Prevê para o efeito que «o organismo de intervenção em causa procederá a uma coloração que permita a identificação do produto. Esta coloração deve ser efectuada pelo mais baixo preço possível».

    2. Os factos

    9.

    O organismo de intervenção italiano (AIMA — Azienda di Stato per gli interventi nel mercato agricolo) avaliou em 6,15 ecus por tonelada as despesas ocasionadas pela operação de coloração imposta pelo Regulamento n.° 2794/83, tendo solicitado o seu reembolso pelo FEOGA (3682607099 LIT para a quantidade global).

    10.

    Numa reunião do Comité de Gestão «Cereais», em 15 de Dezembro de 1983, a Comissão comunicou à AIMA a sua intenção de efectuar um reembolso fixo das despesas efectuadas. Em 20 de Dezembro, a administração italiana dirigiu à Comissão um telex em que manifestava a sua oposição a tal reembolso. Noutros dois telexes, de 7 de Janeiro e de 5 de Outubro de 1984, forneceu à Comissão algumas informações relativamente à composição das despesas da coloração: tipo e custos do colorante utilizado, custos de diluição, despesas de equipamento e de passagem de certificados, despesas de retirada dos silos.

    11.

    A Comissão manteve no entanto o seu ponto de vista. De facto, decidiu, em 7 de Junho de 1985, efectuar reembolso fixo das despesas coloração, estabelecendo um montante de 1,17 ecus por cada tonelada de cereal tratada, calculado de acordo com o sistema em vigor para as despesas de armazenagem dos produtos de intervenção previsto no anexo I do Regulamento n.° 3247/81. O Governo italiano interpôs, no Tribunal de Justiça, recurso de anulação desta decisão, nos termos do artigo 173.° do Tratado CEE. O Tribunal de Justiça, em acórdão de 4 de Fevereiro de 1988 (256/85, Colect., p. 521), concedeu provimento ao recurso e anulou a decisão de 7 de Junho de 1985, na medida em que é aplicável à operação de coloração visada pelo Regulamento n.° 2794/83.

    12.

    A fim de dar cumprimento a este acórdão a Comissão convidou, em 15 de Abril de 1988, os Estados-membros interessados a comunicar-lhe as despesas realmente efectuadas com a coloração dos cereais durante os anos de 1983, 1984, 1985 e 1986, fornecendo igualmente as provas de que o método de coloração escolhido era o mais económico. Todos os Estados-membros responderam a este pedido, com excepção da Itália.

    13.

    Durante uma visita efectuada por funcionários comunitários à AIMA, em fins de Outubro de 1988, a Comissão conseguiu no entanto receber algumas informações por parte das autoridades italianas. Apurou-se que as operações de coloração tiveram lugar entre 26 de Outubro de 1983 e 6 de Outubro de 1986. Foram efectuadas, caso a caso, pelos responsáveis dos serviços de armazenagem, por conta da AIMA, e à medida que o produto saía do armazém para ser entregue aos adquirentes. O AIMA confiou o controlo destas operações individuais à Société general de surveillance de Genebra, que emitia para cada lote comercializado um certificado de coloração. O AIMA nunca contactou outras empresas para efectuar operações de coloração.

    14.

    Após ter recebido, em 26 de Novembro de 1988, algumas informações complementares por telex, a Comissão propôs, em nota de 19 de Janeiro de 1989, com base nas informações de que dispunha, colocar a cargo do FEOGA a despesa declarada pela Itália até ao montante de 1,17 ecus por tonelada, por falta de provas de que o método escolhido para a coloração tenha sido o mais económico possível. Apesar das objecções das autoridades italianas, a Comissão confirmou a sua posição em carta de 13 de Abril de 1989, especificando que a única disposição legislativa a invocar relativamente ao montante imputável ao FEOGA a título de operação de coloração de cereais é o artigo 5.° do Regulamento n.° 2794/83, que fixa um limite financeiro à despesa comunitária, correspondente ao método mais económico possível, e que impõe ao Estado-membro o ónus de provar que o método utilizado se mantém efectivamente dentro dos limites máximos autorizados. Esta atitude reflectiu-se por último na Decisão 89/418/CEE da Comissão, de 26 de Junho de 1989, que altera a Decisão 88/630/CEE, relativa ao apuramento das contas dos Esta-dos-membros a título de despesas financiadas pelo FEOGA, Secção Garantia, para o ano financeiro de 1986 (JO L 192, p. 33).

    II — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    15.

    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de Setembro de 1989, o Governo italiano interpôs o presente recurso da Decisão 89/418.

    16.

    Com base no relatório preliminar do juiz-relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal de Justiça decidiu dar início à fase oral sem instrução. Decidiu, no entanto, colocar as seguintes questões à Comissão das Comunidades Europeias:

    «1)

    Em que elementos de cálculo se baseou a Comissão para avaliar as despesas de coloração declaradas pela Itália em 1,17 ecus por tonelada?

    2)

    Em 15 de Abril de 1988, a Comissão convidou os Estados-membros a comunicar-lhe as despesas realmente efectuadas com a coloração dos cereais durante os anos financeiros de 1983, 1984, 1985 e 1986, bem como as provas de que o método de coloração escolhido era o mais econômico; que dados, que constituam designadamente um elemento de comparação dos preços, foram fornecidos pelos outros Estados-membros além da Itália, e nomeadamente pela França, na sequência deste convite?»

    17.

    O Governo italiano conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    anular a Decisão 89/418, no seu ponto 1.2 relativo às despesas de coloração dos cereais;

    condenar a Comissão nas despesas.

    18.

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    negar provimento ao recurso por não ter fundamento;

    condenar a recorrente nas despesas do processo.

    III — Fundamentos e argumentos das partes

    19.

    O Governo italiano invoca dois fundamentos em apoio da sua petição. Defende no primeiro que a Comissão violou o princípio da autoridade do caso julgado ao tomar a decisão impugnada. O acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 1988, que anulou parcialmente a decisão da Comissão de 7 de Junho de 1985, pôs termo definitivamente a este debate a propósito do reembolso das despesas de coloração. O facto de o décimo oitavo considerando deste acórdão esclarecer que o reembolso da despesa efectiva pressupõe que esta corresponda ao menor custo possível não pode relançar a discussão, dado que o nível das despesas declaradas pela Itália não constitui o objecto deste acórdão, precisamente porque não fora contestado pela Comissão. Esta não pode agora corrigir a sua omissão contestando a pertinência das despesas declaradas, dado que o princípio da autoridade do caso julgado cobre não apenas os fundamentos efectivamente invocados pelas partes, mas igualmente os argumentos que poderiam ter sido invocados mas não o foram.

    20.

    O segundo fundamento do Governo italiano diz respeito ao ónus da prova de que as despesas de coloração correspondem à solução mais económica. Observa a este respeito que a administração italiana forneceu à Comissão a prova de uma despesa efectiva, indicando os elementos de cálculo desta última, e que não tinha que fornecer outras provas. Considera, com efeito, que nenhuma disposição comunitária impõe a organização de um concurso público para as operações de coloração. Em seu entender, nada permite por outro lado, concluir que teria sido possível obter melhor preço através de tal processo. As análises de custos efectuadas pela administração italiana oferecem já, em seu entender, as garantias de eficácia necessárias.

    21.

    O Governo italiano esclarece, neste contexto, que a organização de um concurso público teria não apenas atrasado a entrega dos cereais aos adquirentes, mas, além disso, seria inútil. Os adjudicatários que efectuaram as operações de coloração tinham já sido reconhecidos como dignos de confiança e competentes pelo AIMA no mo-. mento em que este organismo lhes confiou as tarefas de armazenagem de cereais. Dado que todos esses adjudicatários recebiam uma compensação fixa pelos serviços prestados neste domínio, era lógico, de acordo com o Governo italiano, oferecer-lhes igualmente uma remuneração única para as operações de coloração.

    22.

    Não pode, por outro lado, alegar-se que o colorante utilizado teria sido mais económico se tivesse sido comprado de uma só vez pelo AIMA, em vez de o ser em separado pelos diferentes responsáveis da armazenagem. No entender daquele governo, não cabe ao AIMA, organismo de intervenção, adquirir este tipo de produto.

    23.

    Compete, neste circunstancialismo particular, à Comissão demonstrar em concreto, segundo o Governo italiano, por que razão as despesas declaradas não correspondem à solução mais económica possível e indicar de forma pertinente por que razão eram inaceitáveis. A simples invocação da situação existente noutros Estados-membros, nos quais as despesas de coloração eram inferiores, não constitui neste contexto uma explicação pertinente, dado que tal remissão não tem em conta as diferenças existentes entre os Estados-membros.

    24.

    A Comissão considera que o primeiro fundamento do Governo italiano é improcedente. A questão do caracter mínimo das despesas não foi suscitada nem analisada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 4 de Fevereiro de 1988. A questão em análise no presente litígio foi, aliás, em seu entender, deixada claramente em aberto no n.° 18 da fundamentação do acórdão.

    25.

    O segundo fundamento é, segundo a Comissão, igualmente improcedente. O artigo 5.° do Regulamento n.° 2794/83 impõe uma obrigação de resultado precisa: a coloração deve ser efectuada da forma mais econòmica possível. Se é certo que esta disposição não impõe aos Estados-membros a organização de um concurso público, não é menos certo que o resultado prescrito implica necessariamente o dever de proceder a comparações para atingir esse resultado. Ora, é evidente que as autoridades italianas não respeitaram este dever de comparação, não tendo assim as operações de coloração sido efectuadas em conformidade com as regras comunitárias. A Comissão salienta que, numa situação irregular deste tipo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 24 de Março de 1988, Reino Unido/Comissão, 347/85, Colect., p. 1749) permite-lhe recusar pura e simplesmente qualquer reembolso. No caso em apreço, afirma, no entanto, ter preferido, por razões de equidade, ter em conta a despesa que resultaria de um modo de execução mais eficaz. Em tais circunstâncias, cabe ao Estado-membro interessado provar quer que as condições de reembolso se encontravam mesmo assim preenchidas quer que a despesa avaliada pela Comissão era injusta.

    26.

    No caso presente, as autoridades italianas não provaram fosse o que fosse a este respeito. A Comissão considera, por outro lado, que a forma de actuação destas foi talvez a mais fácil, mas de modo algum a mais económica. As despesas de coloração declaradas pela Itália são, na verdade, 34 vezes mais elevadas que as declaradas pela Irlanda, o Estado-membro mais barato. Se a Itália tivesse feito jogar a concorrência, as despesas podiam ter sido limitadas. Considera, neste contexto, pouco convincente a alegação de que a organização de um concurso público teria inutilmente atrasado a entrega dos cereais aos adquirentes, dado que as entregas se efectuaram ao longo de um período de quase três anos.

    IV — Respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça

    1. Resposta à primeira questão

    27.

    A Comissão teve em conta, na avaliação das despesas de coloração declaradas pela Itália, o montante fixo por ela estabelecido num primeiro momento. O cálculo deste montante correspondia à média ponderada das despesas declaradas pelos Estados-membros, após dedução de custos claramente excessivos.

    2. Resposta à segunda questão

    28.

    A Comissão forneceu os dados transmitidos pela Bélgica, República Federal da Alemanha, França, Irlanda e Reino Unido. Destes dados resulta nomeadamente que o Reino Unido escolheu o mais barato de dois colorantes cientificamente admitidos, solicitou preços a seis fornecedores e optou pelo mais barato, que a Irlanda escolheu o colorante mais econòmico e que as autoridades belgas e alemãs provaram igualmente te-rem-se esforçado por comprar pelos preços mais baixos. A resposta francesa não continha, em contrapartida, esclarecimentos sobre os métodos comparativos aplicados.

    P. J. G. Kapteyn

    Juiz-relator


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

    Top

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    19 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

    No Processo C-281/89,

    República Italiana, representada pelo Prof. Luigi Ferrari Bravo, chefe do serviço do contencioso diplomatico do Ministério dos Negocios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Oscar Fiumara, avvocato dello Stato, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada da Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Dierk Booss e Giuliano Marenco, consultor jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação parcial da Decisão 89/418/CEE da Comissão, de 26 de Junho de 1989, que altera a Decisão 88/630/CEE, relativa ao apuramento de contas dos Estados-membros a título de despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), Secção Garantia, para o ano financeiro de 1986 (JO L 192, p. 33),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por G. F. Mancini, presidente de secção, fazendo funções de presidente, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral : J. Mischo,

    secretário: D. Louterman, administradora principal

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 7 de Novembro de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 22 de Novembro de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de Setembro de 1989, a República Italiana pediu, nos termos do artigo 173.°, primeiro parágrafo, do Tratado CEE, a anulação parcial da Decisão 89/418/CEE da Comissão, de 26 de Junho de 1989, que altera a Decisão 88/630/CEE, relativa ao apuramento das contas dos Estados-membros a título de despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (a seguir designado por FEOGA), Secção Garantia, para o ano financeiro de 1986 (JO L 192, p. 33).

    2

    O Regulamento (CEE) n.° 1322/83 do Conselho, de 26 de Maio de 1983, relativo à transferência de 550000 toneladas de trigo mole panificável em posse dos organismos de intervenção francês e alemão, prevê, entre outras medidas, uma transferência de 450000 toneladas deste trigo do organismo de intervenção francês para o organismo de intervenção italiano com vista à sua utilização na alimentação animal.

    3

    O artigo 5.°, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.° 2794/83 da Comissão, de 6 de Outubro de 1983, relativo à colocação à venda no mercado interno de 450000 toneladas de trigo mole panificável em posse do organismo de intervenção italiano e que altera o Regulamento (CEE) n.° 1687/76 (JO L 274, p. 18), estabelece que «... para facilitar o controlo da utilização na alimentação animal, o organismo de intervenção em causa procederá a uma coloração que permita a identificação do produto» e que «esta coloração deverá ser efectuada pelo menor preço possível».

    4

    O organismo de intervenção italiano, a Azienda di Stato per gli interventi nel mercato agricolo (a seguir designado por AIMA), avaliou em 6,15 ecus por tonelada as despesas de coloração imposta pelo Regulamento n.° 2794/83, tendo solicitado o seu reembolso pelo FEOGA (3682607099 LIT pela quantidade global).

    5

    A Comissão considerou que as despesas de coloração deviam ser objecto de um reembolso forfetàrio, cujo montante fixou, por decisão de 7 de Junho de 1985, em 1,17 ecus por tonelada de cereal tratado. O Governo italiano opôs-se a tal método de reembolso e interpôs recurso para o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 173.° do Tratado CEE, a fim de obter a anulação dessa decisão. O Tribunal de Justiça, em acórdão de 4 de Fevereiro de 1988, Itália/Comissão (256/85, Colect., p. 521), concedeu provimento ao recurso e anulou a decisão na parte em que se aplicava à operação de coloração visada pelo Regulamento n.° 2794/83 da Comissão.

    6

    A fim de dar cumprimento a este acórdão, a Comissão solicitou, por telex de 15 de Abril de 1988, à República Italiana e aos outros Estados-membros interessados que lhe comunicassem, antes de 29 de Abril de 1988, as despesas efectivamente efectuadas com a coloração dos cereais durante os anos financeiros de 1983, 1984, 1985 e 1986, e lhe fornecessem igualmente a prova de que o mètodo de coloração escolhido era o mais económico. A Italia não respondeu a este pedido.

    7

    Durante uma visita efectuada pelos funcionarios comunitarios à AIMA, em fim de Outubro de 1988, a Comissão recebeu no entanto algumas informações por parte das autoridades italianas. Apurou-se que as operações de coloração tiveram lugar entre 26 de Outubro de 1983 e 6 de Outubro de 1986. Foram efectuadas individualmente pelos responsáveis dos serviços de armazenagem por conta da AIMA e à medida que o produto saía do armazém e era entregue aos adquirentes. O AIMA confiou o controlo destas operações individuais a uma sociedade privada, que emitia para cada lote comercializado um certificado de coloração. O AIMA nunca contactou outras empresas para efectuar operações de coloração.

    8

    Em 26 de Novembro de 1988, as autoridades italianas comunicaram à Comissão algumas informações complementares. Estas informações correspondem às que o AIMA tinha já fornecido em dois outros telexes, datados de 7 de Janeiro e de 5 de Outubro de 1984, e referentes à composição das despesas de coloração.

    9

    A Comissão considerou que o conjunto destas informações não constitui prova de que o método escolhido pelo AIMA tinha sido o mais econômico, não se encontrando, em consequência, satisfeitas as exigências do artigo 5.° do Regulamento n.° 2794/83. Apesar das objecções das autoridades italianas, a Comissão acabou por adoptar, em 26 de Junho de 1989, a decisão impugnada que imputa ao FEOGA as despesas declaradas pela República Italiana até o montante de 1,17 ecus por tonelada de cereal colorido.

    10

    Para uma mais ampla exposição dos factos, da tramitação do processo e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário à fundamentação do Tribunal.

    11

    O Governo italiano invoca dois fundamentos em apoio da sua petição. Ao aprovar a decisão impugnada, a Comissão reabriu, em primeiro lugar, o debate que o Tribunal de Justiça tinha definitivamente encerrado com o acórdão de 4 de Fevereiro de 1988, já referido. A Comissão violou assim o princípio da força de caso julgado. O Governo italiano alega, em segundo lugar, que forneceu a prova de uma despesa efectiva, cabendo à Comissão demonstrar concretamente por que razão as despesas declaradas não correspondem à solução mais económica possível.

    Quanto à força do caso julgado

    12

    Segundo o Governo italiano, a Comissão devia ter verificado o nível das despesas declaradas durante o processo que deu lugar ao acórdão de 4 de Fevereiro de 1988, já referido. Não pode agora corrigir a sua omissão, contestando a pertinência dessas despesas. De facto, a força do caso julgado cobre não apenas os fundamentos efectivamente invocados pelas partes, mas igualmente os argumentos que podiam ter sido invocados e não o foram.

    13

    A Comissão considera que este fundamento é improcedente. A questão que se colocava no processo 256/85 era a de saber se podia legitimamente decidir reembolsar as despesas de coloração com base num montante fixo. Só depois de ter sido dada uma resposta negativa a esta questão é que a Comissão podia colocar o problema de saber se a coloração tinha sido efectuada pelo mais baixo preço possível. O n.° 18 do acórdão de 4 de Fevereiro de 1988, já citado, deixou aliás expressamente este problema em suspenso.

    14

    Deve notar-se que a força do caso julgado abrange apenas os elementos de facto e de direito que foram efectiva ou necessariamente julgados pela decisão judiciária. Ora, o referido acórdão apenas julgou a questão de saber se, de acordo com as regras gerais de financiamento das intervenções efectuadas a título da política agrícola comum, as despesas impugnadas deviam ser reembolsadas forfetária ou integralmente.

    15

    O presente litígio incide, em contrapartida, sobre um problema diferente, o do montante das despesas declaradas, relativamente ao qual o acórdão de 4 de Fevereiro de 1988 não se pronunciou.

    16

    A acusação relativa à força do caso julgado é, em consequência, improcedente.

    Ónus da prova

    17

    De acordo com o Governo italiano, a administração italiana declarou devidamente ter efectuado uma despesa efectiva que correspondia às circunstâncias particulares verificadas no mercado em causa em Itália. Cabia assim à Comissão indicar a razão pela qual esta despesa não era aceitável, e provar designadamente que não correspondia ao preço mais baixo possível. A simples invocação da diferença entre a despesa declarada pela Itália e as declaradas por outros Estados-membros não constitui prova válida.

    18

    A Comissão entende, em contrapartida, que as operações de coloração em Itália não foram efectuadas em conformidade com as regras comunitárias. De facto, o artigo 5.° do Regulamento n.° 2794/83, já referido, impõe aos Estados-membros uma obrigação de resultado preciso: a coloração deve ser efectuada pelo menor preço possível. O respeito desta disposição implica necessariamente que se proceda a uma comparação. Ora, no caso em apreço, as autoridades italianas não efectuaram qualquer comparação. A Comissão considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça lhe permite recusar qualquer reembolso perante tal irregularidade. Afirma ter no entanto preferido, pelas razões de equidade, ter em conta a despesa correspondente a uma forma de execução mais eficaz.

    19

    A este respeito, convém antes de mais recordar as regras gerais relativas ao ónus da prova em matéria de financiamento da política agrícola comum. De acordo com uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, cabe à Comissão provar a existência de uma violação das regras da organização comum de mercados agrícolas (ver acórdãos de 24 de Março de 1988, Reino Unido/Comissão, 347/85, Colect., p. 1749, de 2 de Fevereiro de 1989, Países Baixos/Comissão, 262/87, Colect., p. 225, e de 10 de Julho de 1990, República Helénica/Comissão, C-335/87, Colect., p. I-2875). Se a Comissão apurou a existência de tal violação, o Estado-membro em causa deve então demonstrar, sendo caso disso, que a Comissão cometeu um erro relativamente às consequências financeiras que daí deviam ser tiradas.

    20

    Deve em seguida esclarecer-se que esta jurisprudência pressupõe que possa fazer-se uma distinção entre a existência da regularidade eventualmente cometida e as suas consequências financeiras. Tal distinção não é no entanto possível no caso em apreço, em que a infracção à prescrição estabelecida na última parte do artigo 5.°, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2794/83, se refere directamente ao método de financiamento da operação em causa e, deste modo, às suas consequências financeiras. Como observa o advogado-geral no n.° 16 das suas conclusões, a infracção consiste precisamente no facto de o custo da operação em causa não ter sido o menor possível. Dado que o Estado-membro em questão dispõe de todas as informações relativas às condições em que foi efectuada a operação em causa, cabe-lhe o ónus de provar que a disposição comunitária foi respeitada.

    21

    Deve, assim, verificar-se se a administração italiana provou que a operação de coloração prevista no artigo 5.°, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2794/83 tinha sido efectuada pelo menor preço possível. Tal prova deve no mínimo demonstrar que o método de coloração escolhido era mais económico que outros, ou que era impossível escolher outro método.

    22

    Ressalta do processo que a administração italiana forneceu a prova de que a operação de coloração tinha sido efectuada, bem como a lista dos elementos que compõem as despesas desta operação: tipo e custos do colorante utilizado, custos de diluição, despesas de equipamento e de certificação e despesas de saída dos silos. Não foi no entanto enviado à Comissão qualquer elemento que prove que o montante das despesas da operação assim efectuadas tinha sido o menos elevado possível. A administração italiana não provou, de facto, nem que o método de coloração adoptado era o mais económico, em relação a outros métodos, nem que este, embora apresentando algumas vantagens práticas, era o único possível nas circunstâncias do presente caso.

    23

    Em consequência, não se provou que a obrigação decorrente da última parte do artigo 5.°, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.° 2794/83 tenha sido respeitada.

    24

    Ressalta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, nestas condições, a Comissão tinha o direito de recusar pôr a cargo do FEOGA as despesas declaradas, ou de reembolsar apenas uma parte dos custos declarados (ver acórdãos de 25 de Novembro de 1987, Itália/Comissão, 342/85, Colect., p. 4677, e de 24 de Março de 1988, Reino Unido/Comissão, já citado). A Comissão dispõe nestas circunstâncias de uma margem de apreciação na avaliação do montante das despesas que devem ser imputadas ao FEOGA. No caso em apreço, a Comissão tinha o poder de fixar os custos em 1,17 ecus por tonelada. Este montante corresponde à média ponderada das despesas declaradas nos outros Estados-membros.

    25

    O segundo fundamento da recorrente deve pois ser considerado improcedente.

    Quanto às despesas

    26

    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Italiana sido vencida, há que condená-la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

     

    1)

    negar provimento ao recurso.

     

    2)

    Condenar a República Italiana nas despesas.

     

    Mancini

    Rodríguez Iglesias

    Diez de Velasco

    Slynn

    Kakouris

    Joliét

    Kapteyn

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 19 de Fevereiro de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente f. f.

    G. F. Mancini

    presidente de secção


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

    Top