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Document 61989CJ0201

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 22 de Março de 1990.
    Jean-Marie Le Pen e Front national contra Detlef Puhl e o.
    Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Colmar - França.
    Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades - Imunidade dos parlamentares europeus - Competência do Tribunal.
    Processo C-201/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-01183

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:133

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-201/89 ( *1 )

    I — Matéria de facto e tramitação processual

    1. Enquadramento jurídico

    O artigo 1.° do protocolo relativo aos privilégios e imunidades das Comunidades Europeias (a seguir «protocolo»), conforme previsto no artigo 28.° do Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias, dispõe o seguinte :

    «Os locais e as construções das Comunidades são invioláveis. Não podem ser objecto de busca, requisição, confisco ou expropriação. Os bens e haveres das Comunidades não podem ser objecto de qualquer medida coerciva, administrativa ou judicial, sem autorização do Tribunal»

    Em matéria de imunidade dos membros do Parlamento Europeu, os artigos 9.° e 10.° do protocolo prevêem:

    Artigo 9.°:

    «Os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções.»

    Artigo 10.°:

    «Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

    a)

    no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país;

    b)

    no território de qualquer outro Estado-membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

    Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

    A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.»

    2. Matéria de facto

    Em 24 de Outubro de 1984, o Parlamento Europeu constituiu uma comissão de inquérito encarregada de investigar a escalada do fascismo e do racismo na Europa e de elaborar um relatório sobre o assunto. Esta comissão apresentou, em 23 de Janeiro de 1986, o seu relatório, na sequência do qual o Parlamento adoptou, em 11 de Junho de 1986, uma declaração condenando o racismo e a xenofobia.

    Na sequência desta declaração, o Grupo Socialista do Parlamento Europeu fez elaborar por um jornalista alemão, Detlef Puhl, uma brochura intitulada «Declaração contra o racismo e a xenofobia». Esta brochura, editada nas versões alemã, francesa e inglesa, foi distribuída nos locais do Parlamento Europeu em Estrasburgo.

    No fim da versão francesa, refere-se o Grupo Socialista como editor responsável. Esta menção figura também na versão alemã, impressa pela sociedade Thoma Druck GmbH, de Dreieich Götzenhain. A versão inglesa, redigida por Andrew Bell, foi impressa em Bruxelas pela sociedade Printéclair.

    3. O litígio no processo principal

    Jean-Marie Le Pen, membro do Parlamento Europeu, e o partido político «Front national» consideraram que as três brochuras continham imputações difamatórias a seu respeito. Por esta razão, moveram procedimento judicial perante o tribunal de grande instance de Estrasburgo contra Detlef Puhl e Andrew Bell, na qualidade de autores das brochuras, Rudi Arndt, na qualidade de presidente do Grupo Socialista no Parlamento Europeu, as sociedades «Thoma Druck» e «Printéclair», na qualidade de impressoras das brochuras, bem como contra os diferentes partidos socialistas europeus representados no seio do Grupo Socialista, pedindo 500000 FF a título de indemnização por perdas e danos, bem como a publicação da decisão. De acordo com J.-M. Le Pen e o «Front national», várias passagens do texto em litígio constituem uma difamação extremamente grave, prevista e punida pelo artigo 29.° da lei francesa de 29 de Julho de 1881.

    Esse artigo dispõe: «Constitui difamação qualquer afirmação ou imputação de um facto que ofenda a honra ou a consideração da pessoa ou entidade a quem o facto é imputado. A publicação directa ou a reprodução dessa afirmação ou imputação é punível, ainda que feita sob a forma de suspeita ou visando uma pessoa ou entidade não expressamente nomeada, mas cuja identificação seja possível através dos termos dos discursos, gritos, ameaças, escritos, impressos, painéis ou cartazes incriminados. Constitui injúria qualquer expressão ultrajante, termo de desprezo ou invectiva que não contenha a imputação de um facto.»

    O artigo 42.° da mesma lei prevê, além disso, que são passíveis, como autores principais, das penas que punem os crimes e delitos cometidos através da imprensa, pela seguinte ordem, os directores de publicação ou editores, na sua falta os autores, na falta destes, os impressores e, na falta dos impressores, os vendedores, os distribuidores e os afixadores de cartazes.

    Os réus no processo principal contestaram as acusações de J.-M. Le Pen e do «Front national» invocando, entre outros fundamentos, que a lei francesa não é aplicável a factos cometidos nos locais das instituições comunitárias e que os artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE atribuem competência exclusiva ao Tribunal para apreciar a responsabilidade dessas instituições.

    Por decisão de 28 de Novembro de 1988, o tribunal de grande instance de Estrasburgo começou por se declarar incompetente para conhecer do pedido de J.-M. Le Pen e do «Front national» dirigido contra Rudi Arndt. Entendeu que, no caso em apreço, Rudi Arndt agiu no àmbito das suas funções de parlamentar europeu e que, desse modo, beneficiava da imunidade prevista nas disposições do protocolo. Além disso, o tribunal entendeu que, nos termos do artigo 178.° do Tratado, só o Tribunal é competente para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado; ora, no presente caso, tratar-se-ia de um litígio desse género.

    Em seguida, o tribunal indeferiu os pedidos em relação aos outros réus. Considerou que a entidade do editor dos escritos incriminados, a saber, o Grupo Socialista do Parlamento Europeu, era perfeitamente conhecida e que, por conseguinte, esse grupo devia ser considerado autor responsável, na acepção do artigo 42.° da lei de 29 de Julho de 1881. Contudo, essa responsabilidade era isenta de consequências jurídicas, pela falta de personalidade jurídica do Grupo Socialista. No entanto, essa circunstância não tinha como efeito constituir subsidiariamente em responsabilidade os autores e impressores, já que o Grupo Socialista existe, é perfeitamente conhecido e assume a publicação do escrito. No que diz respeito aos pedidos contra os partidos políticos que constituem o Grupo Socialista, o tribunal entendeu que dos autos não resultava que tivessem participado de alguma forma na publicação dos escritos em litígio.

    J.-M. Le Pen e o «Front national» interpuseram recurso da decisão de 28 de Novembro de 1988 para a cour d'appel de Colmar. Contestam a decisão, na medida em que declara o tribunal de grande instance de Estrasburgo incompetente para conhecer do pedido contra Rudi Arndt e na medida em que indeferiu os restantes pedidos.

    Os recorridos invocam, por seu lado, que só o Tribunal é competente para conhecer da acção de indemnização relativa aos factos ocorridos nos locais do Parlamento Europeu e que, não tendo sido levantada a imunidade parlamentar de Rudi Arndt, face ao artigo 10.° do protocolo, os tribunais franceses são incompetentes para conhecer dos pedidos contra ele formulados. Além disso, alegam que as acusações de J.-M. Le Pen e do «Front national» são infundadas, pois as passagens incriminadas não têm carácter difamatório.

    4. Questão prejudicial

    A cour d'appel de Colmar considerou que, para a composição do litígio, era necessário submeter previamente ao Tribunal uma questão prejudicial destinada a interpretar o direito comunitário invocado, nomeadamente tendo em conta a argumentação dos recorridos, segundo a qual os factos em litígio são da competência do Tribunal. Por conseguinte, a cour d'appel decidiu, por acórdão proferido em 2 de Junho de 1989, submeter ao Tribunal a questão prejudicial seguinte :

    «O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é competente para julgar os factos descritos, uma vez que foram praticados nos locais do Parlamento Europeu em Estrasburgo?»

    5. Tramitação processual

    O acórdão de reenvio da cour d'appel de Colmar deu entrada na Secretaria do Tribunal em 27 de Junho de 1989.

    Nos termos do artigo 20.° do protocolo relativo ao estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas por J.-M. Le Pen e o «Front national», recorrentes no processo principal, representados pelos advogados Jean-Pierre Claudon e Wallerand de Saint-Just; por Detlef Puhl e pelos outros recorridos no processo principal, representados por Yves Baudelot, advogado no foro de Paris; pela Comissão, representada pelo seu consultor jurídico Hendrik van Lier, na qualidade de agente.

    Por decisão do Tribunal de 15 de Novembro de 1989, o processo foi deferido à Sexta Secção.

    Com base no relatório do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia. Contudo, nos termos do segundo parágrafo do artigo 21.° do protocolo relativo ao estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, convidou o Parlamento Europeu a prestar-lhe as seguintes informações:

    1)

    Qual é a função exacta de um «grupo político», definido no artigo 26.° do Regimento do Parlamento?

    2)

    Essa função inclui a publicação pelo grupo, por sua iniciativa, de brochuras ou panfletos?

    3)

    Quais são, na opinião do Parlamento, as instituições ou as pessoas responsáveis quando um acto ilícito é cometido em razão dessa publicação?

    II — Resumo das observações escritas apresentadas no Tribunal

    1. O âmbito da questão prejudicial

    As observações apresentadas dizem principalmente respeito à questão de saber se o Tribunal é competente para conhecer dos factos em litígio, com exclusão dos órgãos jurisdicionais nacionais. Contudo, deve referir-se que a questão prejudicial pode também ter a ver com a imunidade parlamentar que invoca Rudi Arndt. A este respeito, a Comissão observa que é a justo título que Rudi Arndt pode invocar a imunidade parlamentar prevista no artigo 10.° do protocolo.

    2. A competência do Tribunal de Justiça

    Os recorridos no processo principal observam que, nos termos do artigo 210.° do Tratado, a Comunidade Europeia dispõe de personalidade jurídica autónoma e que, por esse facto, assume a responsabilidade dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes a terceiros. No entanto, esta responsabilidade, reconhecida no segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado, só pode ser imputada a título excepcional e em condições que a não sujeitem aos órgãos jurisdicionais dos Estados-membros. Deste modo, não pode ser invocada perante esses órgãos jurisdicionais em casos em que a Comunidade goze, por força do artigo 218.° do Tratado, no território dos Estados-membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão. Esta imunidade, tal como vem definida no artigo 1.° do protocolo, implica que os Estados-membros não gozem de autoridade nos locais da Comunidade.

    Com efeito, o artigo 178.° do Tratado atribui ao Tribunal competência exclusiva para conhecer dos litígios que impliquem responsabilidade, na acepção do segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado. No presente caso, trata-se de um litígio desse género. Com efeito, os folhetos incriminados foram encomendados e editados por uma instituição das Comunidades, a saber, o grupo político socialista do Parlamento Europeu. Este grupo, cuja existência está prevista e regulamentada no Regimento do Parlamento, agiu no exercício das suas funções. A este respeito, os recorridos no processo principal referem que as brochuras em causa se destinavam a facilitar a divulgação do relatório de uma comissão constituída pelo Parlamento Europeu e que apenas foram distribuídas nos locais dessa instituição.

    Por fim, observam que a responsabilidade do Grupo Socialista enquanto instituição das Comunidades Europeias absorve necessariamente a das outras pessoas processadas, as quais apenas agiram a seu pedido, tendo em vista a redacção, a edição e a distribuição dos folhetos. Aliás, Rudi Arndt e os diferentes partidos políticos só terão sido objecto do processo por integrarem o Grupo Socialista.

    Os recorrentes no processo principal observam, em primeiro lugar, que a questão prejudicial, tal como foi formulada, é alheia ao objectivo do artigo 177.° Não há que curar da competência do Tribunal para conhecer do litígio principal, pois, de facto, a questão consiste apenas em saber se os tribunais franceses são competentes na matéria.

    Na sua opinião, os órgãos jurisdicionais franceses são competentes para conhecer dos seus pedidos. Neste contexto, J.-M. Le Pen e o «Front national» salientam, em primeiro lugar, que jamais afirmaram que as brochuras em litígio tinham sido distribuídas apenas nos locais do Parlamento Europeu. Por conseguinte, elas poderão muito bem ter sido distribuídas noutros lugares. Em segundo lugar, observam que a argumentação dos recorridos baseada na competência exclusiva do Tribunal em matéria de responsabilidade extracontratual das Comunidades Europeias é irrelevante no presente caso. Os pedidos apresentados perante os órgãos jurisdicionais franceses não dizem de modo algum respeito às Comunidades Europeias ou à responsabilidade destas. Em seguida, os recorrentes no processo principal são da opinião que a eventual inviolabilidade dos locais e das construções das Comunidades não tem qualquer incidência sobre a competência dos órgãos jurisdicionais franceses. A lei francesa continua aplicável aos delitos ou crimes cometidos nos locais do Parlamento Europeu, com a única especificidade de se tratar de locais eventualmente invioláveis.

    De acordo com a Comissão, os artigos 178.° e 215.° do Tratado não atribuem ao Tribunal competência para conhecer dos factos em litígio. A este respeito, basta ter em conta que a acção de J.-M. Le Pen e do «Front national» não se dirige contra qualquer das instituições e que a responsabilidade extracontratual da Comunidade não está em jogo. A competência do Tribunal também não encontra fundamento no artigo 1.° do protocolo. Este artigo não implica de modo algum uma imunidade de jurisdição quanto aos factos cometidos nos locais das instituições comunitárias nem a incompetência dos órgãos jurisdicionais nacionais na matéria. A inviolabilidade dos locais refere-se apenas a medidas coercivas, judiciais ou administrativas. A Comissão observa, aliás, que o protocolo não prevê qualquer imunidade de jurisdição absoluta e que o artigo 183.° do Tratado CEE salvaguarda expressamente a competência dos tribunais nacionais. A imunidade parlamentar prevista no artigo 10.° do protocolo apenas institui, portanto, um obstáculo temporário a qualquer acção judicial, mas não inclui uma atribuição de competência ao Tribunal. Por conseguinte, a Comissão propõe que se responda à questão prejudicial da seguinte maneira :

    «O Tribunal não é competente para conhecer dos factos na origem do litígio em causa apenas por terem ocorrido nos locais do Parlamento Europeu.»

    III — Respostas do Parlamento Europeu às questões colocadas pelo Tribunal

    O Parlamento Europeu responde à primeira questão que o seu Regimento atribui aos grupos políticos as competências necessárias para a preparação das decisões e das posições a adoptar. Em geral, as competências correspondem aos poderes detidos por um número mínimo de deputados ou por uma comissão parlamentar. A constituição de um grupo político em nada afecta a independência e a responsabilidade individual dos deputados nele reunidos.

    O Parlamento Europeu responde afirmativamente à segunda questão. Resulta da função de representação dos seus membros que a comunicação com o eleitorado faz parte integrante da sua missão política. A este respeito, pouco importa que se exerça a título individual ou por iniciativa de um grupo político.

    Não foi possível ao Parlamento prestar uma resposta à terceira questão no prazo fixado.

    T. Koopmans

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Sexta Secção)

    22 de Março de 1990 ( *1 )

    No processo C-201/89,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pela cour d'appel de Colmar, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

    Jean-Marie Le Pen,

    Front national, por um lado,

    e

    Detlef Puhl,

    Andrew Bell,

    Rudi Arndt,

    Thoma Druck,

    Printeclair,

    Sozialdemokratische Partei Deutschlands,

    Labour Party,

    Parti socialiste belge,

    Socialdemokratiet,

    Partido Socialista Obrero Español,

    Parti socialiste,

    Panellínio Socialistikó Kínima,

    Partij van de Arbeid,

    Social Democratie and Labour Party,

    Partito socialista democratico italiano,

    Partito socialista italiano,

    Parti ouvrier socialiste luxembourgeois,

    Partido Socialista, por outro lado,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do protocolo relativo aos privilégios e imunidades das Comunidades Europeias, anexo ao Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias,

    O TRIBUNAL (Sexta Secção),

    constituído pelos Srs. C. N. Kakouris, presidente de secção, T. Koopmans, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins e M. Diez de Velasco, juízes,

    advogado-geral : F. G. Jacobs

    secretario: D. Louterman, administradora principal

    considerando as observações escritas e as respostas escritas às questões do Tribunal que foram apresentadas:

    em representação dos recorrentes no processo principal, por J.-P. Claudon e W. de Saint-Just, advogados no foro de Paris,

    em representação dos recorridos no processo principal, por Y. Baudelot, advogado no foro de Paris,

    em representação da Comissão, por H. van Lier, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

    em representação do Parlamento Europeu, por Francesco Pasetti Bombardella, na qualidade de agente,

    visto o relatório para audiência, ouvidas as observações orais do Parlamento Europeu, representado por J. Campinos, na qualidade de agente, dos recorrentes, dos recorridos e da Comissão na audiência de 11 de Janeiro de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Fevereiro de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por acórdão de 2 de Junho de 1989, que deu entrada no Tribunal em 26 do mesmo mês, a cour d'appel de Colmar submeteu ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do direito comunitário relativamente às competências respectivas do Tribunal e dos órgãos jurisdicionais nacionais.

    2

    Esta questão foi suscitada no âmbito de um procedimento judicial instaurado por Jean-Marie Le Pen e pelo partido político francês «Front national» contra as pessoas, sociedades e partidos políticos que consideram responsáveis pela redacção, tradução, edição, impressão e distribuição de uma brochura relativa à escalada do racismo e do fascismo na Europa. Esta brochura, elaborada por iniciativa do Grupo Socialista do Parlamento Europeu após a adopção pelo Parlamento de uma declaração condenando o racismo e a xenofobia, foi distribuída em várias versões linguísticas nos locais dessa instituição em Estrasburgo.

    3

    Jean-Marie Le Pen e o «Front national» consideraram que a brochura em causa incluía imputações ofensivas a seu respeito. Por essa razão, moveram procedimento judicial, no tribunal de grande instance de Estrasburgo, contra Detlef Puhl e Andrew Bell, na qualidade de autores dos textos da brochura, Rudi Arndt, na qualidade de presidente do Grupo Socialista do Parlamento Europeu, as sociedades Thoma Druck e Printéclair, estabelecidas, respectivamente, na República Federal da Alemanha e na Bélgica, enquanto impressoras da brochura, bem como contra os diferentes partidos que constituem o Grupo Socialista, reclamando uma indemnização por perdas e danos.

    4

    O tribunal de Estrasburgo declarou-se incompetente para conhecer do pedido contra R. Arndt, em razão de este ter agido no exercício das suas funções de deputado do Parlamento Europeu, pelo que beneficiava da imunidade prevista no artigo 10.° do protocolo relativo aos privilégios e imunidades das Comunidades Europeias (a seguir «protocolo»). No que diz respeito aos restantes réus, o tribunal indeferiu os pedidos, considerando que, nos termos da legislação francesa, a sua responsabilidade é subsidiária em relação à do editor responsável que, na ocorrência, era perfeitamente conhecido, a saber, o Grupo Socialista do Parlamento Europeu. No entanto, nos termos do direito francês, esse grupo não tem personalidade jurídica.

    5

    Interposto recurso da decisão, a cour d'appel de Colmar examinou em especial a tese dos recorridos, Puhl e outros, segundo a qual apenas o Tribunal é competente para conhecer da acção em causa, que seria uma acção de indemnização por responsabilidade extracontratual, prevista no segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado CEE. Para este efeito, os recorridos avançaram dois argumentos. Em primeiro lugar, alegaram que, visto as brochuras terem sido distribuídas apenas nos locais do Parlamento Europeu, a difamação invocada não foi cometida em território francês. Em seguida, sustentaram a competência exclusiva do Tribunal para conhecer das acções de indemnização contra as instituições comunitárias e seus agentes.

    6

    Tendo em conta estes argumentos, a cour d'appel decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal uma questão prejudicial, cujo teor é o seguinte:

    «O Tribunal das Comunidades Europeias é competente para julgar os factos descritos, uma vez que foram praticados nos locais do Parlamento Europeu em Estrasburgo?»

    Resulta do acórdão de reenvio que se deve entender por «os factos descritos» a distribuição de uma publicação a que se atribui carácter difamatório.

    7

    Para mais ampla exposição dos factos e da tramitação processual e para um resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal, bem como das respostas do Parlamento Europeu às questões que lhe foram colocadas, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação do Tribunal.

    8

    Do exame dos autos resulta, conforme justamente observaram as partes no processo principal e a Comissão, que o órgão jurisdicional nacional submeteu, na realidade, duas questões diferentes. Em primeiro lugar, quer saber se, por força dos artigos 178.° e 183.° do Tratado, o Tribunal tem competência exclusiva para conhecer de uma acção de indemnização por responsabilidade extracontratual em razão da distribuição de uma publicação difamatória nos locais do Parlamento Europeu. Em seguida, pergunta se a distribuição de uma publicação por um grupo político do Parlamento Europeu constitui esta instituição em responsabilidade extracontratual.

    9

    No que diz respeito ao primeiro problema, Puhl e os outros recorridos no processo principal invocaram o artigo 1.° do protocolo, relativo à inviolabilidade dos locais e construções das Comunidades, para alegar que os órgãos jurisdicionais nacionais não têm competência para conhecer de factos cometidos no interior desses locais e construções, já que ao Tribunal cabe competência exclusiva na matéria.

    10

    Esta tese não é de acolher. O artigo 1.° do protocolo tem como objectivo, conforme resulta dos seus termos, a imunidade dos locais e construções, bem como de outros bens das Comunidades, em relação a medidas coercivas. Esta disposição não diz respeito à repartição de competências entre o Tribunal e os órgãos jurisdicionais nacionais em matéria de responsabilidade extracontratual.

    11

    Nenhuma outra disposição de direito comunitário atribui, aliás, competência ao Tribunal para conhecer de acções de indemnização por responsabilidade extracontratual que não sejam dirigidas contra a Comunidade ou as suas instituições, ainda que essas acções se fundem na distribuição de uma publicação difamatória nos locais de uma dessas instituições.

    12

    No que diz respeito ao segundo problema, o da eventual responsabilidade do Parlamento Europeu pelas acções de um grupo político, deve recordar-se em primeiro lugar que, nos termos do artigo 26.° do Regimento do Parlamento Europeu, os deputados podem organizar-se em grupos por afinidades políticas. Estes grupos políticos constituem-se após entrega ao presidente do Parlamento de uma declaração de que conste a denominação do grupo, a assinatura dos seus membros, aos quais o artigo fixa um número mínimo, bem como a composição da respectiva Mesa.

    13

    O Regimento do Parlamento Europeu atribui determinados poderes aos grupos políticos com vista à preparação das decisões e das posições a adoptar por esta instituição, por exemplo, o de apresentar uma moção de censura (artigo 30.°) ou pedir um debate (artigos 32.° a 35.°). Os mesmos poderes são também reconhecidos a um número mínimo de deputados, que varia consoante os casos.

    14

    Em contrapartida, nenhuma disposição do Regimento do Parlamento Europeu autoriza um grupo político a agir em nome do Parlamento face a outras instituições ou em relação a terceiros. Para além disso, nenhuma regra de direito comunitário implica que os actos de um grupo político possam ser imputados ao Parlamento Europeu enquanto instituição das Comunidades.

    15

    Do exposto decorre que não existe responsabilidade extracontratual das Comunidades pelo facto de um grupo político divulgar uma publicação a que se atribui carácter difamatório.

    16

    Deste modo, deve responder-se à questão prejudicial que os artigos 178.° e 183.° do Tratado CEE e l.° do protocolo relativo aos privilégios e imunidades das Comunidades Europeias devem ser interpretados no sentido de que:

    a)

    o Tribunal não é competente para conhecer de uma acção de responsabilidade extracontratual pelo simples facto de o acto incriminado ter ocorrido nos locais do Parlamento Europeu;

    b)

    não existe responsabilidade extracontratual das Comunidades pelo facto de um grupo político, na acepção do artigo 26.° do Regimento do Parlamento Europeu, divulgar uma publicação a que se atribui carácter difamatório.

    Quanto às despesas

    17

    As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias e pelo Parlamento Europeu não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pela cour d'appel de Colmar, por acórdão de 2 de Junho de 1989, declara:

     

    Os artigos 178.° e 183.° do Tratado CEE e l.° do protocolo relativo aos privilégios e imunidades das Comunidades Europeias devem ser interpretados no sentido de que:

     

    a)

    o Tribunal não é competente para conhecer de uma acção de responsabilidade extracontratual pelo simples facto de o acto incriminado ter ocorrido nos locais do Parlamento Europeu;

     

    b)

    não existe responsabilidade extracontratual das Comunidades pelo facto de um grupo político, na acepção do artigo 26.° do Regimento do Parlamento Europeu, divulgar uma publicação a que se atribui carácter difamatório.

     

    Kakouris

    Koopmans

    Mancini

    O'Higgins

    Diez de Velasco

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 22 de Março de 1990.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente da Sexta Secção

    C. N. Kakouris


    ( *1 ) Língua do processo: francés.

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