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Document 61989CJ0192

Acórdão do Tribunal de 20 de Setembro de 1990.
S. Z. Sevince contra Staatssecretaris van Justitie.
Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Países Baixos.
Acordo de Associação CEE - Turquia - Decisão do conselho de associação - Efeito directo.
Processo C-192/89.

Colectânea de Jurisprudência 1990 I-03461

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:322

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-192/89 ( *1 )

I — Factos e tramitação processual

1.

O acordo que cria uma associação entre a Comunidade Econômica Europeia e a Turquia (adiante «acordo») foi assinado em 12 de Setembro de 1963, em Aneara, pela República da Turquia, por um lado, os Estados-membros da CEE e a Comunidade, por outro, e concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 FI p. 18).

2.

Nos termos do artigo 12.° do acordo, incluído no último capítulo consagrado às outras disposições de caracter económico, as partes contratantes acordam em inspirar-se nos artigos 48.°, 49.° e 50.° do Tratado CEE na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores.

3.

Os artigos 22.° e 23.° prevêem a instituição de um conselho de associação composto, por um lado, por membros dos governos dos Estados-membros, do Conselho e da Comissão da Comunidade e, por outro lado, por membros do Governo turco, que, pronunciando-se por unanimidade, dispõem de poder de decisão para a realização dos objectivos fixados pelo acordo.

4.

O acordo relativo às medidas a tomar e aos procedimentos a seguir na aplicação do acordo — 64/737/CEE (JO 217, p. 3703; EE 11 Fl p. 36) — estabelece, no seu artigo 1.°, as disposições segundo as quais é adoptada a posição comum dos representantes da Comunidade e dos Estados-membros no âmbito do conselho de associação e prevê, no seu artigo 2.°, n.° 1, que as decisões do conselho de associação nos domínios que estão sujeitos à competência da Comunidade serão objecto, tendo em vista a sua aplicação, de actos adoptados pelo Conselho, deliberando por unanimidade, após consulta da Comissão.

5.

Com vista a estabelecer as condições, modalidades e calendário de. realização da fase transitória da associação, as partes contratantes assinaram em 23 de Novembro de 1970, em Bruxelas, um protocolo adicional (adiante «protocolo»), concluído, aprovado e confirmado pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 Fl p. 213).

6.

O artigo 36.° do protocolo prevê que a livre circulação de trabalhadores entre os Estados-membros da Comunidade e a Turquia será realizada gradualmente, em conformidade com os princípios enunciados no artigo 12.° do acordo, entre o final do décimo segundo ano e do vigésimo segundo ano após a entrada em vigor do referido acordo e que o conselho de associação decidirá as modalidades necessárias para tal efeito.

7.

As negociações sobre a realização da primeira etapa da livre circulação de trabalhadores conduziram à Decisão n.° 2/76 do conselho de associação, de 20 de Dezembro de 1976, relativa à aplicação do artigo 12.° do acordo.

Esta decisão prevê, no seu artigo 2° , n.° 1, alínea b), que

«o trabalhador turco empregado regularmente há mais de cinco anos num Estado-membro da Comunidade beneficia nesse Estado do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha».

8.

A Decisão n.° 1/80 do conselho de associação, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, prevê, no seu artigo 6.°, n.° 1, terceiro travessão, que «o trabalhador turco que esteja integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-membro beneficia nesse Estado-membro, após quatro anos de emprego regular, do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha».

9.

Nos termos do n.° 2 do artigo 2.° da Decisão n.° 2/76 e do n.° 3 do artigo 6.° da Decisão n.° 1/80,

«as modalidades de aplicação (dos números anteriores) são fixadas pelas regulamentações nacionais».

Os artigos 7° da Decisão n.° 2/76 e 13.° da Decisão n.° 1/80 contêm uma cláusula de «standstill» nos termos da qual

«os Estados-membros da Comunidade e a Turquia não podem introduzir novas restrições no que respeita às condições de acesso ao emprego dos trabalhadores que se encontram nos seus respectivos territórios em situação regular no que respeita à sua residência e ao seu emprego».

Os artigos 12.° da Decisão n.° 2/76 e 29.° da Decisão n.° 1/80 prevêem que

«as partes contratantes adoptarão, cada uma na parte que lhe respeita, as medidas relativas à execução das disposições da presente decisão».

10.

Nos Países Baixos, o estatuto dos estrangeiros é regulado pela lei relativa aos estrangeiros, de 13 de Janeiro de 1965 (Stbl. 40), que prevê nomeadamente a emissão de uma autorização de residência pelo ministro da Justiça, e pela lei relativa ao emprego dos trabalhadores estrangeiros, de 9 de Novembro de 1978 (Stbl. 737), que exige uma autorização de trabalho emitida pelo ministro dos Assuntos Sociais para que se possa empregar um estrangeiro não nacional da CEE.

Foi emitida uma circular do ministro dos Assuntos Sociais com vista a garantir que a concessão das duas autorizações, com base em diplomas diferentes, por instâncias diferentes, não seja contraditória; aquela circular prevê, designadamente, que, se a autorização de residência for recusada mas o estrangeiro não puder ou não dever ser expulso, enquanto aguarda que seja decidido o recurso que interpôs nos termos da lei relativa aos estrangeiros, pode ser emitida uma autorização de trabalho por um período limitado a seis meses.

11.

A lei relativa ao emprego dos trabalhadores estrangeiros dispõe, no seu artigo 3.°, n.° 1, que deixam de ser consideradas estrangeiras as pessoas que residam legalmente nos Países Baixos, ao abrigo de um certificado emitido pelo ministro. Nos termos do n.° 2, este certificado é, designadamente, passado ao estrangeiro que exerceu legalmente nos Países Baixos uma actividade lucrativa durante um período ininterrupto de três anos, desde que não tenha seguidamente estabelecido a sua residência principal fora dos Países Baixos. Este certificado confere ao trabalhador estrangeiro o direito de mudar livremente de emprego sem que a sua nova entidade patronal seja obrigada a solicitar uma autorização de trabalho.

12.

Em 22 de Fevereiro de 1979 foi concedida a S. Z. Sevince, cidadão turco, uma autorização de residência nos Países Baixos, válida até 14 de Janeiro de 1980, para que aquele se juntasse à sua esposa, cidadã turca, residente nos Países Baixos.

13.

Tendo os cônjuges deixado de coabitar a partir de Agosto de 1979, foi indeferido em 11 de Setembro de 1980 um pedido de prorrogação do prazo de validade da autorização de residência de S. Z. Sevince.

14.

O recurso interposto desta decisão de indeferimento, que tinha automaticamente efeito suspensivo no que respeita à expulsão dos Países Baixos, foi definitivamente julgado improcedente pelo Raad van State por decisão de 12 de Junho de 1986.

15.

Em 16 de Fevereiro de 1982, quando ainda beneficiava do efeito suspensivo atribuído ao recurso, S. Z. Sevince obteve um certificado nos termos do artigo 3.° da lei relativa ao emprego dos trabalhadores estrangeiros. Dado o efeito suspensivo que fora atribuído ao recurso, este certificado permaneceu válido até à decisão do Raad van State de 12 de Junho de 1986.

16.

Alegando que tinha exercido durante um certo número de anos uma actividade assalariada nos Países Baixos, S. Z. Sevince requereu, em 13 de Abril de 1987, uma autorização de residência, baseando-se nas decisões n.os 2/76 e 1/80. Este pedido foi objecto de indeferimento tácito por parte das autoridades neerlandesas.

17.

Tendo sido interposto recurso desta-decisão de indeferimento para o Raad van State, este, considerando que o litígio implica uma apreciação da interpretação das decisões n.os 2/76 e 1/80 do conselho de associação, decidiu, por acórdão interlocutòrio de 1 de Junho de 1989, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre as questões seguintes:

«1)

O artigo 177.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional de um dos Estados-membros é competente para reenviar ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação das decisões sub judice do conselho de associação, a saber, a Decisão n.° 2/76 e/ou a Decisão n.° 1/80 (e, como sucede no caso em apreço, se é obrigado a fazê-lo), no caso de tal questão lhe ser suscitada e se considerar que é necessária uma resposta a esta questão para proferir o seu acórdão?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

O artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Decisão n.° 2/76 e/ou o artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 e o artigo 7° da Decisão n.° 2/76 e/ou o artigo 13.° da Decisão n.° 1/80 devem ser considerados directamente aplicáveis nos países da Comunidade Europeia?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

Como deve ser entendida a expressão “empregado regularmente”, contida no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Decisão n.° 2/76 e/ou no artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 (tendo em conta também o disposto no artigo 7.° da Decisão n.° 2/76 e/ou no artigo 13.° da Decisão n.° 1/80)? Deve ser entendido como tal qualquer emprego exercido quando o interessado estava na posse de uma autorização de residência ao abrigo da legislação relativa aos estrangeiros — donde a questão complementar de saber se esta expressão visa também no caso em apreço, num sentido mais amplo, o emprego que o interessado exercia e tinha o direito de exercer durante o período em que aguardava que a decisão relativa à sua autorização de residência fosse definitiva — ou apenas o emprego que deve ser considerado legalmente autorizado nos termos das disposições relativas ao emprego dos estrangeiros?»

18.

O processo de medidas provisórias que S. Z. Sevince intentou paralelamente contra o Staatssecretaris van Justitie, no qual contesta a recusa deste último de atribuir efeito suspensivo ao pedido de revisão da decisão de 7 de Maio de 1987, não obteve êxito, de forma que o interessado, desde 22 de Outubro de 1987, já não reside nos Países Baixos.

19.

O acórdão do Raad van State deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 de Junho de 1989.

20.

Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas, em 28 de Setembro de 1989 por S. Z. Sevince, recorrente na causa principal, representado pelo advogado A. W. M. Willems, de Amsterdão, em 2 de Outubro de 1989 pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Pieter Jan Kuijper, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, em 4 de Outubro de 1989 pelo Governo do Reino dos Países Baixos, representado por B. R. Bot, secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e em 5 de Outubro de 1989 pelo Governo da República Federal da Alemanha, representado por Ernst Roder, Regierungsdirektor im Bundesministerium für Wirtschaft.

21.

Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

A — Quanto à primeira questão prejudicial

1.

S. Z. Sevince alega que as decisões n.os 2/76 e 1/80 fazem parte da ordem jurídica comunitária. O conselho de associação é um órgão de execução do acordo e as suas decisões devem ser qualificadas de acordos autónomos ou assimiladas a estes, em conformidade com o artigo 228.° do Tratado CEE. Dado que, no acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel (12/86, Colect., p. 3719), o Tribunal de Justiça se julgou competente para interpretar o acordo e o protocolo, sê-lo-á igualmente para interpretar as decisões do conselho de associação, no qual as partes contratantes delegaram a aplicação dos artigos 12.° e 36.° do protocolo. A falta de publicação das decisões no Jornal Oficial não afecta esta interpretação, uma vez que tal publicação só é exigida quando as decisões sejam oponíveis a um cidadão a. título individual.

Portanto, à primeira questão deve responder-se afirmativamente.

2.

O Governo do Reino dos Países Baixos recorda que, a partir do acórdão de 30 de Abril de 1974, Haegeman (181/73, Recueil, p. 449), o Tribunal de Justiça vê num acordo celebrado pelo Conselho em conformidade com os artigos 228.° e 238.° do Tratado, no que respeita à Comunidade, um acto adoptado por uma das instituições desta Comunidade. Diferentemente do citado acórdão Demirel, o presente processo não diz respeito ao acordo de associação em si mesmo, mas às decisões do conselho de associação, composto por membros dos governos dos Estados-membros, do Conselho e da Comissão, por um lado, e por membros do Governo turco, por outro, e que é competente para garantir a aplicação e o desenvolvimento progressivos do regime de associação. Estas decisões serão, no que diz respeito à Comunidade, actos adoptados (designadamente) pelas instituições da Comunidade.

Portanto, o Governo neerlandês entende que, quando uma questão relativa à interpretação das decisões n.os 2/76 e 1/80 do conselho de associação é suscitada num processo pendente num órgão jurisdicional nacional cuja decisão não é susceptível de recurso jurisdicional de direito interno, esse órgão jurisdicional é obrigado, em conformidade com o artigo 177.° do Tratado CEE, a recorrer ao Tribunal de Justiça.

3.

O Governo da República Federal da Alemanha recorda igualmente que a noção de actos adoptados pelas instituições da Comunidade, na acepção do artigo 177.°, visa, designadamente, as convenções de direito internacional público celebradas pela Comunidade com Estados terceiros (acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg, 104/81, Recueil, p. 3641), entre elas, nomeadamente, os acordos de associação concluídos nos termos dos artigos 238.° do Tratado CEE (ver o citado acórdão Demirel). Ao passo que, no âmbito da celebração do acordo de associação, estamos perante um acto claramente imputável às instituições comunitárias, as decisões aqui em causa foram adoptadas pelo conselho de associação, que não é uma instituição da Comunidade, na acepção do artigo 177.° do Tratado, mas uma instituição autónoma, que funciona no âmbito do acordo e possui uma identidade distinta das instituições da Comunidade.

4.

A Comissão recorda que o Tribunal de Justiça se julgou competente para interpretar acordos internacionais, incluindo acordos mistos, considerados como actos adoptados pelas instituições da Comunidade. Às decisões do Conselho de Associação CEE-Turquia devem ser entendidas como acordos sob forma simplificada, celebrados na sequência da adopção de uma posição comum pelo Conselho da Comunidade quanto à decisão proposta. Tratando-se de um acordo misto, esta posição seria expressa de comum acordo pela Comunidade e pelos Estados-membros no seio do Conselho de Associação. Além disso, a associação entre a CEE e a Turquia deve ser considerada, não obstante o seu carácer misto, como um acordo bilateral e o conselho de associação funciona como o órgão bilateral que reúne a Comunidade e os Estados-membros, por um lado, e a Turquia, por outro. A única diferença entre a adopção das decisões do conselho de associação e o processo normal de conclusão de acordos pela Comunidade consiste na aprovação formal por uma decisão do Conselho. Contudo, o caracter vinculativo das decisões inscreve-se no acordo, sujeito ao processo de aprovação formal. Uma vez que a decisão do conselho de associação é um acto adoptado por uma instituição da Comunidade, deve-se responder afirmativamente à primeira questão.

B — Quanto à segunda questão prejudicial

1.

S. Z. Sevince alega que os artigos 2.°, n.° 1, alínea b), da Decisão n.° 2/76 e 6.°, n.° 1, terceiro travessão, da Decisão n.° 1/80 têm natureza vinculativa e são desprovidos do caracter programático que o Tribunal reconheceu, no citado acórdão Demirel, ao artigo 12.° do acordo. Com efeito, estes artigos dão aplicação ao artigo 12.° do acordo e são suficientemente precisos para serem invocados por um particular e aplicados por um tribunal. A circunstância de os artigos 2.°, n.° 2, da Decisão n.° 2/76 e 6.°, n.° 3, da Decisão n.° 1/80 remeterem, no que se refere às modalidades de aplicação, para as regulamentações nacionais não afecta a natureza incondicional das disposições em causa. A questão determinante é a de saber se os Estados-membros podem ainda condicionar ou restringir a aplicação de uma disposição. Assim, o Tribunal de Justiça reconheceu, num acórdão de 4 de Dezembro de 1986, FNV (71/85, Colect., p. 3855), que o poder de apreciação de que dispõem os Estados quanto aos meios de aplicação de uma proibição não impede o efeito directo desta, desde que a mesma imponha plenamente o resultado que as disposições nacionais devem realizar. Aliás, num acórdão de 5 de Fevereiro de 1976, Bresciani (87/75, Recueil, p. 129), o Tribunal de Justiça reconheceu efeito directo às decisões do conselho de associação instituído como órgão da Convenção de Iaundé de 1963.

Portanto, à segunda questão deve responder-se afirmativamente.

2.

O Governo do Reino dos Países Baixos recorda que, conforme a jurisprudência uniforme do Tribunal de Justiça (citados acórdãos Kupferberg e Demirel), uma disposição de um acordo concluído pela Comunidade com um Estado terceiro deve ser considerada directamente aplicável quando, considerando os seus termos, assim como o objecto e a natureza do acordo, comportem uma obrigação clara e precisa, independente, na sua execução ou nos seus efeitos, de qualquer acto ulterior. Uma vez que as decisões do conselho de associação correspondem a estes critérios, são directamente aplicáveis. As decisões n.os 2/76 e 1/80 visam a aplicação faseada do artigo 12.° do acordo. Os artigos 2.°, n.° 2, da Decisão n.° 2/76 e 6.°, n.° 3, da Decisão n.° 1/80 dispõem formalmente que as modalidades de aplicação são fixadas pelas regulamentações nacionais. Os artigos 12.° da Decisão n.° 2/76 e 29.° da Decisão n.° 1/80 dispõem, além disso, que as partes contratantes adoptarão, cada uma no que lhes diz respeito, as medidas necessárias para a execução das decisões respectivas. Ora, a CEE não tomou tais medidas no que respeita às disposições ora em causa. Os artigos 6.° da Decisão n.° 2/76 e 12.° da Decisão n.° 1/80 permitem que os Estados-membros não apliquem as disposições ora em causa se o Estado em questão sofrer ou estiver em risco de sofrer perturbações no seu mercado de trabalho que possam implicar riscos graves para o nível de vida ou de emprego numa região, sector de actividade ou profissão. Diversamente da situação em causa no citado acórdão Kupferberg, não se trata aqui de cláusulas de salvaguarda, cuja aplicação está dependente de um exame prévio de um comité misto, mas de um poder de derrogação unilateral. As decisões n.os 2/76 e 1/80, da mesma forma que os artigos 12.° do acordo e 36.° do protocolo, revestem um caracter programático.

Portanto, o Governo neerlandês entende que se deve responder negativamente à segunda questão.

3.

Segundo o Governo da República Federal da Alemanha, mesmo que, por mera hipótese, os critérios do efeito directo válidos para um acordo concluído pela Comunidade pudessem ser transpostos para as decisões do conselho de associação, não se poderá concluir no caso em apreço pela existência de tal efeito directo. O artigo 22.° do acordo, que impõe às partes a obrigação de tomarem as medidas necessárias para a execução das decisões adoptadas, parte do princípio da necessária transposição das decisões do conselho de associação. Da mesma forma, o acordo relativo às medidas a adoptar para aplicação do acordo estabelece, no seu artigo 2.°, que as decisões adoptadas pelo conselho de associação nos domínios abrangidos pela competência da Comunidade são objecto, com vista à sua aplicação, de actos adoptados pelo Conselho, deliberando por unanimidade após consulta da Comissão. Caso as decisões se integrem num domínio que não é da competência da Comunidade, os Estados-membros adoptarão as medidas de aplicação necessárias. Os artigos 12.° da Decisão n.° 2/76 e 29.° da Decisão n.° 1/80 prevêem igualmente a adopção de medidas de execução pelas partes contratantes. Tal execução impõe-se, tanto mais que as matérias a alterar por força das decisões são reguladas de forma diferente nos Estados-membros.

4.

Segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça, no citado acórdão Kupferberg, referiu que a circunstância de um acordo criar um quadro institucional específico de concertação e de negociação e comportar cláusulas de salvaguarda, hipótese que se verifica no quadro do acordo CEE-Turquia, não se opõe ao reconhecimento de uma eventual aplicabilidade directa de determinadas disposições. As decisões n.os 2/76 e 1/80 constituem uma aplicação dos artigos 12.° do acordo e 36.° do protocolo. O facto de o Tribunal de Justiça ter declarado, no citado acórdão Demirel, que os artigos 12.° e 36.° não são directamente aplicáveis não impede que se reconheça essa qualidade às decisões que conferem um conteúdo concreto aos princípios destes artigos.

Os artigos 12.° da Decisão n.° 2/76 e 29.° da Decisão n.° 1/80, ao imporem às partes contratantes que adoptem as medidas necessárias para a execução das disposições em causa, mais não serão que uma repetição do artigo 22.° do acordo e visarão unicamente sublinhar a natureza vinculativa da decisão. Da mesma forma, não se poderão extrair das cláusulas de salvaguarda contidas nos artigos 9.° da Decisão n.° 2/76 e 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 argumentos contrários à aplicabilidade directa. Segundo o seu contexto, os artigos em causa no caso em apreço visam atribuir direitos incondicionais aos trabalhadores turcos. O facto de as modalidades de aplicação destas disposições serem fixadas por regulamentações nacionais explica-se pela necessidade de assegurar a aplicação das disposições respeitantes à tomada em consideração dos períodos de férias, de doença ou de desemprego involuntário no cálculo do período de emprego regular. Da mesma forma, as cláusulas de salvaguarda económicas que figuram nos artigos 6.° da Decisão n.° 2/76 e 12.° da Decisão n.° 1/80 em nada afectam, em tempo normal, o direito individual do trabalhador turco.

As disposições de «standstill» contidas nos artigos 7.° da Decisão n.° 2/76 e 13.° da Decisão n.° 1/80 constituem proibições impostas incondicionalmente às partes contratantes e o direito comunitário reconhece tradicionalmente a aplicabilidade directa de tais proibições. Não é oponível a S. Z. Sevince, que tomou conhecimento dos direitos que as decisões do conselho de associação lhe reconhecem, a falta de qualquer publicação oficial.

Portanto, a Comissão entende que se deve dar uma resposta afirmativa à segunda questão.

C — Quanto à terceira questão prejudicial

1.

S. Z. Sevince considera que os artigos 2.°, n.° 1, alínea b), da Decisão n.° 2/76 e 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 constituem disposições autónomas que não podem ser lidas à luz das cláusulas de «standstill» dos artigos 7° da Decisão n.° 2/76 e 13.° da Decisão n.° 1/80. Não podendo o trabalhador turco invocar o período de trabalho indicado nos artigos em causa, não poderá fazer valer direitos, a menos que a legislação nacional o faça beneficiar desses direitos. Nessa hipótese, a disposição de «standstill» proíbe a revogação de regimes mais favoráveis. As disposições de «standstill» visam os trabalhadores que não apenas exercem uma actividade regular mas também residem regularmente num Estado-membro. Daí se poderá concluir, a contrario, que os artigos 2.° da Decisão n.° 2/76 e 6.° da Decisão n.° 1/80 não impõem uma condição distinta no que diz respeito à residência. A Decisão n.° 1/80 menciona o emprego regular nos seus artigos 7.°, 9.° e 10.°, sem o ligar à condição de residência, enquanto os mesmos artigos 7.° e 9.° mencionam expressamente a situação regular, no que se refere à residência, dos filhos de um trabalhador turco inserido no mercado regular do trabalho. Regra geral, quem exerce uma actividade regular é igualmente titular de uma autorização de residência; todavia, acontece diferentemente em determinados casos de fronteira, como o de S. Z. Sevince.

Se o emprego regular implicasse uma situação regular no que diz respeito à residência, esta situação regular não poderia visar unicamente uma permanência com base numa autorização de residência. Tal está em conformidade com a noção de residência regular que figura noutros tratados internacionais, como a Convenção Europeia de Assistência Social e Médica, de 11 de Dezembro de 1953, o Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, a Carta Social Europeia, de 18 de Outubro de 1961, e o Protocolo Adicional n.° 4 à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 24 de Novembro de 1950. Aliás, a Comissão Europeia dos Direitos do Homem considerou que uma residência autorizada a título provisório no decurso de um processo pendente relativo a uma autorização de residência pode ser regular (decisão de 1 de Dezembro de 1986, queixa n.° 11825/85). S. Z. Sevince exerceu legalmente uma actividade assalariada nos Países Baixos e aí residiu legal ou regularmente durante esse período, mesmo não sendo titular de uma autorização de residência. Uma vez que os artigos 2.° da Decisão n.° 2/76 e 6.° da Decisão n.° 1/80 não prevêem expressamente a condição da situação regular no que respeita à residência, S. Z. Sevince poderá, como trabalhador que exerce uma actividade regular desde há algum tempo, invocar o benefício destas disposições.

Portanto, deve responder-se o seguinte à terceira questão prejudicial:

«—

pela expressão “empregado regularmente” que figura no artigo 2° e no artigo 6.° deve entender-se unicamente uma actividade que é lícita face à legislação nacional relativa ao trabalho dos estrangeiros;

a título subsidiário, na hipótese de só se poder considerar que um trabalhador está empregado regularmente quando exerce a actividade em causa encontrando-se numa situação regular no que diz respeito à residência, deve entender-se por situação regular no que diz respeito à residência não apenas a que se baseia numa autorização de residência, mas também a que é permitida pelas autoridades nacionais enquanto se aguarda que se torne irrevogável a decisão relativa à concessão da autorização de residência.»

2.

Segundo o Governo do Reino dos Países Baixos, o órgão jurisdicional do reenvio pretende saber se a expressão «empregado regularmente» visa unicamente a actividade exercida em conformidade com as prescrições relativas ao exercício de um emprego no país em questão ou um emprego que, além disso, foi exercido por uma pessoa possuidora de uma autorização de residência, para efeitos (nomeadamente) do exercício de uma actividade assalariada. O facto de o artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 visar a inclusão do trabalhador turco no mercado regular de trabalho de um Estado-membro significa que a actividade assalariada é exercida com base numa autorização de residência emitida para efeitos do exercício de tal actividade. A exigência de uma situação regular no que respeita à residência e ao emprego a que se refere o artigo 13.° da Decisão n.° 1/80 apresenta o mesmo alcance. A residência regular significa que o interessado preenche as condições para a concessão de uma autorização de residência para o exercício de uma actividade assalariada e não abrange uma residência autorizada com base num processo judicial intentado pelo interessado. Caso contrário, um estrangeiro poderia invocar direitos com base nas decisões n.os 2/76 e 1/80 fundando-se unicamente no facto de ter recorrido à justiça relativamente à questão de saber se preenche as condições de concessão de uma autorização de residência. As disposições de «standstill» contidas nas decisões não afectam a aplicação da regulamentação em vigor no momento da adopção das decisões aos trabalhadores que se encontram na situação de S. Z. Sevince.

Portanto, o Governo neerlandês considera que a expressão «empregado regularmente», utilizada nas decisões citadas pelo Raad van State e nomeadamente no contexto do artigo 7.° da Decisão n.° 2/76 e/ou do artigo 13.° da Decisão n.° 1/80, deve ser interpretada no sentido de que visa unicamente a actividade assalariada exercida com base numa autorização de residência concedida (nomeadamente) para efeitos do exercício de uma actividade assalariada.

3.

O Governo da República Federal da Alemanha refere que só se impõe uma resposta à terceira questão no caso de resposta afirmativa às questões precedentes. A expressão «empregado regularmente» refere-se ao estatuto do trabalhador em matéria de direito de residência. Uma interpretação diversa implicaria que um trabalhador turco, que residisse ilegalmente num Estado-membro, mas que tivesse trabalhado durante um certo tempo com uma relação de trabalho regular, poderia beneficiar do regime do artigo 6.°, n.° 1, primeiro travessão, da Decisão n.° 1/80.

4.

A Comissão observa que, seja qual for a resposta à terceira questão, poder-se-á sempre afirmar que as decisões n.os 2/76 e 1/80 operam uma distinção nítida entre o direito ao trabalho (autorização de trabalho) e o direito de residência (autorização de residência), de forma que os Estados-membros poderão sempre considerar que os artigos 2.° da Decisão n.° 2/76 e 6.° da Decisão n.° 1/80 apenas dizem respeito ao direito ao trabalho. Todavia, tal interpretação seria inaceitável por princípio. Com efeito, o direito de exercer actividades cada vez mais importantes, em conformidade com o artigo 2.° da Decisão n.° 2/76 ou 6.° da Decisão n.° 1/80, implica um direito de residência. O direito ao trabalho não poderá, em qualquer caso, ser recusado com fundamento na inexistência de uma autorização de residência. O facto de as cláusulas de «standstill», como o artigo 13.° da Decisão n.° 1/80, visarem os trabalhadores que se encontram numa situação regular no que respeita à sua residência e ao seu emprego não justifica uma interpretação diversa. Na Decisão n.° 1/80, praticamente apenas se encontram artigos que se referem ao emprego regular. O direito de residência decorre implicitamente do exercício regular de um emprego. Só na hipótese de não se verificar o exercício regular de um emprego, em caso de desemprego regular do trabalhador (artigo 8.°) ou relativamente aos membros da sua família (artigos 7.° e 9.°) é que o direito dè residência adquiriria um significado autónomo.

Portanto, a Comissão propõe que se responda deste modo à terceira questão:

«A expressão “empregado regularmente”, que figura no artigo 6.° da Decisão n.° 1/80, deve ser interpretada no sentido de que implica automaticamente um direito de residência, não podendo o livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha ser recusado ao trabalhador turco empregado regularmente desde há mais de quatro anos com o fundamento de que a sua autorização de residência não é válida, a menos que se verifiquem as razões referidas nos artigos 12.° e 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, nas condições aí definidas».

F. A. Schockweiler

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: neerlandés.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

20 de Setembro de 1990 ( *1 )

No processo C-192/89,

que tem por objecto um pedido apresentado ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Raad van State dos Países Baixos e destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

S. Z. Sevince

e

Staatssecretaris van Justitie,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de determinadas disposições das decisões n.os 2/76 e 1/80 do conselho de associação instituído pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Econômica Europeia e a Turquia,

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler e M. Zuleeg, presidentes de secção, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, F. Grévisse e M. Diez de Velasco, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto

considerando as observações escritas apresentadas:

em representação de S. Z. Sevince, pelo advogado A. W. M. Willems, do foro de Amesterdão,

em representação do Governo alemão, por E. Röder, Regierungsdirektor im Bundesministerium für Wirtschaft, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por B. R. Bot, secretário-geral do Ministério dos Negocios Estrangeiros, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. J. Kuijper, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as observações orais de S. Z. Sevince, do Governo alemão, do Governo neerlandês, representado por J. W. de Zwaan, na qualidade de agente, e da Comissão das Comunidades Europeias, apresentadas na audiência de 22 de Março de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Maio de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por decisão de 1 de Junho de 1989, que deu entrada no Tribunal de Justiça no dia 8 do mesmo mês, o Raad van State dos Países Baixos, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, colocou três questões prejudiciais relativas à interpretação de determinadas disposições das decisões n.os 2/76, de 20 de Dezembro de 1976, e 1/80, de 19 de Setembro de 1980, do conselho de associação instituído pelo acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em Aneara, em 12 de Setembro de 1963, concluído em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 217, p. 3685; EE 11 FI p. 18, adiante «acordo»).

2

Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe S. Z. Sevince, cidadão turco, ao Staatssecretaris van Justitie, relativo à recusa de concessão de uma autorização de residência nos Países Baixos.

3

Resulta dos autos que foi recusada a S. Z. Sevince, em 11 de Setembro de 1980, uma prorrogação da autorização de residência que lhe fora concedida em 22 de Fevereiro de 1979, com o fundamento de já não existirem as razões de ordem familiar que tinham justificado a concessão desta autorização. O recurso interposto desta decisão, ao qual foi atribuído automaticamente efeito suspensivo, foi definitivamente julgado improcedente pelo Raad van State em 12 de Junho de 1986. Durante o período em que beneficiou do efeito suspensivo atribuído ao recurso, S. Z. Sevince obteve um certificado de trabalho que permaneceu válido até ao citado acórdão do Raad van State de 12 de Junho de 1986.

4

Alegando que tinha exercido durante um certo número de anos nos Países Baixos uma actividade assalariada, S. Z. Sevince requereu em 13 de Abril de 1987 a concessão de uma autorização de residência. Em apoio do seu pedido invocou o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da citada Decisão n.° 2/76, nos termos do qual o trabalhador turco empregado regularmente há pelo menos cinco anos num Estado-membro da Comunidade beneficia do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha, e o artigo 6.°, n.° 1, terceiro travessão, da citada Decisão n.° 1/80, que prevê que o trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-membro beneficia nesse Estado-membro, após quatro anos de emprego regular, do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha. Este pedido foi objecto do indeferimento tácito por parte das autoridades neerlandesas.

5

Tendo sido interposto recurso desta decisão de indeferimento para o Raad van State, este decidiu suspender a instância até o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre as questões seguintes:

«1)

O artigo 177.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional de um dos Estados-membros é competente para reenviar ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação das decisões sub judice do conselho de associação, a saber, a Decisão n.° 2/76 e/ou a Decisão n.° 1/80 (e, como sucede no caso em apreço, se é obrigado a fazê-lo), no caso de tal questão lhe ser suscitada e se considerar que é necessária uma resposta a esta questão para proferir o seu acórdão?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

O artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Decisão n.° 2/76 e/ou o artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 e o artigo 7.° da Decisão n.° 2/76 e/ou o artigo 13.° da Decisão n.° 1/80 devem ser considerados directamente aplicáveis nos países da Comunidade Europeia?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão :

Como deve ser entendida a expressão “empregado regularmente”, contida no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Decisão n.° 2/76 e/ou no artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 (tendo em conta também o disposto no artigo 7.° da Decisão n.° 2/76 e/ou no artigo 13.° da Decisão n.° 1/80)? Deve ser entendido como tal qualquer emprego exercido quando o interessado estava na posse de uma autorização de residência ao abrigo da legislação relativa aos estrangeiros — donde a questão complementar de saber se esta expressão visa também no caso em apreço, num sentido mais amplo, o emprego que o interessado exercia e tinha o direito de exercer durante o período em que aguardava que a decisão relativa à sua autorização de residência fosse definitiva — ou apenas o emprego que deve ser considerado legalmente autorizado nos termos das disposições relativas ao emprego dos estrangeiros?»

6

Para uma mais ampla exposição dos factos da causa principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos dos autos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à primeira questão

7

Através da primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende, em substância, saber se a interpretação das citadas decisões n.os 2/76 e 1/80 cabe no âmbito do artigo 177.° do Tratado CEE.

8

A este respeito, é de lembrar a título preliminar que, segundo a jurisprudência uniforme do Tribunal de Justiça, as disposições de um acordo concluído pelo Conselho, em conformidade com os artigos 228.° e 238.° do Tratado CEE, constituem parte integrante, a partir da entrada em vigor desse acordo, da ordem jurídica comunitária (ver acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel, n.° 7, 12/86, Colect., p. 3719, e acórdão de 14 de Novembro de 1989, Grécia/Comissão, n.° 12, 30/88, Colect., p. 3711).

9

O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, devido à sua ligação directa ao acordo que aplicam, as decisões do conselho de associação, da mesma forma que o próprio acordo, fazem parte integrante, a partir da sua entrada em vigor, da ordem jurídica comunitária (ver acórdão de 14 de Novembro de 1989, Grécia/Comissão, n.° 13).

10

Uma vez que o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial sobre o acordo na qualidade de acto adoptado por uma das instituições da Comunidade (ver acórdão de 30 de Abril de 1974, Haegeman, 181/73, Recueil, p. 449), tem igualmente competência para se pronunciar sobre a interpretação das decisões tomadas pelo órgão instituído pelo acordo e encarregado da sua aplicação.

11

Assim deve ser tanto mais que o artigo 177.° do Tratado CEE tem como função garantir a aplicação uniforme na Comunidade de todas as disposições que fazem parte da ordem jurídica comunitária, com vista a evitar que os seus efeitos variem conforme a interpretação que lhes é dada nos diferentes Estados-membros (ver acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg, 104/81, Recueil, p. 3641, e acórdão de 16 de Março de 1983, SPI e SAMI, 267/81 a 269/81, Recueil, p. 801).

12

Portanto, deve ser respondido à primeira questão colocada pelo Raad van State que a interpretação das citadas decisões n.os 2/76 e 1/80 se insere no âmbito de aplicação do artigo 177.° do Tratado CEE.

Quanto à segunda questão

13

A segunda questão colocada pelo Raad van State incide sobre a questão de saber se os artigos 2.°, n.° 1, alínea b), e 7.° da citada Decisão n.° 2/76 e os artigos 6.°, n.° 1, e 13.° da citada Decisão n.° 1/80 têm efeito directo no território dos Estados-membros.

14

A este respeito, importa notar que, para que lhes seja reconhecido esse efeito, as disposições de uma decisão do conselho de associação devem preencher as mesmas condições que são válidas para as disposições do próprio acordo.

15

No citado acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel, o Tribunal de Justiça decidiu que uma disposição de um acordo celebrado pela Comunidade com países terceiros deve ser considerada directamente aplicável sempre que, atendendo aos seus termos bem como ao objecto e à natureza do acordo, contém uma obrigação clara e precisa, que não está dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de qualquer acto posterior (n.° 14). Os mesmos critérios são válidos quando se trata de determinar se as disposições de uma decisão do conselho de associação podem ter efeito directo.

16

Para determinar se as disposições em causa das citadas decisões n.os 2/76 e 1/80 correspondem a estes critérios, deve-se antes de mais proceder à análise dos seus termos.

17

Sobre este ponto, verifica-se que o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da citada Decisão n.° 2/76, e o artigo 6.°, n.° 1, terceiro travessão, da citada Decisão n.° 1/80 consagram, em termos claros, precisos e incondicionais, o direito do trabalhador turco, após um certo número de anos de emprego regular num Estado-membro, a aceder livremente a qualquer actividade assalariada da sua escolha.

18

Da mesma forma, o artigo 7.° da citada Decisão n.° 2/76 e o artigo 13.° da citada Decisão n.° 1/80 estabelecem uma cláusula inequívoca de «standstill» no que se refere à introdução de novas restrições ao acesso ao emprego dos trabalhadores que se encontram em situação regular no que diz respeito à sua residência e ao seu emprego no território dos Estados contratantes.

19

A constatação de que as disposições das decisões do conselho de associação em questão na causa principal são susceptíveis de regular directamente a situação dos trabalhadores turcos integrados no mercado regular de trabalho de um Estado-membro é corroborada pela análise do objecto e da natureza das decisões de que aquelas disposições fazem parte e do acordo ao qual estão ligadas.

20

O acordo, que nos termos do seu artigo 2.°, n.° 1, tem como objecto promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes contratantes, estabeleceu, entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, uma associação que comporta uma fase preparatória, que permite à Turquia reforçar a sua economia com o auxílio da Comunidade, uma fase transitória, consagrada ao estabelecimento progressivo de uma união aduaneira e à aproximação das políticas económicas, e uma fase definitiva, que assenta na união aduaneira e implica o reforço da coordenação das políticas económicas das partes contratantes (ver acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel, n.° 15). No que se refere à livre circulação de trabalhadores, o artigo 12.° do acordo, que figura no título II, relativo à realização da fase transitória da associação, dispõe que as partes contratantes acordam em inspirar-se nos artigos 48.°, 49.° e 50.° do Tratado CEE na realização progressiva entre si da livre circulação. O protocolo adicional, assinado em 23 de Novembro de 1970, anexo ao acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, concluído pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 Fl p. 213; adiante «protocolo adicional»), prevê, no seu artigo 36.°, os prazos para a realização gradual desta livre circulação e estipula que o conselho de associação decidirá as modalidades necessárias para tal efeito.

21

As citadas decisões n.os 2/76 e 1/80 foram adoptadas pelo conselho de associação para implementar o artigo 12.° do acordo e o artigo 36.° do protocolo adicional, aos quais o Tribunal de Justiça reconheceu, no citado acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel, um alcance essencialmente programático. Assim, a Decisão n.° 2/76 visa expressamente, no seu preâmbulo, o artigo 12.° do acordo e o artigo 36.° do protocolo adicional e fixa, nos termos do seu artigo 1.°, numa primeira fase, as modalidades de aplicação do artigo 36.° do protocolo adicional. A Decisão n.° 1/80 visa, segundo o terceiro considerando do seu preâmbulo, melhorar, no domínio social, o regime de que beneficiam os trabalhadores e membros da sua família em relação ao regime instituído pela Decisão n.° 2/76. O alcance essencialmente programático das citadas disposições do acordo e do protocolo adicional não constitui obstáculo a que as decisões do conselho de associação que realizam, relativamente a pontos determinados, os programas previstos no acordo possam ter um efeito directo.

22

A conclusão de que os artigos das citadas decisões n.os 2/76 e 1/80, que constituem objecto da segunda questão prejudicial, são susceptíveis de ter efeito directo não poderá ser infirmada pela circunstância de o artigo 2.°, n.° 2, da Decisão n.° 2/76 e o artigo 6.°, n.° 3, da Decisão n.° 1/80 preverem que as modalidades de aplicação dos direitos conferidos aos trabalhadores turcos são fixadas pelas regulamentações nacionais. Com efeito, estas disposições mais não fazem do que definir com precisão a obrigação que incumbe aos Estados-membros de adoptarem as medidas de ordem administrativa eventualmente necessárias para a aplicação destas disposições, sem conferir aos Estados-membros a faculdade de condicionarem ou restringirem a aplicação do direito preciso e incondicional que as disposições das decisões do conselho de associação reconhecem aos trabalhadores turcos.

23

Da mesma forma, o artigo 12.° da citada Decisão n.° 2/76 e o artigo 29.° da citada Decisão n.° 1/80, que prevêem que as partes contratantes, cada uma no que lhe diz respeito, tomarão as medidas que a execução das disposições da presente decisão comporta, mais não fazem do que sublinhar a obrigação de cumprimento de boa fé de um acordo internacional, aliás, relembrada no artigo 7.° do próprio acordo.

24

Além disso, o efeito directo das disposições em causa no processo principal não poderá ser contestado pelo simples facto da falta de publicação das citadas decisões n.os 2/76 e 1/80. Com efeito, a falta de publicação destas decisões, ainda que possa constituir obstáculo a que sejam impostas obrigações a um particular, não é susceptível de privar este último da faculdade de invocar, perante uma autoridade pública, os direitos que estas decisões lhe conferem.

25

No que diz respeito às cláusulas de salvaguarda que permitem às partes contratantes derrogar disposições que consagram determinados direitos em benefício do trabalhador turco regularmente integrado no mercado de trabalho de um Estado-membro, deve-se observar que as mesmas só são aplicáveis em situações determinadas. Fora das situações específicas que podem implicar a sua aplicação, a existência destas cláusulas não é, por si mesma, susceptível de afectar a aplicabilidade directa das disposições a que permitem abrir excepções (ver citado acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg).

26

Resulta do conjunto das considerações que antecedem que deve ser respondido à segunda questão colocada pelo Raad van State que o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da citada Decisão n.° 2/76 e/ou o artigo 6.°, n.° 1, da citada Decisão n.° 1/80 e o artigo 7.° da Decisão n.° 2/76 e/ou o artigo 13.° da Decisão n.° 1/80 têm efeito directo nos Estados-membros da Comunidade Europeia.

Quanto à terceira questão

27

Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional do reenvio pretende saber se a expressão «empregado regularmente», que figura no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da citada Decisão n.° 2/76 e/ou no artigo 6.°, n.° 1, terceiro travessão, da citada Decisão n.° 1/80, visa a situação de um trabalhador turco autorizado a exercer um emprego durante o período em que beneficia de uma suspensão da execução de uma decisão que lhe recusa o direito de residência, da qual interpôs recurso.

28

Para responder a esta questão, importa notar antes de mais que as citadas disposições se limitam a regular a situação do trabalhador turco no plano do emprego, sem se referir à sua situação relativamente ao direito de residência.

29

Estes dois aspectos da situação pessoal do trabalhador turco estão intimamente ligados e, ao reconhecerem a este trabalhador, após um certo período de emprego regular num Estado-membro, o acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha, as disposições em causa implicam necessariamente, sob pena de privarem de qualquer efeito o direito que reconhecem ao trabalhador turco, a existência, pelo menos neste momento, de um direito de residência do interessado.

30

A regularidade do emprego, na acepção destas disposições, mesmo admitindo que não esteja necessariamente dependente da posse de uma autorização regular de residência, pressupõe todavia uma situação estável e não precária no mercado do trabalho.

31

Em particular, embora o exercício regular de uma actividade durante um certo período implique, no termo deste período, o reconhecimento do direito de residência, não se pode conceber que um trabalhador turco possa determinar por si próprio a possibilidade de preencher essa condição e, por conseguinte, de ver reconhecido esse direito pelo simples facto de, tendo-lhe sido recusada pelas autoridades nacionais uma autorização de residência válida durante esse período e tendo feito uso das vias de recurso previstas no direito nacional contra esta recusa, ter beneficiado do efeito suspensivo atribuído ao seu recurso e, portanto, ter podido ser autorizado, a título precário, enquanto aguarda o desfecho do litígio, a residir no Estado-membro em questão e aí exercer uma actividade.

32

Em consequência, a expressão «empregado regularmente», que figura no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da citada Decisão n.° 2/76 e/ou no artigo 6.°, n.° 1, terceiro travessão, da citada Decisão n.° 1/80, não pode abranger a situação de um trabalhador turco que apenas pôde continuar legalmente a exercer uma actividade em razão do efeito suspensivo atribuído ao seu recurso até que o órgão jurisdicional nacional decida definitivamente este recurso, na condição, todavia, de este órgão jurisdicional negar provimento ao recurso.

33

Portanto, deve ser respondido à terceira questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional que a expressão «empregado regularmente», que figura no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da citada Decisão n.° 2/76 e/ou no artigo 6.°, n.° 1, terceiro travessão, da citada Decisão n.° 1/80, não abrange a situação de um trabalhador turco autorizado a exercer uma actividade durante o período em que beneficiou de uma suspensão da execução de uma decisão que lhe recusou o direito de residência, da qual interpôs um recurso a que foi negado provimento.

Quanto às despesas

34

As despesas efectuadas pelo Governo da República Federal da Alemanha, pelo Governo do Reino dos Países Baixos e pela Comissão, que apresentaram observações em Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo quanto às partes na causa principal a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir sobre as despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Raad van State dos Países Baixos, por decisão de 1 de Junho de 1989, declara:

 

1)

A interpretação das decisões n.os 2/76, de 20 de Dezembro de 1976, e 1/80, de 19 de Setembro de 1980, do conselho de associação instituído pelo acordo que cria uma associação entre a Comunidade Econômica Europeia e a Turquia insere-se no âmbito de aplicação do artigo 177.° do Tratado CEE.

 

2)

O artigo 2°, n.° 1, alínea b), da citada Decisão n.° 2/76 e/ou o artigo 6.°, n.° 1, da citada Decisão n.° 1/80 e o artigo 7° da Decisão n.° 2/76 e/ou o artigo 13.° da Decisão n.° 1/80 têm efeito directo nos Estados-membros da Comunidade Europeia.

 

3)

A expressão «empregado regularmente», que figura no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da citada Decisão n.° 2/76 e/ou no artigo 6.°, n.° 1, terceiro travessão, da citada Decisão n.° 1/80, não abrange a situação de um trabalhador turco autorizado a exercer uma actividade durante o período em que beneficia de uma suspensão da execução de uma decisão que lhe recusa o direito de residência, da qual interpôs um recurso a que foi negado provimento.

 

Due

Slynn

Kakouris

Schockweiler

Zuleeg

Mancini

O'Higgins

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Grévisse

Diez de Velasco

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 20 de Setembro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: necrlandís.

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