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Document 61989CJ0057

    Acórdão do Tribunal de 28 de Fevereiro de 1991.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
    Conservação das aves selvagens - Trabalhos numa zona de protecção especial.
    Processo C-57/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-00883

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:89

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-57/89 ( *1 )

    I — Matéria de facto

    1. Os trabalhos de aterro efectuados no Rysumer Nacken

    O Rysumer Nacken situa-se na margem leste da embocadura do rio Ems e abrange a zona compreendida entre o farol de Campen, a norte, e a estação de bombagem de Knock, a sul. Faz parte do Wattenmeer da Frisia Oriental. Toda a região é utilizada por numerosas espécies de aves, mais ou menos amplamente, como local de muda, de invernada, de alimentação ou de nidificação.

    Desde há algum tempo, quantidades consideráveis de materiais de escavação provenientes de operações de dragagem no canal do rio Ems são utilizadas em aterro nesta zona.

    2. O projecto de defesa do litoral na Leybucht

    a) A geografia da região

    A Leybucht é uma baía do Wattenmeer na Frisia Oriental, cujo diâmetro é de cerca de 5 quilómetros. À semelhança da quase totalidade da costa do mar do Norte que acompanha a Baixa Saxónia, a Leybucht está desde há séculos rodeada de diques, devido ao perigo de inundação provocado pelas ondas de tempestades. À superfície da Leybucht é de cerca de 2800 hectares, repartidos por 30 hectares de pântanos aquáticos, 1800 hectares de Watt, 690 hectares de prados salgados e de 280 hectares de Polder de Verão.

    No lado sul da baía situa-se o porto de Greetsiel, que é o mais importante porto de pesca de caranguejo na costa alemã do mar do Norte. O tráfego de navios provenientes de e com destino ao porto passa pelo canal externo de Greetsiel. Na extremidade norte da baía encontra-se o porto de Leybuchtsiel, utilizado principalmente pelas embarcações da guarda costeira e por embarcações desportivas.

    A Leybucht é a última grande baía de água salgada quase intacta do litoral da Baixa Saxónia e é, desde há muito tempo, uma zona de nidificação, de alimentação e de muda para diferentes espécies de aves limícolas e aquáticas, tanto sedentárias como migratórias. Em particular, constitui uma importante zona de nidificação para o alfaiate.

    b) O estatuto jurídico da região

    aa) No plano nacional

    A Leybucht foi colocada sob um regime de protecção especial por um regulamento do Landas. Baixa Saxónia, de 13 de Dezembro de 1985, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1986, que cria o parque nacional «Niedersächsisches Wattenmeer». Nos termos do artigo 2.° deste regulamento, no âmbito do parque nacional, o caracter particular da natureza e da paisagem da região situada em frente à costa da Baixa Saxónia deve ser protegido contra qualquer deterioração, e a evolução natural desses biótopos deve ser assegurada conservando a riqueza da sua flora e da sua fauna.

    Segundo o artigo 3.° do mesmo regulamento, os limites do parque nacional são determinados a partir de mapas anexos ao regulamento. O mapa intitulado «Nationalpark Niedersächsisches Wattenmeer» inclui, assinalada por um asterisco, a nota seguinte: «Processo de aprovação de planos em curso. Após o fim do processo, a decisão de aprovação dos planos entrará em vigor logo que se torne definitiva.»

    bb) No plano comunitário

    Numa comunicação à Comissão datada de 6 de Setembro de 1988, o Governo alemão notificou a classificação da Leybucht como zona de protecção especial na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/409/CEE. Nessa comunicação lê-se:

    «A Leybucht inclui-se, na sua maior parte, na zona de protecção I (zona de repouso). Juntam-se o regulamento e os seus anexos. Estes indicam exactamente os limites da região que é objecto do regime de protecção, bem como as diferentes zonas de protecção específicas...»

    ce) No plano internacional

    A Leybucht é uma zona húmida de importância internacional, especialmente como habitat de aves aquáticas, na acepção da Convenção de Ramsar (Irão) de 2 de Fevereiro de 1971. A convenção define, no artigo 1.°, as zonas húmidas como extensões de pântanos, de pauis, de turfeiras ou de águas naturais ou artificiais, permanentes ou temporárias, de água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo as extensões de água do mar cuja profundidade na maré baixa não exceda 6 metros. A República Federal da Alemanha, que aderiu a esta convenção com efeitos a partir de 25 de Junho de 1976, designou o Wattenmeer como zona húmida de importância internacional, nos termos do artigo 2.° da convenção.

    c) As modalidades de execução do projecto

    O plano geral de protecção do litoral do Land da Baixa Saxónia de 1973 classificou como tarefa urgente elevar e reforçar o dique existente na Leybucht, a fim de proteger o interior das terras, mesmo contra as tempestades mais violentas. O plano foi posto em execução pela decisão de aprovação de planos, adoptada em 25 de Setembro de 1985 pelo executivo do distrito de Weser-Ems. A realização do projecto começou no início de 1986. A última fase dos trabalhos deverá ser iniciada em 1991.

    Quanto à execução imediata dos trabalhos, a exposição de motivos da decisão acima referida sublinha que a melhoria da protecção contra as inundações nesta região reveste, desde há muito, um interesse essencial. Os diques da Leybucht, nomeadamente o de Greetsiel, constituem, após os importantes trabalhos de reforço efectuados nas duas últimas décadas, um dos últimos pontos fracos do dique principal. O carácter urgente do reforço dos diques foi demonstrado pela multiplicação, a partir de 1976, de maremotos importantes.

    De acordo com o projecto de contenção das águas, os dois canais de navegação, ou seja, o canal exterior de Norden e o de Greetsiel, bem como o porto de Leybuchtsiel, devem futuramente ser encerrados. O projecto prevê também, a sudoeste da Leybucht, a construção de uma bacia represada por meio de diques com comportas para o mar e um canal de navegação de acesso ao porto de Greetsiel no sentido dessas comportas, bem como, a sudeste, a consolidação e alargamento do dique existente seguindo a linha actual compreendida entre Greetsiel e Leybuchtsiel, bem como a construção de um canal de drenagem colocado por trás do novo dique.

    Os trabalhos de drenagem destinam-se a evitar, no futuro, trabalhos de dragagem e de irrigação na Leybucht, garantindo ao mesmo tempo o acesso ao porto de Greetsiel e a drenagem natural das terras. A instalação do reservatório e da barragem a sudoeste da baía é necessária para manter aberta a nova via de acesso ao porto de Greetsiel, graças a uma evacuação natural das lamas.

    Para além da nova bacia represada por meio de diques em frente ao porto de Greetsiel, em direcção a norte, o dique reforçado acompanhará, em grande medida, a actual linha de diques. A elevação e o reforço desta parte do dique provocarão um avanço de cerca de 50 metros da base do dique em direcção ao mar. Esta deslocação do dique na direcção do mar fará desaparecer uma centena de hectares de pântanos salgados. Um pouco antes de Leybuchtsiel, o novo dique será arredondado numa extensão de 2 quilómetros, de modo que o ângulo actual, quase recto, desaparecerá em benefício de uma linha de dique mais curta. No seu último troço, a linha de diques afastar-se-á, numa extensão de cerca de 2000 metros, da linha actual, a fim de formar uma curva.

    Resulta da exposição de motivos da decisão de aprovação de planos que o reforço do dique do lado do mar reduzirá as dimensões de uma zona de nidificação abundante em aves limícolas devido à estrutura do solo, o que implica uma redução do número de ninhadas. Todavia, na zona de apoio que se constituirá em Neuwesteel, haverá possibilidades de estabilização dessas populações. O avanço do dique poderá igualmente ter consequências para as aves migratórias. No entanto, a ausência de perturbações, que deverá resultar, nomeadamente, da protecção desse sector, permitirá a diminuição da zona-tampão entre o dique e as áreas de repouso das espécies migratórias.

    O Greetsieler Nacken sofrerá uma diminuição das superfícies de areia húmida, bem como dos terrenos situados para além do dique, sujeitos a uma influência principalmente artificial, e, portanto, menos diferenciados e menos ricos, do ponto de vista da estrutura vegetal, que as superfícies naturais de vegetação crucifera. Esta diminuição será, no total, de cerca de 450 hectares. O desaparecimento das areias húmidas provocará uma redução das possibilidades de alimentação em limícolas.

    A construção de diques prevista implicará igualmente uma certa diminuição da cintura de sedimentação onde abundam algumas espécies, nomeadamente o alfaiate, devido à proximidade das zonas de nidificação e de alimentação, de modo que a densidade de população de alfaiates diminuirá nesse sector. No interior da Leybucht, bem como ao longo do dique em forma de faixa de planícies que o acompanha, formar-se-á uma vasta extensão de pastagens de cerca de 150 hectares. Todavia, é provável que essa extensão não possa oferecer nesse sector uma compensação suficiente para os alfaiates.

    Segundo a exposição de motivos da decisão de aprovação de planos, a situação é diferente no que se refere às aves de planície, por exemplo o abibe-comum e o maçarico-de-bico-direito. Da mesma forma, as espécies de aves que se alimentam nas areias húmidas, como o ostraceiro e o pernaverme-lha-comum, estabelecer-se-ão provavelmente nesse sector, após se terem acostumado ao dique alto.

    As funções da Hauener Hooge como local de nidificação, de repouso e de refúgio em caso de inundação deixarão de ser inteiramente asseguradas devido à diminuição da sua extensão. No entanto, devido à ausência de perturbações nessa zona, a população futura será mais numerosa, nomeadamente a das aves que, de outra forma, prefeririam a zona sob influência da água salgada. O desaparecimento completo do sal conduzirá a uma diminuição do número de espécies e a uma alteração parcial da vegetação. Assim, a zona em questão transformar-se-á definitivamente em planícies terrestres.

    No que diz respeito à actual faixa de apoio entre o dique de Störtbeker e a estrada nacional que se encontra atrás do dique, esta apresenta actualmente uma densidade de ninhadas mais elevada que a das zonas de prados salgados para lá do dique, uma vez que é maciçamente utilizada devido à presença simultânea de uma zona de nidificação ao abrigo das inundações e de terrenos e areias húmidas facilmente acessíveis para lá do dique. Esta faixa, uma vez diminuída e transformada, apresentará, no futuro e duravelmente, uma população menos numerosa de todas as espécies. No que diz respeito ao abibe-comum e ao maçarico-de-bico-vermelho, a perda pode elevar-se a 25 % da população actual, se essas espécies não se instalarem em novos locais no Leyhörn ou na zona de Neuwesteel.

    II — Processo pré-contencíoso

    1.

    Por carta de 11 de Maio de 1987, a Comissão notificou o Governo alemão para apresentar as suas observações sobre os trabalhos de aterro efectuados no Rysumer Nacken. Segundo esta carta da Comissão, os trabalhos constituem não apenas uma perturbação em si mesmos, nomeadamente devido às emissões acústicas, mas implicam também, numa parte do Wattenmeer, uma transformação profunda que afecta directamente as condições de vida das espécies de aves protegidas.

    Tendo esta carta ficado sem resposta, a Comissão, por carta de 11 de Agosto de 1988, dirigiu ao Governo alemão um parecer fundamentado no qual confirmou que esses trabalhos, dada a deterioração considerável desse habitat de aves protegidas, eram contrários às obrigações que resultam do artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Nesse parecer fundamentado, a Comissão sublinhou também que os materiais de escavação utilizados nos trabalhos de aterro continham metais pesados e resíduos de actividades industriais.

    2.

    Na sequência de uma queixa, a Comissão, por notificação de 7 de Agosto de 1987, comunicou ao Governo alemão as objecções que tinha a formular contra o projecto de construção de diques da Leybucht. Tendo esta notificação ficado sem resposta, a Comissão, em 4 de Julho de 1988, emitiu um parecer fundamentado no qual acusou o Governo alemão de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.° 4, da directiva, ao não ter adoptado, no âmbito da execução desse projecto de construção numa zona de protecção especial, as medidas adequadas para evitar uma deterioração do habitat de aves protegidas nessa zona.

    Por carta de 6 de Setembro de 1988, o Governo alemão comunicou à Comissão as razões pelas quais considerava que os trabalhos ordenados pelo Land da Baixa Saxónia eram compatíveis com as disposições da directiva. Quanto ao impacto desses trabalhos na zona de protecção especial em questão, o Governo alemão, na mesma carta, forneceu um determinado número de explicações.

    3.

    Dessa carta constam os esclarecimentos seguintes:

    «É certo que as medidas de defesa do litoral projectadas devem reduzir em medida não negligenciável o habitat das espécies de aves que vivem na Leybucht, de forma que esse território se encontra afectado na sua função de zona de nidificação e de repouso, bem como na sua função de zona de alimentação. Todavia, essas deteriorações poderão ser parcialmente compensadas pela criação de novas áreas. Além disso, determinadas espécies de aves sofrerão apenas perturbações temporárias, até se adaptarem às modificações do ambiente e se reinstalarem. De qualquer forma, é claro que os trabalhos provocarão não o desaparecimento total de uma espécie de aves na zona considerada, mas, no máximo, uma redução da densidade das populações. O Governo federal está convencido de que os trabalhos em questão não modificaram fundamentalmente o caracter de que a zona da Leybucht se reveste, enquanto habitat único no seu gênero para as espécies de aves que aí se encontram. Além do mais, a importância das deteriorações acima referidas é compensada, pelo menos parcialmente, pelos efeitos positivos directamente ligados aos trabalhos de defesa do litoral. Neste aspecto, notar-se-á em particular que a Leybucht não está exposta a efeitos antropogénicos devido aos trabalhos de aterro, ao depósito de materiais de escavação ou à navegação profissional ou desportiva. O processo de secagem, que já não é influenciado pelos trabalhos de aterro, favorece o crescimento de prados salgados naturais e contribui para o alargamento das marinhas de sal, facilitando assim a fuga em caso de perturbações antropogénicas. Quando a zona da Leybucht tiver reencontrado o sossego, todas as espécies de aves que aí vivem poderão estabelecer-se tanto mais facilmente porque as possibilidades de nidificação, por exemplo, serão acrescidas.»

    III — Processo no Tribunal de Justiça

    1.

    Por petição entregue na Secretaria do Tribunal em 28 de Fevereiro de 1989, a Comissão, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça o incumprimento imputado à República Federal da Alemanha em matéria de conservação de aves selvagens nas zonas de protecção especial, nos termos do artigo 4.° da Directiva 79/409. Por requerimento entregue em 28 de Julho de 1989, o Governo britânico solicitou a sua intervenção em apoio dos pedidos da demandada.

    2.

    Por requerimento separado, entregue na Secretaria do Tribunal em 17 de Julho de 1989, a Comissão, ao abrigo do artigo 186.° do Tratado CEE e do artigo 83.° do Regulamento de Processo, apresentou um pedido de medidas provisórias a fim de que o Tribunal ordenasse à República Federal da Alemanha que adoptasse as medidas necessárias para suspender os trabalhos de construção de diques na zona da Leybucht e, nomeadamente, que renunciasse provisoriamente a executar os trabalhos relativos à última fase do plano de construção até que o Tribunal de Justiça tenha decidido do mérito da causa. Este pedido foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de Agosto de 1989.

    3.

    Com base no relatório preliminar do juiz-relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal de Justiça decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia. Todavia, solicitou à Comissão que precisasse as suas acusações, tendo em conta a afirmação do Governo alemão de que o parque nacional «Niedersächsisches Wattenmeer» termina a norte do Rysumer Nacken, enquanto os trabalhos de aterro só se efectuam no Rysumer Nacken Süd, não indo além do dique em construção na Leybucht. Solicitou também ao Governo alemão que apresentasse os dados numéricos de que dispõe, relativos à evolução, desde o início dos trabalhos de reforço do dique, da população de aves protegidas pela directiva que fazem ninho na Leybucht. As partes responderam a estes pedidos no prazo previsto.

    IV — Pedidos das partes

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    1)

    declarar que, ao ter projectado ou executado, nas zonas protegidas da Leybucht e do Rysumer Nacken, trabalhos de construção de diques ou de aterro contrários à obrigação que lhe incumbe, por força das disposições conjugadas do artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, e do anexo I da Directiva 79/409 relativa à conservação das aves selvagens, de adoptar as medidas adequadas para evitar a deterioração dos habitats de aves protegidas, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE;

    2)

    condenar a demandada nas despesas.

    A República Federal da Alemanha, bem como o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte concluem pedindo que o Tribunal se digne:

    1)

    julgar a acção improcedente;

    2)

    condenar a Comissão nas despesas.

    V — Fundamentos e argumentos das partes

    Quanto aos trabalhos de aterro efectuados no Rysumer Nacken

    1.

    A Comissão considera que esses trabalhos são incompatíveis com o artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Sublinha as consequências graves de um depósito contínuo de materiais de escavação provenientes do canal de Ems, que implicam uma transformação profunda dessa parte do Wattenmeer, bem como a perturbação das aves, devido às emissões acústicas.

    Segundo a Comissão, os trabalhos de aterro em questão não se limitam aos meios que provocam o mínimo possível de perturbações. Os efeitos negativos dessas actividades teriam podido ser evitados se, em vez de proceder a trabalhos de aterro, o projecto se tivesse limitado, por exemplo, ao reforço ou à elevação do dique principal. Segundo a Comissão, ainda que se tenha de admitir a necessidade desses trabalhos de aterro com produtos de dragagem, não foi determinada a medida em que teria sido impossível utilizar em vez disso materiais menos poluentes do que os materiais de escavação provenientes de um grande curso de água como o Ems, que são frequentemente poluídos por metais pesados e outras substâncias nocivas.

    2.

    O Governo alemão sublinha que o Rysumer Nacken não foi declarado zona de protecção especial na acepção do artigo 4.°, n.° 4, da directiva e que o parque nacional «Niedersächisches Wattenmeer» termina a norte dessa zona. O Rysumer Nacken, que nunca foi colocado sob um regime de protecção, é constituído por duas zonas distintas, o Rysumer Nacken Norte, urna zona puramente lagunar, e o Rysumer Nacken Sul, um campo de irrigação artificial que já dispõe de diques.

    Os trabalhos de aterro só têm lugar no Rysumer Nacken Sul. Este campo de irrigação artificial serve, no essencial, para a manutenção do canal do Ems. Os materiais utilizados no aterro são regularmente analisados para detectar eventuais substâncias nocivas. Já antes da adopção da directiva, isto é, em 1979, esta zona estava terraplenada a uma altura de 6,5 metros acima do zero normal, de forma que já não se trata de uma zona lagunar.

    A zona lagunar Rysumer Nacken Norte foi objecto de trabalhos de aterro com areia no dique do lado virado para o mar, que terminaram no mês de Agosto de 1986. Esses trabalhos destinavam-se a reforçar o dique existente entre o farol de Campen e o dique de ligação. Elevaram as zonas lagunares que se encontravam em frente ao dique a uma altura de 4 metros acima do zero normal ao longo do dique, com um desnível natural na parte de baixo. Não estão previstos outros trabalhos de aterro no lado do dique virado para o mar. Aliás, esses trabalhos não provocaram qualquer degradação das condições ecológicas dessa zona.

    O Governo alemão considera que, de qualquer forma, os trabalhos em questão estão em conformidade com as exigências referidas no artigo 4.° da directiva, mesmo se se considerar que o Rysumer Nacken faz parte de uma zona de protecção especial, uma vez que se destinam ao reforço do dique existente e à defesa do litoral.

    3.

    Segundo o Governo britânico, os trabalhos no Rysumer Nacken não se situam no interior de uma zona de protecção especial. O parque nacional «Niedersächsiches Wattenmeer» termina a norte do Rysumer Nacken. As medidas de defesa do litoral, isto é, o aterro com areia do lado do dique virado para o mar, situam-se fora de urna zona de protecção especial.

    O Governo britânico sublinha o carácter diferente do Rysumer Nacken Norte e do Rysumer Nacken Sul. Explica que os trabalhos de aterro realizados nesta última zona não provocaram qualquer modificação das condições ecológicas, na medida em que a zona é objecto de trabalhos do mesmo género há mais de meio século e deixou de ser uma zona lagunar muito antes da adopção da directiva.

    Na opinião do Governo britânico, a argumentação apresentada pela Comissão não é suficientemente precisa e detalhada. Está longe de provar que desses trabalhos resultará qualquer degradação dos habitats de aves que figuram no anexo I da directiva. Em caso algum pode considerar-se que esses trabalhos implicam uma degradação que tenha um efeito significativo, na acepção do artigo 4.°, n.° 4, da directiva.

    Quanto ao projecto de defesa do litoral na Leybucht

    1.

    A Comissão afirma que os trabalhos de construção de diques na Leybucht perturbam as espécies de aves que beneficiam de uma protecção especial ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 4.°, n.° 1, e do anexo I da directiva, ao deteriorarem o seu habitat, classificado como zona de protecção especial.

    Afirma também que as zonas referidas no artigo 4.°, n.° 1, da directiva apresentam a particularidade de nelas deverem ser adoptadas medidas específicas para evitar qualquer deterioração no que diz respeito às aves referidas no anexo I, e isto sem qualquer excepção e sem que possam ser tidos em consideração interesses económicos, uma vez que esta disposição não remete para as considerações gerais enunciadas no artigo 2.° da directiva.

    Segundo a Comissão, o artigo 4.°, n.° 4, segunda frase, da directiva, segundo o qual, para além das zonas de protecção especial, os Estados-membros só são obrigados a esforçar-se por evitar as perturbações, confirma que o sistema instituído pela directiva inclui um escalonamento das medidas de protecção. Com efeito, é inútil classificar determinadas zonas como protegidas, se aí não forem aplicadas regras mais severas que fora dessas zonas.

    A Comissão considera que resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1987, Comissão/Bélgica (247/85, Colect., p. 3029), que a cláusula de reserva do artigo 2.° da directiva não é uma derrogação autónoma ao regime geral de protecção, mas antes uma indicação de que a própria directiva tem em consideração, por um lado, a necessidade de uma protecção eficaz das aves e, por outro, as exigências da segurança pública, da economia, da ecologia, da ciência, da cultura e do recreio. Assim, a tomada em conta destes interesses não pode ter, no âmbito do artigo 4.° da directiva, o mesmo valor que no que diz respeito às medidas previstas no artigo 3.° da mesma.

    A Comissão refere que, na escolha dos territórios mais adequados e na sua classificação como zonas de protecção especial, a tomada em consideração dos interesses enunciados no artigo 2.° da directiva não está excluída. Pelo contrário, no que diz respeito à gestão das zonas classificadas como zonas de protecção especial, o artigo 4.°, n.° 4, da directiva exige medidas positivas, excluindo qualquer deterioração da situação desses habitats.

    A Comissão sublinha que estão excluídas medidas de defesa do litoral, como o reforço de um dique, na medida em que não visem específica e exclusivamente a manutenção de uma zona de protecção especial e a sua conservação face às deteriorações naturais dos habitats de aves, na acepção do artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Também podem ser consideradas excepções em caso de perigo para a vida das pessoas, mas unicamente se as medidas necessárias forem limitadas de forma a provocar apenas a deterioração mínima necessária da zona de protecção em causa.

    Segundo a Comissão, estas condições não estão preenchidas. Ela esclarece que os trabalhos de construção de diques na Leybucht são incompatíveis com a obrigação que incumbe à demandada de adoptar medidas positivas relativamente aos habitats classificados. Tanto os trabalhos de construção em questão como os seus resultados implicam uma intervenção numa zona de protecção especial que deteriora as condições de vida de aves protegidas e causa o desaparecimento de várias centenas de hectares de terras. Além disso, os trabalhos em causa provocam uma redução sensível das superfícies ecologicamente úteis, bem como uma diminuição da densidade de determinadas populações de aves referidas no anexo I da directiva, nomeadamente a do alfaiate.

    A Comissão acrescenta que o artigo 13.° da directiva não é uma disposição que permita aos Estados-membros diminuir um nível de protecção já atingido como consequência de uma medida adoptada nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da directiva. Explica que o artigo 13.° da directiva não contém uma limitação das obrigações dos Estados-membros no que diz respeito à manutenção e à melhoria da protecção das aves selvagens.

    A Comissão observa que o facto de a directiva ter sido aprovada com base no artigo 235.° do Tratado não pode justificar uma interpretação restritiva do artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Comunidade tem competência para intervir no plano legislativo no domínio do ambiente. Segundo a Comissão, o peso a conceder a um dos objectivos da Comunidade num acto legislativo concreto é da competência do legislador comunitário. O Conselho pretendeu conceder uma importância especial à protecção das aves nas zonas de protecção especial designadas pelos próprios Estados-membros.

    Finalmente, a Comissão não considera possível deduzir da jurisprudência do Tribunal motivos que justifiquem um incumprimento das disposições do direito comunitário motivado por interesses gerais de ordem nacional. Em sua opinião, a própria directiva já assegura a ponderação dos interesses concorrentes a ter em conta e as autoridades nacionais não podem rever essa ponderação ou substituí-la por outra, reconsiderando os interesses já tidos em conta ou baseando-se noutros interesses nacionais.

    2.

    O Governo alemão observa que as informações relativas à Leybucht transmitidas à Comissão nos termos do artigo 4.°, n.° 3, da directiva não incluem o novo traçado do dique e as zonas situadas do lado deste virado para a terra da zona de protecção especial. Esclarece que a delimitação desta zona está definida no regulamento que cria o parque nacional «Niedersächsisches Wattenmeer», de forma que esta vai apenas até junto do dique, tal como este se apresentará após terminados os trabalhos.

    Segundo o Governo alemão, a criação de uma zona de protecção especial nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da directiva ocorre não através de uma declaração nesse sentido do Estado-membro à Comissão, mas apenas através de um acto legislativo ou regulamentar nacional. Esta tese é confirmada pelo facto de o teor desta disposição não indicar como e em relação a quem deve ser feita a classificação como zona de protecção especial.

    O Governo alemão refere que a resolução do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à Directiva 79/409 (JO C 103, p. 6; EE 15 F2 p. 124), não considera a Comissão como destinatária das classificações referidas no artigo 4.°, n.° 1, da directiva, mas como instância colectora de informações e organismo coordenador na acepção dos artigos 12.° e 18.° da directiva.

    O Governo alemão acrescenta que resulta desta resolução que, ao adoptar a directiva, o Conselho partiu do princípio de que eram necessários outros actos, especialmente no que diz respeito à organização e à administração das zonas de protecção especial, ou seja, considerava que a directiva, nomeadamente o artigo 4.°, ainda não regulamentava de forma concreta o conteúdo das obrigações que incumbem aos Estados-membros no domínio das zonas de protecção especial. De qualquer forma, nem a determinação dessas zonas nem a definição das medidas de protecção necessárias podem ser da competência da Comissão.

    O Governo alemão afirma que não existe qualquer obrigação de englobar o novo traçado do dique e a zona situada do lado deste virado para terra na Leybucht, zona que é necessária para a drenagem do interior das terras e para o acesso portuário da vila de Greetsiel, no regulamento que cria o parque nacional «Niedersächsisches Wattenmeer» e de os classificar como zona de protecção especial nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da directiva.

    O Governo alemão sublinha que, na escolha das zonas de protecção especial, podem ser tidos em conta interesses de carácter geral que não os da protecção das aves. A obrigação geral dos Estados-membros de proteger as aves selvagens é acompanhada de derrogações em benefício dos interesses colectivos enunciados nos artigos e 3.° da directiva. Portanto, incumbe aos Estados-membros apreciar esses interesses, tanto na escolha das zonas de protecção especial como na determinação das medidas necessárias nessas zonas. No entanto, na escolha do traçado do dique da Leybucht, só foram tidos em conta interesses gerais vitais, isto é, os imperativos da segurança do dique, da drenagem e da manutenção da abertura do porto de Greetsiel.

    No que se refere ao impacto dos trabalhos em causa no ambiente desta zona, o Governo alemão alega que o projecto de construção de diques na Leybucht não compromete de forma significativa a protecção das aves, como exige o artigo 4.°, n.° 4, da directiva.

    Segundo o Governo alemão, a Comissão não forneceu o menor elemento de prova concreto em apoio das suas alegações de que a decisão de aprovação de planos concede prioridade aos interesses da agricultura e da pesca, bem como do turismo, em detrimento da protecção das aves. Pelo contrário, todos esses interesses económicos foram subordinados aos imperativos da protecção da natureza.

    Segundo o Governo alemão, resulta da decisão de aprovação de planos que as medidas previstas têm como objectivo exclusivo a segurança do dique e a defesa do litoral. As fortíssimas tempestades de 1953, 1962 e 1976 mostraram que os diques existentes não eram suficientemente sólidos nem suficientemente elevados para assegurar a protecção do território e dos seus habitantes. Uma vez que as ondas de tempestade se tornaram muito mais altas nas últimas décadas, é urgente elevar e reforçar os diques, a fim de que estes possam proteger os habitantes da zona contra as tempestades mais violentas.

    Resulta da decisão de aprovação de planos que, aquando da planificação dos trabalhos de construção de diques, as autoridades competentes da Baixa Saxónia tiveram em conta todos os imperativos relativos à protecção das aves no quadro de uma análise aprofundada e ponderaram essas exigências com a da protecção do litoral e com a segurança trazida pelo dique. Neste contexto, não existia qualquer outra solução que respeitasse as mesmas exigências em matéria de segurança, e a medida de construção de diques também não podia ser reduzida, sob pena de deixar de cumprir a sua função. A intervenção no ecossistema da Leybucht, que o projecto em causa constitui, bem como as perturbações temporárias causadas pelos trabalhos de construção de diques, limitam-se assim ao mínimo indispensável.

    O Governo alemão sublinha que o traçado do dique constitui o menor prejuízo possível para o mundo das aves da Leybucht e que, para além da segurança da população costeira contra os maremotos, só tem em conta, na medida do inevitável, a necessidade de garantir a drenagem do interior das terras bem como a manutenção da abertura de um canal de ligação entre o porto de Greetsiel e o alto mar, para uso da frota de embarcações desta cidade.

    A deslocação da drenagem do interior das terras situadas por trás do dique do canal exterior de Norden para o novo canal de drenagem e para o reservatório do Leyhörn implica uma melhoria das condições ecológicas desta zona. Com efeito, uma vez terminados os trabalhos de construção, assistir-se-á ao desaparecimento tanto da circulação de embarcações como de trabalhos de dragagem permanentes no canal externo de Norden e no canal externo de Greetsiel, trabalhos esses até agora necessários para evitar a acumulação de lodo nas duas vias navegáveis que atravessam a Leybucht em direcção a Norderley.

    Além disso, a reconstrução do dique não podia deixar de lado a drenagem de grandes extensões do interior das terras situadas abaixo do nível do mar que, precisamente em caso de maremoto, estariam expostas aos riscos de uma inundação suplementar vinda do lado oposto ao mar. Assim, a longo prazo, os trabalhos no dique e a drenagem que lhe está necessariamente ligada terão um efeito positivo para as populações de aves protegidas, tendo em conta a colocação em repouso do centro da Leybucht.

    Segundo o Governo alemão, só duas exigências impostas pela configuração natural da Leybucht tiveram de ser tomadas em conta, isto é, a necessária drenagem de cerca de 35000 hectares de terras que se encontram, em grande parte, abaixo do nível do mar, e a preservação de um acesso ao mar para o porto da vila de Greetsiel e para a sua frota de pesca. Uma vez que importantes extensões do interior das terras que se situam atrás do dique estão abaixo do nível do mar, era necessário assegurar que, mesmo após a reconstrução do dique, essas terras interiores pudessem ser correctamente drenadas.

    Quanto às consequências do projecto, o Governo alemão precisa que, do ponto de vista da protecção da natureza, o mesmo projecto se apresenta de forma extremamente positiva para a Leybucht. Com efeito, o novo traçado do dique e o novo canal projectado para o lado do dique virado para o interior das terras tornarão inútil, no futuro, a dragagem permanente dos dois canais situados na Leybucht. Esses trabalhos de desassoreamento, bem como a circulação dos barcos que até ao presente passam pelo canal de Greetsiel, não permitiram que o ecossistema da baía conhecesse, no passado, uma situação de calma. Uma vez terminada a reconstrução do dique e a supressão das vias de navegação actuais, essas perturbações pertencerão definitivamente ao passado.

    O Governo alemão admite que a realização do projecto de construção de diques pode comportar algumas perturbações para as aves que vivem na Leybucht. No entanto, resulta das observações mais recentes não ter até agora ocorrido qualquer perturbação grave, designadamente para o alfaiate. Com efeito, as últimas observações mostram que o alfaiate não se deixou perturbar pelos trabalhos de construção de diques realizados na barragem e no reservatório de Leyhörn, sendo este, no entanto, o estaleiro mais importante de todo o projecto. O Governo alemão nota que em 1989 vários casais de aves instalaram os seus ninhos pela primeira vez a este e a oeste do reservatório, alguns deles ao lado da via de acesso ao estaleiro, que é percorrida por pesados camiões.

    No que se refere à condição das terras em questão, o Governo alemão considera que a sedimentação natural que futuramente se produzirá na Leybucht provocará o aparecimento de novos prados salgados naturais e a extensão das superfícies de vegetação crucifera. Segundo as observações de peritos, são mesmo prováveis o aparecimento a longo prazo de uma superfície correspondente à situação actual e o aumento da população de aves dos campos graças às medidas projectadas.

    Segundo o Governo alemão, não existem alternativas a este projecto. Um alargamento do dique para o interior das terras não é possível, uma vez que o espaço disponível está limitado pela estrada nacional que se encontra por trás do dique e uma vez que o canal de drenagem, a uma distância de segurança que já foi reduzida ao mínimo, deve correr, por razões técnicas, entre a estrada nacional e o dique.

    Seria impossível renunciar completamente ao canal de drenagem, não apenas devido à necessidade de uma drenagem óptima de cerca de 35000 hectares de terra, mas também porque esta solução teria graves inconvenientes ecológicos, uma vez que implica a renúncia total a todos os melhoramentos ecológicos previstos para a Leybucht, isto é, o abandono dos dois canais de navegação e uma acalmia completa da zona graças ao desaparecimento da circulação dos barcos e de todos os trabalhos de dragagem.

    Em termos de direito, o Governo alemão considera que o artigo 4.°, n.° 1, da directiva não visa especificamente as zonas de protecção especial, e sim todo o território nacional dos Estados-membros. Esclarece que os artigos 2.° e 3.° da directiva se referem a todas as espécies de aves, enquanto o artigo 4.°, n.° 1, da directiva diz unicamente respeito às enunciadas no anexo I. Ora, se a obrigação especial de protecção prevista no artigo 4.°, n.° 1, da directiva não diz respeito unicamente às zonas de protecção especial, mas se estende a todo o território nacional dos Estados-membros, não é possível afirmar que o legislador comunitário entendeu esta obrigação de protecção de forma absoluta.

    O Governo alemão sustenta que, no artigo 4.° da directiva, nada permite concluir que a aplicação das regras gerais inscritas nos artigos e 3.° deve ser excluída. Segundo as regras da interpretação sistemática, os interesses colectivos enumerados nessas disposições devem ser tidos em conta na interpretação do artigo 4.° da directiva.

    No que diz respeito à gestão das zonas de protecção especial, o Governo alemão afirma que as disposições da directiva exigem uma ponderação dos vários interesses gerais em causa. Assim, o artigo 4.° da directiva constitui apenas uma expressão muito geral de objectivos e implica uma ponderação muito complexa de factos e circunstâncias extremamente variados. O Governo alemão observa que a escolha de uma zona de protecção especial já exige um trabalho científico notável. Portanto, é necessária uma larga margem de apreciação dos Estados-membros na ponderação dos elementos de facto e na sua avaliação no plano biològico, a firn de ter em conta todos os dados científicos pertinentes.

    Segundo o Governo alemão, esta interpretação da directiva é duplamente confirmada pelo artigo 4.°, n.° 4, da mesma. Por um lado, a segunda frase desta disposição prevê que, para além das zonas de protecção, os Estados-membros devem esforçar-se por evitar a poluição ou a deterioração dos habitats. Por conseguinte, mesmo a obrigação especial enunciada no artigo 4.°, n.° 1, da directiva relativa à protecção das espécies de aves mencionadas no anexo I não pretende impor aos Estados-membros uma obrigação absoluta. Assim deve ser também, a fortiori, no que se refere à obrigação geral, baseada nos artigos 2.° e 3.° da directiva, de proteger as espécies que não estão enumeradas no anexo I. Por outro lado, mesmo nas zonas de protecção especial, os Estados-membros só estão sujeitos a uma obrigação rigorosa de protecção quando, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva, as perturbações que afectam as aves tenham um efeito significativo sobre os habitats classificados.

    A título subsidiário, isto é, supondo que o projecto em causa tenha um efeito significativo na situação ecológica da Leybucht, o Governo alemão invoca o artigo 13.° da directiva. Em sua opinião, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe uma deterioração efectiva da situação real, mas apenas no de que proíbe um afrouxamento das normas de protecção em vigor no momento da adopção da directiva. Consequentemente, quando os Estados-membros tenham adoptado medidas de protecção que vão para além do que era permitido no momento da entrada em vigor da directiva, essas medidas de protecção podem ser revogadas por normas nacionais posteriores.

    O Governo alemão observa que não é possível que, nas zonas de protecção especial, também as medidas de defesa do litoral estejam em princípio excluídas, na medida em que não se destinem específica e exclusivamente à manutenção de uma zona de protecção especial e que eventuais excepções só possam ser consideradas em circunstâncias excepcionais. Pelo contrário, as medidas destinadas à garantia de interesses vitais dos habitantes do litoral, como as relativas à segurança do dique, à drenagem das terras interiores situadas abaixo do nível do mar e à garantia de acesso de uma cidade portuária ao alto mar, são também lícitas nas zonas de protecção especial, desde que o prejuízo daí resultante para essas zonas e para as espécies de aves que aí vivem seja inevitável.

    O Governo alemão é de opinião de que a protecção prevista no artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva não é absoluta no sentido de, nessas zonas, só serem lícitas medidas positivas de protecção das aves, estando excluídas medidas destinadas a proteger outros interesses gerais vitais. O facto de conferir um carácter tão absoluto à protecção das aves é não apenas incompatível com a letra e o objectivo da directiva, mas também com os princípios superiores do direito comunitário. E certo que, nas zonas de protecção especial, os interesses económicos gerais como os do turismo, da indústria ou da agricultura devem ceder perante os imperativos da protecção das aves. No entanto, mesmo nas zonas de protecção especial podem ser adoptadas as medidas inevitáveis para salvaguardar interesses gerais vitais.

    Assim, as medidas necessárias à protecção do litoral são prioritárias em relação à protecção das aves, mesmo nas zonas de protecção especial na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da directiva. Com efeito, a proibição prevista no artigo 4.°, n.° 4, da directiva nunca pode prevalecer sobre a protecção de vidas humanas.

    O Governo alemão observa que o texto do artigo 4.°, n.° 4, da directiva não impõe aos Estados-membros a obrigação de evitarem qualquer prejuízo à avifauna em geral, mas designa apenas o objectivo das medidas. Acrescenta que, se o artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva impõe aos Estados-membros que tomem as medidas adequadas para evitar a poluição ou a deterioração dos habitats, bem como as perturbações que afectam as aves, essas medidas devem necessariamente ser dirigidas contra terceiros, ou seja, contra particulares, uma vez que a maior parte das perturbações que as aves sofrem nas zonas de protecção especial são ocasionadas por particulares. No quadro desta interpretação, o artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva não se refere de forma alguma a medidas estatais ou autorizadas pelo Estado.

    Quanto às relações entre os n.os 1 e 4 do artigo 4.° da directiva, o Governo alemão afirma que, se o princípio da criação de zonas de protecção especial é ultrapassado pelos interesses colectivos enunciados no artigo 2.° da directiva, isto deve valer, a fortiori, no que diz respeito ao conteúdo das obrigações que incumbem aos Estados-membros na gestão dessas zonas. Se a obrigação que lhes incumbe nas zonas de protecção especial fosse uma obrigação absoluta, os Estados-membros mostrar-se-iam extremamente reticentes em proceder à classificação dessas zonas.

    Além disso, segundo o Governo alemão, existe, na tradição jurídica dos Estados-membros, uma grande variedade de zonas de protecção especial, o que exclui qualquer conceito uniforme na matéria. Sublinha que, além de as regras aplicáveis, no que diz respeito a essas zonas, serem diferentes, numerosos Estados-membros conhecem diferentes categorias de zonas de protecção especial reguladas por direitos de intervenção que variam de uma categoria para outra. Portanto, nada permite pensar que a directiva pretende instituir, nas zonas de protecção especial, obrigações de conservação mais exigentes que a tradição nacional comum dos Estados-membros em matéria de protecção da natureza.

    Finalmente, o Governo alemão lembra que a directiva foi adoptada com base no artigo 235.° do Tratado, isto é, antes da entrada em vigor dos artigos 130.°-R a 130.°-T do Tratado que definiram a protecção do ambiente como um dos objectivos da Comunidade. Por conseguinte, o legislador comunitário só podia ter em conta a protecção da fauna no quadro dos objectivos económicos referidos no artigo do Tratado. Portanto, a competência comunitária não ia ao ponto de conceder à protecção das aves uma prioridade absoluta, mesmo sobre os interesses gerais vitais dos Estados-membros. De qualquer forma, uma concepção do artigo 4.°, n.° 4, da directiva que não dê prioridade à protecção da vida humana não pode ter estado nas intenções do legislador comunitário.

    Para o Governo alemão, resulta de um princípio fundamental do direito comunitário originário, que encontrou expressão particular no artigo 36.° do Tratado e na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às exigências imperativas, que a protecção da saúde e da vida das pessoas, bem como a segurança pública, têm, em princípio, prioridade sobre as disposições comunitárias relativas ao estabelecimento do mercado comum, desde que as medidas adoptadas para esse efeito sejam necessárias à protecção de interesses colectivos imperativos e respeitem o princípio da proporcionalidade.

    Em consequência, o artigo 4.°, n.° 4, da directiva não pode ser interpretado no sentido de que a protecção das aves suplanta totalmente os interesses incluídos na noção de melhoria das condições de vida, enunciada no artigo 2.° do Tratado, que os habitantes das zonas de protecção especial e das zonas limítrofes podem invocar.

    3.

    Segundo o Governo britânico, os limites da zona de protecção especial, que são os do parque nacional «Niedersächsisches Wattenmeer», não incluem os trabalhos de melhoria do dique na Leybucht. Segundo o regulamento que cria o parque nacional, este estende-se apenas até junto do dique, na configuração que este terá depois de terminados os trabalhos. Portanto, o novo traçado do dique, bem como as zonas situadas do lado deste virado para terra, estão excluídas da zona de protecção especial.

    Caso se devessem considerar as zonas em questão como fazendo parte de uma zona de protecção especial, o Governo britânico afirma que o artigo 4.°, n.° 4, da directiva exige a presença de um «efeito significativo» a propósito dos objectivos desse artigo.

    O Governo britânico explica que a directiva não contém qualquer definição desta expressão. Precisa, todavia, que ela deve ser interpretada à luz dos objectivos desta disposição, enunciados no n.° 1. Daí resulta que, para ter um efeito significativo, a deterioração deve ser tal que ameace a sobrevivência ou a reprodução de espécies protegidas na sua área de distribuição. Para o Governo britânico, os elementos fornecidos pela Comissão não são suficientes para permitir concluir que o projecto realizado na Leybucht provoca uma deterioração que tenha um efeito significativo, no sentido em que esta expressão deve ser entendida.

    O Governo britânico sublinha a importância dos elementos de prova apresentados pela demandada que indicam que, longe de provocar poluição dos habitats na Leybucht, os trabalhos projectados melhoram de forma significativa as suas condições ecológicas, para bem de todas as espécies. Segundo este Governo, a Comissão não apresentou qualquer elemento de prova que demonstre que o meio das aves protegidas sofre um efeito significativo, na acepção do artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Com efeito, a Comissão limita-se a afirmar que determinadas aves enumeradas no anexo I da directiva habitam na Leybucht e que os trabalhos decididos reduzirão as superfícies ecologicamente úteis disponíveis para essas espécies, provocando uma redução da densidade da população dessas aves.

    O Governo britânico lembra que, após o projecto, a actual dragagem permanente dos dois canais situados na Leybucht deixará de ser necessária e que a circulação de barcos provenientes do porto de Greetsiel deixará de passar pelo canal situado no meio da Leybucht. A localização do reservatório e da barragem na extremidade sul da baía servirá para preservar o centro da Leybucht das operações de dragagem e da navegação, bem como para criar nessa zona uma acalmia de que as aves também aproveitarão. Assim, no futuro, a Leybucht continuará a assorear-se naturalmente, formando novos prados salgados. As possibilidades de nidificação aumentarão para todas as espécies de aves que aí vivem, e a população de aves dos campos é mesmo susceptível de aumentar.

    Na opinião do Governo britânico, é legítimo, e até oportuno — na apreciação da questão de saber se um projecto particular provoca uma deterioração dos habitats e se essa deterioração tem um efeito significativo — investigar se os trabalhos provocam melhorias ecológicas compensatórias e quais são os seus efeitos nos objectivos do artigo 4.° da directiva.

    Caso o Tribunal de Justiça considere que as áreas em que o projecto é realizado se encontram no interior de uma zona de protecção especial e que desses trabalhos resulta um efeito significativo que afecte as espécies de aves referidas no anexo I da directiva ou as espécies migratórias, o Governo britânico opõe-se à interpretação dada pela Comissão ao artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Afirma que não apenas a interpretação do artigo 4.°, n.° 4, da directiva feita pela Comissão provocaria resultados imprevisíveis e inaceitáveis, mas ainda que seria contrária a um dos principais objectivos da directiva, que é o de encorajar a criação de zonas de protecção especial.

    Segundo o Governo britânico, no que diz respeito à classificação em zonas de protecção especial ao abrigo do artigo 4.°, n.° 1, da directiva, os Estados-membros dispõem de um amplo poder discricionário e, especialmente, têm o direito de ter em conta os interesses gerais referidos no artigo 2° da directiva, ou seja, as exigências ecológicas, científicas, culturais, económicas e de recreio.

    Na opinião do Governo britânico, uma interpretação diferente do artigo 4.°, n.° 4, da directiva seria especialmente infeliz, na medida em que, nestas condições, os Estados-membros só poderiam ter em consideração interesses gerais importantes numa fase prévia à classificação, ou seja, quando decidem se uma zona deve ser classificada como zona de protecção especial. Ora, os objectivos da directiva seriam mais facilmente atingidos se os Estados-membros pudessem ter em conta interesses gerais importantes tanto numa fase prévia como numa fase posterior à classificação. Desta forma, os Estados-membros seriam mais encorajados a proceder a classificações.

    O Governo britânico considera que o artigo 4.°, n.° 4, da directiva não proíbe a tomada em consideração de qualquer factor que não a vida de pessoas. Podem ser tidas em conta outras considerações importantes de interesse geral, incluindo as referidas no artigo 2° da directiva. Considera que resulta do exame da directiva que as suas disposições representam não uma série de obrigações distintas e de graus diferentes, mas sim um todo indissociável. O artigo 2.° e o artigo 3.°, n.° 1, da directiva exprimem em termos gerais as obrigações existentes relativamente a todas as espécies enumeradas no anexo I.

    O Governo britânico observa que, quanto às espécies enumeradas no anexo I da directiva, as modalidades específicas de cumprimento dessas obrigações foram enunciadas de forma mais detalhada devido à natureza vulnerável dessas aves. Nesse caso, e no caso de determinadas espécies migratórias, as obrigações previstas no artigo 4.° da directiva mais não são do que variantes mais completas das medidas referidas no artigo 3.°, n.° 2, alíneas a) e b), da directiva. Além disso, o artigo 3.°, n.° 2, alínea b), da directiva não faz qualquer distinção entre as exigências ecológicas no interior e no exterior das zonas de protecção. Esta falta de distinção encontra-se também na última frase do artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Noutros termos, as medidas especiais de conservação exigidas no artigo 4.° da directiva em relação às aves que figuram no anexo I mais não são do que formas específicas das medidas necessárias previstas no artigo 2.° e no artigo 3.°, n.° 1, da directiva.

    O Governo britânico afirma também que, se a intenção do legislador comunitário tivesse sido impor uma obrigação de conservação absoluta, teria expresso a sua intenção de, forma clara e inequívoca no teor do artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Ora, os termos utilizados nesta disposição não são susceptíveis de impor essa obrigação. A utilização de termos como «adequadas» e «evitar» implica uma margem de discricionaridade, que é conforme com a possibilidade de ter em conta considerações como as referidas no artigo 2.° da directiva. Acrescenta que o Conselho não impôs aos Estados-membros uma obrigação de adoptarem medidas positivas no contexto da conservação das aves sem que estes tenham qualquer direito de ter em conta, por exemplo, o custo das diferentes medidas possíveis ou outras implicações financeiras.

    O Governo britânico explica que a directiva se baseia no artigo 235.° do Tratado e que foi adoptada antes da revisão do Tratado pelo Acto Único Europeu e, por conseguinte, antes que o artigo 25.° deste acto tenha acrescentado ao Tratado um novo título dedicado à acção da Comunidade em matéria de ambiente, que figura nos artigos 130.°-R a 130.°-T do Tratado. Seria inconcebível que a directiva relativa à conservação de aves selvagens pudesse impor obrigações que excluíssem qualquer consideração de interesses gerais nacionais e locais, incluindo interesses económicos.

    Na opinião do Governo britânico, esta interpretação do artigo 4.°, n.° 4, da directiva é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a natureza e efeito do artigo 2.° da directiva. Segundo este Governo, resulta dos acórdãos do Tribunal de 8 de Julho de 1987, Comissão/Bélgica (247/85, Colect., p. 3029), e Comissão/Itália (262/85, Colect., p. 3073), que os factores referidos no artigo 2.° da directiva, embora não constituam derrogações, têm uma incidência importante e devem ser ponderados com a protecção das aves no contexto da directiva.

    Em último lugar, o Governo britânico sublinha o princípio da proporcionalidade. Precisa que as zonas de protecção especial podem abranger territórios consideráveis, onde habite, ou nas suas proximidades, um número importante de pessoas. Seria absurdo que um Estado-membro, ao decidir, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, da directiva, quais são as medidas adequadas a adoptar no que diz respeito a uma zona de protecção especial, só pudesse ter em conta os interesses das aves. Em particular, seria surpreendente que um Estado-membro fosse impedido de ter em conta até o bem-estar e os interesses dos seus cidadãos que vivem nessa zona. Não só semelhante interpretação do artigo 4.°, n.° 4, da directiva se afasta do seu preâmbulo e das suas outras disposições, como também é desproporcionada em relação aos objectivos prosseguidos pela directiva.

    M. Diez de Velasco

    Juiz-relator


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    28 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

    No processo C-57/89,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por I. Pernice, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Berardis, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

    demandante,

    contra

    República Federal da Alemanha, representada por E. Röder, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente, assistido por G. Leibrock, Regierungsrat no Ministério Federal da Economia, J. Sedemund, advogado no foro de Colónia, e A. Bleckmann, professor de direito na Westfälische Wilhelms Universität de Münster, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da República Federal da Alemanha, 20-22, avenue Émile Reuter,

    demandada,

    apoiada pelo

    Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por S. J. Hay, do Treasury Solicitor's Department, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

    interveniente,

    que tem por objecto obter a declaração de que, ao decidir ou efectuar, numa zona de protecção especial, certos trabalhos que deterioram o habitat de aves protegidas, contrariando o disposto no artigo 4.° da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

    advogado-geral: W. Van Gerven

    secretano: H. A. Rühi, administrador principal

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 16 de Outubro de 1990, em que a República Federal da Alemanha esteve representada pelo professor Bleckmann e pelo advogado Montag, e o Reino Unido por G. Barling, barrister,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 5 de Dezembro de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de Fevereiro de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao decidir ou efectuar, numa zona de protecção especial, certos trabalhos que deterioram o habitat de aves protegidas, contrariando o disposto no artigo 4.° da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à protecção das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125, a seguir «directiva»), a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

    2

    O artigo 4.° da directiva dispõe:

    «1)

    As espécies mencionadas no anexo I são objecto de medidas de conservação especial respeitantes ao seu habitat, de modo a garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução na sua área de distribuição.

    Os Estados-membros classificarão, nomeadamente, em zonas de protecção especial os territórios mais apropriados, em número e em extensão, para a conservação destas últimas na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva.

    2)

    Os Estados-membros tomarão medidas semelhantes para as espécies migratórias não referidas no anexo I e cuja ocorrência seja regular, tendo em conta as necessidades de protecção na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva no que diz respeito às suas áreas de reprodução, de muda e de invernada e às zonas de repouso e alimentação nos seus percursos de migração. Com esta finalidade, os Estados-membros atribuem uma importância especial à protecção das zonas húmidas e muito particularmente às de importância internacional.

    3)

    Os Estados-membros enviarão à Comissão todas as informações úteis de modo a que ela possa tomar as iniciativas convenientes tendo em vista a coordenação necessária para que as zonas referidas no n.° 1, por um lado, e no n.° 2, por outro, constituam uma rede coerente respondendo às necessidades de protecção das espécies na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva.

    4)

    Os Estados-membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas de protecção referidas nos n. os 1 e 2, a poluição ou a deterioração dos habitats bem como as perturbações que afectam as aves, desde que tenham um efeito significativo a propósito dos objectivos do presente artigo. Para além destas zonas de protecção, os Estados-membros esforçam-se igualmente por evitar a poluição ou a deterioração dos habitats.»

    3

    A acção teve como fundamento inicial duas acusações, a primeira relativa às operações de dragagem e de aterro efectuadas no Rysumer Nacken, e a segunda relativa a trabalhos de construção de diques levados a cabo na Leybucht.

    4

    No que respeita à primeira acusação, a Comissão tomou conhecimento na audiência de que o Rysumer Nacken não é abrangido pelo regulamento do Land da Baixa Saxónia, de 13 de Dezembro de 1985, que cria o parque nacional «Niedersächsisches Wattenmeer», e que, consequentemente, o Rysumer Nacken não está classificado como zona de protecção especial. Todavia, segundo a Comissão, trata-se de um facto novo apresentado na tréplica pela demandada, de modo que deve ser ela a suportar as despesas relativas a esse ponto.

    5

    O Governo alemão responde que a Comissão tinha conhecimento, antes de propor a acção no Tribunal de Justiça, de todos os dados relativos ao estatuto jurídico do Rysumer Nacken, nomeadamente dos mapas relativos à delimitação do parque nacional. Ora, resulta desses mapas que o Rysumer Nacken não está classificado como zona de protecção especial. Segundo o Governo alemão, os esclarecimentos prestados na tréplica não constituem um facto novo.

    6

    A este propósito, tenha-se presente que as indicações relativas à superfície dos territórios protegidos no Wattenmeer foram fornecidas pelo Governo alemão na sua comunicação de 6 de Setembro de 1988, feita em cumprimento do artigo 4.°, n.° 3, da directiva. A Comissão, no momento da propositura da acção, dispunha, entre outros dados, dos mapas anexos ao citado regulamento, que definem os limites da zona protegida. Ora, resulta dessas informações que o Rysumer Nacken não faz parte dos locais classificados como zona de protecção especial. Consequentemente, dado que a desistência desta parte da acção não se ficou a dever a uma atitude do Governo alemão, a Comissão deve suportar as despesas a ela relativas.

    7

    No que respeita aos trabalhos de construção de diques realizados na Leybucht, a Comissão alega que essas medidas perturbam as aves que beneficiam de uma protecção especial nos termos das disposições conjugadas do artigo 4.°, n.° 1, e do anexo I da directiva e deterioram o seu habitat, classificado como zona de protecção especial. Sublinha que o artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva exige medidas positivas que excluam toda e qualquer deterioração ou poluição desses habitats na gestão de uma zona de protecção especial.

    8

    A Comissão indica que medidas de defesa do litoral, como o reforço de um dique, podem ser admitidas em caso de perigo para a vida das pessoas, mas apenas desde que as intervenções exigidas se limitem a provocar a deterioração mínima necessária da zona de protecção especial em causa.

    9

    Segundo a Comissão, estas condições não estão preenchidas no caso em análise. Entende que tanto os trabalhos de construção realizados na Leybucht como os seus resultados implicam uma deterioração das condições de vida de aves protegidas e o desaparecimento de superfícies de valor ecológico considerável, provocando, desse modo, uma diminuição da densidade de certas populações de espécies mencionadas no anexo I da directiva, designadamente do alfaiate.

    10

    O Governo alemão assinala que, segundo as informações fornecidas à Comissão em cumprimento do artigo 4.°, n.° 3, da directiva, o novo traçado do dique na Leybucht exclui da zona de protecção especial o dique e as zonas situadas do seu lado e viradas para terra. Em seu entender, a delimitação dessa zona é definida pelo regulamento que cria o parque nacional de modo a não ir até junto do dique, tal como se apresenta após a conclusão dos trabalhos em questão.

    11

    Segundo o Governo alemão, as medidas tomadas têm como objectivo exclusivo a segurança do dique. Sublinha que as autoridades competentes ponderaram, por ocasião da planificação do projecto em questão, todos os imperativos de protecção das aves, por um lado, e a exigência de protecção do litoral, por outro. O Governo alemão esclarece que o novo traçado do dique bem como as perturbações temporárias ocasionadas pelos trabalhos constituem a mínima agressão possível para as aves que vivem na Leybucht. Acrescenta que a Comissão não apresentou qualquer elemento de prova que indicasse que as medidas em causa comprometiam significativamente a protecção dessas aves.

    12

    No que respeita à interpretação do artigo 4.°, n.° 4, da directiva, o Governo alemão alega que tal disposição exige uma ponderação de diversos interesses gerais susceptíveis de serem afectados na gestão de uma zona de protecção especial, pelo que os Estados-membros devem dispor de um amplo poder de apreciação nesse domínio.

    13

    O Governo britânico entende que a Comissão não demonstrou que o projecto em causa comporta um efeito significativo, na acepção do artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva. Esclarece que esse critério deve ser interpretado no sentido de que a deterioração de uma zona de protecção especial deve ser tal que ameace a sobrevivência ou a reprodução de espécies protegidas no interior da sua área de distribuição. Para o Governo britânico, os elementos fornecidos pela Comissão não são suficientes para permitir concluir que os trabalhos realizados na Leybucht provocam essa deterioração.

    14

    O Governo britânico sublinha a importância dos elementos de prova fornecidos pela demandada, que indicam que os trabalhos em causa melhorarão significativamente as condições ecológicas na Leybucht. Em seu entender, ao analisar-se a questão de saber se determinado projecto implica a deterioração significativa de uma zona de protecção especial, é legítimo procurar saber se esses trabalhos provocam simultaneamente melhoramentos ecológicos compensatórios.

    15

    Na opinião do Governo britânico, no âmbito do artigo 4.°, n.° 4, da directiva, podem ser tomadas em conta outras considerações importantes de interesse geral, incluindo as mencionadas no artigo 2.° da directiva. Defende que os Estados-membros devem poder tomar em consideração os interesses dos habitantes que vivem numa região onde se encontra uma zona de protecção especial.

    16

    Para uma mais ampla exposição da matéria de facto, da tramitação do processo, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos dos autos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    17

    No que respeita à delimitação da zona de protecção especial em causa, recorde-se que a configuração da Leybucht se encontra definida no regulamento que cria o parque nacional e nos mapas que lhe estão anexos. Se é certo que o plano dessa zona contém uma menção relativa ao plano de ordenamento do território, não deixa de ser verdade que o acto jurídico de classificação contém uma delimitação territorial precisa, constituída pelo traçado actual do dique, da zona de protecção especial. A deslocação do dique em direcção ao mar, no âmbito do projecto de defesa do litoral, provoca, assim, a redução da zona protegida.

    18

    Consequentemente, para resolver o presente litígio, há que responder a um certo número de questões de princípio relativas às obrigações dos Estados-membros na gestão das zonas de protecção especial, impostas pelo artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Impõe-se, deste modo, determinar se — e em caso afirmativo, em que condições — os Estados-membros estão autorizados a reduzir a superfície de uma zona de protecção especial e em que circunstâncias outros interesses podem ser tomados em consideração para tal decisão.

    19

    Quanto aos poderes dos Estados-membros de revogarem do modo descrito uma decisão de classificação em zona de protecção especial, note-se que a redução da superfície de um espaço protegido não está expressamente prevista nas disposições da directiva.

    20

    Embora seja certo que os Estados-membros gozam, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da directiva, de uma certa margem de apreciação na escolha dos territórios mais apropriados para uma classificação em zonas de protecção especial, eles não podem, em contrapartida, dispor da mesma margem de apreciação, no âmbito do artigo 4.°, n.° 4, da directiva, quando modificam ou reduzem a superfície de tais zonas, uma vez que foram eles próprios a reconhecer, nas suas declarações, que se encontram reunidas nessas zonas as condições de vida mais adequadas para as espécies enumeradas no anexo I da directiva. Se assim não fosse, os Estados-membros poderiam unilateralmente eximir-se às obrigações que lhes são impostas pelo artigo 4.°, n.° 4, da directiva, no que respeita às zonas de protecção especial.

    21

    Tal interpretação desta última disposição é, de resto, confirmada pelo nono considerando da directiva, que sublinha a importância especial que esta confere às medidas de conservação especial relativas aos habitats das aves enumeradas no anexo I a fim de assegurar a sua sobrevivência e a sua reprodução na respectiva área de distribuição. Daqui resulta que a faculdade dos Estados-membros de reduzir a superfície de uma zona de protecção especial só se pode justificar por razões excepcionais.

    22

    Tais razões devem corresponder a um interesse geral superior ao protegido pelo objectivo ecológico visado pela directiva. Neste contexto, os interesses enunciados no artigo 2.° da directiva, ou seja, as exigências económicas e de recreio, não podem entrar em linha de conta. Com efeito, como o Tribunal de Justiça sublinhou nos acórdãos de 8 de Julho de 1987, Comissão/Bélgica (247/85, Colect., p. 3029), e Comissão/Itália (262/85, Colect., p. 3073), esta disposição não constitui uma excepção autónoma ao regime de protecção estabelecido pela directiva.

    23

    No que respeita ao fundamento invocado no presente processo, assinale-se que o perigo de inundações e a protecção da costa constituem razões suficientemente sérias para justificar os trabalhos de construção de diques e de reforço das estruturas costeiras, na condição de que tais medidas se limitem ao estritamente necessário e provoquem a mínima redução possível da zona de protecção especial.

    24

    A este propósito, há no entanto que ter presente que, no que respeita à parte do projecto relativa à zona de Leyhörn, outras considerações atinentes não apenas à segurança costeira mas igualmente à preocupação de garantir o acesso das embarcações dos pescadores de Greetsiel a esse porto tiveram influência no traçado do dique. À luz dos princípios de interpretação do artigo 4.°, n.° 4, da directiva acima enunciados, a tomada em consideração de tal interesse é em princípio incompatível com as exigências desta última disposição.

    25

    Impõe-se, porém, sublinhar que esta parte do projecto tem igualmente repercussões positivas concretas para os habitats das aves. Efectivamente, a realização dos trabalhos permitirá o encerramento de dois canais de navegação que atravessam a Leybucht, de modo que esta zona passará a conhecer uma calma absoluta. Além disso, a decisão de aprovação dos planos prevê um regime de protecção rigoroso para a zona de Leyhörn. O dique que protegia anteriormente a zona de Hauener Hooge será aberto, expondo assim novamente uma ampla zona ao movimento das marés e permitindo, com isso, a formação de prados salgados, de considerável valor ecológico.

    26

    Consequentemente, a intenção de garantir a sobrevivência do porto de pesca de Greetsiel era susceptível de ser tomada em consideração para justificar a decisão sobre o traçado do novo dique, na condição de existirem as compensações ecológicas acima referidas, e apenas por esta razão.

    27

    Assinale-se, finalmente, que as perturbações resultantes dos próprios trabalhos de construção não excedem o que é necessário para a sua realização. Os dados relativos ao número de alfaiates nesse sector do Wattenmeer mostram, de resto, que não se verificou na altura qualquer alteração significativa na evolução da população dessa espécie, na acepção do artigo 4.°, n.° 4, da directiva. Além disso, nenhuma outra indicação relativa à evolução das populações de espécies protegidas foi fornecida pela Comissão.

    28

    Resulta de quanto precede que deve ser negado provimento à acção.

    Quanto às despesas

    29

    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas, incluindo as do interveniente e as relativas ao processo de medidas provisórias.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

     

    1)

    Nega-se provimento à acção.

     

    2)

    A Comissão é condenada nas despesas, incluindo as do interveniente e as relativas ao processo de medidas provisórias.

     

    Due

    Mancini

    O'Higgins

    Rodriguez Iglesias

    Diez de Velasco

    Slynn

    Kakouris

    Joliét

    Schockweiler

    Grévisse

    Zuleeg

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 28 de Fevereiro de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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