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Document 61989CJ0033

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 27 de Junho de 1990.
    Maria Kowalska contra Freie und Hansestadt Hamburg.
    Pedido de decisão prejudicial: Arbeitsgericht Hamburg - Alemanha.
    Subsídio temporário no caso de cessação da relação de trabalho - Exclusão dos trabalhadores a tempo parcial - Artigo 119.º do Tratado CEE.
    Processo C-33/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-02591

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:265

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-33/89 ( *1 )

    I — Factos e tramitação processual

    Maria Kowalska, autora no processo principal (adiante «autora») foi empregada a tempo parcial no serviço de justiça da ré no processo principal, a cidade livre e hanseatica de Hamburgo (adiante «a ré»), de 1 de Outubro de 1974 a 31 de Julho de 1987. O seu último vencimento mensal bruto era de 1477,01 DM. A relação laboral regia-se pela convenção colectiva de trabalho dos agentes não funcionários do serviço público (Bundesangestelltentarifvertrag adiante«BAT»). Segundo o artigo 62.° da BAT, os empregados a tempo inteiro têm direito, sujeito a determinadas condições suplementares, a um subsídio temporário, aquando da sua cessação de funções. As partes do processo principal estão de acordo em que a autora preenche todas as condições de concessão daquele subsídio temporário, com excepção da que prevê que o subsídio temporário só seja concedido aos empregados a tempo inteiro «com uma duração de trabalho de pelo menos 38 horas». Há, por outro lado, acordo entre as partes sobre o montante do subsídio temporário que, no caso de a autora a ele ter direito, seria, de acordo com o artigo 2.° da BAT, de 4431,03 DM (brutos).

    O subsídio temporário, que é concedido como uma espécie de auxílio transitório a título do dever de assistência da entidade patronal no caso de cessação da relação laboral no serviço público não imputável ao empregado (por exemplo, quando é atingido o limite de idade, quando são exercidos os direitos à pensão ou em caso de incapacidade de trabalho), sempre foi reservado aos trabalhadores a tempo inteiro, já que se funda numa regulamentação da função pública que apenas previa o trabalho a tempo inteiro. O subsídio temporário foi, em 1961, incluído na convenção colectiva de trabalho dos agentes não funcionários da administração pública, após numerosas modificações; nessa ocasião, foi abandonada a grande discriminação que existia para com os empregados do sexo feminino e foi convencionada a regulamentação que ainda hoje está em vigor.

    Entre os agentes da administração pública da República Federal da Alemanha, a proporção de mulheres que trabalham a tempo parcial ultrapassa consideravelmente a das mulheres que trabalham a tempo inteiro. Em 1987, as mulheres representavam 55,5 % dos agentes a tempo inteiro nos serviços públicos propriamente ditos; nos outros serviços, essa percentagem era de 52,2 %. Nos serviços públicos propriamente ditos, as mulheres representavam 77,3 % dos agentes a tempo parcial, contra 97,8 % nos outros serviços. Nos agentes a tempo parcial que trabalham 20 horas ou mais por semana, a proporção de mulheres era de 90,2 %.

    Tendo completado 60 anos em 10 de Julho de 1987, a autora deixou de trabalhar para a ré em 31 de Julho de 1987. Na sequência, solicitou-lhe o pagamento do subsídio temporário, ao abrigo do artigo 62.° da BAT, o que lhe foi recusado. Por meio de recurso que interpôs para o Arbeitsgericht Hamburg (República Federal da Alemanha), Maria Kowalska procurou obter da ré o pagamento daquele subsídio. Sustentou, nomeadamente, que a limitação do benefício de tal indemnização aos agentes a tempo inteiro constituía uma discriminação indirecta das mulheres e era contrária ao artigo 119.° do Tratado CEE, bem como à Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos. Segundo a autora, a diferenciação que a convenção colectiva faz entre os agentes a tempo inteiro e os agentes a tempo parcial não assenta em qualquer justificação objectiva. A ré, pelo contrário, considera que a diferenciação de tratamento entre os empregados a tempo inteiro e os empregados a tempo parcial se justifica objectivamente pelo facto de os empregados a tempo parcial não colocarem à disposição da entidade patronal a sua integral capacidade de trabalho.

    O Arbeitsgericht Hamburg, tendo dúvidas sobre a compatibilidade da regulamentação em causa com o direito comunitário, bem como, tendo em conta a autonomia das partes das convenções colectivas quanto ao regime a adoptar, sobre as consequências jurídicas decorrentes de uma eventual incompatibilidade da convenção colectiva com o direito comunitário, submeteu ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Há violação, como “discriminação indirecta das mulheres”, do artigo 119.° do Tratado CEE de 1957, pelo facto de um convenção colectiva de trabalho para os trabalhadores da administração pública da República Federal da Alemanha, que prevê um subsídio temporário (Übergansgeld) com origem histórica no direito da função pública, no montante máximo de quatro meses de vencimento, atribuído no caso de cessação da relação laboral por razões não imputáveis ao agente (nomeadamente em caso de limite de idade, de reforma, de incapacidade para o trabalho ou de importante redução da capacidade de trabalho), excluir do direito a tal subsídio os agentes cujo contrato não estipula a duração normal de trabalho (38 horas por semana), quando se verifica que a percentagem de mulheres no conjunto dos agentes a tempo parcial abrangidos pela convenção colectiva é consideravelmente mais elevada que a percentagem de mulheres no conjunto dos agentes a tempo inteiro abrangidos pela mesma convenção?

    2)

    Para o caso de resposta afirmativa à questão 1: resulta das disposições conjugadas dos artigos 119.° e 117.° do Tratado CEE e/ou da Directiva 75/117/CEE do Conselho que os agentes a tempo parcial gozam, não obstante o regime prescrito pela convenção colectiva, de um direito ao subsídio (proporcional ao seu horário de trabalho) ou, pelo contrário, a autonomia das partes nas convenções colectivas, permitindo-lhes adoptar qualquer regime, obsta à existência de tal direito?»

    O tribunal de reenvio opina que a exclusão dos trabalhadores a tempo parcial do subsídio previsto no artigo 62.° da BAT constitui uma discriminação indirecta das mulheres que não tem justificação objectiva. Tendo em conta o elevado número de pessoal a tempo parcial, o tribunal considera que, para as entidades patronais públicas, não pode existir uma necessidade particular de privilegiar especialmente o pessoal a tempo inteiro. Tem, no entanto, dúvidas quanto à questão de saber se a existência de uma discriminação indirecta implica o direito de os agentes a tempo parcial beneficiarem do subsídio, ou se a autonomia de que as partes dispõem nas convenções colectivas se opõe ao suprimento da lacuna jurídica que resulta da incompatibilidade da convenção colectiva com o direito comunitário.

    O despacho de reenvio do Arbeitsgericht Hamburg foi registado na Secretaria do Tribunal em 9 de Fevereiro de 1989.

    De acordo com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram entregues observações escritas pela autora no processo principal, patrocinada por Klaus Bertelsmann, advogado no foro de Hamburgo, e pelo professor Heide Pfarr, pela ré no processo principal, patrocinada por Wolfgang Scheer e Rolf Stahmer, advogados no foro de Hamburgo, e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Bernhard Jansen, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente.

    Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu abrir a fase oral do processo sem instrução prévia. Por decisão do Tribunal de18 de Outubro de 1989, o processo foi distribuído à Sexta Secção.

    II — Observações escritas apresentadas pelas partes

    Sobre a primeira questão

    Segundo a autora, o subsídio previsto pela convenção colectiva constitui indubitavelmente uma remuneração, na acepção do artigo 119.° do Tratado. O tratamento desvantajoso dos agentes a tempo parcial, pelas disposições do artigo 62.° da BAT, face aos agentes a tempo inteiro, no que respeita à remuneração, constitui uma discriminação indirecta das mulheres e viola, portanto, o artigo 119.° do Tratado CEE e a Directiva 75/117. A exclusão dos agentes a tempo parcial do benefício do subsídio não pode — face às dificuldades encontradas pelos trabalhadores femininos para exercer uma actividade a tempo inteiro — ser justificada por circunstâncias diferentes da discriminação fundada no sexo. Não há justificação objectiva para a exclusão da categoria dos agentes a tempo parcial do benefício do subsídio previsto no artigo 62.° da BAT.

    A exclusão dos agentes a tempo parcial do benefício do subsídio representa um vencimento inferior àquele a que teriam direito porporcionalmente ao seu tempo de trabalho: a avaliação da diferença entre o trabalho a tempo inteiro e o trabalho a tempo parcial não deve ser feita de modo a que os agentes a tempo parcial não recebam mais qualquer prestação, antes devendo afectar unicamente de modo proporcional o montante da prestação. Assim, os agentes a tempo parcial, cuja duração de trabalho é igual a metade da duração do trabalho dos agentes a tempo completo, não deveriam receber, segundo a autora, senão metade do subsídio a que têm direito os agentes a tempo completo. Só por esta via se asseguraria um vencimento proporcional aos agentes a tempo parcial e se poderia evitar qualquer outra discriminação indirecta das mulheres susceptível de ser praticada a este respeito.

    A considera que o subsídio, na acepção do artigo 62.° da BAT, não corresponde ao conceito da remuneração, na acepção do artigo 119.°, n.° 2, do Tratado CEE, já que não é pago como contrapartida directa do trabalho ou dos serviços prestados, antes visa facilitar, ao trabalhador que tem que deixar o seu emprego por determinados motivos, a transição para um novo emprego, uma outra fonte de rendimento ou a situação de reforma. Para mais, a ré sublinha que o subsídio teria origem legal, no sentido de que antes da conclusão da BAT de 23 de Fevereiro de 1961 o pagamento de um subsídio já resultava de decretos e de tabelas salariais.

    Como argumentação alternativa, a ré sustenta que não se pode considerar existir discriminação dos trabalhadores do sexo feminino a tempo parcial quando uma disposição que confere um direito é até mais favorável, no seu domínio de aplicação, aos trabalhadores do sexo feminino do que aos do sexo masculino, ou comporta casos de abertura específica a favor das mulheres, com base no seu sexo. E o caso do artigo 62.° da BAT. Ele remete, nomeadamente, para a legislação em matéria de pensões, que prevê, exclusivamente para os trabalhadores femininos, a possibilidade de receber a pensão de reforma a partir da idade de 60 anos; neste caso, a BAT permite aos agentes do sexo feminino beneficiar do subsídio. Também beneficia exclusivamente as mulheres o direito ao subsídio em caso de denúncia do contrato de trabalho, após o nascimento de um filho.

    Pelo contrário, a Comissão insiste que o subsídio é uma remuneração, na acepção do artigo 119.° do Tratado CEE, já que se trata de um benefício em dinheiro pago directamente pela entidade patronal ao trabalhador, cuja concessão e cujo montante dependem da duração da relação laboral e do montante da remuneração mensal convencionada. A Comissão remete, a este respeito, para os acórdãos de 25 de Maio de 1971, Defrenne I (80/70, Recueil, p. 445), e de 9 de Fevereiro de 1982, Garland (12/81, Recueil, p. 359). E remete, igualmente, para o acórdão de 8 de Abril de 1975, Defrenne II (43/75, Recueil, p. 455), para apoiar a sua tese de que a proibição das discriminações enunciada no artigo 119.° do Tratado CEE se aplica também às convenções colectivas. Dado o caracter fundamental desta proibição, as partes nas convenções colectivas não a devem poder violar.

    Na função pública da República Federal da Alemanha verifica-se, existindo também estatísticas para o escalão comunitário e nacional, que a percentagem de mulheres que trabalham a tempo inteiro é bastante mais baixa que a das mulheres que trabalham a tempo parcial, tendo esta última categoria mais de 75 % de mulheres. Para mais, a Comissão considera que a argumentação desenvolvida pelas partes perante o tribunal de reenvio não contém qualquer elemento a favor da tese de que a discriminação dos empregados a tempo parcial, que consiste em excluí-los da concessão do subsídio em questão, possa ser objectivamente justificada. A este respeito, a génese da cláusula em causa da convenção colectiva seria reveladora já que, na sua versão original, tal disposição previa mesmo uma discriminação directa das mulheres. A consideração de que os trabalhadores a tempo parcial não colocam à disposição da entidade patronal pública, contrariamente aos trabalhadores a tempo inteiro, toda a sua capacidade de trabalho pode, sendo caso disso, justificar a aplicação de uma regra de proporcionalidade, mas não a completa exclusão do benefício de uma prestação. A circunstância desse subsídio ter sido instituído sobre o modelo de um estatuto de funcionários que não previa senão trabalhadores a tempo inteiro, também não é uma justificação suficiente neste contexto. Finalmente, tendo em conta a importância do trabalho a tempo parcial no mercado do trabalho, não se pode pretender que a entidade patronal pública não tenha uma obrigação de assistência para com os trabalhadores a tempo parcial comparável à que tem para com os trabalhadores a tempo inteiro. A Comissão não vê, portanto, qualquer motivo válido de justificação.

    A Comissão propõe, portanto, que o Tribunal responda à primeira questão do seguinte modo:

    «A disposição de uma convenção colectiva que exclui os trabalhadores a tempo parcial do benefício de um subsídio concedido no caso de cessação da relação laboral por razões não imputáveis aos trabalhadores deve, nas circunstâncias do caso concreto, ser considerada como uma discriminação das mulheres e, por consequência, como uma violação do artigo 119.° do Tratado CEE, a menos que a entidade patronal demonstre, convencendo o tribunal de reenvio, que tal disposição se funda em factores objectivos estranhos a qualquer discriminação baseada no sexo.»

    Sobre a segunda questão

    Segundo a autora, deve responder-se à segunda questão no sentido de que os agentes a tempo parcial excluídos, pela BAT, do benefício do subsídio têm direito — contrariamente às disposições da convenção colectiva — ao pagamento daquele subsídio, proporcionalmente ao seu tempo de trabalho. Para fundamentar a sua tese, remete para os acórdãos de 8 de Abril de 1976, já citado, de 4 de Dezembro de 1986, Federatie Nederlandse Vakbeweging (71/85, Colect., p. 3855), e de 24 de Junho de 1987, Borrie Clarke (384/85, Colect., p. 2865).

    A autora considera que, quando os regimes jurídicos colectivos, tais como as convenções colectivas, são contrarios ao direito comunitário, só pode pôr-se termo à discriminação abrindo à categoria das pessoas discriminadas o direito às prestações de que deveriam beneficiar na falta de discriminação, em relação à categoria das pessoas favorecidas. Não seria conciliável com «o direito fundamental» consagrado no artigo 117.° do Tratado CEE que, em caso de discriminação nas convenções colectivas, a defesa dos interesses da categoria das pessoas discriminadas pudesse conduzir a que as vantagens fossem compensadas, para um mesmo trabalho, não por um aumento das remunerações mais baixas para um mesmo trabalho, mas pela adopção de disposições de tipo diferente. No entanto, as partes na convenção colectiva devem poder adoptar para, o futuro, numa nova convenção colectiva outras disposições não discriminatórias.

    Segundo a ré, a segunda questão não tem cabimento. Para o caso, no entanto, de o Tribunal responder pela afirmativa à primeira questão, a ré considera que a questão de saber quais são os efeitos da violação, por disposições convencionais, das regras de direito comunitário é, em qualquer caso, uma questão do âmbito do direito nacional, desde que neste se encontrem os suficientes meios para garantir o efeito directo das regras comunitárias. E este o caso no que respeita às convenções colectivas celebradas na República Federal da Alemanha, onde o artigo 134.° do Bürgerliches Gesetzbuch prescreve que qualquer acto jurídico (inclusivamente as convenções colectivas) que viole uma proibição legal é nulo, desde que a lei não disponha de outro modo. A ré remete ainda para os artigos 139.° e 140.° do Bürgerliches Gesetzbuch, que contêm um princípio que igualmente se aplica no domínio das convenções colectivas. A violação de proibições prescritas no Tratado CEE é análoga à violação de uma proibição legal, na acepção do artigo 134.° do Bürgerliches Gesetzbuch. A ordem jurídica nacional garante, pois, nesta medida, o efeito directo das regras comunitárias. Incumbe aos tribunais nacionais decidir se, no caso concreto, uma disposição convencional contrária à proibição de discriminação deve ser declarada nula, ou parcialmente nula, ou deve ser convertida num acto juridicamente válido.

    Subsidiariamente, a ré sustenta que, se se aceitar que o artigo 62.° da BAT visa, efectivamente, uma remuneração e, além disso, se revela discriminatório, então tal disposição seria nula na sua totalidade. É excluída a nulidade parcial da limitação aos trabalhadores a tempo inteiro. Isto resulta do facto de que os signatários não teriam querido que o artigo 62.° da BAT se mantivesse, se tivessem tido conhecimento da nulidade da referida limitação.

    O resultado seria o mesmo se nos reportarmos ao acórdão de 8 de Abril de 1976, já citado. No caso decidido por este acórdão, o direito do grupo beneficiado a um salário mais elevado não foi afectado pela nulidade das disposições aplicáveis ao grupo prejudicado, e o Ęstado-membro entendeu compensar esta vantagem não por via do aumento dos salários menos elevados para o mesmo trabalho mas por disposições de uma outra natureza. No caso concreto, pelo contrário, a vantagem de que beneficia uma categoria e a desvantagem de que sofre a outra estão estreitamente ligadas.

    O subsídio é uma prestação especial paga pela entidade patronal, com caracter excepcional, pouco corrente na vida activa e de uma natureza jurídica específica, de modo que a sua manutenção não é indispensável à finalidade de melhoramento das condições de vida e de trabalho, no sentido do progresso.

    A ré sublinha, por fim, a autonomia de que dispõem as partes das convenções colectivas na República Federal da Alemanha. O Tratado de Roma pressupõe a existência de tais convenções; isto resulta do artigo 118.° do Tratado CEE, que visa facilitar uma colaboração entre os Estados-membros no domínio do direito sindical e das negociações colectivas. Seria contrário a esta autonomia que o Tribunal se pronunciasse a favor de uma «cláusula da categoria mais favorecida», no sentido de que a vantagem discriminatória de que beneficia uma categoria face a uma outra não conduziria à invalidade da disposição que a prevê mas ao reconhecimento, a favor da categoria desfavorecida, de um direito a beneficiar plenamente da mesma vantagem.

    Segundo a ré, uma tal solução só poderia eventualmente produzir efeitos quanto ao passado e no passado para os trabalhadores que anteriormente tivessem proposto um recurso ou uma reclamação. Além disso, o reconhecimento de um direito quanto ao passado só seria possível na hipótese de os signatários não terem outra possibilidade senão a de anular a desigualdade de tratamento prevista no passado. Quanto ao futuro, no entanto, as partes nas convenções colectivas deveriam ter a liberdade de decidir de que modo substituiriam ou completariam uma disposição convencional nula por uma outra norma válida. Enquanto os signatários não tivessem adoptado novas disposições, a prestação em causa não poderia ser paga aos trabalhadores nem de um nem de outro sexo. Deste modo, seria respeitado o princípio da igualdade de remuneração entre homens e mulheres, bem como deixaria de haver uma lacuna na convenção, isto é, deixaria de ser necessário adoptar novas disposições.

    Segundo a Comissão, resulta da jurisprudência do Tribunal que a proibição de discriminações marca o limite da autonomia das convenções colectivas. Não é menos verdade que as partes da convenção colectiva podem eliminar uma discriminação existente de várias maneiras e, no caso concreto, estendendo a regulamentação relativa ao subsídio aos trabalhadores a tempo parcial, ou suprimindo tal vantagem, a primeira solução permitindo, aliás, modular o montante de tal subsídio. No entanto, durante todo o tempo em que isso não for feito, a regulamentação actualmente aplicada aos trabalhadores a tempo inteiro manter-se-á como o único ponto de referência válido. Para os trabalhadores a tempo parcial, isso significa concretamente, nas circunstâncias do caso, que eles têm igualmente direito ao subsídio, na medida em que preenchem todas as outras condições de concessão, estando a aplicação do princípio da proporcionalidade desde logo garantida pelo facto de o subsídio ser calculado com base no último vencimento. A este respeito, a Comissão remete para o acórdão de 8 de Abril de 1976, já citado, bem como para os acordaos de 24 de Março de 1987, McDermott e Cotter (286/85, Colect., p. 1453), e de 24 de Junho de 1987, já citado.

    Em conclusão, a Comissão sugere que se responda à segunda questão do seguinte modo:

    «Se uma disposição de uma convenção colectiva for contrária ao artigo 119.° do Tratado CEE, os tribunais chamados a decidir o litígio têm o direito e a obrigação de eliminar tal infracção, aplicando aos trabalhadores desfavorecidos o regime mais favorável aplicável aos trabalhadores que não são objecto da discriminação em causa, tendo sempre em conta, sendo caso disso, o princípio da proporcionalidade.»

    T. F. O'Higgins

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Sexta Secção)

    27 de Junho de 1990 ( *1 )

    No processo C-33/89,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Arbeitsgericht Hamburg (República Federal da Alemanha) e tendente a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Maria Kowalska

    e

    Freie und Hansestadt Hamburg,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 119.° do Tratado CEE, bem como da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que se refere à aplicação do principio da igualdade da remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19),

    O TRIBUNAL (Sexta Secção),

    constituído pelos Srs. C. N. Kakouris, presidente de secção, F. A. Schockweiler, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins e M. Diez de Velasco, juízes,

    advogado-geral: M. Darmon

    secretario: D. Louterman, administradora principal

    considerando as observações apresentadas:

    em representação de Maria Kowalska, autora no processo principal, por Klaus Bertelsmann, advogado no foro de Hamburgo, e pelo professor Heide Pfarr,

    em representação da Freie und Hansestadt Hamburg, ré no processo principal, por Wolfgang W. Scheer e Rolf Stahmer, advogados no foro de Hamburgo,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Bernhard Jansen, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de Maria Kowalska, da Freie und Hansestadt Hamburg e da Comissão, na audiência de 7 de Março de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiencia de 28 de Março de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por despacho de 12 de Dezembro de 1988, entrado na Secretaria do Tribunal em 9 de Fevereiro de 1989, o Arbeitsgericht Hamburg colocou, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 119.° do Tratado e da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade da remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52).

    2

    Tais questões foram levantadas no quadro de um litígio que opõe Maria Kowalska à sua antiga entidade patronal, a cidade livre e hanseatica de Hamburgo, sobre o direito invocado pela interessada de obter um subsídio temporário («Übergangs-geld») no momento da extinção da sua relação laboral por reforma.

    3

    Resulta do processo que a relação laboral em causa se regia pelas disposições da convenção colectiva de trabalho dos agentes não funcionários da administração pública (Bundesangestelltentarifvertrag, doravante «BAT»). Segundo o artigo 62.° da BAT, os trabalhadores a tempo inteiro, que preencham as condições requeridas para tal fim, têm direito, no dia da cessação da sua relação de trabalho, a um subsídio temporário.

    4

    Com base nesta disposição e com o fundamento de que Maria Kowalska tinha trabalhado a tempo parcial, a sua entidade patronal recusou-lhe o pagamento deste subsídio.

    5

    Considerando-se vítima de uma discriminação indirecta proibida por lei, Maria Kowalska intentou uma acção perante o Arbeitsgericht Hamburg. O órgão jurisdicional nacional considerou que o pedido levantava problemas de interpretação dos artigos 117.° e 119.° do Tratado CEE, bem como da Directiva 75/117, já citada. Decidiu, por isso, suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Há violação, como «discriminação indirecta das mulheres», do artigo 119.° do Tratado CEE de 1957, pelo facto de uma convenção colectiva de trabalho para os trabalhadores da administração pública da República Federal da Alemanha, que prevê um subsídio temporário (Übergansgeld) com origem histórica no direito da função pública, no montante máximo de quatro meses de vencimento, atribuível no caso de cessação da relação laboral por razões não imputáveis ao agente (nomeadamente em caso de limite de idade, de reforma, de incapacidade para o trabalho ou de importante redução da capacidade de trabalho), excluir do direito a tal subsídio os agentes cujo contrato não estipule a duração normal de trabalho (38 horas por semana), quando se verifica que a percentagem de mulheres no conjunto dos agentes a tempo parcial abrangidos pela convenção colectiva é consideravelmente mais elevada do que a percentagem das mulheres no conjunto dos agentes a tempo inteiro abrangidos pela mesma convenção?

    2)

    Se for respondido afirmativamente à questão 1 : resulta das disposições conjugadas dos artigos 119.° e 117.° do Tratado CEE e/ou da Directiva 75/117/CEE do Conselho que os agentes a tempo parcial gozam, não obstante o regime prescrito pela convenção colectiva, de um direito ao subsídio (proporcional ao seu horário de trabalho) ou, pelo contrário, a autonomia das partes nas convenções colectivas, permitindo-lhes adoptar qualquer regime, obsta à existência de tal direito?»

    6

    Para uma mais ampla exposição dos factos relevantes no processo principal, das disposições comunitárias em causa, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos do processo não serão doravante retomados a não ser na medida necessária à fundamentação da decisão do Tribunal.

    Sobre a primeira questão

    7

    Por meio da sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional procura saber, em substância, se o artigo 119.° do Tratado se opõe a que uma convenção colectiva acordada para os serviços públicos prescreva que as entidades patronais paguem um subsídio no caso de cessação da relação laboral unicamente aos trabalhadores a tempo inteiro, quando o grupo de trabalhadores a tempo parcial compreende um número muito mais elevado de mulheres do que de homens.

    8

    Com o fim de carrear elementos úteis à resposta a esta questão, deve começar por se verificar se o subsídio temporário concedido ao trabalhador por ocasião da cessação da relação laboral é abrangido pelo campo de aplicação do artigo 119.° do Tratado.

    9

    Como o Tribunal já anteriormente definiu, o conceito de remuneração, na acepção do segundo parágrafo do artigo 119.°, compreende todos os proveitos, pecuniários ou em espécie, actuais ou futuros, desde que sejam pagos, ainda que indirectamente, pela entidade patronal ao trabalhador por motivo do emprego deste (ver, por último, o acórdão de 17 de Maio de 1990, Barber/Guardian Royal Exchange Assurance Group, n.° 12, C-262/88, Colect., p. I-1889). Por consequência, a circunstância de certas prestações serem pagas após a cessação da relação laboral não exclui o seu carácter de remuneração, na acepção do artigo 119.° do Tratado.

    10

    No que respeita, em especial, aos subsídios concedidos ao trabalhador por ocasião da cessação da relação laboral, devemos assentar em que estes constituem uma forma de remuneração diferida, à qual o trabalhador tem direito por motivo do seu emprego, mas que só lhe é paga no momento da cessação da relação laboral, com o fim de facilitar a sua adaptação às novas circunstâncias resultantes da cessação (ver, no mesmo sentido, o acórdão de 17 de Maio de 1990, C-262/88, já citado).

    11

    Daqui se conclui que os subsídios concedidos ao trabalhador por ocasião da cessação da relação laboral entram, em princípio, no conceito de remuneração, na acepção do artigo 119.° do Tratado.

    12

    Sobre esta disposição, devemos lembrar que, tendo ela um carácter imperativo, a proibição de discriminação entre trabalhadores masculinos e femininos se impõe não somente à acção das autoridades públicas mas se estende igualmente a todas as convenções que visam regular de modo colectivo o trabalho, bem como aos contratos entre os particulares (ver acórdão de 8 de Abril de 1976, Defrenne, n.° 39, 43/75, Recueil, p. 455).

    13

    Resulta do processo que a disposição da convenção colectiva em causa só aos trabalhadores a tempo inteiro concede o benefício do subsídio aquando da cessação da relação laboral. Ora, uma convenção colectiva como a que está em causa, que permite às entidades patronais manter uma diferença de remuneração global entre duas categorias de trabalhadores, a dos que efectuam o número mínimo de horas de trabalho por semana ou por mês e a dos que, embora fazendo o mesmo trabalho, não cumprem esse mínimo de horas, leva, de facto, a uma discriminação dos trabalhadores femininos face aos trabalhadores masculinos, quando se mostra que, na prática, a percentagem de homens que trabalha a tempo parcial é consideravelmente mais baixa do que a das mulheres. Uma tal convenção deve, em princípio, ser considerada como contrária ao artigo 119.° do Tratado. Só assim não seria no caso de a diferença de tratamento entre as duas categorias de trabalhadores se justificar por factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação fundada no sexo (ver acórdão de 13 de Maio de 1986, Bilka-Kaufhaus, 170/84, Colect., p. 1607).

    14

    No decurso do processo, a cidade de Hamburgo argumentou, em substância, que os trabalhadores a tempo parcial não supriam as suas necessidades e as da sua família exclusivamente pelos vencimentos auferidos no seu emprego e que, portanto, não existia um dever transitório de ajuda para com os trabalhadores a tempo parcial a cargo da entidade patronal.

    15

    Devemos lembrar, a este respeito, que compete ao órgão jurisdicional nacional, que é o único competente para apreciar a matéria de facto, determinar se e em que medida uma disposição de uma convenção colectiva que se aplica indistintamente a todos os trabalhadores mas que, na realidade, prejudica as mulheres face aos homens, se justifica por razões objectivas e estranhas a qualquer discriminação fundada no sexo.

    16

    Deve, pois, responder-se à primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional declarando que o artigo 119.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição de uma convenção colectiva, relativa aos serviços públicos nacionais, que permite às entidades patronais excluir os trabalhadores a tempo parcial do benefício de um subsídio temporário no caso de cessação da relação de trabalho, quando se verifica que, de facto, a percentagem de homens que trabalham a tempo parcial é consideravelmente inferior à das mulheres, a menos que a entidade patronal demonstre que a referida disposição se justifica por factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação em razão do sexo.

    Sobre a segunda questão

    17

    A segunda questão incide sobre as consequências da verificação, pelo órgão jurisdicional nacional, da incompatibilidade de uma disposição, de uma convenção colectiva, como a que está em causa, com o artigo 119.° do Tratado CEE, tendo especialmente em conta a autonomia das partes numa tal convenção.

    18

    Sobre isto deve observar-se, como o Tribunal já decidiu no acórdão de 8 de Abril de 1976 (43/75, já citado), que o artigo 119.° do Tratado CEE é suficientemente preciso para poder ser invocado por uma das partes perante um órgão jurisdicional nacional, a fim de o levar a afastar qualquer disposição nacional que lhe não seja conforme, incluindo, sendo caso disso, uma convenção colectiva.

    19

    Resulta do acórdão de 13 de Dezembro de 1989, Ruzius-Wilbrink (C-102/88, Colect., p. 4311) que, num caso de discriminação indirecta, os membros do grupo desfavorecido, homens ou mulheres, têm direito a que lhes seja aplicado o mesmo regime dos outros trabalhadores, proporcionalmente ao seu tempo de trabalho. Esta solução impõe-se também às disposições discriminatórias das convenções colectivas.

    20

    Deve, pois, responder-se à segunda questão no sentido de que, em presença de uma discriminação indirecta contida numa disposição de uma convenção colectiva, os membros do grupo desfavorecido por essa discriminação devem ser tratados do mesmo modo e segundo o mesmo regime que os outros trabalhadores, proporcionalmente ao seu tempo de trabalho, regime este que, na falta de transposição correcta do artigo 119.° do Tratado CEE para o direito nacional, é o único sistema de referência válido.

    Quanto às despesas

    21

    As despesas apresentadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não podem ser objecto de reembolso. Revestindo o presente processo, quanto às partes do processo principal, o carácter de um incidente levantado no órgão jurisdicional nacional, a este compete decidir sobre as despesas.

     

    Com estes fundamentos,

    O TRIBUNAL (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Arbeitsgericht Hamburg, por despacho de 7 de Fevereiro de 1989, declara:

     

    1)

    O artigo 119.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição de uma convenção colectiva, relativa aos serviços públicos nacionais, que permite às entidades patronais excluir os trabalhadores a tempo parcial do benefício de um subsídio temporário no caso de cessação da relação de trabalho, quando se verifica que, de facto, a percentagem de homens que trabalham a tempo parcial é consideravelmente inferior à das mulheres, a menos que a entidade patronal demonstre que a referida disposição se justifica por factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação em razão do sexo.

     

    2)

    Em presença de uma discriminação indirecta contida numa disposição de uma convenção colectiva, os membros do grupo desfavorecido por essa discriminação devem ser tratados do mesmo modo e segundo o mesmo regime que os outros trabalhadores, proporcionalmente ao seu tempo de trabalho, regime este que, na falta de uma transposição correcta do artigo 119.° do Tratado CEE para o direito nacional, é o único sistema de referência válido.

     

    Kakouris

    Schockweiler

    Mancini

    O'Higgins

    Diez de Velasco

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 27 de Junho de 1990.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente da Sexta Secção

    C. N. Kakouris


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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