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Document 61989CJ0010

    Acórdão do Tribunal de 17 de Outubro de 1990.
    SA CNL-SUCAL NV contra HAG GF AG.
    Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha.
    Livre circulação de mercadorias - Direito de marca.
    Processo C-10/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-03711

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:359

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-10/89 ( *1 )

    I — Factos e tramitação processual

    A sociedade HAG GF AG, autora e, posteriormente, recorrida no recurso de revista no processo principal, foi fundada em 1906 e, tendo descoberto um processo que permite descafeinar o café, tem desde há muito tempo por actividade principal a fabricação e venda de café nestas condições. É detentora de numerosas marcas na República Federal da Alemanha — a mais antiga foi registada em 1907 — cujo elemento essencial é a expressão «HAG», que também figura na sua designação social.

    Em 1908, a HAG GF AG registou na Bélgica duas marcas com a denominação «Kaffee HAG». Em 1927, criou na Bélgica uma filial com o nome Café HAG SA, colocada sob o seu controlo e pertencendo-lhe inteiramente. Esta registou pelo menos duas marcas, das quais uma contém, entre outros elementos, a denominação «Café HAG». Além disso, a autora cedeu a esta filial as marcas que tinha registado em seu nome na Bélgica, com efeitos a partir de 1935.

    Em 1944 a Café HAG SA foi expropriada, por ser propriedade do inimigo. Posteriormente, as autoridades belgas venderam o conjunto das acções à família Van Oevelen. Em 1971, a Café HAG SA cedeu as suas marcas no Benelux à sociedade em comandita Van Zuylen Frères, de Liège.

    Quando a HAG AG começou, em 1972, a importar os seus produtos para o Luxemburgo sob a denominação «Kaffee HAG», a sociedade Van Zuylen Frères opôs-se propondo uma acção nos tribunais luxemburgueses. No âmbito daquele litígio, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se a título prejudicial, declarou que «é incompatível com as disposições relativas à livre circulação de mercadorias no mercado comum a proibição de comercialização num Estado-membro de um produto que é legalmente portador de uma marca noutro Estado-membro, devida apenas ao facto de existir no mesmo Estado uma marca idêntica com a mesma origem» (acórdão de 3 de Julho de 1974, Van Zuylen HAG, 192/73, Recueil, p. 731). Em consequência, o pedido da sociedade belga foi rejeitado.

    A SA CNL-SUCAL NV, ré e, posteriormente, recorrente no recurso de revista no processo principal, é sucessora da sociedade em comandita Van Zuylen Frères, no seguimento da modificação da forma jurídica e da denominação social, sendo hoje integralmente uma filial da sociedade suíça Jacobs Suchard AG, que possui a totalidade do seu capital social. Começou, por seu lado, a importar para a República Federal da Alemanha o café descafeinado que produz na Bélgica, com a denominação «HAG».

    Para se opor àquela exportação, a HAG AG, que sustenta que «Kaffee HAG» adquiriu na Alemanha o estatuto de marca notória e que o produto descafeinado que comercializa sob esta denominação, graças a um novo processo de fabrico, é de qualidade superior ao café descafeinado importado pela CNL-SUCAL, propôs uma acção perante o Landgericht de Hamburgo. Este condenou a CNL-SUCAL a «deixar de vender e/ou comercializar e/ou fornecer para comercialização, no território da República Federal da Alemanha e de Berlim Ocidental, café descafeinado com a denominação “HAG”...». O recurso de apelação interposto pela CNL-SUCAL foi rejeitado pelo Oberlandsgericht de Hamburgo. Contra esta decisão interpôs a sociedade recurso de revista.

    Entendendo que o litígio exige uma decisão sobre a interpretação a dar aos artigos 30.o, 36.o e 222.o do Tratado, o Bundesgerichtshof decidiu, por despacho de 24 de Novembro de 1988, e nos termos do artigo 177.o do Tratado, suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre as seguintes questões:

    «1)

    Atendendo ao disposto no artigo 222.o do Tratado CEE, será compatível com as disposições relativas à livre circulação de mercadorias (artigos 30.o e 36.o do Tratado CEE) o facto de uma empresa estabelecida no Estado-membro A se opor, invocando os direitos à firma e à marca de que goza neste país, à importação de mercadorias similares de uma empresa estabelecida no Estado-membro B, no caso de estas mercadorias disporem legalmente neste país de uma marca que

    a)

    é susceptível de confusão com a firma e a marca que são objecto de protecção no Estado A em relação à empresa aí estabelecida e

    b)

    originariamente também tinha pertencido no Estado B à empresa estabelecida no Estado A — posteriormente à protecção da marca neste último Estado — e que foi transferida desta para uma filial vinculada por um acordo de concentração constituída no Estado B,

    c)

    como consequência da expropriação pelo Estado B desta filial, foi transferida como parte do património da filial expropriada juntamente com esta a um terceiro, que por sua vez transmitiu a marca ao antecessor jurídico da empresa que agora exporta as mercadorias com essa marca para o Estado A?

    2)

    Caso se responda negativamente à primeira questão:

     

    Deverá responder-se de outra forma à questão apresentada se a marca protegida no Estado A aqui se tiver tornado “famosa”, sendo de esperar, devido ao grau invulgar de notoriedade de que goza, que, em caso de utilização de idêntica marca por terceira empresa, não possa ser assegurado o esclarecimento dos consumidores sobre a origem empresarial das mercadorias por forma que não ponha em causa a livre circulação de mercadorias?

    3)

    Do mesmo modo (em alternativa) no caso de resposta negativa à primeira questão :

     

    A mesma resposta será válida no caso de os consumidores do Estado A associarem à marca aqui protegida não apenas imagens relativas à origem empresarial, mas também determinadas representações relativas a propriedades, em particular a qualidade das mercadorias a que a marca respeita no caso de as mercadorias importadas do Estado B com a mesma marca não satisfazerem essas expectativas?

    4)

    No caso de a resposta a todas as questões até agora apresentadas ser negativa:

     

    A apreciação seria diferente caso estivessem reunidas cumulativamente as condições separadamente referidas na segunda e na terceira questões?»

    O despacho do Bundesgerichtshof deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Janeiro de 1989.

    Foram apresentadas observações escritas, nos termos do artigo 20.o do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE:

    — em 7 de Abril de 1989, pela SA CNL-SUCAL NV, ré e recorrente em recurso de revista no processo principal, representada pela advogada Gisela Wild, de Hamburgo, e pelo professor Ernst-Joachim Mestmäcker,

    — em 14 de Abril de 1989, pelo Governo da República Federal da Alemanha, representado por Horst Teske e Alexander von Mühlendahl, respectivamente Ministerialrat e Regierungsdirektor no Ministério da Justiça,

    — em 17 de Abril de 1989, pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo consultor jurídico Jörn Sack,

    — em 21 de Abril de 1989, pela HAG GF AG, autora e recorrida em recurso de revista no processo principal, representada pelos advogados Bruckhaus, Kreifels, Winkhaus e Lieberknecht, de Düsseldorf,

    — em 25 de Abril de 1989, pelo Governo do Reino dos Países Baixos, representado por H. J. Heinemann, secretário-geral adjunto no Ministerio dos Negocios Estrangeiros,

    — em 28 de Abril de 1989, pelo Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por S. J. Hay, do Treasury Solicitor's Department,

    — em 3 de Maio de 1985, pelo Governo do Reino de Espanha, representado por Javier Conde de Saro, director-geral da Coordenação Jurídica e Institucional Comunitária, e Rafael García-Valdecasas y Fernández, abogado del Estado, chefe do Serviço Jurídico para o Contencioso perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

    Com base no relatório preliminar do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

    II — Resumo das observações escritas apresentadas perante o Tribunal

    A — Quanto à primeira questão

    1.

    Só a CNL-SUCAL propõe uma resposta negativa para a primeira questão, concretamente, que a HAG AG não pode invocar os direitos à firma e à marca para impedir a importação de café com a marca HAG Benelux para a Alemanha.

    Aquela empresa invoca antes de mais o citado acórdão de 3 de Julho de 1974 (a seguir «acórdão HAG I»). No seu entender, dado que o raciocínio que está na base deste acórdão se baseia na «origem comum» das marcas HAG Benelux e alemã e leva a declarar incompatível com os artigos 30.o e 36.o do Tratado a proibição, baseada na marca Benelux, será aquele raciocínio também aplicável à situação inversa, que é a do presente caso. A CNL-SUCAL afirma que no acórdão de 22 de Junho de 1976, Terra-pin/Terranova (119/75, Recueil, p. 1039), o Tribunal de Justiça precisou a noção de identidade de origem, aplicando-a a qualquer «fraccionamento, voluntário ou por medida de coação pública, de um direito sobre uma marca que tivesse originariamente um único titular» (n.o 6).

    Segundo a CNL-SUCAL, o espírito e a finalidade da jurisprudência do Tribunal não permitem distinguir consoante o entrave à livre circulação de mercadorias tenha origem no titular original de uma marca com a mesma origem ou no adquirente ulterior. De qualquer modo, o próprio fraccionamento do direito originário põe já em causa a função essencial da marca (acórdão de 22 de Junho de 1976, Terrapin, já citado) que consiste, segundo jurisprudência constante, no direito exclusivo concedido ao titular de utilizar a marca para a primeira colocação em circulação do produto e na garantia de que goza o consumidor da identidade original do produto.

    Assim, a aplicação do artigo 30.o do Tratado aos factos do presente caso coincide, segundo a CNL-SUCAL, com a delimitação das noções de existência de direito à marca e de exercício deste direito, tal como desenvolvidas pelo Tribunal de Justiça; o artigo 36.o garante apenas a existência ou o objecto específico do direito. Ora, a proibição de comercializar num Estado-membro um produto com marcas registadas noutro Estado-membro, devida apenas à existência no Estado de importação de marcas idênticas com a mesma origem, não respeita ao objecto específico da marca. Neste caso, com efeito, a ligação entre o produto e o fabricante já não existe de todo em todo.

    A CNL-SUCAL entende que o acórdão de 9 de Julho de 1985, Pharmon/Hoechst (19/84, Recueil, p. 2281), não é aplicável às marcas. Neste acórdão, o Tribunal decidiu que o titular de uma patente se pode opor à importação e à comercialização dos produtos fabricados no quadro de uma licença obrigatória relativa a uma patente paralela de que ele próprio é titular, pois não seria possível presumir que tivesse consentido nos actos de fabrico e comercialização realizados pelo beneficiário da licença obrigatória.

    De acordo com a CNL-SUCAL, as diferenças entre patentes e marcas impedem a aplicação desse acórdão a estas últimas. Com efeito, o objecto específico do direito de patente reside na atribuição ao inventor do direito exclusivo de ser o primeiro a colocar em circulação o produto em causa, de modo a permitir-lhe ser recompensado pelo seu esforço. Em contrapartida, o objecto específico da marca, que consiste em garantir a identidade da mercadoria, é já posto em questão pelo fraccionamento da marca originária, independentemente da vontade do titular do direito.

    A CNL-SUCAL invoca a jurisprudência do Tribunal de Justiça que sublinhou as diferenças entre a marca e os outros direitos de propriedade industrial e comercial (acórdão de 18 de Fevereiro de 1971, Sirena/Eda, 40/70, Recueil, p. 69, e acórdão HAG I). Estas diferenças têm por consequência que a conciliação entre as exigências da livre circulação de mercadorias e a garantia dos direitos de propriedade industrial e comercial apresenta, no caso das marcas, particularidades importantes. Estas permitem a existência de marcas fraccionadas, com a mesma origem, desde que se lhes acrescentem sinais distintivos.

    No que respeita ao artigo 222.o do Tratado, segundo o qual este näo afecta de forma alguma o regime da propriedade nos Estados-membros, a CNL-SUCAL afirma que resulta já do acórdão de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig (56/64 e 58/64, Recueil, p. 429), que as limitações decorrentes do direito comunitário ao exercício dos direitos mencionados no artigo 36.o são compatíveis com a garantia da propriedade nos Estados-membros. Esta conclusão é confirmada pela jurisprudência do Tribunal sobre os limites dos direitos fundamentais (ver acórdão de 14 de Maio de 1974, Nold, 4/73, Recueil, p. 491).

    No que respeita ao direito à firma, a CNL-SUCAL entende que deve ser tratado da mesma forma que o direito à marca. Isto resulta tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 22 de Junho de 1976, Terrapin, já citado), como da doutrina

    A CNL-SUCAL propõe que se responda da seguinte forma à primeira questão:

    «Nas condições mencionadas nas alíneas a) a c), é incompatível com as disposições relativas à livre circulação de mercadorias a oposição de uma empresa estabelecida num Estado-membro A, invocando direitos à firma e à marca de que é titular nesse país, à importação por uma empresa estabelecida no Estado-membro B de produtos similares, quando esses produtos utilizam legalmente no Estado-membro B uma denominação e se trata, no caso concreto, de uma marca idêntica e com a mesma origem.»

    2.

    A HAG AG, os governos da República Federal da Alemanha, dos Países Baixos, do Reino Unido e da Espanha, bem como a Comissão, entendem que é necessário dar resposta afirmativa à primeira questão, concretamente, que o direito comunitário permite à HAG AG que se oponha à importação do café belga «HAG» para a Alemanha.

    a)

    A HAG AG afirma que o fio condutor de toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça com relevo para este caso é o de que o titular de direitos de propriedade industrial e comercial não se pode opor à importação de produtos legalmente protegidos provenientes de outro Estado-membro se a possibilidade de importação de produtos correspondentes aos seus direitos resultar do seu próprio consentimento — no sentido mais lato — ou lhe for imputável. Este mesmo princípio encontra-se consagrado na primeira Directiva (89/104/CEE) do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas (JO L 40, p. 1).

    É certo que o Tribunal de Justiça, no acórdão HAG I, sublinhou a identidade de origem das marcas HAG em questão e, pelos termos em que está redigida a parte decisória, parece ter ido para além da questão que lhe foi submetida e das conclusões do advo-gado-geral Mayras, ao decidir igualmente sobre a marca originária no sentido da igualdade de tratamento com a marca resultante do fraccionamento. Todavia, de acordo com a HAG AG, o verdadeiro fundamento não foi claramente formulado no próprio acórdão: com a aquisição da marca HAG belga, na sequência de um fraccionamento, a família Van Oevelen e os seus sucessores no direito em questão tinham admitido que a mesma marca podia ser utilizada não só por eles próprios, mas também pelo respectivo titular original — o que equivale a um consentimento. Em contrapartida, o fraccionamento da marca belga não pode, de forma alguma, ser imputado à HAG AG. Com efeito, nem a constituição da filial belga, nem a transmissão das marcas belgas para aquela em 1935 podem ser consideradas actos da HAG AG equivalentes ao consentimento, pois nenhum destes factos teve influência sobre o surgimento, na sequência da expropriação, de vários objectos de referência para a função de indicação da origem de uma única marca.

    No entender da HAG AG, esta interpretação do acórdão é confirmada pelo acórdão de 22 de Junho de 1976, Terrapin, já citado, que respeita à situação de um direito de marca resultante de fraccionamento, voluntário ou por medida coerciva pública. Assim, a formulação demasiado ampla do acórdão HAG I foi precisada no sentido de que respeita apenas à situação do adquirente do direito. O adquirente de um direito «resultante» de um fraccionamento (ou seja, não de uma nova marca, mas de uma marca separada de várias outras anteriormente na titularidade de uma só pessoa), tal como o beneficiário de uma licença, aceitou, com conhecimento de causa, que várias empresas utilizem a mesma marca nos respectivos produtos. Isto não se aplica à vítima de uma medida coerciva pública.

    Por outro lado, a HAG AG invoca o acórdão de 9 de Julho de 1985, Pharmon, já citado, que incide sobre uma licença obrigatória relativa a uma patente. Ao colocar no mesmo plano a expropriação e a licença obrigatória, por um lado, e o direito de marca e o direito de patente, por outro, a HAG AG pretende ver aplicado aquele acórdão no presente caso. Sublinha que o Tribunal de Justiça se baseou expressamente na falta de consentimento por parte do titular da patente. Além disso, se a licença obrigatória, que é acompanhada de uma remuneração, deixa ao titular originário o direito de impor uma proibição noutros Estados-membros, por maioria de razão tal terá que valer para o caso da expropriação sem indemnização.

    Quanto à assimilação do direito de marca ao direito de patente, a HAG AG, näo deixando de admitir que existem diferenças — referidas, aliás, nos acórdãos do Tribunal —, afirma que, contudo, a jurisprudência relativa aos artigos 30.o e 36.o nunca estabeleceu diferenças no tratamento dos diversos direitos de propriedade industrial e comercial. Não há diferenças importantes, sobretudo no que respeita à condição do consentimento no âmbito da presente problemática. Assim, a necessidade de consentimento garante a recompensa dos méritos do inventor, no caso das patentes, e a remuneração do autor, no caso dos direitos de autor. No que respeita à marca, está em causa não só assegurar a remuneração para a exploração do valor comercial como, antes de mais, exercer influência sobre a qualidade e a apresentação das mercadorias que ostentam a marca. O objecto específico da marca definido por esta forma seria posto em causa se terceiros fossem autorizados a usar marcas idênticas para mercadorias idênticas (mas de qualidade diferente) com origem diversa. Neste caso, está em causa a existência e não o exercício do direito.

    No que respeita ao artigo 222.o do Tratado, a HAG AG afirma que o não reconhecimento do direito de se opor, na República Federal da Alemanha, à importação de mercadorias que exibam a marca fraccionada em consequência de expropriação realizada em outro Estado constitui uma extensão extraterritorial da expropriação. Tal contraria não só princípios de direito internacional público como também o artigo 222.o, que tem por objectivo, nomeadamente, reservar aos Estados-membros o poder de legislar sobre o regime da propriedade e, portanto, sobre as medidas de expropriação.

    b)

    O Governo espanhol entende que uma cessão de marca em favor de terceiro completamente independente do titular originário através de medida de coacção implica a supressão da origem comum. A aplicação da teoria da origem comum a um caso como o presente, no qual se verifica que a HAG AG não pode exercer qualquer controlo sobre a qualidade dos produtos fabricados pela CNL-SUCAL, teria como efeito afectar os interesses da empresa e dos consumidores e a transparência do mercado.

    c)

    O Governo neerlandês sublinha que o direito invocado pela HAG AG não «resulta» (na acepção do acórdão de 22 de Junho de 1976, Terrapin, já citado) de fraccionamento de marcas, tratando-se antes de um direito legalmente protegido num Estado-membro, que nunca perdeu a sua função essencial de garantir a identidade de origem das mercadorias.

    d)

    O Governo britânico entende que a decisão no processo HAG I não é compatível com os acórdãos anteriores do Tribunal, e não deve ser seguida. Com efeito, de acordo com o acórdão HAG I, o titular da marca no Luxemburgo não se podia opor à venda neste país de produtos que não tinham sido fabricados por ele e nos quais tinha sido utilizada a marca sem o seu consentimento. Ora, de acordo com a jurisprudência posterior, a questão essencial é a de saber se o titular da marca no Estado-membro de importação consentiu na aposição da marca nos produtos em questão. O raciocínio do Tribunal no acórdão de 9 de Julho de 1985, Pharmon, já citado, que incide sobre a licença obrigatória relativa a uma patente, aplica-se directamente à situação da HAG AG, que não pode ser considerada como tendo consentido na aposição da marca da qual foi desapossada coactivamente.

    O Reino Unido afirma que esta jurisprudência está em conformidade com a já citada primeira directiva sobre marcas, a Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883, revista pela última vez em 14 de Julho de 1967(Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, p. 305), bem como com a proposta de regulamento do Conselho sobre a marca comunitaria (JO 1980, C 351, p. 5; JO 1984, C 230, p. 1).

    Segundo o Reino Unido, a origem comum das marcas, sublinhada pelo Tribunal no acórdão HAG I, interessa apenas para saber se o exercício do direito conferido pela marca tem como consequência uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada ao comércio, na acepção da segunda frase do artigo 36.o do Tratado, o que, no presente caso, parece manifestamente excluído, dada a ausência de qualquer ligação entre as duas sociedades.

    O Reino Unido propõe a seguinte resposta para a primeira questão:

    «No caso de, no Estado-membro A da Comunidade, a empresa A ser titular de uma marca e, no Estado-membro B, a empresa B ser titular de uma marca idêntica ou de uma marca similar susceptível de criar confusão, a empresa A pode opor-se à importação para o Estado-membro A de produtos com a marca que exibem legalmente no Estado-membro B, desde que

    1)

    os produtos não exibam a marca no Estado-membro B com consentimento da empresa A e

    2)

    não haja laços económicos ou outros entre as empresas A e B que possam conduzir a uma compartimentação do mercado para produtos com a mesma origem comercial.

    De qualquer modo, não tem importância que as marcas em questão tenham no passado sido propriedade comum, se são agora propriedade de empresas distintas sem qualquer laço económico, se os produtos a que as marcas são apostas não provêm da mesma empresa e se a ruptura dos laços económicos ou outros entre as empresas A e B não foi levada a cabo com a intenção de compartimentar artificialmente os mercados.»

    e)

    A Comissão salienta que o tribunal a quo tem razão ao sublinhar que, se nos ativermos estritamente aos termos do acórdão HAG I, os princípios ali expostos deviam aplicar-se igualmente às circunstâncias (inversas) do presente caso. Considera, todavia, que acórdãos mais recentes do Tribunal de Justiça permitem alimentar dúvidas quanto à justeza daquele raciocínio, que assenta unicamente na identidade de origem de duas marcas, baseadas em direitos nacionais diferentes, e não tem em conta as circunstâncias que deram lugar ao fraccionamento.

    A Comissão sugere que no acórdão HAG I o Tribunal talvez tenha querido resumir, na fórmula da identidade de origem, as seguintes considerações: em caso de aquisição derivada de um direito de propriedade industrial, a teoria do consentimento em sentido estrito não é aplicável. Com efeito, a limitação do direito do adquirente não decorre do seu consentimento, mas do facto de aquele que adquire um direito de terceiro ter que aceitar esse direito em estado que corresponda às regras fundamentais do mercado comum. Não pode, assim, invocar aquele direito para impedir a importação de produtos efectuada na sequência de outra utilização do direito originário pelo seu titular no campo de aplicação territorial do direito em causa. A teoria da identidade de origem seria assim apenas um complemento da teoria do consentimento destinado a definir a situação particular do adquirente de direito fraccionado.

    De qualquer modo, em caso de perda de um direito por expropriação, o expropriado não deveria ser tratado da mesma forma que aquele que renuncia ao direito de sua própria iniciativa. Com efeito, não só o titular do direito originário não manifesta a mínima vontade de o ceder, como ainda a expropriação é quase sempre acompanhada, em relação a ele, de desvantagens económicas graves que o direito comunitário não pode aumentar, permitindo ao beneficiário que intervenha ainda nos direitos residuais do titular original.

    Ao aplicar ao presente caso o raciocínio do acórdão de 9 de Julho de 1985, Pharmon, já citado, a Comissão afirma que o titular originário de uma marca expropriada não deveria ser colocado em situação menos favorável que o titular de um direito de patente obrigado a conceder uma licença.

    Finalmente, a Comissão salienta que a solução que propõe afasta qualquer possibilidade de conflito entre as disposições relativas à livre circulação de mercadorias e à protecção do direito fundamental de propriedade, reconhecido pelo direito comunitário.

    A Comissão propõe que se responda à primeira questão da seguinte forma:

    «Os artigos 30.o e 36.o do Tratado CEE não se opõem a disposições nacionais que permitem a uma empresa invocar direitos à marca de que é titular num país para se opor à importação de mercadorias com origem noutro Estado-membro, no caso de estes produtos exibirem uma marca idêntica ou susceptível de ser confundida com a marca protegida e de a autorização de apor aquela marca ter sido adquirida noutro Estado-membro, na sequência da expropriação da empresa titular da marca ou de empresa que lhe pertença.»

    f)

    O Governo da República Federal da Alemanha entende que só a referida primeira directiva sobre as marcas pode dar respostas às questões colocadas, apesar do prazo (28 de Dezembro de 1991) de que os Estados-membros dispõem para a transpor para direito nacional. Uma vez que têm que regulamentar o respectivo direito das marcas em conformidade com aquela directiva, ao fazê-lo não podem estar a infringir as regras do Tratado sobre livre circulação de mercadorias, a menos que a directiva seja contrária ao Tratado, do que nada permite suspeitar.

    Nos termos dos artigos 5.o e 7.o daquela directiva, baseados na teoria do consentimento (e com a qual o direito alemão já se conformou), a HAG AG tem o direito de fazer proibir à CNL-SUCAL a importação dos seus produtos com utilização da marca HAG.

    No entender do Governo alemão, a directiva constitui uma harmonização completa do conteúdo material do direito sobre marcas. As questões que deixa em aberto não respeitam ao domínio de aplicação da teoria

    da identidade de origem. Esta, determinante no acórdão HAG I, foi afastada pela directiva.

    Subsidiariamente, o Governo alemão acrescenta que o acórdão HAG I não é aplicável à situação inversa; o titular da marca mais recente não pode invocar a identidade de origem das marcas em questão. Além disso, a jurisprudência posterior do Tribunal de Justiça baseou-se sempre no princípio da liberdade do consentimento, ausente no presente caso. Por outro lado, ao invés do que acontece no processo Pharmon (acórdão de 9 de Julho de 1985, já citado), os efeitos territoriais da expropriação deviam limitar-se ao Estado que a decidiu.

    B — Quanto à segunda, terceira e quarta questões

    1.

    No que respeita às questões colocadas a título subsidiário para a hipótese de resposta negativa à primeira questão, a HAG AG t os governos da República Federal da Alemanha e do Reino Unido propõem que se responda no sentido de que a HAG AG pode fazer proibir a importação do café «HAG» belga se o esclarecimento dos consumidores a respeito da origem (segunda questão) ou das características (terceira questão) do produto não puder ser assegurado de outra forma. Estão de acordo quanto a que as averiguações em matéria de facto a este respeito são da competência dos tribunais nacionais.

    a)

    No que respeita à segunda questão, a HAG AG nota contudo que, no caso de uma marca famosa, o esclarecimento dos consumidores, ou seja, a supressão de riscos de confusão sobre a origem, não é de forma alguma possível através de meios que possam ser considerados razoáveis. Mesmo uma indicação muito evidente do local de fabrico e da natureza distinta da firma CNL-SUCAL em relação à HAG AG não seria suficiente, pois um número importante de consumidores continuariam a crer na existência de laços entre as duas sociedades. Por outro lado, o esclarecimento dos consumidores é ineficaz, na medida em que se trata de um produto vendido frequentemente em livre serviço ou pedido oralmente como bebida pronta a consumir.

    Acresce que, segundo a HAG AG, devido à fama da marca, no presente caso a livre importação causaria um prejuízo incomparavelmente maior do que no caso de uma marca normal. O titular de uma marca deste último tipo pode proteger-se com elementos distintivos, enquanto que uma marca famosa é simultaneamente beneficiária e vítima do seu carácter único, o qual é enfraquecido por qualquer utilização paralela, e corre mesmo o risco de se tornar uma designação genérica, perdendo assim a sua capacidade de protecção. Em direito alemão, o prestígio de uma marca famosa faz parte integrante do valor económico da empresa. Por isso é abrangido pela garantia da propriedade, protegida não somente como direito fundamental mas ainda pelo artigo 222.o do Tratado. Assim, este artigo seria violado se não se atribuísse valor particular à protecção de uma marca famosa na ponderação de interesses a efectuar nos termos do artigo 36.o do Tratado.

    A HAG AG acrescenta que uma indicação enganadora sobre a origem constitui um comportamento desleal proibido quer pelo direito alemão quer pela Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5, p. 55). No presente caso, o comportamento desleal é tão grave que reúne todas as condições apresentadas pelo Tribunal de Justiça para a prevalência da protecção da lealdade da concorrência, exigência imperativa independente da violação de um direito protegido pelo artigo 36.o, sobre o princípio da livre circulação de mercadorias. Tal é tanto mais válido neste caso quanto não está em causa a proibição total de importação do café da CNL-SUCAL, mas apenas do que ostente a marca HAG.

    No que respeita à terceira questão, a HAG AG afirma que a indução em erro sobre a qualidade de um produto, qualquer que seja a sua forma, constitui também um comportamento desleal proibido pelo direito alemão e pela referida Directiva 84/450. No presente caso, os consumidores são enganados em relação ao processo de fabrico e, sobretudo, em relação ao sabor. A proibição destas indicações enganadoras constitui uma exigência imperativa, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, e é, em direito alemão, aplicável indistintamente a produtos nacionais e importados. Neste caso, a proibição de utilizar a marca HAG é a mais moderada das medidas susceptíveis de pôr fim à indução em erro.

    b)

    O Governo da República Federal da Alemanha entende que, mesmo que se continue a aplicar a teoria da identidade de origem, exigências de esclarecimento apropriado do consumidor e a fama da marca podem justificar a proibição da sua utilização. Assim, o acórdão HAG I afasta esta proibição «com o único fundamento» de que existe uma marca idêntica com a mesma origem. A resposta relativa às indicações enganadoras não resulta dos artigos 30.o e 36.o do Tratado, mas da referida Directiva 84/450 sobre publicidade enganosa, que no caso concreto corresponde ao direito alemão.

    c)

    O Governo do Reino Unido é de entender que, se a primeira impressão (falsa) provocada pela marca é tão forte que não pode ser eficazmente anulada por outra menção explicativa, a proibição de importar produtos que exibam tal marca é justificada pela necessidade de lutar contra a concorrência desleal, uma exigência imperativa face à jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 30.o do Tratado.

    O Governo britânico propõe a seguinte resposta:

    «Os artigos 30.o e 36.o do Tratado devem ser interpretados no sentido de que as medidas que limitam a importação de produtos que exibem uma marca particular e são de qualidade diferente e/ou têm uma origem empresarial diferente das que os consumidores do Estado-membro de importação esperam de produtos que exibem aquela marca justificam-se pela luta contra a concorrência desleal e pela protecção dos consumidores.»

    2.

    A CNL-SUCAL e a Comissão (subsidiariamente, pois esta entende que, com base na resposta que deu à primeira questão, a segunda, terceira e quarta questões perdem objecto) sugerem que se responda que as condições enunciadas na segunda e terceira questões não afectam a resposta dada à primeira.

    Invocando o acórdão HAG I, de acordo com o qual o esclarecimento dos consumidores «pode ser assegurado» — em vez de proibir a importação sob a marca HAG — «através de meios diferentes, que não ponham em causa a livre circulação de mercadorias» (n.o 14), entendem que é sempre possível proteger os interesses dos consumidores através de indicações suplementares ao lado da marca.

    No que respeita à segunda questão, a CNL-SUCAL acrescenta que, na medida em que o perigo de confusão resulta apenas da identidade das marcas, é necessário aceitar esta situação no interesse do mercado comum. O efeito da coexistência de marcas idênticas com a mesma origem consiste em as marcas enquanto tais não darem indicações sobre a proveniência das mercadorias. E por esta razão que deve ser assegurada de outra forma a informação correspondente à função de identificação da marca.

    Segundo a CNL-SUCAL, a marca HAG também é famosa nos Estados do Benelux, particularmente na Bélgica. O direito comunitário deve permitir a coexistência de várias marcas, mesmo famosas. A adaptação dos consumidores a esta situação faz parte da evolução do mercado comum.

    Assim, no entender da CNL-SUCAL, a segunda questão, tal como apresentada pelo Bundesgerichtshof, parte da suposição inexacta de que, estando em causa uma marca famosa, as exigências da concorrência leal e da livre circulação de mercadorias não podem coincidir. Se se aceitar a impossibilidade sugerida de acrescentar sinais distintivos, as marcas famosas estariam subtraídas à aplicação do direito comunitário.

    Em consequência, a CNL-SUCAL propõe que a segunda questão seja reformulada e lhe seja dada a seguinte resposta:

    «A resposta à primeira questão não é diferente no caso de a denominação protegida no Estado A se ter tornado uma marca famosa e gozar de uma notoriedade invulgar.»

    Quanto à terceira questão — que respeita à aplicabilidade da proibição de indicações enganosas, enunciada no artigo 3.o da lei alemã sobre concorrência desleal —, a CNL-SUCAL considera que este artigo, aplicado no presente caso, diz exclusivamente respeito ao uso da marca HAG Benelux, tendo assim a natureza de uma disposição de aplicação discriminatória. Com efeito, a aplicação daquela norma incide apenas sobre o comportamento da CNL-SUCAL que consiste no uso, lícito face ao direito comunitário, da marca HAG, que tem a mesma origem que a da HAG AG.

    Mesmo tratando-se de uma norma indistintamente aplicável a produtos nacionais e importados, a CNL-SUCAL afirma que a jurisprudência do Tribunal de Justiça (nomeadamente o acórdão de 13 de Março de 1984, Prantl — «Bocksbeutel», 16/83, Recueil, p. 1299) exige que seja facilitada a coexistência de marcas obtidas legalmente, mesmo no que respeita à aplicação de disposições sobre concorrência desleal, através da aposição de indicações apropriadas. As embalagens das duas sociedades, apresentadas ao Tribunal, demonstram que esta possibilidade existe efectivamente.

    Além disso, a CNL-SUCAL alega que as expectativas dos consumidores em relação a determinados produtos, mesmo no que respeita à sua qualidade, modificam-se em função da evolução do mercado comum. O facto de as mercadorias importadas e os produtos nacionais serem de qualidades diferentes não justifica, por isso, qualquer outra decisão.

    A CNL-SUCAL propõe que se responda à terceira questão da seguinte forma:

    «Deve ser dada resposta negativa à primeira questão, mesmo no caso de os consumidores do Estado A associarem à denominação protegida neste Estado não apenas indicações relativas à origem empresarial, mas também certas representações relativas às características da mercadoria em causa, particularmente a qualidade de mercadorias a que foi aposta certa denominação, quando as mercadorias importadas do Estado B e que exibam a mesma denominação não satisfaçam aquelas expectativas.

    G. C. Rodríguez Iglesias

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    17 de Outubro de 1990 ( *1 )

    No processo C-10/89,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Bundesgerichtshof, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

    SA CNL-SUCAL NV, sociedade belga, com sede em Liège (Bélgica),

    e

    HAG GF AG, sociedade alemã, com sede em Bremen (República Federal da Alemanha),

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 30.o, 36.o e 222.o do Tratado CEE,

    O TRIBUNAL,

    constituído pelos Srs. O. Due, presidente, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

    advogado-geral : F. G. Jacobs

    secretário: H. A. Rühi, administrador principal

    vistas as observações apresentadas:

    pela SA CNL-SUCAL NV, pela advogada Gisela Wild, de Hamburgo, e pelo professor Ernst-Joachim Mestmäcker,

    pela HAG GF AG, pelos advogados Bruckhaus, Kreifels, Winkhaus e Lieberknecht, de Düsseldorf,

    pelo Governo da República Federal da Alemanha, por Horst Teske e Alexander von Mühlendahl, respectivamente Ministerialrat e Regierungsdirektor no Ministério da Justiça, e Martin Seidel, Ministério de Economia na qualidade de agentes,

    pelo Governo do Reino dos Países Baixos, por H. J.. Heinemann, secretário-geral adjunto no Ministério dos Negocios Estrangeiros, na qualidade de agente,

    pelo Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, S. J. Hay, do Treasury Solicitor's Department, e por N. Pumfrey, na qualidade de agentes,

    pelo Governo do Reino de Espanha, por Javier Conde de Saro, director-geral da Coordenação Jurídica e Institucional Comunitária, e Rafael García-Valdecasas y Fernández, abogado del Estado, chefe do Serviço Jurídico para o Contencioso perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, na qualidade de agentes,

    pela Comissão das Comunidades Europeias, pelo consultor jurídico Jörn Sack, na qualidade de agente,

    visto o relatório para audiencia e após a realização desta em 18 de Janeiro de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Março de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por despacho de 24 de Novembro de 1988, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de Janeiro de 1989, o Bundesgerichtshof submeteu, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, várias questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 30.o, 36.o e 222.o dò mesmo Tratado, que respeitam ao direito das marcas.

    2

    As questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a sociedade belga CNL-SUCAL e a sociedade alemã HAG GF AG. Esta produz e comercializa café descafeinado, por um processo por ela própria descoberto. E titular na República Federal da Alemanha de numerosas marcas — a mais antiga foi registada em 1907 —, cujo elemento essencial é a palavra «HAG», que também figura na sua firma.

    3

    Aquela sociedade registou na Bélgica, em 1908, duas marcas que continham a designação «Kafee HAG». Em 1927, criou na Bélgica uma filial com o nome «Café HAG SA», colocada sob o seu controlo e que lhe pertencia integralmente. Esta última registou em seu nome pelo menos duas marcas, das quais uma contém, entre outros elementos, a denominação «Café HAG». A sociedade HAG GF AG cedeu ainda a esta filial as marcas que tinha registado em seu próprio nome na Bélgica, com efeitos a partir de 1935.

    4

    Em 1944, a Café HAG SA foi expropriada por ser propriedade do inimigo. Posteriormente, as autoridades belgas venderam o conjunto das acções à família Van Oevelen. Em 1971, a Café HAG SA cedeu as marcas de que tinha a titularidade no Benelux à sociedade em comandita Van Zuylen Frères, de Liège.

    5

    A SA CNL-SUCAL NV nasceu da modificação da forma jurídica e da firma da sociedade em comandita Van Zuylen Frères. Começou a importar café descafeinado para a República Federal da Alemanha com a denominação «HAG».

    6

    A HAG AG, que pretende que «Kafee HAG» adquiriu na Alemanha o estatuto de marca famosa e que o café descafeinado que comercializa com esta denominação é, graças a um novo processo de fabrico, de qualidade superior ao café descafeinado que a CNL-SUCAL importa para a República Federal da Alemanha, propôs uma acção perante os tribunais alemães, para impedir aquela importação.

    7

    Foi no quadro deste litígio que o Bundesgerichtshof, perante o qual foi interposto recurso de revista, decidiu, nos termos do artigo 177.o do Tratado, suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado a título prejudicial sobre as seguintes questões:

    «1)

    Atendendo ao disposto no artigo 222.o do Tratado CEE, será compatível com as disposições relativas à livre circulação de mercadorias (artigos 30.o e 36.o do Tratado CEE) o facto de uma empresa estabelecida no Estado-membro A se opor, invocando os direitos à firma e à marca de que goza neste país, à importação de mercadorias similares de uma empresa estabelecida no Estado-membro B, no caso de estas mercadorias disporem legalmente neste país de uma marca que

    a)

    é susceptível de confusão com a firma e a marca que são objecto de protecção no Estado A em relação à empresa aí estabelecida e

    b)

    originariamente também tinha pertencido no Estado B à empresa estabelecida no Estado A — posteriormente à protecção da marca neste último Estado — e que foi transferida desta para uma filial vinculada por um acordo de concentração constituída no Estado B,

    c)

    como consequência da expropriação pelo Estado B desta filial, foi transferida como parte do património da filial expropriada juntamente com esta a um terceiro, que por sua vez transmitiu a marca ao antecessor jurídico da empresa que agora exporta as mercadorias com essa marca para o Estado A?

    2)

    Caso se responda negativamente à primeira questão:

    Deverá responder-se de outra forma à questão apresentada se a marca protegida no Estado A aqui se tiver tornado “famosa”, sendo de esperar, devido ao grau invulgar de notoriedade de que goza, que, em caso de utilização de idêntica marca por terceira empresa, não possa ser assegurado o esclarecimento dos consumidores sobre a origem empresarial das mercadorias por forma que não ponha em causa a livre circulação de mercadorias?

    3)

    Do mesmo modo (em alternativa) no caso de resposta negativa à primeira questão:

    A mesma resposta será válida no caso de os consumidores do Estado A associarem à marca aqui protegida não apenas imagens relativas à origem empresarial, mas também determinadas representações relativas a propriedades, em particular à qualidade das mercadorias a que a marca respeita no caso de as mercadorias importadas do Estado B com a mesma marca não satisfazerem essas expectativas?

    4)

    No caso de a resposta a todas as questões até agora apresentadas ser negativa:

    A apreciação seria diferente caso estivessem reunidas cumulativamente as condições separadamente referidas na segunda e na terceira questões?»

    8

    Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da tramitação processual bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    Quanto à primeira questão

    9

    Com a primeira questão o órgão jurisdicional nacional pretende, fundamentalmente, saber se os artigos 30.o e 36.o do Tratado CEE obstam a que uma legislação nacional permita a uma empresa, titular de um direito de marca num Estado-membro, que se oponha à importação, a partir de outro Estado-membro, de produtos similares que utilizam legalmente neste último Estado uma marca idêntica ou susceptível de confusão com a marca protegida, mesmo quando a marca com a qual os produtos em causa são importados pertencia inicialmente a uma filial da empresa que se opõe às importações e foi adquirida por uma empresa terceira na sequência da expropriação desta filial.

    10

    Tendo em conta as considerações contidas no despacho que contém o pedido de decisão a título prejudicial e a discussão perante o Tribunal de Justiça em relação à relevância do seu acórdão de 3 de Julho de 1974, Van Zuylen/HAG (192/73, Recueil, p. 731), com vista à resposta a dar à questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional, impõe-se sublinhar desde já que o Tribunal de Justiça entende ser necessário reconsiderar a interpretação adoptada neste acórdão, à luz da jurisprudência que se desenvolveu progressivamente no domínio das relações entre a propriedade industrial e comercial e as regras gerais do Tratado, nomeadamente no domínio da livre circulação de mercadorias.

    11

    E necessário recordar, a este respeito, que as proibições e restrições à importação justificadas por razões de protecção da propriedade industrial e comercial são admitidas pelo artigo 36.o, com a condição expressa de que não devem constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros.

    12

    De acordo com a jurisprudência constante, o artigo 36.o só permite derrogações ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias no mercado comum na medida em que aquelas sejam justificadas pela salvaguarda dos direitos que constituem o objecto específico desta propriedade; por conseguinte, o titular de um direito de propriedade industrial protegido pela legislação de um Estado não pode opor-se à importação ou à comercialização de um produto que foi licitamente introduzido no mercado de outro Estado-membro pelo próprio titular do direito, ou com o seu consentimento ou por uma pessoa que dele está jurídica ou economicamente dependente (ver, nomeadamente, os acórdãos de 8 de Junho de 1971, Deutsche Grammophon, 78/70, Recueil, p. 487; de 31 de Outubro de 1974, Centrafarm/Winthrop, 16/74, Recueil, p. 1183; e de 9 de Julho de 1985, Phar-mon/Hoechst, 19/84, Recueil, p. 2281).

    13

    No que respeita ao direito de marca, há que referir que este direito constitui um elemento essencial do sistema de concorrência leal que o Tratado pretende criar e manter. Neste sistema, as empresas devem estar em condições de reter a clientela pela qualidade dos respectivos produtos ou serviços, o que só é possível graças à existência de sinais distintivos que permitam identificar aqueles produtos e serviços. Para que a marca possa desempenhar este papel, terá que constituir a garantia de que todos os produtos que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles.

    14

    Em consequência, como foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça em várias ocasiões, o objecto específico do direito de marca consiste, nomeadamente, em assegurar ao titular o direito de usar a marca para a primeira colocação do produto no mercado, protegendo-o assim contra os concorrentes que pretendessem abusar da posição e da reputação da marca, vendendo produtos que a utilizassem indevidamente. Para determinar o alcance exacto deste direito exclusivo reconhecido ao titular da marca é necessário ter em atenção a função essencial desta, de garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto que exibe a marca, permitindo-lhe distinguir, sem confusão possível, aquele produto de outros que tenham proveniência diversa (ver, em especial, os acórdãos de 23 de Maio de 1978, Hoffmann-La Roche, n.o 7, 102/77, Recueil, p. 1139, e de 10 de Outubro de 1978, Centrafarm/American Home Products Corporation, n.os 11 e 12, 3/78, Recueil, p. 1823).

    15

    O facto determinante, em atenção às considerações precedentes, para apreciar uma situação como a descrita pelo órgão jurisdicional nacional, é a inexistência de qualquer elemento de consentimento, por parte do titular do direito de marca protegido pela legislação nacional, na colocação em circulação noutro Estado-membro, com uma marca idêntica ou susceptível de confusão, de um produto similar fabricado e comercializado por uma empresa sem qualquer laço de dependência jurídica ou económica com o referido titular.

    16

    Nestas condições, com efeito, a função essencial da marca ficaria comprometida se o titular do direito não pudesse exercer a faculdade que a legislação nacional lhe confere de se opor à importação do produto similar com uma denominação susceptível de confusão com a sua própria marca, pois nesse caso os consumidores não teriam a possibilidade de identificar com certeza a origem do produto que exibe a marca e ao titular do direito de marca podia vir a ser imputada a má qualidade de um produto pelo qual não seria de forma alguma responsável.

    17

    Nada vem modificar a esta análise o facto de a marca protegida pela legislação nacional e a marca similar aposta no produto importado nos termos do Estado-membro de proveniência terem pertencido inicialmente ao mesmo titular, que foi desapropriado de uma delas na sequência de uma expropriação efectuada por um dos dois Estados antes da criação da Comunidade.

    18

    Com efeito, a partir da expropriação e apesar da origem comum, cada uma das marcas cumpriu a função de garantir, no seu próprio âmbito territorial, que os produtos que a exibem provêm cada um de sua fonte de forma independente.

    19

    Resulta do que precede, numa situação como esta, em que a marca estava originariamente na titularidade de uma só pessoa, tendo esta unicidade de titular sido rompida na sequência de uma expropriação, que cada um dos titulares do direito de marca deve poder opor-se à importação e à comercialização de produtos provenientes do outro titular para o Estado-membro onde a marca está na sua titularidade, desde que se trate de produtos similares que utilizem uma marca idêntica ou susceptível de confusão.

    20

    Deve assim responder-se à primeira questão que os artigos 30.o e 36.o do Tratado CEE não obstam a que uma legislação nacional permita a uma empresa, titular de um direito de marca num Estado-membro, que se oponha à importação de produtos similares provenientes de outro Estado-membro que utilizem neste último Estado uma marca idêntica ou susceptível de confusão com a marca protegida, mesmo que a marca com a qual os produtos em litígio são importados pertencesse inicialmente a uma filial da empresa que se opõe às importações, tendo na sequência da expropriação dessa filial sido adquirida por uma terceira empresa.

    Quanto às segunda, terceira e quarta questões

    21

    Tendo em atenção a resposta dada à primeira questão, as segunda, terceira e quarta questões ficam privadas de objecto.

    Quanto às despesas

    22

    As despesas efectuadas pelos governos da República Federal da Alemanha, do Reino dos Países Baixos, do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e do Reino de Espanha, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza do incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL,

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Bundesgerichtshof, despacho de 24 de Novembro de 1988, declara:

     

    Os artigos 30.o e 36.o do Tratado CEE não obstam a que uma legislação nacional permita a uma empresa, titular de um direito de marca num Estado-membro, que se oponha à importação de produtos similares provenientes de outro Estado-membro que utilizem neste último Estado uma marca idêntica ou susceptível de confusão com a marca protegida, mesmo que a marca com a qual os produtos em litígio são importados pertencesse inicialmente a uma filial da empresa que se opõe às importações, tendo na sequência da expropriação dessa filial sido adquirida por uma terceira empresa.

     

    Due

    O'Higgins

    Moitinho de Almeida

    Rodríguez Iglesias

    Diez de Velasco

    Slynn

    Kakouris

    Joliét

    Schockweiler

    Grévisse

    Zuleeg

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 17 de Outubro de 1990.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Lingua do processo: alemão.

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