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Document 61989CC0005

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 8 de Maio de 1990.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
    Auxílios do Estado - Empresa fabricante de produtos de alumínio semiacabados e acabados - Restituição.
    Processo C-5/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-03437

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:187

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    MARCO DARMON

    apresentadas em 8 de Maio de 1990 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. 

    Seria inútil procurar qualquer novidade na presente acção intentada pela Comissão nos termos do artigo 93.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Tratado CEE contra a República Federal da Alemanha em comparação com o processo precedente Comissão/Alemanha (em seguida designado «processo Al-can»), que originou o acórdão do Tribunal de 2 de Fevereiro de 1989 ( 1 ).

    2. 

    Em 17 de Novembro de 1987, a Comissão adoptou uma decisão ( 2 ) em que declara a ilegalidade por falta de notificação e a incompatibilidade com o mercado comum de uma subvenção de dois milhões de DM concedida em 1985 pelo Estado federado de Baden-Württemberg à firma BUG-Alutechnik GmbH. Após a adopção desta decisão, o Governo alemão, que a não impugnou, dirigiu à Comissão uma nota em que a criticava e argumentava designadamente que, substituindo a subvenção uma garantia de sete milhões de DM, o valor do auxílio seria, na realidade, negativo. Além disso, segundo este Governo, a protecção da confiança legítima opunha-se à restituição do auxílio.

    3. 

    É este fundamento que é invocado no âmbito do presente processo juntamente com o fundamento baseado na expiração do prazo de um ano que o artigo 48.°, n.° 4, da lei relativa ao processo administrativo do Estado federado de Baden-Württemberg prevê para a revogação dos actos administrativos.

    4. 

    Diga-se desde já que, embora os fundamentos do acórdão do Tribunal de 2 de Fevereiro de 1989, atrás citado, pareçam dever conduzir a que o Tribunal declare, sem dificuldade, que se verifica o incumprimento, nos parece útil que o Tribunal, ao examinar os argumentos de defesa invocados pela República Federal da Alemanha aproveite a ocasião do presente processo para clarificar as normas que regulam a recuperação dos auxílios de Estado e sancionar judicialmente os esforços das autoridades comunitárias para assegurar a eficácia das disposições do Tratado aplicáveis nesta matéria.

    5. 

    No que respeita ao incumprimento em si próprio, o Estado demandado já tinha, por ocasião do processo Alean, invocado a protecção da confiança legítima para se opor à acção intentada pela Comissão na sequência da falta de cumprimento de uma decisão relativa a um auxílio não notificado e incompatível com o mercado comum.

    6. 

    Embora o Tribunal, em conformidade com decisões anteriores ( 3 ), tenha reservado como único fundamento de defesa susceptível de ser invocado nesta matéria contra uma acção por incumprimento o que consiste na impossibilidade absoluta de execução, o Tribunal constatou que o Governo demandado se tinha limitado

    «a comunicar à Comissão as dificuldades de ordem política e jurídica que o cumprimento da decisão suscitava, sem fazer nenhuma diligência, junto da sociedade antes referida, para obter a recuperação do auxílio e sem propor à Comissão modalidades para aplicação da decisão, que teriam permitido ultrapassar as dificuldades em questão» ( 4 ).

    7. 

    Anteriormente o Tribunal havia recordado que o Estado-membro que encontra dificuldades imprevistas e imprevisíveis de execução pode submetê-las à Comissão propondo as alterações adequadas da decisão, e que, nesse caso, o dever de cooperação leal que inspira, designadamente, o artigo 5.° do Tratado impõe uma colaboração de boa fé para ultrapassar as referidas dificuldades dentro do maior respeito pelas disposições do Tratado, nomeadamente pelas relativas aos auxílios.

    8. 

    O Tribunal concluiu que,

    «nestas circunstâncias, sem que seja necessário proceder ao exame dos argumentos invocados pela demandada e relativos à aplicabilidade das regras processuais nacionais ao reembolso dos auxílios, forçoso é observar que o Governo demandado não pode alegar a impossibilidade absoluta de executar a decisão da Comissão» ( 5 ).

    9. 

    Este raciocínio parece totalmente transponível para o caso dos autos no qual o Governo alemão não pretende ter feito qualquer diligência junto da empresa BUG-Alutechnik para recuperar o auxílio nem ter proposto à Comissão modalidades de aplicação da decisão destinadas a permitir ultrapassar as dificuldades jurídicas de execução alegadas. Por isso, o incumprimento, em nossa opinião, está absolutamente verificado.

    10. 

    Contudo, como já indicámos, parece-nos que o Tribunal deve tomar uma posição clara sobre os argumentos baseados na confiança legítima e nas disposições processuais internas.

    11. 

    O Governo.alemão baseia-se num obiter dictum do acórdão do Tribunal de 2 de Fevereiro de 1989 ( 6 ) para afirmar que o Tribunal entendeu remeter para as autoridades nacionais o cuidado de preservar o «interesse da Comunidade» em relação ao princípio da confiança legítima que é invocado pela empresa beneficiária ( 7 ). Sublinha igualmente ( 8 ) que, nesse considerando, o Tribunal citou expressamente o acórdão Deutsche Milchkontor ( 9 ). Esse acórdão, recordemos, reconhece, mediante certas condições, a compatibilidade com o Tratado de uma legislação nacional que assegura o respeito pela confiança legítima num domínio como o do reembolso dos auxílios comunitários indevidamente pagos.

    12. 

    Parece-nos que um argumento, de certo modo «preliminar», da Comissão deve ser afastado desde já. Com efeito, esta ( 10 ) observa que o acórdão Deutsche Milchkontor não dizia respeito ao direito dos auxílios de Estado e que a disposição do direito comunitário pertinente nesse processo ( 11 ) continha uma remissão expressa para o direito nacional em matéria de recuperação dos auxílios comunitários indevidamente pagos. Não podemos aderir a essa opinião. Com efeito, não nos parece que a diferença entre a natureza dos auxílios, comunitários ou nacionais, deva conduzir à aplicação de regras diferentes quanto à repetição do indevido; a jurisprudência do Tribunal sobre este ponto não faz, aliás, qualquer distinção ( 12 ). Além disso, o acórdão do Tribunal de 2 de Fevereiro de 1989, atrás citado, ao remeter expressamente para o acórdão Deutsche Milchkontor, entendeu indicar, parece-nos, que se deve ter em conta o princípio da confiança legítima, princípio que faz parte da ordem jurídica comunitária, a propósito das acções para recuperação de auxílios de Estado.

    13. 

    Por isso, embora, na nossa opinião, não seja contestável que a confiança legítima deve poder ser tomada em consideração, o cerne da dificuldade parece-nos porém residir, por um lado, na determinação da autoridade à qual incumbe avaliar a medida desta confiança em relação ao interesse da Comunidade e, por outro, nas próprias condições que permitem à empresa beneficiária invocar com sucesso esse princípio.

    14. 

    Sobre o primeiro ponto, o Governo alemão sustenta que, tratando-se de uma disposição de direito nacional, só a autoridade nacional tem competência para a interpretar e aplicar ( 13 ). Daí conclui que a decisão tomada pela Comissão nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CEE não pode ser obrigatória.

    15. 

    Tal ponto de vista é inadmissível. No acórdão do Tribunal Deutsche Milchkontor, depois de ter recordado

    «que os princípios do respeito da confiança legítima e da segurança jurídica fazem parte da ordem jurídica comunitária»,

    o Tribunal concluiu que

    «não se pode, pois, considerar como contrário a esta mesma ordem jurídica que uma legislação nacional assegure o respeito da confiança legítima e da segurança jurídica num domínio como o da repetição dos auxílios comunitários indevidamente pagos» ( 14 ).

    16. 

    Assim, só na medida em que esteja em conformidade com o princípio que faça parte da ordem jurídica comunitária é que a confiança legítima reconhecida pelo direito nacional pode ser invocada, sem prejuízo, de acordo com o mesmo acórdão, de se dever tomar em consideração o interesse da Comunidade ( 15 ) e a necessidade de preservar o alcance e a eficácia do direito comunitário ( 16 ).

    17. 

    Contudo, sob pena de retirar qualquer eficácia ao artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, parece-nos que, salvo circunstancias excepcionais não reveladas no caso dos autos, desde que a decisão da Comissão não tenha sido contestada, a empresa beneficiária do auxílio incompatível pode invocar, sendo caso disso, o princípio da confiança legítima para se opor à acção de recuperação intentada pelo Estado em causa. Competirá então ao juiz nacional a quem seja submetido o litígio apreciar a procedência de tal defesa, face às regras fixadas pelo acórdão Deutsche Milchkontor, e, se for necessario, colocar ao Tribunal uma questão prejudicial. Em contrapartida, não se pode, em princípio, aceitar que o Estado-membro destinatário da decisão da Comissão possa, por si próprio, depois de se ter abstido de a impugnar, recusar a execução invocando disposições do seu direito nacional. Seria comprometer gravemente o efeito vinculatório das decisões tomadas pela Comissão com fundamento no artigo 93.°, n.° 2, e, dessa forma, diminuir consideravelmente a eficácia do regime comunitário dos auxílios ( 17 ).

    18. 

    A nossa análise parece, aliás, encontrar apoio na jurisprudência tradicional do Tribunal em matéria de auxílios ( 18 ), que só admite, como recordamos, como meio de defesa susceptível de ser invocado contra a acção por incumprimento, o argumento baseado numa impossibilidade absoluta de executar correctamente a decisão.

    19. 

    O segundo ponto exige mais amplas observações. Nas nossas conclusões no processo Alean ( 19 ), considerámos poder deduzir-se da filosofia da jurisprudência do Tribunal em matéria de confiança legítima a obrigação de qualquer empresa que beneficie de um auxílio do Estado verificar se este auxílio foi previamente notificado à Comissão. Tal opinião junta-se aos esforços desenvolvidos pela Comissão para assegurar o respeito da legalidade comunitária em matéria de auxílios de Estado, como prova a sua comunicação de 1983 ( 20 ) que, nomeadamente, informa «os beneficiários potenciais de auxílios de Estado do caracter precário dos auxílios que lhes sejam concedidos ilegalmente, no sentido de que qualquer beneficiário do auxílio concedido ilegalmente, quer dizer, sem que a Comissão tenha chegado a uma decisão definitiva sobre a sua compatibilidade, pode ser chamado a restituir o auxílio». Este caracter precário da concessão do auxílio não notificado foi, aliás, reconhecido pelo Tribunal em dois acórdãos recentes de 14 de Fevereiro ( 21 ) e 21 de Março ( 22 ) de 1990, nos quais o Tribunal entendeu que

    «a Comissão, quando verifica que um auxílio foi instituído ou alterado sem ter sido notificada, pode, após ter dado ao Estado-membro em causa a possibilidade de apresentar observações, intimá-lo, através de uma decisão provisória e enquanto aguarda o resultado do exame do auxílio, para suspender imediatamente o pagamento deste...» ( 23 ).

    20. 

    Pode, com certeza, lamentar-se a ausência de qualquer publicidade das notificações dos auxílios concedidos pelos Estados e das eventuais decisões da Comissão de não instaurar o processo referido no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CEE ( 24 ). Parece-nos contudo que, quer junto das administrações nacionais quer junto da Comissão, as empresas beneficiárias de auxílios devem poder verificar o cumprimento da notificação.

    21. 

    Seja-nos permitido, a este respeito, recordar os números expostos pela Comissão na audiência quanto à evolução do montante total dos auxílios não notificados pelos Estados-membros e dos quais a Comissão pediu a recuperação: cinco milhões de ecus em 1985, onze milhões em 1986 e 747 milhões em 1987 ( 25 ). Este crescimento exponencial dá conta da medida do valor jurisprudencial do presente processo. Por isso, é chegado o momento de o Tribunal recordar, de qualquer modo, as «regras do jogo» no que respeita aos auxílios de Estado. Aderimos, com certeza, sem reserva ao princípio da confiança legítima, mas a necessária conciliação deste princípio com o regime comunitário de vigilância dos auxílios de Estado parece-nos dever ser solenemente afirmada com a indicação precisa das modalidades da sua aplicação.

    22. 

    Recordemos antes de mais que a empresa beneficiária do auxílio já tem a possibilidade, como pessoa directa e individualmente abrangida, de interpor recurso de anulação contra a decisão da Comissão que ordene a recuperação do auxílio ( 26 ). O Tribunal, se lhe for apresentado um recurso, confrontará inevitavelmente essa decisão com os imperativos do respeito dos direitos fundamentais, na medida em que os mesmos fazem parte, segundo jurisprudência constante ( 27 ), da ordem jurídica comunitária e, nomeadamente, com a obrigação de proteger a confiança legítima, tal como o Tribunal fez no acórdão Deufil ( 28 ).

    23. 

    Aliás, após a recente jurisprudência do Tribunal a propósito do processo Boussac ( 29 ), embora a empresa beneficiária do auxílio não notificado possa ser obrigada pelo Estado em questão a restituílo, tem contudo a certeza de que a Comissão procederá a uma análise de mérito quanto à sua compatibilidade com o mercado comum na acepção do artigo 92.°, n.° 2, do Tratado.

    24. 

    Por isso, não nos parece exagerado presumir que, salvo prova em contrário, a empresa que não tiver verificado se o auxílio foi notificado não pode invocar a confiança legítima.

    25. 

    Com efeito, os operadores económicos que recebem auxílios de Estado são profissionais que devem fazer prova de um dever de diligência, o qual está aliás expressamente previsto pelo artigo 48.° da lei alemã em causa ( 30 ). A obrigação que lhes incumbe de se assegurarem da notificação prévia à Comissão do auxílio que lhes foi concedido não nos parece nem excessiva nem particularmente difícil de cumprir.

    26. 

    Contudo, é necessário simultaneamente preservar tanto o princípio da própria confiança legítima como o poder de apreciação a esse respeito do juiz nacional e, em consequência, pôr reservas no caso de uma empresa, apesar de não ter verificado a notificação do auxílio, estar numa situação tal, a respeito dos direitos fundamentais, que o benefício da confiança legítima lhe deva ser, apesar de tudo, reconhecido. O tribunal nacional deve poder fazer, em tal hipótese, uma apreciação concreta do comportamento da empresa beneficiária, se necessário após ter colocado ao Tribunal uma questão prejudicial. Não se podem desprezar as hesitações que podem ter certas empresas, perante formas «atípicas» de auxílios, sobre a necessidade ou não de notificação ( 31 ). Mas há que opor este caracter da apreciação que será feita pelo juiz nacional in concreto à concepção da confiança legítima in abstrato de que faz uso neste processo o Estado demandado para recusar o cumprimento da decisão comunitária ordenando a recuperação do auxílio em questão. A confiança legítima não se presume, prova-se.

    27. 

    Faremos também algumas observações relativas ao argumento baseado no direito administrativo nacional, que prevê que um acto administrativo não pode ser revogado após a expiração do prazo de um ano a contar da data em que as autoridades tiveram conhecimento dos fundamentos que justificam a revogação do acto ( 32 ).

    28. 

    Na sua defesa, o Governo alemão indicou, antes de mais, que, neste caso concreto, o prazo teria de qualquer forma expirado aquando da adopção pela Comissão da sua decisão, já que teria começado a decorrer num momento em que a autoridade competente do Estado federado de Baden- Württemberg concedeu o auxílio em questão, ou seja, em 1985 ( 33 ). Posteriormente, na tréplica, foram expostas ao Tribunal concepções teóricas mais complexas: o prazo em causa corria a partir do dia em que a Comissão teve conhecimento da atribuição do auxílio; a autoridade comunitária poderia todavia recorrer ao Tribunal através de um processo de medidas provisórias no caso de não poder pronunciar-se nesse lapso de tempo ( 34 ).

    29. 

    Lembremos que, embora a jurisprudência do Tribunal em matéria de repetição do indevido remeta para as regras do direito processual nacional, fá-lo na condição de estas regras não poderem ter carácter discriminatório em relação às acções baseadas no direito comunitário ou em relação às baseadas no direito nacional nem conduzir a tornar impossível o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária ( 35 ). E o Tribunal acaba de aplicar esta jurisprudência, no acórdão de 21 de Março de 1990 ( 36 ), no caso especial dos auxílios de Estado, ao declarar que,

    «em princípio, a recuperação de um auxílio ilegalmente concedido deve ocorrer de acordo com as pertinentes disposições processuais do direito nacional, sem prejuízo, todavia, de serem aplicadas de forma a não tornar praticamente impossível a recuperação exigida pelo direito comunitário» ( 37 ).

    30. 

    Ora, se tivermos em conta a defesa, o Governo alemão invoca a expiração de um prazo no qual o dies a quo é fixado no dia em que as autoridades nacionais tiveram conhecimento do fundamento que justifica a revogação do acto. Admitir que um Estado possa, em matéria de restituição de auxílios, prevalecer-se de um prazo dessa natureza destruiria, evidentemente, qualquer perspectiva de a tornar eficaz. Além disso, convém assinalar que seria o próprio Estado sobre o qual impende a obrigação de notificação que, em definitivo, determinaria o início da contagem do prazo. A decisão da Comissão impõe, de acordo com a jurisprudência do Tribunal ( 38 ), uma obrigação de resultado, mitigada apenas pela eventualidade de uma impossibilidade absoluta revelada pela procura activa de uma solução no âmbito de um diálogo entre a Comissão e o Estado interessado. Impõe a este último que execute a restituição do auxílio, naturalmente utilizando os meios processuais nacionais, mas sem poder invocá-los para se colocar numa situação em que a restituição seria, de qualquer modo, impossível.

    31. 

    Na tréplica, o Governo alemão, como dissemos, sugere que o prazo de um ano seja contado a partir do dia em que a Comissão teve conhecimento do auxílio. Sobre este ponto devemos observar que se trata de uma interpretação, sem dúvida audaciosa, da disposição nacional em causa. O artigo 48.° da lei sobre o processo administrativo do Estado federado de Baden-Württemberg apenas visa o conhecimento pelas autoridades administrativas nacionais, e não pela Comissão, das circunstâncias que justificam a revogação do acto ilegal. Ora, dado que, após a jurisprudência do acórdão Boussac, um auxílio não notificado não é só por isso ilegal, só a adopção pela Comissão de uma decisão definitiva sobre a incompatibilidade do auxílio com o mercado comum nos parece constituir o momento do início do prazo de revogação do acto que concedeu o auxílio indevidamente mantido. Noutros termos, e sem pretendermos substituir-nos ao tribunal nacional, único competente para o interpretar, parece-nos que a aplicação do direito interno à recuperação dos auxílios e particularmente o artigo 48.° da lei sobre o processo administrativo, deveria conduzir a exigir que as autoridades alemãs procedam à revogação do acto no prazo de um ano a partir da notificação da decisão de mérito da Comissão.

    32. 

    Evidentemente, se as autoridades alemãs, por negligência, não observarem este prazo, o tribunal nacional deverá colocar-se a questão de saber se deve considerar este prazo inaplicável, em conformidade com a jurisprudência tradicional do Tribunal, recentemente recordada no acórdão atrás citado de 21 de Março de 1990, quando este prazo seja aplicado de forma a «tornar praticamente impossível a recuperação exigida pelo direito comunitário» ( 39 ). Essa consequência não atentaria contra a protecção da confiança legítima, dado que as decisões da Comissão são publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e que, por isso, a empresa beneficiaria, muito antes da expiração do prazo de um ano, já saberia que o auxílio concedido foi considerado incompatível com o mercado comum.

    33. 

    Porém, como dissemos atrás, mesmo que o Tribunal deva, em nossa opinião, aproveitar o presente processo para esclarecer o valor destes argumentos, só no caso de um eventual reenvio prejudicial é que estes serão pertinentes. No caso dos autos, basta aplicar a jurisprudência do Tribunal decorrente do processo Alean.

    34. 

    Concluímos, pois, no sentido de que o Tribunal declare que, ao não cumprir a Decisão 88/174/CEE da Comissão, de 17 de Novembro de 1987, relativa ao auxílio concedido pelo Estado federado de Baden-Württemberg à BUG-Alutechnik GmbH, empresa fabricante de produtos de alumínio acabados e semiacabados, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 93.°, n.° 2, primeiro parágrafo, e 189.°, quarto parágrafo, do Tratado CEE. E concluímos, do mesmo modo, pela condenação do Estado demandado nas despesas.


    ( *1 ) Língua original: francês.

    ( 1 ) 94/87, Colcct. 1989, p. 175.

    ( 2 ) 88/174/CEE, relativa ao auxilio concedido pelo Estado federado de Baden-Württemberg da República Federal da Alcmanlia à BUG-Alutcclinik GmbH, empresa fabricante de produtos de alumínio semiacabados e acabados (JO L 79 dc 24.3.1988, p. 29).

    ( 3 ) Acórdão de 15 de Janeiro dc 1986, Comissao/Bćlgica (52/84, Colcct., p. 89).

    ( 4 ) 94/87, atrás citado, n.° 10.

    ( 5 ) N.° 11.

    ( 6 ) N.° 12.

    ( 7 ) Tréplica, p. 5 e 6.

    ( 8 ) Tréplica, p. 2.

    ( 9 ) Acórdão de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor, n.os 30 a 32 (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633).

    ( 10 ) Réplica, p. 2.

    ( 11 ) Artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94 de 28.4.1970, P- 13)

    ( 12 ) Ver, por exemplo, 77/76, Cucchi, Recueil 1977, p. 987; 177/78, MeCarren, Recueil 1979, p. 2161; 61/79, Dcnkavit italiana, Recueil 1980, p. 1205; 130/79, Express Dairy Foods, Recueil 1980, p. 1887; acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Bianco (331/85, 376/85 e 378/85, Coica., p. 1099).

    ( 13 ) Tréplica, p. 5.

    ( 14 ) 205/82 a 215/82, atrás citado, n.° 30.

    ( 15 ) 205/82 a 215/82, atras citado, n.° 32.

    ( 16 ) 205/82 a 215/82, atrás citado, n.° 22.

    ( 17 ) Ver, a este respeito, as nossas conclusões de 29 de Novembro de 1988 no processo 94/87, atrás citado, n.os 3 e 4 (Colect. 1989, p. 175).

    ( 18 ) 52/84, atrás citado.

    ( 19 ) 94/87, atrás citado, n.os 14 a 18.

    ( 20 ) JO C 318 de 24.11.1983, p. 3.

    ( 21 ) C-301/87, França/Comissão (em seguida «Boussac»), Colect., p. I-307.

    ( 22 ) C-142/87, Bélgica/Comissão, Colect., p. I-959.

    ( 23 ) C-301/87, atrás citado, n.° 19; C-142/87, atrás citado, n.° 15.

    ( 24 ) Ver, sobre este ponto, as conclusões do advogado-geral G. Tesauro no processo C-142/87, atrás citado, n.° 8.

    ( 25 ) Estes números são os que constam tia resposta de L. Brittan à questão escrita n.° 181/88 (JO C 151 de 19.6.1989, p. 9).

    ( 26 ) Artigo 173.°, segundo paragrafo, do Tratado CEE.

    ( 27 ) Por exemplo, acórdão de 15 de Junho de 1978, Dcfrcnnc (149/77, Recueil, p. 1365).

    ( 28 ) Acórdão de 24 de Fevereiro de 1987, n.os 20 a 25 (310/85, Colect., p. 901).

    ( 29 ) C-301/87, atras citado.

    ( 30 ) Ver memorando de defesa, p. 5 da tradução francesa.

    ( 31 ) Ver, por exemplo, no acórdão Deufil, atrás citado, as discussões quanto à natureza dos auxílios na acepção do artigo 92.°, n.° 1.

    ( 32 ) Artigo 48.°, n.° 4, da Verwaltungsverfahrensgesetz, citada pelo Governo alemão, memorando de defesa, p. 6 da tradução francesa.

    ( 33 ) Memorando de defesa, p. 8 da tradução francesa.

    ( 34 ) Memorando da tréplica, p. 10 da tradução francesa.

    ( 35 ) Ver, por exemplo, acórdãos de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595); de 2 de Fevereiro de 1988, Barra (309/85, Colect., p. 355).

    ( 36 ) C-142/87, atrás citado.

    ( 37 ) N.° 61, sublinhado nosso.

    ( 38 ) 52/84, atrás citado, n.° 11.

    ( 39 ) N.° 61.

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