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Document 61988CJ0064

Acórdão do Tribunal de 11 de Junho de 1991.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa.
Pesca - Obrigações de controlo a cargo dos Estados-membros.
Processo C-64/88.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-02727

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:240

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-64/88 ( *1 )

I — Quadro regulamentar e tramitação do processo pré-contencioso

Por meio do Regulamento (CEE) n.° 2057/82, de 29 de Junho de 1982, o Conselho estabeleceu certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias exercidas pelos barcos dos Estados-membros (a seguir «primeiro regulamento sobre o controlo»). O Regulamento n.° 2057/82 foi revogado e substituído pelo Regulamento n.° 2241/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987 (a seguir «segundo regulamento sobre o controlo»).

Segundo o n.° 1 do artigo 1.° dos dois regulamentos sobre o controlo, cada Estado-membro deve inspeccionar, no seu território e nas águas marítimas que dependem da sua soberania ou da sua jurisdição, os navios de pesca que arvorem pavilhão de um Estado-membro ou nele estejam regisudos, com o fim de garantir o cumprimento de toda a regulamentação em vigor respeitante às medidas de conservação e de controlo.

De acordo com o n.° 2 do artigo 1.o destes mesmos regulamentos, as autoridades competentes do Estado-membro em causa têm a obrigação, quando for verificada uma infracção à regulamentação relativa às medidas de conservação, de intentar uma acção penal ou administrativa contra o capitão do navio que foi objecto da inspecção.

As medidas técnicas de conservação dos recursos de pesca previsus nos regulamentos sobre o controlo foram definidas, em primeiro lugar, no Regulamento (CEE) n.° 171/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983 (a seguir «primeiro regulamento sobre as medidas de conservação»), e, de seguida, no Regulamento n.° 3094/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986 (a seguir «segundo regulamento sobre as medidas de conservação») que, a partir de 1 de Janeiro de 1987, substituiu o primeiro. De entre estas medidas técnicas figuram medidas em matéria de malhagem das redes, de fixação de dispositivos às redes, de apanhas acessórias e de tamanho mínimo dos peixes que podem ser capturados.

Em 21 de Dezembro de 1984, a Comissão dirigiu ao Governo francês uma carta de notificação, na qual censurava a República Francesa por não dar cumprimento às obrigações de inspecção e de procedimento judicial que lhe incumbem por força do artigo 1.° do primeiro regulamento sobre o controlo. Referindo-se às missões executadas pelos seus inspectores em 1984, a Comissão considerou, em primeiro lugar, no que respeita aos controlos operados no mar pelas autoridades francesas, que eles eram pouco numerosos e que, sempre que efectuados, revelavam o uso de redes cuja malhagem era inferior ao mínimo prescrito, ou cujo dispositivo violava o primeiro regulamento sobre as medidas de conservação. Além disso, quando tais infracções foram verificadas, as autoridades francesas não tomaram medidas penais ou administrativas contra os capitães. A Comissão sublinhou, em segundo lugar, quanto às inspecções nos portos, que aí não havia qualquer controlo das capturas acessórias, e que, em especial nos portos do golfo da Gasconha, não era efectuada nenhuma aplicação das regras relativas ao tamanho mínimo dos peixes que podem ser capturados.

Em 22 de Janeiro de 1985, o Governo francês, sem negar a realidade de certas infracções, respondeu que não era possível tirar uma conclusão geral dos controlos de duração limitada efectuados pelos inspectores da Comissão. Além disso, argumentou que a Comissão não tinha tomado suficientemente em conta as particularidades da pesca artesanal no golfo da Gasconha. Com efeito, contrariamente à pesca no mar do Norte, a pesca no golfo da Gasconha respeita a um número elevado de espécies, o que implica o uso de técnicas muito diferentes num mesmo lugar, num mesmo período e, por vezes, num mesmo navio. A aplicação da regulamentação não é, portanto, sempre simples e necessita de uma longa experiência e de um conhecimento do meio. Isto explica o esforço de informação dos pescadores, efectuado pelo Governo francês em matéria de regulamentação comunitária, em especial no que respeita às capturas acessórias e à fixação de dispositivos às redes.

Noutra carta, datada de 28 de Maio de 1985, o Governo francês admitiu, por um lado, que alguns pescadores descarregaram nos portos franceses pescadas de tamanho inferior às normas prescritas na regulamentação comunitária e, por outro, que um certo número de pescadores costeiros utilizavam redes de malhagem insuficiente. O Governo francês sublinhou, no entanto, que decidira organizar uma campanha de informação e controlo, de 15 de Maio a 1 de Julho de 1985. Durante esta campanha, as redes de arrasto seriam objecto de controlo, mas as autoridades nacionais não levantariam autos aos contraventores. Após 1 de Julho de 1985, tais autoridades tinham instruções para accionar em juízo os pescadores que utilizassem redes de arrasto cuja malhagem fosse significativamente inferior às normas. Estas mesmas autoridades deviam, finalmente, apreender as pescadas descarregadas quando fossem de tamanho manifestamente inferior às normas comunitárias.

Em 18 de Novembro de 1986, a Comissão dirigiu ao Governo francês um parecer fundamentado, no qual confirma as apreciações formuladas na carta de notificação. As missões de inspecção efectuadas em 1985 demonstram, aliás, a persistência das infracções, constatadas em 1984, às normas de conservação prescritas pelos regulamentos comunitários. A Comissão expendeu, além disso, que as características da pesca artesanal no golfo da Gasconha não podiam justificar a incorrecta aplicação da regulamentação comunitária e que o esforço de informação dos pescadores, anunciado pelo Governo francês, apenas confirmava as omissões das autoridades nacionais. A carta de 28 de Maio de 1985 prova, finalmente, a existência de tolerâncias nacionais face às normas comunitárias em matéria do tamanho mínimo das pescadas, bem como em matéria de malhagem das redes de arrasto.

Na sua resposta datada de 21 de Janeiro de 1987, o Governo francês não contestou a existência de certas deficiências na aplicação da regulamentação comunitária. Argumentou, no entanto, no que respeita ao ano de 1984, que a demora de um ano para aplicação do primeiro regulamento sobre as medidas de conservação se não podia considerar anormal, tendo em conta as exigência de tal regulamento. Além disso, explicou a persistência de certas infracções em 1985 pela natureza dificilmente aplicável, em especial no que respeita à pesca no golfo da Gasconha, de certas disposições desse regulamento, e pela necessidade de evitar qualquer desordem. O Governo francês invocou, ainda, a acção sistemática de controlo que efectuara em 1986, com vista a assegurar o cumprimento das normas comunitárias em matéria de conservação. Um quadro relativo aos controlos efectuados na capitania de Boulogne-sur-Mer, no que respeita ao tamanho mínimo dos peixes e à malhagem das redes, evidencia os resultados dessa acção.

Por cartas de 24 de Março e de 14 de Maio de 1987, a Comissão solicitou ao Governo francês que a informasse do seguimento dado aos autos levantados pelas autoridades nacionais aquando dos controlos efectuados pelos inspectores da Comissão.

Por cartas de 21 de Maio e de 29 de Julho de 1987, o Governo francês prestou as informações solicitadas. As autoridades nacionais deram seguimento a todas as infracções que verificaram, quer dirigindo uma advertência aos pescadores infractores, quer remetendo ao procurador da República os autos que lhes foram levantados.

II — Tramitação processual e pedidos das partes

A acção da Comissão foi registada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de Fevereiro de 1988.

A tramitação processual teve curso regular. Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar, de acordo com o artigo 169.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, que, ao não assegurar um controlo susceptível de garantir o cumprimento das medidas técnicas de conservação previstas nos regulamentos n.os 171/83 e 3094/86 do Conselho, a República Francesa não cumpriu as obrigações impostas pelos artigos 1.° dos regulamentos n.os 2057/82 e 2241/87 do Conselho;

condenar a República Francesa nas despesas.

A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

indeferir o pedido;

condenar a Comissão nas despesas.

III — Fundamentos e argumentos das partes

A Comissão lembra que o artigo 1.° do primeiro regulamento sobre o controlo, do mesmo modo que o artigo 1.° do segundo regulamento sobre o controlo, impõe aos

Estados-membros duas obrigações. A primeira, de natureza preventiva, consiste em proceder, tanto no mar como em terra, à inspecção dos navios de pesca que arvorem pavilhão de um Estado-membro. A segunda, de natureza repressiva, impõe que, em caso de infracção, se intentem acções penais ou administrativas contra o capitão do navio em causa. Segundo a Comissão, as autoridades nacionais só cumprem a sua missão nos casos em que as infracções susceptíveis de serem verificadas aquando de uma inspecção são assinaladas e seguidas das apropriadas acções judiciais. Ora, resulta dos relatórios dos inspectores da Comissão que nenhuma das infracções cometidas em matéria de malhagem das redes, de fixação de dispositivos às redes, de apanhas acessórias e de tamanho dos peixes foi objecto de verificação pelas autoridades nacionais de controlo, o que implica uma inspecção insuficiente. Isto acarretou, por sua vez, a omissão de acções penais ou administrativas contra os capitães.

A Comissão sublinha a gravidade da infracção imputada à República Francesa. A permanente omissão das autoridades francesas, em matéria de controlo, deu aos pescadores a impressão de que certas normas técnicas de conservação não eram aplicáveis, o que os incitou a continuar a cometer as infracções.

Na petição, a Comissão prontificou-se a fazer a prova das suas afirmações por todos os meios de direito. Na réplica, acrescentou que tinha à disposição do Tribunal de Justiça os relatórios relativos às missões cumpridas pelos seus agentes desde 1984. Sublinhou que esses documentos deviam manter uma natureza confidencial, a fim de garantir a eficácia da futura acção dos seus inspectores e para proteger os direitos dos terceiros identificáveis que aí estivessem mencionados.

As verificações dos inspectores da Comissão são confirmadas pelas respostas que foram fornecidas pelo Governo francês no decurso do processo pré-contencioso. Em primeiro lugar, a carta de 28 de Maio de 1985 demonstra que este Governo instruiu os seus serviços para não levantarem autos em caso de infracções às regras relativas à malhagem cometidas entre 15 de Maio e 1 de Julho de 1985, e que, neste período, se limitou a notificar os contraventores para se conformarem com as regras em vigor. Além disso, só accionou os pescadores, a partir de 1 de Julho de 1985, no caso de eles terem recorrido a redes de arrasto cuja malhagem fosse significativamente inferior às normas prescritas, ou de terem descarregado pescadas de tamanho manifestamente inferior às normas definidas pela regulamentação comunitária. Em segundo lugar, só em 1986 é que o Governo francês adoptou uma acção sistemática de informação dos pescadores e de formação dos serviços de controlo, com vista a garantir o respeito pelas medidas técnicas de conservação que já estavam, no entanto, em vigor desde 1983.

A Comissão considera, além disso, que os argumentos adiantados pelo Governo francês, para demonstrar a suficiência dos controlos não são concludentes. Para começar, o quadro relativo às infracções cometidas em 1986 na capitania de Boulogne-sur-Mer só incide sobre dois tipos de infracções, quais sejam as infracções em matéria de tamanho mínimo dos peixes e de malhagem das redes, e só se refere às infracções em relação às quais foi levantado um auto, enquanto o processo por incumprimento visa a existência de infracções não verificadas pelas autoridades nacionais. Em seguida, os números relativos aos navios franceses controlados em 1986 dão conta das inspecções efectuadas pelo conjunto dos Estados-membros em causa nas águas sujeitas à sua jurisdição e não o número das efectuadas apenas pelas autoridades francesas. Para mais, estes dados não respeitam à zona em que se exerce a pesca artesanal e incidem sobre infracções em matéria de diário de bordo e de declarações de desembarque que não são visadas na petição. Por fim, a carta de 30 de Junho de 1987, dirigida aos prefeitos das regiões marítimas, não demonstra que o Governo francês tenha dado cumprimento às suas obrigações de controlo, já que tal carta se limita a lembrar a existência de normas comunitárias em matéria de malhagem e a justificar a sua aplicação.

A Comissão sustenta, por fim, que as causas de escusa adiantadas pelo Governo francês não podem ser acolhidas. A este respeito, sublinha que este deliberadamente escolheu diferir, fazendo uma apreciação unilateral sobre o seu valor científico, a aplicação de certas normas impostas pelo primeiro regulamento sobre as medidas de conservação. Admitir uma tal causa de escusa resultaria em subordinar a aplicabilidade de um regulamento comunitário directamente aplicável em todos os Estados-membros e obrigatório em todos os seus elementos, à concepção que cada Estado-membro fizesse sobre a oportunidade da sua aplicação. A Comissão lembra que as insuficiências do controlo persistiram, segundo ela, após a adopção do segundo regulamento sobre as medidas de conservação. Quanto à eventualidade de perturbações sociais, não pode ela justificar que um Estado-membro unilateralmente se dispense das suas obrigações.

O Governo francês está de acordo com a Comissão ao considerar que os dois regulamentos sobre o controlo impõem aos Estados-membros que procedam à inspecção dos navios de pesca e intentem acções judiciais quando for verificado um comportamento infraccional.

Argumenta que cumpriu correctamente as suas obrigações de controlo e que a Comissão não demonstra a efectividade do alegado incumprimento.

Quanto à efectividade do incumprimento, o Governo francês considera que, salvo quanto a considerar a existência de comportamentos infraccionais como prova de falta de controlos, a Comissão não prova o incumprimento. Ora, no acórdão de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos (96/81, Recueil, p. 1791), o Tribunal considerou que competia à Comissão, no âmbito do processo previsto no artigo 169.° do Tratado, fornecer ao Tribunal os elementos necessários para declarar verificada a existência de um incumprimento, e que ela não podia basear-se sobre uma qualquer presunção. Além disso, não formulando acusações precisas, a Comissão põe o Estado-membro contra o qual é alegado um incumprimento na impossibilidade de tomar posição sobre os factos que lhe são censurados, antes de se iniciar o processo perante o Tribunal e durante este processo. Em especial, o Governo francês sustenta que a Comissão deveria ter-lhe comunicado uma versão não confidencial dos relatórios dos seus inspectores.

O Governo francês argumenta, ainda, que cumpriu as suas obrigações de controlo. Para começar, a acção de informação e de controlo anunciada na carta de 28 de Maio de 1985 foi efectivamente efectuada e prosseguida, como demonstra a carta de 30 de Junho de 1987 do secretário de Estado do Mar aos prefeitos das regiões marítimas. Esta acção não ficou sem resultado, já que, de entre os 4101 controlos de mar relativos aos navios franceses, 3646 foram efectuados pelas autoridades francesas nas suas águas. Os navios franceses estão entre os navios mais controlados da Comunidade. Estes controlos revelaram um número limitado de infracções às normas de conservação, o que prova que a regulamentação é correctamente aplicada. Além disso, no que respeita aos controlos feitos em terra, o número de infracções verificadas pelas autoridades francesas é superior ao número de infracções verificadas em vários outros Estados-membros, o que significa que os controlos são bem efectuados. Finalmente, o Governo francês cumpriu as suas obrigações de repressão. Assim, todas as infracções verificadas aquando das missões efectuadas pelos inspectores da Comissão deram, efectivamente, lugar a acções judiciais.

Além disso, as cartas emanadas do Governo francês não provam o alegado incumprimento. Para começar, a carta de 22 de Janeiro de 1985 mostra os sérios esforços empreendidos pelas autoridades francesas para fazer respeitar pelos pescadores os regulamentos comunitários e, especialmente, os regulamentos em matéria de apanhas acessórias e de fixação de dispositivos às redes. De seguida, a carta de 28 de Maio de 1985 indica as medidas que o director das pescas marítimas contava adoptar para reduzir o número de infracções às normas sobre malhagem das redes e sobre tamanho mínimo dos peixes.

Finalmente, o Governo francês expõe que nunca intentou isentar-se do cumprimento das suas obrigações comunitárias pela via da não aplicação, por razões de oportunidade, de certas regras contidas no primeiro regulamento sobre as medidas de conservação. A insuficiência dos resultados obtidos, no que respeita à correcta aplicação das disposições relativas à malhagem e ao tamanho mínimo dos peixes, apenas realça a natureza dificilmente aplicável de tais disposições.

IV — Questão colocada à Comissão e tomada de posição do Governo francês

O Tribunal convidou a Comissão a apresentar um documento não confidencial que indicasse, segundo as medidas técnicas de conservação em causa, as provas de que o Governo francês não tinha plenamente cumprido as suas obrigações de controlo durante o período considerado.

Em resposta, a Comissão juntou o resumo dos relatórios efectuados pelos inspectores na sequências das missões que efectuaram em França de 1984 a 1987, um quadro das infracções às disposições comunitárias relativas às medidas técnicas de conservação, tal como foram verificadas aquando de tais missões, e uma lista de todos os portos visitados.

A Comissão sublinha que se limitou a comunicar ao Tribunal de Justiça resultados elaborados para uso interno pelos seus serviços, a partir dos relatórios de missão, já que tais resumos mostram fielmente as verificações feitas pelos seus inspectores durante quatro anos. Foi, no entanto, levada, «a fim de tornar não confidenciais os documentos assim apresentados», a suprimir todas as passagens que permitissem a identificação directa ou indirecta das pessoas implicadas.

O Governo francês fez, sobre a resposta da Comissão, as seguintes observações. Sublinha que lhe não compete contestar as razões pelas quais a Comissão não desejou precisar os portos inspeccionados em cada uma das missões e a data de tais missões. Esta circunstância torna particularmente árdua qualquer tentativa de contestação ou de explicação dos factos censurados. Num contexto diferente, já que se trata do respeito pelos direitos de defesa das empresas em matéria de concorrência, o Tribunal considerou que, se a Comissão considera não poder comunicar um documento na sua totalidade à empresa interessada por motivos de confidencialidade e de protecção do segredo comercial, deve renunciar à utilização desse documento enquanto meio de prova (acórdão de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151).

Tendo em conta os elementos fornecidos pela Comissão, o Governo francês persiste em sustentar que cumpriu as suas obrigações no que respeita ao controlo da aplicação das medidas técnicas comunitárias para a conservação dos recursos de pesca.

R. Joliét

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: francês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

11 de Junho de 1991 ( *1 )

No processo C-64/88,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. C. Fischer, consultor jurídico, e por P. Hetsch, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Berardis, membro do seu Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Francesa, representada por E. Belliard e por M. Giacomini, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França, 9, boulevard Prince-Henri,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe são impostas pelo artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2057/82 do Conselho, de 29 de Junho de 1982, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias exercidas pelos barcos dos Estados-membros (JO L 220, p. 1; EE 04 Fl p. 230), e pelo artigo l.° do Regulamento (CEE) n.° 2241/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias (JO L 207, p. 1), no que respeita ao controlo da aplicação de certas medidas técnicas comunitárias de conservação dos recursos da pesca, previstas pelos regulamentos (CEE) n.° 171/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983 (JO L 24, p. 14; EE 04 F2 p. 69), e (CEE) n.° 3094/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986 (JO L 288, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, R. Joliét e F. A. Schockweiler, juízes,

advogado-geral : C. O. Lenz

secretario: J. A. Pompe, secretario adjunto

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 24 de Janeiro de 1991, no decurso da qual a República Francesa foi representada por G. de Bergues, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 27 de Fevereiro de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por petição entregue na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de Fevereiro de 1988, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção tendente a obter a declaração de que, ao não assegurar um controlo que garanta o respeito das medidas técnicas comunitárias de conservação dos recursos da pesca, previstas nos regulamentos (CEE) n.° 171/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983 (JO L 24, p. 14), e (CEE) n.° 3094/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986 (JO L 288, p. 1), a República Francesa não cumpriu as obrigações impostas pelo artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2057/82 do Conselho, de 29 de Junho de 1982, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias exercidas pelos barcos dos Estados-membros (JO L 220, p. 1), e pelo artigo l.° do Regulamento (CEE) n.° 2241/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias (JO L 207, p. 1).

2

Por meio do Regulamento n.° 2057/82, já citado (a seguir «primeiro regulamento sobre o controlo»), o Conselho determinou algumas medidas de controlo quanto às actividades de pesca exercidas pelos navios dos Estados-membros. Este regulamento foi revogado e substituído pelo Regulamento n.° 2241/87, já citado (a seguir «segundo regulamento sobre o controlo»).

3

O artigo 1.° dos dois regulamentos sobre o controlo impõe duas obrigações aos Estados-membros. Segundo a primeira, que tem um caracter preventivo, cada Estado-membro tem a obrigação de proceder, tanto no interior dos portos situados no seu território como nas águas marítimas que dependem da sua soberania ou da sua jurisdição, à inspecção dos barcos de pesca que arvorem o seu pavilhão ou arvorem pavilhão de qualquer outro Estado-membro. Nos termos da segunda obrigação, que tem carácter repressivo, os Estados-membros são obrigados, em caso de infracção às medidas técnicas de conservação dos recursos de pesca, a accionarem procedimentos judiciais penais ou administrativos contra o capitão do navio em causa.

4

Essas medidas técnicas, que respeitam, nomeadamente, à malhagem das redes, à fixação dos dispositivos às redes, às apanhas acessórias e ao tamanho mínimo dos peixes, foram inicialmente definidas pelo Regulamento n.° 171/83, já citado (a seguir «primeiro regulamento sobre as medidas de conservação»), e, seguidamente, pelo Regulamento n.° 3094/86, já citado (a seguir «segundo regulamento sobre as medidas de conservação»), que substituiu o primeiro regulamento sobre as medidas de conservação a partir de 1 de Janeiro de 1987.

5

Segundo a Comissão, o Governo francês não cumpriu, de 1984 a 1987, as suas obrigações de inspecção e de procedimento repressivo, destinadas a fazer aplicar as medidas de conservação em causa.

6

Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

7

Para demonstrar o incumprimento, a Comissão baseou-se, nomeadamente, nos relatórios de missão estabelecidos pelos funcionários que ela mandatou para assistirem, de 1984 a 1987, às operações de inspecção organizadas pelas autoridades francesas. Na sua réplica, indicou que tinha tais relatórios à disposição do Tribunal de Justiça, embora sublinhasse que era essencial preservar o caracter confidencial de certas informações que neles se contêm, para garantir a eficácia da acção futura dos seus inspectores e para proteger os direitos dos terceiros que aí são mencionados.

8

No termo da fase escrita do processo, o Tribunal de Justiça convidou a Comissão a juntar um documento, no qual estivessem eliminadas as referências nominativas e que indicasse, segundo as medidas técnicas de conservação em causa, as provas demonstrando que o Governo francês não tinha plenamente cumprido as suas obrigações de controlo durante o período considerado.

9

A Comissão entregou um resumo desses relatórios das missões, em que se não incluem nem os nomes das pessoas em causa nem a data e o lugar das inspecções. Um quadro junto a este documento mostra que ele respeita a 73 missões efectuadas em 26 portos.

10

Nas suas observações, o Governo francês sustentou que o documento não podia ser utilizado como prova de um eventual incumprimento. Com efeito, na falta de indicações sobre a data e o local das inspecções, ele ficaria na impossibilidade de controlar os factos constatados pelos inspectores da Comissão, bem como as conclusões que estes tinham retirado dos mesmos.

11

A argumentação do Governo francês não pode ser acolhida. Por um lado, resulta da sua tréplica que consentiu na apresentação de relatórios que não incluíssem menções que permitissem identificar os seus agentes. Por outro lado, uma vez que o n.° 4 do artigo 12.° dos dois regulamentos sobre o controlo determina que as inspecções comunitárias se efectuem no âmbito das missões de controlo nacionais, o Governo francês dispõe, quanto às missões em causa, dos relatórios efectuados pelos seus próprios serviços. Era-lhe, pois, possível contestar a exactidão das afirmações dos inspectores da Comissão e, em especial, demonstrar que os seus agentes procederam a medidas de controlo no que respeita às medidas de conservação em causa.

Quanto à obrigação de inspecção

a) A malhagem mínima

12

Os artigos 2.°, 3.° e 4.° do primeiro regulamento sobre as medidas de conservação, bem como o artigo 2.° do segundo regulamento sobre as medidas de conservação, determinam, em substância, que os pescadores não podem utilizar redes cuja malhagem seja inferior às normas fixadas por esses regulamentos.

13

A este respeito, deve sublinhar-se que o Governo francês admitiu certas omissões em matéria de controlo durante a fase pré-contenciosa do processo. Com efeito, resulta de uma carta que o secretário de Estado responsável pelos assuntos do mar dirigiu à Comissão, em 28 de Maio de 1985, que o controlo das redes efectuado pelas autoridades nacionais se baseara, até 1985, em normas menos estritas que as regras comunitárias em vigor.

14

Os relatórios dos inspectores da Comissão revelam também omissões no controlo no decurso dos anos de 1986 e 1987. Por um lado, as autoridades nacionais não dispunham dos aferidores previstos na regulamentação comunitária para medir as redes, ou utilizaram aferidores não conformes com esta regulamentação. Por outro lado, aplicaram normas nacionais menos severas que as fixadas pela regulamentação comunitária.

15

Deve pois declarar-se que houve insuficiência nos controlos em matéria de malhagem.

b) Fixação de dispositivos às redes

16

O artigo do primeiro regulamento sobre as medidas de conservação dispõe que não pode ser utilizado nenhum dispositivo que permita obstruir as malhas de qualquer parte de uma rede ou reduzir-lhe efectivamente as dimensões.

17

A este respeito, basta realçar que os diferentes relatórios dos inspectores da Comissão relativos à missões que efectuaram em 1984 e em 1985 indicam que as autoridades nacionais se abstiveram de tomar qualquer medida, de qualquer espécie, quando os arrastões estavam equipados de redes com dispositivos proibidos pela regulamentação comunitária. A insuficiência dos controlos deve, também, ser declarada verificada quanto a este ponto.

c) As apanhas acessórias

18

Em substância, os artigos 8.° a 10.° do primeiro regulamento sobre as medidas de conservação, bem como o artigo 2.° do segundo regulamento sobre as medidas de conservação, proíbem aos pescadores a venda das capturas que não tenham o tamanho mínimo requerido, salvo quando estas apenas representem uma percentagem limitada da sua pesca.

19

A este propósito, resulta dos relatórios dos inspectores da Comissão, de 1985 e de 1987, que as autoridades nacionais nem sempre apreenderam as apanhas acessórias excessivas (das pescadas que não tinham o tamanho requerido) efectuadas no âmbito da pesca ao lagostim. Daqui resulta que o Governo francês também não cumpriu as suas obrigações de controlo em matéria de apanhas acessórias.

d) O tamanho mínimo

20

O artigo 11.° do primeiro regulamento sobre as medidas de conservação, bem como o artigo 5.° do segundo regulamento sobre as medidas de conservação, dispõem, em substância, que os peixes que não têm o tamanho mínimo requerido não podem ser vendidos.

21

A este respeito, o Governo francês implicitamente admitiu, no decurso do processo pré-contencioso, que, até 1985, não respeitou as normas comunitárias na matéria. Com efeito, resulta da carta de 28 de Maio de 1985, já citada, que a Secretaria de Estado dera instruções para que apenas fossem apreendidas as pescadas manifestamente «de tamanho pequeno» (15 a 25 cm), quando o anexo V do primeiro regulamento sobre as medidas de conservação fixa o tamanho mínimo destas capturas em 30 cm.

22

Resulta, além disso, dos relatórios dos inspectores que as autoridades nacionais aplicaram, no decurso dos anos de 1986 e 1987, normas menos severas, no que respeita aos linguados e às pescadas, que as fixadas ao nível comunitário. A insuficiência dos controlos deve também ser declarada verificada em matéria de tamanho mínimo.

23

Decorre do conjunto destas verificações que o Governo francês não assegurou, de 1984 a 1987, um controlo que garantisse o cumprimento das medidas técnicas de conservação em causa.

Quanto à obrigação de procedimento judicial

24

Uma vez que as infracções, embora detectáveis pelas autoridades nacionais, não o foram, e que não foram levantados autos contra os seus autores, o Governo francês também não cumpriu a obrigação de intentar uma acção penal ou administrativa imposta pelos regulamentos sobre o controlo.

Quanto às despesas

25

Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for pedido. Tendo a demandada sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

A República Francesa, ao não ter assegurado, de 1984 a 1987, um controlo que garantisse o cumprimento das medidas técnicas comunitárias para a conservação dos recursos de pesca, previstas pelo Regulamento (CEE) n.° 171/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, bem como pelo Regulamento (CEE) n.° 3094/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986, não cumpriu as obrigações impostas pelo artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2057/82 do Conselho, de 29 de Junho de 1982, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias exercidas pelos barcos dos Estados-membros, bem como pelo artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2241/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias.

 

2)

A República Francesa é condenada nas despesas.

 

Due

Mancini

O'Higgins

Rodríguez Iglesias

Slynn

Joliét

Schockweiler

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Junho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Lingua do processo: francis.

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