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Document 61988CC0119

    Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 29 de Março de 1990.
    AERPO e o. contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Acção de indemnização - Frutos e produtos hortícolas - Regime de intervenção - Alteração dos coeficientes de adaptação a aplicar aos preços de compra.
    Processo C-119/88.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-02189

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:154

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    F. G. JACOBS

    apresentadas em 29 de Março de 1990 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. 

    No presente processo, os demandantes pretendem obter da Comunidade a indemnização, nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, dos prejuízos que alegam ter sofrido em resultado da adopção do Regulamento (CEE) n.° 3587/86 da Comissão (JO L 334, p. 1). Este regulamento alterou os coeficientes de adaptação aplicáveis ao cálculo dos preços de aquisição de frutas e produtos hortícolas que apresentam determinadas características comerciais.

    2. 

    Os demandantes são oito no total. Quatro deles, a AERPO, a ALPO, o grupo de produtores «Hermitage-Basse Isère» e o grupo «Dauphiné-Vivarais», constituem organizações de produtores na acepção do artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1035/72 (JO L 118, p. 5; EE 03 F5 p. 258), na redacção actual. Neste grupo, os dois primeiros têm a sua sede em Italia e os dois últimos em França. Os quatro outros demandantes, a CAPO, a COT, Jean-Claude Guillermain e Jean Julien, são todos produtores de frutas e produtos hortícolas e sócios de uma das organizações de produtores demandantes.

    A organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas

    3.

    As frutas e produtos hortícolas estão sujeitos a uma organização comum de mercado cujas regras se encontram estabelecidas no Regulamento n.° 1035/72. Um mecanismo de apoio aos preços previsto por este regulamento, bastante simples em relação ao aplicado noutros sectores, comporta dois elementos. Em primeiro lugar, as organizações de produtores podem fixar um preço de retirada abaixo do qual não põem à venda os produtos entregues pelos seus aderentes (artigo 15.°, n.° 1). Sempre que tenha sido fixado um preço de retirada, as organizações de produtores devem conceder aos produtores associados um subsídio relativo às quantidades de produtos que fiquem por vender. Os Estados-membros podem fixar o nível máximo dos preços de retirada. As organizações de produtores podem igualmente decidir não colocar à venda os produtos que não correspondam às regras de comercialização. Em tal caso, essas organizações devem conceder aos produtores associados, relativamente às quantidades não comercializadas, um subsídio calculado em função do preço de retirada [artigo 15.°, n.° 1, na redacção do artigo 4.° do Regulamento (CEE) n.° 1154/78, JO L 144, p. 5; EE 03 F14 p. 71].

    4.

    Para o financiamento destas medidas de retirada, as organizações de produtores constituem um fundo de intervenção que é alimentado por cotizações baseadas nas quantidades colocadas à venda. Os produtos comercializados pelos produtores associados são normalmente vendidos através da organização. E o que resulta da versão francesa do artigo 13.° do Regulamento n.° 1035/72, ainda que a versão inglesa desta disposição seja pouco clara, tal como salientei no n.° 10 das conclusões apresentadas no processo 77/78, Stute/República Federal da Alemanha.

    5.

    Além disso, relativamente a determinados produtos, o Conselho deve fixar anualmente um «preço de base» e um «preço de compra», nos termos do n.° 1 do artigo 16.° do Regulamento n.° 1035/72. De acordo com o n.° 2 do artigo 16.° [na redacção do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/72, JO L 270, p. 1; EE 03 F6 p. 131], o preço de base

    «será fixado tendo em conta, nomeadamente, a necessidade:

    de contribuir para manter o rendimento dos agricultores,

    de assegurar a estabilização das cotações nos mercados sem conduzir à formação de excedentes estruturais na Comunidade,

    tomar em consideração o interesse dos consumidores,

    com base na evolução da média das cotações observadas durante os três últimos anos nos mercados de produção mais representativos da Comunidade, em relação a um produto definido nas suas características comerciais tais como variedade ou tipo, categoria de qualidade, calibragem e acondicionamento».

    O preço de compra é fixado a um nível que se situa entre 40 e 70 % do preço de base consoante o produto em questão.

    6.

    Nos termos do artigo 18.° (na redacção do artigo 2.° do Regulamento n.° 2454/72, já citado) os Estados-membros concederão uma compensação financeira às organizações de produtores que efectuem intervenções no âmbito das disposições do artigo 15.°, com a condição de que o preço de retirada não exceda um determinado nível. Este nível é calculado em relação ao preço de base e ao preço de compra, eventualmente afectados do coeficiente de adaptação apropriado.

    7.

    O preço de compra tem como função principal determinar o momento a partir do qual os Estados-membros são obrigados a comprar os produtos que lhes são oferecidos (artigo 19.°, na redacção do artigo 3.° do supracitado Regulamento n.° 2454/72). No caso de as cotações observadas nos mercados representativos permanecerem, durante três dias consecutivos, abaixo do preço de compra, a Comissão deve certificar, se o Estado-membro em questão o pedir, que o mercado do produto em causa se encontra numa situação de crise grave. Nesta altura, os Estados-membros têm a obrigação de comprar os produtos de origem comunitária que lhes são oferecidos, desde que estes correspondam a determinadas exigências de qualidade e calibragem e desde que não tenham sido retirados do mercado, de acordo com o disposto no artigo 15.° As operações de compra serão suspensas desde que as cotações permaneçam superiores ao preço de compra durante três dias consecutivos.

    8.

    Quando os produtos oferecidos aos Estados-membros, nos termos do artigo 19.°, apresentem características comerciais diferentes das dos produtos considerados para a fixação do preço de base relevante (o que se convencionou designar por produtos-piloto), o preço a que o produto é comprado é calculado através da aplicação de coeficientes de adaptação ao preço de compra do produto-piloto [artigo 16.°, n.° 4, na redacção dos regulamentos (CEE) n.os 793/76, JO L 93, p. 1; EE 03 FIO p. 11, e 1154/78, supracitado]. Os coeficientes de adaptação serão fixados de acordo com o processo do comité de gestão, cujos principais aspectos serão a seguir examinados.

    O regulamento impugnado

    9.

    Através do Regulamento n.° 3587/86, a Comissão fixou novos coeficientes de adaptação aplicáveis aos preços de compra no sector das frutas e produtos hortícolas. Segundo os demandantes, daí resultou uma diminuição i) dos preços de compra de determinados produtos abrangidos pelo Regulamento n.° 1035/72, ii) do montante de compensação financeira que os Estados-membros deviam conceder às organizações de produtores que efectuem intervenções ao abrigo do artigo 15.°, e iii) do nível dos subsídios concedidos pelas organizações de produtores aos seus aderentes pelos produtos não colocados à venda. Os demandantes alegam que o Regulamento n.° 3587/86 é ilegal e pretendem a indemnização de um prejuízo que, no que respeita às organizações de produtores, é igual à diferença entre a compensação financeira que teriam o direito de receber dos Estados-membros mediante a aplicação dos antigos coeficientes de adaptação e os montantes calculados com base nos novos coeficientes de adaptação. No caso dos produtores demandantes, o pedido visa a reparação de um prejuízo igual à diferença entre os subsídios a que as organizações de produtores tinham direito com base nos antigos coeficientes de adaptação e os montantes resultantes da aplicação dos hovos coeficientes. Os demandantes solicitam igualmente o pagamento de uma importância simbólica a título de indemnização de uma alegada baixa das cotações resultante de uma diminuição do preço de compra observada após a entrada em vigor dos novos coeficientes de adaptação.

    Quanto à admissibilidade

    10.

    Na contestação, a Comissão sugere, de forma bastante indirecta, que a acção é, pelo menos em parte, inadmissível. Alega que os demandantes que são organizações de produtores podiam ter impugnado perante os tribunais nacionais o montante da compensação financeira que lhe foi concedida pelas autoridades nacionais competentes. A validade do Regulamento n.° 3587/86 teria podido então ser objecto de um pedido de decisão prejudicial. Se este regulamento fosse declarado inválido na sequência de tal reenvio prejudicial, tal conduziria a uma indemnização determinada em função dos antigos coeficientes de adaptação.

    11.

    A Comissão parece referir-se à jurisprudência do Tribunal segundo a qual a admissibilidade de uma acção de indemnização está condicionada, em determinados casos, ao esgotamento das vias processuais internas que podem ser utilizadas para obter das autoridades nacionais a satisfação do pedido. Para que uma acção de indemnização seja admissível com este fundamento, é, no entanto, necessário que as vias processuais internas garantam de modo eficaz a protecção dos particulares que se consideram lesados por actos das instituições comunitárias: ver acórdão de 30 de Maio de 1989, Roquette Frères/Comissão, n.° 15 (20/88, Colect., p. 1553); acórdão de 12 de Abril de 1984, Unifrex/Comissão e Conselho, n.° 11 (281/82, Recueil, p. 1969); e acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/Comissão, n.° 27 (175/84, Colect., p. 753).

    12.

    No entanto, tal como referem as demandantes, a acção não visa apenas a diferença entre a compensação e os subsídios pagáveis de acordo com os novos coeficientes de adaptação, por um lado, e os montantes pagáveis segundo os antigos coeficientes, por outro, mas abrange igualmente o prejuízo que declaram ter sofrido em resultado da alegada baixa das cotações, subsequente à adopção do regulamento impugnado. Apenas o Tribunal tem competência para se pronunciar sobre a indemnização desse prejuízo. Embora os demandantes apenas peçam uma importância simbólica a título de indemnização deste pretenso prejuízo, tal táctica parece destinar-se mais a contornar as dificuldade de avaliação desse prejuízo, do que a escapar pura e simplesmente à obrigação de intentar uma acção perante os tribunais nacionais.

    13.

    A jurisprudência do Tribunal relativamente ao esgotamento das vias processuais internas deve, em meu entender, ser aplicada com precaução, dado pressupor que se entra em conjecturas sobre a evolução de eventuais processos perante os tribunais de um Estado-membro. No caso em apreço, a Comissão não defende que a acção de indemnização seja manifestamente improcedente no que respeita à alegada baixa das cotações. Também não foi sugerido que os pedidos dos produtores demandantes relativos aos subsídios a que têm direito, contrariamente ao que acontece com as organizações de produtores, sejam inadmissíveis. Nestas condições, julgo que nenhum dos pedidos dos demandantes deve ser rejeitado por inadmissível.

    Quanto ao mérito

    14.

    No processo 5/71, Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho (Recueil 1971, p. 975), o Tribunal declarou que,

    «tratando-se de um acto normativo que envolva opções de política económica, esta responsabilidade da Comunidade pelo prejuízo que os particulares tenham sofrido em resultado desse acto apenas existirá, tendo em conta o disposto no artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, em caso de violação suficientemente caracterizada de uma regra jurídica superior que proteja os particulares» (n.° 11).

    A fim de verificar se esta afirmação é aplicável ao presente caso, há que analisar a questão de saber se o Regulamento n.° 3587/86 constitui um acto normativo que implica, por parte da instituição que o adoptou, opções de política económica.

    15.

    Nos termos do artigo 189.° do Tratado, «o regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados--membros». O Regulamento n.° 3587/86 tem, portanto, à primeira vista, caracter normativo. Por outro lado, este regulamento aplica-se aos demandantes do presente processo não em função de determinadas características específicas que lhes sejam próprias, mas apenas em razão das respectivas actividades comerciais. A este respeito, a situação destes não difere daquela em que se encontra qualquer outro agente que exerça a mesma actividade. Em consequência, não é de acolher o argumento dos demandantes, nos termos do qual o Regulamento n.° 3587/86 não é um acto normativo, mas um acto semelhante a um acto administrativo de carácter geral. É óbvio que o referido regulamento, que tem caracter geral, é de natureza normativa.

    16.

    Quanto à questão de saber se o regulamento impugnado envolve opções de política económica, deve notar-se que os coeficientes de adaptação visam permitir calcular o preço de compra de produtos que apresentam características comerciais diferentes das do produto-piloto em questão. A fim de calcular o preço de compra, o Conselho deve, nos termos do n.° 3 do artigo 16.° do Regulamento n.° 1035/72, na redacção do Regulamento n.° 2454/72, ter em conta nomeadamente, «para cada produto considerado, as características do mercado e, mais particularmente, a amplitude da flutuação das cotações». Em consequência, quando fixa os coeficientes de adaptação aplicáveis em casos concretos, a Comissão deve aplicar critérios análogos aos produtos que apresentam características diferentes das dos produtos-piloto, tal como refere o segundo considerando do preâmbulo do Regulamento n.° 3587/86.

    17.

    Em meu entender, é evidente que a Comissão dispõe de um poder discricionário no desempenho desta tarefa. É certo que este poder não é de natureza ilimitada, mas abrange a faculdade de decidir se as características de um produto impõem a aplicação ao produto em causa de um coeficiente de adaptação e de determinar o nível a que o coeficiente de adaptação deve ser fixado, à luz da função que o preço de compra exerce no âmbito do regime instituído pelo Regulamento n.° 1035/72. O facto de os demandantes não terem demonstrado que a Comissão cometeu efectivamente erros ao fixar os montantes dos coeficientes de adaptação, nem indicado o nível a que, em seu entender, esses coeficientes deviam ter sido fixados, revela que a tarefa da Comissão implica opções subjectivas de política económica, mais do que a mera aplicação rígida de uma fórmula. Tal é confirmado pela exigência, contida no n.° 4 do artigo 16.° do Regulamento n.° 1035/72, de que os coeficientes de adaptação sejam fixados de acordo com o processo previsto no artigo 33.° (o que se convencionou designar por «processo do comité de gestão»). No quadro deste processo, a Comissão submete um projecto das medidas a tomar a um comité composto por representantes dos Estados-membros. O comité deve, em seguida, emitir um parecer sobre o projecto. Se as medidas ulteriormente adoptadas pela Comissão não forem conformes ao parecer emitido pelo comité, o Conselho pode, no prazo de um mês, substituir a decisão da Comissão por uma própria. Este processo implica a possibilidade de o poder discricionário ser exercido a três níveis: em primeiro lugar, pela Comissão, em seguida pelo Comité de Representantes dos Estados-membros e, por último, pelo Conselho. Este sistema prevê claramente a eventualidade de divergências de pontos de vista relativamente à questão de saber quais os elementos necessários para garantir um funcionamento regular da organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas, e estabelece um mecanismo destinado a determinar a concepção que deve prevalecer.

    18.

    Das considerações precedentes resulta que, nos termos do acórdão proferido pelo Tribunal no processo Schöppenstedt, os demandantes devem provar a existência «de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra jurídica superior que tutele o interesse dos particulares».

    19.

    Os demandantes basearam a sua alegação de que o Regulamento n.° 3587/86 é ilegal em três fundamentos. Em primeiro lugar, afirmam que a Comissão cometeu um desvio de poder, dado que os novos coeficientes de adaptação conduzem a reduzir os preços de compra fixados pelo Conselho. A Comissão arrogou-se, deste modo, determinados poderes do Conselho com a intenção de prosseguir os seus próprios objectivos políticos, designadamente, a redução do nível da intervenção. Em segundo lugar, os demandantes alegam que o regulamento impugnado viola princípios básicos da organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas, ao alterar o efeito dos preços fixados pelo Conselho sobre a evolução das cotações. Em terceiro lugar, os demandantes alegam que a fundamentação do regulamento impugnado é insuficiente.

    20.

    A terceira alegação reclama apenas algumas observações. No processo 106/81, Kind/Comunidade Económica Europeia (Recueil 1982, p. 2885), o Tribunal declarou que «a eventual insuficiência da fundamentação de um regulamento não pode acarretar a responsabilidade da Comunidade», nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado (n.° 14 do acórdão). Não vejo qualquer razão para não seguir, neste caso, esta posição de princípio.

    21.

    Relativamente aos outros argumentos invocados pelos demandantes, estou disposto a admitir, para efeitos do presente processo, que as disposições do Regulamento n.° 1035/72 que serviram de base ao regulamento impugnado, constituem regras superiores de direito cuja violação pode determinar a responsabilidade da Comunidade, nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado (ver 74/74, CNTA//Comissão, Recueil 1975, p. 533). Além disso, parece-me poder considerar-se que o regime instituído pelo Regulamento n.° 1035/72 visa tutelar, pelo menos em parte, os interesses da categoria de pessoas a que pertencem os demandantes, ou seja, os agentes que exercem o comércio dos produtos a que se aplica o referido regulamento. Tal como resulta do n.° 1, alínea b), do artigo 39.° do Tratado, a política agrícola comum tem, nomeadamente, como objectivo proteger os interesses dos que trabalham na agricultura. O processo Kampffmeyer sugere que as regras correspondentes a este regime podem, assim, ser consideradas como destinadas a tutelar os particulares, na acepção do acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Schöppenstedt (ver processos apensos 5/66, 7/66 e 13/66 a 24/66, Kampffmeyer/Comissão, Recueil 1967, p. 317). E isto é assim apesar de o regime em questão prosseguir também, sem dúvida, o objectivo mais amplo de facilitar o funcionamento normal da organização de mercado em causa.

    22.

    Considero desnecessário repisar estas questões dado que, para obterem ganho de causa, os demandantes devem provar não apenas a existência de uma violação de uma regra superior de direito que proteja os particulares, mas ainda que a violação é suficientemente caracterizada para determinar a responsabilidade da Comunidade. Nos processos apensos 83/76 e 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, HNL/Conselho e Comissão, Recueil 1978, p. 1209 («leite desnatado em pó»), o Tribunal declarou que,

    «nos domínios abrangidos pela política económica comunitária, pode exigir-se dos particulares que estes suportem, dentro de limites razoáveis, sem direito a indemnização através de fundos públicos, determinados efeitos prejudiciais aos seus interesses económicos, resultantes de um acto normativo...».

    Mais adiante, salienta que num contexto legislativo como o da política agrícola comum, caracterizado pelo exercício de um amplo poder discricionário, a Comunidade apenas incorrerá em responsabilidade «se a instituição em causa tiver violado, de forma manifesta e grave, os limites impostos ao exercício dos seus poderes» (n.° 6).

    23.

    Em casos deste género, é, deste modo, necessário analisar, tal como salientou o Tribunal nos processos «isoglucose» (116/77 e 124/77, Amylum/Conselho e Comissão, n.° 16, Recueil 1979, p. 3497, e 143/77, KSH/Conselho e Comissão, n.° 13, Recueil 1979, p. 3583), se, nas circunstâncias do caso concreto, se verificou uma violação grave e manifesta dos limites impostos à Comissão no exercício do seu poder discricionário no quadro da política agrícola comum.

    24.

    Trata-se de um critério bastante estrito que o Tribunal poderá um dia vir a alterar. No entanto, não penso que tal seja necessário no caso em apreço, dado que os demandantes não conseguiram, no meu entender, provar que a Comissão cometeu qualquer desvio no exercício do poder discricionário que lhe estava confiado. Ao exercer o poder de fixar novos coeficientes de adaptação, a Comissão limitou-se a cumprir a obrigação que lhe impõe o n.° 4 do artigo 16.° do Regulamento n.° 1035/72. É certo que os coeficientes de adaptação alteram os preços de compra aplicáveis aos produtos que apresentam determinadas características, mas é essa precisamente a função que lhes confere o regulamento. E evidente que o nível em que foram fixados os coeficientes de adaptação deverá ser ajustado tendo em conta a evolução das exigências do mercado. A alteração dos coeficientes de adaptação anteriormente aplicados não pode, assim, ser vista como uma interferência nos poderes do Conselho. Tal constitui, pelo contrário, parte integrante do mecanismo de regulação da organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas instituída pelo Regulamento n.° 1035/72. O facto de a Comissão ter depois decidido, sempre no exercício do seu poder discricionário, atenuar os efeitos dos novos coeficientes de adaptação ao adoptar o Regulamento (CEE) n.° 1998/87 que estabelece determinadas derrogações para a campanha de 1987-1988 ao regulamento impugnado (JO L 188, p. 30) não tem qualquer relevância, em meu entender, no que respeita à validade deste último regulamento.

    25.

    O facto de a fixação dos novos coeficientes de adaptação pela Comissão se enquadrar perfeitamente no sistema da repartição de atribuições prevista pelo Regulamento n.° 1035/72 é confirmado pelo processo que devia ser seguido nos termos deste regulamento antes da adopção do Regulamento n.° 3587/86, já descrito atrás sucintamente. Este processo permite ao Conselho substituir a sua decisão à da Cornissão quando o comité composto por representantes dos Estados-membros emite um parecer desfavorável sobre o projecto de medidas da Comissão. Ressalta do último parágrafo do preâmbulo do regulamento impugnado que o comité de gestão não emitiu parecer sobre as medidas previstas pelo regulamento no prazo fixado pelo seu presidente. Deste modo, pode presumir-se que o comité não atribuía a essas medidas uma importância suficiente para dar ao Conselho a possibilidade de substituir as suas próprias concepções às da Comissão. Nestas condições, cabia à Comissão aplicar as medidas que considerasse necessárias. Em consequência, não pode dizer-se que ao agir dessa forma a Comissão tenha usurpado poderes do Conselho.

    26.

    Acrescentarei que, ao avaliar a importância da regra cuja violação é invocada, o Tribunal tem igualmente em conta a importância da categoria de pessoas em questão. Assim, no referido processo HNL, o Tribunal salientou, ao julgar improcedente a acção dos demandantes, que a medida em questão «atingia categorias bastante amplas de agentes económicos» (n.° 7). Ao invés, nos processos «gritz de maïs» e «quellmehl» (64/76 e 113/76, 167/78 e 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil 1979, p. 3091; 238/78, Recueil 1979, p. 2955; 241/78, 242/78, 245/78 a 250/78, Recueil 1979, p. 3017; 261/78 e 262/78, Recueil 1979, p. 3045), nos quais as acções intentadas contra a Comunidade, ao abrigo do artigo 215.°, segundo parágrafo, foram julgadas procedentes, o Tribunal salientou que a violação da norma jurídica pela Comunidade afectou um grupo restrito e claramente delimitado de agentes económicos. No caso em apreço, os efeitos do regulamento impugnado atingiram um grupo amplo de pessoas, as que se dedicavam ao comércio dos numerosos produtos abrangidos por este regulamento. Tal constitui, em meu entender, uma razão adicional para concluir que os demandantes não provaram a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito.

    27.

    Por último, abordarei sucintamente duas outras questões que foram suscitadas pelas partes, se bem que, à luz das considerações precedentes, não creio que o Tribunal venha a ter de tratar estas questões. Trata-se, em primeiro lugar, da questão de saber se existe ou não um nexo de causalidade entre o regulamento impugnado e o prejuízo que os demandantes alegam ter sofrido, e, em segundo lugar, da avaliação do prejuízo. No que respeita ao nexo de causalidade, considero não ter sido provado que os demandantes que constituem organizau ções de produtores tenham efectivamente sofrido qualquer prejuízo directo em resultado da adopção do Regulamento n.° 3587/86. Mesmo partindo do princípio que o montante da compensação financeira que tinham direito a receber dos Estados-membros tenha diminuído após a introdução dos novos coeficientes de adaptação, a redução correspondente dos subsídios que deviam conceder aos produtores associados teria neutralizado tal diminuição. Tenho igualmente algumas reservas no que respeita à incidência do regulamento impugnado sobre as cotações em geral, dado que inúmeros factores podem influenciar o mercado. Mesmo que se pudesse provar ter-se verificado uma queda das cotações dos produtos em questão após a entrada em vigor dos novos coeficientes de adaptação, daí não resultaria automaticamente terem estes últimos sido a causa. Considero que os demandantes não satisfizeram o ónus que lhes incumbia de provar que foi isso o que aconteceu.

    28.

    Relativamente à avaliação do prejuízo, os demandantes fizeram algumas tentativas para provar a extensão do prejuízo que declaram ter sofrido como consequência directa da introdução de novos coeficientes de adaptação. No entanto, as partes continuam em desacordo quanto à questão de saber se os produtos escolhidos pelos demandantes para ilustrar o efeito do regulamento impugnado são representativos do sector das frutas e produtos hortícolas em geral. E uma questão que deveria ser aprofundada no caso de a acção dos demandantes ser considerada, em princípio, procedente. No que respeita ao efeito do regulamento impugnado sobre os preços do mercado em geral, os demandantes tentaram contornar a dificuldade de avaliar tal efeito mediante a restrição do seu pedido de indemnização dos prejuízos a uma importância simbólica. Ora, considero que os demandantes não podem subtrair-se de tal modo ao ónus que lhes incumbe de procurarem diligentemente avaliar tal prejuízo, dado que o segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado visa a reparação de um prejuízo efectivo e não apenas permitir ao Tribunal pronunciar-se sobre a legalidade dos actos da Comunidade. Diga-se, ainda, que o facto de conceder a uma organização de produtores e aos seus aderentes a reparação de um prejuízo decorrente da queda das cotações equivaleria a indemnizar duplamente o mesmo prejuízo. Na verdade, as organizações de produtores apenas sofrem este tipo de dano através dos efeitos que atingem os seus aderentes.

    Conclusão

    29.

    Em conclusão, e embora considerando admissível a presente acção, entendo que os demandantes não fizeram prova de que a Comissão agiu ilegalmente. Em consequência, proponho que o Tribunal:

    1)

    julgue improcedente a acção;

    2)

    condene os demandantes nas despesas.


    ( *1 ) Língua original: inglês.

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