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Document 61987CJ0349

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 4 de Outubro de 1991.
    Elissavet Paraschi contra Landesversicherungsanstalt Württemberg.
    Pedido de decisão prejudicial: Sozialgericht Stuttgart - Alemanha.
    Segurança social - Pensões de invalidez.
    Processo C-349/87.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-04501

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:372

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo Ç-349/87 ( *1 )

    I — Factos, legislação nacional aplicável e questão prejudicial

    A — Factos

    1.

    Resulta dos autos que a recorrente no processo principal, E. Paraschi, de nacionalidade grega, nascida em 1943, exerceu de 1965 a 1979, com algumas interrupções, uma actividade sujeita à segurança social na Alemanha. Pagou no total, para efeitos de seguro de pensão, 102 mensalidades ao abrigo do regime alemão e cinco mensalidades ao abrigo do regime grego. Em 1977, E. Paraschi adoeceu. Em Julho de 1979 deixou a Alemanha para regressar ao seu país de origem, onde não pôde nem retomar uma actividade assalariada (em virtude do agravamento do seu estado de saúde) nem beneficiar de uma pensão de invalidez (em virtude da curta duração dos períodos de cotização para o seguro de pensão grego).

    2.

    Dois pedidos destinados à concessão de uma pensão de invalidez na Alemanha, apresentados em 1978 e 1980, foram recusados pela instituição competente em virtude de a capacidade de trabalho de E. Paraschi não ter ficado suficientemente reduzida para ela poder ser considerada inválida à luz da legislação alemã. Após novo agravamento do seu estado de saúde, E. Paraschi apresentou, em 16 de Maio de 1985, um terceiro pedido de pensão de invalidez na Alemanha. Embora se tenha concluído, num exame médico efectuado por conta do Landesversicherungsanstalt Württemberg, o recorrido no processo principal, que a recorrente já não estava, por razões de saúde e pelo menos temporariamente, em condições de trabalhar, o recorrido no processo principal indeferiu o pedido invocando a alteração da Reichsversicherungsordnung (lei alemã da segurança social, a seguir «RVO»), ocorrida em 1984..

    B — A legislação nacional aplicável

    3.

    Com efeito, o regime alemão respeitante à concessão de pensões por invalidez profissional ou incapacidade para o trabalho foi alterado, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1984, pelo aditamento de duas novas disposições à RVO [§ 1246, n.° 2, alínea a), e § 1247, n.° 2, alínea a)].

    4.

    A alteração em questão, que tornou mais rigorosas as condições de concessão das pensões de invalidez, pode ser resumida nos termos seguintes. Desde 1 de Janeiro de 1984, as pensões relativas a uma diminuição da capacidade para o trabalho apenas são concedidas se o segurado tiver exercido uma actividade sujeita a seguro obrigatório e tiver pago pelo menos 36 mensalidades no decurso do período de 60 meses (período de referência) que precede a ocorrência da invalidez. Para o cálculo desse período de 60 meses não são considerados certos períodos especiais, ditos não contabilizados (nicht mitzuzählenden Zeiten), taxativamente designados, que assim se acrescentam ao período de 60 meses e o prorrogam. Entre estes períodos especiais contam-se os períodos de interrupção, entre outras razões por causa de doença ou de desemprego, que originaram a concessão de prestações ou, em certas condições, que não originaram a concessão de prestações [§ 1246, n.° 2, alínea a), ponto 2, e § 1247, n.° 2, alínea a), ponto 2, conjugados com o § 1259, n.° 1, pontos 1 e 3, da RVO], bem como os períodos de incapacidade para o trabalho e de desemprego na medida em que os mesmos não devam ser já tomados em consideração como períodos de interrupção [§ 1246, n.° 2, alínea a), ponto 6, e § 1247, n.° 2, alínea a), ponto 6, da RVO].

    5.

    Em especial, o § 1259, n.° 1, ponto 1, da RVO prevê o seguinte no que diz respeito aos períodos de interrupção por doença:

    «Os períodos de interrupção são:

    1)

    Os períodos durante os quais um emprego ou uma actividade sujeitos ao seguro obrigatório tenham sido interrompidos por incapacidade para o trabalho resultante de uma doença ou por medidas de readaptação, desde que:

    a)

    a incapacidade para o trabalho ou as medidas de readaptação tenham começado antes de 1 de Janeiro de 1984, desde que a sua duração tenha sido pelo menos de um mês civil e que, durante o período de 1 de Outubro de 1974 a 31 de Dezembro de 1983, o segurado não tenha estado sujeito ao seguro obrigatório pelo facto de beneficiar de prestações de seguro de doença, subsídios de doença, subsídios de acidente ou subsídios temporários;

    b)

    depois de 31 de Dezembro de 1983, o segurado tenha beneficiado, relativamente a esses períodos ou a uma parte deles, de prestações de seguro de doença, de subsídios de doença ou ainda, no caso de não ter recebido nenhuma destas prestações, tenha pago relativamente a esses períodos, durante 18 meses civis no máximo, cotizações na acepção do § 1385.° b, n.° 2.»

    6.

    No que diz respeito aos períodos de interrupção em virtude de desemprego, o § 1259, n.° 1, ponto 3, da RVO dispõe que são considerados como tais:

    «3)

    Os períodos durante os quais um emprego ou uma actividade sujeitos ao seguro obrigatório tenham sido interrompidos por um período de desemprego de pelo menos um mês civil, desde que a pessoa desempregada, inscrita como procurando emprego junto de um serviço de emprego alemão, tenha recebido:

    a)

    subsídios de desemprego nos termos de um regime de seguro (prestações de seguro de desemprego), ou

    b)

    subsídios aos trabalhadores sem emprego (subsídio de crise, auxílio social aos trabalhadores privados de emprego), ou

    c)

    subsídios de auxílio social, ou ainda

    d)

    prestações aos sucessores de vítimas de acidentes de trabalho,

    ou que o benefício de uma destas prestações lhe tenha sido recusado em virtude de cumulação com outras prestações, da existência de um rendimento, ou tendo em conta o conjunto dos seus recursos, desde que, no período compreendido entre 1 de Julho de 1978 e 31 de Dezembro de 1982, tenha estado isento do seguro obrigatório para receber prestações de seguro de desemprego, subsídio aos trabalhadores sem emprego ou um abono de subsistência.»

    7.

    Além disso, foi instituído um regime transitório (§ 2, n.° 6, da Arbeiterrentenver-sicherungs-Neuregelungsgesetz — lei alemã relativa ao regime de pensão dos operários (a seguir «ArVNG») — na redacção que lhe foi dada pelo § 4, n.° 4, da lei de execução orçamental para 1984). Nos termos deste regime, as condições de concessão de uma pensão de invalidez que estavam em vigor até 31 de Dezembro de 1983 continuam válidas se tiverem sido pagas cotizações voluntárias pelo menos uma vez por mês durante o período de 1 de Janeiro de 1984 a 31 de Dezembro de 1984.

    C — A questão prejudicial

    8.

    O Sozialgericht Stuttgart interroga-se sobre se uma alteração do tipo da que ocorreu na Alemanha é compatível com o Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 Fl p. 98) e, em caso afirmativo, se o Regulamento n.° 1408/71 é inválido por ser contrário aos artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE.

    9.

    Considerando, portanto, que o litígio implica uma apreciação da interpretação e da validade da regulamentação comunitária em causa, o Sozialgericht Stuttgart, por despacho de 6 de Outubro de 1987, decidiu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre a questão seguinte:

    «As disposições conjugadas do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 e dos § 1246, n.° 2, alínea a), e 1247, n.° 2, alínea a), da Reichsversicherungsordnung (RVO) são compatíveis com os artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE?»

    10.

    Dado o contexto factual que envolve o caso de E. Paraschi e os fundamentos dos despachos de reenvio de 6 de Outubro de 1987 e de 27 de Março de 1990 (ver os n. os 12 e 13 infra), a questão submetida pelo Sozialgericht Stuttgart deve ser assim reformulada:

    a)

    O direito comunitário, e designadamente o Regulamento n.° 1408/71, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma legislação nacional torne mais rigorosas as condições de concessão de uma pensão por diminuição da capacidade para o trabalho, no sentido de que, para o futuro, essa pensão apenas será concedida se o segurado tiver exercido uma actividade sujeita a seguro obrigatório e tiver pago pelo menos 136 mensalidades no decurso do período de 60 meses (período de referência) anterior à ocorrência da invalidez?

    b)

    No caso de o Regulamento n.° 1408/71 não se opor a essa alteração de uma legislação nacional, ele é, por esse facto, inválido, à luz dos artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE?

    II — Tramitação processual

    11.

    O despacho do Sozialgericht Stuttgart foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Novembro de 1987.

    12.

    O processo principal correspondia inicialmente a quatro litígios que opunham respectivamente Pougaridou, Paraschi, Papanikolaou e Portale ao Landesversicherungsanstalt Württemberg. Alguns dos problemas suscitados pelos litígios no processo principal diziam respeito à possibilidade de comparação e à similitude das prestações pagas nos termos do direito alemão (susceptíveis de prorrogar o período de referência de 60 meses) com as prestações pagas nos termos do direito de outro Estado-membro (as quais, segundo os organismos de segurança social alemães, não implicavam a prorrogação do período de referência).

    13.

    Dada a circunstância de estes problemas terem sido regulados na sequência do aditamento do artigo 9.°-A ao Regulamento n.° 1408/71, com efeito retroactivo a partir de 1 de Janeiro de 1984 (ver Regulamento n.° 2332/89 do Conselho, de 18 de Julho de 1989, JO L 224, p. 1), o Sozialgericht Stuttgart, por despacho de 27 de Março de 1990, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de Abril seguinte, chamou a atenção para o facto de a questão inicialmente submetida apenas se manter relativamente ao processo Paraschi.

    14.

    Todavia, resulta dos autos que o Sr. Portale interpôs recurso contra o referido despacho de 27 de Março de 1990 através do qual o Sozialgericht Stuttgart tinha retirado a questão prejudicial inicialmente submetida, na medida em que a mesma lhe dizia respeito.

    15.

    Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, foram apresentadas observações escritas: em 16 de Fevereiro de 1988, pelo Conselho das Comunidades Europeias, representado por John Carbery e Jürgen Huber, consultores no seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes; em 17 de Fevereiro de 1988, pelo Landesversicherungsanstalt Württemberg, recorrido no processo principal, representado por M. Oppenländer; em 19 de Fevereiro de 1988, pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Dimitrios Gouloussis, consultor jurídico, e Jürgen Grunwald, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes; e, em 26 de Fevereiro de 1988, por E. Paraschi, Papanikolaou e Portale, recorrentes no processo principal, representados por Hannelore Runft, asses-sorin-iuris.

    16.

    Na sequência do despacho proferido pelo Sozialgericht Stuttgart em 27 de Março de 1990, foram apresentadas observações escritas complementares em 16 de Julho de 1990 pelo Conselho das Comunidades Europeias e em 13 de Agosto de 1990 por E. Paraschi.

    17.

    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução e atribuiu o processo à Sexta Secção.

    III — Observações escritas

    Quanto à primeira questão

    18.

    A recorrente no processo principal observa, a título preliminar, que, no caso dos autos, não se trata de saber se a adopção de condições mais rigorosas em direito social interno é na generalidade lícita, mas se é compatível com o direito comunitário o facto de um Estado-membro fixar condições tais que, por azoes respeitantes à estrutura diferente dos regimes de segurança social nos Estados-membros de origem dos trabalhadores migrantes, as condições em questão não são preenchidas por estes trabalhadores após o seu regresso ao país de origem, com a consequência da perda do seu direito a prestações que teriam adquirido no Estado-membro de imigração.

    19.

    A este respeito, faz uma análise detalhada da finalidade e do conteúdo da legislação alemã, tendo em conta os factos do litígio no processo principal.

    20.

    Começa por observar que a alteração introduzida na legislação alemã visa excluir da protecção concedida peta regime alemão de segurança social as pessoas não activas, na acepção do direito social alemão, ou seja, as pessoas que durante mais de dois anos não pagaram contribuições para o seguro obrigatório e também não apresentam «períodos de interrupção». A exigência de cotizações obrigatórias ou de «períodos não contabilizados» — que são essencialmente os períodos de interrupção — explica-se pelo facto de, na Alemanha, uma «pessoa activa» («Erwerbstätiger») beneficiar de uma protecção social completa, ou seja, dispõe sempre de um salário e paga cotizações ou, em caso de doença ou desemprego, recebe prestações de substituição (subsídios de doença, prestações de readaptação, subsídios de desemprego, auxílio aos trabalhadores sem emprego, auxílio social) e, no caso de inexistência de recursos suficientes, abonos de subsistência, desde que o período sem benefício de prestações constitua um período de interrupção na acepção do direito social alemão. E. Paraschi não pode ser considerada uma pessoa não activa pelas razões a seguir expostas.

    21.

    A legislação alemã reconhece como períodos de interrupção, susceptíveis de prorrogar o período de referência, os períodos de doença e desemprego que não deram lugar à concessão de prestações [§ 1259, n.° 1, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da RVO, relativamente aos períodos de doença, e n.° 3, terceiro parágrafo, relativamente aos períodos de desemprego].

    22.

    Resulta destas disposições que:

    a)

    os períodos de doença iniciados antes de 1 de Janeiro de 1984 e que não deram lugar à concessão de prestações constituem, em caso de interrupção de um emprego ou de uma actividade sujeita a seguro obrigatório, períodos de interrupção, com a única condição de terem durado pelo menos um mês civil;

    b)

    relativamente aos períodos de doença posteriores a 1 de Janeiro de 1984, a situação é a seguinte: i) quando o segurado recebe prestações apenas relativamente a uma parte do período da sua incapacidade para o trabalho, o resto desse período, no caso de ter havido interrupção do emprego ou da actividade sujeita a seguro obrigatório, é cumprido sem concessão de prestações e constitui um período de interrupção: ii) se o interessado não tinha direito, à partida, a qualquer prestação, em caso de interrupção do emprego ou de uma actividade sujeita a seguro obrigatório, o período de incapacidade para o trabalho durante o qual o interessado pagou cotizações para o seguro de pensão e, na hipótese de o mesmo ter previamente pago cotizações durante 18 meses, o resto do período sem pagamento de cotizações constituem também um período de interrupção; c) os períodos de desemprego sem prestações, no caso de interrupção do emprego ou da actividade sujeita a seguro obrigatório, são considerados períodos de interrupção, com a dupla condição de o segurado estar inscrito no serviço de emprego e de a inexistência de prestações de desemprego se dever à concessão de outras prestações ou à existência de outros rendimentos ou recursos.

    23.

    Estas disposições mostram o caracter completo da protecção assegurada na Alemanha.

    24.

    A recorrente no processo principal considera que, se tivesse permanecido na Alemanha, poderia beneficiar destas disposições e, por isso, não teria perdido o seu direito à pensão por incapacidade para o trabalho (desde que se tivesse comportado da forma exigida pela legislação alemã). Chegar-se-ia ao mesmo resultado se os períodos de doença e desemprego sem concessão de prestações cumpridos noutro Estado-membro, neste caso a Grécia, pudessem ser equiparados aos períodos correspondentes previstos pelo direito social alemão (§ 1259, n.° 1, primeiro e terceiro parágrafos da RVO).

    25.

    A recorrente no processo principal explica a esse respeito que, por razões de estrutura, isto é, por razões que se prendem simultaneamente com a estrutura do regime grego de segurança social (ausência de protecção social tão completa como nos países do «Norte» da Comunidade), com as particularidades de funcionamento da economia grega e com o comportamento dos trabalhadores migrantes repatriados, a equiparação encontra diversas dificuldades, por vezes inultrapassáveis.

    26.

    Mais especialmente, no que diz respeito aos períodos de doença sem concessão de prestações, a equiparação não é possível no caso de o interessado não ter na Grécia qualquer direito a pensão [ver n.° 22, alínea b), ii), acima]. Quanto aos períodos de desemprego sem concessão de prestações, para além da circunstância de os trabalhadores gregos repatriados não se inscreverem praticamente nunca no serviço grego de emprego (OAED), a equiparação é igualmente difícil porque estes trabalhadores não dispõem geralmente de outras prestações, rendimentos ou recursos [ver n.° 22, alínea c), acima]; além do mais, é necessário ainda esclarecer se a insuficiência de recursos deve ser apreciada segundo os critérios alemães ou segundo os critérios gregos.

    27.

    Nestas condições, o problema que se coloca não é um problema de «simples coordenação» dos sistemas, nacionais de segurança social, mas um problema de discriminação devida à divergência de estruturas dos sistemas de segurança social dos Estados-membros do «Norte» e dos Estados-membros do «Sul» da Comunidade.

    28.

    A esse respeito, a recorrente no processo principal argumenta que, mesmo que, no domínio da segurança social, o direito comunitário apenas tenha uma função de coordenação e, por consequência, o legislador nacional seja livre de fixar ele próprio as condições de aquisição dos direitos bem como de reforçar a posteriori essas condições, este facto, todavia, não deve conduzir a uma violação do direito comunitário. Esta conclusão é igualmente válida quando o objectivo prosseguido pplo legislador nacional é o saneamento do sistema nacional de segurança social.

    29.

    Ora, a recorrente nó processo principal considera que o facto de um Estado-membro subordinar o direito à pensão de invalidez a condições como as previstas pela legislação alemã constitui, na realidade, uma discriminação dissimulada em relação aos trabalhadores migrantes que residem na Grécia e noutros países do «Sul». Esta discriminação é contrária ao artigo 48.°, n.° 2, do Tratado CEE e ao princípio geral da igualdade do direito comunitário. É também contrária ao princípio da livre circulação, porque os trabalhadores migrantes são obrigados a residir na Alemanha para não^per-derem p benefício do regime alemão de invalidez.

    30.

    As novas disposições alemãs violam duplamente a substância do direito de propriedade (reconhecido em direito comunitário: acórdãos de 14 de Maio de 1974, Nold, 4/73, Recueil, p. 491; de 13 de Dezembro de 1979, Hauer, 44/79, Recueil, p. 3727; de 19 de Junho de 1980, Testa Maggio e Vitale, 41/79, 121/79 e 796/79, Recueil, p. 1979), relativamente aos trabalhadores migrantes que tenham cumprido noutro Es-tado-membro períodos de doença ou desemprego sem terem recebido prestações. Em primeiro lugar, conduziriam, na maior , parte dos casos, à supressão total dos direitos adquiridos pelos interessados em matéria de invalidez ao abrigo das disposições em vigor até 1,984. Em segundo lugar, implicariam a desvalorização das cotizações pagas pelos segurados até essa data.

    31.

    A alteração introduzida na legislação alemã tem também como efeito transformar os direitos adquiridos nacionais, isto é, os direitos adquiridos pelos trabalhadores migrantes apenas ao abrigo da legislação do país de imigração, em direitos intérestatais (aquisição do direito a prestações através da totalização). Isso implica, para os trabalhadores migrantes repatriados, a proporcionalização e, com isso, a diminuição de certas prestações não contributivas e não proporcionais às cotizações pagas no país de imigração. Este efeito é incompatível com o Regulamento n.° 1408/71 e com o artigo 130.°-A do Tratado CEE.

    32.

    Além disso, a confiança que os trabalhadores repatriados poderiam ter na manutenção da sua protecção em matéria de invalidez seria gravemente frustrada.

    33.

    É verdade que uma possibilidade que permitia obviar aos inconvenientes acima descritos foi prevista pelas disposições transitórias da ArNVG, mas essa possibilidade não constitui uma compensação adequada para a diminuição dos direitos dos trabalhadores gregos repatriados, porque não foram informados das alterações ocorridas e das disposições transitórias.

    34.

    Além disso, o facto de se exigir, nos termos destas disposições transitórias, o pagamento, por parte dos trabalhadores migrantes repatriados, por vezes totalmente desprovidos de recursos ou recebendo uma pensão apenas equivalente ao mínimo de subsistência, de cotizações para o regime alemão de seguro para manter a protecção em matéria de invalidez, é contrário ao princípio da proporcionalidade bem como ao princípio do Estado social em vigor em todos os Estados-membros e que, por isso, deve ser aplicado em toda a Comunidade.

    35.

    Finalmente, a recorrente considera que, para a solução do litígio no processo principal, importa saber se uma depreciação dos direitos à pensão, como a que origina a legislação alemã, é lícita quando os interessados não estão informados da alteração introduzida na legislação. Importa também saber qual é o tipo de informação a fornecer aos trabalhadores migrantes repatriados, a quem incumbe a obrigação de divulgar essas informações e quem deve sofrer as consequências da falta de informação. A esse respeito, a recorrente no processo principal convida o Tribunal a pronunciar-se sobre a questão de saber se as instituições alemãs eram obrigadas, nos termos do artigo 84.°, n. os 1 e 2, do Regulamento n.° 1408/71, ou de outra disposição ou princípio do direito comunitário, a fornecer informações gerais a todos os interessados, bem como explicações e conselhos individuais aos segurados repatriados, sobre a alteração da legislação alemã.

    36.

    A recorrente no processo principal admite que, já antes da entrada em vigor das novas disposições, o Governo grego tinha sido informado da alteração que viria a ocorrer. Sustenta, contudo, que os trabalhadores gregos repatriados não foram convenientemente informados nem pelas instituições gregas nem pelas instituições alemãs. Só por volta do fim de 1984 é que o recorrido no processo principal dirigiu aos trabalhadores regressados aos seus países de origem, quando para isso teve oportunidade, um boletim de informação sobre a alteração ocorrida.

    37.

    Quanto às consequências ligadas à violação da obrigação de informação, a demandante no processo principal considera que não se devem onerar as pessoas abrangidas com os riscos resultantes da falta de harmonização dos regimes de segurança social dos Estados-membros.

    38.

    O recorrido ito processo principal observa, a título preliminar, que o legislador alemão pretendia, ao introduzir a alteração em questão, reforçar a solidariedade entre segurados e garantir o financiamento do seguro de pensão alemão. Em particular, o reforço das condições para obtenção de uma pensão de invalidez foi considerado necessário para fazer face às dificuldades financeiras crescentes com que se defronta o regime de seguro de pensão na Alemanha e à utilização crescente das pensões de invalidez como «pensões de velhice antecipadas».

    39.

    O recorrido no processo principal explica em seguida que os períodos cumpridos no estrangeiro não são imputados no período de referência porque não preenchem as condições referidas no § 1246, n.° 2, alínea a), da RVO. Estas condições são indistintamente aplicáveis aos segurados alemães e estrangeiros. A eventual equiparação dos períodos cumpridos no estrangeiro aos períodos referidos no § 1246.°, n.° 2, alínea a), da RVO teria efeitos mais severos para os trabalhadores não migrantes.

    40.

    A não imputação no período de referência dos períodos cumpridos no estrangeiro não constitui uma violação do princípio da livre circulação e, de qualquer forma, se daí resulta uma limitação da livre circulação, a mesma é inerente à diversidade dos regimes nacionais de segurança social e não é suficientemente grave para constituir uma violação do artigo 48.° do Tratado.

    41.

    A nova legislação alemã não priva os trabalhadores migrantes por ela abrangidos do seu direito à pensão de invalidez. A objecção suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual os interessados não podem pagar as cotizações mínimas previstas pelas disposições transitórias da ArVNG para manter a sua inscrição no seguro alemão, não é convincente, tendo em conta o pequeno montante dessas cotizações (98 DM por mês).

    42.

    Tendo a lei modificativa alemã sido correctamente promulgada, o conhecimento subjectivo que as pessoas em questão têm dessa lei pouco importa, mesmo que residam no estrangeiro. Todavia, o recorrido no processo principal efectuou uma campanha de informação intensiva para os segurados de nacionalidade grega incluindo a difusão de fichas de informação redigidas em duas línguas e o envio, em Setembro de 1984, de uma delegação à Grécia, a fim de informar as instituições competentes gregas da alteração ocorrida.

    43.

    O- Conselho sublinha que o artigo 51.° do Tratado CEE prevê a coordenação dos sistemas nacionais de segurança social. As legislações nacionais continuam, portanto, a ser aplicáveis e podem ser alteradas pelos Estados-membros, desde que não exista qualquer discriminação entre nacionais e cidadãos de outros Estados-membros (ver neste sentido o acórdão de 24 de Abril de 1980, Coonan, 110/79, Recueil, p. 1445).

    44.

    A Comissão observa, a título preliminar, que o único problema de direito comunitário suscitado pelo processo Paraschi é o de saber se a fixação de um período de referência de 60 meses é lícita, dado que a totalização não era necessária para atingir as 36 mensalidades e que também não houve concessão de prestações gregas, que poderiam ser tomadas em consideração para prorrogação do período de referência.

    45.

    A Comissão refere seguidamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 12 de Julho dé 1979, Brunori, 266/78, Recueil, p. 2705; e de 24 de Abril de 1980, Coonan, já refendo), para observar que os Estados-membros têm em princípio toda a liberdade para organizar os seus regimes de segurança social desde que o princípio da igualdade de tratamento seja respeitado. A fixação de um período de referência e de um certo número de meses de cotizações obrigatórias constituem condições objectivas que se aplicam da mesma forma aos nacionais e aos cidadãos dos outros Estados-membros.

    46.

    A alteração introduzida na legislação alemã não atenta contra direitos adquiridos cuja protecção está também garantida em direito comunitário. Em todo caso, os direitos à pensão eventualmente já adquiridos, tal como a sua eventual depreciação posterior na sequência das alterações ocorridas, dependem apenas da legislação interna, de modo que a protecção dos direitos adquiridos é regida unicamente pelo direito interno.

    Quanto à segunda questão

    47.

    A recorrente no processo principal observa que o novo artigo 9.° A, aditado ao Regulamento n.° 1408/71 pelo artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2332/89, apenas diz respeito à equiparação, aos períodos correspondentes previstos pela legislação alemã, dos períodos que deram lugar à concessão de prestações cumpridos nos termos da legislação de outro Estado-membro. Considera que a omissão do legislador comunitário de regular o problema dos períodos de seguro cumpridos nos termos da legislação de outro Estado-membro que não implicaram a concessão de prestações constitui uma violação do artigo 130.° A do Tratado (artigo 23.° do Acto Único Europeu), disposição desprovida de efeito directo, bem como dos artigos 6.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE.

    48.

    A recorrente no processo principal considera, todavia, que a eventual inserção no Regulamento n.° 1408/71 de uma disposição que equipare também os períodos sem concessão de prestações levantaria problemas insolúveis. Dado que na Grécia não é geralmente possível demonstrar que um trabalhador está no desemprego sem benefício de prestações, convém precisar quais as regras processuais aplicáveis no que respeita à administração e aplicação das provas, e nomeadamente a quem incumbe, segundo o direito comunitário, o ónus material da prova.

    49.

    Uma outra solução que permitiria regular o problema suscitado pelo presente processo é interpretar o § 1418, n.° 1, da RVO em conformidade com o direito comunitário. Nos termos dessa disposição «considera-se que não têm qualquer efeito [...] as cotizações voluntárias pagas mais de um ano após o fim do ano civil a que se referia o pagamento». A recorrente no processo principal propõe que se interprete esta disposição de forma a permitir o pagamento de cotizações voluntárias a título retroactivo pelos trabalhadores migrantes repatriados.

    50.

    Todavia, a solução mais adequada é a harmonização das legislações dos Estados-membros em matéria de prestações de invalidez.

    51.

    O recorrido no processo principal não toma posição sobre esta questão.

    52.

    O Conselho expõe que o Tribunal de Justiça nunca declarou que o Regulamento n.° 1408/71 era inválido no seu conjunto. Disposições particulares deste regulamento, que violavam os objectivos gerais dos artigos 48.° a 51.° do Tratado, foram declaradas inválidas quando não podiam ser interpretadas de forma suficientemente extensiva para proteger os interesses do trabalhador migrante. Ora, não é esse o caso dos autos. O Regulamento n.° 1408/71 é, por isso, válido no seu conjunto.

    53.

    A Comissão considera que os fundamentos do despacho de reenvio de 6 de Outubro de 1987 não contêm qualquer elemento concreto que permita pensar que os trabalhadores migrantes beneficiam de protecção insuficiente ao abrigo do Regulamento n.° 1408/71.

    54.

    Além disso, as pretensas lacunas do Regulamento n.° 1408/71 não podem pôr em causa a sua validade porque uma omissão legislativa não acarreta necessariamente a ilicitude das normas existentes. Para que haja ilicitude, é necessário, pelo contrário, que as disposições existentes do regulamento constituam, na ausência da disposição exigida, uma violação do Tratado. Ora, não é isso que se passa no caso dos autos.

    C. N. Kakouris

    Juiz-relator


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    4 de Outubro de 1991 ( *1 )

    No processo C-349/87,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Sozialegericht Stuttgart e destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

    Elíssavet Paraschi

    e

    Landesversicherungsanstalt Württemberg,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE, bem como sobre a interpretação e a validade do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 Fl p.98),

    O TRIBUNAL (Sexta Secção),

    composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, T. F. O'Higgins, C. N. Kakouris, F. Schockweiler e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral : G. Tesauro

    secretario: V. Di Bucci, administrador

    vistas as observações escritas apresentadas:

    em representação de E. Paraschi, por Hannelore Runft, assessorin-juris no centro de informação e orientação para os trabalhadores migrantes gregos,

    em representação do Landesversicherungsanstalt Württemberg, pelo Sr. Oppenländer, Abteilungsleiter,

    em representação do Conselho, por John Carbery e Jürgen Huber, consultores no Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão, por Dimitrios Gouloussis, consultor jurídico, e Jürgen Grunwald, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de E. Paraschi, do Landesversicherungsanstalt Württemberg, representado por Dr. Heinz Muschel e Peter Wagner, respectivamente administrador e Regierungsdirektor no Serviço Regional de Segurança Social de Württemberg, e da Comissão, na audiência de 30 de Abril de 1991,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 6 de Junho de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por despacho de 6 de Outubro de 1987, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de Novembro seguinte, o Sozialgericht Stuttgart submeteu ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE, e à interpretação e validade do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98), com vista a apreciar a compatibilidade com essas disposições da legislação alemã em matéria de pensões de invalidez profissional ou incapacidade para o trabalho.

    2

    Esta questão foi suscitada no âmbito de quatro litígios que opõem respectivamente a Sr. a Pougaridou, a Sr. a Paraschi, o Sr. Papanikolaou e o Sr. Portale ao Landes-versicherungsanstalt Württemberg (organismo de segurança social do Land de Württemberg, a seguir «recorrido no processo principal»), após este último ter recusado conceder-lhes uma pensão de invalidez.

    3

    O regime alemão respeitante à concessão de pensões por invalidez profissional ou incapacidade para o trabalho foi alterado, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1984, pela inserção na Reichsversicherungsordnung (lei alemã da segurança social, a seguir «RVO») de duas novas disposições, o § 1246.°, n.° 2, alínea a), e o § 1247, n.° 2, alínea a).

    4

    A citada alteração, que tornou mais rigorosas as condições de concessão de pensões de invalidez, pode ser resumida nos termos que seguem. A partir de 1 de Janeiro de 1984, as pensões relativas a uma diminuição da capacidade para o trabalho são concedidas apenas se o segurado tiver exercido uma actividade sujeita ao seguro obrigatório e tiver pago pelo menos 36 mensalidades nos 60 meses que precederam a ocorrência da invalidez (período de referência). Para determinação desse período, não são considerados certos períodos, ditos não contabilizados, designados de forma taxativa, que se acrescentam assim ao período de sessenta meses e o prorrogam. Entre esses períodos não contabilizados estão incluídos os períodos de interrupção por, entre outras causas, doença ou desemprego, quando tenham originado a concessão de prestações ou mesmo, em certas condições, quando as não tenham originado, bem como os períodos de incapacidade para o trabalho e desemprego, na medida em que não devam ser já tidos em conta de outra forma.

    5

    Foi instituído um regime transitório com a finalidade de manter em vigor, até 31 de Dezembro de 1984, as condições anteriores de concessão das pensões de invalidez, desde que as cotizações voluntárias tivessem sido pagas pelo menos uma vez por mês durante o período entre 1 de Janeiro de 1984 e 31 de Dezembro de 1984.

    6

    A aplicação na Alemanha dessa regulamentação em relação aos trabalhadores migrantes originou alguns problemas relativos à possibilidade de comparação e à semelhança das prestações pagas nos termos do direito alemão (susceptíveis de prorrogar o período de referência de 60 meses) com as prestações pagas nos termos do direito de outro Estado-membro (as quais, na opinião dos organismos de segurança social alemães, não podiam prorrogar o período de referência).

    7

    Tendo alguns dos problemas assim suscitados no âmbito dos quatro litígios do processo principal sido resolvidos na sequência do aditamento, pelo Regulamento (CEE) n.° 2332/89 do Conselho, de 18 de Julho de 1989 (JO L 224, p 1) de um artigo 9.° A ao Regulamento n.° 1408/71, com efeitos retroactivos a partir de 1 de Janeiro de 1984, o Sozialgericht Stuttgart, por despacho de 27 de Março de 1990, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 30 de Abril seguinte, fez saber que a questão inicialmente submetida se mantinha apenas na parte que respeita a E. Paraschi.

    8

    Resulta dos autos que E. Paraschi, de nacionalidade grega, nascida em 1943, exerceu, de 1965 a 1979, com algumas interrupções, uma actividade sujeita à segurança social obrigatória na Alemanha. Pagou no total, para o seguro de pensão, 102 mensalidades ao abrigo do regime alemão e cinco mensalidades ao abrigo do regime grego. Em 1977, E. Paraschi adoeceu. Em Julho de 1979, abandonou a Alemanha e regressou ao seu país de origem, onde não pôde nem retomar uma actividade assalariada, em virtude do agravamento do seu estado de saúde, nem beneficiar de uma pensão de invalidez, em virtude da curta duração dos períodos de cotização para o seguro de pensão grego.

    9

    Dois pedidos destinados à concessão de uma pensão de invalidez da Alemanha apresentados em 1978 e em 1980, foram indeferidos pela instituição competente em virtude de a capacidade para o trabalho de E. Paraschi não ter ficado suficientemente^ reduzida para que a mesma pudesse ser considerada inválida à luz da legislação alemã. Após novo agravamento do seu estado de saúde, E. Paraschi apresentou, em 16 de Maio de 1985, um terceiro pedido de concessão de pensão de invalidez alema. Desta vęz, embora se tenha verificado que E. Paraschi já não estava, por razões de saúde, e pelo menos temporariamente, em condições de trabalhar, o recorrido no processo principal indeferiu o pedido em virtude de a interessada não preencher as condições previstas pelas disposições da RVO entretanto adoptadas, tal como foram atrás expostas.

    10

    E Paraschi interpôs então recurso para o Sozialgericht Stuttgart da decisão de indeferimento do seu pedido.

    11

    Foi com vista à resolução deste litígio e dos três restantes, atrás citados, que o Sozialgericht Stuttgart submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «As disposições conjugadas do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 e dos § 1246, n.° 2, alínea a), e 1247, n.° 2, alínea a), da Reichsversicherungsordnung (RVO) são compatíveis com os artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE?»

    12

    Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    13

    Deve observar-se antes de mais que, embora o Tribunal não tenha competência, no âmbito do artigo 177.° do Tratado, para se pronunciar sobre a compatibilidade de uma legislação nacional com o Tratado, é, no entanto, competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito comunitário que possam permitir-lhe apreciar essa compatibilidade para o julgamento da causa que lhe foi submetida (ver, por exemplo, o acórdão de 18 de Junho de 1991, ASBL Piageme, n.° 7, C-369/89, Colect., p. I-2971).

    14

    Deve, pois entender-se a questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional nos termos seguintes:

    «a)

    Os artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE e o Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma legislação nacional torne mais rigorosas as condições de concessão de uma pensão de invalidez, no sentido de que, para o futuro, essa pensão apenas será concedida se o segurado tiver exercido uma actividade sujeita à segurança social obrigatória e tiver pago pelo menos 36 mensalidades no decurso do período de 60 meses anterior à ocorrência da invalidez (período de referência), podendo esse período ser prorrogado em caso de ocorrência, no Estado-membro em questão, de certos factos ou circunstâncias, taxativamente enumerados, que têm como efeito interromper o exercício, pelo trabalhador, de uma actividade sujeita ao seguro obrigatório?

    b)

    No caso de o Regulamento n.° 1408/71 não se opor a essa alteração^ de uma legislação nacional, é ele, por esse facto, invàlido, à luz dos artigos 48 ° n.° 2, e 51.° do Tratado CEE?»

    Quanto à primeira questão

    15

    Deve recordar-se antes de mais que, segundo jurisprudência constante, o artigo 51.° do Tratado e o Regulamento n.° 1408/71 prevêem apenas a totalização dos períodos de seguro cumpridos em diferentes Estados-membros e não regulam as condições de constituição desses períodos de seguro (acórdão de 28 de Fevereiro de 1989, Schmitt, 29/88, Colect., p. 581); compete à legislação de cada Estado-membro determinar as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social, desde que não se faça a esse respeito discriminação entre nacionais e cidadãos de outros Estados-membros (acórdão de 24 de Abril de 1980, Coonan, n.° 12, 110/79, Recueil, p. 1445).

    16

    Por conseguinte, o direito comunitário não se opõe a que o legislador nacional altere as condições de concessão de uma pensão de invalidez, mesmo que as torne mais rigorosas, desde que as condições adoptadas não acarretem qualquer discriminação ostensiva ou dissimulada entre trabalhadores comunitários.

    17

    A fixação de um período de referência que precede a ocorrência da invalidez, durante o qual o segurado deve ter pago um número mínimo de cotizações para poder ter direito à concessão de uma.pensão de invalidez, constitui em si mesma um critério objectivo que se aplica da mesma forma a todos os trabalhadores comunitários.

    18

    Esta conclusão é igualmente válida para o caso de o legislador nacional prever a possibilidade de prorrogação do período de referência, na condição, todavia, de as modalidades a que está subordinada essa possibilidade não serem discriminatórias.

    19

    E. Paraschi observa que as modalidades do tipo das que são previstas pela RVO podem acarretar discriminações quanto aos trabalhadores migrantes que, depois de terem šido empregados no Estado-membro a que pertence a instituição competente, deixam este último para regressarem ao seu país de origem. Essas discriminações resultam da estrutura diferente dos sistemas de segurança social dos Esta-dos-membros, que tem por efeito que certos factos ou circunstâncias, quando ocorrem no Estado-membro a que pertence a instituição competente, prorrogam o período de referência enquanto, se ocorrerem no Estado de origem do trabalhador, não podem ser tomados em consideração para a prorrogação do período de referência previsto pela legislação do primeiro Estado-membro.

    20

    E. Paraschi refere-se nomeadamente aos períodos de doença ou de desemprego que, quando cumpridos nas condições previstas pela legislação alemã, prorrogam o período de referência, mesmo que o trabalhador não tenha recebido prestações de doença ou de desemprego, enquanto essa possibilidade não existe quando esses eventos tenham ocorrido no Estado-membro de origem do trabalhador, como por exemplo a Grécia.

    21

    Convém observar antes de mais que o Regulamento n.° 1408/71 não contém disposições que regulem casos do tipo do que é objecto do litígio no processo principal.

    22

    Deve recordar-se em seguida que, embora, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, o artigo 51.° deixe subsistir diferenças entre os regimes de segurança social de cada Estado-membro e, por conseguinte, nos direitos das pessoas que neles trabalham (acórdão de 7 de Fevereiro de 1991, Rönfeldt, n.° 12, C-227/89, Colect., p. 1336), é todavia pacífico que a finalidade dos artigos 48.° a 51.° do Tratado não seria atingida se, na sequência do exercício do seu direito de livre circulação, os trabalhadores migrantes tivessem de perder benefícios de segurança social que a legislação de um Estado-membro lhes assegura; essa consequência poderia dissuadir o trabalhador comunitário de exercer o seu direito à livre circulação e constituiria, por isso, um entrave a essa liberdade (ver, em último lugar, o acórdão de 7 de Março de 1991, Masgio, n.° 18, C-10/90, Colect., p. I-1119).

    23

    Resulta do acórdão de 28 de Junho de 1978, Kenny, n.° 17 (1/78, Recueil, p. 1489), que essa consequência pode ocorrer se o legislador nacional definir as condições de aquisição ou de manutenção do direito às prestações de tal forma que, na realidade, as mesmas só possam ser preenchidas pelos nacionais, ou se definir as condições de perda ou suspensão desse direito de tal forma que, na realidade, as mesmas sejam mais facilmente verificadas quanto aos nacionais de outros Estados-membros do que quanto aos nacionais do Estado a que pertence a instituição competente.

    24

    É esse o caso de uma legislação do tipo da que está em causa no processo principal. Com efeito, ainda que, do ponto de vista formal, a mesma se aplique a qualquer trabalhador comunitário, que pode assim beneficiar da prorrogação do período de referência, todavia, na medida em que a mesma não prevê possibilidade de prorrogação quando os factos ou circunstâncias que correspondem àqueles que permitem a prorrogação ocorrem noutro Estado-membro, é susceptível de causar prejuízo de forma muito mais importante aos trabalhadores migrantes, porque são principalmente estes últimos que, designadamente em caso de doença ou de desemprego, têm tendência para regressar ao seu país de origem.

    25

    Por consequência, essa legislação tem por efeito dissuadir os trabalhadores migrantes de exercerem o seu direito de livre circulação.

    26

    Acrescente-se que a instituição, pelo legislador nacional, de um período transitório que permite, em certas condições determinadas, a manutenção do regime que estava em vigor antes da alteração legislativa em questão não é susceptível de alterar a conclusão precedente.

    27

    A luz das considerações que antecedem, deve responder-se, à primeira questão que os artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que nao se opõem a que uma legislação nacional torne mais rigorosas as condições de concessão de uma pensão de invalidez, no sentido de que, para o futuro, essa pensão apenas será concedida se o segurado tiver exercido uma actividade sujeita ao seguro obrigatório e tiver pago pelo menos 36 mensalidades no decurso do período de 60 meses anterior à ocorrência da invalidez (período de referência) mas opõem-se a que essa legislação, que permite, em certas condições, a prorrogação do período de referência, não preveja a possibilidade de prorrogação quando os factos ou circunstâncias correspondentes àqueles que permitem a prorrogação ocorram noutro Estado-membro.

    Quanto à segunda questão

    28

    Tendo em atenção a conclusão de que o Regulamento n.° 1408/71 não regula os casos do tipo do que é objecto do litígio no processo principal (n.° 21, supra) não há que decidir sobre a segunda questão.

    Quanto às despesas

    29

    As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias e pelo Conselho das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, nao são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pelo Sozialgericht Stuttgart, por despachos de 6 de Outubro de 1987 e de 27 de Março de 1990, declara:

     

    Os artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma legislação nacional torne mais rigorosas as condições de concessão de uma pensão de invalidez, no sentido de que, para o futuro, essa pensão apenas será concedida se o segurado tiver exercido uma actividade sujeita ao seguro obrigatório e tiver pago pelo menos 36 mensalidades no decurso do período de 60 meses anterior à ocorrência da invalidez (período de referência), mas opõem-se a que essa legislação, que permite, em certas condições a prorrogação do período de referência, não preveja a possibilidade de prorrogação quando os factos ou circunstâncias correspondentes àqueles que permitem a prorrogação ocorram noutro Estado-membro.

     

    Mancini

    O'Higgins

    Kakouris

    Schockweiler

    Kapteyn

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Outubro de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    G. F. Mancini


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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