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Document 61987CJ0027

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 19 de Abril de 1988.
    SPRL Louis Erauw-Jacquery contra Société coopérative La Hesbignonne.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de commerce de Liège - Bélgica.
    Contrato relativo a direitos de obtenção vegetal sobre certas variedades de sementes; compatibilidade com o artigo 85.º do Tratado CEE.
    Processo 27/87.

    Colectânea de Jurisprudência 1988 -01919

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1988:183

    61987J0027

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA (QUINTA SECCAO) DE 19 DE ABRIL DE1988. - SPRL LOUIS ERAUW-JACQUERY CONTRA SOCIETE COOPERATIVE LA HESBIGNONNE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO TRIBUNAL DE COMMERCE DE LIEGE. - CONTRATO RELATIVO A DIREITOS DE OBTENCAO VEGETAL SOBRE CERTAS VARIEDADES DE SEMENTES - COMPATIBILIDADE COM O ARTIGO 85. DO TRATADO CEE. - PROCESSO 27/87.

    Colectânea da Jurisprudência 1988 página 01919


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Concorrência - Práticas concertadas - Direitos de propriedade industrial e comercial - Direito de obtenção vegetal - Contrato de licença de multiplicação - Cláusula que proíbe a venda e a exportação das sementes de base - Licitude

    (Tratado CEE, artigo 85.°, n.° 1)

    2. Concorrência - Práticas concertadas - Proibição - Condições - Afectação do comércio entre os Estados-membros - Prejuízo da concorrência

    (Tratado CEE, artigo 85.°, n.° 1)

    3. Concorrência - Práticas concertadas - Direitos de propriedade industrial e comercial - Direito de obtenção vegetal - Contrato de licença de multiplicação - Preços mínimos impostos - Ilicitude - Condição - Afectação sensível do comércio entre os Estados-membros

    (Tratado CEE, artigo 85.°, n.° 1)

    Sumário


    1. Uma cláusula, incluída num contrato relativo à multiplicação e à venda de sementes em que uma das partes é o titular de certos direitos de obtenção vegetal ou o seu mandatário, que proíbe a venda e a exportação de sementes de base pelo negociante-preparador, é compatível com o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, na medida em que é necessária para permitir ao obtentor seleccionar os negociantes-preparadores licenciados.

    2. A proibição do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado abrange um acordo que permita prever, com base num conjunto de elementos objectivos de direito e de facto e com suficiente grau de probabilidade, a possibilidade de vir a exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre os fluxos comerciais entre os Estados-membros num sentido que poderia prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados-membros, e que tenha por objectivo ou efeito restringir ou falsear a concorrência no mercado comum.

    3. Uma cláusula, incluída num contrato relativo à multiplicação e à venda de sementes em que uma das partes é o titular de certos direitos de obtenção ou o seu mandatário, que imponha ao negociante-preparador a observância de preços mínimos fixados pela outra parte, só é abrangida pela proibição do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado se, tendo em conta o contexto económico e jurídico do contrato em que está incluída, se verificar que este é susceptível de afectar de modo sensível o comércio entre os Estados-membros.

    Partes


    No processo 27/87,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo tribunal de commerce de Liège, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

    SPRL Louis Erauw-Jacquery, com sede social em Peruwelz,

    e

    Société coopérative La Hesbignonne, com sede social em Hannut,

    uma decisão a título prejudicial sobre a compatibilidade com o artigo 85.° do Tratado CEE de um contrato referente aos direitos de obtenção vegetal relativos a certas variedades de sementes,

    O TRIBUNAL (Quinta Secção),

    constituído pelos Srs.: G. Bosco, presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida, U. Everling, Y. Galmot e R. Joliet, juízes,

    advogado-geral: J. Mischo

    secretário: D. Louterman, administradora

    considerando as observações apresentadas:

    - em representação da SPRL Louis Erauw-Jacquery, recorrente, por G. Dehousse, advogado inscrito no foro de Bruxelas, na audiência,

    - em representação da SC La Hesbignonne, recorrida, por Jan-J. Bossuyt e Philippe Evrard, advogados inscritos no foro de Bruxelas,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Maria Wolfcarius, na qualidade de agente,

    visto o relatório para audiência e após a realização desta em 28 de Outubro de 1987,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 9 de Dezembro de 1987,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 23 de Janeiro de 1987, que deu entrada no Tribunal de no dia 29 do mesmo mês, o tribunal de commerce de Liège apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial tendo em vista a interpretação do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, a fim de apreciar a compatibilidade com esta disposição de certas cláusulas de um contrato de concessão de uma licença de multiplicação e de venda de determinadas variedades de sementes de cereais protegidas por direitos de obtenção vegetal.

    2 Esta questão foi suscitada no quadro de um litígio relativo a certas cláusulas de um contrato pelo qual a sociedade Louis Erauw-Jacquery, titular de determinados direitos de obtenção vegetal (a seguir designada por "obtentor"), autorizou a Société coopérative La Hesbignonne (a seguir designada por "titular da licença") a multiplicar sementes de base e a vender sementes de primeira ou de segunda geração produzidas a partir daquelas sementes de base e destinadas à produção de cereais (a seguir designadas por "sementes de reprodução").

    3. Mediante esse contrato, a titular da licença comprometeu-se nomeadamente (cláusula n.° 2):

    a) a multiplicar na Bélgica a quantidade total de sementes de base E2 ou equivalentes fornecidas pelo obtentor e submetê-las ao controlo do ONDAH (Organismo Oficial Belga Encarregado da Certificação), segundo a regulamentação em vigor, a não vender ou ceder sementes de base E2 ou equivalentes destas variedades a negociantes preparadores ou a quem quer que seja, exceptuando o agricultor multiplicador, e a não as exportar para nenhum país;

    ...

    f) a não exportar, directa ou indirectamente, sem prévia autorização escrita do obtentor, sementes das variedades de que este é o titular ou o mandatário do titular dos direitos de obtenção, seja qual for a categoria;

    ...

    i) a não vender abaixo dos preços mínimos de venda, que serão fixados pelo obtentor, as sementes certificadas de todas as espécies, variedades e categorias de que este seja o titular ou o mandatário do titular dos direitos de obtenção.

    4. Por circular de 8 de Agosto de 1983 enviada a todos os negociantes preparadores, entre os quais a titular da licença, o obtentor comunicou os preços mínimos a que deviam ser vendidas as obtenções protegidas. No que respeita às sementes E3 da cevada hexástica Gerbel, de que a sociedade Erauw-Jacquery é a mandatária exclusiva na Bélgica da sociedade Florimont-Desprez de Templeneuve, em França, o preço mínimo tinha sido fixado em 1 825 BFR por 100 kg. Este preço não foi respeitado pela titular da licença, a qual, em Setembro de 1983, pôs à venda estas obtenções ao preço de 1 750 BFR por 100 Kg. As sementes E3, na Bélgica, são sementes de base que, todavia, são vendidas na sua quase totalidade aos agricultores utilizadores para a produção de cereais de consumo.

    5. Segundo o obtentor, esta venda obrigou os outros negociantes preparadores a baixarem os preços, causando-lhes assim prejuízos pelos quais lhe pedem reparação. No litígio do processo principal o obtentor pretende que o referido pedido se repercuta sobre a titular da licença, sendo o prejuízo avaliado em 15 milhões de BFR.

    6. O tribunal de commerce de Liège entendeu não haver dúvida quanto ao facto de a cláusula controvertida do contrato fixar de maneira directa o preço de venda das sementes da segunda geração e limitar a respectiva comercialização. No entanto, considerou menos certa a possibilidade de a referida cláusula ser susceptível de afectar sensivelmente o funcionamento da concorrência no interior do mercado comum, de modo a ficar abrangida pelo âmbito de aplicação do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado. Para aclarar este ponto, submeteu ao Tribunal a seguinte questão:

    "É ou não aplicável às cláusulas 2 alíneas a) e i) do contrato em causa o artigo 85.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, ou outra disposição do mesmo Tratado?"

    7. Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação processual e das observações apresentadas no Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação do Tribunal.

    Quanto à compatibilidade da cláusula que proíbe a venda e a exportação de sementes de base E2 com o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado

    8. O órgão jurisdicional nacional pretende saber, em primeiro lugar, se o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado é aplicável à cláusula que proíbe ao titular da licença de multiplicação das sementes de base a venda, a cessão ou a exportação das mesmas.

    9. A Comissão e o obtentor sustentam que a cláusula que proíbe a venda e a exportação de sementes de base E2, que são postas à disposição dos negociantes preparadores apenas com vista à sua multiplicação, não é contrária ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado. Tal cláusula decorreria da existência do direito de obtenção vegetal.

    10. A este propósito, há que sublinhar que, como o Tribunal reconheceu no seu acórdão de 8 de Junho de 1982 (Nungesser, 258/78, Recueil, p. 2015), o apuramento das sementes de base pode implicar sacrifícios financeiros importantes. Em consequência, é preciso admitir que quem tenha despendido esforços consideráveis para preparar variedades de sementes de base que possam ser objecto de direitos de obtenção vegetal deve ter a possibilidade de se proteger contra qualquer manipulação defeituosa dessas variedades de sementes. Para este efeito, o obtentor deve dispor do direito de reservar a multiplicação aos negociantes preparadores que tenha seleccionado para titulares da licença. Nesta medida, a cláusula que proíbe ao titular da licença a venda e a exportação das sementes de base não está sujeita à proibição prevista no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado.

    11. Deste modo, deve responder-se à primeira parte da questão formulada pelo órgão jurisdicional nacional no sentido de que uma cláusula, compreendida num contrato relativo à multiplicação e à venda de sementes em que uma das partes é o titular ou o mandatário do titular de certos direitos de obtenção vegetal, que proíbe ao titular da licença a venda e a exportação das sementes de base, é compatível com o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, na medida em que é necessária para permitir que o obtentor seleccione os negociantes preparadores titulares de licença.

    Quanto à compatibilidade da cláusula que impõe o respeito de preços mínimos para as sementes certificadas de todas as espécies com o disposto n.° 1 do artigo 85.° do Tratado

    12. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional nacional deseja saber se uma cláusula compreendida no mesmo contrato e que imponha ao negociante preparador o respeito de preços mínimos fixados pela outra parte está sujeita à proibição prevista no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado.

    13. A Comissão e o titular da licença sustentam que a cláusula que impõe o respeito de preços mínimos fixados por um obtentor ou pelo seu mandatário restringe a concorrência e é susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros. O obtentor defende que esta cláusula somente diz respeito às vendas na Bélgica, não sendo, por isso, susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros.

    14. É importante salientar que, nos termos do artigo 85.° do Tratado, são incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos que sejam "susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros" e que tenham "por objectivo ou efeito" afectar "a concorrência no mercado comum". Como já foi muitas vezes observado pelo Tribunal (por último, no acórdão de 16 de Junho de 1981, Salonia, 126/80, Recueil, p. 1563), é este o caso de um acordo que permita prever, com base num conjunto de elementos objectivos de direito e de facto e com suficiente grau de probabilidade, a possibilidade de vir a exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre os fluxos comerciais entre os Estados-membros num sentido que poderia prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados-membros, e que tenha por objectivo ou efeito restringir ou falsear a concorrência no mercado comum.

    15. É preciso observar a este repeito que o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado indica expressamente como incompatíveis com o mercado comum os acordos que consistam "em fixar, de forma directa ou indirecta, os preços... de venda, ou quaisquer outras condições de transacção". Segundo o despacho de reenvio, a recorrente no processo principal celebrou com outros negociantes preparadores contratos de teor idêntico ao do contrato impugnado, o que confere a estes contratos os mesmos efeitos que um regime de preços fixados por um acordo horizontal. Em tais circunstâncias, uma cláusula deste tipo tem por objectivo e por efeito restringir a concorrência no mercado comum.

    16. Deve observar-se, em seguida, que a cláusula controvertida está relacionada com uma outra cláusula do mesmo contrato que proíbe ao titular da licença a exportação das sementes de reprodução. Um contrato desta espécie é, pois, susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros.

    17. É preciso recordar, no entanto, que um acordo apenas está sujeito à proibição do artigo 85.° se afectar de maneira sensível o comércio entre os Estados-membros.

    18. Quanto a isto, há que salientar que a influência sobre o comércio intracomunitário do contrato em causa depende, nomeadamente, da questão de saber se faz parte de um conjunto de contratos similares celebrados entre o obtentor e outros titulares de licenças, da parte do mercado detida pelo obtentor no que respeita às sementes em questão e da capacidade dos produtores vinculados por esses contratos para exportarem as referidas sementes.

    19. Compete ao órgão jurisdicional nacional, com base nos dados pertinentes de que pode dispor e tendo em conta o contexto económico e jurídico do contrato de 26 de Fevereiro de 1982, determinar se este contrato é susceptível de afectar de maneira sensível o comércio entre os Estados-membros.

    20. Deve responder-se, portanto, à segunda parte da questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional no sentido de que uma cláusula compreendida num contrato como o acima descrito, e que imponha ao negociante preparador o respeito de preços mínimos fixados pela outra parte, só incorre na proibição prevista no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado se, tendo em conta o contexto económico e jurídico do contrato em que está incluída, se verificar que este é susceptível de afectar de maneira sensível o comércio entre os Estados-membros.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    21. As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL (Quinta Secção),

    pronunciando-se sobre a questão submetida pelo tribunal de commerce de Liège por decisão de 23 de Janeiro de 1987, declara:

    1) Uma cláusula, incluída num contrato relativo à multiplicação e à venda de sementes em que uma das partes é o titular de certos direitos de obtenção vegetal, que proíbe a venda e a exportação de sementes de base pelo negociante preparador, é compatível com o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, na medida em que é necessária para permitir ao obtentor seleccionar os negociantes preparadores licenciados.

    2) Uma cláusula, incluída num contrato como o descrito no ponto 1, que imponha ao negociante preparador a observância de preços mínimos fixados pela outra parte, só é abrangida pela proibição do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado se, tendo em conta o contexto económico e jurídico do contrato em que está incluída, se verificar que este é susceptível de afectar de modo sensível o comércio entre os Estados-membros.

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