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Document 61976CJ0011

    Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979.
    Governo do Reino dos Países Baixos contra Comissão das Comunidades Europeias.
    FEOGA.
    Processo 11/76.

    Edição especial inglesa 1979 00101

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1979:28

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    7 de Fevereiro de 1979 ( *1 )

    No processo 11/76,

    Governo do Reino dos Países Baixos, representado por A. Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada dos Países Baixos, 5, rue C. M. Spoo,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Bayens e G. Zur Hausen, consultores jurídicos, na qualidade de agentes com domicílio escolhido no Luxemburgo junto do seu consultor jurídico, Mário Cervino, bâtiment Jean Monnet, Kirchberg,

    que tem por objecto a anulação das Decisões 76/45 e 76/151 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1975, relativas ao apuramento das contas apresentadas pelo Reino dos Países Baixos a título de despesas dos exercícios 1971 e 1972, financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícolas (FEOGA), Secção Garantia (JO 1976, L 27, pp. 11 e 23), na medida em que a Comissão não reconheceu a cargo do FEOGA as somas de 590072,67 HFL para a liberação de cauções prestadas com o fim de garantir a exportação, dentro de um prazo fixado, de manteiga de intervenção vendida a preço reduzido em 1971, de 968643,33 HFL para concessão de restituições a exportação de lactoalbumina em 1971 e de 12418,73 HFL para concessão de restituições idênticas em 1972,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: H. Kutscher, presidente, J. Mertens de Wilmars e Mackenzie Stuart, presidentes de secção, P. Pescatore, M. Sørensen, A. 0'Keeffe e G. Bosco, juízes,

    advogado-geral: F. Capotorti

    secretário: A. van Houtte

    profere o presente

    Acórdão

    (A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

    Fundamentos da decisão

    1

    Por requerimento apresentado em 2 de Fevereiro de 1976, o Governo dos Países Baixos solicitou, ao abrigo do artigo 173.o, n.os 1 e 3 do Tratado, a anulação parcial das Decisões 76/145 e 76/151 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1975, relativas ao apuramento das contas a título de despesas dos exercícios 1971 e 1972 financiados pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (JO L 27 de 2 de Fevereiro de 1976, pp. 11 e 23).

    2

    O governo recorrente acusa a Comissão de não ter posto a cargo do FEOGA o montante de 590072,67 HFL para liberação de cauções prestadas com a finalidade de garantir a exportação, no prazo fixado, de manteiga de intervenção vendida a preço reduzido em 1971, e os montantes de 968643,33 e 121148,73 HFL para a concessão de restituições à exportação de lactoalbumina em 1971 e 1972, respectivamente.

    3

    Para contestar a legalidade das decisões tomadas pela Comissão, o governo recorrente invoca, além do disposto nos regulamentos específicos aplicáveis aos produtos em causa, determinadas regras gerais enunciadas no Regulamento n.o 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220), designadamente o primeiro parágrafo do n.o 2 do artigo 8.o que tem a seguinte redacção:

    «Na falta de recuperação total, as consequências financeiras das irregularidades ou das negligências são suportadas pela Comunidade, excepto as que resultem de irregularidades ou de negligências atribuíveis às administrações ou organismos dos Estados-membros.»

    4

    O governo defende que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que as consequências financeiras da aplicação errada de uma disposição de direito comunitário por parte de uma autoridade nacional devem ser suportadas pela Comunidade sempre que o erro cometido, apesar de não ser imputável às administrações ou organismos do Estado-membro em causa, resultar de uma interpretação que, sendo objectivamente incorrecta, foi adoptada de boa-fé.

    Com efeito, ao prever que as consequências financeiras das irregularidades ou negligências, excepto as que forem imputáveis aos Estados-membros, devem ser suportadas pela Comunidade, o n.o 2 do artigo 8.o significa, segundo o governo recorrente, que um Estado-membro só terá que suportar as consequências financeiras nos casos em que a aplicação errada de uma disposição comunitária resultar do comportamento culposo de um serviço ou organismo social.

    5

    Em contrapartida, a Comissão contesta a relevância do n.o 2 do artigo 8.o quanto à solução das questões em litígio, sustentando que este preceito se refere às irregularidades e às negligências imputáveis a particulares na qualidade de beneficiários das despesas do FEOGA, e só contempla as imputáveis aos Estados-membros no caso excepcional de terem sido cometidas pelos agentes da função pública agindo em violação dos seus deveres profissionais.

    A Comissão reconhece, no entanto, que por força dos princípios gerais de direito, cabe à Comissão suportar as consequências financeiras de uma aplicação errada do direito comunitário, desde que a mesma possa ser imputada a uma instituição da Comunidade.

    6

    A redacção do artigo 8.o, nas suas várias versões linguísticas, considerados à luz da história do preceito e dos trabalhos preparatórios, sobre os quais as partes apoiaram a sua argumentação ao longo do processo, contém demasiados elementos contraditórios e equívocos para indicar a resposta a dar às questões objecto da controvérsia.

    Para efeitos de interpretação da disposição deve, pois, ter-se em consideração o contexto em que ela se insere e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa.

    7

    A este propósito, importa, em primeiro lugar, assinalar que o artigo 8.o define os princípios segundo os quais a Comunidade e os Estados-membros devem organizar a luta contra as fraudes e outras irregularidades relacionadas com as operações financiadas pelo FEOGA.

    Este preceito prevê quer medidas destinadas à recuperação de montantes indevidamente pagos quer o procedimento, através de processos administrativos e judiciais, contra as pessoas responsáveis.

    8

    No caso da aplicação objectivamente errada do direito comunitário baseada numa interpretação adoptada de boa-fé pelas autoridades nacionais, não é possível, regra geral, segundo o direito comunitário e a maioria dos ordenamentos jurídicos nacionais, recuperar as somas indevidamente pagas aos beneficiários, tal como não é possível instaurar processos administrativos ou judiciais contra os responsáveis.

    Consequentemente, tal situação não pode ser abrangida pelo artigo 8.o mas deve, em contrapartida, ser apreciada à luz das disposições gerais contidas nos artigos 2.o e 3.o do referido regulamento, nos termos das quais são financiadas pelo FEOGA as restituições concedidas e as intervenções empreendidas «segundo as regras comunitárias» no âmbito da organização comum de mercados agrícolas.

    Tais disposições permitem que a Comissão responsabilize o FEOGA apenas pelos montantes pagos em conformidade com as regras estabelecidas nos vários sectores dos produtos agrícolas, deixando a cargo dos Estados-membros qualquer outro montante pago, como é o caso dos montantes que as autoridades nacionais, indevidamente, se autorizaram a pagar no âmbito da organização comum de mercado.

    9

    Além disso, esta interpretação estrita das condições de tomada a cargo das despesas pelo FEOGA impõe-se em função dos objectivos do Regulamento n.o 729/70.

    Com efeito, a gestão da política agrícola comum em condições de igualdade entre os operadores económicos dos Estados-membros opõe-se a que as autoridades nacionais de um Estado-membro, mediante uma interpretação lata de uma determinada disposição, favoreçam os operadores deste Estado em detrimento dos operadores dos restantes Estados-membros onde se aplica uma interpretação mais estrita.

    Uma tal distorção da concorrência entre Estados-membros, a verificar-se não obstante a disponibilidade de meios destinados a assegurar a aplicação uniforme do direito comunitário em toda a Comunidade, não pode ser financiada pelo FEOGA devendo, em qualquer caso, ser suportada pelo Estado-membro em causa.

    Assim, deve concluir-se que o disposto no artigo 8.o do Regulamento n.o 729/70 não se aplica aos operadores em litígio.

    10

    O governo recorrente defende, por outro lado, que a imputação das despesas quer à Comunidade, quer a um Estado-membro, por força do disposto na alínea b) do n.o 2 do artigo 5.o do Regulamento n.o 729/70, não se pode verificar na altura do apuramento de contas dos serviços e organismos nacionais, devendo ser decidida através de um processo diferente.

    A este respeito, o governo remete para uma declaração comum do Conselho e da Comissão inscrita na acta da sessão do Conselho que teve lugar em 8 de Dezembro de 1971.

    Resulta desta declaração que se a Comissão considerar, contrariamente ao parecer do Estado-membro interessado, que as consequências financeiras de irregularidades ou de negligências não devem ser suportadas pela Comunidade, entrará em contacto com esse Estado-membro procedendo posteriormente a uma troca de pontos de vista a levar a cabo no seio do Comité do Fundo previsto no artigo 11.o do Regulamento n.o 729/70.

    Da declaração resulta, além disso, que a Comissão, à luz da experiência adquirida, elaborará um relatório para o Conselho, propondo, sendo caso disso, as soluções a fixar pelo Conselho com vista a regular as divergências desta natureza.

    11

    Observe-se que esta declaração foi adoptada a propósito de um regulamento (n.o 283/72 de 7 de Fevereiro de 1972, JO L 36, p. 1) adoptado por força do artigo 8.o do Regulamento n.o 729/70 e que o seu âmbito de aplicação se restringe, assim, às consequências financeiras das irregularidades e negligências mencionadas neste artigo que, neste caso, está fora de causa.

    12

    Por outro lado, é certo que até agora não foi previsto pelo direito comunitário qualquer processo específico de imputação com o objectivo de disciplinar as divergências que opõem a Comunidade aos Estados-membros.

    Assim, o apuramento das contas pela Comissão implica necessariamente a imputação das responsabilidades quer à Comissão, quer ao Estado-membro em causa.

    13

    Resulta do n.o 2 do artigo 5 o do Regulamento n.o 729/70 que a decisão da Comissão só deve ser tomada depois de consultado o Comité do Fundo mencionado no artigo 11.o, sem que, no entanto, o procedimento especial definido no artigo 13o seja aplicável.

    Não há dúvida que, no caso sub judice, o Comité do Fundo foi consultado depois de o governo recorrente ter sido informado acerca dos montantes que a Comissão tinha considerado não poder pôr a cargo do FEOGA e que teve oportunidade de dar a conhecer a sua posição sobre o assunto.

    14

    Resulta do exposto que o fundamento da pretensa inobservância dos mecanismos previstos não pode ser acolhido.

    15

    Assim, deve analisar-se, no que respeita a cada um dos montantes objecto da controvérsia, se as despesas que a Comissão recusou colocar a cargo do FEOGA foram efectuadas em conformidade com as disposições comunitárias aplicáveis ao sector em causa.

    Venda a preço reduzido da manteiga de armazenagem pública para exportação

    16

    Determinados montantes que a Comissão recusou colocar a cargo do FEOGA constituem despesas efectuadas pelo governo recorrente a título de venda a preço reduzido de manteiga de armazenagem pública, por força do Regulamento n.o 1308/68 da Comissão, de 28 de Agosto de 1968 (JO L 214, p. 10).

    Nos termos do artigo 3.o do regulamento, a manteiga compreendida nesta operação devia ser exportada no prazo de trinta dias «depois de ter sido vendida» pelo organismo de intervenção, condição cuja observância era garantida pela constituição de uma caução nos termos do artigo 4.o

    O Regulamento n.o 1308/68 foi revogado pelo artigo 5o do Regulamento n.o 1893/70 da Comissão, de 18 de Setembro de 1970, relativo à venda de manteiga de armazenagem pública (JO L 208, p. 13), continuando a ser aplicável à manteiga vendida ao abrigo do regulamento revogado.

    17

    O governo recorrente sustenta que se aplica o preço reduzido e que a condição imposta no artigo 3 o está preenchida, supondo que o contrato de venda foi celebrado ao abrigo do regime do regulamento revogado e que a manteiga foi exportada no prazo de trinta dias a contar da data de saída do entreposto, mesmo que esta tenha ocorrido depois de 22 de Setembro de 1970, data da entrada em vigor do Regulamento n.o 1893/70.

    Em contrapartida, a Comissão considera que o prazo de trinta dias previsto no artigo 3.o deve ser calculado a partir da celebração do contrato de venda e não a partir da data de saída da manteiga do entreposto.

    18

    Em apoio da interpretação defendida pelo governo recorrente, alega-se, designadamente, que esta é a única interpretação que, por um lado, permite que as vendas a prazo e as vendas efectuadas durante períodos com determinada duração beneficiem dos preços reduzidos e, por outro, não permitiria abusos, dado que seria excluída uma utilização não autorizada da manteiga enquanto esta ainda se encontrasse no entreposto do organismo de intervenção.

    19

    Contudo, no contexto do regulamento em causa, nada permite atribuir à palavra «vendida» empregue no artigo 3.o, um significado diferente daquele que possui em linguagem jurídica corrente e que, de resto, corresponde àquele que possui noutras disposições do regulamento.

    20

    O prazo de trinta dias previsto no artigo 3.o deve, assim, ser calculado a partir da data de celebração do contrato de venda e não da data de saída da manteiga do entreposto.

    21

    Dado que não foram efectuadas em conformidade com o direito comunitário, justifica-se, por este facto, que a Comissão se tenha recusado a tomada a cargo pelo FEOGA das despesas consideradas.

    Restituições à exportação de lactoalbumina

    22

    Os montantes em litígio relativos às restituições à exportação de lactoalbumina referem-se a restituições pagas pelo organismo competente neerlandês com base em disposições regulamentares comunitárias que prevêem a concessão de restituições à exportação de ovoalbumina, por um lado, e a aplicação de um método idêntico de cálculo para a ovoalbumina e a lactoalbumina, por outro.

    23

    As disposições em causa, tal como o Tribunal o afirmou no seu acórdão de 13 de Dezembro de 1973 (150/73, Colect., p. 649, Recueil, p. 1633), não devem ser interpretadas no sentido do que implicam que as restituições à exportação de ovoalbumina, produto que releva do sector dos ovos, se aplicam à lactoalbumina, produto que releva do sector do leite e dos produtos lácteos, na falta de uma disposição especial adoptada no âmbito da organização comum de mercado neste último sector.

    24

    O governo recorrente ao reconhecer que a interpretação adoptada pelas autoridades neerlandesas era objectivamente errada, alega, no entanto, que no caso sub judice, não cometeu qualquer falta que lhe fosse imputável.

    25

    Resulta da interpretação do Regulamento n.o 729/70 acima acolhida, que a Comissão só era obrigada a responsabilizar-se pelas despesas em causa se a aplicação errada do direito comunitário pudesse ser imputada a uma instituição da Comunidade.

    26

    Mesmo admitindo que as disposições relativas às restituições em causa podiam suscitar dúvidas quanto ao seu exacto alcance, nenhum dos elementos apresentados pelas partes ao longo do processo incluindo, designadamente, as deliberações do comité de gestão competente, permitem constatar que a interpretação errada das disposições se devia ao comportamento da Comissão.

    27

    Assim, justifica-se que a Comissão se tenha recusado a pôr a cargo do FEOGA os montantes considerados a este título.

    28

    Consequentemente, nega-se provimento a todo o recurso.

    Quanto às despesas

    29

    Nos termos do n.o 2 do artigo 69o do Regulamento Processual, a parte vencida e condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o governo recorrente sido vencido, há que condená-lo nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    declara:

     

    1)

    Nega-se provimento ao recurso.

     

    2)

    O governo recorrente é condenado nas despesas.

     

    Kutscher

    Mertens de Wilmars

    Mackenzie Stuart

    Pescatore

    Sørensen

    0'Keeffe

    Bosco

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Fevereiro de 1979.

    O secretário

    A. Van Houtte

    O presidente

    H. Kutscher


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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