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Document 61969CC0005

Conclusões do advogado-geral Gand apresentadas em 3 de Junho de 1969.
Franz Völk contra SPRL Ets J. Vervaecke.
Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht München - Alemanha.
Processo 5-69.

Edição especial inglesa 1969-1970 00095

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1969:22

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JOSEPH GAND

apresentadas em 3 de Junho de 1969 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

O reenvio decidido pelo Oberlandesgericht München, destinado a obter a interpretação do artigo 85.o do Tratado de Roma, dar-vos-á oportunidade para concretizar a jurisprudência que resulta dos acórdãos deste Tribunal, Sté Technique minière (LTM), de 30 de Junho de 1966 (56/65, Colect. 1965-1968, p. 381), e Grundig, de 13 de Julho de 1966 (56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423), nomeadamente em relação aos contratos de exclusividade que incluem uma protecção territorial absoluta.

I

Iremos, em primeiro lugar, recordar os factos do processo na medida em que estes são necessários à compreensão das questões apresentadas.

A empresa alemã Joseph Erd & Co., propriedade de Franz Völk, fabrica máquinas de lavar e secar roupa, vendidas sob a marca «Konstant». A sua quota no mercado destes aparelhos é extremamente reduzida, tendo sido em 1963 de 2361 unidades e em 1966 de 861, ou seja, respectivamente, cerca de 0,2 % e 0,05 % da produção da República Federal. Em 15 de Setembro de 1963, celebrou com a sociedade Éts Vervaecke — que vende aparelhos electrodomésticos na Bélgica — um contrato nos termos do qual a referida empresa cedia a estes estabelecimentos o direito de venda exclusiva destes aparelhos para a Bélgica e para o Luxemburgo. O contrato foi celebrado por um prazo de três anos, estabelecendo-se que seria automaticamente prorrogado por dois anos, salvo denúncia, no mínimo nove meses antes da data da sua expiração.

De entre as várias cláusulas do contrato, iremos mencionar as seguintes:

A Erd confere o exclusivo de venda dos seus produtos para a Bélgica e o Luxemburgo à Éts Vervaecke. Apenas no caso de esta não vender determinados aparelhos da gama de produção da sociedade Erd, é que esta se reserva a faculdade de fornecer esses aparelhos a terceiros.

A Vervaecke compromete-se a aceitar mensalmente, após um período de arranque de seis meses, um determinado número de aparelhos (80, nos termos do contrato) e a não vender aparelhos concorrentes que apresentem as mesmas características que os da Erd.

A cedente compromete-se a proteger a Vervaecke na área de venda exclusiva que lhe é garantida; parece, contudo, que a concessionária foi autorizada a efectuar fornecimentos nas zonas em que a Erd não se encontrava ainda representada e, nomeadamente, a constituir uma rede de representantes nos Países Baixos, mas tal autorização não teve sequência.

Nem o contrato de 15 de Setembro de 1963 nem os seus anexos foram notificados à Comissão. De resto, tal contrato apenas foi parcialmente cumprido, pois, num ano, só foram vendidas na Bélgica 200 máquinas de lavar. A Erd reclamou então à Vervaecke o pagamento de 11560 DM em troca do fornecimento de 20 máquinas de lavar, e pediu ainda uma indemnização pelas despesas causadas pelo fornecimento inútil de 50 máquinas de lavar.

Perante os tribunais alemães colocou-se o problema da validade do contrato em relação ao artigo 85.o do Tratado de Roma, o que levou o Oberlandesgericht München a submeter a questão à apreciação do Tribunal, nos termos seguintes:

«Para determinar se o contrato controvertido de 15 de Setembro de 1963 com aditamentos de 1 de Janeiro e 11 de Março de 1964, é abrangido pela proibição prevista pelo n.o 1 do artigo 85 o do Tratado CEE, será necessário ter em consideração a quota do mercado que o demandante efectivamente obteve ou que tentou obter nos Estados-membros da Comunidade Económica Europeia, nomeadamente na Bélgica e no Luxemburgo, área de venda onde a demandada goza de uma protecção absoluta?»

II

É necessário abstrairmos de que o juiz a quo gostaria que o Tribunal tomasse posição sobre a aplicação das normas do Tratado ao contrato cuja validade se discute mas, feita esta reserva, a questão está claramente colocada.

1.

Contrariamente ao que por vezes foi afirmado, não nos parece que o acórdão Grundig possa implicar que uma concessão de exclusividade dotada de uma protecção territorial absoluta seja necessariamente abrangida pela proibição prevista pelo n.o 1 do artigo 85 o O caso que o Tribunal teve então de decidir revestia características demasiado especiais para que dele possamos retirar conclusões tão absolutas.

Os regulamentos de execução do Tratado também não fornecem uma solução. Efectivamente, nem o facto de um contrato não ter sido notificado nem o facto de ele não preencher as condições necessárias para beneficiar de uma isenção (como, por exemplo, aquela que é prevista para certas categorias pelo Regulamento 67/67 da Comissão), são determinantes quando se trata de saber se um contrato deve ou não ser abrangido pelo n.o 1 do artigo 85 o Como se lê no acórdão de 13 de Julho de 1966, Itália/Conselho e Comissão (32/65, Colect. 1965-1968, p. 483), «a definição de uma categoria constitui apenas um enquadramento, sem que isso signifique que todos os acordos aí incluídos sejam passíveis de proibição. Da mesma maneira, um acordo abrangido pela categoria isenta, mas que não preenche todas as condições da referida definição, não tem que cair necessariamente sob a proibição».

2.

Convém assim retomar a letra do n.o 1 do artigo 85.o que declara «incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas… que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum».

O texto exige assim a conjugação de duas condições que, nas suas observações, a Comissão analisa à luz da jurisprudência do Tribunal, começando por aquela que faz depender a incompatibilidade do acordo com o mercado comum da constatação de que tal acordo tem por objectivo ou efeito falsear a concorrência. Em princípio, esse constitui precisamente o objectivo de um acordo de exclusividade que inclui uma cláusula de protecção territorial absoluta. Com efeito, se na área protegida as possibilidades de venda por terceiros comerciantes se tornarem mais difíceis ou forem excluídas, se os consumidores desta área apenas puderem comprar tais produtos ao concessionário exclusivo vendo assim diminuídas as suas possibilidades de escolha ao nível da distribuição, são essas precisamente as consequências desejadas pelo acordo.

Deveremos ficar por aqui? No acórdão Grundig, o Tribunal declarou que, para fins da aplicação do n.o 1 do artigo 85 o, não seria necessário tomar em consideração os efeitos concretos de um acordo, desde que resultasse que tal acordo tinha por objectivo restringir, impedir ou falsear a concorrência, o que poderia implicar uma resposta negativa à questão apresentada; todavia, o alcance desta declaração deve limitar-se aos factos que deram origem ao acórdão. Com efeito, segundo o acórdão La Technique minière, deve tomar-se em consideração o próprio objecto do acordo «tendo em conta o contexto económico em que este deve ser aplicado», e, para que o n.o 1 do artigo 85 o possa ser aplicado, tal apreciação deve revelar um «grau suficiente de nocividade» em relação à conconência. Tal equivale a afirmar que a alteração do funcionamento da concorrência não deve ser meramente teórica, devendo revestir uma certa amplitude, e não estamos muito longe da restrição «sensível» que este mesmo acórdão exige quando o acordo é considerado não pelo seu objecto, mas pelos seus efeitos.

Por outro lado, este funcionamento da concorrência deve ser compreendido no quadro real em que se produziria na falta do acordo; ora, as consequências deste para as outras empresas ou para os consumidores podem variar bastante consoante a quota do mercado que o industrial controla ou tenta controlar. Retomamos deste modo a questão apresentada pelo juiz alemão.

O Tribunal já fez referência a este aspecto do problema quando, ao procurar saber em que condições um contrato de exclusividade devia ser considerado proibido, enumerou toda uma série de elementos que devem ser considerados relevantes. Paralelamente ao rigor das cláusulas destinadas a proteger a exclusividade ou, pelo contrário, das possibilidades deixadas a outros concorrentes comerciais, ao carácter isolado do acordo ou à sua inserção num conjunto, o Tribunal mencionou, nomeadamente, a natureza ou a quantidade limitada ou não dos produtos objecto do acordo, bem como a posição do cedente e do concessionário no mercado dos produtos em causa. É precisamente sobre este ponto que devemos insistir.

Se o fabricante controla uma quota relativamente importante do mercado, detendo uma posição forte em relação aos produtos que são objecto do acordo, configuram-se todos os motivos para considerarmos que a concorrência é afectada de modo sensível ao nível da distribuição por uma concessão exclusiva garantida por uma protecção territorial absoluta. Em contrapartida, não se poderá ser tão afirmativo quando a posição do produtor é bastante fraca. Embora um contrato deste tipo lhe possa permitir introduzir os seus produtos numa área de venda, tal contrato não reduz de forma considerável a escolha dos consumidores nem as possibilidades de venda por parte de terceiros comerciantes. Sem pretendermos pronunciar-nos, no âmbito do artigo 177.o, sobre o caso submetido à apreciação do juiz alemão, podemos todavia pensar que os montantes de produção que anteriormente citámos apenas representam, em relação à produção global da República Federal e aos mercados belga e luxemburguês, uma gota no oceano.

Para concluirmos quanto a este ponto, observe-se que o acórdão Grundig toma em consideração, nomeadamente, o facto dessa marca se encontrar muito difundida para apreciar a influência sobre o funcionamento da concorrência no mercado comum do acordo que visava isolar o mercado francês dos produtos dessa marca e manter artificialmente mercados distintos.

Pode concluir-se que um acordo da mesma natureza relativo a produtos de uma marca praticamente desconhecida não teria merecido da parte do Tribunal a mesma solução e a mesma severidade.

3.

Na parte final das suas observações, a Comissão acrescenta que, para ser susceptível de afectar o comércio entre os Esta-dos-membros — outro requisito previsto pelo n.o 1 do artigo 85.o —, é necessário que o acordo possa ameaçar a liberdade do comércio entre estes Estados, lesando a realização de um mercado internacional único, o que pressupõe que a alteração do comércio atinja uma amplitude considerável. As duas condições tendem a confundir-se, não sendo fácil distingui-las.

Podemos, todavia, interrogar-nos sobre se este aspecto não deveria ser analisado em primeiro lugar, pois a questão de saber se um acordo ésusceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros não constitui apenas uma condição necessária para que o acordo seja proibido nos termos do n.o 1 do artigo 85.o, sendo antes uma questão prévia. Como se diz no acórdão La Technique minière, «com efeito, é na medida em que o acordo pode afectar o comércio entre os Estados-membros que a alteração da concorrência provocada por este acordo é abrangida pelas proibições de direito comunitário contidas no artigo 85 o, enquanto que, no caso contrário, essa alteração lhes escapa».

Neste caso, o melhor que temos a fazer é remeter para as precisões constantes desse acórdão. Nele se analisa a disposição controvertida no sentido de estabelecer uma condição de previsibilidade que se baseia na possibilidade de existir um entrave à realização de um mercado único. De um modo geral, para ser abrangido pelo n.o 1 do artigo 85.o, o acordo de concessão exclusiva deve, com base num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto, ser susceptível de fundamentar uma previsão razoável, permitindo que se receie que tal acordo possa influenciar, de uma forma directa ou indirecta, actual ou potencial, as correntes comerciais entre Estados-membros. Mais concretamente, dever-se-á analisar se é susceptível de isolar o mercado de determinados produtos.

Ora, qualquer que seja o seu verdadeiro objecto, o contrato celebrado entre um produtor que apenas possui uma quota ínfima do mercado não pode prejudicar a realização de um mercado internacional único; o carácter pouco relevante da posição ocupada pelo autor da concessão opõe-se a que este exerça qualquer influência importante no mercado. Uma visão realista leva-nos assim a pensar que o comércio entre Estados-membros não pode ser «afectado» por um acordo celebrado num contexto análogo ao do contrato que motivou o reenvio pelo Oberlandesgericht München.

Assim, a resposta a dar a este órgão jurisdicional poderá ter como base as seguintes considerações:

Embora um contrato de concessão exclusiva com uma cláusula de protecção territorial absoluta caia geralmente no âmbito das proibições do n.o 1 do artigo 85.o, tal não é o caso quando esse contrato não é susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros ou de impedir, restringir ou falsear de forma relevante a concorrência ao nível do mercado comum.

Para avaliar tal circunstância, é necessário ter em conta a posição que o autor da concessão ocupa ou pode vir a ocupar no mercado dos produtos considerados.

Se a sua quota for insignificante e se a quantidade garantida ao concessionário representar apenas uma parcela mínima da quantidade de produtos análogos vendidos pelo conjunto dos comerciantes nessa zona, pode presumir-se que as disposições restritivas do artigo 85 o do Tratado não são aplicáveis ao acordo.

É neste sentido que concluímos, devendo o Oberlandesgericht München decidir quanto às despesas.


( *1 ) Língua original: francês.

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