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Document 52024DC0027

LIVRO BRANCO sobre as opções para reforçar o apoio às atividades de investigação e desenvolvimento que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização

COM/2024/27 final

Bruxelas, 24.1.2024

COM(2024) 27 final

LIVRO BRANCO

sobre as opções para reforçar o apoio às atividades de investigação e desenvolvimento que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização


Livro Branco sobre as opções para reforçar o apoio às atividades de investigação e desenvolvimento que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização

O presente Livro Branco visa lançar uma consulta pública sobre o apoio às atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) a nível da UE que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização. Neste contexto, analisa os atuais programas de financiamento pertinentes da UE e avalia se o apoio continua a ser adequado e estratégico face aos desafios geopolíticos existentes e emergentes referidos na Estratégia Europeia em matéria de Segurança Económica. Em seguida, sugere opções para o futuro de uma forma aberta, como base para o debate no contexto da consulta pública.

Para efeitos do presente Livro Branco, a expressão «dupla utilização» é utilizada no contexto do apoio à I&D em relação a software e tecnologia com potencial de utilização tanto para fins civis como para fins militares 1 . O âmbito do apoio às atividades de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização visa colmatar a lacuna entre as atividades de I&D exclusivamente civis e exclusivamente no domínio da defesa, em especial no que diz respeito a tecnologias críticas e emergentes.

1.Introdução

Em anos anteriores, debateu-se a importância e o potencial de explorar formas de reforçar o apoio às atividades de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização. Na sua proposta de Regulamento Horizonte Europa, de junho de 2018 2 , a Comissão propôs que as atividades de investigação e inovação executadas no âmbito do Horizonte Europa incidam (mas não exclusivamente) em aplicações civis, ao passo que a investigação executada no âmbito do Fundo Europeu de Defesa (FED) deve dizer respeito exclusivamente a aplicações de defesa. Durante as negociações, o Parlamento Europeu e o Conselho alteraram as disposições jurídicas, declarando que as atividades de investigação e inovação no âmbito do Programa Específico de execução do Horizonte Europa 3 e do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT) 4 devem incidir exclusivamente em aplicações civis. Ao mesmo tempo, os colegisladores mantiveram disposições relativas às atividades de I&D no domínio da defesa realizadas no âmbito do FED que se centram exclusivamente nas aplicações no domínio da defesa 5 , indicando simultaneamente o potencial de sinergias entre os setores civil e da defesa. Esclareceram igualmente que importa evitar duplicações desnecessárias, o que implica que houve uma escolha política explícita dos colegisladores de tratar as atividades de investigação e desenvolvimento civil e de defesa como domínios totalmente distintos, visando comunidades de partes interessadas substancialmente diferentes, com regras, finalidades e aplicações comerciais distintas.

Reconhecendo a falta de instrumentos adequados para promover o enriquecimento recíproco entre as atividades de I&D civis e de defesa, a Comissão lançou várias ações desde 2021 para melhorar as sinergias entre os programas da UE e promover uma abordagem à escala da UE para as tecnologias críticas, tirando o máximo partido possível dos programas de I&D da UE.

Iniciativas da UE de apoio ao enriquecimento recíproco entre atividades de I&D civis, de defesa e do espaço

Em fevereiro de 2021, o plano de ação sobre as sinergias entre as indústrias civis, da defesa e do espaço 6 identificou, entre os seus objetivos, a necessidade de reforçar a complementaridade entre os programas e os instrumentos pertinentes da UE para aumentar a eficiência dos investimentos e a eficácia dos resultados. O seu primeiro relatório intercalar, adotado em novembro de 2022, reconheceu a necessidade de realizar uma análise das lacunas no apoio dos instrumentos da UE na trajetória da I&D até à implantação, passando pela adoção pelo mercado ou pela contratação pública, com o objetivo de analisar de que forma um instrumento pode ajudar caso outro não possa, salientando que o resultado desta análise poderia contribuir para o planeamento do [quadro financeiro plurianual] seguinte 7 .

Em fevereiro de 2022, a Comunicação intitulada «Roteiro sobre tecnologias críticas para a segurança e a defesa» 8 reconheceu que não existe um quadro para o apoio direto a atividades de dupla utilização no âmbito dos programas e instrumentos existentes e anunciou que «[e]m 2023, a Comissão irá rever os instrumentos da UE existentes e propor novas formas de incentivar a IDT+I de dupla utilização a nível da UE». A Comissão analisou igualmente as oportunidades e as restrições para reforçar o apoio às tecnologias com potencial de dupla utilização através do Programa Europeu de Inovação no domínio da Defesa da UE (EUDIS), anunciado nesta comunicação e lançado em maio de 2022 no âmbito do Fundo Europeu de Defesa (FED).

Em maio de 2022, a Comunicação Conjunta sobre a análise dos défices de investimento na defesa e rumo a seguir 9 anunciou «eventuais alterações ao quadro para a investigação e inovação de dupla utilização, a fim de melhorar as sinergias entre os instrumentos civis e os instrumentos de defesa». Na mesma comunicação conjunta, referiu-se ser necessário desenvolver «novas medidas (nomeadamente convites à apresentação de propostas coordenados entre os atuais instrumentos da UE e empréstimos do BEI) para apoiar as tecnologias críticas e as capacidades industriais através do desenvolvimento de projetos estratégicos».

Em julho de 2022, a Comissão adotou uma Nova Agenda Europeia para a Inovação 10 . Entre as condições-quadro para a inovação de tecnologia profunda, a agenda salienta que «tirar partido do papel do setor público enquanto cliente líder» pode acelerar a modernização dos serviços públicos e reforçar a competitividade industrial da UE a nível mundial. A Comissão lançou, por isso, convites à apresentação de propostas para apoiar os EstadosMembros no desenvolvimento de estratégias nacionais que impulsionem os contratos públicos de inovação e está também a melhorar a recolha de dados sobre contratos públicos de inovação nos setores civil e da defesa. Uma vez que muitas tecnologias críticas com potencial de dupla utilização se encontram no setor digital, é igualmente importante notar que o Relatório de 2023 da Comissão sobre o estado da Década Digital 11 recomenda que os Estados-Membros devem criar «planos de ação de apoio à contratação pública inovadora e intensificar os seus esforços para aumentar os investimentos em contratos públicos no desenvolvimento, no ensaio e na implantação de soluções digitais inovadoras».

Em março de 2023, a Comissão e o alto representante adotaram a Estratégia Espacial da UE para a Segurança e a Defesa 12 , que salienta que «[o]s sistemas e serviços espaciais desempenham um papel de apoio à defesa e à segurança cada vez mais importante. Os serviços de dupla utilização prestados pelos programas espaciais da UE e por entidades comerciais, incluindo o Novo Espaço, continuarão a ser desenvolvidos para aumentar a autonomia estratégica da UE e dos seus Estados-Membros» e que «[a]o preparar o futuro desenvolvimento dos programas espaciais da UE, a Comissão terá em conta as necessidades a longo prazo dos utilizadores dos domínios da defesa e da segurança (assumindo 2035 como horizonte temporal), em estreita cooperação com os Estados-Membros. A Comissão estudará a interoperabilidade dos sistemas e as opções de transporte de cargas úteis acopladas por motivos de defesa, bem como a segurança dos sistemas espaciais existentes ou futuros. Neste sentido, serão promovidas sinergias através do FED, para que a investigação e o desenvolvimento no domínio da defesa possam acelerar a implantação de cargas úteis que apoiem os serviços de defesa. Além disso, os diferentes serviços governamentais apoiados pelos programas espaciais da UE serão utilizados e explorados de forma coerente».

Em junho de 2023, a Comissão adotou uma proposta de regulamento que cria a Plataforma de Tecnologias Estratégicas para a Europa (STEP), a fim de preservar a vantagem europeia no respeitante a tecnologias críticas e emergentes importantes para as transições ecológica e digital: desde as tecnologias relacionadas com a computação, incluindo a microeletrónica, a computação quântica e a inteligência artificial (IA), à biotecnologia, à biofabricação e às tecnologias com impacto zero. Além de aumentar o FED, a STEP reforçará o cofinanciamento pelos instrumentos da UE no âmbito da política de coesão para apoiar o desenvolvimento ou o fabrico de tecnologias críticas, muitas das quais têm potencial de dupla utilização.

A Comunicação Conjunta relativa à Estratégia Europeia em matéria de Segurança Económica 13 , adotada em 20 de junho de 2023, propôs uma abordagem europeia comum da segurança económica, nomeadamente através da redução dos riscos e da promoção de uma vantagem tecnológica em setores críticos. A estratégia define três prioridades: promover a competitividade da própria UE; protegê-la dos riscos de segurança económica; e estabelecer parcerias com o maior número possível de países que partilham as preocupações ou interesses da UE em matéria de segurança económica. Visa reforçar a segurança económica da UE e tornar a sua economia mais resiliente, nomeadamente preservando e reforçando a nossa vantagem tecnológica em relação às tecnologias que são críticas para a segurança económica da UE. Estas tecnologias têm frequentemente um potencial de dupla utilização: estão na base de tecnologias relevantes para muitos domínios, tanto civis como de defesa. Em outubro de 2023, a Comissão apresentou a sua Recomendação 14 relativa a domínios tecnológicos críticos e lançou uma avaliação conjunta dos riscos com os Estados-Membros.

Na comunicação conjunta, a Comissão comprometeu-se a apresentar um relatório sobre as opções para apoiar as atividades de I&D que envolvam tecnologias de dupla utilização, após exame do âmbito dos instrumentos existentes. A conceção de parâmetros nas condições de financiamento da UE para as atividades de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização deverá permitir a sua adoção mais rápida pelo mercado na UE, quer para fins comerciais, quer para suprir as necessidades governamentais (civis ou de defesa) dos Estados‑Membros, quer para as infraestruturas a nível da UE.

A UE pode, pois, desempenhar um papel importante na prestação de apoio específico à dupla utilização, na trajetória desde a I&D até à implantação, passando pela adoção pelo mercado ou pela contratação pública. As medidas de apoio podem continuar a tirar partido do potencial das sinergias no âmbito da STEP e do reforço da coordenação com os programas de dupla utilização de outras organizações da UE, como a Iniciativa Estratégica para a Segurança Europeia (IESE) do Banco Europeu de Investimento (BEI) 15 , analisando a melhor forma de um instrumento europeu poder ajudar caso outro não possa e visando apoiar as tecnologias e as capacidades industriais críticas através do desenvolvimento de projetos estratégicos.

Em novembro de 2023, a presidente Ursula von der Leyen solicitou a maximização do potencial de dupla utilização da UE: «Enquanto reforçamos a nossa investigação e desenvolvimento específicos para a defesa, devemos também integrar melhor as tecnologias civis na nossa base industrial de defesa... As aplicações de defesa que emergem de atividades civis transportam em si muitas inovações essenciais. Agora é importante que liguemos os pontos. E, para tal, a Comissão apresentará as opções num Livro Branco sobre a investigação de dupla utilização» 16 .

2.Oportunidades e desafios

O debate sobre as oportunidades e os desafios para reforçar o apoio direto às atividades de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização nos programas da UE ganhou ímpeto nos últimos anos. Poderá representar uma oportunidade para reforçar e melhorar a competitividade e a resiliência das bases científicas e tecnológicas europeias. Deverá também impulsionar as empresas em fase de arranque e as pequenas e médias empresas (PME) que se dedicam à inovação tecnológica. As sinergias entre as indústrias civis e da defesa têm potencial para criar oportunidades de mercado para as empresas que trabalham em vários ecossistemas industriais e para estimular a economia em geral.

O plano de ação sobre as sinergias entre as indústrias civis, da defesa e do espaço 17  reconheceu que, em muitos casos, é difícil traçar uma linha clara entre a I&D civil e a I&D no domínio da defesa. Enquanto, na investigação de base (baixos níveis de maturidade tecnológica), nem sempre se conhecem os futuros domínios de aplicação dos resultados da investigação no início do projeto («agnóstica em termos de aplicação»), a I&D com um nível médio e elevado de maturidade tecnológica permitiria desenvolver imediatamente tecnologias com potencial de dupla utilização, com adaptações não substanciais ou adaptações mais substanciais, mesmo que essas tecnologias se destinassem inicialmente a aplicações de caráter puramente civil. Em contrapartida, a I&D no setor da defesa pode ter aplicações civis, eventualmente com adaptações sempre que necessário. Existe, por conseguinte, um claro potencial de enriquecimento recíproco entre a I&D nos domínios civil e da defesa.

2.1.Definição do problema

As tecnologias utilizadas no contexto das capacidades de segurança e de defesa têm origem cada vez mais no domínio civil, onde os investimentos do setor privado são mais elevados, os custos indiretos são mais baixos e os ciclos de I&D são mais rápidos. Na UE, importa prosseguir as sinergias entre os programas e instrumentos da UE, a fim de tirar partido do potencial inexplorado em termos de migração de conhecimentos («spin-out») da I&D no domínio civil para fornecer aplicações no domínio da defesa e da I&D no domínio da defesa para gerar aplicações civis.

Um desafio importante é a falta de uma definição conceptualizada comum de «dupla utilização» no contexto do apoio à I&D, quer internacionalmente quer a nível da UE. Esta falta de definição cria problemas. Por exemplo, o Banco Europeu de Investimento (BEI) utiliza uma definição 18 por si concebida para fins bancários, segundo a qual a maior parte das receitas esperadas pelo promotor devem provir de aplicações civis. Por seu lado, nos seus programas de financiamento, a UE não estabeleceu qualquer definição do conceito de «tecnologias com potencial de dupla utilização». Consequentemente, revelou-se difícil dispor de um âmbito de referência comum com o BEI para preparar investimentos conjuntos com incidência em tecnologias com potencial de dupla utilização.

O Regulamento relativo ao controlo das exportações de produtos de dupla utilização 19 contém uma definição de produtos de dupla utilização e inclui uma lista de várias centenas de produtos de dupla utilização (e especificações técnicas) que abrange não só produtos tangíveis, mas também produtos intangíveis, como software ou tecnologia sob a forma de dados técnicos ou de assistência técnica. Esta lista reflete o acordo alcançado no âmbito dos regimes multilaterais de controlo das exportações e é atualizada todos os anos. Além disso, este quadro pode ser complementado com medidas nacionais relativas a produtos de dupla utilização não enumerados na lista por razões de segurança pública ou de direitos humanos. Esta definição foi elaborada no contexto do controlo das exportações e o seu objetivo específico consiste em evitar que a tecnologia civil seja utilizada indevidamente ou desviada para fins militares por países, governos ou organismos não governamentais com o objetivo de perturbar a paz ou a segurança ou no contexto de repressão interna ou violações graves dos direitos humanos e do direito internacional humanitário. Por conseguinte, esta definição pode ser adaptada para definir o âmbito das atividades a financiar pela UE. A Comissão poderia, em estreita coordenação com o Grupo BEI e outras instituições financeiras, continuar a envidar esforços no sentido de elaborar uma definição comum de «dupla utilização».

Dado o caráter consultivo do presente documento, a Comissão convida os inquiridos a manifestarem a sua opinião sobre os elementos que poderão constituir a base de uma definição de «tecnologias com potencial de dupla utilização», que poderá ser útil para promover, nomeadamente, a transferibilidade do setor civil para a defesa e vice-versa, assim como investimentos conjuntos com outros parceiros, como o Grupo BEI.

Além disso, a UE continua a lutar para assegurar a rápida exploração e a adoção pelo mercado dos resultados dos investimentos em I&D na UE, nomeadamente em tecnologias com potencial de dupla utilização. As inovações com grande potencial são frequentemente exploradas noutras partes do mundo, onde a procura de inovações revolucionárias se tornou uma prioridade premente, conduzindo ao desenvolvimento de organizações e doutrinas expressamente para explorar o potencial de dupla utilização em prol da defesa. Na Europa, pelo contrário, os resultados da inovação de dupla utilização, ou seja, a transformação de ideias e conhecimentos em produtos, processos e serviços novos ou melhorados para utilização militar e comercial, muitas vezes não chegam a ser comercializados com êxito por diferentes razões, nomeadamente a falta de primeiros clientes, em especial no setor público, e a necessidade de I&D mais orientada. Entre outros fatores, o subinvestimento em contratos públicos para soluções inovadoras não só dificulta a modernização das infraestruturas europeias com as novas capacidades oferecidas pelas tecnologias inovadoras, mas também asfixia a competitividade da indústria europeia 20 . Os contratos públicos para soluções inovadoras são muito pertinentes para as tecnologias com potencial de dupla utilização, que requerem um mercado interno dinâmico para permitir a sua integração em sistemas e produtos nos setores civil e da defesa.

2.2.Objetivos

O presente Livro Branco tem como objetivo geral explorar opções para melhorar a integração e o enriquecimento recíproco das tecnologias civis e de defesa na indústria europeia. Fá-lo-á procurando uma melhor utilização e exploração dos resultados dos projetos e identificando ações que permitam, se for caso disso, obter resultados de dupla utilização de atividades de I&D civis para aplicações no domínio da defesa e de atividades de I&D no domínio da defesa para aplicações civis.

3.Base de referência: o quadro legislativo em vigor

Nos termos do artigo 182.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, todas as atividades de investigação e desenvolvimento tecnológico da UE são definidas num programaquadro plurianual. Embora o Programa Específico de execução do Horizonte Europa 21 incida exclusivamente em aplicações civis 22 , as atividades de investigação no domínio da defesa são realizadas ao abrigo de outro programa específico do Horizonte Europa com incidência exclusiva na I&D, com as suas próprias regras de participação, orçamento, condições de elegibilidade e governação estabelecidas no Regulamento FED 23 .

O Regulamento Horizonte Europa refere-se a eventuais sinergias com o FED que possam beneficiar a investigação nos domínios civil e da defesa, evitando simultaneamente duplicações desnecessárias. Ao mesmo tempo, o Regulamento FED refere explicitamente que «serão também de esperar, se for caso disso, repercussões positivas no setor civil» 24 e que «[a] Comissão terá em conta as outras atividades financiadas ao abrigo do Horizonte Europa […] a fim de evitar duplicações desnecessárias e assegurar um enriquecimento recíproco e sinergias entre a investigação civil e a investigação no domínio da defesa» 25 .

3.1.I&D civil com potencial de dupla utilização

Embora o Programa Específico de execução do Horizonte Europa possa apoiar atividades de I&D com uma incidência exclusiva em aplicações civis, os seus resultados podem ter um potencial de dupla utilização, por exemplo em domínios como o digital, a cibersegurança, a energia, a mobilidade, a saúde, os materiais e o espaço, e, por conseguinte, para potenciais aplicações no domínio da defesa. No entanto, a seleção dos projetos está limitada aos que, embora desenvolvam tecnologias com potencial de dupla utilização, visem apenas aplicações civis. Uma proposta que inclua uma aplicação no domínio da defesa não deve ser financiada ao abrigo dos requisitos do Programa Específico de execução do Horizonte Europa 26 .

Consequentemente, as partes interessadas da indústria da defesa não podem aceder ao capital e aos serviços prestados através do Horizonte Europa para qualquer atividade que tenha uma aplicação no domínio da defesa (nomeadamente através do programa de financiamento Acelerador do Conselho Europeu da Inovação) e os ministérios ou agências da defesa não podem candidatar-se ao financiamento de contratos públicos para soluções inovadoras concedido pelo Horizonte Europa para essas atividades. Embora as partes interessadas do setor da defesa não sejam automaticamente excluídas do financiamento do Programa Específico de execução do Horizonte Europa, a sua participação só pode ser justificada se as suas atividades de I&D num projeto incidirem exclusivamente em aplicações civis.

3.2.I&D no domínio da defesa com potencial de dupla utilização

O FED concede financiamento a projetos colaborativos de I&D para aplicações no domínio da defesa. O desenvolvimento de tecnologias com incidência exclusiva em futuras aplicações militares difere do de tecnologias com incidência civil, uma vez que estas visam necessidades militares operacionais e os clientes finais são os ministérios da defesa. Os resultados dos projetos estão frequentemente sujeitos ao controlo das exportações e, se for caso disso, à classificação da informação durante a execução do projeto. Existem já, não obstante, vários exemplos de ações financiadas que têm um claro potencial de aplicação no setor civil e que podem ajudar a reforçar as bases científicas e tecnológicas do setor civil. Embora incidam exclusivamente na defesa, os projetos apoiados pelo Fundo Europeu de Defesa também podem ter aplicações civis relevantes (e, por conseguinte, uma dimensão de dupla utilização).

Os projetos financiados pelo FED, bem como os projetos de investigação no domínio da segurança civil ou do espaço no âmbito do Programa Específico de execução do Horizonte Europa, incluem informações parcialmente classificadas e têm condições de elegibilidade específicas baseadas na segurança a nível das entidades e regras para evitar fugas de tecnologia. A natureza estratégica e sensível das tecnologias com potencial de dupla utilização e da sua aplicação exigem uma maior atenção aos requisitos de segurança, nomeadamente a seleção dos projetos e participantes, a exigência de procedimentos de controlo da segurança e a eventual classificação dos resultados da investigação. Por razões de coerência entre os diferentes projetos e programas financiados pela UE e as iniciativas de cooperação internacional, os mesmos requisitos de segurança devem ser aplicados quando se trata do apoio a tecnologias com potencial de dupla utilização.

3.3.Exame do âmbito dos instrumentos existentes

O plano de ação sobre as sinergias entre as indústrias civis, da defesa e do espaço 27 propôs o lançamento de uma «incubadora de inovação de dupla utilização» centrada no incentivo às sinergias, na análise de propostas e resultados e na partilha de informações o mais cedo possível para identificar eventuais aplicações, incluindo em domínios diferentes dos inicialmente previstos.

As tecnologias desenvolvidas por consórcios no âmbito do Explorador do Conselho Europeu da Inovação (CEI) têm baixos níveis de maturidade tecnológica e são frequentemente «agnósticas em termos de aplicação». O Acelerador do CEI apoia e investe em PME individuais com níveis mais elevados de maturidade tecnológica, a fim de colmatar o défice de financiamento na fase de inovação e ajudá-las a expandir-se com êxito. Este apoio inclui uma componente de subvenção e uma componente de capital próprio. A componente de capital próprio é decidida pelo Fundo CEI na sequência de uma decisão de adjudicação da Comissão. O Acelerador do CEI apoiou as PME e as empresas em fase de arranque com tecnologias promissoras e inovação com potencial de dupla utilização, como os drones, os veículos não tripulados, a cibersegurança e a inteligência artificial (IA), com incidência exclusiva em aplicações civis. A partir de 2023, o acesso ao Regime de Transição do CEI (que presta apoio ao acompanhamento para o desenvolvimento de aplicações comerciais a partir dos resultados da investigação) foi aberto a propostas que deem seguimento aos resultados alcançados através de atividades de I&D no domínio da defesa (ou seja, ao abrigo do FED), sob condição de estas propostas visarem exclusivamente aplicações civis. A dimensão da carteira de projetos de dupla utilização e o potencial de aplicação civil de projetos derivados da investigação no domínio da defesa financiada pela UE ainda não foram muito explorados, uma vez que a investigação no domínio da defesa financiada pela UE só teve início recentemente.

A Comissão analisou igualmente as oportunidades e as restrições em matéria de reforço do apoio às tecnologias com potencial de dupla utilização através do Programa Europeu de Inovação no domínio da Defesa da UE, anunciado na Comunicação intitulada «Roteiro sobre tecnologias críticas para a segurança e a defesa», de fevereiro de 2022 28 , e lançado em maio de 2022 no âmbito do FED. O EUDIS proporciona às PME, às empresas em fase de arranque e a outros intervenientes não tradicionais da indústria da defesa mais oportunidades para aceder e beneficiar do Fundo Europeu de Defesa.

O EUDIS está agora plenamente operacional em resultado dos esforços da Comissão para estabelecer uma melhor ligação entre os intervenientes/tecnologias civis e de defesa, tirando partido dos resultados comprovados da Comissão de estímulo à inovação. Para 2023, os convites à apresentação de propostas de apoio à inovação no domínio da defesa no âmbito do EUDIS totalizaram 224 milhões de EUR. Os convites à apresentação de propostas «spin-in» (migração da inovação do setor civil para o setor da defesa) tiveram um grande êxito e os serviços da Comissão e a Agência Europeia de Defesa estão a cooperar para continuar a analisar sistematicamente os resultados dos programas civis, a fim de avaliar o seu potencial no domínio da defesa para futura adoção. Registou-se um interesse especialmente elevado nos convites à apresentação de propostas não temáticos destinados às PME e de tecnologias disruptivas, em que as candidaturas mais do que duplicaram em relação a 2022. Este elevado interesse pelos convites abertos exclusivamente a consórcios de PME e pelos que se centram em tecnologias disruptivas confirma que o FED continua a ser altamente atrativo para as empresas de menor dimensão e para os recém-chegados ao setor da defesa.

A Comissão alargará ainda mais o EUDIS no atual quadro financeiro plurianual, em estreita cooperação com a Agência Europeia de Defesa no âmbito do grupo de trabalho específico para a inovação no setor da defesa, centrando-se na adoção de inovações civis para o domínio da defesa. Neste contexto, a Comissão pretende financiar o acelerador de empresas do EUDIS, desenvolver serviços de criação de parcerias e aumentar a orientação empresarial para todas as PME que participem no FED a partir de 2024, nomeadamente para facilitar a sua introdução no mercado da defesa. Em contrapartida, há que explorar uma forma de facilitar o acesso aos resultados obtidos através das atividades de I&D no domínio da defesa, a fim de impulsionar potenciais investimentos subsequentes em I&D no domínio civil.

Além disso, a Comissão financiou projetos de contratos públicos para soluções inovadoras bem-sucedidos no âmbito do Horizonte Europa e dos seus anteriores programas Horizonte 2020 e Sétimo Programa-Quadro. Os contratos públicos pré-comerciais estão isentos das convenções internacionais sobre contratos públicos e podem conter condições que ancorem o desenvolvimento e a produção de soluções na Europa. Por exemplo, podem ser limitados, se necessário, a empresas estabelecidas na Europa e controladas a partir da Europa, ou podem especificar que a implantação do primeiro lote de soluções inovadoras no setor da defesa ou da segurança civil se limite aos adjudicatários que tenham participado no contrato público pré‑comercial anterior.

As disposições jurídicas do FED incluem a possibilidade de apoiar contratos públicos pré‑comerciais através de uma subvenção para as entidades adjudicantes adquirirem conjuntamente serviços de I&D no domínio da defesa. No entanto, esta possibilidade ainda não foi utilizada. Não é possível, no âmbito do FED, ir além da fase de I&D, pelo que a tónica é colocada na contratação conjunta de serviços de I&D. Apesar disso, as possibilidades de contratos públicos pré-comerciais para serviços de I&D podem ser mais exploradas no âmbito de ambos os programas. De um modo mais geral, a Comissão poderia estudar uma forma de assegurar uma transição harmoniosa para as inovações desenvolvidas em qualquer um dos programas serem adotadas pelas entidades adjudicantes que estejam a implantar inovações nos mercados civil ou da defesa, a fim de explorar melhor o potencial de dupla utilização.

3.4.Sinergias com outros programas e políticas da UE

Mesmo que não financiem diretamente atividades de I&D, outros programas da UE também têm um papel a desempenhar em termos de aplicações civis ou de defesa, nomeadamente quando financiam a implantação de tecnologias. As sinergias entre os programas que financiam diretamente projetos de I&D (Horizonte Europa e FED) e outros programas da UE visam apoiar a adoção e a difusão de conhecimentos e soluções decorrentes de projetos do Horizonte Europa e do FED para concretizar os objetivos de outros programas da UE (por exemplo, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional 29 , o Mecanismo Interligar a Europa, o Programa Europa Digital, o InvestEU, o Fundo para a Segurança Interna, o Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão das Fronteiras e à Política de Vistos, o Programa Espacial). A STEP deverá também reforçar o cofinanciamento pelos instrumentos da UE no âmbito da política de coesão para apoiar o desenvolvimento ou o fabrico de tecnologias críticas, muitas das quais têm potencial de dupla utilização. A análise das bases jurídicas de outros programas e instrumentos de financiamento da UE mostra que estes não são concebidos para apoiar diretamente a implantação de tecnologias com potencial de dupla utilização.

4.Opções possíveis para o futuro

Dando seguimento às iniciativas dos últimos anos da Comissão e do alto representante relacionadas com a defesa, sobretudo após a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, bem como expandindo essas iniciativas, o presente Livro Branco confirma a necessidade permanente de um apoio mais adequado para reforçar as atividades de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização suscetíveis de contribuírem para o desenvolvimento de capacidades de defesa de ponta na UE. Ao mesmo tempo, a integração de novas tecnologias desenvolvidas através do financiamento da defesa no setor civil é ainda limitada e o seu potencial continua, em grande parte, por explorar. As instituições da UE precisam continuamente de explorar possíveis opções para reforçar este enriquecimento recíproco no contexto do apoio às atividades de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização, tendo simultaneamente em conta as diferenças fundamentais entre os planos civil e militar.

O contexto geopolítico demonstrou igualmente que as capacidades de defesa devem ser acompanhadas de medidas firmes em matéria de segurança civil para proteger a resiliência da UE, nomeadamente para proteger infraestruturas civis críticas, dissuadir ameaças à segurança relacionadas com as fronteiras, restabelecer serviços essenciais em tempos de crise e fazer face a riscos de agitação social na sequência de campanhas de desinformação ou ciberataques. Consequentemente, aumentar a resiliência da UE é uma prioridade, tanto para satisfazer as necessidades de defesa como de segurança interna.

A fim de fazer face a estes desafios, a Comissão identificou três opções possíveis para o futuro, que são apresentadas a seguir. A opção 1 apresenta o que se pode fazer mais com base na estrutura atual – uma vez que é possível aplicar eventuais medidas sem alterar as bases jurídicas em vigor. As opções 2 e 3 exigirão diferentes bases jurídicas no futuro.

Relativamente às opções 2 e 3, será necessária uma análise mais aprofundada em conformidade com as disposições para Legislar Melhor (por exemplo, avaliação de impacto, consulta das partes interessadas, etc.), a fim de explorar os seus efeitos e valor acrescentado, nomeadamente em matéria de: complementaridades com as prioridades nacionais; atração de potenciais novos beneficiários; critérios e processos de avaliação e de elegibilidade; regras de participação; abertura dos programas a países terceiros, concretamente no que diz respeito aos associados ao Horizonte Europa, e as decisões sobre a delegação (ou não) de poderes nas agências de execução e as correspondentes afetações e perfis de pessoal.

As condições de elegibilidade específicas aplicar-se-iam apenas para efeitos de apoio a atividades de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização, as quais estariam sujeitas a uma abordagem mais restritiva no que respeita ao recurso a garantias de segurança da investigação, enquanto o resto do programa permaneceria amplamente aberto. Por conseguinte, só podem ser definidos conjuntos mais delimitados de considerações de segurança para atividades específicas de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização. Todas as opções devem ser concebidas de modo a complementar os programas específicos dedicados à I&D para aplicações civis e de defesa no âmbito do próximo Programa-Quadro de Investigação e Inovação, concordando simultaneamente com a ênfase dada pela Estratégia Europeia em matéria de Segurança Económica à necessidade de um maior investimento em I&D em tecnologias estratégicas emergentes, a fim de assegurar a liderança e a competitividade da UE. Todas as opções devem assegurar o cumprimento das condições e dos procedimentos estabelecidos pelas medidas restritivas adotadas nos termos do artigo 215.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia 30 , bem como de outros requisitos regulamentares aplicáveis às tecnologias emergentes e às obrigações internacionais.

4.1.Opção 1: ir mais longe com base na estrutura atual 

Esta opção basear-se-ia na abordagem atual estabelecida até à data ao abrigo do atual quadro financeiro plurianual, introduzindo simultaneamente melhorias graduais e tirando partido das medidas já aplicadas que ainda não tenham produzido os efeitos pretendidos. É a única opção que já pode ser testada nos atuais programas de financiamento da UE, dentro dos limites dos recursos disponíveis.

As medidas basear-se-iam em algumas abordagens e ações pertinentes já iniciadas, como o Regime de Transição do CEI, as diferentes vertentes do Programa Europeu de Inovação no domínio da Defesa da UE (EUDIS) no âmbito do FED, como os convites à apresentação de propostas «spin-in», a possibilidade de apoiar empresas especializadas em produtos de dupla utilização através do InvestEU e a introdução de uma obrigação adicional de exploração na Europa para os resultados das ações em matéria de tecnologias críticas, como no caso dos convites à apresentação de propostas no contexto da COVID-19 no âmbito do Horizonte Europa. Do mesmo modo, este cenário assentaria na exploração dos resultados alcançados através da investigação no domínio da defesa em benefício das aplicações civis, por exemplo através de convites à apresentação de propostas «spin-out».

Um acordo sobre uma definição comum de «tecnologias com potencial de dupla utilização» entre a Comissão e o Grupo do Banco Europeu de Investimento, que inclui o BEI e o Fundo Europeu de Investimento, poderia promover investimentos conjuntos em tecnologias com potencial de dupla utilização para a mobilidade militar, a transição ecológica, a resiliência das infraestruturas críticas, incluindo a comunicação crítica, as tecnologias emergentes ou disruptivas e a inovação no domínio da defesa, bem como do espaço. Um tal acordo deve ser celebrado no âmbito de uma revisão global da política de exclusão da defesa do BEI, que prejudica o potencial dos investimentos conjuntos do Grupo. A Comissão e o Grupo BEI devem continuar a realizar intercâmbios regulares para debater as oportunidades oferecidas pelas novas iniciativas da UE para uma eventual ação conjunta num âmbito de comum acordo.

As medidas poderiam ser aplicadas através de parâmetros de execução alterados, sempre que necessário, no âmbito das disposições jurídicas dos programas existentes, sem impor encargos indevidos à Comissão/agências de execução e aos candidatos/beneficiários. Esses parâmetros, que já podem ser aplicados ao abrigo das disposições jurídicas em vigor e que poderiam ser igualmente utilizados tendo em vista outras opções, podiam incluir:

Øexplorar projetos e resultados da I&D, expandindo-os para aplicações de dupla utilização (tanto I&D no domínio civil como no domínio da defesa), utilizando as informações existentes disponíveis nas bases de dados da UE para pesquisar esses resultados e acompanhando os projetos de I&D em curso,

Øcontinuar a desenvolver sinergias, como o intercâmbio de informações a montante e uma melhor coordenação (de partes) dos programas de trabalho entre a I&D no domínio civil e no domínio da defesa, incluindo possibilidades de apoiar contratos públicos précomerciais de serviços de I&D em todos os programas, um melhor acesso aos resultados dos projetos e aos relatórios dos projetos, bem como intercâmbios sobre temas específicos que envolvam as comunidades civil e da defesa,

Øponderar a introdução de uma obrigação adicional de explorar os resultados na UE [com base no artigo 39.º do Regulamento (UE) 2021/695 que estabelece o Horizonte Europa] em partes pertinentes do programa de trabalho e de convites à apresentação de propostas que abordem os domínios tecnológicos críticos identificados na Recomendação da Comissão de 3 de outubro de 2023, com base nos resultados da avaliação coletiva dos riscos lançada ao abrigo da recomendação,

Øintroduzir um mecanismo de identificação de dupla utilização (por exemplo, uma etiqueta a nível do convite à apresentação de propostas ou um rótulo a nível do projeto) para assinalar o potencial adicional de dupla utilização, bem como convites à apresentação de propostas «spin-in»/«spin-out», com base na prática já seguida para os temas do programa de trabalho no âmbito dos programas específicos do Horizonte Europa,

Øfacultar, se for caso disso, orientações e apoio adicionais aos beneficiários que lidem com tecnologias com potencial de dupla utilização. A este respeito, é feita referência às orientações da UE para a investigação que envolva produtos de dupla utilização, a fim de assegurar que os riscos são efetivamente tidos em conta pelas autoridades e pelos organismos de investigação 31 , bem como à proposta de recomendação do Conselho relativa ao reforço da segurança da investigação.

A opção 1 tem viabilidade ao abrigo do atual quadro financeiro plurianual. No entanto, seria necessário continuar a desenvolver uma abordagem racionalizada, com mecanismos acordados, a fim de procurar estabelecer sistematicamente sinergias e fertilização cruzada entre as tecnologias civis e de defesa. Seria igualmente necessário assegurar uma melhor coordenação entre a programação conexa, por exemplo, através da partilha dos respetivos roteiros tecnológicos, com vista a promover iniciativas destinadas a melhorar o desenvolvimento de tecnologias civis e militares, partilhando as respetivas trajetórias sempre que se mostre adequado.

4.2.Opção 2: eliminar a incidência exclusiva em aplicações civis em partes selecionadas do programa sucessor do Horizonte Europa 

Esta opção daria um novo rumo ao conteúdo e à execução de partes selecionadas do futuro Programa-Quadro Plurianual de Investigação e Inovação.

Poderia ser implementada ao substituir «incidência exclusiva» por «incidência» apenas para partes selecionadas do programa sucessor do Horizonte Europa, por exemplo, nas quais as tecnologias com potencial de dupla utilização sejam mais proeminentes. Todas as restantes partes do programa manteriam a incidência exclusiva em aplicações civis. Por conseguinte, esta opção preveria a oportunidade, no âmbito do programa sucessor do Horizonte Europa, de manter as principais características políticas do Horizonte Europa, como a abertura de longa data dos programas-quadro a países terceiros em domínios de interesse mútuo, permitindo simultaneamente eventuais restrições nas partes selecionadas do programa que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização.

Esta opção permitiria apoiar tecnologias emergentes estratégicas independentemente do domínio de aplicação em partes selecionadas do programa, evitando a rejeição de propostas excelentes que não incidam exclusivamente em aplicações civis.

Em termos de delimitação com futuras ações de inovação no domínio da defesa ao abrigo de um programa sucessor do FED, esta opção permitiria o planeamento de convites à apresentação de propostas «spin-in» que envolvam resultados de projetos relacionados com a defesa diretamente no programa sucessor do Horizonte Europa, enquanto, por sua vez, o programa sucessor do FED concederia financiamento de acompanhamento para o desenvolvimento de capacidades de defesa dos resultados dos projetos civis mais promissores. Esta abordagem atrairia muito provavelmente mais partes interessadas da indústria como potenciais participantes em projetos de I&D, contribuindo para o enriquecimento recíproco das indústrias civil e da defesa.

Por outro lado, a comunidade de partes interessadas ativa no domínio civil poderia manifestar preocupações quanto à sua participação em convites à apresentação de propostas no âmbito da parte selecionada do programa que não tivesse incidência exclusiva em aplicações civis.

No âmbito desta nova abordagem, teria de ser avaliado o eventual impacto noutros programas, consoante as áreas escolhidas. Além disso, poderiam já ter de ser tidos em conta parâmetros fundamentais, nomeadamente relacionados com as condições baseadas na segurança, durante a preparação das propostas da Comissão e com base na experiência adquirida com outros programas da UE. Esses parâmetros incluiriam:

Øo planeamento e a programação das prioridades dos programas durante a execução com base em mecanismos sólidos inspirados, por exemplo, nos modos de governação do Horizonte Europa e do FED,

Øa identificação de domínios com potencial de dupla utilização,

Øas condições de repartição orçamental para a definição de prioridades entre os convites à apresentação de propostas e os temas,

Øos tipos de interlocutores a nível das administrações nacionais, incluindo ministérios e outras autoridades nacionais,

Øas complementaridades com prioridades nacionais que podem ser expandidas para levar mais longe os resultados das ações da UE,

Øa população de potenciais (novos) beneficiários com base nas suas capacidades para realizar vários tipos de investigação,

Øo tratamento das informações sensíveis e classificadas apresentadas pelos candidatos e geradas pelos beneficiários,

Øos critérios e processos de avaliação das subvenções e da elegibilidade, bem como exames éticos e de segurança,

Øo controlo estrangeiro de entidades elegíveis e o controlo dos direitos de propriedade intelectual,

Øa elegibilidade e categorias de custos e respetivo reembolso,

Øas estruturas de consórcios, com escolhas sobre a nacionalidade dos participantes e dos coordenadores, os tipos de participantes e os acordos que regem as suas relações,

Øos direitos dos participantes, nomeadamente em matéria de proteção da propriedade intelectual, ciência aberta e liberdade académica,

Øas regras de adjudicação de contratos com critérios específicos de elegibilidade e seleção,

Øos modos de governação,

Øas garantias para evitar fugas de tecnologias sensíveis para destinos problemáticos,

Øa modalidade de execução e as decisões sobre a delegação (ou não) de poderes nas agências de execução para tarefas associadas aos programas e as correspondentes decisões em matéria de afetações e perfis de pessoal.

As opções 2 e 3 excluem-se mutuamente.

4.3.Opção 3: criar um instrumento com incidência específica na I&D com potencial de dupla utilização

Esta opção poderia concretizar-se de várias formas, tais como:

Øum instrumento específico dedicado à investigação com potencial de dupla utilização com o seu próprio orçamento, as suas próprias regras em matéria de participação e divulgação dos resultados, disposições em matéria de comitologia/governação, critérios de avaliação e elegibilidade, estrutura de consórcios, etc.,

Øintensificação do apoio à adoção, pelo mercado da UE, de tecnologias com potencial de dupla utilização através de um mecanismo ou estrutura específico (por exemplo, nas agências de execução ou numa empresa comum específica) ou através de contratos públicos por utilizadores finais sediados na UE ligados às necessidades de contratação pública da UE (por exemplo, IRIS2) ou de instrumentos de apoio à contratação pública (por exemplo, equipamento aduaneiro ou equipamento de vigilância das fronteiras). Poderiam ser previstas várias subopções consoante o proprietário/utilizador final («pioneiro») seja um organismo da UE, um organismo governamental nacional ou um organismo comercial. O valor acrescentado da UE teria de ser tido em conta para as medidas, caso o utilizador final se encontrasse a nível nacional (por exemplo, facilitando a contratação pública conjunta),

Øplaneamento de projetos emblemáticos de «dupla utilização desde a conceção» 32 que apoiem o desenvolvimento de tecnologias críticas, assentem em sinergias com outras políticas e instrumentos da UE e sejam, sempre que possível, executados em coordenação com o programa de dupla utilização do BEI. Esses projetos basear-se-iam nos resultados dos trabalhos preparatórios no interior da Comissão ou em conjunto com os Estados-Membros e posicionariam a UE como cliente líder dos serviços de interesse público nos domínios civil e da defesa. Exemplos disso podem incluir tecnologias para as futuras gerações de sistemas espaciais da UE (apoiando as políticas de defesa, de segurança e ambientais), veículos autónomos da UE (apoiando as políticas de defesa e de controlo das fronteiras, marítimas ou de infraestruturas críticas) ou outros projetos de interesse europeu comum. Dado que as necessidades dos utilizadores finais podem ser bastante diferentes em função dos requisitos operacionais, é da maior importância envolver as partes interessadas desde o início.

Embora esta opção permitisse, por si só, aumentar significativamente a visibilidade da I&D com potencial de dupla utilização, poderia agravar a complexidade de um ambiente de apoio à I&D já sobrelotado. Em comparação com a opção 2, a repartição orçamental entre as atividades de I&D de dupla utilização e as atividades de I&D exclusivamente civis seria mais clara, uma vez que poderia ser definida no ato de base que cria o programa sucessor do Horizonte Europa. Tal implicaria, contudo, uma maior rigidez na afetação dos recursos ao longo do período de programação. Além disso, haveria um risco de duplicação que poderia prejudicar o planeamento e a programação das prioridades entre as atividades de I&D de dupla utilização e as atividades de I&D exclusivamente civis, bem como com as atividades realizadas exclusivamente para aplicações no domínio da defesa no âmbito do programa que suceder ao FED. Haveria também provavelmente muito poucos casos em que a dupla utilização desde a conceção pudesse ser aplicável sem afetar a aceitação pelo mercado do produto final pelo setor civil ou da defesa, que normalmente especificam requisitos bastante diferentes (ver secção 2). Globalmente, é provável que esta opção criasse mais um nível de complexidade, tanto para os candidatos - que teriam de se candidatar a mais um mecanismo/programa com requisitos diferentes - como para a Comissão - que teria de coordenar entre as atividades de I&D de dupla utilização e os outros convites à apresentação de propostas, sujeitos a disposições distintas em matéria de comitologia e governação.

As opções 2 e 3 excluem-se mutuamente.

5.Conclusões

O reforço do apoio a atividades de I&D que envolvam tecnologias com potencial de dupla utilização a nível da UE proporciona oportunidades e desafios. A otimização das sinergias entre as indústrias civil e da defesa poderia beneficiar a indústria europeia e acelerar a integração dos resultados da investigação e da inovação na economia. Ao mesmo tempo, é difícil prever o potencial de dupla utilização da I&D, mesmo quando esta se destina exclusivamente a aplicações civis ou de defesa. Os esforços da UE para promover o enriquecimento recíproco entre os setores civil e da defesa devem ser envidados tendo em mente as suas características distintivas.

No contexto da dimensão de «promoção» da Estratégia Europeia em matéria de Segurança Económica, a UE procura preservar uma vantagem competitiva nas tecnologias críticas e emergentes relevantes para as transições ecológica e digital, nomeadamente ao utilizar e explorar melhor os resultados dos projetos de I&D financiados pela UE, seja nos domínios civil ou da defesa, reforçando simultaneamente as dimensões de «proteção» e de «parceria».

Com o presente Livro Branco, a Comissão lança uma ampla consulta das autoridades públicas, da sociedade civil, da indústria e do meio académico sobre opções de apoio estratégico a tecnologias com potencial de dupla utilização. Tem em conta o atual quadro legislativo, que se caracteriza por uma incidência mutuamente exclusiva, ou em aplicações civis ou de defesa, bem como pela inexistência de uma definição conceptualizada comum, e identifica as possibilidades no âmbito dos programas de financiamento da UE atuais ou futuros, bem como os principais parâmetros que requerem uma análise mais aprofundada. Esta consulta permitirá um diálogo abrangente com todas as partes interessadas, que servirá de base às próximas etapas da Comissão.

A Comissão convida à apresentação de observações sobre as opções apresentadas no presente documento através de uma consulta pública aberta, disponível em https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say_pt . A consulta estará aberta à formulação de observações até 30 de abril de 2024. É prática habitual da Comissão publicar as observações recebidas no âmbito de uma consulta pública. Contudo, é possível solicitar que as mesmas sejam mantidas total ou parcialmente confidenciais. Se tal for o caso, queira indicá-lo claramente na página de rosto da sua contribuição e enviar igualmente uma versão não confidencial das observações à Comissão para efeitos de publicação.

(1)

Esta definição é coerente com a definição de produtos de dupla utilização contida no Regulamento (UE) 2021/821, de 20 de maio de 2021, que cria um regime da União de controlo das exportações, corretagem, assistência técnica, trânsito e transferências de produtos de dupla utilização: «produtos de dupla utilização» são produtos, incluindo software e tecnologia, que possam ser utilizados tanto para fins civis como para fins militares.

(2)

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Horizonte Europa – Programa‑Quadro de Investigação e Inovação e que define as suas regras de participação e difusão, COM(2018) 435 final de 7 de junho de 2018.

(3)

Decisão (UE) 2021/764 do Conselho, de 10 de maio de 2021, que estabelece o Programa Específico de execução do Horizonte Europa – Programa-Quadro de Investigação e Inovação, e que revoga a Decisão 2013/743/UE.

(4)

Regulamento (UE) 2021/819 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2021, relativo ao Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (reformulação).

(5)

Regulamento (UE) 2021/695 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de abril de 2021, que estabelece o Horizonte Europa – Programa-Quadro de Investigação e Inovação, que define as suas regras de participação e difusão, e que revoga os Regulamentos (UE) n.º 1290/2013 e (UE) n.º 1291/2013.

(6)

COM(2021) 70 de 22 de fevereiro de 2021.

(7)

SWD(2022) 362 de 10 de novembro de 2022.

(8)

COM(2022) 61 de 15 de fevereiro de 2022.

(9)

JOIN(2022) 24 de 18 de maio de 2022.

(10)

COM(2022) 332 de 5 de julho de 2022.

(11)

  https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/library/2023-report-state-digital-decade .

(12)

Comunicação conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho intitulada «Estratégia Espacial da União Europeia para a Segurança e a Defesa», JOIN(2023) 9 final.

(13)

Comunicação conjunta ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho relativa à Estratégia Europeia em matéria de Segurança Económica, JOIN(2023) 20 final.

(14)

Recomendação C(2023) 6689 da Comissão, de 3 de outubro de 2023, relativa a domínios tecnológicos críticos para a segurança económica da UE, visando a realização de uma nova avaliação dos riscos com os Estados‑Membros.

(15)

Ver também as Conclusões do Conselho Europeu, de 14 e 15 de dezembro de 2023, que apelam «ao reforço do papel do Grupo do Banco Europeu de Investimento no apoio à segurança e defesa europeias, com base na sua Iniciativa Estratégica para a Segurança Europeia».

(16)

 Keynote speech by President von der Leyen at the EDA Annual Conference 2023: «Powering up European Defence (não traduzido para português), 30.11.2023.      https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/SPEECH_23_6207 .    

(17)

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões intitulada «Plano de ação sobre as sinergias entre as indústrias civis, da defesa e do espaço», COM(2021) 70 final de 22 de fevereiro de 2021.

(18)

Disponível em: Iniciativa Estratégica para a Segurança Europeia (eib.org)

(19)

Regulamento (UE) 2021/821 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2021, que cria um regime da União de controlo das exportações, corretagem, assistência técnica, trânsito e transferências de produtos de dupla utilização.

(20)

Ver os resultados da Avaliação comparativa dos investimentos em contratos públicos de inovação e dos quadros políticos em toda a Europa da Comissão, de março de 2023    
( https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/library/benchmarking-innovation-procurement-investments-and-policy-frameworks-across-europe ).

(21)

Decisão (UE) 2021/764 do Conselho, de 10 de maio de 2021, que estabelece o Programa Específico de execução do Horizonte Europa – Programa-Quadro de Investigação e Inovação, e que revoga a Decisão 2013/743/UE.

(22)

Artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento (UE) 2021/695 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de abril de 2021, que estabelece o Horizonte Europa – Programa-Quadro de Investigação e Inovação, que define as suas regras de participação e difusão, e que revoga os Regulamentos (UE) n.º 1290/2013 e (UE) n.º 1291/2013.

(23)

Regulamento (UE) 2021/697 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2021, que cria o Fundo Europeu de Defesa e revoga o Regulamento (UE) 2018/1092.

(24)

Considerando 35 do Regulamento (UE) 2021/697 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2021, que cria o Fundo Europeu de Defesa e revoga o Regulamento (UE) 2018/1092.

(25)

Considerando 33 do Regulamento (UE) 2021/697 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2021, que cria o Fundo Europeu de Defesa e revoga o Regulamento (UE) 2018/1092.

(26)

As propostas com incidência em aplicações no domínio da defesa podem ser tidas em consideração no âmbito do FED, de acordo com as regras deste programa.

(27)

COM(2021) 70 de 22 de fevereiro de 2021.

(28)

COM(2022) 61 de 15 de fevereiro de 2022.

(29)

Se tiver por objetivo, na totalidade ou em grande parte, ajudar a reduzir as disparidades e contribuir para a coesão social da UE, o projeto é abrangido pelo artigo 174.º do TUE, nomeadamente se incluir investimentos que beneficiem atividades de segurança ou de defesa.

(30)

Concretamente, a Comissão deve assegurar a conformidade de qualquer opção com as medidas restritivas da União Europeia no contexto da concessão de financiamento a terceiros. A Comissão deve, pois, procurar sempre soluções que não violem as medidas restritivas da União Europeia.

(31)

  EUR-Lex – 32021H1700 – PT – EUR-Lex (europa.eu) .

(32)

Estes projetos podem também basear-se em tecnologias críticas e ser planeados em coordenação com o BEI, dando execução ao anúncio feito pela Comissão na comunicação sobre a análise dos défices de investimento na defesa: «[a] Comissão desenvolverá novas medidas (nomeadamente convites à apresentação de propostas coordenados entre os atuais instrumentos da UE e empréstimos do BEI) para apoiar as tecnologias críticas e as capacidades industriais através do desenvolvimento de projetos estratégicos».

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