COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 30.7.2020
COM(2020) 343 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO
sobre o reexame do Regulamento (UE) 2019/125 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de janeiro de 2019, relativo ao comércio de determinadas mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para aplicar a pena de morte ou infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes
1.INTRODUÇÃO
O comércio de mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para a) aplicar a pena de morte ou b) infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes é regido pelo Regulamento (UE) 2019/125 (a seguir designado por «Regulamento»). Adotado em 2005, o Regulamento reflete o forte empenhamento da UE em erradicar a tortura e a pena de morte.
O Regulamento contra a Tortura da UE ajudou a colmatar uma grande lacuna a nível de controlos das trocas comerciais baseados nos direitos humanos. Introduziu restrições vinculativas sem precedentes ao comércio de um conjunto de mercadorias frequentemente ausentes das listas de controlos da exportação de bens militares, de produtos de dupla utilização ou de outras exportações estratégicas. O Regulamento foi amplamente elogiado pela comunidade internacional de defensores dos direitos humanos: por exemplo, um antigo Relator Especial da ONU para a tortura, Theo van Boven, descreveu o Regulamento como um marco na luta contra a tortura e um modelo a seguir por países de outras regiões.
O Regulamento foi alterado duas vezes, em 2011 e em 2014, para atualizar e alargar os seus anexos que enumeram as mercadorias proibidas e reguladas. Em 2016, o Regulamento e, em particular, as suas disposições processuais, foram alterados substancialmente.
Em conformidade com as disposições do artigo 32.º do Regulamento, o presente relatório contém informações sobre a execução e o impacto do Regulamento entre 2017 e 2019, desde a última vez em que foi alterado, em 2016. O relatório aborda, concretamente, os seguintes domínios: as alterações do Regulamento por meio de atos delegados; as medidas nacionais de execução; os requisitos de informação e uma avaliação das atividades do Grupo de Coordenação da Luta contra a Tortura e dos cidadãos da UE no estrangeiro.
O relatório apresenta ainda uma síntese dos principais dados ao abrigo do Regulamento e avalia a aplicação do mesmo em relação aos princípios básicos da pertinência, eficácia, eficiência, coerência e valor acrescentado da UE.
2.REGULAMENTO (UE) 2019/125
2.1 Objetivo e principais disposições do Regulamento (UE) 2019/125
O Regulamento tem por objetivo prevenir a pena de morte, por um lado, e a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes em países terceiros, por outro. Distingue as mercadorias em função dos seguintes aspetos:
-se são intrinsecamente abusivas e não devem ser comercializadas em circunstância alguma (anexo II), ou
-se podem ter utilizações legítimas, como os equipamentos que se destinam à manutenção da ordem pública (anexo III) e determinadas substâncias químicas para fins farmacêuticos (anexo IV), sendo que, nesse caso, o comércio dessas mercadorias está sujeito a determinadas restrições.
Para tal, o Regulamento introduz restrições ao comércio com países não pertencentes à UE. Concretamente, o Regulamento:
I.proíbe as importações, as exportações e o trânsito, para, de ou através da UE, de mercadorias (enumeradas no anexo II) que, na prática, só possam ser utilizadas para aplicar a pena de morte ou infligir tortura. É também proibida a prestação de qualquer tipo de assistência técnica relacionada com essas mercadorias, incluindo especificamente ações de formação sobre a sua utilização. Além disso, é proibida a publicidade dessas mercadorias na Internet, na televisão, na rádio ou em feiras comerciais;
II.sujeita as mercadorias (enumeradas no anexo III) suscetíveis de serem utilizadas para estas finalidades, mas que também possam ter outras utilizações legítimas (manutenção da ordem pública) a uma autorização prévia de exportação, concedida caso a caso; essa autorização também é necessária para a prestação de assistência técnica ou de serviços de corretagem relacionados com esta categoria de mercadorias. O anexo III não inclui: a) armas de fogo regidas pelo Regulamento (UE) n.º 258/2012; b) produtos de dupla utilização regidos pelo Regulamento (CE) n.º 428/2009; c) mercadorias sujeitas a controlo nos termos da Posição Comum 2008/944/PESC;
III.regula o comércio de mercadorias, substâncias químicas ou farmacêuticas (anexo IV), suscetíveis de serem utilizadas para aplicar a pena de morte (por exemplo, produtos suscetíveis de ser utilizados para a execução de seres humanos por injeção letal). Estas mercadorias foram adicionadas à lista de mercadorias sujeitas a controlos de exportação em 2011. Foi introduzida uma autorização ou licença distinta («autorização geral de exportação da UE») para controlar a exportação deste tipo de substâncias químicas anestésicas e para impedir a sua transferência para utilização em execuções por injeção letal sem limitar o comércio desses produtos químicos para fins médicos, veterinários ou outros fins legítimos. Caso, nos termos do Regulamento, a exportação de medicamentos esteja sujeita a uma autorização de exportação e, além disso, sujeita a requisitos de autorização de exportação nos termos de convenções internacionais sobre controlo de narcóticos e substâncias psicotrópicas, como a Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, os Estados-Membros podem utilizar um procedimento único para cumprir as obrigações que lhes são impostas pelo Regulamento e pela convenção aplicável.
O Regulamento inclui listas pormenorizadas das mercadorias mencionadas na subalínea i) supra com os seguintes títulos:
-Mercadorias e respetivos componentes destinados à execução de seres humanos;
-Mercadorias que não são adequadas para serem utilizadas por agentes da autoridade para imobilizar seres humanos;
-Dispositivos portáteis, bem como determinados tipos de chicotes, que não são adequados para serem utilizados por agentes da autoridade para efeitos antimotim ou de autodefesa.
As mercadorias da categoria ii) inserem-se atualmente nos seguintes títulos:
-Mercadorias concebidas para imobilizar seres humanos;
-Armas e dispositivos concebidos para efeitos antimotim ou de autodefesa;
-Armas e equipamentos concebidos para a administração de substâncias químicas neutralizantes ou irritantes para efeitos antimotim ou de autodefesa e certas substâncias com eles relacionadas.
As mercadorias da categoria iii) incluem, nomeadamente, medicamentos particularmente suscetíveis de serem utilizados em injeções letais. Para reduzir ao mínimo a carga regulamentar imposta às empresas aquando da exportação de medicamentos para salvar vidas, o Regulamento inclui um sistema de autorizações globais de exportação que não exige que as empresas tenham de obter autorizações de exportação individuais para cada remessa de medicamentos. Para receberem uma autorização global, as empresas devem demonstrar que dispõem de dispositivos de controlo adequados destinados a prevenir a venda destes medicamentos para utilização em execuções.
O trânsito (transporte, no território aduaneiro da UE, de mercadorias provenientes de países terceiros que atravessam este território com destino a países terceiros) das mercadorias enumeradas no anexo II é proibido. O trânsito das mercadorias reguladas enumeradas no anexo III não é, regra geral, proibido, mas é-o se os operadores que procedem ao trânsito das mercadorias «tiverem conhecimento de que uma parte de uma remessa dessas mercadorias se destina a ser utilizada para infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes num país terceiro».
O Regulamento não controla a importação para a UE ou a transferência entre Estados‑Membros da UE de equipamentos que se destinam à manutenção da ordem pública e mercadorias conexas que possam ser utilizados de forma legítima para manter a ordem pública, mas também possam ser utilizados abusivamente para fins de tortura e outros maus-tratos. O Regulamento também não proíbe a transferência intra-UE de mercadorias intrinsecamente abusivas ou inapropriadas.
O Regulamento é juridicamente vinculativo e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros da UE; impõe obrigações aos «exportadores». As autoridades competentes dos Estados-Membros são responsáveis por controlar a conformidade com as proibições e os requisitos de licenciamento do Regulamento.
O Regulamento exige que os Estados-Membros da UE publiquem relatórios anuais de atividades que especifiquem os pedidos e as autorizações de licenças pertinentes. Além disso, inclui medidas destinadas a promover a transparência e a dissuadir os Estados-Membros da UE de contornarem o indeferimento dos pedidos de licenças de exportação de outros Estados-Membros. O Regulamento contém igualmente disposições destinadas a facilitar a revisão e a alteração regulares das listas de mercadorias proibidas e reguladas, permitindo que os Estados-Membros da UE enviem pedidos devidamente fundamentados à Comissão para análise.
2.2Restrições ao comércio: um instrumento fundamental para prevenir a tortura e a pena de morte
O artigo 5.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o artigo 3.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e, em especial, a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes estabelecem a proibição incondicional e absoluta da tortura e de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
A Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) apelou, em 2019, a todos os Estados para que «adotem medidas adequadas e eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial e de outro tipo para prevenir e proibir a produção, o comércio, a exportação, a importação e a utilização de equipamentos que não tenham outra finalidade prática que não infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes».
A proibição absoluta da tortura consagrada nas convenções das Nações Unidas em matéria de direitos humanos traduz-se, a nível da UE, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir designada por «Carta»). O artigo 2.º, n.º 2, da Carta estabelece que ninguém pode ser condenado à pena de morte, nem executado. O artigo 4.º da Carta estabelece que ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.
Apesar das obrigações assumidas pelos Estados no âmbito do direito internacional, os atos de tortura e outros maus-tratos continuam a ocorrer. Nos últimos anos, a comunidade internacional tem vindo a reconhecer cada vez mais a necessidade de regular e restringir o comércio de determinados equipamentos de manutenção da ordem pública, a fim de garantir que não são utilizados para fins de tortura ou outros maus-tratos.
Inspirada pelo Regulamento da UE, foi lançada em 2017 a Aliança para o Comércio sem Tortura, promovida pela União Europeia e copatrocinada pela Argentina e pela Mongólia. A Aliança tem como propósito dificultar significativamente o comércio, a nível internacional, de mercadorias destinadas à aplicação de pena de morte e de tortura ou suscetíveis de serem utilizadas para esses fins. Ao aderir à Aliança, os países comprometem-se, nomeadamente, a adotar medidas concretas por meio de legislação nacional e de um controlo eficiente do seu cumprimento para restringir o comércio de mercadorias utilizadas para infligir tortura e aplicar a pena de morte.
Em junho de 2019, a AGNU adotou uma resolução importante que preparou o terreno para a promoção de futuras ações a nível das Nações Unidas no sentido de estabelecer normas internacionais comuns neste domínio. A resolução, acolhida com agrado pelo Conselho da UE, insta os países a examinarem a viabilidade, o âmbito de aplicação e os parâmetros de eventuais normas internacionais comuns aplicáveis ao comércio de mercadorias pertinentes. O Secretário-Geral das Nações Unidas deverá apresentar um relatório sobre a execução dessa resolução na 74.ª sessão da AGNU. Numa segunda fase, e com base nesse relatório, um grupo de peritos governamentais (nomeados no âmbito do sistema das Nações Unidas, em conformidade com os critérios definidos na resolução de junho de 2019) elaborará um outro relatório, a apresentar na 75.ª sessão da AGNU em 2021.
O Conselho da Europa, por sua vez, também está a explorar a viabilidade de uma iniciativa neste domínio. Em 28 de novembro de 2019, o Comité Diretor para os Direitos Humanos do Conselho da Europa aceitou apoiar uma proposta de elaboração de diretrizes a nível do Conselho da Europa para incentivar ou promover os controlos pelos Estados-Membros do Conselho da Europa sobre o comércio de mercadorias utilizadas para a tortura, os maus-tratos e a pena de morte. A proposta incentiva todos os Estados do Conselho da Europa a aderirem à Aliança para o Comércio sem Tortura e a apoiarem o processo das Nações Unidas para o desenvolvimento de medidas internacionais neste domínio. A Suíça, a Macedónia do Norte e Montenegro optaram por seguir o modelo do Regulamento, tendo o Reino Unido anunciado também que manterá as disposições do mesmo após a sua saída da UE.
2.3 Âmbito de aplicação do presente relatório (artigo 32.º do Regulamento)
O artigo 32.º do Regulamento exige que a Comissão apresente ao Parlamento Europeu e ao Conselho, até 31 de julho de 2020 e, subsequentemente, de cinco em cinco anos, um relatório exaustivo de aplicação e avaliação do seu impacto, o qual pode incluir propostas de alteração. O Regulamento estipula que esse exame avaliará a necessidade de incluir as atividades dos cidadãos da UE no estrangeiro.
Os Estados-Membros têm de transmitir à Comissão todas as informações necessárias para a elaboração do relatório. O relatório deve incluir secções específicas sobre o Grupo de Coordenação da Luta contra a Tortura criado pelo Regulamento (artigo 31.º) e as respetivas atividades, e deve transmitir informações sobre as medidas tomadas pelos Estados-Membros nos termos do artigo 33.º, n.º 1 (sanções).
O presente relatório contém informações sobre a aplicação e o impacto do Regulamento, desde a sua última alteração, em 2016, até ao final de 2019, pelo que abrange essencialmente as atividades realizadas em 2017, 2018 e 2019.
O relatório avalia também a aplicação do Regulamento no que se refere aos princípios básicos de pertinência, eficácia, eficiência, coerência e valor acrescentado da UE. Esta avaliação analisa se o Regulamento cumpre os seus principais objetivos e se surgiram novas preocupações e desafios desde 2016. Deste modo, será possível determinar se são necessárias mais ações para colmatar eventuais lacunas identificadas.
3.EXECUÇÃO DO REGULAMENTO
3.1Quadro regulamentar
O Regulamento foi inicialmente adotado como Regulamento (CE) n.º 1236/2005 relativo ao comércio de determinadas mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para aplicar a pena de morte ou infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Foi adotado em 27 de junho de 2005 e entrou em vigor em 30 de julho de 2006. A última alteração substancial foi adotada em 2016.
O Regulamento foi codificado como Regulamento (UE) 2019/125 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de janeiro de 2019, relativo ao comércio de determinadas mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para aplicar a pena de morte ou infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
3.1.1 Alterações do Regulamento
O Regulamento foi alterado duas vezes mediante atos delegados; a primeira vez durante o período de referência e a segunda em 2020.
O Regulamento DELEGADO (UE) 2018/181 DA COMISSÃO, de 18 de outubro de 2017, acrescentou a República Dominicana, São Tomé e Príncipe e o Togo à lista dos países de destino aos quais é aplicável a autorização geral de exportação da União (anexo V).
A Comissão fica habilitada a adotar atos delegados para alterar a lista de mercadorias proibidas ou controladas, nomeadamente por meio de um «procedimento de urgência» caso existam motivos imperiosos e urgentes que o exijam.
3.1.2 Medidas nacionais de execução
O Regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros. As autoridades competentes dos Estados-Membros são responsáveis pela sua aplicação. Os Estados-Membros são responsáveis por decidir, caso a caso, se concedem uma autorização de exportação ou se indeferem os pedidos relativos às mercadorias reguladas enumeradas nos anexos III e IV do Regulamento.
Para evitar que as regras sejam contornadas, o Regulamento exige que as autoridades competentes dos Estados-Membros notifiquem as autoridades de todos os outros Estados-Membros e a Comissão sempre que se recusem a emitir uma autorização ou revoguem uma autorização existente. Por conseguinte, qualquer Estado-Membro da UE que pondere autorizar, nos três anos após a indeferimento, uma transação «essencialmente idêntica» a outra que tenha sido recusada por um Estado-Membro deve consultar o Estado-Membro que tomou a decisão de indeferimento. Se, não obstante, for concedida uma autorização, o Estado-Membro que emitiu essa autorização deve apresentar uma explicação pormenorizada dos seus fundamentos à Comissão e a todos os Estados-Membros. Ao avaliarem os pedidos, as autoridades devem ter em conta considerações sobre a utilização final prevista e sobre o risco de desvio para fins ilegítimos.
Os Estados-Membros «não concedem uma autorização desde que haja fundamentos razoáveis para crer que os agentes da autoridade ou qualquer pessoa singular ou coletiva de um país terceiro poderão utilizar essas mercadorias enumeradas no anexo III para infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, incluindo penas corporais proferidas por um tribunal, ou para aplicar a pena de morte num país terceiro».
O Regulamento enumera as seguintes fontes de informação que as autoridades devem ter em conta ao tomarem as suas decisões:
-as sentenças proferidas por tribunais internacionais, que estejam disponíveis;
-as constatações feitas pelos órgãos competentes da ONU, do Conselho da Europa e da UE;
-os relatórios do Comité Europeu do Conselho da Europa para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes e do Relator Especial da ONU sobre a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Outras informações que as autoridades podem ter em conta aquando da tomada de decisões incluem:
-as sentenças proferidas por tribunais nacionais, que estejam disponíveis;
-relatórios de organizações da sociedade civil; e
-informações sobre restrições à exportação de mercadorias enumeradas nos anexos II e III aplicadas pelo país de destino.
Relativamente às decisões sobre pedidos relacionados com a prestação de serviços de corretagem ou de assistência técnica aplicam-se os mesmos critérios.
Os Estados-Membros notificaram à Comissão 13 indeferimentos durante o período de referência. Na secção 3.5, estão descritos os pormenores relativos à autorização de exportação emitidas e recusadas durante o período de referência.
As autoridades competentes dos Estados-Membros também têm de registar, numa base de dados da Comissão, todos os dados relativos aos indeferimentos de pedidos de autorizações de exportação. A base de dados identifica a autoridade competente da UE, o destino final, o artigo em causa, a descrição do artigo e o nome do destinatário, bem como do utilizador final.
O Regulamento define um mecanismo para o aditamento de mercadorias ao anexo II, anexo III ou anexo IV, permitindo aos Estados-Membros da UE apresentar à Comissão um pedido devidamente fundamentado para apreciação. Durante o período de referência, a Comissão não recebeu qualquer pedido desta natureza.
Para além da lista de mercadorias cujo comércio é proibido ou regulado, o Regulamento também inclui disposições que permitem aos Estados-Membros da UE introduzir, de modo autónomo, outras medidas nacionais destinadas a regular o comércio de determinadas mercadorias adicionais.
Nos termos do artigo 10.º do Regulamento, os Estados-Membros podem adotar ou manter medidas nacionais que restrinjam o transporte, os serviços financeiros, o seguro ou resseguro e a publicidade ou promoção em geral relativamente às mercadorias enumeradas no anexo II. O Reino Unido, por exemplo, mantém restrições nacionais à circulação de mercadorias entre países terceiros não pertencentes à UE.
Além disso, de acordo com o artigo 14.º do Regulamento, os Estados-Membros podem adotar ou manter uma proibição sobre a exportação e importação de imobilizadores da perna, correntes para imobilização coletiva e dispositivos portáteis para aplicação de descargas elétricas. Os Estados-Membros também podem impor a obrigação de dispor de uma autorização para exportar algemas de grande dimensão. Com base nas informações disponibilizadas à Comissão, a Bélgica, a Grécia, o Luxemburgo, Espanha e o Reino Unido têm em vigor este tipo de restrições adicionais. A Hungria e a Itália também têm em vigor medidas conexas. A Eslováquia informou a Comissão de que iniciará um processo legislativo em 2020 destinado a alterar a sua lei de 2007 relativa ao comércio de determinadas mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para aplicar a pena de morte ou infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
As autoridades competentes dos Estados-Membros informam a Comissão das suas atividades ao abrigo do Regulamento. O relatório anual da Comissão baseia-se nas informações comunicadas pelos Estados-Membros, nomeadamente através dos relatórios nacionais elaborados nos termos do artigo 26.º, n.º 3. Durante o período de referência, a Comissão publicou um relatório relativo às autorizações emitidas pelos Estados-Membros em 2017 e em 2018 para as exportações de mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para infligir tortura ou para aplicar a pena de morte. No segundo semestre de 2020, deverá ser adotado um relatório sobre as autorizações de exportação emitidas em 2019.
3.2Atividades do Grupo de Coordenação da Luta contra a Tortura
O Grupo de Coordenação da Luta contra a Tortura (ATCG) foi criado após a alteração de 2016 do Regulamento e «examina todas as questões relativas à aplicação do presente Regulamento». O ATCG, presidido pela Comissão, serve de plataforma para o intercâmbio de informações sobre as práticas administrativas entre os representantes dos Estados-Membros e a Comissão. Além disso, aquando da elaboração de atos delegados, a Comissão consulta o ATCG de acordo com os princípios estabelecidos no Acordo Interinstitucional de 13 de abril de 2016 sobre legislar melhor.
O ATCG realizou quatro reuniões durante o período de referência: em 12 de julho de 2017, 28 de junho de 2018, 29 de abril de 2019 e 17 de dezembro de 2019.
Em conformidade com o artigo 31.º, n.º 4, do Regulamento, a Comissão apresenta um relatório ao Parlamento Europeu sobre as atividades, análises e consultas do Grupo de Coordenação da Luta contra a Tortura. Durante o período de referência abrangido pelo presente relatório, a Comissão adotou, em outubro de 2019 um relatório relativo a 2017 e 2018. No segundo semestre de 2020, deverá ser adotado um relatório sobre as atividades do ATCG em 2019.
O ATCG procedeu a um intercâmbio de pontos de vista mais técnico sobre as ferramentas disponíveis na base de dados eletrónica da Comissão, um sistema seguro e codificado criado para ajudar as autoridades nacionais responsáveis pelas questões de controlo das exportações a trocarem informações com a Comissão. O artigo 23.º, n.º 5, do Regulamento exige que as autoridades competentes utilizem esse sistema para transmitirem informações nos casos em que um pedido de uma autorização de exportação tenha sido rejeitado (designados por «indeferimentos»).
O ATCG analisou a obrigação de autorização prévia para a prestação de determinados tipos de assistência técnica e de serviços de corretagem, prevista nos artigos 15.º e 19.º do Regulamento. O ATCG também procedeu a um intercâmbio de pontos de vista mais técnico sobre as proibições previstas nos artigos 8.º e 9.º do Regulamento relativas à inclusão de mercadorias enumeradas na lista em feiras comerciais e em publicidade. Estas proibições foram introduzidas pela alteração do Regulamento de . Os intercâmbios incidiram, em especial, sobre possíveis orientações para as autoridades competentes, bem como sobre as modalidades de execução. Observou-se que tinham sido relatados casos de publicidade a mercadorias em alguns sítios Web de fornecedores europeus.
Em conformidade com o considerando 48, o ATCG também examinou os atos delegados propostos para alteração dos anexos do Regulamento, que acabaram por ser adotados em 18 de outubro de 2017 e em 18 de fevereiro de 2020 (ver secção 3.1.1 supra).
Um outro aspeto salientado no trabalho do ATCG dizia respeito aos requisitos de apresentação de relatórios impostos às autoridades nacionais competentes. Na sequência destas análises, está a ser reunido um conjunto mais alargado de dados para o relatório anual da Comissão de 2019.
Por último, o ATCG procedeu a um intercâmbio de pontos de vista sobre a Aliança para o Comércio sem Tortura e sobre os progressos no sentido da adoção de eventuais normas internacionais comuns neste domínio.
3.3Transparência e informação
Nos termos do artigo 26.º, n.º 3, do Regulamento, os Estados-Membros da UE devem elaborar um relatório de atividades anual público, com informações sobre o número de pedidos recebidos, as mercadorias e os países a que os pedidos dizem respeito e as decisões que tenham tomado sobre esses mesmos pedidos.
A República Checa, a Dinamarca, a Alemanha, a Roménia e o Reino Unido informaram a Comissão acerca dos seus relatórios de atividades anuais públicos de 2019. Importa salientar que, nos termos do artigo 26.º, n.º 3, do Regulamento, os relatórios públicos não incluem «informação cuja divulgação um Estado-Membro considere contrária aos seus interesses de segurança essenciais».
Um número reduzido de autoridades competentes publicou informações no sítio Web do respetivo Governo sobre as disposições legislativas e regulamentares aplicáveis às mercadorias abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento, a fim de informar os operadores económicos sobre os procedimentos de autorização e outros requisitos.
3.4Execução dos controlos das exportações
As autoridades competentes dos Estados-Membros são responsáveis pela execução dos controlos das exportações. Em conformidade com o artigo 33.º do Regulamento, «os Estados-Membros estabelecem as regras relativas às sanções aplicáveis em caso de violação do disposto no presente Regulamento e tomam todas as medidas necessárias para garantir a sua aplicação. As sanções previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas». Assim, os Estados-Membros da UE criam sanções nacionais aplicáveis às infrações ao Regulamento tanto por pessoas como por entidades.
Estas sanções nacionais incluem sanções administrativas e penais, que geralmente vão desde coimas pecuniárias a penas de prisão, incluindo o confisco de mercadorias.
Durante o período de referência, as autoridades competentes não informaram a Comissão de quaisquer infrações ao Regulamento. O Regulamento não obriga as autoridades competentes a fazê-lo.
3.5Autorizações de exportação: Principais dados
A Comissão reúne dados das autoridades competentes que lhe permitem obter uma visão geral das autorizações de exportação concedidas (ou indeferidas) em relação às mercadorias controladas descritas nos anexos III e IV do Regulamento.
Com base nos dados do relatório da Comissão relativos a 2017 e 2018 e nos dados que estão a ser recolhidos para o relatório de 2020 da Comissão relativo a 2019, o número de autorizações de exportação concedidas (ou indeferidas) em 2017-2019 pode ser resumido do seguinte modo: Em 2017, foram notificadas, no total, 292 autorizações concedidas por 12 Estados-Membros. Em 2018, 11 Estados-Membros notificaram que tinham concedido um total de 231 autorizações. Em 2019, foram notificadas, no total, 281 autorizações concedidas por 10 Estados-Membros. Assim, o número total de autorizações concedidas durante todo o período de referência de três anos é de 804.
Quinze Estados-Membros informaram a Comissão de que, durante o período de referência, não receberam qualquer pedido de autorização nos termos do Regulamento (UE) 2019/125.
O Regulamento impõe um requisito de autorização de exportação que permite que as autoridades competentes verifiquem se existem indicações de que, se exportadas, essas mercadorias podem ser utilizadas para infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (anexo III) ou para aplicar a pena de morte (anexo IV). Para o efeito, o artigo 20.º, n.º 8, do Regulamento prevê que as autoridades competentes devem receber «informações completas, nomeadamente sobre o utilizador final, sobre o país de destino e sobre a utilização final das mercadorias».
Segundo as informações, durante o período de referência de três anos, foram indeferidos13 pedidos de autorização de exportação: quatro em 2017, cinco em 2018 e quatro em 2019.
As informações de que a Comissão dispõe, que se baseiam nos dados comunicados pelas autoridades competentes, permitem-lhe distinguir entre a utilização final para fins de manutenção da ordem pública, de ciências da saúde, utilização final por empresas de segurança, utilização final para fins médicos (utilização hospitalar e veterinária) das mercadorias enumeradas no anexo IV, utilização industrial e exportação para empresas comerciais. Durante o período de três anos abrangido pelo presente relatório, foram notificadas 56 autorizações de exportação concedidas para fins de manutenção da ordem pública e 52 para fins científicos/cuidados de saúde, tendo as restantes (74) sido emitidas para outros fins, sobretudo para comerciantes e empresas de segurança privada. Importa salientar, neste contexto, que nem todos os Estados-Membros indicam e/ou facultam informações completas sobre os utilizadores finais, pelo que os dados sobre a utilização final não correspondem ao número total de licenças acima referido.
3.6Cidadãos da UE no estrangeiro
Embora não faça, em sentido estrito, parte da avaliação da execução do Regulamento, o artigo 32.º prevê que o exame avalie também a necessidade de incluir as atividades dos cidadãos da UE no estrangeiro no âmbito de aplicação do Regulamento. A presente secção apresenta os domínios em que podem ser avaliadas as atividades das empresas estabelecidas na UE, dos cidadãos da UE ou dos residentes de qualquer Estado-Membro da UE que exerçam atividade em países terceiros. Diz respeito às seguintes atividades:
-Corretagem, ou seja, a organização da transferência de equipamentos entre países terceiros não pertencentes à UE, em que os artigos não entrem no território aduaneiro da UE e as atividades em questão sejam levadas a cabo por entidades da UE fora do território da União:
O Regulamento não proíbe atividades de corretagem relativas às mercadorias enumeradas no anexo II nem controla atividades de corretagem relativas às mercadorias enumeradas no anexo III quando realizadas por corretores da UE que operem fora do território da União.
-Promoção/comercialização de mercadorias e serviços pertinentes por entidades da UE fora do território da União ou facilitação dessa comercialização, por exemplo através da organização de exposições e feiras de armas, equipamentos de segurança e temas conexos em países terceiros:
O artigo 8.º do Regulamento proíbe «às pessoas singulares ou coletivas e às entidades ou organismos, incluindo parcerias, independentemente de serem residentes ou de estarem estabelecidos num Estado-Membro, exibir ou colocar à venda mercadorias enumeradas no anexo II em exposições ou feiras realizadas na União» (ênfase acrescentado).
-Prestação de assistência técnica e formação na utilização de equipamentos ou técnicas de manutenção da ordem pública por entidades da UE a forças militares, de segurança ou policiais ou a intervenientes não estatais, como empresas de segurança privadas, em países terceiros:
O artigo 7.º do Regulamento proíbe «aos prestadores de assistência técnica ou aos corretores prestar ou oferecer formação sobre a utilização de mercadorias enumeradas no anexo II a pessoas, entidades ou organismos de países terceiros». Além disso, nos termos do artigo 15.º, os Estados-Membros têm de autorizar especificamente a prestação de «assistência técnica relacionada» com mercadorias enumeradas no anexo III. A prestação de assistência técnica, nomeadamente formação, só é proibida ou controlada quando visa diretamente equipamentos abrangidos pelo Regulamento (anexo II ou anexo III). A assistência técnica pode ser prestada independentemente do fornecimento do equipamento no âmbito do Regulamento.
Duas organizações não governamentais (ONG) da área dos direitos humanos e envolvidas no contexto da avaliação chamaram a atenção para o caso de cidadãos da UE que operam fora do território da União e que participaram na prestação de serviços, por exemplo, de formação no domínio da segurança e manutenção da ordem pública, utilizando de forma inadequada ou abusiva equipamentos de manutenção da ordem pública. Chamaram ainda a atenção para o caso de empresas que organizam feiras ou exposições de armas em países terceiros. Consideram, concretamente, que a atual restrição geográfica prevista no artigo 8.º deve ser suprimida e que todas as pessoas singulares ou coletivas, entidades e organismos da UE devem ser proibidos de promover mercadorias enumeradas no anexo II em exposições ou feiras, independentemente do país onde estas sejam realizadas. Além disso, consideram que devem ser introduzidos controlos (quer através do Regulamento ou de outras medidas adequadas) para regular a prestação de instrução ou de formação por todos os estabelecimentos de ensino competentes, para que essa prestação não promova nem inclua políticas, práticas nem técnicas inadequadas ou abusivas suscetíveis de promover ou de ser aplicadas no âmbito de tortura ou de outros maus-tratos em países terceiros.
A resposta às questões suscitadas coloca dificuldades relacionadas com o alcance territorial da competência da UE. No direito internacional, em princípio, a competência é territorial e não pode ser exercida por um Estado fora do seu território, exceto em virtude de uma norma permissiva derivada do direito internacional consuetudinário ou de uma convenção. Contudo, existem exceções a este princípio, que são pertinentes neste contexto. Por exemplo, o direito internacional permite a penalização de atividades extraterritoriais de cidadãos de um Estado quando se trate de infrações penais cometidas fora do seu território. No caso de crimes particularmente graves que tenham sido subordinados a jurisdição universal, quer por um tratado multilateral, quer ao abrigo do direito consuetudinário internacional, como
genocídio
,
crimes de guerra
,
crimes contra a humanidade
e tortura, um Estado pode exercer a sua competência relativamente aos crimes, independentemente do local do crime e da nacionalidade do seu autor ou da vítima.
As decisões unilaterais de exercer competências para além do território da UE devem ser cuidadosamente ponderadas à luz do direito e da prática internacionais. Tendo em conta que o exercício legítimo da competência extraterritorial por parte de um Estado é uma questão de direito internacional, importa promover vigorosa e eficazmente o comércio sem tortura nos fóruns internacionais competentes, de modo a alargar a resposta global aos objetivos que o Regulamento visa promover.
Poderão explorar-se também outras medidas adequadas, por exemplo medidas que promovam uma maior transparência e sensibilização ou medidas que reforcem o cumprimento eficaz dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Na verdade, os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos referem que as empresas devem respeitar os direitos humanos, não infringindo os direitos humanos dos outros e abordando os efeitos adversos nos direitos humanos. A resolução dos efeitos nocivos em matéria de direitos humanos exige a adoção de medidas adequadas para a sua prevenção, atenuação e, se for caso disso, reparação.
4.AVALIAÇÃO DA EXECUÇÃO DO REGULAMENTO
4.1Critérios de avaliação e fontes de dados
Mediante a incorporação dos critérios de avaliação substantivos previstos no artigo 32.º do Regulamento, a Comissão analisou o desempenho do Regulamento em conformidade com as suas orientações para legislar melhor, avaliando os seguintes elementos:
-Pertinência: em que medida os objetivos globais do Regulamento, a sua conceção e as medidas nacionais de execução nele previstas dão resposta às prioridades da UE no momento de adoção do Regulamento, bem como às atuais prioridades da UE.
-Eficiência: em que medida o Regulamento é executado de forma eficiente. Abrange a eficiência da aplicação pelos Estados-Membros e da supervisão pela Comissão Europeia, avaliando simultaneamente se existem lacunas ou duplicações nos requisitos de informação, que possam comprometer a eficácia ou a aplicação eficiente do Regulamento e se os requisitos de comunicação de informações são adequados e proporcionados.
-Eficácia: em que medida o Regulamento está a cumprir os seus objetivos e as prioridades da UE.
-Coerência e complementaridade: em que medida o Regulamento promove a coerência e a complementaridade com outras iniciativas pertinentes da UE e dos Estados-Membros.
-Valor acrescentado da UE: em que medida o Regulamento acrescenta valor às medidas individuais dos Estados-Membros da UE.
As principais fontes de informação para a recolha de dados para a avaliação foram documentos escritos, nomeadamente um estudo, inquéritos, entrevistas e um seminário com as principais partes interessadas.
O seminário de partes interessadas contou com mais de 30 participantes, originários de um amplo conjunto de organizações, incluindo as autoridades competentes dos Estados-Membros, a Comissão Europeia, organizações internacionais como as Nações Unidas e o Conselho da Europa, bem como ONG.
A avaliação dos dados e das informações recolhidas resultou nas constatações a seguir apresentadas.
4.2Pertinência
4.2.1 Considerações políticas
O Regulamento, conforme inicialmente adotado em 2005, respondia à necessidade de «adotar normas da União aplicáveis às trocas comerciais com os países terceiros, de mercadorias que possam ser utilizadas para aplicar a pena de morte, bem como de mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes». Estas normas pretendiam colmatar uma lacuna identificada nos controlos das trocas comerciais baseados nos direitos humanos por parte da UE e constituíam o primeiro instrumento vinculativo global que abordava especificamente esta questão. Para manter a sua pertinência, o Regulamento foi alterado em 2011, em 2014 e em 2016.
Para além de constituir o primeiro quadro operacional a nível mundial destinado a regular o comércio de mercadorias relacionadas com a tortura, a sua pertinência atual é confirmada pelo papel que desempenhou como fonte de inspiração para as ações neste domínio realizadas por outros países e organizações. Inspirou, nomeadamente, a decisão das Nações Unidas de elaborar normas internacionais comuns sobre o comércio de instrumentos de tortura. O Regulamento também inspirou a elaboração de medidas de âmbito regional adotadas pelo Conselho da Europa para abordar o comércio de equipamentos utilizados para infligir tortura e maus-tratos e para aplicar a pena de morte.
O facto de alguns países não pertencentes à UE terem optado por seguir o modelo do Regulamento, como, por exemplo, a Suíça, a Macedónia do Norte e Montenegro, tendo o Reino Unido também anunciado que manterá as disposições do Regulamento após a sua saída da UE, reforça ainda mais a perceção de pertinência deste instrumento.
4.2.2 Pertinência das mercadorias e dos serviços abrangidos
O Regulamento abrange atualmente um amplo conjunto de mercadorias relacionadas com a pena de morte e com a tortura.
No que diz respeito à cobertura do Regulamento em termos de mercadorias, atividades e pessoas, o artigo 25.º do mesmo estipula que cada Estado-Membro pode apresentar à Comissão um pedido, devidamente fundamentado, para aditar mercadorias aos anexos II, III ou IV. Durante o período em apreço, não foram apresentados tais pedidos.
Duas ONG na área dos direitos humanos, que participaram no exercício de exame, consideram, em particular, que o Regulamento deveria poder responder às mudanças no mercado internacional da segurança, em que ocorrem desenvolvimentos tecnológicos e de mercado frequentes. No seu entender, o Regulamento também deveria ter em conta as mudanças na natureza da utilização, legítima e abusiva, dos equipamentos de manutenção da ordem pública. O caso específico da alteração da marca dos produtos para contornar o âmbito de aplicação do Regulamento também foi mencionado como um motivo de preocupação, confirmando a necessidade de uma atualização regular das listas de mercadorias abrangidas. De acordo com estas ONG, algumas das mercadorias atualmente enumeradas no anexo III poderiam ser transferidas para o anexo II, nomeadamente as armas destinadas à administração de descargas elétricas por contacto direto (incluindo bastões e escudos de descarga elétrica e pistolas de atordoamento), podendo ser igualmente útil o aditamento de outras mercadorias, como as coberturas e vendas utilizadas nas prisões, as cadeiras concebidas para imobilizar seres humanos e as mesas e camas equipadas com correias para fins coercivos. De acordo com estas ONG, as mercadorias controladas que poderiam ser aditadas ao anexo III incluem «algemas normais», armas de impacto portáteis e determinados projéteis de impacto cinético.
Os agentes antimotim representam um problema específico. Nos últimos anos, tem havido um aumento acentuado na sua disponibilização e utilização. Duas ONG ligadas aos direitos humanos que participaram na avaliação consideram que estes não são adequadamente abrangidos pelo Regulamento, existindo um certo grau de incoerência em relação à Lista Militar Comum da União Europeia. Aquando da elaboração (e da revisão) do Regulamento, as mercadorias já abrangidas por outros instrumentos da UE foram expressamente excluídas do âmbito de aplicação do regulamento em causa. Na prática, esta exclusão levou a uma situação em que o Regulamento abrange o controlo de alguns agentes antimotim, como o gás pimenta e OC (oleorresina de Capsicum), mas não os enumerados na Lista Militar Comum. As ONG no domínio dos direitos humanos envolvidas no exercício de revisão indicaram que estes agentes antimotim atualmente não abrangidos pelo Regulamento são frequentemente utilizados para facilitar ou aplicar tortura e outros maus-tratos ou ações de repressão interna.
No caso das mercadorias que constam do anexo IV, o Regulamento enumera determinadas substâncias químicas/medicamentos destinados a salvar e melhorar as vidas e a saúde dos doentes, mas que podem ser procurados para utilização na injeção letal. De acordo com uma organização envolvida na prevenção da utilização abusiva de medicamentos em injeções letais, o Regulamento abrange dois dos 14 fármacos atualmente enumerados nos protocolos estaduais e federais dos EUA relativos à injeção letal. Ao contrário das mercadorias enumeradas nos anexos II e III, estes tipos de produtos químicos e medicamentos cumprem uma função essencial de salvamento de vidas, pelo que eventuais medidas suscetíveis de limitar a sua comercialização têm de ser cuidadosamente avaliadas para evitar que o comércio de materiais médicos legítimos destinados a salvar vidas seja negativamente afetado. Neste contexto, é de salientar o regime de auto-regulação adotado por várias empresas da UE, que aplicam voluntariamente vários protocolos de distribuição que vários grupos de partes interessadas consideram estar a impedir a utilização inadequada de fármacos exportados a partir da UE.
Ao avaliar a pertinência das mercadorias e dos serviços abrangidos, importa considerar também a introdução no regulamento de uma cláusula específica de utilização final ou de controlo de tipo universal. As ONG no domínio dos direitos humanos que participaram no exercício de exame e uma autoridade de um Estado-Membro defenderam a introdução de uma cláusula desse tipo. Em termos concretos, uma tal cláusula permitiria a cada Estado-Membro da UE interromper uma transferência específica de um determinado elemento que não está especificamente enumerado nos anexos II ou III do Regulamento. Seria necessário demonstrar claramente que esse elemento, na prática, só poderia ser utilizado para aplicar a pena de morte ou infligir tortura ou outros maus-tratos. A cláusula também poderia abranger casos em que existam provas de que a potencial transferência do artigo não incluído na lista resultaria na sua utilização para estes fins.
No que se refere aos serviços incluídos no âmbito de aplicação do Regulamento, ou seja, serviços de corretagem, assistência técnica, formação e publicidade relacionadas com as mercadorias abrangidas pelo mesmo, a avaliação não encontrou qualquer indicação de que fosse necessária uma alteração neste sentido. De salientar, contudo, que a prestação de assistência técnica, incluindo a formação, só é proibida ou controlada quando visa diretamente equipamentos abrangidos pelo Regulamento (anexo II ou anexo III).
4.2.3 Pertinência do aditamento do comércio intra-UE
Durante as consultas sobre a execução do Regulamento, houve sugestões para ampliar o seu âmbito de aplicação de modo a abranger o comércio intra-UE de mercadorias enumeradas no anexo II e no anexo III, bem como a importação para a UE de mercadorias enumeradas no anexo III. O Regulamento respondia inicialmente à necessidade de «adotar normas comunitárias aplicáveis às trocas comerciais, com os países terceiros, de mercadorias que possam ser utilizadas para aplicar a pena de morte, bem como de mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes». Esta ênfase nas relações com países terceiros estava claramente especificada no preâmbulo, que previa o seguinte: «as medidas previstas no presente Regulamento destinam-se a prevenir tanto a execução da pena de morte como a tortura e a aplicação de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes nos países terceiros. Essas medidas incluem a imposição de restrições às trocas comerciais, com países terceiros, de mercadorias que possam ser utilizadas para executar a pena de morte ou para infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Considerou-se desnecessário estabelecer controlos idênticos sobre transações efetuadas no interior da Comunidade, na medida em que a pena de morte não existe em nenhum dos Estados-Membros e todos os Estados-Membros terão adotado medidas adequadas para proscrever e impedir a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes».
Duas ONG no domínio dos direitos humanos com conhecimentos especializados sobre comércio de mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para tortura ou maus-tratos defenderam que o âmbito de aplicação do Regulamento deveria ser alargado de modo a abranger a importação para a UE ou a transferência intra-UE de equipamentos de manutenção da ordem pública e mercadorias conexas que possuam finalidades legítimas de manutenção da ordem pública, mas que possam ser objeto de utilização abusiva.
O Regulamento centra-se claramente na restrição do comércio com países terceiros. Por conseguinte, a regulamentação da importação de equipamentos de manutenção da ordem pública para a UE e da sua transferência intra-UE com o objetivo de abordar alegados casos de tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes na UE através do Regulamento não se afigura coerente com os objetivos declarados do mesmo. Existem outros instrumentos e meios relacionados com a proteção dos direitos humanos atualmente ao dispor da União Europeia e dos seus Estados-Membros que podem ser considerados mais adequados neste sentido.
4.3Eficiência
4.3.1 Autorizações e recusas
Os dados apresentados também revelam um número reduzido de indeferimentos de pedidos de autorizações de mercadorias (13 apresentados por quatro Estados-Membros ao longo do período de três anos), não sendo os serviços abrangidos pelo Regulamento subordinados a quaisquer autorizações (nem recusas). A aplicação é da responsabilidade das autoridades competentes dos Estados-Membros. Atualmente, existem escassas informações sobre questões como os procedimentos nacionais de avaliação dos riscos e o acompanhamento da utilização final das mercadorias e dos serviços exportados.
A partir das informações apresentadas acima, afigura-se necessário algum tipo de orientação da União Europeia sobre as boas práticas relativas à aplicação do Regulamento (por exemplo, relativamente à definição das mercadorias abrangidas, avaliações dos riscos, indeferimentos, notificações, etc.), bem como mais informações por parte das autoridades competentes sobre o modo como o regulamento em causa está a ser aplicado na prática.
4.3.2 Relatórios
Conforme indicado na secção 3.3, o artigo 26.º, n.º 3, do Regulamento define os requisitos em matéria de apresentação de relatórios aplicáveis às autoridades competentes. Cinco Estados-Membros confirmaram que publicam relatórios anuais de atividades em conformidade com o artigo 26.º, n.º 3, do Regulamento. Importa salientar que, nos termos do artigo 26.º, n.º 3, do Regulamento, os relatórios públicos não incluem «informação cuja divulgação um Estado-Membro considere contrária aos seus interesses de segurança essenciais».
O nível de pormenor incluído nesses relatórios anuais pode nem sempre permitir uma avaliação exata da aplicação do Regulamento a nível nacional. Poucos Estados-Membros disponibilizam publicamente informações sobre os procedimentos relativos aos riscos das mercadorias ou sobre as medidas de seguimento adotadas para acompanhar a utilização final, e tão-pouco indicam o volume e o valor das mercadorias conexas ou se foram aplicadas sanções por violações do Regulamento. Do mesmo modo, estão disponíveis poucas informações sobre o mecanismo de notificação e de consulta do artigo 23.º.
O artigo 26.º, n.º 4, exige que a Comissão publique um relatório anual de atividades. Em outubro de 2019, foi publicado um relatório relativo às autorizações de exportação dos Estados-Membros em 2017 e 2018 e será adotado em 2020 um outro relatório relativo a 2019. O formulário para comunicação de informações para oo relatório relativo a 2019 solicita dados sobre um conjunto mais alargado de questões. Poderia ser útil integrar, no exercício anual global de apresentação de relatórios, outras informações pertinentes sobre as infrações identificadas e as sanções aplicadas. Além disso, para garantir uma maior transparência, poderiam ser incluídos também outros aspetos, como o valor e o volume das exportações.
4.4Eficácia
O Regulamento cumpriu o objetivo específico de controlar mais eficazmente o comércio da UE com países terceiros de mercadorias suscetíveis de serem utilizadas para aplicar a pena de morte ou para infligir tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. De acordo com uma autoridade de um Estado-Membro, o Regulamento veio facilitar a interceção de mercadorias pertinentes, dissuadindo simultaneamente os comerciantes de tentarem exportar mercadorias proibidas (evidenciado pela dimensão limitada deste tipo de comércio em termos globais).
No entanto, seria interessante dispor de mais informações sobre a imposição de sanções pelos Estados-Membros da UE ao abrigo do artigo 33.º do Regulamento, a fim de melhor avaliar em que medida as violações do regulamento em causa estão a ser identificadas e penalizadas. Embora possua uma imagem quase completa da legislação nacional em vigor nos Estados-Membros da UE relativamente às sanções aplicáveis às infrações, a Comissão não possui informações suficientes sobre se as autoridades aplicaram essas sanções em casos de infrações específicas.
O objetivo mais alargado de contribuir para evitar a pena de morte e a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes em países terceiros é mais difícil de avaliar, uma vez que existem muitos outros fatores responsáveis. A restrição do comércio destas mercadorias e serviços é apenas um elemento da luta contra a tortura. Além disso, a tortura e outros maus-tratos não dependem apenas de instrumentos sofisticados; frequentemente, são utilizados os instrumentos mais básicos e facilmente disponíveis, como matracas, bastões, algemas normais e força física excessiva.
4.5Coerência e complementaridade
Para assegurar a complementaridade, o Regulamento faz referência específica a outros instrumentos ou quadros da UE conexos e exclui expressamente as mercadorias por eles abrangidas do seu âmbito de aplicação. O Regulamento abrange materiais não enumerados em qualquer outro instrumento jurídico e, nesse sentido, é complementar a outros quadros regulamentares europeus. O Regulamento evita abranger mercadorias relacionadas com outros regulamentos e para as quais já exista um sistema de autorização, como, por exemplo:
I.armas de fogo regidas pelo Regulamento (UE) n.º 258/2012;
II.produtos de dupla utilização regidos pelo Regulamento (CE) n.º 428/2009;
III.mercadorias sujeitas a controlo nos termos da Posição Comum 2008/944/PESC e da Lista Militar Comum que lhe está associada.
Embora esta abordagem destinada a garantir a complementaridade entre os instrumentos de controlo das exportações tenha sido amplamente bem-sucedida, surgiram algumas incoerências. Tal como indicado acima, foi o caso dos agentes antimotim. Alguns destes, como o gás pimenta e a oleorresina de Capsicum (OC), estão incluídos no Regulamento, ao passo que outros, enumerados na Lista Militar Comum, como os gases lacrimogéneos (gás CS, gás CR e gás CN), não o estão, embora sejam utilizados frequentemente para facilitar ou levar a cabo atos de tortura e outros maus-tratos. Seria conveniente explorar a melhor forma de garantir que ambos os instrumentos são mais coerentes, que os processos de aprovação de licenças são uniformes e que as notificações de indeferimentos são divulgadas no âmbito de ambos os regimes de controlo.
Do mesmo modo, embora a UE tenha instituído embargos às armas para responder explicitamente a casos de «repressão interna» e tenha, para o efeito, elaborado uma lista de equipamentos utilizados para «repressão interna», essa lista não inclui artigos abrangidos pelo Regulamento. Importa explorar a possibilidade de incluir expressamente determinadas mercadorias enumeradas no anexo III controladas pelo Regulamento no âmbito de embargos que mencionem especificamente preocupações relacionadas com a «repressão interna».
No que diz respeito ao seu objetivo mais alargado em matéria de direitos humanos, o Regulamento é amplamente coerente com outros instrumentos e iniciativas pertinentes da UE e complementar em relação aos mesmos. Existe, contudo, margem para maiores sinergias entre o trabalho de acompanhamento dos direitos humanos em países terceiros, por um lado, e os controlos relativos à utilização final de mercadorias e serviços exportados ao abrigo do Regulamento, por outro.
Tem-se verificado um elevado grau de coerência e complementaridade com iniciativas à escala mundial e regional (Aliança para o Comércio sem Tortura, Conselho da Europa). Nos últimos três anos, a União Europeia (tanto a nível técnico como diplomático) tem estado na vanguarda de iniciativas destinadas a aumentar a sensibilização dos governos a nível internacional para o comércio de equipamentos utilizados para fins de tortura, maus-tratos e pena de morte. A UE contribuiu ativamente para a elaboração de medidas internacionais para combater este comércio, nomeadamente através do seu apoio à criação da Aliança para o Comércio sem Tortura. Este trabalho culminou na resolução intitulada «Comércio sem Tortura: análise da viabilidade, do âmbito de aplicação e dos parâmetros de possíveis normas internacionais comuns», adotada pela AGNU em 28 de junho de 2019.
A nível regional, o Regulamento inspirou a elaboração de potenciais medidas de controlo do comércio a nível regional pelo Conselho da Europa neste domínio.
4.6Valor acrescentado da UE
O valor acrescentado da UE procura identificar alterações resultantes da intervenção da UE, para além do que poderia ser razoavelmente esperado das ações nacionais adotadas pelos Estados-Membros.
O comércio é um domínio de competência exclusiva da UE, nos termos do artigo 207.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O valor acrescentado da UE decorrente do Regulamento é evidente, tendo em conta que o mesmo se enquadra num domínio em que a UE dispõe de poderes exclusivos e que os objetivos do Regulamento podem, por conseguinte, ser alcançados mais eficazmente a nível da União.
Embora o Regulamento permita aos Estados-Membros adotarem medidas suplementares, as medidas nele previstas podem ser consideradas amplamente adequadas. Cinco Estados‑Membros adotaram ou mantiveram medidas suplementares nos termos dos artigos 10.º e 14.º do Regulamento.
4.7Grupo de Coordenação da Luta contra a Tortura (ATCG)
O ATCG possui como base jurídica o próprio Regulamento. Presidido pela Comissão, a sua composição é limitada a um representante nomeado por cada Estado-Membro. O ATCG abrange um conjunto de tarefas específico, mas limitado: pode examinar questões relativas à execução do Regulamento, nomeadamente o intercâmbio de informações sobre práticas administrativas. O ATCG pode consultar, numa base pontual, exportadores, corretores, prestadores de assistência técnica e outras partes interessadas pertinentes abrangidas pelo Regulamento. De acordo com o considerando 48 do Regulamento, o ATCG desempenha um papel específico na elaboração de atos delegados, uma vez que os Estados-Membros são formalmente consultados através deste grupo sobre os projetos de atos delegados apresentados pela Comissão de acordo com os princípios estabelecidos no Acordo Interinstitucional sobre legislar melhor.
À luz das conclusões do presente relatório e em consonância com o seu mandato, o ATCG poderia, por exemplo, participar em debates mais aprofundados sobre questões como possíveis violações do Regulamento ou potenciais casos preocupantes. A análise da aplicação do artigo 23.º pelos Estados-Membros (notificação das decisões de indeferimento, consulta com outros Estados-Membros e medidas relativas à prestação de informações) também é um elemento importante que poderia ser incluído regularmente no trabalho do ATCG.
5.CONCLUSÕES E PERSPETIVAS PARA O FUTURO
O Regulamento foi adotado para criar um instrumento da União Europeia relativo ao comércio, com países terceiros, de mercadorias e serviços conexos suscetíveis de serem utilizados para aplicar a pena de morte ou infligir tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Foi determinante para promover o respeito pela vida humana e pelos direitos humanos fundamentais.
O Regulamento colmata uma lacuna identificada nos controlos comerciais baseados nos direitos humanos na UE. Contribuiu de forma positiva para cumprir o seu principal objetivo de adotar medidas eficazes e concretas contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Sendo o primeiro instrumento regulamentar juridicamente vinculativo, a nível mundial, neste domínio, também serviu de exemplo para o desenvolvimento de medidas comerciais semelhantes por países terceiros e organizações internacionais.
A sua avaliação confirmou que, em termos globais, o Regulamento está a ser executado de forma satisfatória e continua adequado à sua finalidade. É considerado suficientemente sólido, não sendo considerada necessária, nesta fase, uma atualização legislativa completa. Por outro lado, a avaliação revelou que poderiam ser ainda exploradas medidas não legislativas para apoiar uma aplicação mais eficaz de determinadas disposições do Regulamento.
No que se refere ao leque de mercadorias abrangidas pelo Regulamento, este deve responder à evolução tecnológica e ao mercado em constante mutação e ter em conta as mudanças na natureza da utilização e da utilização abusiva dos equipamentos de manutenção da ordem pública. Poderiam ser também examinadas mais a fundo as incoerências com outros instrumentos conexos da UE (Posição Comum 2008/944/PESC do Conselho e embargos às armas instituídos especificamente para abordar casos de «repressão interna»). Há que continuar a ponderar cuidadosamente a forma de conciliar as considerações de direitos humanos e a necessidade de proteger o comércio de materiais médicos legítimos destinados a salvar vidas, ao avaliar a oportunidade (ou não) de atualizar o leque de substâncias químicas abrangidas.
Para ajudar os Estados-Membros a aplicar o Regulamento de forma mais eficaz e coerente/uniforme em domínios essenciais ou difíceis, poderá ser necessário elaborar orientações sobre a aplicação prática de determinados aspetos do Regulamento, como a definição das mercadorias enumeradas nos anexos, os protocolos relativos às feiras comerciais e às exposições, a avaliação dos riscos, os indeferimentos ou as notificações. Importa explorar outras formas de acompanhar mais de perto eventuais infrações ao Regulamento, bem como a utilização final das mercadorias exportadas. Existe, além disso, margem para obter maiores sinergias, que poderiam ser mais exploradas, entre o trabalho de acompanhamento dos direitos humanos em países terceiros, por um lado, e os controlos relativos à utilização final de mercadorias e serviços exportados ao abrigo do Regulamento, por outro.
A necessidade de maior transparência e responsabilização (nomeadamente através da publicação de relatórios anuais de atividades) também é reconhecida. Além disso, a revisão salienta a necessidade de uma maior partilha de informações sobre o modo como o Regulamento está a ser aplicado, nomeadamente no que diz respeito às avaliações dos riscos e à política em matéria de emissão de autorizações. Poderia ser útil integrar, no exercício anual de apresentação de relatórios, informações adicionais pertinentes, nomeadamente dados sobre infrações e sanções.
Deveria ser incentivada uma interação mais sistemática com organizações não governamentais, organizações internacionais e outras partes interessadas com experiência relevante, nomeadamente através da apresentação de relatórios, notas informativas ou outras informações relacionadas com o Regulamento e a sua execução. Tal promoveria um reforço do acompanhamento e da deteção de casos de eventuais violações e contribuiria para fornecer informações sobre procedimentos de avaliação dos riscos nacionais.
Para examinar as questões salientadas e recolher mais dados e pareceres de peritos, a Comissão propõe a criação de um grupo de peritos. Esse grupo poderia incluir, entre outros, peritos devidamente qualificados de organizações não governamentais competentes (designadamente as que trabalham nos domínios dos direitos humanos e do controlo do armamento), organizações internacionais, entidades do meio académico e da indústria. O grupo prestaria apoio regular à Comissão para explorar vias para o reforço do cumprimento das disposições e para tornar o Regulamento e a sua execução mais eficazes. Teria como função a prestação de amplos conhecimentos especializados complementares ao papel do ATCG, a disponibilização de contributos significativos para orientar o debate sobre as políticas e a execução e permitiria a todas as partes interessadas envolvidas manterem num diálogo contínuo.
Além disso, poderiam ser exploradas medidas não legislativas para dissuadir determinadas atividades inadequadas de cidadãos da UE e de empresas sediadas na UE que exercem atividade no estrangeiro (como a promoção ou comercialização de mercadorias e serviços e a prestação de assistência técnica e formação para uma utilização inadequada ou abusiva de equipamentos de manutenção da ordem pública). Este tipo de medidas poderia incluir, por exemplo, medidas destinadas a assegurar uma maior transparência e sensibilização ou medidas no sentido de promover uma conformidade efetiva com os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos.