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Document 52018AA0001

Parecer n.o 1/2018 [apresentado nos termos do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), do TFUE] sobre a proposta, de 2 de maio de 2018, de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados-Membros

ECA_OPI_2018_1

JO C 291 de 17.8.2018, p. 1–7 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, GA, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

17.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 291/1


PARECER N.o 1/2018

[apresentado nos termos do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), do TFUE]

sobre a proposta, de 2 de maio de 2018, de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados-Membros

(2018/C 291/01)

ÍNDICE

 

Pontos

Página

INTRODUÇÃO…

1 - 8

2

Contexto…

1 - 4

2

A proposta da Comissão…

5 - 8

3

OBSERVAÇÕES GERAIS…

9 - 18

3

Objetivo global de proteger o orçamento da União…

9 - 11

3

Novo mecanismo com grande poder discricionário para a Comissão…

12 - 16

4

Não foi realizada qualquer consulta específica das partes interessadas…

17

4

Não foi realizada qualquer avaliação de impacto…

18

4

OBSERVAÇÕES ESPECÍFICAS…

19 - 30

5

As fontes de orientação e os critérios não são claramente especificados…

19 - 23

5

Não são estabelecidos prazos para a Comissão…

24

6

Não há qualquer obrigação clara de a Comissão avaliar a possibilidade de levantar as medidas por sua própria iniciativa…

25

6

Não há qualquer obrigação de a Comissão avaliar o potencial impacto sobre os beneficiários finais e o orçamento nacional…

26 - 29

6

Cooperação com a Procuradoria Europeia não aplicável a todos os Estados-Membros…

30

7

O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), em conjugação com o Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica, nomeadamente o artigo 106.o-A,

Tendo em conta a proposta da Comissão de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados-Membros (a «proposta») (1),

Tendo em conta o pedido, apresentado pela Comissão, de parecer sobre esta proposta de 3 de maio de 2018, recebido pelo Tribunal em 14 de maio de 2018,

ADOPTOU O SEGUINTE PARECER:

INTRODUÇÃO

Contexto

1.

A comunicação de 2014 da Comissão intitulada «Um novo quadro da UE para reforçar o Estado de direito» (2) apresentou um novo quadro destinado a assegurar uma proteção eficaz e coerente do Estado de direito em todos os Estados-Membros. Esse quadro proporcionou uma estrutura para dar resposta e suprir qualquer ameaça sistémica ao Estado de direito, visando evitar futuras ameaças ao Estado de direito nos Estados-Membros antes de estarem reunidas as condições para desencadear os mecanismos previstos no artigo 7.o do Tratado da União Europeia (TUE). O quadro destinava-se a complementar os mecanismos do artigo 7.o do TUE e não prejudica o recurso a procedimentos de infração ao abrigo do artigo 258.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

2.

A comunicação de 2018 da Comissão intitulada «Um quadro financeiro plurianual novo e moderno para a concretização eficaz das prioridades pós-2020 da União Europeia» (3) explica que «a União Europeia é uma comunidade de direito cujos valores constituem a própria base da sua existência, manifestando-se em toda a sua estrutura jurídica e institucional e em todos os seus domínios de intervenção e programas. Importa, por conseguinte, garantir o respeito por estes valores em todos os domínios de intervenção da União. Este princípio inclui o orçamento da UE, sempre que o respeito pelos valores fundamentais seja um pré-requisito essencial para uma gestão financeira sólida e eficaz dos fundos da UE. O respeito pelo Estado de direito é importante para os cidadãos europeus, bem como para as iniciativas empresariais, a inovação e o investimento; a prosperidade da economia europeia manifesta-se mais fortemente quando o quadro jurídico e institucional adere plenamente aos valores comuns da União».

3.

Em 14 de março de 2018, o Parlamento Europeu solicitou «à Comissão que proponha um mecanismo mediante o qual os Estados-Membros que não respeitem os valores consagrados no artigo 2.o do TUE possam ser sujeitos a consequências financeiras», advertindo, no entanto, «que os beneficiários finais do orçamento da União não podem, de forma alguma, ser afetados por infrações às regras pelas quais não sejam responsáveis». Manifestou ainda a sua «convicção de que o orçamento da União não é o instrumento adequado para resolver a inobservância do artigo 2.o do TUE, e que quaisquer eventuais consequências financeiras devem ser suportadas pelo Estado-Membro independentemente da execução do orçamento» (4).

4.

Segundo a Comissão, «não existe atualmente nenhum mecanismo para proteger o dinheiro dos contribuintes europeus caso ocorra uma falha do Estado de Direito num Estado-Membro» (5). As regras atualmente em vigor obrigam os Estados-Membros a demonstrar que os seus sistemas de gestão e de controlo e os seus procedimentos para a execução dos fundos da UE protegem suficientemente os interesses financeiros da União (6), sem o que a Comissão toma medidas corretivas (por exemplo, suspende os pagamentos ou aplica correções financeiras). Se a Comissão detetar infrações à legislação da União, pode dar início a um procedimento de infração contra um Estado-Membro com base no artigo 258.o do TFUE. Além disso, se um Estado-Membro não respeitar os valores fundamentais referidos no artigo 2.o do TUE, nomeadamente o Estado de direito, a Comissão pode desencadear o mecanismo previsto no artigo 7.o do TUE, que pode, em última análise, levar à suspensão de certos direitos (incluindo direitos de voto no Conselho; ver ponto 15).

A proposta da Comissão

5.

Tendo em conta o objetivo geral da proposta, que consiste em contribuir para a execução adequada do orçamento da UE, a Comissão escolheu o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que constitui a mesma base jurídica do Regulamento Financeiro. A proposta é um regulamento independente no âmbito do pacote regulamentar para o Quadro Financeiro Plurianual de 2021-2027.

6.

Mais especificamente, a proposta tem por objetivo estabelecer «as regras necessárias com vista à proteção do orçamento da União caso se verifiquem deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados-Membros», que afetem ou sejam suscetíveis de afetar os princípios da boa gestão financeira e da proteção dos interesses financeiros da União. Por conseguinte, concede à Comissão o direito de dar início ao procedimento antes de tais riscos se concretizarem. Ao aumentar a proteção contra possíveis práticas ou omissões das autoridades nacionais que sejam contrárias ao Estado de direito, a proposta visa ter um impacto positivo na boa gestão financeira do orçamento geral da UE.

7.

A proposta prevê que a Comissão, depois de ter em consideração as informações e as observações apresentadas pelo Estado-Membro em causa, apresente ao Conselho uma proposta com vista a um ato de execução sobre as medidas adequadas (dependendo da natureza, gravidade e alcance das deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito). Essa proposta é considerada como tendo sido adotada pelo Conselho, salvo se este decidir, por maioria qualificada, rejeitar ou alterar a proposta da Comissão no prazo de um mês. As medidas adequadas podem revestir a forma de uma suspensão, redução ou limitação do acesso do Estado-Membro ao financiamento da UE, na totalidade ou em parte.

8.

A proposta obriga a Comissão a avaliar a situação caso o Estado-Membro em questão apresente elementos de prova que demonstrem que as deficiências generalizadas identificadas foram corrigidas ou deixaram de existir, no todo ou em parte, e, se a avaliação o confirmar, a apresentar ao Conselho uma proposta de decisão para levantar essas medidas no todo ou em parte. Sem uma decisão deste tipo até ao ano n+2, as autorizações suspensas do ano n ficariam definitivamente perdidas para o Estado-Membro em causa.

OBSERVAÇÕES GERAIS

Objetivo global de proteger o orçamento da União

9.

O Tribunal congratula-se com o objetivo da iniciativa legislativa da Comissão, que consiste em proteger o orçamento da UE contra deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito (ver caixa 1 ) num Estado-Membro, que afetam ou são suscetíveis de afetar a boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros da União.

Caixa 1 — O Estado de direito na União

A jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, bem como os documentos elaborados pelo Conselho da Europa, com base designadamente nos conhecimentos especializados da Comissão de Veneza, fornecem orientações sobre o significado fundamental do Estado de direito enquanto valor comum da UE, em conformidade com o artigo 2.o do TUE.

Esses princípios estabelecidos compreendem a legalidade (que implica um processo transparente, responsável, democrático e pluralista de adoção da legislação), a segurança jurídica, a proibição da arbitrariedade dos poderes executivos, tribunais independentes e imparciais, o controlo jurisdicional efetivo (incluindo o respeito pelos direitos fundamentais) e a igualdade perante a lei.

10.

O Tribunal toma nota de que a Comissão baseia o mecanismo proposto na necessidade de respeitar o Estado de direito como uma condição prévia para assegurar a observância dos princípios da boa gestão financeira dos fundos da UE. Concorda com a opinião da Comissão de que as decisões ilegais e arbitrárias por parte de autoridades públicas responsáveis pela gestão dos fundos e pelo controlo jurisdicional são suscetíveis de prejudicar os interesses financeiros da União.

11.

Na qualidade de instituição superior de controlo da União, o Tribunal reconhece que a confiança de todos os cidadãos e autoridades nacionais da UE no funcionamento do Estado de direito se reveste de uma importância vital para que a UE continue a desenvolver-se no sentido de «um espaço de liberdade, de segurança e de justiça sem fronteiras internas» (7). Reconhece também que a independência e a imparcialidade do sistema judicial são fundamentais para assegurar a boa gestão financeira e a proteção do orçamento da UE, em especial no que diz respeito ao processo judicial de execução de ações judiciais, à luta contra a fraude e a outros interesses legítimos da UE.

Novo mecanismo com grande poder discricionário para a Comissão

12.

O Tribunal regista que o mecanismo proposto é mais específico no seu objetivo, âmbito e gama de medidas que podem ser tomadas do que os mecanismos previstos no artigo 7.o do TUE, além de mais célere na sua aplicação. No entanto, a proposta de regulamento atribui à Comissão um maior poder discricionário no processo do que as regras atualmente vigentes para combater qualquer violação dos valores fundamentais consagrados no artigo 2.o do TUE.

13.

A Comissão poderia iniciar o processo se entender que tem «motivos razoáveis» para considerar que as condições previstas no artigo 3.o estão preenchidas. Ao fazê-lo, pode tomar em consideração todas as informações pertinentes referidas no considerando 12 da proposta, incluindo decisões do Tribunal de Justiça da UE, relatórios do Tribunal de Contas e conclusões e recomendações de organizações internacionais competentes (ver ponto 19). No entanto, os critérios para dar início ao procedimento não são claramente definidos (ver pontos 20-23).

14.

Em resposta à constatação da Comissão, o Estado-Membro em causa deve fornecer todas as informações necessárias e pode apresentar as suas observações, que a Comissão deve ter em consideração. A Comissão decidiria a medida adequada em cada caso individual. A proposta prevê que a Comissão aplique o princípio da proporcionalidade e avalie cada caso em função das suas próprias características (gravidade, tempo, duração, recorrência, intenção do referido comportamento e grau de cooperação, bem como os efeitos dessa deficiência nos respetivos fundos da UE). Os critérios para a escolha e o alcance das medidas também não estão claramente definidos (ver ponto 20).

15.

O artigo 7.o do TUE exige uma maioria de quatro quintos no Conselho para verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.o. Além disso, requer a unanimidade do Conselho Europeu, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu, para verificar a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, dos valores referidos no artigo 2.o. Após a determinação dessa existência, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode suspender certos direitos resultantes da qualidade de membro do Estado-Membro em causa, incluindo direitos de voto no Conselho. Neste mecanismo proposto, contudo, a proposta da Comissão é considerada aceite a menos que seja rejeitada ou alterada pelo Conselho. Para rejeitar a proposta da Comissão, seria necessário que o Conselho decidisse por maioria qualificada no prazo de um mês («votação por maioria qualificada invertida»). O Parlamento Europeu só seria informado de quaisquer medidas propostas ou adotadas.

16.

A falta de critérios para as decisões que marcam etapas importantes na execução do regulamento proposto e a adoção da proposta da Comissão através de uma votação por maioria qualificada invertida pelo Conselho contribuem para o poder discricionário que a proposta confere à Comissão.

Não foi realizada qualquer consulta específica das partes interessadas

17.

O artigo 11.o, n.o 3, do TUE prevê que, «a fim de assegurar a coerência e a transparência das ações da União, a Comissão Europeia procede a amplas consultas às partes interessadas». Mais especificamente, o artigo 2.o do Protocolo n.o 2 relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao Tratado, estipula que, «antes de propor um ato legislativo, a Comissão procede a amplas consultas». Embora o Tribunal registe que o assunto foi objeto de um amplo debate, nomeadamente no Parlamento Europeu e no Conselho, considera que teria sido essencial que a Comissão realizasse uma consulta específica das partes interessadas antes da publicação da proposta.

Não foi realizada qualquer avaliação de impacto

18.

Em conformidade com o Acordo Interinstitucional «Legislar melhor», a Comissão deve realizar avaliações de impacto de todas as suas iniciativas legislativas e não legislativas, atos delegados e medidas de execução que sejam suscetíveis de terem um importante impacto económico, ambiental ou social. Apesar do impacto potencial sobre os beneficiários finais (ver ponto 26) e do facto de partes do orçamento da União não serem provavelmente abrangidas pelo mecanismo (ver ponto 28), o Tribunal observa que não foi realizada qualquer avaliação de impacto. A Comissão considera que as regras adotadas nos termos do artigo 322.o do TFUE constituem o quadro geral para a execução de programas de despesas, o que implica que não existem impactos económicos, ambientais ou sociais diretos que possam ser analisados de forma útil. O Tribunal, porém, estima que a realização de uma avaliação de impacto antes da publicação da proposta teria permitido que os órgãos legislativos tomassem uma decisão mais fundamentada.

OBSERVAÇÕES ESPECÍFICAS

As fontes de orientação e os critérios não são claramente especificados

19.

A proposta não especifica claramente que fontes de orientação disponíveis a Comissão deverá utilizar para realizar a sua avaliação qualitativa com o objetivo de identificar uma deficiência generalizada no que diz respeito ao Estado de direito, o que coloca em risco a boa gestão financeira. Apenas prevê que a Comissão possa basear a sua avaliação nas informações provenientes de todas as fontes disponíveis. Na opinião do Tribunal, uma especificação mais clara poderia melhorar a transparência, a rastreabilidade e a auditoria do mecanismo proposto, bem como a segurança jurídica e a proibição da arbitrariedade dos poderes executivos que se propõe conferir à Comissão. A caixa 2 apresenta algumas fontes de orientação possíveis.

Caixa 2 — Exemplos de fontes de orientação possíveis

A Comissão poderia encontrar fontes de orientação no capítulo 23 (Sistema judicial e direitos fundamentais) e capítulo 24 (Justiça, liberdade e segurança) aplicáveis às negociações de adesão à UE, bem como no Mecanismo de Cooperação e de Verificação (MCV) para a Bulgária e a Roménia, que foi implantado para colmatar as deficiências nos domínios da reforma judicial, da corrupção ou da criminalidade organizada. Outros exemplos de possíveis fontes ou orientações pertinentes são a lista dos critérios do Estado de direito adotada pela Comissão de Veneza, a Recomendação do Conselho da Europa CM/Rec (2010) 12 relativa aos juízes: independência, eficiência e responsabilidade, o Relatório da Comissão de Veneza sobre a Independência do Sistema Judicial (Parte I: A independência dos juízes [CDL-AD(2010) 004)] e o Relatório da Comissão de Veneza (Parte II: O Ministério Público [CDL-AD(2010) 040)].

20.

O artigo 4.o, n.o 3, da proposta dispõe que as medidas adotadas devem ser proporcionais à natureza, gravidade e alcance das deficiências generalizadas. A proporcionalidade deve ser assegurada em especial tendo em conta a gravidade da situação, a sua duração e recorrência, a intenção e o grau de cooperação do Estado-Membro, bem como os efeitos dessa deficiência generalizada nos respetivos fundos da União.

21.

As medidas propostas devem também, «na medida do possível, visar as ações da União efetiva ou potencialmente afetadas por tal deficiência». No entanto, não são definidos critérios precisos para as decisões que marcam etapas importantes, como o início do procedimento ou a determinação da extensão das medidas, o que não garante uma aplicação coerente das disposições.

22.

Segundo a Comissão, uma maior especificação dos critérios não é necessária e seria contraproducente, uma vez que as deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito devem ser identificadas com base numa avaliação qualitativa, o que não permite a utilização de critérios quantitativos. Qualquer abordagem quantitativa enfraqueceria substancialmente o mecanismo devido ao risco de não serem abrangidos todos os casos possíveis. Além disso, alega que o ónus da prova da sua avaliação qualitativa, que está sujeita ao controlo jurisdicional, recai na Comissão e no Conselho.

23.

No contexto das suas auditorias do procedimento relativo aos défices excessivos e do procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos (8), o Tribunal constatou que tinham sido definidos critérios claros, o que lhe permitiu concluir que existiam insuficiências na coerência e na transparência da aplicação dos dois procedimentos. Neste contexto, o Tribunal considera que há necessidade de desenvolver critérios que permitam uma apreciação crítica da coerência na aplicação das disposições que visam garantir a igualdade de tratamento dos Estados-Membros no caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito, que colocam em risco a boa gestão financeira.

Recomendação 1

O Tribunal recomenda que os órgãos legislativos estabeleçam critérios claros e específicos para definir o que constitui uma deficiência generalizada no que diz respeito ao Estado de direito, que coloca em risco a boa gestão financeira, e para determinar a extensão de medidas, quer no regulamento proposto ou em eventuais regras de execução. Ao estabelecer os critérios, podem ser tidas em consideração fontes de orientação que a Comissão utilizou no âmbito das negociações de adesão à UE, bem como no Mecanismo de Cooperação e de Verificação para acompanhar os progressos realizados por um Estado-Membro.

Não são estabelecidos prazos para a Comissão

24.

Apesar de não estabelecer prazos para a Comissão, a proposta de regulamento fixa prazos rigorosos nos quais o Estado-Membro em causa deve responder à notificação da Comissão (num prazo que não pode ser inferior a um mês) e o Conselho deve rejeitar a proposta de decisão por maioria qualificada (no prazo de um mês). O Tribunal observa que o Tratado não prescreve quaisquer prazos para o mecanismo ao abrigo do artigo 7.o do TUE ou para o procedimento de infração previsto no artigo 258.o do TFUE. A Comissão informou o Tribunal de que, em qualquer caso, tem a obrigação de agir num prazo razoável (9).

Recomendação 2

O Tribunal recomenda que os órgãos legislativos especifiquem a base para estabelecer os prazos nos quais o Estado-Membro em causa tem de fornecer as informações necessárias, bem como a introdução de prazos semelhantes para a Comissão sempre que adequado, por exemplo, no que se refere ao levantamento das medidas caso as deficiências generalizadas subjacentes tenham deixado de existir.

Não há qualquer obrigação clara de a Comissão avaliar a possibilidade de levantar as medidas por sua própria iniciativa

25.

Em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, da proposta, a Comissão tem a obrigação de proceder a uma avaliação no que diz respeito ao levantamento das medidas na sequência de um pedido apresentado pelo Estado-Membro em causa. Contudo, o Tribunal observa que a proposta não inclui uma disposição exigindo que, na ausência de tal pedido, a Comissão proceda a uma avaliação por sua própria iniciativa, caso existam motivos que o justifiquem. A Comissão comunicou ao Tribunal que de qualquer forma o faria.

Não há qualquer obrigação de a Comissão avaliar o potencial impacto sobre os beneficiários finais e o orçamento nacional

26.

Podem ser adotadas medidas adequadas no âmbito das modalidades de gestão direta, indireta e partilhada cujas consequências, segundo a exposição de motivos da proposta, «recaem sobre os responsáveis pelas deficiências identificadas». Salvo disposição em contrário da decisão do Conselho, a imposição das medidas não afeta a obrigação de as entidades públicas ou os Estados-Membros executarem o programa ou fundo afetado pela medida, nem a obrigação de efetuar pagamentos aos beneficiários finais (10). O Tribunal regista que a proposta não contém uma disposição sobre a forma de o garantir. Na prática, o Estado-Membro em causa terá de intervir e efetuar os pagamentos ou assegurar de outra forma o financiamento dos projetos ou programas.

27.

Neste contexto, o Tribunal salienta que os pagamentos de fundos nacionais e da UE podem já estar condicionados pela disponibilidade de fundos orçamentais, conforme verificou durante as suas auditorias (11). A Comissão informou o Tribunal de que propôs regras (12) para o próximo QFP que impõem uma série de obrigações às autoridades nacionais no sentido de assegurar os pagamentos aos beneficiários na íntegra e em tempo útil. O Tribunal regista, no entanto, que a proposta de regulamento que estabelece disposições comuns também contém uma cláusula que subordina às disponibilidades orçamentais a obrigação de a autoridade nacional assegurar o pagamento aos beneficiários (13).

28.

O objetivo da proposta de regulamento é proteger o orçamento da União na sua integralidade. Ao fazê-lo, no entanto, procura garantir que as eventuais repercussões das medidas tomadas recaiam sobre as entidades públicas responsáveis pelas deficiências generalizadas identificadas e não sobre os beneficiários finais que não são entidades públicas (14) (como estudantes Erasmus, investigadores ou organizações da sociedade civil) ou outros Estados-Membros (por exemplo, através de programas de cooperação territorial europeia). Com este objetivo em mente, a proposta prevê que, nas modalidades de gestão direta e indireta, as medidas só possam ser aplicadas se o beneficiário for uma entidade pública. Por conseguinte, se o beneficiário não for uma entidade pública, o financiamento da UE concedido a essa entidade não é abrangido pelas medidas que a Comissão pretende propor. Sem uma avaliação de impacto que pudesse ter esclarecido que parte do orçamento da União ficaria necessariamente sem a proteção deste mecanismo proposto, é difícil determinar a sua potencial amplitude.

Recomendação 3

O Tribunal recomenda que os órgãos legislativos solicitem à Comissão que avalie em pormenor na sua proposta ao Conselho a forma como serão salvaguardados os legítimos interesses dos beneficiários finais. Para todas as medidas ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, da proposta (como a redução das autorizações ou a suspensão das autorizações ou dos pagamentos), os direitos dos beneficiários finais deverão ser salvaguardados.

29.

Nos casos em que sejam utilizados fundos nacionais para suprir a suspensão ou redução dos fundos da UE, esses fundos teriam de provir do orçamento nacional do Estado-Membro em causa, o que tem implicações orçamentais para o Estado-Membro (15), especialmente no caso de suspensões ou reduções em grande escala.

Recomendação 4

O Tribunal recomenda que os órgãos legislativos solicitem à Comissão que, antes de decidir as medidas adequadas a propor, avalie as possíveis implicações orçamentais de uma redução do financiamento da UE para o orçamento nacional do Estado-Membro em causa, tendo devidamente em conta os princípios da proporcionalidade e da não discriminação.

Cooperação com a Procuradoria Europeia não aplicável a todos os Estados-Membros

30.

Uma deficiência generalizada no que diz respeito ao Estado de direito num Estado-Membro pode estar associada a uma cooperação eficaz e atempada com o Organismo Europeu de Luta Antifraude e com a Procuradoria Europeia. O Tribunal chama a atenção para o facto de nem todos os Estados-Membros integrarem a Procuradoria Europeia, o que leva a que as disposições relativas à Procuradoria Europeia, após a sua criação, só sejam aplicáveis aos Estados-Membros participantes.

Recomendação 5

O Tribunal recomenda que os órgãos legislativos esclareçam que as disposições relativas à Procuradoria Europeia, após a sua criação, só podem ser aplicáveis aos Estados-Membros participantes.

O presente parecer foi adotado pelo Tribunal de Contas, no Luxemburgo, na sua reunião de 12 de julho de 2018.

Pelo Tribunal de Contas

Klaus-Heiner LEHNE

Presidente


(1)  COM(2018) 324 final, de 2 de maio de 2018.

(2)  COM(2014) 158 final, de 11 de março de 2014.

(3)  COM(2018) 98 final, de 14 de fevereiro de 2018.

(4)  Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de março de 2018, sobre o próximo QFP: preparação da posição do Parlamento sobre o QFP pós-2020 [2017/2052(INI)].

(5)  Ver a brochura da Comissão «O orçamento da UE para o futuro — boa gestão financeira e Estado de direito» https://publications.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/20d5496b-526a-11e8-be1d-01aa75ed71a1/language-pt

(6)  Em conformidade com o artigo 59.o, n.o 2, do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (Regulamento Financeiro) (JO L 298 de 26.10.2012, p. 1), «no âmbito da realização das tarefas relacionadas com a execução do orçamento, os Estados-Membros tomam todas as medidas necessárias, incluindo medidas legislativas, regulamentares e administrativas, para proteger os interesses financeiros da União, … […]».

(7)  Artigos 3.o, n.o 2, do TUE e 67.o do TFUE; COM(2014) 158 final, de 11 de março de 2014.

(8)  Relatório Especial n.o 10/2016 «Necessidade de mais melhorias para assegurar uma aplicação eficaz do procedimento relativo aos défices excessivos» e Relatório Especial n.o 3/2018 «Auditoria do procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos (PDM)».

(9)  Ver processos apensos C-74/00 P e C-75/00 P Falck SpA e Acciaierie di Bolzano SpA contra Comissão das Comunidades Europeias, EU:C:2002:524, n.os 139-141 (http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=47692&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=263967).

(10)  Esta posição reflete o ponto 119 da resolução do Parlamento Europeu, de 14 de março de 2018, sobre o próximo QFP: preparação da posição do Parlamento sobre o QFP pós-2020, que refere que «os beneficiários finais do orçamento da União não podem, de forma alguma, ser afetados por infrações às regras pelas quais não sejam responsáveis».

(11)  Durante as auditorias realizadas no âmbito da gestão partilhada, o Tribunal detetou contratos celebrados entre as autoridades nacionais e os beneficiários finais que continham cláusulas condicionando os pagamentos à disponibilidade orçamental.

(12)  Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (UE) n.o 1306/2013 [COM(2018) 393 final] e proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece disposições comuns sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu Mais, o Fundo de Coesão e o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e regras financeiras para estes Fundos e o Fundo para o Asilo e a Migração, o Fundo para a Segurança Interna e o Instrumento de Gestão das Fronteiras e dos Vistos [COM(2018) 375 final].

(13)  Ver artigo 68.o, n.o 1, alínea b), da proposta de regulamento que estabelece disposições comuns.

(14)  Consoante a regulamentação com base na qual o financiamento da UE é concedido, os beneficiários finais são também referidos como destinatários finais.

(15)  Na sua resolução de 14 de março de 2018, o Parlamento Europeu declarou que «o orçamento da União não é o instrumento adequado para resolver a inobservância do artigo 2.o do TUE, e que quaisquer eventuais consequências financeiras devem ser suportadas pelo Estado-Membro independentemente da execução do orçamento».


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