Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 52014DC0224

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Relatório 2013 sobre a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

/* COM/2014/0224 final */

52014DC0224

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Relatório 2013 sobre a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia /* COM/2014/0224 final */


1. Introdução

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a Carta) é dirigida, em primeiro lugar, às instituições da União, complementando os sistemas nacionais sem os substituir. Os Estados-Membros estão sujeitos aos seus próprios sistemas constitucionais e aos direitos fundamentais neles estabelecidos. Conforme o disposto no artigo 51.º da Carta, os Estados-Membros devem ter apenas em consideração a Carta quando as suas medidas nacionais aplicam o direito da UE.

O presente relatório evidencia o papel do Tribunal de Justiça da União Europeia (o Tribunal) na aplicação da Carta, nomeadamente no que diz respeito à mais recente evolução da sua jurisprudência sobre a aplicabilidade da Carta nos Estados‑Membros.

O relatório tem também em consideração a forma como as instituições têm respeitado e promovido, sob o controlo do Tribunal, os direitos fundamentais em todas as suas iniciativas, nomeadamente através do desenvolvimento de nova legislação, de novas políticas e medidas de execução.

Por último, o relatório sublinha a importância da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e os progressos alcançados com a adesão da UE a este instrumento.

O documento de trabalho dos serviços da Comissão anexado ao presente relatório (anexo 1) fornece informações pormenorizadas relativas à aplicação da Carta, ilustrando problemas concretos que afetam os cidadãos. Os progressos alcançados com a implementação da Estratégia 2010-2015 para a igualdade entre mulheres e homens são apresentados num anexo à parte (anexo 2).

2. Aplicabilidade da Carta aos Estados-Membros

Os juízes nacionais estão cada vez mais conscientes do impacto da Carta e interrogam o Tribunal[1] sobre a sua aplicação e interpretação no âmbito dos processos prejudiciais[2].

Para determinar se uma situação é abrangida pelo âmbito de aplicação da Carta, tal como definido no artigo 51.º, o Tribunal verifica, em particular, se a legislação nacional pertinente se destina a transpor uma disposição do direito da UE, a natureza dessa legislação, se persegue outros objetivos além dos abrangidos pelo direito da União e se existem regras do direito da UE específicas para esta matéria ou suscetíveis de a afetar[3].

Três processos recentes constituem bons exemplos de situações em que o Tribunal considerou que os Estados-Membros não se encontravam numa situação de aplicação do direito da União e que, por conseguinte, a Carta não se aplicava.

Em primeiro lugar, no processo Pringle[4], o Tribunal de Justiça declarou que quando os Estados-Membros instituíssem um mecanismo permanente para a resolução de crises para os países da zona euro, estes não estavam a aplicar o direito da UE. Os Tratados não conferem qualquer competência específica à UE para a instituição de tal mecanismo. Por conseguinte, os Estados-Membros não estavam a implementar o direito da UE ao abrigo do artigo 51.º e a Carta não se aplicava.

Em segundo lugar, no processo Fierro e Marmorale[5], o Tribunal examinou a legislação italiana que exige a anulação de uma escritura de venda de um bem imóvel, caso este tenha sido modificado sem ter em consideração o regulamento urbanístico. Este tipo de anulação automática dificulta o exercício do direito de propriedade (artigo 17.º[6]). O Tribunal de Justiça declarou este processo inadmissível uma vez que não existia qualquer relação entre a legislação nacional em matéria de urbanismo e o direito da União.

Em terceiro lugar, no processo Cholakova[7], o Tribunal examinou uma situação em que a polícia búlgara procedeu à detenção de Gena Cholakova, porque esta última recusou-se a apresentar o seu bilhete de identidade durante um controlo policial. O Tribunal de Justiça considerou que, uma vez que Gena Cholakova não manifestou a intenção de abandonar o território búlgaro, o processo revelou ser unicamente da competência da legislação nacional. O Tribunal decidiu que o processo não era da sua competência e declarou-o inadmissível.

Existem atualmente três situações em que é claro que deve ser desencadeada a aplicação da Carta.

Em primeiro lugar, a «aplicação do direito da UE» abrange a atividade legislativa e as práticas administrativas e judiciais de um Estado-Membro no cumprimento das suas obrigações ao abrigo do direito da União. Tal ocorre, nomeadamente, quando os Estados-Membros garantem uma proteção judicial efetiva para salvaguardar os direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da UE, tal como são obrigados conforme o disposto no artigo 19.º, n.º 1 do Tratado da União Europeia (TUE). A diretiva relativa à liberdade de circulação[8] permite aos Estados-Membros restringir a livre circulação dos cidadãos da União por motivos de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. O Tribunal declarou, no processo ZZ, que o motivo para tal restrição deveria ser comunicado à parte interessada.[9] Neste caso, o motivo para a não admissão do Reino Unido não foi divulgado por razões de segurança nacional. O Tribunal afirmou que um indivíduo tem o direito de ser informado acerca do motivo que levou a uma decisão de recusa de entrada, uma vez que a proteção de segurança nacional não pode negar o direito a um processo equitativo, sob pena de privar o direito de recurso da sua eficácia (artigo 47.º).

Em segundo lugar, o Tribunal estabeleceu que a Carta se aplica quando uma autoridade de um Estado-Membro exerce um poder de apreciação que lhe foi conferido pelo direito da União. No processo Kaveh Puid[10], o Tribunal confirmou a sua jurisprudência estabelecida previamente[11] e declarou que um Estado-Membro não deve transferir um requerente de asilo para o Estado-Membro inicialmente designado como responsável, se existirem motivos graves e válidos para acreditar que o requerente teria de enfrentar um risco real de ser submetido a tratamentos desumanos ou degradantes, em violação do artigo 4.º da Carta.

Por último, pode considerar-se que aplicam o direito da UE as medidas nacionais relacionadas com o desembolso de fundos da UE em regime de gestão partilhada. No processo Blanka Soukupová[12], o Tribunal declarou que, mediante a implementação do Regulamento n.º 1257/1999 do Conselho relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural, é exigido aos Estados-Membros que respeitem os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, consagrados nos artigos 20.º, 21.º, n.º 1, e no artigo 23.º da Carta. Quando concedem apoio à reforma antecipada dos agricultores idosos, os Estados-Membros são obrigados a assegurar a igualdade de tratamento entre mulheres e homens, e a proibirem qualquer tipo de discriminação fundada no sexo.

Uma decisão amplamente debatida em 2013 no que concerne à aplicabilidade da Carta foi o acórdão Åkerberg Fransson[13]. Este acórdão constitui uma etapa importante no processo de clarificação em curso da interpretação do artigo 51.º da Carta.

O Tribunal de Justiça foi convidado a esclarecer se os casos de direito nacional que cumprem os objetivos fixados no direito da União constituem, igualmente, situações em que o direito da UE é «aplicado» nos termos do artigo 51.º da Carta. O processo foi apresentado ao Tribunal para obter uma decisão a título prejudicial, por um tribunal de primeira instância da Suécia que não tinha a certeza se um processo penal por evasão fiscal, no contexto de declarações do IVA, podia ser movido contra o requerido, caso uma sanção administrativa fiscal já tivesse sido imposta pelo mesmo ato de declaração de informações falsas. Esse processo devia ser examinado com base no princípio ne bis in idem (direito a não ser punido penalmente duas vezes por uma mesma infração), consagrado no artigo 50.º da Carta, ainda que a legislação nacional subjacente a estas sanções administrativas e a este processo penal não tenha sido adotada para transpor o direito da UE.

O Tribunal chamou a atenção para o facto de que, ao abrigo do direito da União, os Estados-Membros têm a obrigação de garantir a cobrança da totalidade do IVA devido, de combater atividades ilícitas que afetem os interesses financeiros da UE e de tomar as mesmas medidas que utilizam para combater as fraudes suscetíveis de afetarem os seus próprios interesses financeiros, no combate à fraude lesiva dos interesses financeiros da UE.[14]

Os recursos próprios da UE englobam as receitas provenientes da aplicação de uma taxa uniforme à matéria coletável do IVA, determinada segundo as normas da UE. Existe, por conseguinte, uma relação direta entre a cobrança das receitas provenientes do IVA no âmbito do direito da UE aplicável e a disponibilidade dos recursos do IVA correspondentes para o orçamento da UE. Qualquer lacuna na cobrança das receitas do IVA, a nível nacional, pode ter uma incidência no orçamento da União. O Tribunal de Justiça declarou que, «[o]s direitos fundamentais garantidos pela Carta (...) devem ser respeitados quando uma regulamentação nacional é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União Europeia, não podendo existir situações que sejam abrangidas pelo direito da União, sem que esses direitos fundamentais sejam aplicáveis. A aplicabilidade do direito da União Europeia implica a aplicabilidade dos direitos fundamentais garantidos pela Carta».[15] De acordo com o Tribunal, o direito nacional, neste contexto, «destina-se a sancionar uma violação das disposições da [dita ] diretiva e visa, por conseguinte, aplicar a obrigação imposta pelo Tratado aos Estados-Membros de sancionar de maneira efetiva os comportamentos prejudiciais para os interesses financeiros da União».[16]

Quanto ao resultado do processo, o Tribunal observou que o princípio que visa evitar que uma pessoa seja punida duas vezes pela mesma infração não se opõe a que um Estado-Membro imponha, pelos mesmos atos, uma combinação de sanções fiscais e penais, desde que as sanções fiscais não disponham de um caráter penal.

3. Ações para Promover a Aplicação Efetiva da Carta

Todas as políticas da UE promovem os direitos fundamentais. Quando a UE tem competência para agir, a Comissão propõe atos legislativos que concretizam os direitos e os princípios enunciados na Carta. A Comissão toma, igualmente, medidas ativas que visam promover a Carta e reforçar o respeito pelo direito da União, através da instauração de processos por infração contra os Estados-Membros.

A observância da Carta pelas próprias instituições é analisada pelo Tribunal, que verifica a conformidade dos atos da União com a Carta.

3.1. Legislação da União

A Comissão garante e verifica cuidadosamente que todas as propostas legislativas respeitam e promovem os direitos fundamentais. A Comissão segue esta abordagem ao longo de todo o processo legislativo, desde a própria proposta, até ao debate da mesma durante as negociações entre as instituições da UE e à sua adoção definitiva.

3.1.1. Propostas legislativas

No domínio do direito penal, a Comissão propôs cinco medidas jurídicas para promover ainda mais o programa relativo aos direitos processuais e para reforçar os fundamentos da política europeia em matéria de justiça penal. Estas medidas incluem três propostas de diretivas sobre:

· o reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em tribunal em processo penal (artigos 48.º e 47.º);

· garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal (artigos 24.º e 49.º);

· apoio judiciário provisório para suspeitos ou arguidos privados de liberdade, bem como apoio judiciário nos processos relativos ao mandado de detenção europeu (artigo 47.º, n.º 3).

Estas medidas incluem também duas recomendações, uma relativa às garantias processuais a favor de pessoas vulneráveis consideradas suspeitas ou arguidas em processos penais e a outra relativa ao direito ao apoio judiciário para suspeitos ou arguidos em processo penal (artigo 47.º)[17].

A fim de reforçar o princípio de confiança mútua em que se baseia a cooperação judicial, é essencial que as medidas de direito penal estejam alicerçadas em parâmetros europeus sólidos em matéria de direitos processuais e de direitos das vítimas, conforme o disposto na Carta.

A Comissão garantiu, igualmente, a proteção efetiva da confidencialidade da profissão de advogado no âmbito da legislação da União em matéria de luta contra o branqueamento de capitais. A diretiva contra o branqueamento de capitais proposta em fevereiro de 2013 impõe uma obrigação de, no âmbito de um determinado número de atividades profissionais, se comunicar às autoridades todas as suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo. No entanto, tendo em conta a importância fundamental do direito de defesa (artigo 48.º), a diretiva proposta exige aos Estados-Membros que não apliquem esta obrigação aos advogados em determinadas circunstâncias, por exemplo quando se tratem de informações obtidas no decorrer da apreciação da situação jurídica de um cliente.[18]

Além disso, a Comissão garantiu uma via de recurso para os trabalhadores no exercício do seu direito de livre circulação na União Europeia. Esta proposta legislativa[19] visa, entre outros aspetos, introduzir uma obrigação jurídica para os Estados-Membros de fornecerem aos trabalhadores em mobilidade na UE vias de recurso adaptadas a nível nacional (artigo 47.º).

Em setembro de 2013, a Comissão propôs um regulamento relativo aos índices utilizados como índices de referência no contexto dos instrumentos e contratos financeiros.[20] O regulamento proposto visa submeter os índices de referência, fornecidos pelos agentes de mercado no setor financeiro a normas e a uma supervisão mais claras. A proposta de regulamento pretendia ainda conferir poderes de controlo e coercivos às autoridades competentes, incluindo o acesso a transferência de dados, mediante solicitação. A Comissão avaliou a incidência desta proposta sobre diversos direitos protegidos pela Carta: a proteção de dados de caráter pessoal (artigo 8.º), o direito à liberdade de expressão e de informação (artigo 11.º) e a liberdade de empresa (artigo 16.º).

Na sua proposta de regulamento que estabelece regras para a vigilância das fronteiras marítimas externas no contexto da cooperação operacional coordenada pela Frontex[21], adotada em abril de 2013, a Comissão assegurou que todas as medidas tomadas durante as operações de vigilância coordenadas pela Frontex devem respeitar plenamente os direitos fundamentais e o princípio da não repulsão, segundo o qual nenhum refugiado deve ser enviado para um Estado onde existe o risco de ser submetido à pena de morte, à tortura ou a outros tratamentos ou penas desumanos ou degradantes (artigo 19.º, n.º 2). Antes do desembarque num país terceiro, os Estados-Membros devem ter em conta a situação geral do país em causa, a fim de assegurar que não está envolvido em práticas que violem o princípio da não repulsão. As pessoas intercetadas ou socorridas devem ser identificadas e a sua situação pessoal avaliada.

3.1.2. Negociações interinstitucionais que comportam importantes aspetos relativos aos direitos fundamentais

O ano 2013 foi decisivo para o direito à proteção de dados de caráter pessoal. À luz das revelações deste ano no que diz respeito aos programas de vigilância à escala mundial que monitorizam todas as comunicações dos cidadãos, as instituições da União tiveram que progredir nas negociações relativas a um novo padrão de proteção de dados.[22] Em outubro de 2013, a Comissão LIBE do Parlamento Europeu apoiou a proposta da Comissão Europeia.[23] O objetivo desta reforma consiste em conceder aos cidadãos o controlo dos seus dados pessoais, mediante a atualização dos seus direitos (artigo 8.º). O consentimento explícito, o direito a ser esquecido, o direito à portabilidade dos dados e de ser informado sobre as violações de dados de caráter pessoal constituem elementos essenciais. Estes direitos contribuirão para compensar o fosso crescente entre os cidadãos e as empresas com as quais partilham os seus dados, voluntariamente ou não.

A fim de promover a liberdade de empresa, consagrada no artigo 16.º da Carta, a Comissão apresentou uma proposta em 2012 que visava modernizar as normas em matéria de insolvência transfronteiriça.[24] Durante as negociações, que registaram progressos notáveis em 2013, o impacto dessa proposta sobre os direitos dos credores minoritários a um recurso efetivo (artigo 47.º) e o direito de propriedade (artigo 17.º) foi minuciosamente analisado.

3.1.3. Aplicação da Carta através de medidas adotadas pela autoridade legislativa da UE e pela Comissão

Em matéria de direitos processuais, foi adotada a diretiva relativa ao direito de acesso a um advogado e ao direito de informar um terceiro deste o momento de privação de liberdade[25]. Este ato legislativo de referência garantiu a todos os suspeitos o direito a serem assistidos por um advogado desde as fases iniciais do processo até à sua conclusão (artigos 47.º e 48.º).

O Parlamento Europeu e o Conselho adotaram a reformulação do regulamento de Dublin[26] que garante aos requerentes de asilo um recurso efetivo face às decisões de transferência, de modo a assegurar o pleno efeito do seu direito a permanecer no território e reduzir o risco de «reenvio em cadeia» (artigo 19.º, n.º 2). Essa reformulação tem, igualmente, em conta a jurisprudência do Tribunal que prevê que um requerente de asilo não deve ser enviado para um Estado-Membro onde exista um sério risco de violação dos seus direitos fundamentais. Nesse tipo de situações, um outro Estado-Membro deve assumir a responsabilidade o mais rapidamente possível, a fim de não comprometer o acesso imediato à justiça do requerente de asilo.

O Parlamento Europeu e o Conselho também adotaram a diretiva sobre os procedimentos de asilo[27] e a diretiva relativa às condições de acolhimento[28]. A primeira reforça as garantias que protegem o direito fundamental ao asilo, em especial, mediante o reforço do direito de acesso aos procedimentos de asilo (artigos 18.º e 19.º), enquanto que a segunda inclui normas aperfeiçoadas e mais claras, a fim de proteger de forma mais eficaz o direito fundamental à dignidade, especialmente para os requerentes de asilo vulneráveis e harmoniza as regras em matéria de detenção, definindo motivos claros e restritivos, as condições de detenção, bem como as garantias processuais para os que se encontram detidos (artigos 1.º, 4.º, 6.º, 7.º, 18.º, 21.º, 24.º, e 47.º).

No que diz respeito aos direitos das vítimas, um regulamento relativo ao reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil[29] estabelece um mecanismo simples e rápido para o reconhecimento de medidas de proteção em matéria civil decretada por um determinado Estado-Membro. As pessoas protegidas por este tipo de medidas (essencialmente mulheres que obtiveram uma intimação judicial de afastamento contra uma determinada pessoa) têm a garantia que a intimação obtida no seu país de origem terá o mesmo estatuto em todo o território da União Europeia.

As eleições europeias de 2014 serão as primeiras a ser realizadas ao abrigo do Tratado de Lisboa, que reforçou os poderes do Parlamento Europeu. Na sua recomendação do mês de março de 2013[30], a Comissão convidou os partidos políticos a apoiarem um candidato para o cargo de presidente da Comissão Europeia nas próximas eleições europeias e a demonstrarem a sua filiação a um partido político europeu. A recomendação visa promover o direito de voto, consagrado no artigo 39.º da Carta, informar os eleitores das questões em causa nestas eleições, incentivar um debate à escala europeia e melhorar, em última análise, a taxa de participação eleitoral.

3.2. Medidas de promoção dos direitos fundamentais

As grandes empresas europeias continuam a ser predominantemente dirigidas por homens. No ano passado e com vista a alcançar a igualdade substancial entre mulheres e homens nos órgãos de administração das empresas, em conformidade com o artigo 23.º da Carta, a Comissão apresentou uma proposta de diretiva para melhorar o equilíbrio entre homens e mulheres entre os administradores não executivos das empresas cotadas em bolsa[31]. Em novembro de 2013, o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre a diretiva proposta[32] na sua primeira leitura, confirmando a existência de um amplo consenso relativo à necessidade de aumentar a representatividade das mulheres nos órgãos de administração e subscrevendo a abordagem da Comissão para corrigir o desequilíbrio atual.

Um outro domínio no qual a UE continua a reforçar a proteção dos direitos de igualdade e a promover a adoção de medidas positivas é a integração da população cigana. Em 2013, foram alcançados progressos significativos com uma abordagem à escala europeia para lutar contra a exclusão da população cigana. Uma recomendação do Conselho[33] foi adotada por unanimidade em dezembro de 2013. Os Estados‑Membros comprometeram-se a melhorar a integração económica e social das comunidades ciganas. Ao longo de todo o processo, a própria comunidade cigana participou em discussões nos níveis de decisão mais elevados.

3.3. Medidas de Execução da UE

A Comissão exerceu o seu papel de guardiã dos Tratados e tomou medidas para assegurar que os Estados-Membros respeitam a legislação da União que concretiza a Carta.

Na sequência da análise da aplicação à escala nacional do Código de Vistos[34] sobre o direito de recurso contra uma recusa, uma anulação ou uma revogação de visto, a Comissão colocou um determinado número de questões relativas à compatibilidade da legislação nacional com as disposições do Código de Vistos e da Carta. A Comissão concluiu que o direito a um recurso efetivo, previsto no artigo 47.º da Carta, exige que um recurso contra uma recusa, uma anulação ou uma revogação de visto, inclua o acesso a um órgão jurisdicional, como única ou última instância de recurso. Foram enviadas cartas de notificação para cumprimento a vários Estados‑Membros.

Em 2012[35], o Tribunal de Justiça decidiu que a redução súbita e radical da idade de reforma para os juízes, para os magistrados do Ministério Público e para os notários na Hungria não estava em conformidade com a Diretiva 2000/78, que garante que o princípio da não discriminação, consagrado no artigo 21.º da Carta, seja integralmente respeitado no domínio do emprego. Na sequência de um diálogo frutuoso com a Comissão, a Hungria adotou em março de 2013 uma lei que proporciona soluções para os problemas expressos pela Comissão e que aplica corretamente e integralmente o acórdão do Tribunal.

Por último, no que se refere à proteção de dados, a Comissão verificou a execução pela Áustria do acórdão do Tribunal de 2012[36] relativo à falta de independência da autoridade de controlo da proteção dos dados. A Áustria modificou a sua legislação em matéria de proteção de dados e assegurou que o membro da autoridade responsável pela gestão corrente seja unicamente sujeito à supervisão do seu presidente e que a autoridade deixe de fazer parte da Chancelaria Federal, mas que disponha do seu próprio orçamento e pessoal.

3.4. Controlo do Tribunal sobre as instituições da União

O Tribunal supervisiona a observância da Carta por todas as instituições da UE. Proferiu diversos acórdãos para garantir que as instituições da União agem em conformidade com a Carta. Estes acórdãos destinam-se, igualmente, a determinar em que medida a legislação da União e as suas decisões, dirigidas aos cidadãos, estão em conformidade com a Carta.

A União pode emitir sanções ou medidas restritivas suscetíveis de terem impacto sobre os direitos fundamentais da pessoa contra quem são emitidas. No acórdão Kadi II[37], o Tribunal esclareceu determinados direitos processuais de pessoas suspeitas de estarem associadas ao terrorismo, incluindo o direito a uma boa administração, o direito a um recurso efetivo e o direito a um tribunal imparcial (artigos 41.º e 47.º). O Tribunal de Justiça garantiu a proteção de liberdades e direitos fundamentais, ao mesmo tempo, que reconheceu a necessidade imperativa de combater o terrorismo internacional. Os ativos do Sr. Kadi foram congelados pela Comissão, mediante a execução de uma decisão do Comité de Sanções das Nações Unidas, no âmbito da resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que a Comissão não dispunha de qualquer informação ou elemento de prova para fundamentar as alegações segundo as quais o Sr. Kadi estaria envolvido em atividades ligadas ao terrorismo internacional (alegações que ele formalmente negou), essas alegações não justificavam a adoção, a nível da União, de medidas restritivas contra ele.

Em alguns casos, as instituições da UE adotaram, independentemente da existência de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, decisões e regulamentos de congelamento de fundos de pessoas e organismos reconhecidos pelas instituições da UE como participantes em atividades de proliferação nuclear. Algumas dessas pessoas e organismos interessados interpuseram recursos com vista a anular essas decisões. Num grande número de acórdãos[38], o Tribunal Geral anulou as medidas tomadas pelas instituições da União relativas a diversas partes requerentes. Considerou que as instituições da União não dispunham de provas suficientes para justificar as medidas tomadas e que, em alguns casos, não tinham respeitado a obrigação de fornecer elementos de prova e motivos.

No processo Besselink[39], o Tribunal Geral aplicou o direito de acesso aos documentos, consagrado no artigo 42.º da Carta, tendo anulado parcialmente a decisão do Conselho de recusa de acesso a um documento sobre a adesão da UE à CEDH. O Tribunal de Justiça considerou que o Conselho cometeu um erro de apreciação ao recusar o acesso a uma das diretrizes de negociação que tinha adotado. A posição expressa no referido documento já tinha sido comunicada às partes envolvidas na negociação. Por conseguinte, a sua divulgação não podia comprometer o clima de confiança entre as partes envolvidas na negociação.

Estas decisões foram dirigidas a particulares, mas os atos legislativos da UE dirigidos aos Estados-Membros são igualmente examinados pelo Tribunal.

O Tribunal examinou a compatibilidade da decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu[40] com os artigos 47.º e 48.º da Carta. Foi convidado a precisar se um Estado-Membro pode proceder à entrega de uma pessoa que tenha sido condenada à revelia com a condição de essa condenação poder ser objeto de recurso no Estado requerente, a fim de evitar quaisquer efeitos negativos sobre o direito a um tribunal imparcial e aos direitos da defesa, tal como garantido pela constituição do Estado-Membro que procede à entrega da pessoa em causa[41]. O Tribunal de Justiça considerou que a decisão-quadro sobre o mandado de detenção europeu era plenamente compatível com a Carta. Proceder à entrega de uma pessoa sob uma condição não prevista nos termos da decisão-quadro comprometeria os princípios de confiança e de reconhecimento mútuos que esta decisão visa defender, e prejudicaria a sua eficácia.

4. Papel da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)

O simples facto de que a Carta apenas se aplica quando os Estados-Membros aplicam o direito da União não significa que existam lacunas na proteção dos direitos fundamentais. Os indivíduos que utilizam as vias de recurso nacionais, uma vez esgotadas, podem apresentar um pedido ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em conformidade com a CEDH, da qual todos os Estados-Membros são parte.

O Tratado de Lisboa obriga a que a União adira à CEDH. Em abril de 2013, o projeto de acordo sobre a adesão da UE à CEDH foi concluído, o que constituiu um marco importante no processo de adesão. Para a próxima etapa, a Comissão solicitou ao Tribunal de Justiça para dar o seu parecer sobre o projeto de acordo.

5. Conclusão

Em 2013, o Tribunal de Justiça procedeu à análise de inúmeros processos relativos à aplicabilidade da Carta a nível nacional, o que evidencia a interação crescente da Carta com os sistemas jurídicos nacionais. Neste contexto, o acórdão Åkerberg Fransson desempenha um papel fundamental numa definição aprofundada da aplicação da Carta nos Estados-Membros pelos juízes nacionais, ainda que a jurisprudência neste aspeto esteja ainda em plena evolução e suscetível de ser continuamente ajustada.

Os juízes nacionais desempenham um papel essencial na concretização das liberdades e dos direitos inscritos na Carta, uma vez que garantem diretamente que os particulares obtenham plena satisfação nos processos em que os direitos fundamentais relevantes do direito da União não tenham sido respeitados.

As instituições da União Europeia realizaram esforços significativos a fim de garantir a aplicação coerente das disposições da Carta, desde que esta última se tornou juridicamente obrigatória devido à sua integração no direito primário da UE. Qualquer incidência sobre os direitos fundamentais deve ser, cuidadosamente, examinada no contexto dos procedimentos legislativos, em particular no momento de elaborar as soluções finais de compromisso. Um forte empenhamento interinstitucional é necessário para alcançar este objetivo.

Os atos jurídicos da União podem, igualmente, ser contestados diante do Tribunal em caso de violação dos direitos fundamentais. O controlo do Tribunal estende-se também aos Estados-Membros, mas apenas quando estes aplicam o direito da União. Fora desse domínio, os Estados-Membros aplicam o seu próprio sistema nacional de direitos fundamentais. Trata-se de uma escolha clara e deliberada que os Estados-Membros fizeram na elaboração da Carta e do Tratado.

As instituições da União devem ir além do simples respeito das exigências jurídicas decorrentes da Carta. Devem continuar a cumprir a missão política que consiste em promover uma cultura de direitos fundamentais para todos, cidadãos, como agentes económicos ou autoridades públicas. O facto de a Comissão ter recebido mais de 3 000 cartas de cidadãos relativas ao respeito dos direitos fundamentais mostra que conhecem os seus direitos e exigem que sejam respeitados. A Comissão apoia os seus esforços.

[1]               Para uma visão global dos pedidos de decisão prejudicial referentes à Carta apresentados ao Tribunal de Justiça em 2013, cf. apêndice II.

[2]               Ver o artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE).

[3]               Acórdão do Tribunal de Justiça, de 18 de dezembro de 1997, no processo C-309/96 Annibaldi, n.º 21 a 23, e acórdão de 8 de novembro de 2012, processo C‑40/11 Iida, n.º 79.

[4]               Acórdão do Tribunal de Justiça, de 27 de novembro de 2012, no processo C-370/12, Thomas Pringle/ Governo da Irlanda.

[5]               Acórdão do Tribunal de Justiça, de 30 de maio de 2013, no processo C-106/13, Francesco Fierro e Fabiana Marmorale contra Edoardo Ronchi e Cosimo Scocozza.

[6]               Os artigos subsequentes referidos entre parênteses são artigos da Carta.

[7]               Acórdão do Tribunal de Justiça, de 6 de junho de 2013, no processo C-14/13, Gena Ivanova Cholakova.

[8]               Diretiva 2004/38/CE (JO L 158, p. 77).

[9]               Acórdão do Tribunal de Justiça, de 4 de junho de 2013, no processo C-300/11, ZZ/Secretary of State for the Home Department.

[10]             Acórdão do Tribunal de Justiça, de 14 de novembro de 2013, no processo C-4/11, Bundesrepublik Deutschland/Kaveh Puid.

[11]             Acórdão do Tribunal de Justiça, de 21 de dezembro de 2011, nos processos apensos C-411/10 e C-493/10, NS/Secretary of State for the Home Department.

[12]             Acórdão do Tribunal de Justiça, de 11 de abril de 2013, no processo C-401/11, Blanka Soukupová.

[13]             Acórdão do Tribunal de Justiça, de 26 de fevereiro de 2013, no processo C-617/10, Aklagaren/Hans Åkerberg Fransson.

[14]             Ibid., n.º 26.

[15]             Ibid., n.º 21.

[16]             Ibid., n.º 28.

[17]             COM(2013) 821, 822 e 824 de 27.11.2013 e COM(2013) 8178 e 8179 de 27.11.2013.

[18]              Acórdão do Tribunal de Justiça, de 26 de junho de 2007, no processo C-305/05, Ordre des barreaux francophones et germanophone.

[19]             COM(2013) 236 final de 26.4.2013.

[20]             COM(2013) 641 final de 18.09.2013.

[21]             COM(2013) 197 final de 12.04.2013.

[22]             COM(2012) 821, 11 de 25.1.2012 e COM(2012) 10 final de 25.1.2012.

[23]             Parlamento Europeu, documento n-º A7-0403/2013.

[24]             COM(2012) 744 final de 12.12.2012.

[25]             Diretiva 2013/48/UE, JO L 294.

[26]             Regulamento n.º 604/2013 (JO L 180, p. 31).

[27]             Diretiva 2013/32/UE, JO L 180.

[28]             Diretiva 2013/33/UE (JO L 2013 de 29.6.2013, p. 96).

[29]             Regulamento 606/2013, JO L 181.

[30]             Recomendação 2013/142/UE (JO L 79, p. 29).

[31]             COM(2012) 614 final de 14.11.2012.

[32]             Parlamento Europeu, documento n.º A7-0340/2013.

[33]             Recomendação do Conselho, de 9 de dezembro de 2013, relativa a medidas de integração eficientes de integração da comunidade cigana nos Estados-Membros.

[34]             Regulamento 810/2009, JO L 243.

[35]             Acórdão do Tribunal de Justiça, de 6 de novembro de 2012, no processo C-286/12, Comissão/Hungria.

[36]             Acórdão do Tribunal de Justiça, de 6 de novembro de 2012, no processo C-614/10, Comissão/Hungria.

[37]             Acórdão do Tribunal de Justiça, de 18 de julho de 2013, no processo C-584/10 P, Comissão e Outros/ Kadi (Kadi II), recurso contra o acórdão no processo T-85/09, Kadi/Comissão (Kadi I).

[38]             Acórdão do Tribunal Geral, nos processos apensos T-35/10 e T-7/11, Bank Melli Iran; processo T-493/10, Persia International Bank plc; processos apensos T-4/11 e T-5/11, Export Development Bank of Iran; T-12/11, Iran Insurance Company; T-13/11, Post Bank Iran; T-24/11, Bank Refah Kargaran; T-434/11, Europäisch-Iranische Handelsbank AG; processos apensos T-42/12 e T-181/12, Naser Bateni; T-57/12, Good Luck Shipping, e acórdão de 6 de setembro de 2013, no processo T-110/12, Iranian Offshore Engineering e Construction Co./Conselho.

[39]             Acórdão do Tribunal Geral, de 12 de setembro de 2013, no processo T-331/11 Besselink/Conselho.

[40]             A decisão-quadro 2002/584/JAI com a redação que lhe foi dada pela decisão-quadro 2009/299/JAI, JO L 81, p. 24.

[41]             Acórdão do Tribunal de Justiça, de 26 de fevereiro de 2013, no processo C-399/11, Stefano Melloni/ Ministério Fiscal.

Top