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Document 52012DC0715

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO Relatório sobre a responsabilidade e a compensação por prejuízos financeiros sofridos por locais de refúgio ao acolherem navios que precisam de assistência

/* COM/2012/0715 final */

52012DC0715

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO Relatório sobre a responsabilidade e a compensação por prejuízos financeiros sofridos por locais de refúgio ao acolherem navios que precisam de assistência /* COM/2012/0715 final */


RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

Relatório sobre a responsabilidade e a compensação por prejuízos financeiros sofridos por locais de refúgio ao acolherem navios que precisam de assistência

(Texto relevante para efeitos do EEE)

1.           INTRODUÇÃO

Em 2005, a Comissão decidiu propor a alteração do quadro jurídico que regula o acolhimento de navios que precisem de assistência em locais de refúgio, estabelecido inicialmente pela Diretiva 2002/59/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à instituição de um sistema comunitário de acompanhamento e de informação do tráfego de navios e que revoga a Diretiva 93/75/CEE do Conselho. A Comissão propôs a introdução da obrigação de acolhimento dos navios que precisem de assistência se, avaliada a situação, tal se afigurar a melhor solução para proteger as pessoas e o ambiente.

Atendendo às preocupações suscitadas pelos custos que os portos teriam de assumir ao proporcionar refúgio a navios que necessitassem de assistência, o artigo 20.º‑D do texto alterado da Diretiva 2002/59/CE dispõe que a Comissão deve examinar os mecanismos existentes nos Estados-Membros para a compensação de eventuais prejuízos económicos sofridos por locais de refúgio ao acolherem navios e informar o Parlamento Europeu e o Conselho dos resultados desse exercício[1].

Antes da alteração que sofreu em 2009, a Diretiva 2002/59/CE, mais especificamente o artigo 26.º, n.º 2, estabelecia a obrigação de a Comissão informar sobre a execução, pelos Estados-Membros, de planos adequados para os locais de refúgio. A Comissão pedira à Agência Europeia da Segurança Marítima (AESM) que prestasse informações pertinentes, inter alia, sobre os mecanismos de responsabilização e de compensação aplicáveis em caso de acolhimento de navios em locais de refúgio. Os dados recolhidos pela AESM constituíram a base do relatório que a Comissão elaborou em 2005, assim como um contributo suplementar para as discussões interinstitucionais sobre o terceiro pacote de segurança marítima, nomeadamente a Diretiva 2009/17/CE. Após a adoção desta última, a Comissão recebeu da AESM informações suplementares, atualizadas, que incidem essencialmente nos instrumentos internacionais aplicáveis e no quadro normativo reforçado da UE relativo à responsabilidade e à compensação por danos causados a locais de refúgio. Mais concretamente, a Comissão designou um consultor externo para a realização de um estudo sobre os mecanismos de responsabilidade e de compensação previstos no direito nacional dos Estados-Membros da UE.

A apreciação, feita no presente relatório, da necessidade de um mecanismo suplementar de responsabilização e de compensação pelos danos sofridos por locais de refúgio com o acolhimento de um navio que precisa de assistência baseia‑se nos contributos recebidos pela Comissão. A questão do seguro dos navios é igualmente tida em conta neste contexto, na perspetiva da recente entrada em vigor da Diretiva 2009/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao seguro dos proprietários de navios em matéria de créditos marítimos, e das últimas alterações aos limites de responsabilidade, introduzidas nos termos da Convenção sobre a Limitação da Responsabilidade em Sinistros Marítimos, de 1976 (Convenção LLMC), alterada pelo Protocolo de 1996, no plano internacional[2].

2.           QUADRO INTERNACIONAL

Não existe uma obrigação específica, imposta pelo direito internacional público, de acolhimento de um navio que precise de assistência num local de refúgio. Existe, no entanto, um conjunto de disposições legais que regulam o transporte marítimo e a responsabilidade decorrente de acidentes marítimos, incluindo a poluição causada pelos navios, e, mais concretamente, o pagamento de compensação às partes afetadas. Como demonstra a análise que se segue, alguns instrumentos contemplam expressamente os locais de refúgio e os danos causados pelos navios em perigo neles acolhidos.

2.1.        UNCLOS

Para o caso vertente, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar apresenta pouco interesse, mas contém algumas disposições gerais em matéria de atribuição de responsabilidade por medidas ilegais tomadas em reação a incidentes de poluição marítima e de compensação em casos de poluição marinha, as quais se podem aplicar também aos locais de refúgio[3].

2.2.        Convenções internacionais específicas

As convenções específicas estabelecem regimes de responsabilidade civil estritos, em conformidade com o direito internacional, com limitações específicas, que abrangem vários tipos de poluição no mar.

2.2.1.     Sistema CLC–FIPOL

O regime de responsabilidade mais elaborado foi estabelecido pela Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1992 (Convenção CLC de 1992), complementada pelo Protocolo de 1992 à Convenção Internacional para a Constituição de um Fundo Internacional para Compensação pelos Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos (FIPOL) e pelo Protocolo de 2003 a esta última convenção, que constitui um fundo suplementar com o mesmo objetivo. São Parte em todos estes instrumentos 27 Estados, 19 dos quais são Estados‑Membros.           

Âmbito de aplicação:

O sistema CLC‑FIPOL abrange os danos causados pela poluição resultante da perda ou despejo no mar de hidrocarbonetos transportados por navios. Tais danos podem resultar também de medidas de precaução tomadas para evitar a poluição. Apesar da falta de exemplos deste tipo de danos, o acolhimento de um navio num local de refúgio poderá ser considerado uma medida de precaução, se baseado numa decisão razoável no intuito de obviar a um risco de poluição grave e iminente. Nesse caso, não haveria necessidade de mecanismos suplementares de compensação, salvo se a decisão de acolher o navio tivesse sido tomada para salvar o próprio navio ou a sua carga – o que, em todo o caso, seria difícil de distinguir do risco de poluição. O conceito de danos indemnizáveis ao abrigo deste sistema é muito amplo, abrangendo os danos causados a mercadorias, a perda de rendimentos decorrente da poluição, os danos ambientais e as perdas puramente económicas (resultantes da impossibilidade de os proprietários de mercadorias não poluídas obterem destas os rendimentos habituais). A única limitação aplicável a este último tipo de indemnizações diz respeito à falta de um nexo de causalidade direto entre a perda económica e a poluição.

Responsabilidade dos armadores:

Nos termos da Convenção CLC de 1992, a responsabilidade objetiva aplica-se ao armador, que se encontra coberto por um regime de seguro obrigatório, em conformidade com as disposições da Convenção LLMC. O armador não pode ser exonerado de responsabilidade, exceto se o dano resultar de ato de guerra, de catástrofe natural equiparada a caso de força maior, de ato cometido por terceiro com a intenção de causar dano, ou se o dano resultar exclusivamente de negligência da autoridade competente encarregada de prestar ao navio assistência à navegação durante o exercício dessa função. No contexto do acolhimento do de um navio num local de refúgio, a decisão de receber o navio poderá (se não fundamentada, ou se baseada numa apreciação errada dos factos, por exemplo) dar origem a responsabilidade por culpa da autoridade competente que a tomou ou por negligência do sinistrado (ou seja, o local de refúgio), que preclude, no todo ou em parte, a responsabilidade de indemnizar que recai no armador.

A responsabilidade suplementar abrange:

No caso de danos superiores aos limites da CLC, ou caso o armador não seja responsável, ou não cumpra a sua obrigação, o FIPOL e o fundo suplementar pagarão uma compensação aos sinistrados. No âmbito destes regimes, as exonerações de responsabilidade são ainda mais limitadas, aplicando‑se apenas aos casos de poluição resultante de ato de guerra ou causada por navios de guerra ou navios explorados pelos Estados para fins não comerciais, em caso de ausência de prova de um nexo de causalidade entre o navio e os danos causados ou entre o dano e o ato intencional ou a negligência do sinistrado. A compensação a pagar por estes fundos pode atingir um limite cumulativo de, aproximadamente, 1,1 mil milhões de euros[4] por todos os danos. Exceto o caso do acidente do Prestige, altura em que o fundo suplementar não fora ainda constituído, não há exemplos de casos em que a indemnização a pagar ao abrigo do mecanismo CLC-FIPOL tenha sido insuficiente para cobrir os danos. Tanto mais que, sendo os danos em locais de refúgio relativamente pequenos na escala da poluição por hidrocarbonetos, a compensação coberta pelos fundos nesses casos parece ser suficiente.

2.2.2.     Convenção HNS

A Convenção Internacional sobre a Responsabilidade e a Compensação pelos Danos resultantes do Transporte de Substâncias Perigosas e Nocivas por Mar, de 1996 (Convenção HNS) abrange os danos causados por substâncias nocivas e perigosas transportadas por mar, com exceção dos hidrocarbonetos. A Convenção HNS foi alterada em 2010 por um protocolo, que se considera ter afastado os obstáculos à ratificação da convenção, preparando assim o terreno para a sua entrada em vigor.

A Convenção HNS estabelece também, com base no sistema CLC‑FIPOL, dois níveis de indemnização das vítimas:

a) No primeiro nível, a compensação baseia-se na responsabilidade do armador, que é automática e tem um limite de, aproximadamente, 137 milhões de euros[5], cobertos pelo seguro obrigatório do proprietário do navio;

b) Se o proprietário do navio não for responsável (cf. artigo 7.º, n.º 2) ou se não cumprir a sua obrigação ou se for ultrapassado o limite da sua responsabilidade, a compensação será coberta por um fundo especial até 300 milhões de euros, aproximadamente[6].

Segundo informações prestadas à Comissão pelo Grupo Internacional de Clubes de Proteção e Indemnização (Clubes de P&I), não se verificou qualquer caso de poluição por substâncias perigosas e nocivas em que o montante da indemnização tenha excedido os limites definidos na convenção.

2.2.3.     Convenção «Bancas»

A Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil por Danos resultantes da Poluição causada por Combustível de Bancas (Convenção «Bancas») entrou em vigor em 2008, tendo sido ratificada por 22 Estados‑Membros. A convenção estabelece um regime de responsabilidade por danos causados pelo combustível de bancas, que incluem, por um lado, os danos resultantes da poluição e da degradação do ambiente e, por outro, os custos das medidas preventivas e outros danos ou perdas causados por estas últimas.

A responsabilidade de indemnizar recai exclusivamente no armador (definido lato sensu na convenção), é automática – aplicando‑se as mesmas exceções que no sistema CLC‑FIPOL – e é garantida pelo seguro obrigatório para os navios de mais de 1000 GT. No entanto, a responsabilidade também se limita ao estabelecido na Convenção LLMC. Esses limites deverão, em princípio, cobrir qualquer pedido de indemnização por danos resultantes das operações do navio, tendo em conta também as estatísticas atuais relativas a acidentes, que demonstram terem sido relativamente raros os casos em que os limites da LLMC se revelaram insuficientes para cobrir os danos causados pela poluição.

2.2.4.     Convenção sobre a Remoção de Destroços

A Convenção Internacional sobre a Remoção de Destroços (Convenção «Remoção de Destroços») foi adotada em 2007, em Nairobi, e não entrou ainda em vigor, tendo sido ratificada por um Estado‑Membro apenas. Esta convenção prevê especificamente a possibilidade de os Estados costeiros procederem, a expensas do armador, à remoção dos destroços de um navio que se encontre num local de refúgio, devendo o armador ter um seguro que cubra os danos, dentro dos limites estabelecidos pela Convenção LLMC.

Importa referir que, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, da Convenção «Remoção de Destroços», os Estados que nela são Partes podem, mediante notificação ao Secretário-Geral da IMO, excluir a aplicação dos limites de responsabilidade do armador, estabelecidos na Convenção LLMC, às despesas de remoção dos destroços de um navio no seu território. Vários Estados recorreram a esta disposição, emitindo notificações que levantaram os limites de responsabilidade pelos custos de remoção de destroços de navios nas suas águas territoriais, incluindo os danos sofridos pelos locais de refúgio.

2.3.        Outros instrumentos internacionais

A IMO adotou em 2003 diretrizes sobre os locais de refúgio para navios que necessitam de assistência[7]. As diretrizes incluem a subscrição de um seguro e a garantia financeira obrigatória nos fatores de avaliação dos navios pelas autoridades costeiras para admissão num local de refúgio. Após a adoção das diretrizes, o Comité Jurídico da IMO debateu, em várias ocasiões, a questão da responsabilidade e da compensação por danos sofridos, não contemplada pelas diretrizes.

Em 2009, foi apresentado ao Comité Jurídico da IMO um projeto de instrumento sobre os locais de refúgio[8] patrocinado pelo Comité Marítimo Internacional. O projeto propunha uma disposição específica sobre a garantia, ou outra caução financeira, a prestar pelo armador a pedido do local de refúgio que aceite acolher o navio. O Comité não viu necessidade de um instrumento suplementar para resolver a questão da indemnização por danos sofridos pelos locais de refúgio após a admissão de navios e concluiu que o regime internacional que compreende as atuais convenções sobre a responsabilidade e a compensação por danos resultantes da poluição no mar constitui um quadro jurídico abrangente, especialmente se associado às diretrizes sobre os locais de refúgio, adotadas pela Resolução A.949(23), e a outros acordos regionais[9].

Há também alguns exemplos de instrumentos regionais, do qual tanto a UE como alguns dos Estados-Membros são Parte, que contemplam a questão do acolhimento de navios em locais de refúgio[10]. Estes instrumentos centram-se na cooperação reforçada entre os Estados costeiros de uma determinada região, o que implica o intercâmbio de informações e a partilha de recursos para intervenção imediata em situações de perigo, no intuito de evitar ou limitar a poluição. Não contêm, porém, quaisquer disposições em matéria de responsabilidade e de compensação por danos sofridos por locais de refúgio. Todos eles fazem referência aos instrumentos internacionais, às diretrizes da IMO 2003 e à legislação da UE na matéria. Por conseguinte, estes exemplos confirmam a importância da entrada em vigor célere de todos os instrumentos pertinentes, assim como o interesse de cada Estado‑Membro em garantir uma melhor aplicação do quadro normativo vigente na sua região.

3.           QUADRO NORMATIVO DA UE

Além da Diretiva 2002/59/CE, o direito da UE regula, indiretamente, em dois atos legislativos que adiante se descrevem, a questão da responsabilidade e da indemnização por perdas sofridas pelos locais de refúgio ao acolherem um navio em dificuldades. Estes instrumentos não prejudicam as convenções internacionais já aplicáveis na UE (CLC‑FIPOL, «Bancas» e LLMC, na pendência da ratificação e entrada em vigor das Convenções HNS e «Remoção de Destroços»). Acresce que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu[11] que outros diplomas legislativos da UE, como a Diretiva 75/442/CEE do Conselho relativa aos resíduos, podem constituir, para as administrações dos Estados-Membros, um fundamento para compensação por medidas preventivas e corretivas não abrangidas pelo âmbito de aplicação das convenções internacionais[12].

3.1.        Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais

Esta diretiva aplica-se aos danos ambientais causados pelo transporte por mar de mercadorias perigosas ou poluentes e a ameaças iminentes de ocorrência desses danos, que resultem de incidentes, com exceção dos danos abrangidos pelo âmbito de aplicação das convenções internacionais enunciadas no seu anexo IV (por exemplo, Convenções CLC‑FIPOL, HNS e «Bancas»). A diretiva estabelece a responsabilidade do transportador das mercadorias perigosas ou poluentes, dentro dos limites da Convenção LLMC, alterada, a fim de financiar medidas de prevenção ou reparação e restituição.

Este instrumento impõe obrigações importantes ao operador do navio, designadamente prevenir os danos e proceder às operações de limpeza da poluição. Por outro lado, só permite que o porto que serve de local de refúgio invoque a responsabilidade do armador para a reparação dos danos ambientais.

A transposição da diretiva pelos Estados-Membros está concluída e o controlo da sua aplicação pela Comissão revelou também resultados altamente satisfatórios.

3.2.        Diretiva 2009/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao seguro dos proprietários de navios em matéria de créditos marítimos

Esta diretiva impõe aos navios que arvoram a bandeira ou entrem num porto de um Estado-Membro a obrigação de disporem de seguro suficiente para cobrir todos os créditos marítimos sujeitos aos limites da Convenção LLMC, alterada pelo Protocolo de 1996.

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1, da Convenção LLMC, a lista dos créditos sujeitos a limitação da responsabilidade inclui danos à propriedade (instalações portuárias, nomeadamente) diretamente relacionados com as operações do navio ou operações de salvação, assim como as perdas resultantes dessas operações. Os créditos relativos à remoção dos destroços também são expressamente mencionados nessa lista. Por conseguinte, os principais danos que podem ser causados aos locais de refúgio caem no âmbito de aplicação da Diretiva 2009/20/CE e estão cobertos pelo seguro obrigatório na UE.

Apenas nos casos em que a totalidade dos créditos resultantes das operações do navio ultrapasse o limite estabelecido pela convenção poderá o local de refúgio não ser compensado por parte dos danos que sofreu. Tendo em conta os montantes dos limites de responsabilidade, a probabilidade de ocorrência de tais casos será limitada, se não inexistente.

À luz das disposições da citada diretiva, é improvável que um navio com cobertura de seguro insuficiente peça acolhimento num local de refúgio, uma vez que, de qualquer modo, não pode entrar nas águas da UE. Este elemento introduz um nível suplementar de cobertura da responsabilidade – rationae loci – para os locais de refúgio contra os armadores em caso de danos. Embora improvável, não se pode excluir o cenário em que um navio embandeirado num Estado terceiro – logo, não abrangido pela obrigação estrita de dispor de seguro, que impende sobre todos os Estados-Membros que são Estados de bandeira por força desta diretiva – tenha de ser aceite num local de refúgio sem cobertura de seguro suficiente [artigo 20.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2002/59/CE].

O mecanismo de seguro só se aplica caso seja invocada a responsabilidade do armador. Em geral, a menos que assista aos sinistrados, por força de normas específicas (ou seja, condições especiais do contrato de seguro), um direito de ação diretamente contra a seguradora, o princípio prevalecente é que os armadores têm de indemnizar os sinistrados e só depois podem recorrer às suas seguradoras para se ressarcirem dos custos correspondentes. De acordo com a prática dos Clubes de P&I – que seguram a responsabilidade a mais de 90% da arqueação da frota mundial –, a seguradora só cobre a responsabilidade do armador se tal tiver sido decidido por sentença de um tribunal judicial, transitada em julgado, ou por decisão de um tribunal arbitral aprovado pela seguradora.

A Diretiva 2009/20/CE devia ter sido transposta pelos Estados‑Membros até 1 de janeiro de 2012. A grande maioria dos Estados‑Membros comunicou já à Comissão as medidas adotadas. A Comissão tem planeada uma análise pormenorizada das medidas de transposição notificadas, a efetuar no segundo semestre deste ano.

4.           QUADRO NORMATIVO NACIONAL

Nos casos não abrangidos pelos mecanismos específicos estabelecidos por uma convenção internacional ou pela Diretiva 2004/35/CE, os danos sofridos por um local de refúgio caem no âmbito de aplicação das disposições nacionais sobre a responsabilidade de um dos 22 Estados costeiros da UE. Mais especificamente, os casos em que se aplique a legislação nacional em vez do quadro internacional e da UE acima delineado limitam‑se aos seguintes: a) Não‑ratificação pelo Estado em causa do instrumento internacional pertinente; b) Não‑vigência da convenção internacional pertinente; c) Aplicação de exonerações e limitação da responsabilidade estabelecidas pelo direito internacional e pelo direito da UE; d) Não‑cobertura, pelo direito e internacional pelo direito da UE, do tipo de danos causados aos locais de refúgio. No que diz respeito a este último caso, é pouco provável que ocorra, porquanto os tipos mais importantes de danos (por exemplo, os causados por hidrocarbonetos ou substâncias perigosas e nocivas ou pela remoção de destroços ou os danos ambientais) se encontram já abrangidos por instrumentos internacionais específicos e pela Diretiva 2004/35/CE.

4.1.        Responsabilidade dos armadores

A responsabilidade dos operadores privados, nomeadamente a dos armadores, assenta na culpa, que constitui um fundamento comum aos 22 Estados costeiros da UE. Em dez destes Estados, a responsabilidade do armador pode, todavia, ser invocada mesmo na ausência de culpa, quer enquanto operador que exerce uma atividade que implica riscos quer enquanto depositário de um objeto potencialmente perigoso quer enquanto responsável – em princípio – pelos danos causados pelos seus subordinados. Em dois outros Estados, a responsabilidade do armador por danos decorrentes do acolhimento do navio num local de refúgio é, na maioria dos casos, automática.

Em geral, as reparações devidas em locais de refúgio cobrem a totalidade dos danos, independentemente da existência de um nexo de causalidade, direto ou indireto.

As regras de limitação da responsabilidade dos armadores estabelecidas pela Convenção LLMC aplicam‑se, quer na sua versão de 1976 (Irlanda) quer na sua versão de 1996 (o Protocolo de 1996 foi ratificado por 18 Estados-Membros costeiros). Nos três Estados costeiros restantes, a responsabilidade está sujeita a limitações específicas (Itália) ou é, em princípio, ilimitada, sem prejuízo das convenções internacionais pertinentes (Portugal e Eslovénia).

4.2.        Responsabilidade do Estado costeiro

Nos casos em que a responsabilidade do armador não possa ser invocada, é possível invocar a responsabilidade do Estado costeiro cuja autoridade competente decidiu aceitar um navio num local de refúgio, do que resultaram os danos sofridos.

Todos os Estados-Membros costeiros podem ser responsabilizados em tais casos com base na culpa. Contudo, em onze deles, a responsabilidade do Estado pode ser invocada independentemente de culpa. Subjacentes a esta solução encontram‑se um regime geral de «responsabilidade objetiva» do Estado (baseada no risco ou na rotura da igualdade em relação aos encargos públicos) ou disposições especiais que estatuam a reparação dos danos causados aos locais de refúgio. Nestes casos, a reparação pode limitar‑se aos danos extraordinários, que excedam o limite de danos que um local de refúgio deve razoavelmente suportar.

Em geral, nos raros casos em que o direito à reparação de danos sofridos por um local de refúgio se baseia exclusivamente no direito nacional, encontra‑se um quadro de responsabilidade baseado na culpa, geralmente aceite entre os Estados-Membros, não obstante a falta de harmonização ao nível da União. Existem, no entanto, vários casos em que outros tipos de responsabilidade se podem imputar, tanto aos operadores privados como ao Estado (por exemplo, responsabilidade objetiva ou independentemente de culpa).

Tendo em conta as legislações nacionais aplicáveis nesta matéria, é possível tirar as conclusões que adiante se expendem. Em seis Estados-Membros costeiros (Dinamarca, Estónia, França, Alemanha, Portugal e Eslovénia), a autoridade nacional que controle o local de refúgio pode sempre, em princípio, obter, quer do armador quer do Estado, compensação por danos sofridos. Só em casos específicos, determinados tipos de danos, extraordinários ou que constituam perdas puramente económicas, podem continuar a ser responsabilidade da autoridade competente que tomou a decisão de acolher o navio no local de refúgio. Na maioria dos Estados‑Membros (Bulgária, Grécia, Itália, Letónia, Lituânia, Malta, Países Baixos, Polónia, Roménia, Espanha, Suécia e Reino Unido), esta situação é contemplada por um regime de responsabilidade em que os fundamentos da exoneração de responsabilidade são muito limitados: força maior, ausência de culpa da autoridade pública e – nalguns casos – danos consubstanciados em perdas puramente económicas.

5.           CONCLUSÕES

À luz da análise que precede, os níveis de legislação aplicável à questão da responsabilidade e da compensação por danos sofridos por locais de refúgio são três e complementam‑se. Apresentam‑se em seguida as conclusões da Comissão, assim como algumas recomendações para uma melhor aplicação do quadro vigente.

5.1.        Nível internacional

As convenções internacionais atinentes à responsabilidade no setor dos transportes marítimos adotadas até à data oferecem um sistema de normas que asseguram a aplicabilidade de mecanismos de responsabilidade satisfatórios nos domínios por elas abrangidos e pertinentes no que se refere ao acolhimento de navios em locais de refúgio.

Importa referir que os Estados-Membros aprovaram em Conselho, em 2008, o compromisso rigoroso de ratificar todos os instrumentos internacionais pertinentes, para que todo o sistema internacional de normas de segurança marítima – que regula igualmente os danos em locais de refúgio – entre em vigor[13]. Desde então, a Comissão recordou este compromisso aos Estados-Membros em diversas ocasiões. Refira‑se, a propósito, que a IMO publica um quadro atualizado da situação de ratificação das convenções internacionais pertinentes pelas respetivas Partes, em que se incluem Estados‑Membros[14].

              Recomendações para uma melhor aplicação:

(a) Relativamente à limitação da responsabilidade por créditos marítimos, os Estados‑Membros deveriam ratificar o Protocolo de 1996 à Convenção LLMC. A fim de evitar o risco de redução da indemnização a pagar na sequência da aplicação desses limites, deverão os mesmos ser atualizados regularmente, como ocorreu recentemente na IMO (cf. supra, LEG 99).

(b) É igualmente aconselhável que todos os Estados‑Membros Partes ou potenciais Partes na Convenção LLMC excluam do seu âmbito de aplicação – conforme permitido pelo artigo 3.º, n.º 2, da Convenção de Nairobi sobre a Remoção de Destroços – os custos de remoção dos destroços de navios nas suas águas territoriais, incluindo os danos aos locais de refúgio. Tal significa que não pode haver um limite de responsabilidade para esses danos.

(c) Poderá ser útil pedir todos os esclarecimentos à IMO, para confirmar que o acolhimento de um navio num local de refúgio poderá, em princípio, ser considerado uma medida preventiva, uma vez que tal garantiria a aplicabilidade de algumas convenções internacionais (por exemplo, CLC‑FIPOL e «Bancas») a esta situação.

(d) Outro aperfeiçoamento possível do sistema vigente seria a clarificação, ao nível da IMO, do conceito de «perdas puramente económicas» relativamente às quais se pode excluir a compensação, de modo a alcançar‑se uma abordagem coerente desta matéria, tendo presente que essas perdas podem não ter um nexo de causalidade suficientemente direto com o ato danoso.

(e) Deveria ser imposta ao nível internacional a obrigação geral de seguro de responsabilidade, incluindo a responsabilidade por terceiros, em sintonia com a prática atual dos Clubes de P&I, na sequência de discussões anteriores sobre esta matéria no âmbito da IMO[15].

5.2.        Nível da UE

A legislação da UE em vigor nesta matéria acrescenta às convenções internacionais uma abordagem particularmente rigorosa da responsabilidade por danos ambientais e a obrigação de subscrição de um seguro adequado, ou de constituição de outra garantia financeira, para todos os navios, sem exceção, que naveguem nas águas da UE. Este regime protege também os locais de refúgio, uma vez que regula os aspetos mais «sensíveis» do seu funcionamento.

Embora não pertinentes para os fins do presente relatório, o reforço da cooperação e da comunicação entre Estados-Membros com vista a facilitar o processo de tomada de decisão nos casos de navios que precisem de assistência podem constituir um potencial aperfeiçoamento do enquadramento geral dos locais de refúgio.

5.3.        Nível nacional

No que concerne aos raros casos que relevam exclusivamente da legislação nacional, o estudo encomendado pela Comissão demonstra que, na maioria dos Estados‑Membros, os danos causados aos locais de refúgio se encontram suficientemente cobertos pelas normas em matéria de reparação, que, nalguns casos, chegam a assegurar sistematicamente a compensação por quaisquer danos potenciais.

As poucas diferenças existentes entre os regimes de compensação dos Estados‑Membros não põem em causa a aplicação uniforme da diretiva no que se refere ao acolhimento de navios em locais de refúgio, não sendo, portanto, suficientes para justificar a criação de um novo regime específico para uma categoria de operadores.

              Recomendação para uma melhor aplicação:

Os Estados‑Membros devem continuar a contemplar e a definir cuidadosamente, ao nível da legislação nacional, os riscos que os locais de refúgio devem assumir no quadro da sua atividade normal, tal como acontece com outros operadores económicos.

[1]               Diretiva 2009/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2002/59/CE, JO L 131 de 28.5.2009, p. 101.

[2]               Resolução IMO LEG.5 (99), adotada em 19.4.2012 (não está ainda em vigor), que propõe o aumento dos montantes correspondentes dos limites de responsabilidade de modo a refletir as flutuações no mercado monetário, a inflação e as taxas de sinistralidade.

[3]               Cf. artigo 232.º e artigo 235.º, n.º 2, da UNCLOS:  http://www.un.org/Depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf.

[4]               Estes montantes são calculados com base nas taxas de conversão dos direitos de saque especiais (DSE) vigentes em 26 de setembro de 2012: http://www.imf.org/external/np/fin/data/rms_five.aspx.

[5]               Ibidem.

[6]               Ibidem.

[7]               Resolução 949 (23) da IMO, adotada em 5 de dezembro de 2003.

[8]               Documento LEG95/9, de 23.1.2009, apresentado pela CMI no ponto «Diversos» da ordem de trabalhos, anexo I «Draft Instrument on Places of Refuge».

[9]               Documento LEG95/10, de 22.4.2009, «Relatório do Comité Jurídico sobre os Trabalhos da sua Nonagésima Quinta Sessão», pp. 24 e 25.

[10]             O Protocolo respeitante à Cooperação na Prevenção da Poluição por Navios e, em Casos de Emergência, no Combate à Poluição do Mar Mediterrâneo, adotado em 25 de janeiro de 2002, entrou em vigor em 17 de março de 2004 (fonte: www.unepmap.org). Cf., também, Acordo respeitante à Cooperação no Combate à Poluição do Mar do Norte por Hidrocarbonetos e Outras Substâncias Nocivas («Acordo de Bona»), assinado em 1983, com a redação que lhe foi dada pela Decisão de 21 de setembro de 2002, capítulo 27 «Locais de Refúgio» (fonte: www.bonnagreement.org) e Comissão para a Proteção do Meio Marinho do Báltico (HELCOM), recomendações sobre o «Plano Mútuo para os Locais de Refúgio na Região do Mar Báltico», documento HELCOM «Recomendação 31E/5», adotado em 20 de maio de 2010, disponível em:                http://www.helcom.fi/Recommendations/en_GB/rec31E_5/.

[11]             Processo C-188/07, Commune de Mesquier c. Total France SA, Col. 2008, p. I-4501.

[12]             JO L 194 de 25.7.1975, p. 39, revogada pela Diretiva 2006/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2006, relativa aos resíduos, JO L 114, de 27.4.2006, p. 9.

[13]             Documento do Conselho n.º 15859/08 ADD 1, de 19.11.2008, «Declaração dos Estados-Membros sobre Segurança Marítima».

[14]             Cf. sítio WEB da IMO: http://www.imo.org/About/Conventions/StatusOfConventions/Pages/Default.aspx.

[15]             Resolução A.898 (21) da IMO, Guidelines on Shipowners' Responsibilities in Respect of Maritime Claims, adotada em 25 de novembro de 1999.

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