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Document 52011DC0274

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Reforçar os direitos das vítimas na UE COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Reforçar os direitos das vítimas na UE

/* COM/2011/0274 final */

52011DC0274

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Reforçar os direitos das vítimas na UE COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Reforçar os direitos das vítimas na UE /* COM/2011/0274 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Reforçar os direitos das vítimas na UE

1. Por que razão as vítimas são importantes?

A criminalidade pode afectar-nos a todos e, anualmente, vários milhões de pessoas na União Europeia são de facto vítimas de crimes. Segundo dados do Eurostat, aproximadamente 30 milhões de crimes cometidos contra as pessoas ou a propriedade são registados anualmente nos Estados-Membros, sendo muitos nunca denunciados. Estes crimes envolvem muitas vezes mais do que uma vítima e as pessoas próximas desta última também são indirectamente afectadas. Daí que seja possível estimar, de forma bastante aproximada, que é provável que haja até 75 milhões de vítimas directas da criminalidade todos os anos[1].

Do mesmo modo, todos os anos, muitas pessoas são vítimas de acidentes rodoviários. Em 2010, mais de 1 milhão de acidentes rodoviários na União Europeia provocaram 30 700 mortos. Cerca de 31 000 pessoas são mortas anualmente nas estradas, das quais 850 são crianças com menos de 14 anos de idade, verificando-se 250 000 feridos graves e 1,2 milhões de feridos ligeiros[2].

Os cidadãos europeus estão constantemente a viajar e a atravessar as fronteiras, pelo que o risco de se tornarem vítimas quando se encontram no estrangeiro é semelhante. Estima-se que dos cerca de 1, 4 mil milhões de viagens efectuadas pelos europeus em 2008, cerca de 90 % foram realizadas no território da União[3]. Além disso, cerca de 11,3 milhões de europeus residem permanentemente fora do seu país de origem, tendo 10 % dos cidadãos europeus vivido e trabalhado no estrangeiro em algum momento das suas vidas e 13 % deslocaram-se ao estrangeiro para efeitos de educação ou formação[4].

Estes dados demonstram a importância de assegurar uma acção adequada e eficaz relativa aos direitos das vítimas da criminalidade ou de acidentes rodoviários, quer no seu próprio país, quer quando se deslocam ou residem no estrangeiro. Trata‑se de um problema com uma dimensão nacional e transfronteiras que apela para uma intervenção da UE.

A questão dos direitos das vítimas apresenta igualmente uma dimensão associada ao género. As mulheres encontram-se particularmente expostas a formas ocultas e não denunciadas de violência. O Conselho da Europa estima que 20-25 % das mulheres europeias são sujeitas a actos de violência física pelo menos uma vez durante a vida adulta, 12-15 % vivem uma relação caracterizada por violência doméstica e mais de 10 % são vítimas de violência sexual[5].

Procurando consolidar o espaço de liberdade, segurança e justiça, a Comissão identificou, como prioridade estratégica[6], com base no Programa de Estocolmo e no respectivo Plano de Acção[7], a necessidade de adoptar medidas para reforçar os direitos das vítimas da criminalidade e garantir a cobertura das suas necessidades em matéria de protecção, apoio e acesso à justiça.

A UE já adoptou medidas relativas aos direitos das vítimas em processo penal[8] e a maioria dos Estados-Membros assegura um certo nível de protecção e apoio às vítimas. Contudo, o papel e as necessidades das vítimas em processo penal não são ainda, de modo geral, tomados suficientemente em consideração, para além de persistirem divergências significativas em toda a UE no que se refere ao nível dos seus direitos.

Foi por isso que a Comissão decidiu apresentar um conjunto de propostas com vista a reforçar as medidas nacionais em vigor e garantir que as vítimas da criminalidade beneficiem de um nível mínimo de direitos não discriminatórios na UE, independentemente da sua nacionalidade ou país de residência. Este pacote inclui igualmente um novo mecanismo de reconhecimento mútuo, por forma a garantir que as vítimas ou as vítimas potenciais que beneficiam de uma medida de protecção no Estado-Membro da sua residência continuem a beneficiar da referida protecção quando atravessam as fronteiras. Através deste pacote, a União Europeia contribuirá para que os sistemas judiciários se centrem nas vítimas da criminalidade, paralelamente à detenção e repressão dos autores dos crimes.

A indemnização constitui uma das necessidades básicas das vítimas. No entanto, as vítimas de acidentes rodoviários noutro Estado-Membro podem enfrentar dificuldades administrativas e processuais quando solicitam uma indemnização, devido aos diferentes prazos de caducidade e prescrição. A Comissão abordará este problema, devendo propor para o efeito a harmonização das regras relativas aos prazos de prescrição, a fim de as vítimas não correrem o risco de perder o seu direito a uma indemnização por motivos processuais.

Por último, existe uma clara interligação entre os direitos das vítimas e a prevenção da criminalidade. Há já vários anos que a Comissão tem vindo a adoptar medidas destinadas a prevenir a criminalidade e a violência, bem como a promover a segurança rodoviária[9]. O trabalho de prevenção é crucial não só para reduzir a criminalidade e os acidentes a curto e a médio prazo, mas também para mudar as atitudes perante comportamentos criminosos ou irresponsáveis, susceptível de se traduzir em resultados positivos e duradouros.

2. Porque são necessárias novas medidas a favor das vítimas a nível da UE?

· Foram dados grandes passos em direcção ao reconhecimento das vítimas, mas muito continua ainda por fazer

A noção de que os direitos das vítimas devem poder ser exercidos em condições equitativas e não discriminatórias não é nada de inédito. Em 1989, o Tribunal de Justiça confirmou que a atribuição de uma indemnização, uma necessidade fundamental das vítimas, não pode ser limitada por razões de nacionalidade[10]. Desde essa data, a União Europeia tem vindo a intervir no sentido de estabelecer normas mínimas gerais para as vítimas, nomeadamente através da Decisão‑Quadro do Conselho de 2001[11], para além de visar grupos específicos de vítimas como as vítimas de tráfico humano, de abuso sexual, da exploração sexual das crianças e do terrorismo[12]. A Comissão tem igualmente apoiado em termos financeiros o trabalho dos serviços públicos e das ONG que trabalham com as vítimas e a seu favor, muitas das quais são dirigidas por voluntários[13].

No entanto, a aplicação das normas estabelecidas no âmbito da Decisão-Quadro do Conselho de 2001 não é satisfatória[14]. O Tratado de Lisboa proporciona actualmente uma clara base jurídica para o estabelecimento, a nível da UE, de regras mínimas relativas aos direitos das vítimas da criminalidade a fim de facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais. Além disso, tanto o Parlamento Europeu como o Conselho apelaram à adopção de medidas neste domínio[15]. Consolidando e complementando os instrumentos existentes, as propostas da Comissão visam reforçar o quadro normativo, introduzindo instrumentos jurídicos directamente vinculativos e passíveis de serem correctamente aplicados.

· Reforçar a confiança no sistema judicial e melhorar a qualidade da justiça

Um dos objectivos da União Europeia consiste em assegurar aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça em que seja garantida a liberdade de circulação. No entanto, a confiança mútua não é possível sem uma aplicação eficaz a nível da UE de um nível mínimo de direitos a favor das vítimas. Tal significa que os sistemas judiciais devem ter plena confiança nas regras de equidade e justiça dos demais e os cidadãos devem estar confiantes em que será aplicado o mesmo nível de normas mínimas quando viajam ou vivem no estrangeiro.

· Devem ser aplicadas normas mínimas em todos os Estados-Membros

A maioria dos Estados-Membros assegura actualmente um certo nível de protecção e apoio às vítimas da criminalidade. No entanto, o papel e as necessidades das vítimas nos processos penais continuam a não ser plenamente tomados em consideração nos sistemas judiciais nacionais. De igual forma, apesar de todos os Estados-Membros disporem de procedimentos para solicitar uma indemnização na sequência de um acidente rodoviário, as regras divergem quanto aos prazos de prescrição aplicáveis à apresentação desses pedidos. No intuito de suprir este problema, os Estados-Membros devem reforçar as normas relativas aos direitos das vítimas e a UE deve garantir que as vítimas beneficiem de condições equitativas. Um determinado nível mínimo de garantias e normas a aplicar em todos os Estados‑Membros facilitará a cooperação judiciária e melhorará a qualidade da justiça, para além de reforçar a confiança dos cidadãos no próprio conceito de «justiça».

· Os direitos fundamentais devem ser respeitados

O tratamento adequado das vítimas corresponde a um leque de direitos fundamentais tal como na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta da UE) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)[16]. O reconhecimento efectivo e o respeito dos direitos das vítimas, nomeadamente da sua dignidade humana, da sua vida privada e familiar e do direito de propriedade, devem assim ser garantidos, devendo ser simultaneamente salvaguardados os direitos fundamentais dos demais, como os arguidos. A acção da UE permitirá reforçar as normas relativas aos direitos fundamentais de todos os cidadãos que sejam afectados por processos penais, independentemente de serem vítimas, arguidos ou detidos, assegurando simultaneamente que qualquer limitação desses direitos apenas terá lugar quando for necessária e proporcionada.

· Dar resposta às necessidades das vítimas contribui para reduzir o custo total da criminalidade

Reforçar os direitos das vítimas tem um impacto positivo a nível das vítimas individuais e da sociedade no seu conjunto. Dar resposta às necessidades das vítimas antes, durante e após o processo penal pode reduzir consideravelmente o custo global da criminalidade[17]. Tal inclui custos materiais nos sectores da economia e da saúde, bem como no sistema da justiça penal, e custos intangíveis como a dor, o sofrimento e a menor qualidade de vida da vítima. As vítimas que são respeitadas, apoiadas e protegidas recuperarão de forma mais rápida, tanto fisica como psicologicamente, o que lhes permitirá retomar mais rapidamente a sua vida normal. Tal permitirá limitar a perda de rendimentos, os períodos de baixa médica, bem como a necessidade de novos cuidados de saúde. É provável que as vítimas que beneficiam de um tratamento satisfatório participem mais activamente no processo, o que reforça a probabilidade de uma acusação e de uma condenação coroadas de êxito o que, por seu turno, reduz a repetição dos crimes e a impunidade.

3. Prestar especial atenção às vítimas da criminalidade — de que necessitam?

Muitos cidadãos são todos os anos vítimas da criminalidade na UE. Estas vítimas têm diversas necessidades que devem ser satisfeitas para facilitar a sua recuperação: necessidade de reconhecimento e de um tratamento que se paute pelo respeito e pela dignidade; necessidade de protecção e de apoio; necessidade de acesso à justiça; e necessidade de obtenção de uma indemnização e reparação.

O pacote legislativo da Comissão tem como objectivo fulcral dar resposta às necessidades das vítimas de um modo abrangente. Com efeito, as propostas da Comissão abordam as necessidades das vítimas directas e indirectas da criminalidade, assim como os familiares que são igualmente afectados pelas consequências das actividades criminosas. Por conseguinte, os familiares próximos e as pessoas a cargo das vítimas directas beneficiarão, se for caso disso, do apoio e da protecção previstas no presente pacote.

O exemplo em seguida apresentado ilustra o tratamento insatisfatório de que uma vítima pode ser objecto e a forma como tal pode afectar a sua vida, caso as suas necessidades individuais não sejam tomadas em consideração de forma adequada durante e após a denúncia de um crime. Nas secções seguintes será demonstrado como a mesma história se teria desenrolado, em função de cada tipo de necessidades, se a vítima e a sua família tivessem beneficiado de um tratamento adequado, em consequência da aplicação das propostas da Comissão.

Alex ocupava um apartamento de férias no estrangeiro com a sua família quando uma noite se verificou um assalto. Quando procurou deter os assaltantes, Alex foi fisicamente agredido diante da sua família. Denunciou o crime à polícia local, mas como não falava a língua do país, não pôde fornecer informações pormenorizadas sobre o assalto. Nas semanas seguintes não recebeu muita informação sobre o caso, tendo sentido uma frustração cada vez maior à medida que eram regularmente questionados por agentes policiais diferentes. Mesmo os seus filhos foram questionados várias vezes, o que foi bastante perturbador para eles.

Quando regressou ao seu país, Alex precisou de várias operações devido às lesões sofridas e não pôde trabalhar durante várias semanas. Não recebeu mais notícias da polícia até ser convocado um dia para comparecer e testemunhar em tribunal no julgamento de dois suspeitos que se realizava no estrangeiro. O julgamento foi difícil por ninguém lhe ter explicado o procedimento judicial e por se ter sentido intimidado ao deparar-se com os arguidos fora da sala de audiências.

Uma vez terminado o julgamento, Alex não foi mais informado do caso, nem soube o que aconteceu aos arguidos. Mas decorridos muitos anos após a ocorrência do crime, ele e a sua família continuaram a sofrer as consequências psicológicas, físicas e financeiras dele decorrentes. Apesar de ter ocorrido noutro local e noutro país, nunca mais se sentiram em segurança, nem na sua própria casa[18].

3.1.        Reconhecimento e tratamento respeitoso

A dignidade humana de todos os cidadãos é um direito fundamental que está no centro do nosso conceito de uma sociedade justa e constitui o fundamento em que se baseia o tratamento adequado das vítimas. Os cidadãos que foram vítimas de um crime pretendem, por conseguinte, ser reconhecidos como tal e pretendem igualmente que o seu sofrimento seja admitido e beneficiar de um tratamento que se paute por uma certa sensibilidade e profissionalismo. Há que compreender que as vítimas são cidadãos e que as suas necessidades devem ser reconhecidas. Todavia, os profissionais em toda a Europa que entram regularmente em contacto com as vítimas da criminalidade não dispõem muitas vezes de qualquer tipo de formação no que se refere a essas necessidades, nem quanto à forma de identificá-las através de uma avaliação das necessidades individuais.

Alex foi assaltado diante da sua família enquanto passava férias no estrangeiro. Quando denunciou o crime, a polícia recorreu aos serviços de um intérprete a fim de ele poder explicar de forma pormenorizada o que havia sucedido. A polícia pô-lo em contacto com uma organização de apoio às vítimas e informou-o dos seus direitos, bem como do seu direito a uma indemnização. Nas semanas subsequentes foi mantido ao corrente da investigação por uma pessoa designada pela polícia para o efeito.

3.2.        Protecção

O processo penal pode ser fonte de sofrimento para as vítimas devido à forma como o sistema funciona. Para evitar os danos que podem advir de processos inadequados, como por exemplo, os resultantes de audições repetidas e desprovidas de sensibilidade, é importante assegurar a protecção das vítimas no decurso dos inquéritos policiais e das acções judiciais. Esta protecção é essencial para as vítimas particularmente vulneráveis, como as crianças.

Mesmo após um crime perdura a vulnerabilidade das vítimas face à ocorrência de novos danos, tentativas de intimidação ou possíveis represálias por parte do autor do crime. Cerca de 40 % dos crimes denunciados são crimes repetidos contra a mesma vítima no prazo de um ano[19]. Garantir que sejam previstas medidas de protecção pode ser crucial para evitar novos incidentes no futuro. Além disso, devido à crescente mobilidade na UE, é cada vez maior o número de vítimas que mudam ou que viajam no estrangeiro. No entanto, quando atravessam as fronteiras, tais vítimas podem perder o direito ao eventual regime de protecção de que beneficiam. No intuito de proteger os cidadãos que exercem o seu direito à livre circulação, a Comissão propõe, pela primeira vez, o reconhecimento mútuo dessas medidas de protecção.

Quando Alex denunciou o assalto, a polícia interrogou-o sobre as suas eventuais necessidades em matéria de protecção ou assistência durante o processo. Durante o inquérito que decorreu em seguida, os interrogatórios feitos a Alex e à sua esposa foram restringidos ao mínimo possível, tendo sido sempre assegurados pelo mesmo agente policial e os seus filhos foram apenas entrevistados uma única vez por um agente especializado, a fim de evitar danos eventuais. Quando o caso foi levado a julgamento, Alex foi convocado a depor. Sentiu-se tranquilo quando entrou no tribunal, dado poder esperar numa sala separada reservada às vítimas, o que lhe permitiu não enfrentar os agressores fora da sala de audiências.

3.3.        Apoio

A criminalidade pode ter um efeito devastador e debilitante nas vítimas, dado poderem ficar traumatizadas ou sentir-se incapazes de lidar com questões práticas na sequência do crime. Se o crime for denunciado, a vítima confrontar-se-á com a complexidade do sistema jurídico. Por conseguinte, é essencial um apoio adequado e atempado que ajude as vítimas a superar os obstáculos psicológicos, práticos, administrativos e legais e facilite a sua recuperação. Não obstante o trabalho assegurado pelos serviços existentes de apoio às vítimas, esta assistência nem sempre é de fácil acesso hoje em dia.

A polícia pôs Alex em contacto com uma organização de apoio às vítimas. Prestaram-lhe, bem como à sua família, apoio psicológico para fazer face ao que havia ocorrido. Forneceram-lhe também ajuda prática, por exemplo, sobre como obter tratamento médico e as formalidades burocráticas a respeitar. A organização de apoio às vítimas informou-o do processo penal, bem como dos seus direitos e do seu papel durante o processo. Obteve as coordenadas de contacto de uma organização de apoio às vítimas no seu país de origem, com a qual manteve contactos regulares, mesmo após o encerramento do processo. Este apoio permitiu-lhe, bem como à sua família, virar a página e retomar o curso normal das suas vidas.

3.4.        Acesso à justiça

As vítimas têm um interesse legítimo em assegurar-se de que foi feita justiça. Deve ser-lhes facultado o acesso efectivo à justiça, que pode constituir um elemento importante para a sua recuperação. Informar as vítimas sobre os seus direitos, bem como sobre as datas e decisões fundamentais constitui um aspecto essencial da sua participação no processo, devendo esta informação ser prestada de forma inteligível para as vítimas. Estas últimas devem igualmente poder assistir ao julgamento e acompanhar todo o processo. Na realidade, as vítimas na UE nem sempre têm acesso a estes elementos básicos de justiça.

Alex acabou por ser contactado pela polícia, que o informou de que haviam sido detidos e acusados dois indivíduos pelo crime cometido. Foi igualmente informado da data e do local do julgamento, para além do facto de que deveria testemunhar no mesmo. Durante o julgamento, um intérprete foi colocado à sua disposição para ajudá-lo a compreender as perguntas e outras partes do processo.

3.5.        Indemnização e reparação

Todas as pessoas que sofreram danos devido a actos cometidos por terceiros pretendem muitas vezes obter algum tipo de compensação financeira, quer por parte do Estado, quer por parte do autor da infracção. Esta compensação visa a reparação dos prejuízos financeiros imediatos e a mais longo prazo. Pode igualmente constituir uma forma de reconhecimento mediante um pagamento simbólico.

A justiça reparadora, que constitui um conceito relativamente novo em processo penal, transcende a mera compensação financeira, centrando-se na recuperação da vítima. Em alternativa ou em conjugação com a justiça formal, tem como objectivo restabelecer a situação das vítimas existente antes da ocorrência do crime, proporcionando-lhes, se assim o desejarem, a possibilidade de confrontar pessoalmente os autores do crime, para que estes possam assumir a responsabilidade pelos seus actos.

Alex pôde contactar uma autoridade responsável pela indemnização no seu país de origem e preencher os documentos necessários na sua própria língua antes de transmiti-los ao país em que o assalto foi perpetrado. Os fundos por ele recebidos permitiram-lhe suportar os custos suplementares incorridos na sequência do assalto, nomeadamente a cirurgia necessária.

4. Categorias específicas de vítimas

· Vítimas do terrorismo

As vítimas do terrorismo são talvez as únicas que sofreram ataques que visavam, em derradeira instância, atentar contra a sociedade. As suas necessidades de protecção e assistência são, em grande medida, idênticas às das vítimas de outros actos criminosos graves e violentos. Tais necessidades devem ser satisfeitas, devendo essas vítimas e as suas famílias ser apoiadas de forma semelhante[20]. Devido à natureza dos atentados, contudo, as vítimas do terrorismo podem estar sujeitas a um escrutínio público muito maior e têm, frequentemente, uma necessidade muito maior de reconhecimento social e de um tratamento respeitoso por parte de todos, quer se trate de autoridades responsáveis, meios de comunicação social ou demais cidadãos. Estas vítimas irão beneficiar da ênfase dada ao reconhecimento e ao tratamento respeitoso nas propostas da Comissão.

· Vítimas de acidentes rodoviários

As vítimas de acidentes rodoviários consideram frequentemente que o seu estatuto de vítima não é suficientemente reconhecido pela sociedade. Por causa da sua natureza intrínseca, as investigações de acidentes rodoviários visam inicialmente determinar as causas e as circunstâncias de um acidente, em vez de se centrarem nas necessidades das vítimas. Contudo, as suas vítimas pretendem naturalmente que o incidente seja devidamente investigado e, sempre que tenha sido cometida uma infracção, assegurar-se de que foi feita justiça. É patente que todos aqueles que intervêm nestes casos devem beneficiar de uma formação a fim de compreender e reconhecer estas necessidades.

As vítimas de acidentes rodoviários podem ter o direito de exigir uma indemnização por perdas e danos. No caso de acidentes rodoviários transfronteiras, um dos problemas muitas vezes enfrentado pelas vítimas prende-se com o facto de os prazos de prescrição para a apresentação dos pedidos de indemnização serem muito divergentes na UE e de as vítimas poderem não saber quais as regras aplicáveis do país. Em consequência, as vítimas podem acabar por não obter qualquer indemnização devido aos prazos de caducidade ou de prescrição particularmente curtos no Estado-Membro em que ocorreu o acidente. Essas vítimas irão beneficiar de uma revisão da legislação em vigor na UE em matéria de conflitos de leis[21], que lhes permitirá invocar os prazos de prescrição do seu país de origem.

· Vítimas particularmente vulneráveis

Algumas vítimas são mais vulneráveis do que outras face ao risco de sofrerem novos danos durante o processo penal, devendo ser dada resposta às suas necessidades específicas em matéria de protecção e de apoio. Em consonância com as abordagens internacionais e nacionais existentes, a Comissão identificou assim, pela primeira vez, tanto as categorias de vítimas vulneráveis, como os mecanismos para identificar outras pessoas em situação de risco, com base numa avaliação individual das necessidades.

As categorias de vítimas vulneráveis são as crianças, as pessoas com deficiência e as vítimas da violência sexual e do tráfico de seres humanos. Além disso, as vítimas podem ser vulneráveis por outras razões relacionadas com as suas características pessoais (por exemplo, elevado nível de medo e angústia, risco de intimidação ou violência repetida ou encontrar-se numa situação pessoal, social ou económica que torna difícil para a vítima enfrentar as consequências do crime ou compreender os processos judiciais) e/ou o tipo e a natureza do crime (como o terrorismo, a criminalidade organizada, os crimes de ódio e a violência em função do género). Por exemplo, as vítimas da criminalidade organizada são particularmente vulneráveis ao risco de intimidação e de violência repetida por parte dos autores dos crimes e podem necessitar de medidas específicas em matéria de protecção.

A abordagem adoptada pela Comissão é consentânea com as disposições da nova proposta de directiva relativa à luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil e a nova directiva relativa ao tráfico de seres humanos[22]. Ambas abordam a questão das necessidades específicas dessas vítimas vulneráveis.

As crianças, nos termos da Carta da União Europeia e da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e conforme reconhecido pelo Tratado da União Europeia, têm o direito fundamental à tomada em consideração dos seus interesses no quadro de todas as legislações e políticas nacionais e internacionais, incluindo os processos judiciais. Em razão da sua vulnerabilidade, a Comissão está a promover activamente uma abordagem do tipo «justiça amiga das crianças» no que respeita a todos os menores envolvidos em processos penais[23]. Para as crianças, uma investigação penal pode ser um processo particularmente traumatizante, nomeadamente se tiverem sido vítimas de abusos, devendo ser previstas medidas específicas para a sua protecção.

As vítimas de violência sexual, a grande maioria das quais são mulheres, requerem protecção contra novos actos de violência, bem como uma assistência e um apoio especializados para superar as múltiplas consequências deste tipo de violência e para reconstruir as suas vidas. Devido à vergonha e à culpabilidade que implica sofrer este tipo de crimes e à estreita relação que a vítima frequentemente mantém com o agressor, tais vítimas manifestam especial relutância em denunciar estas infracções. As vítimas de violência sexual necessitam nomeadamente de uma assistência médica e psicológica, bem como de um exame forense imediato, pelo que a denúncia da infracção não deve ser uma condição para que lhes seja facultado o acesso a esses serviços.

Garantir a segurança e a protecção das pessoas expostas a actos de repetida violência por um mesmo agressor assume uma importância primordial. Para prevenir e limitar o risco de maiores danos, a protecção é crucial e deve incluir a possibilidade de impor uma medida de proibição ou de restrição ou uma decisão de protecção face ao agressor, a fim de evitar mais contactos com a vítima. Essa protecção deve poder ser transferida para outro Estado-Membro da UE se a vítima mudar para lá ou viajar nesse país.

Para além de garantir que as vítimas disponham de acesso a uma assistência e protecção adequadas, é importante evitar a ocorrência da violência em primeiro lugar. As mulheres estão particularmente expostas a diferentes formas de violência física, sexual e psicológica, nomeadamente no âmbito das suas famílias e relações estreitas, pelo que a Comissão continuará a actuar para prevenir e combater a violência contra as mulheres na Europa, bem como para apoiar e proteger as vítimas e os grupos em situação de risco[24].

5. Resposta da Comissão — chegou o momento de intervir

A Comissão propõe o seguinte conjunto de instrumentos legislativos a fim de dar resposta às necessidades acima descritas e no intuito de garantir que as vítimas na Europa beneficiam de um nível mínimo de direitos, protecção, apoio, acesso à justiça e reparação. A Comissão irá propor:

· Uma directiva que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade, que substituirá a decisão-quadro de 2001. A directiva garantirá o tratamento respeitoso das vítimas e a tomada em consideração das necessidades específicas das vítimas vulneráveis. Assegurará igualmente que as vítimas obtenham o apoio de que precisam, possam participar no processo, recebam e compreendam as informações pertinentes e sejam protegidas durante as investigações penais e os processos judiciais. · Um regulamento sobre o reconhecimento mútuo de medidas de protecção em matérias civis, que contribuirá para prevenir a violência e os danos daí decorrentes e garantirá que as vítimas (da violência doméstica, por exemplo) que beneficiam de uma medida de protecção adoptada num Estado-Membro beneficiarão de um nível de protecção idêntico noutro Estado-Membro, caso se desloquem ou passem a nele residir. Essa protecção deve ser facultada sem que a vítima tenha de ser sujeita a quaisquer procedimentos adicionais. Esta medida complementa a proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à decisão europeia de protecção[25], uma iniciativa tomada por um grupo de Estados-Membros em Setembro de 2009 e que está a ser actualmente debatida no Parlamento Europeu e no Conselho.

O presente pacote legislativo constitui o primeiro passo para colocar as vítimas no centro do programa de justiça penal da UE. Numa perspectiva de futuro, na próxima etapa relativa aos direitos das vítimas, a Comissão irá propor um reexame da Directiva 2004/80/CE, relativa à indemnização das vítimas da criminalidade, e do Regulamento «Roma II» (para abordar a questão do direito aplicável aos prazos de prescrição nos acidentes rodoviários transfronteiras). Serão igualmente realizados novos estudos e tomadas novas medidas relativas às vítimas, nomeadamente em relação a categorias específicas de vítimas, como as vítimas de terrorismo, da criminalidade organizada e da violência em função do género, incluindo a mutilação genital feminina, com vista a melhorar a situação dessas vítimas.

Em complemento e paralelamente a estas acções, a Comissão aplicará uma série de medidas de acompanhamento que serão cruciais para garantir que as vítimas obtenham efectivamente esses direitos na prática e não forçosamente apenas quando participem em processos penais. Tais medidas incluirão a formação e o desenvolvimento de capacidades, o intercâmbio de boas práticas, a prevenção de crimes de de violência (sensibilização e fornecimento de informações), recolha de dados e investigação. Será também mantido o apoio financeiro concedido ao abrigo dos programas de financiamento existentes com vista a promover as questões relacionadas com os direitos e as necessidades das vítimas.

Todos estes esforços contribuirão para reforçar a importância dos resultados já alcançados a nível nacional e da UE. Permitirão à UE colocar os direitos e as necessidades das vítimas no centro da administração da justiça. A UE deve assegurar que as vítimas sejam devidamente reconhecidas e os seus direitos salvaguardados, sem qualquer tipo de discriminação, em todo o território da UE.

[1]                      Eurostat, Statistics in focus, 36/2009; estimativas baseadas na análise do inquérito sobre a criminalidade internacional e o peso da criminalidade na UE (EU International Crime Survey in ‘The Burden of Crime in the EU’ - www.europeansafetyobservatory.eu) e presumindo que a taxa de criminalidade não denunciada ronda os 60 % e que as vítimas têm, em média, 3 familiares próximos. Estas estatísticas não incluem os crimes de gravidade menor.

[2]               Base de dados CARE da Comissão Europeia.

[3]               COM (2010) 352, com base em dados do Eurostat, estatísticas do turismo de 2008.

[4]               Eurostat, Statistics in Focus, 94/2009;. Eurobarómetro 337/2010.

[5]           Conselho da Europa, Balanço da violência contra as mulheres (Stocktaking study on violence against women), 2006.

[6]               COM(2010) 623.

[7]               JO C 115 de 4.5.2010, p.1; COM(2010)171.

[8]               Decisão-Quadro 2001/220/JHA do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal; Directiva 2004/80/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à indemnização das vítimas da criminalidade.

[9]               Por exemplo, os programas Daphne III; prevenção, preparação e gestão das consequências em matéria de terrorismo e outros riscos relacionados com a segurança; prevenção e luta contra a criminalidade; Programa de Acção Europeu de segurança rodoviária para 2011-2020.

[10]             Acórdão de 2 de Fevereiro de 1989 no processo 186/87, Ian William Cowan/Trésor Public.

[11]             Ver nota 8.

[12]             Directiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas, e que substitui a Decisão‑Quadro 2002/629/JAI do Conselho; proposta de directiva relativa à luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil e que revoga a Decisão-Quadro 2004/68/JAI; Decisão–Quadro 2002/475/JAI relativa à luta contra o terrorismo.

[13]             Mais de 20 000 voluntários trabalham para as organizações de apoio às vítimas na Europa (Victim Support — Europe 2010).

[14]             Relatório de execução da Comissão, COM (2009) 166.

[15]             Resolução do PE, de 7 de Maio de 2009, referente ao desenvolvimento de um espaço de justiça penal na UE (INI/2009/2012); Programa de Estocolmo, JO C 115 de 4.5.2010, p.1.

[16]             São direitos fundamentais: a dignidade humana, o direito à vida, a integridade do ser humano, a liberdade e a segurança, o respeito da vida privada e familiar, a protecção dos dados pessoais, o direito de propriedade, a liberdade de circulação e de residência, a igualdade perante a lei, os direitos das crianças e dos idosos, a integração das pessoas com deficiência e o direito a um recurso equitativo.

[17]             Ver documento de trabalho dos serviços da Comissão, SEC(2011)580, p. 14.

[18]             História fictícia baseada em problemas reais.

[19]             Inquérito internacional sobre as vítimas da criminalidade de 2000 (2000 International Crime Victims Survey).

[20]             Tal como reconhecido no artigo 10° da Decisão-Quadro 2002/475/JAI relativa à luta contra o terrorismo.

[21]             Regulamento (CE) n.° 864/2007 relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II).

[22]             Ver nota 12.

[23]             Comunicação da Comissão intitulada «Programa da UE para os direitos da criança», COM (2011) 60 final.

[24]             Ver Declaração n.º 19, anexada à Acta Final da Conferência Intergovernamental que adoptou o Tratado de Lisboa (JO C 83 de 30.3.2010, p. 345).

[25]             JO C 69 de 2010, p. 5.

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