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Document 52006AE0413

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as Relações entre a União Europeia e a China: O contributo da sociedade civil

JO C 110 de 9.5.2006, p. 68–74 (ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, NL, PL, PT, SK, SL, FI, SV)

9.5.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 110/68


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Relações entre a União Europeia e a China: O contributo da sociedade civil»

(2006/C 110/12)

Por ofício de 7 de Fevereiro de 2005, a Presidência britânica solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a elaboração de um parecer sobre as «Relações entre a União Europeia e a China: O contributo da sociedade civil».

A Secção Especializada de Relações Externas, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 20 de Fevereiro de 2006. Foi relator S. Sharma e co-relator T. Etty.

Na 425.a reunião plenária de 15 e 16 de Março de 2006 (sessão de 15 de Março), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 93 votos a favor, 2 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Historial

1.1

O presente parecer exploratório é elaborado a pedido da Presidência britânica. O desenvolvimento de uma parceria estratégica com a China é uma das prioridades desta Presidência. O comissário Mandelson salientou a necessidade de desenvolver relações com a China com base nos direitos humanos e na noção de uma sociedade civil mais desenvolvida e plural.

1.2

A UE baseia-se em valores comuns a todos os seus Estados-Membros, os quais afirma e promove nas suas relações com o resto do mundo. Estes valores incluem o respeito da dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito e os direitos humanos. Com base nestes valores, a UE esforça-se por criar parcerias com países terceiros e organizações internacionais, regionais ou mundiais que partilhem os princípios da universalidade e da indivisibilidade dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

1.3

A Europa tem grande interesse político e económico em apoiar uma transição bem sucedida da China para um país estável, próspero e aberto, que adira plenamente à democracia, aos princípios do mercado livre e ao Estado de direito.

1.4

A China tem registado um crescimento económico e alterações na estrutura social extremamente rápidos, que contribuíram para uma aumento do rendimento em segmentos da sua população mas que foram acompanhados de desigualdades crescentes nas condições de vida, no ambiente, na saúde e no trabalho, uma vez que foram deixados para trás grupos menos favorecidos. A ausência de canais através dos quais os afectados possam articular, legítima e efectivamente, os seus direitos e aspirações conduziu a uma crescente vaga de agitação social, que põe em risco as expectativas do Governo chinês, inteiramente partilhadas pela UE, de construir uma sociedade próspera e harmoniosa.

1.5

O Comité já anteriormente exprimiu a opinião de que uma sociedade civil forte e independente representa um importante contributo para a boa governação e para a estabilidade política, económica e social. Os seus contactos com as sociedades civis exteriores à UE, tanto de países desenvolvidos como de países em desenvolvimento, confirmam esta convicção. O Comité tem, por isso, defendido o desenvolvimento de organizações não governamentais livres e representativas de empresários, trabalhadores, agricultores, consumidores, ambientalistas, de cooperativas, etc. e exorta à adopção de legislação que garanta os direitos destas organizações e à ratificação, na lei e na prática, de instrumentos internacionais de protecção destes direitos. Estes pontos de vista fundamentais estão subjacentes ao grande interesse do Comité em cooperar com a sociedade civil chinesa, tanto a já organizada como a emergente. O Comité procurará envolver neste processo as federações europeias das organizações nele representadas.

1.6

O objectivo do presente parecer é examinar a natureza, a função e o quadro operacional no qual funcionam as organização da sociedade civil chinesas e formular recomendações que permitam à UE e à sociedade civil chinesa promover as relações entre a UE e a China. Antes de focar brevemente as questões principais, o Comité deseja acentuar que as suas observações serão feitas num espírito de respeito mútuo. Se forem estabelecidas normas internacionais que vinculem os Estados-Membros mas também a China, qualquer violação a estas normas não poderá ser tratada como um assunto interno do país em questão. Nestes casos, o respeito das normas, tanto na lei como na prática, é uma responsabilidade partilhada pela comunidade internacional.

2.   Observações na generalidade

2.1   Organizações não governamentais (ONG)

2.1.1   A situação das ONG na China

2.1.1.1

Na China, as organizações não governamentais só se desenvolveram a partir do início das reformas, em 1978. No final de 2004, havia 289.476 ONG registadas na China. Destas, não se sabe quais são suficientemente fortes para poderem funcionar como organizações parceiras de organismos da UE. Além disso, calcula-se que operem na China entre 3.000 e 6.500 ONG estrangeiras.

2.1.1.2

A definição chinesa de ONG inclui organizações tanto da esfera económica como social, pelo que são classificadas como ONG as federações empresariais e os sindicatos. O Comité considera que as federações empresariais e os sindicatos são partes importantes da sociedade civil organizada, embora não sejam ONG no sentido exacto do termo.

2.1.1.3

As ONG chinesas dividem-se em «organizações sociais», que são organizações representativas, e «unidades privadas não empresariais», que são organizações não representativas e sem fins lucrativos prestadoras de serviços sociais, como as escolas e hospitais privados.

2.1.1.4

Há oito grandes organizações sociais nacionais, referidas muitas vezes mais especificamente como «organizações do povo» ou «organizações de massas». Estas organizações, que incluem a Confederação Geral dos Sindicatos da China, a Liga da Juventude Comunista e a Federação das Mulheres da China, foram, na realidade, criadas pelo Estado e exercem funções administrativas e outras em seu nome. As três organizações funcionam, respectivamente, como departamentos do trabalho, da juventude e das mulheres do Partido Comunista. Designar tais organizações como ONG é, portanto, enganador.

2.1.1.5

Para poderem existir legalmente, as ONG têm de ser aprovadas e registadas pelo Ministério dos Assuntos Civis ou seus departamentos locais. O registo de ONG rege-se por três regulamentos:

Regulamento do Registo e Gestão de Organizações Sociais (1998);

Regulamento Provisório do Registo e Gestão de Unidades Privadas Não-Empresariais (1998);

Regulamento da Gestão de Fundações (2004).

2.1.1.6

Os actuais regulamentos tornam difícil o registo de algumas ONG, devido, principalmente, a duas razões:

É exigido às ONG que encontrem uma «unidade de gestão profissional» que funcionam como sua agência de supervisão. Só depois de obterem a aprovação da sua agência de supervisão, as ONG podem pedir o registo nos departamentos de Assuntos Civis. O supervisor tem de ser um organismo estatal ou uma organização autorizada por um desses organismos. Tem também de ser «pertinente» para as actividades propostas pela ONG, ou seja, tem de ter responsabilidades no mesmo domínio em que opera a ONG. Por exemplo, uma sociedade literária deve ser supervisionada pelo Gabinete da Cultura, não pela Comissão da Educação. Por outro lado, os organismos estatais não têm a obrigação de aceitar pedidos de patrocínio de ONG nas suas áreas de actividade. Por exemplo, o Gabinete da Cultura pode recusar-se a patrocinar uma sociedade literária que pretenda registar-se.

Não são autorizadas a coexistir na mesma região ONG com idênticos objectivos. Por exemplo, se já existir uma associação de pessoas com deficiência em Pequim, nenhuma nova associação do mesmo tipo será autorizada nessa cidade.

2.1.1.7

Em resultado destas regras, muitas ONG de base têm sido impedidas de se registar, seja porque não conseguem encontrar agências governamentais dispostas a funcionar como suas unidades de gestão profissional, seja porque outras ONG com objectivos similares já se registaram na região onde pretendem basear as suas operações. Para poderem existir legalmente, algumas ONG registaram-se nos Serviços de Indústria e Comércio, apesar de desenvolverem actividades de interesse público e sem fins lucrativos.

2.1.1.8

Outras ONG optam mesmo por não se registarem. Embora a falta de registo as torne ilegais, muitas destas organizações têm sido toleradas pelo Governo, geralmente por este considerar as suas actividades inofensivas. No entanto, o seu estatuto de não legalidade implica que essas ONG são especialmente vulneráveis aos esforços governamentais periódicos para «limpar e rectificar» o sector das ONG. Há sinais evidentes de que, no último ano, as autoridades chinesas têm tido uma intervenção mais activa na supervisão e controlo destas ONG, por acreditarem que organizações não governamentais não autorizadas são organizações efectiva ou potencialmente anti-governamentais e podem revelar-se como uma força destabilizadora.

2.1.1.9

O Comité tem conhecimento de que está em preparação um novo regulamento das ONG. Pela primeira vez, será exigido a todas as ONG estrangeiras que também se registem.

2.1.1.10

Na China, é frequentemente feita uma distinção entre ONG «organizadas pelo Governo» e ONG «populares». As primeiras (GONGO) são criadas pelo Governo, do qual recebem subsídios. Os salários do seu pessoal são muitas vezes pagos pelo Governo, e os seus cargos de direcção são normalmente ocupados por funcionários governamentais reformados. Em contrapartida, as ONG populares são criadas por cidadãos a título individual e não recebem subsídios governamentais. O seu pessoal não é constituído por funcionários do Estado nem estes ocupam os lugares cimeiros da sua gestão.

2.1.1.11

Por vezes, as GONGO têm melhores ligações ao Governo. Devido a estas ligações, o Governo pode ter mais confiança nas GONGO e adopta uma atitude menos interventiva, permitindo-lhes assim uma maior autonomia efectiva. As GONGO têm também melhor acesso ao Governo e mais possibilidades de participar na tomada de decisões.

2.1.1.12

A grande maioria das ONG populares procuram colaborar com o Governo, em vez de vincarem a sua independência. Após mais de duas décadas de reforma do mercado, o Governo chinês reduziu o seu controlo directo sobre as actividades económicas e sociais, mas ainda mantém uma presença considerável nestas esferas. Sem um certo grau de aprovação e apoio por parte de agências e funcionários governamentais, nenhuma ONG pode funcionar normalmente. As ONG só podem desenvolver um trabalho efectivo se obtiverem acesso ao Governo. Por esse motivo, as ONG chinesas, de uma maneira geral, valorizam mais o acesso e a influência do que a independência, sabendo que o Governo ainda tem o poder de as controlar e que o exercerá se ultrapassarem determinados limites.

2.1.1.13

Na sua relação com as ONG, o Governo chinês está dividido entre dois objectivos contraditórios. Por um lado, incentiva o crescimento de ONG para transferir para estas algumas funções que o próprio Governo exercia sob o modelo de economia planificada. Espera, por exemplo, que as ONG possam partilhar a tarefa de assegurar o bem-estar social e ajudem a mobilizar recursos sociais que suplementem as despesas sociais do Governo. Por outro lado, receia que o activismo das ONG evolua para movimentos sociais que o possam desafiar politicamente e causar instabilidade. Em consequência, durante as últimas duas décadas, o Governo lançou várias campanhas de «limpeza e rectificação», para consolidar o seu controlo sobre as actividades das ONG, sempre que sentiu que esse controlo estava a afrouxar. Apesar destas campanhas periódicas, a tendência de crescimento e expansão da sociedade civil não se deteve, como o demonstra a número sempre crescente de ONG.

2.1.1.14

O Governo declara, nas suas publicações oficiais, que facilita o trabalho de centenas de ONG estrangeiras, activas na China em mais de vinte domínios diferentes, atribuindo-lhes um estatuto jurídico.

No entanto, tem também revelado uma grande preocupação com as ONG sediadas no estrangeiro e com as organizações chinesas suas parceiras. Várias ONG chinesas informaram que têm sido alvo de um controlo mais apertado. Chamaram igualmente a atenção para o facto de as questões ambientais e de género serem agora consideradas «sensíveis» pelas autoridades.

2.1.1.15

A principal justificação avançada pelo Governo é que a estabilidade e a criação de uma «sociedade harmoniosa» são prioridades absolutas. As mesmas razões têm sido invocadas para a prisão de dissidentes e para a censura da Internet. O Comité regista o facto de empresas ocidentais terem vendido à China ferramentas de segurança e corta-fogos (firewalls) destinados a controlar e restringir a liberdade de expressão e de informação. Algumas destas empresas chegaram ao ponto de assinar compromissos de «auto-disciplina», prometendo seguir as leis chinesas em matéria de censura.

2.1.1.16

É surpreendente que, apesar de a corrupção estar generalizada e ser um tema actual na China, as ONG locais ainda não tenham começado a abordar esta questão.

2.1.1.17

Os membros do universo académico chinês, tanto no país como no estrangeiro, são contactos importantes para as ONG. As ONG estrangeiras, assim como a Comissão Europeia, cooperam frequentemente com eles e apoiam as suas actividades de investigação.

2.1.1.18

Hong Kong continua a ter uma florescente comunidade de ONG na prestação de serviços e na defesa de causas, que mantém contactos, nestes dois domínios, com ONG das regiões vizinhas da China continental.

2.2   O papel actual da sociedade civil nas relações entre a UE e a China

2.2.1

Tanto a UE como a China declararam que desejam promover interacções entre as suas respectivas organizações da sociedade civil. O documento político da UE sobre a China, de 2003, afirma que devem ser incentivados os intercâmbios interpessoais e entre organizações não governamentais da China e da UE.

2.2.2

Embora tenha havido intercâmbio entre organizações da sociedade civil da UE e da China, este ainda não teve impacto significativo nas relações bilaterais. No parecer do CESE sobre as relações entre a UE e a China elaborado em 2003 formulavam-se diversas recomendações sobre o reforço do diálogo das sociedades civis. O ponto 4.7, por exemplo, sugeria: «A UE deve apoiar e incentivar o diálogo entre a sociedade civil organizada e os grupos de interesses económicos e sociais da China e da UE sobre temas como a justiça social (redução da pobreza, igualdade entre os sexos, reforço da participação, protecção do ambiente, etc.), os direitos humanos, a boa governação e as políticas relativas às minorias.»

2.2.3

O ponto 4.14 propunha: «As futuras visitas do Comité à China devem servir, não só para reforçar os contactos com o Conselho Económico e Social da China, mas também para renovar e alargar os contactos com a comunidade das ONG (em especial, com as ONG livres e independentes) activas neste país em áreas como os cuidados de saúde e a protecção do ambiente, de acordo com as orientações já seguidas por ocasião da visita de Julho de 2002.»

2.2.4

Até agora, não tem havido progressos substanciais nestes aspectos. Durante a visita do CESE à China em Outubro de 2005, os presidentes do CESE e do CESC assinaram uma adenda à Declaração Conjunta dos Presidentes de 2002. A adenda propõe o estabelecimento de um sistema de reuniões anuais, com vista a intensificar os contactos ao nível da sociedade civil entre a UE e a China. Propõe ainda que se solicite à próxima cimeira UE-China a organização de uma Mesa Redonda da Sociedade Civil UE-China.

2.2.5

Estas propostas representam passos concretos para o reforço dos laços entre a sociedade civil da UE e a da China e podem contribuir para habilitar a sociedade civil a desempenhar um papel mais significativo nas relações entre a UE e a China, «incluindo as RAE de Hong Kong e Macau».

2.2.6   Direitos dos trabalhadores e dos sindicatos, diálogo tripartido e relações laborais

2.2.7

Na China, a legislação relativa aos direitos dos trabalhadores e dos sindicatos é muito mais restritiva do que os regulamentos aplicáveis às ONG. A Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o próprio Comité chamaram repetidamente a atenção para estas restrições, que violam as normas internacionais do trabalho, às quais tanto a China como os Estados-Membros da UE estão vinculados. Especificamente, a China viola regularmente as normas internacionais das Convenções 87 e 98 da OIT relativas à liberdade de associação e à negociação colectiva.

2.2.8

O Governo chinês alega haver uma vasta legislação em matéria de direitos dos trabalhadores e dos sindicatos, mas há uma grande diferença entre a legislação e a prática prevalecente, facto que reconheceu recentemente. Uma comissão do Congresso do Povo Chinês estudou a situação em 200 empresas e concluiu que, em 80 % destas, os direitos dos trabalhadores reconhecidos por lei eram seriamente violados. Os problemas são mais graves na indústria ligeira, na construção civil e obras públicas e no sector das minas.

2.2.9

Na opinião do Comité, uma discussão global sobre o papel da sociedade civil nas relações entre a UE e a China tem de incluir o debate sobre estes problemas. É importante que o Comité exprima os seus pontos de vista sobre esta matéria e que formule propostas de cooperação entre a UE e a China que contribuam para melhorias neste domínio. Estas propostas devem ser estudadas e discutidas no quadro da cooperação CESE-CESC.

2.2.10

Como membro da OIT, a China tem de respeitar os direitos consagrados nas Convenções 87 e 98. Estes direitos estão incorporados na Declaração de Filadélfia, que faz parte da Constituição da OIT. As violações destes direitos por Estados-Membros que ainda não ratificaram as Convenções 87 e 98 podem ser discutidas no âmbito do sistema de supervisão da OIT, mais especificamente, da Comissão de Liberdade Sindical do seu Conselho de Administração. A base das avaliações feitas por esta Comissão é a extensa jurisprudência sobre liberdade de associação e negociação colectiva, desenvolvida ao longo de décadas e universalmente considerada como o resultado de uma análise jurídica objectiva, imparcial e independente.

2.2.11

A China foi repetidamente criticada, nos últimos anos, por vezes severamente, por violação dos direitos consagrados nas Convenções 87 e 98. O principal ponto de discrepância entre a legislação sindical chinesa e a Convenção 87 consiste no monopólio concedido à Confederação Geral dos Sindicatos da China. A Convenção não exclui a existência de um sindicato único que represente os interesses dos trabalhadores, se essa for a vontade destes, o que está perfeitamente em conformidade com as normas da OIT. O que está em conflito com a Convenção é o estabelecimento de um monopólio sindical, com força de lei, que ilegaliza quaisquer esforços de trabalhadores que pretendam criar uma organização alternativa, fora do quadro da Confederação.

2.2.12

A lei sindical também define a orientação política do sindicato único, estipulando, inter alia, que deve apoiar a liderança do Partido Comunista da China. Além disso, prescreve o princípio do «centralismo democrático» que, tal como é praticado na China, é contrário a qualquer organização democrática.

2.2.13

Não existe na China legislação sobre negociação colectiva. Há regulamentos para contratos colectivos, que têm um carácter mais consultivo do que negocial. A «consulta colectiva» é considerada o instrumento apropriado para regular diferenças de interesses entre trabalhadores e empregadores. Nada nestes regulamentos reflecte as componentes essenciais da Convenção 98 da OIT sobre o direito à negociação colectiva, como a promoção da negociação colectiva pelo Governo e o princípio de que as partes na negociação não podem interferir nos assuntos internos das outras partes.

2.2.14

Quanto à aplicação do direito de associação, na prática, não são autorizados na China sindicatos independentes, e todas as tentativas para os constituir são severamente reprimidas. Os autores de tais iniciativas arriscam-se a ser detidos, são habitualmente condenados a penas de prisão e, por vezes, a campos de «reeducação pelo trabalho» ou a internamento em hospitais psiquiátricos. Apesar desta repressão, existe uma clara tendência de desenvolvimento de acções colectivas à margem da central sindical, nomeadamente de actividades organizativas. Activistas independentes e trabalhadores de ONG que procuram defender os seus direitos legais têm tido um papel importante na defesa do Estado de direito na China, mas foram sujeitos, em 2005, a crescentes pressões administrativas e policiais.

Quanto à aplicação prática da lei de 1995 sobre contratos colectivos, o relatório da Comissão do Congresso do Povo acima referido constata que, em 80 % das empresas do sector privado, não existiam os contratos exigidos pela lei. Quando há contrato, a sua validade é, normalmente, de menos de um ano. Os contratos contêm mais artigos sobre as obrigações dos trabalhadores do que sobre os seus direitos. Segundo o relatório, a situação é ligeiramente melhor nas empresas do Estado.

2.2.15

Um domínio dos direitos dos trabalhadores frequentemente, referido nas publicações sobre as condições no local de trabalho onde não existe actividade sindical, é o da saúde e segurança no trabalho. Um exemplo bem conhecido é o da indústria mineira.

2.2.16

Este é um interessante tema de discussão e de cooperação quando se refere o papel que a sociedade civil pode ter nas relações entre a UE e a China. A questão da saúde e segurança no trabalho é, naturalmente, de natureza diferente da dos direitos dos trabalhadores e sindicatos. A China não ratificou qualquer das Convenções da OIT a este respeito, e muitas destas não foram sequer ratificadas por Estados-Membros da UE. É óbvio que o direito de associação é importante para a aplicação de determinadas disposições em matéria de saúde e segurança no trabalho.

2.2.17

Neste contexto, o Comité congratula-se com a decisão do Governo chinês de designar 100.00 delegados de segurança no trabalho nas 24 000 minas de carvão da China e com a sua disponibilidade para contribuir para a respectiva formação.

2.2.18

A respeito dos direitos dos trabalhadores e dos sindicatos, o Conselho Económico e Social das Nações Unidas referiu, na sua reacção ao primeiro relatório da China sobre a aplicação do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, os seguintes principais motivos de preocupação, para além da proibição do direito de associação e das condições de trabalho perigosas:

discriminação no trabalho e no emprego;

utilização de trabalho forçado como medida correccional, sem acusação, julgamento ou recurso;

utilização de crianças em trabalhos perigosos;

violações dos direitos dos trabalhadores migrantes internos;

salários insuficientes para assegurar um nível de vida digno, em especial nas zonas rurais, e um problema persistente de salários em atraso, principalmente no sector da construção.

2.3   Organizações dos direitos dos empregadores

2.3.1

As Convenções 87 e 98 da OIT não protegem apenas os direitos dos trabalhadores, mas também os dos empregadores. Desde finais da década de 1990, a Confederação dos Empregadores da China (CEC) tem procurado desenvolver algumas funções básicas de uma organização representativa dos empregadores. Até agora, os progressos têm sido lentos, embora não devido a interferências do Governo. As debilidades financeiras, a preponderância das grandes empresas estatais e a ausência de um sistema de relações laborais no qual a organização poderia desempenhar um papel são as principais causas do seu fraco desenvolvimento. As filiais de multinacionais sediadas no estrangeiro não têm qualquer papel na CEC.

2.3.2

A CEC não parece estar inclinada a assumir uma representação de pleno direito dos interesses dos seus membros. Considera que o Partido é capaz de representar todos os interesses na China, sem contradições, e, consequentemente, define o seu papel em termos modestos: orientar os membros no cumprimento da regulamentação macro e micro do Governo, ajudá-los a resolver problemas específicos e, quando necessário, pedir tratamento justo. A outra grande organização empresarial, Federações da Indústria e do Comércio da China, tem os mesmos pontos de vista.

No entanto, é interessante constatar que uma série de novas organizações, como a Federação dos Proprietários de Empresas da China, representam os interesses dos «novos capitalistas». Há ainda um certo número de organizações socioprofissionais que representam interesses académicos e profissionais, estabelecem uma ligação estreita entre os profissionais e o Governo e constituem fóruns para discussão de ideias e progressos.

2.4   Relações laborais e diálogo tripartido

2.4.1

Neste contexto, o Comité reitera a sua preocupação com a crescente insatisfação e agitação social. Segundo estatísticas oficiais, em 2004 registaram-se cerca de 74.000 grandes acções de protesto de trabalhadores, envolvendo mais de 3,7 milhões de pessoas. Em 2003, o Governo contabilizou 50 000 acções. Desde 1994, quando se verificaram 10.000, o seu número tem vindo constantemente a aumentar. A agitação social generalizada constitui uma grave ameaça à estabilidade. Aparentemente, o Partido e o Governo ainda consideram que a persistência de um crescimento económico elevado e algumas tentativas de reduzir as desigualdades mais gritantes bastarão para ganhar a aceitação da força de trabalho chinesa. Assim, caminham numa corda bamba entre o desenvolvimento rápido e a estabilidade.

2.4.2

O Comité continua convicto de que o desenvolvimento a curto prazo de um sistema moderno de relações laborais, com actores livres e independentes, constitui uma das garantias essenciais para uma transição económica estável. Consultas tripartidas genuínas, em conformidade com a definição da Convenção 144 da OIT, que se baseia na noção de organizações de trabalhadores e de empregadores autónomas, poderão ser a pedra angular deste sistema.

2.4.3

Nas condições actuais, a sociedade civil só poderá ter um papel muito limitado no processo conducente a esse sistema.

Do lado dos empregadores, as filiais de multinacionais estrangeiras e a Câmara de Comércio Europeia em Pequim poderiam empenhar-se mais no processo. Até agora, porém, não têm mostrado grande empenhamento. Talvez o instrumento da responsabilidade social das empresas, pelo qual o Governo chinês tem mostrado até à data algum interesse, possa ter alguma influência.

De uma maneira geral, os sindicatos da UE têm relutância em cooperar com a Confederação dos Sindicatos chinesa enquanto esta organização não se mostrar inclinada a entrar no domínio da representação dos interesses dos seus membros. Há interesse em apoiar actividades na China que ajudem os trabalhadores a ganhar consciência dos seus direitos, que lhes dêem formação em áreas como a saúde e segurança no trabalho e lhes prestem assistência jurídica nos tribunais. Por vezes, os sindicatos europeus cooperam com ONG chinesas. Se estas acções puderem vir a conduzir ao estabelecimento de um sistema adequado de relações laborais, serão os primeiros (e, necessariamente, muito cautelosos) passos de um caminho muito longo.

3.   Conclusões e recomendações

3.1

É evidente que não será fácil estabelecer um relacionamento efectivo entre as sociedades civis da UE e da China. As duas culturas e os dois sistemas políticos são muito diferentes, e ainda não nos compreendemos muito bem uns aos outros. Nestas circunstâncias, há o risco de a China responder às preocupações da UE alegando que a nossa experiência não é relevante para eles e dizer-lhes que deviam ser «mais como nós» não resultará. No entanto, as relações serão benéficas e devem ser estabelecidas.

3.2

A UE precisa de compreender melhor a complexidade do desenvolvimento da sociedade civil na China. Embora a importância que se atribui à colaboração e ao apoio a organizações genuinamente independentes da sociedade civil chinesa seja compreensível e deva ser mantida, a UE tem de ter em conta que mesmo as ONG populares (em oposição às governamentais) tendem a ter ligações informais com o Governo e a atribuir mais importância ao acesso ao Governo do que à sua independência. A Comissão Europeia deve continuar a explorar as potencialidades de algumas das «organizações estatais de massas», como a Federação das Mulheres de Toda a China (ACWF — sigla inglesa de All-China Womens Federation), para a promoção da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito na China. Nos últimos anos, algumas iniciativas e projectos inovadores nestes domínios foram lançados pelas organizações de massas GONGO e suas ramificações locais.

3.3

Assim, recomenda-se que a UE adopte uma abordagem multifacetada, trabalhando em simultâneo com diferentes tipos de ONG e estabelecendo com elas diferentes formas de relação, que tenham em conta as suas diferentes capacidades e competências. Deverá igualmente alargar os seus contactos com organizações da sociedade civil a nível regional e local.

O acordo adicional sobre a cooperação reforçada entre o CES europeu e o CES da China visa intensificar as suas relações de trabalho, promovendo reuniões a nível presidencial entre delegações de ambas as partes, com a participação de representantes de diversas componentes económicas e sociais da sociedade civil organizada. Prevê igualmente uma abordagem conjunta para solicitar à cimeira UE-China que institua uma Mesa Redonda bilateral, com base na cooperação existente entre o CES europeu e o seu homólogo chinês. Recomenda-se que, se esta proposta for aprovada, a participação da parte chinesa inclua, não só organizações governamentais, mas também uma representação significativa de organizações da sociedade civil, e que seja possível aos delegados contactarem organizações da sociedade civil independentes à margem das reuniões da Mesa Redonda.

3.4

Em relação ao Estado de direito na China, muitos representantes da sociedade civil que contactaram o CESE sugeriram que a prioridade deve ser a aplicação das leis existentes, mais do que a elaboração de leis novas. Muitos problemas e deficiências da governação, da protecção dos direitos humanos e da democratização podem ser atribuídos ao desrespeito e à não aplicação das disposições legais existentes. Recomenda-se, portanto, que, ao defender melhorias nestes domínios, a UE ponha a tónica na necessidade do cumprimento das leis em vigor. Pedir ao Governo chinês que cumpra as suas próprias leis pode reforçar as posições defendidas pela UE.

3.5

O CESE reconhece que o Governo chinês continua profundamente empenhado em manter a estabilidade política e social e que receia que a actividade irrestrita das ONG possa gerar instabilidade. Recomenda-se que a UE continue a procurar persuadir o Governo chinês de que a estabilidade não é incompatível com uma sociedade dinâmica, desde que seja respeitado o primado da lei. Para esse efeito, a UE pode usar os seus próprios exemplos, especialmente os dados pelos seus novos Estados-Membros da Europa Central e Oriental, demonstrando ao Governo chinês que uma sociedade civil bem desenvolvida pode servir para melhorar a governação e aumentar a estabilidade.

3.6

Dada a actual extrema sensibilidade das questões laborais na China, o Governo chinês pode não estar disposto a afrouxar o controlo sobre as organizações laborais. Só é possível esperar que o Governo diminua o seu controlo sobre os sindicatos se a questão da liberdade de associação for sistematicamente suscitada no diálogo internacional com a China.

3.7

Tendo em conta que o Governo chinês deseja desenvolver as associações comerciais e industriais, recomenda-se que a UE aproveite esta oportunidade para ajudar as associações comerciais e industriais chinesas a aprenderem com a experiência das suas homólogas europeias. A longo prazo, uma evolução positiva em qualquer segmento da sociedade civil poderia repercutir-se noutros segmentos.

3.8

No contexto de uma possível redução da assistência ao desenvolvimento da UE à China, tanto dirigentes de ONG chinesas como representantes de ONG estrangeiras na China defendem que a UE deverá, pelo menos, manter o nível actual de apoio financeiro às organizações da sociedade civil na China. Presentemente, a assistência financeira do Governo chinês às organizações da sociedade civil é muito limitada, e o patrocínio do sector privado às actividades das ONG é igualmente incipiente. Recomenda-se, portanto, que a UE considere a possibilidade de manter ou mesmo aumentar o seu apoio financeiro às organizações da sociedade civil chinesas, mas orientando-o para acções eficazes também para a promoção dos direitos fundamentais e dos trabalhadores. O CESE congratula-se com os programas de ajuda ao desenvolvimento da sociedade civil na China elaborados e propostos pela Comissão e recomenda que a UE considere a possibilidade de aumentar o seu apoio financeiro às organizações da sociedade civil na China, mas sublinha a importância de incorporar o apoio a organizações de base, atribuindo pequenas subvenções através de um processo de candidatura simplificado, incluindo a prestação de apoio técnico à preparação das candidaturas.

3.9

Igualmente importante é a continuação do apoio da UE a programas de desenvolvimento de capacidades das ONG chinesas. Recomenda-se que seja melhorada a concepção desses programas, de forma a adequá-los às necessidades específicas das ONG chinesas, devendo incluir consultoria.

3.10

Representantes da sociedade civil chinesa defendem igualmente que a UE deve usar a sua influência para promover parcerias ONG-Governo e ONG-empresas na China. A UE deve incentivar o Governo chinês a criar canais pelos quais as ONG possam fazer chegar ao Governo os seus pontos de vista sobre assuntos de interesse público. Esta é uma questão que a UE deve levantar. No seu parecer de 2003 sobre as relações entre a UE e a China, o CESE declarou que a representação de interesses só se pode materializar realmente com base na liberdade de associação (ponto 3.13). Embora a liberdade de associação seja actualmente limitada na China, há ainda margem para uma maior participação das ONG na tomada de decisões. A UE pode mostrar ao Governo e às ONG chinesas a forma como as organizações da sociedade civil na Europa defendem causas, acompanham a acção governativa e dão contributos para as políticas públicas, permitindo assim que a China colha alguns ensinamentos positivos da experiência europeia.

3.11

Apesar das diversas restrições à liberdade de imprensa, a comunicação social chinesa tem desempenhado um papel crucial na promoção do crescimento da sociedade civil nos últimos anos. Recomenda-se que a UE procure formas de apoiar a manutenção de um papel activo da comunicação social na China, incluindo um possível intercâmbio de visitas de jornalistas entre a UE e a China.

3.12

O CESE reconhece que a sociedade civil em Hong Kong continua a desempenhar um papel indispensável na defesa da democracia e dos direitos humanos no território, constituindo uma importante fonte de inspiração e apoio para a sociedade civil na China continental. É recomendável que sejam mantidos os contactos e a cooperação com a sociedade civil em Hong Kong.

3.13

Recomenda-se que o CESE, e outras organizações europeias da sociedade civil relevantes, acompanhem e incentivem a Comissão a seguir de perto também, de forma adequada, as violações dos direitos fundamentais, juntamente com o Parlamento Europeu e o Conselho Económico e Social da China (CESC).

3.14

A discussão do direito de associação e de negociação colectiva deve ter um lugar central no trabalho do Comité com o CESC em matéria de direitos humanos.

A Comissão deve prosseguir o seu diálogo com o Governo chinês, com vista a ajudar este a ultrapassar a sua profunda desconfiança em relação a «organizações anti-governamentais», ao «efeito Solidariedade» e às «revoluções coloridas». Deve procurar dar um conteúdo positivo aos «vários tipos de cooperação laboral», que o Governo chinês identificou como um aspecto importante para a cooperação económica e o comércio no seu «documento de política da UE» de Outubro de 2003. O diálogo estrutural UE-China sobre trabalho, emprego e assuntos sociais, acordado entre o Comissário Špidla e o Ministro chinês da Trabalho e Segurança Social, pode constituir uma boa oportunidade para o fazer. O Comité procurará utilizar os seus próprios contactos com o CESC para o mesmo fim.

3.15

O CESE explorará o papel que a responsabilidade social das empresas e os códigos de conduta das empresas multinacionais (em especial as orientações da OCDE) podem desempenhar na contribuição de empresas estrangeiras para o desenvolvimento de um sistema de relações laborais na China.

Recomenda-se que seja dada atenção especial ao papel que os sindicatos, as organizações patronais e, quando for caso disso, as ONG podem desempenhar na promoção de condições mais seguras e saudáveis no local de trabalho.

Bruxelas, 15 de Março de 2006.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


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