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Document 52002DC0545
Report from the Commission to the European Parliament and the Council - Development and implications of patent law in the field of biotechnology and genetic engineering
Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho - Evolução e implicações do direito de patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética
Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho - Evolução e implicações do direito de patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética
/* COM/2002/0545 final */
Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho - Evolução e implicações do direito de patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética /* COM/2002/0545 final */
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO - Evolução e implicações do direito de patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética
ÍNDICE
SÍNTESE
1. A situação actual na europa
1.1. Aplicação da directiva nos Estados-Membros
1.2. A Organização Europeia de Patentes e a directiva
1.3. Recurso de anulação neerlandês contra a Directiva 98/44/CE -- decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 9 de Outubro de 2001
1.4. As disposições-chave da directiva
2. Conformidade da directiva com os acordos internacionais pertinentes na matéria
2.1. Conformidade da directiva relativamente a certas convenções internacionais
2.2. O tratado sobre o direito material de patentes (negociado no âmbito da OMPI)
3. Patenteabilidade de invenções relativas a plantas e a animais
3.1. Patenteabilidade de invenções relativas a plantas
3.1.1. Disposições pertinentes da directiva
3.1.2. Acção comunitária necessária em matéria de licenças cruzadas
3.2. Patenteabilidade de invenções relativas a animais
3.2.1. Aplicação do n.º 2 do artigo 4.º da directiva
3.2.2. A patente EP 0 578 653 B (Seabright Patent)
3.2.3. Exclusão prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 6.º da directiva
3.3. Exclusão dos processos essencialmente biológicos - patenteabilidade dos microrganismos
4. Patenteabilidade de invenções relativas a elementos isolados do corpo humano
4.1. Distinção a fazer entre simples descobertas e invenções patenteáveis - condições de patenteabilidade
4.1.1. Disposições pertinentes da Directiva 98/44/CE
4.1.2. Excertos esclarecedores do acórdão do Tribunal
4.1.3. As patentes EP 699 754 e EP 705 903 (patente da Myriad Genetics sobre a despistagem do cancro da mama)
4.2. Alcance a conferir a patentes relativas a elementos isolados do corpo humano
5. Exclusões da patenteabilidade das invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública e aos bons costumes
5.1. Princípio geral de exclusão do n.º 1 do artigo 6.º
5.2. Lista específica de exclusão do n.º 2 do artigo 6.º
5.2.1. Processos de clonagem de seres humanos
5.2.1.1. Texto da directiva
5.2.1.2. A patente EP 0 695 351 (patente dita "de Edimburgo")
5.2.2. Patenteabilidade das células estaminais humanas e das linhas obtidas a partir das mesmas
5.2.3 Processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano
5.2.4 Utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais
6. Conclusão
ANEXO 1: Aplicação da directiva 98/44/CE relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas
ANEXO 2: Estratégia coerente para a biotecnologia e as ciências da vida na europa
1) Investimentos no sector biotecnológico
2) Concessão de patentes no sector da biotecnologia
3) Competitividade industrial em biotecnologia
ANEXO 3: Historial da negociação da Directiva 98/44/CE
ANEXO 4: Trabalhos realizados depois da conclusão da directiva
1) No âmbito dos intercâmbios entre a Comissão e os Estados-Membros
2) Actividades no âmbito do Parlamento Europeu
3) Trabalhos realizados no âmbito do Grupo europeu de ética para as ciências e as novas tecnologias da Comissão Europeia.
4) Actividades do Grupo de alto nível em matéria de ciências da vida
5) Actividade da OCDE quanto a "invenções genéticas, direitos de propriedade intelectual e práticas de licenciamento"
ANEXO 5: Estatísticas
SÍNTESE
O presente relatório é elaborado por força da alínea c) do artigo 16.º da Directiva 98/44/CE, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, que impõe à Comissão o envio ao Parlamento Europeu e ao Conselho, todos os anos, de um relatório sobre a evolução e as implicações do direito de patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética.
A adopção da Directiva 98/44/CE foi o resultado de um debate longo e construtivo, de quase 10 anos, tanto no Conselho como no Parlamento Europeu. Ao longo dessas negociações, foi-se tornando incontestável que as invenções biotecnológicas eram um domínio em pleno desenvolvimento: vão-se impondo muito rapidamente novas técnicas que trazem grandes esperanças terapêuticas ou alimentares e o legislador europeu considerou necessário não entravar o seu desenvolvimento. No entanto, convinha criar um quadro jurídico seguro que permitisse às empresas europeias o desenvolvimento e a comercialização de produtos e de processos saídos da engenharia genética. O legislador europeu estimou que este sector em plena evolução deveria ser observado de muito perto, a fim de acompanhar o seu desenvolvimento e de prevenir os seus eventuais disfuncionamentos.
A comunicação da Comissão, de 23 de Janeiro de 2002, com o título "Ciências da Vida e Biotecnologia", lembra claramente este objectivo. Foi nesta lógica que se preparou o primeiro relatório anual previsto a título da Directiva 98/44/CE, para ser apresentado ao Conselho e ao Parlamento Europeu. Nele se pretende destacar as disposições-chave desta directiva, substituindo-as com base no acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 9 de Outubro de 2001.
Desta análise resulta que os artigos relativos à patenteabilidade dos vegetais e dos animais e à patenteabilidade dos elementos isolados do corpo humano ou produzidos de outra forma têm em conta as preocupações da sociedade e também o necessário financiamento da investigação. Respeitam escrupulosamente as regras éticas reconhecidas na Comunidade Europeia, protegendo igualmente as invenções desenvolvidas neste domínio. Dado que a biotecnologia e a engenharia genética não são ciências estáticas, a Comissão tem o dever de identificar e de avaliar os problemas que surgiram mais recentemente ou que tenham ganho nova acuidade.
Nesta óptica, a Comissão deverá, nomeadamente, ser levada a reflectir sobre duas questões que puderam ser identificadas no âmbito deste primeiro relatório, a saber:
* o alcance a atribuir às patentes relativas às sequências ou às sequências parciais de genes isolados do corpo humano;
* a patenteabilidade das células estaminais humanas e das linhas obtidas a partir das mesmas.
INTRODUÇÃO
O sector da biotecnologia foi identificado pelo Conselho Europeu de Estocolmo como um dos mais promissores em termos de desenvolvimento económico e de empregos. No entanto, para se aproveitarem ao máximo estas potencialidades, devem ser tomadas medidas positivas a nível da Comunidade Europeia.
Deste modo, pode-se ler nas conclusões da Presidência que «a capacidade das empresas da UE para adoptar as tecnologias dependerá de factores como a investigação, o espírito empresarial, um quadro regulamentar de incentivo à inovação e à tomada de riscos, incluindo a protecção da propriedade industrial a nível da Comunidade e a custos concorrenciais a nível mundial, e a existência de investidores dispostos a investir, em especial numa fase precoce." [1]
[1] Conclusões da Presidência - Estocolmo, 23 e 24 de Março de 2001 - SN 100/01, ponto 43, p.10.
O Conselho Europeu encarregou a Comissão, concertadamente com o Conselho, de examinar as medidas necessárias para explorar plenamente o potencial das biotecnologias e reforçar a competitividade da Europa neste sector, a fim de poder rivalizar, nomeadamente, com os seus grandes concorrentes japoneses e americanos [2], [3].
[2] Conclusões da Presidência, op. cit., ponto 44, p.11.
[3] A propósito do Conselho Europeu de Barcelona, os primeiros-ministros neerlandês e britânico, Wim Kok e Tony Blair, enviaram uma carta ao primeiro-ministro espanhol, José María Aznar, com o título "Overcoming the European Paradox", na qual apelam a Comunidade Europeia a tomar as medidas necessárias para atingir os objectivos resultantes do Conselho Europeu de Lisboa, em Março de 2000, que consistem em fazer da União Europeia a economia mais competitiva e mais dinâmica do mundo em 2010. Para tanto, a Comissão deverá apresentar, designadamente, na Primavera de 2003, um plano de acção para criar uma Europa integrada da investigação e da inovação.
Assim, em 23 de Janeiro de 2002, a Comissão adoptou uma comunicação intitulada "Ciências da Vida e Biotecnologia -- uma estratégia para a Europa" [4]. Esta comunicação, que pretende sintetizar o conjunto dos diferentes aspectos das biotecnologias, entre os quais a patenteabilidade de invenções neste domínio, tem como objectivo fazer o ponto da situação na Comunidade Europeia. Por outro lado, um plano de acção anexado à presente comunicação define as orientações prioritárias em matéria de biotecnologias, acompanhadas, eventualmente, de um calendário de planificação das acções a empreender.
[4] COM(2002) 27 final.
A acção 5, a mais pertinente no âmbito do presente relatório, prevê claramente que os Estados-Membros deverão transpor com urgência a Directiva 98/44/CE para o direito nacional [5]. O presente relatório não pode deixar de relembrar este requisito prévio imperativo. A comunicação insiste no facto de que "a aplicação plena da Directiva 98/44/CE, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, melhorará consideravelmente a segurança jurídica do sector. A clarificação do quadro legislativo da CE incentivará as empresas inovadoras dos vários sectores que utilizam a biotecnologia a continuarem ou mesmo a aumentarem os seus investimentos em investigação" [6].
[5] COM, op.cit. Acção 5 do plano de acção, p.28.
[6] COM, op. cit., p.12.
A comunicação observa, também, que, devido aos rápidos progressos científicos observados neste domínio técnico, convém seguir atentamente a legislação sobre a propriedade intelectual. Assim, serão necessárias avaliações periódicas para determinar se o sistema de patentes responde às necessidades dos investigadores e das empresas [7].
[7] COM, op. cit., p.17.
É nesta óptica que o presente relatório se inscreve plenamente.
Deste modo, aquando da adopção da Directiva 98/44/CE, de 6 de Julho de 1998, pareceu útil ao legislador europeu incluir aí referências aos diferentes relatórios que a Comissão deve enviar ao Conselho e ao Parlamento Europeu.
A alínea a) do artigo 16.º prevê um relatório quinquenal sobre a questão de saber se a presente directiva suscitou problemas relacionados com acordos internacionais sobre a protecção dos Direitos do Homem aos quais os Estados-Membros tenham aderido. A alínea b) do artigo 16.º impõe à Comissão a realização de um estudo para avaliar as implicações, no domínio da investigação fundamental em engenharia genética, da não publicação ou da publicação tardia de documentos cujo objecto pudesse ser patenteável [8].
[8] Este relatório foi apresentado pela Comissão em 14 de Janeiro de 2002; COM(2002) 2 final.
Por último, a alínea c) do artigo 16.º da directiva prevê um relatório anual sobre a evolução e as implicações do direito de patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética [9].
[9] A engenharia genética pode ser definida como uma técnica que consiste na introdução de alterações na molécula de ADN de um organismo vivo, sem que haja intervenção de meios de reprodução naturais.
O presente documento constitui o primeiro relatório deste último tipo.
1. A situação actual na Europa
1.1. Aplicação da directiva nos Estados-Membros
É conveniente assinalar que a redacção do presente relatório se revelou bastante complicada dado que, segundo as informações dos serviços da Comissão no momento da mesma redacção, apenas seis Estados-Membros tinham transposto a directiva para o respectivo direito interno: Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Reino Unido, Grécia e Espanha [10].
[10] Em anexo ao presente relatório (Anexo 1), encontra-se o ponto da situação no que se refere à transposição da Directiva 98/44/CE nos Estados-Membros da Comunidade Europeia.
Os outros Estados-Membros encontram-se actualmente em fases diferentes do processo. Em alguns países (Alemanha, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria e Portugal), as discussões estão já a decorrer nos parlamentos nacionais. Na Bélgica, França e Suécia, os vários ministérios interessados avalizaram uma proposta de lei de transposição da Directiva 98/44/CE, mas ainda não foi possível submeter esta proposta à aprovação dos respectivos parlamentos nacionais.
Porém, esta transposição é essencial para evitar qualquer distorção entre as legislações dos Estados-Membros. A continuação da situação actual terá como consequência travar de forma considerável o desenvolvimento das biotecnologias na Europa.
Afigura-se importante insistir no facto de que na União Europeia, actualmente, a protecção por patente é assegurada por dois sistemas, sem que nenhum deles assente num instrumento jurídico comunitário: o sistema europeu de patentes e os sistemas nacionais de patentes.
Contudo, continua a ser desejável poder obter uma patente comunitária, designadamente no domínio das biotecnologias, com carácter unitário válido em todos os Estados-Membros da Comunidade Europeia. Foi, portanto, nesta óptica que a Comissão Europeia apresentou uma proposta de regulamento sobre a patente comunitária [11], actualmente em discussão no Conselho [12]. O Parlamento Europeu emitiu o seu parecer em 10 de Abril de 2002 [13].
[11] COM(2000) 412 final, 1.8.2000.
[12] No ponto 5 do plano de acção adoptado na comunicação sobre as ciências da vida e a biotecnologia, a Comissão encoraja vivamente o Conselho a adoptar o regulamento relativo à patente comunitária.
[13] Este parecer ainda não foi publicado no JO.
À luz dos recentes acórdãos do Tribunal de Justiça, que confirmam a compatibilidade da directiva com vários princípios jurídicos e compromissos internacionais, a Comissão fará todos os esforços e levará a cabo as acções adequadas para permitir uma transposição plena e rápida da directiva para o direito nacional, nos países que ainda não a fizeram.
1.2. A Organização Europeia de Patentes e a directiva
Convém igualmente sublinhar que as disposições principais contidas na Directiva 98/44/CE foram retomadas na Convenção sobre a Patente Europeia (a seguir designada CPE), mais precisamente no seu regulamento de execução, mediante decisão do Conselho de Administração da Organização Europeia de Patentes (a seguir designada Organização), de 16 de Junho de 1999 [14]. Com efeito, as novas regras 23-C e seguintes e a regra 28, n.º 6, retomam as disposições essenciais da directiva e, em especial, as relativas aos seus artigos 4.º, 5.º e 6.º Por outro lado, a regra 23-C prevê que a Directiva 98/44/CE constitua um meio complementar de interpretação destas regras e também das disposições pertinentes da convenção. A partir de agora, as câmaras de recurso que não estão vinculadas a nenhuma instrução e que têm apenas de se conformar com as disposições da convenção e do regulamento de execução podem recorrer de modo vantajoso aos artigos da directiva e aos considerados nela incluídos para tomar as suas decisões. Assim, algumas decisões emitidas pelos órgãos quase jurisdicionais da Organização referem-se explicitamente à Directiva 98/44/CE [15].
[14] JO OEP 7/1999, p. 437.
[15] Decisão de uma divisão de oposição da OEP, de 20 de Junho de 2001, JO OEP 6/2002, p. 293; cf. nota 52.
É importante que a Organização tenha em consideração o direito comunitário. Com efeito, a Convenção Europeia de Patentes organiza um processo único de exame dos pedidos de patentes (efectuado pelo Instituto Europeu de Patentes, a seguir designado IEP), que dá origem a uma série de patentes nacionais regidas pelo direito nacional e comunitário. As patentes relativas a invenções biotecnológicas são concedidas, portanto, em conformidade com as disposições da directiva.
Por outro lado, as disposições da directiva retomadas no regulamento de execução aplicam-se também às patentes concedidas para a Suíça, Liechtenstein, Mónaco, Chipre, Turquia, República Checa, Eslováquia, Bulgária e Estónia [16].
[16] Os últimos quatro países citados aderiram à Organização Europeia de Patentes em 1 de Julho de 2002. Além disso, na sequência de um acordo entre esta organização e a Albânia, a Lituânia, a Letónia, a ex-República Jugoslava da Macedónia, a Roménia e a Eslovénia, o Instituto Europeu de Patentes concede patentes que produzem efeitos nestes países.
1.3. Recurso de anulação neerlandês contra a Directiva 98/44/CE -- decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 9 de Outubro de 2001
Mediante petição de 19 de Outubro de 1998, o Reino dos Países Baixos, apoiado pela Itália e pela Noruega (a título do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu) solicitou a anulação da Directiva 98/44/CE.
O Conselho e o Parlamento Europeu eram partes requeridas. A Comissão interveio em apoio da directiva.
O recurso neerlandês articulava-se em torno de 6 meios, retirados respectivamente da escolha errónea da base jurídica escolhida, neste caso o artigo 95.º do Tratado (ex-artigo 100.º-A), da violação do princípio da subsidiariedade, da violação do princípio de segurança jurídica, da violação de obrigações internacionais, da violação do direito fundamental ao respeito pela dignidade da pessoa humana e da violação das formas substanciais quanto à adopção da proposta da Comissão.
Por outro lado, o Reino dos Países Baixos apresentou um pedido de medidas provisórias ao Presidente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias visando a suspensão da execução da Directiva 98/44/CE, invocando a urgência de os Estados-Membros não se verem obrigados a aplicar esta directiva após a data-limite de transposição. Segundo este país, a transposição terá consequências graves e irreversíveis, que não poderão ser reparadas no futuro. Mediante injunção, de 25 de Julho de 2000, o Presidente do Tribunal rejeitou este pedido.
As alegações foram produzidas perante o Tribunal de Justiça em 13 de Fevereiro de 2001. As conclusões do advogado-geral Jacobs foram conhecidas em 14 de Junho de 2001, tendendo para a rejeição do recurso de anulação [17].
[17] http://www.curia.eu.int/jurisp/cgi-bin/ form.pl?lang=fr&Submit=Rechercher& docrequire=alldocs&numaff= C-377%2F98&datefs=&datefe=& nomusuel=&domaine=&mots=& resmax=100
O acórdão do Tribunal, de 9 de Outubro de 2001 [18], retoma as conclusões do advogado-geral e conclui pela rejeição do recurso.
[18] http://curia.eu.int/jurisp/cgi-bin/ form.pl?lang=en&Submit=Submit& docrequire=alldocs&numaff= C-377%2F98&datefs=&datefe=& nomusuel=&domaine=&mots=& resmax=100
Este acórdão é especialmente importante na medida em que permitiu que o Tribunal de Justiça relembrasse, em termos jurídicos, os princípios essenciais contidos na Directiva 98/44/CE. Por outro lado, uma nova análise de certas disposições precisas [19] deverá permitir facilitar e acelerar a transposição da directiva em certos Estados-Membros.
[19] Nomeadamente, de certas disposições que são estudadas no âmbito deste relatório (patenteabilidade das plantas, de elementos isolados do corpo humano ou produzidos de outra forma, excepções à patenteabilidade por razões de ordem pública ou de bons costumes).
A fundamentação deste acórdão é ulteriormente retomada no âmbito do presente relatório [20].
[20] No âmbito do presente relatório, só serão desenvolvidos os meios que tenham uma ligação com as disposições essenciais da directiva, a saber, os argumentos desenvolvidos em apoio do artigo 4.º (patenteabilidade das plantas e dos animais), do artigo 5.º (patenteabilidade de elementos isolados do corpo humano) e do artigo 6.º (exclusão da patenteabilidade por razões de ordem pública ou de bons costumes).
1.4. As disposições-chave da directiva
Neste ponto, a Comissão não pretende estabelecer necessariamente linhas directrizes de interpretação da Directiva 98/44/CE, visto que esta é composta por disposições suficientemente claras que permitem a sua aplicação no direito interno dos Estados-Membros.
O objectivo consiste sobretudo em fazer a síntese dos diferentes elementos que resultaram dos trabalhos preparatórios desta directiva, bem como das conclusões do advogado-geral e do acórdão do Tribunal de Justiça. Convém, portanto, fazer um paralelo com as disposições pertinentes da Directiva 98/44/CE.
A título preliminar, convém insistir no facto de que o Tribunal de Justiça relembrou o âmbito de aplicação da directiva: esta limita-se principalmente à definição de certos princípios aplicáveis à patenteabilidade da matéria biológica e à extensão da protecção conferida por uma patente relativa a uma invenção biotecnológica. As condições relativas à autorização de investigação (nomeadamente, as investigações que incidem sobre as células estaminais humanas) ou à exploração dos produtos patenteados são reguladas pelas disposições nacionais, comunitárias ou internacionais aplicáveis e pertinentes [21].
[21] Ponto 79 do acórdão.
Assim, a directiva não pode regular, por exemplo, o consentimento livre e esclarecido do dador e do receptor de matéria biológica de origem humana, que permanece sujeito ao direito positivo aplicável em conformidade com o respeito pelo princípio fundamental da integridade das pessoas [22].
[22] Pontos 78 a 80 do acórdão.
O presente relatório centrar-se-á à volta dos quatro temas essenciais seguintes:
* conformidade da directiva com os acordos internacionais pertinentes na matéria
* patenteabilidade de invenções respeitantes a plantas e animais
* patenteabilidade de invenções respeitantes a elementos isolados do corpo humano
* exclusões de patenteabilidade previstas no artigo 6.º da directiva.
Estes princípios serão amplamente desenvolvidos no âmbito do presente relatório.
2. Conformidade da directiva com os acordos internacionais pertinentes na matéria
A nível internacional, numerosos organismos são ou foram já levados a abordar a questão da protecção das invenções biotecnológicas. Deste modo, o Conselho dos ADPIC (Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio), no âmbito do exame do disposto no artigo 27.º, n.º 3, alínea b) do acordo, teve várias vezes oportunidade de abordar esta questão. Também as discussões que ocorreram no âmbito da FAO ou que ainda decorrem no âmbito da CDB trataram esta problemática.
Afigura-se incontestável que a directiva é plenamente conforme com os tratados existentes no domínio das biotecnologias.
2.1. Conformidade da directiva relativamente a certas convenções internacionais
No âmbito do recurso de anulação da Directiva 98/44/CE, o Tribunal examinou se seria competente para apreciar a validade da directiva relativamente a convenções internacionais tais como a CPE, o acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio (ADPIC) da OMC, bem como a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB).
A título preliminar, convém observar que a directiva não pretende prejudicar as obrigações que decorrem, para os Estados-Membros, das convenções internacionais. O n.º 2 do artigo 1.º precisa, designadamente, que a directiva não prejudica as disposições do acordo sobre os ADPIC e as da Convenção sobre a Diversidade Biológica.
O Tribunal não se considera competente para apreciar a validade da directiva relativamente à Convenção sobre a Patente Europeia, na medida em que a Comunidade Europeia não é parte da mesma. De igual modo, o Tribunal declina a sua competência no que toca à conformidade da directiva relativamente ao acordo sobre os ADPIC (do qual a CE é parte nos aspectos que relevam da respectiva competência), atendendo ao facto de este acordo assentar num princípio de reciprocidade e de vantagens mútuas [23].
[23] Ponto 53 do acórdão.
Mas quanto à validade da directiva relativamente à Convenção sobre a Diversidade Biológica, o Tribunal declarou-se competente [24]. No entanto, observa que nenhuma disposição da CDB prevê, como condição para a concessão de uma patente a invenções biotecnológicas, que sejam tidos em conta os interesse dos países dos quais os recursos genéticos são originários ou a existência de medidas de transferência tecnológica [25]. Por outro lado, o Tribunal recorda que, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º da Directiva 98/44/CE, os Estados-Membros devem aplicá-la em conformidade com os compromissos que assumiram em matéria de diversidade biológica [26]. Aliás, o considerando 55 da directiva prevê que os Estados-Membros tenham em conta, na aplicação da mesma, o artigo 3.º (propriedade dos recursos genéticos), a alínea j) do artigo 8.º (conhecimentos tradicionais) e o artigo 16.º da CDB (acesso à tecnologia e à transferência de tecnologia).
[24] Ponto 53 do acórdão.
[25] Ponto 66 do acórdão.
[26] Ponto 67 do acórdão.
2.2. O tratado sobre o direito material de patentes (negociado no âmbito da OMPI)
Os trabalhos efectuados à escala internacional, nomeadamente os que se desenvolvem no seio da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), respeitantes ao SPLT (Substantive Patent Law Treaty - Tratado sobre o Direito Material de Patentes) são susceptíveis de incidir sobre a Directiva 98/44/CE.
Convém recordar, antes de mais, que a Comunidade Europeia não é membro pleno da OMPI [27]. No entanto, os Estados-Membros, sendo todos eles partes desta organização, não podem, nos termos do artigo 10.º do Tratado CE, comprometer as políticas e o direito comunitário existentes. Além disso, com o aparecimento da futura patente comunitária, a Comunidade Europeia passará a estar vocacionada para ser parte deste futuro tratado.
[27] Os trabalhos relativos ao SPLT decorrem no quadro do Comité Permanente do Direito de Patentes. A Comunidade Europeia dispõe apenas do estatuto de observador. Mas noutros comités, tal como, por exemplo, no Comité Permanente do Direito das Marcas e das Indicações Geográficas, a Comissão dispõe do estatuto de delegação.
Os trabalhos relativos ao SPLT foram lançados após a adopção do PLT (Patent Law Treaty - Tratado sobre o Direito de Patentes), em Junho de 2000 [28], incidindo sobre a harmonização formal do direito de patentes. Os órgãos directivos da OMPI decidiram relançar o processo de harmonização do direito material de patentes, o que engloba nomeadamente as invenções no domínio das biotecnologias [29].
[28] http://www.wipo.org/treaties/ip/plt/ index.html
[29] Convém não esquecer que, ao longo dos anos 80, já se havia iniciado um exercício semelhante, que fracassou na Conferência Diplomática da Haia, em 1991.
Este novo projecto de tratado tem como objectivo estabelecer, a nível internacional, disposições imperativas aplicáveis ao direito material de patentes. Este tratado tem como objectivo articular-se harmoniosamente como o acordo sobre os ADPIC, o PLT e o PCT (Patent Cooperation Treaty - Tratado de Cooperação em matéria de Patentes).
No estado actual da negociação, as disposições da directiva que podem ser afectadas são as que tratam da aplicação industrial e as relativas ao depósito de uma matéria biológica junto de uma instituição reconhecida. A Comissão tenciona seguir de perto as evoluções desta negociação internacional.
3. Patenteabilidade de invenções relativas a plantas e a animais
A directiva distingue, de um lado, os vegetais e os animais patenteáveis e, do outro, as variedades vegetais e as espécies animais que não o são. A razão que justifica este regime diferente reside nos meios de realização do produto em questão: uma variedade vegetal ou uma raça animal obtém-se, em geral, por processos essencialmente biológicos (reprodução sexuada observável na natureza), enquanto os vegetais e os animais transgénicos resultam de processos não biológicos resultantes da engenharia genética.
A directiva não optou, nos termos da liberdade concedida no artigo 27.º, n.º 3, alínea b) do acordo sobre os ADPIC, por fazer uso da possibilidade oferecida aos Estados signatários de excluir os vegetais e os animais da protecção por patente.
3.1. Patenteabilidade de invenções relativas a plantas
A directiva recorda que, se as plantas são patenteáveis, as variedades vegetais são excluídas da patenteabilidade e são protegidas por certificados de obtenção vegetal. Este título está em conformidade com a protecção sui generis prevista no acordo sobre os ADPIC [30].
[30] O acordo sobre os ADPIC oferece uma tripla alternativa aos seus membros, no que respeita à protecção das variedades vegetais:
O n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 2100/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994, define a variedade vegetal como um conjunto vegetal pertencente a um mesmo táxon botânico da ordem mais baixa conhecida [31].
[31] O táxon representa um grupo de organismos que formam uma unidade bem delimitada em cada um dos diferentes níveis hierárquicos da classificação.
3.1.1. Disposições pertinentes da directiva
As disposições pertinentes da directiva encontram-se no artigo 4.º e nos considerandos 29 a 32.
No âmbito do recurso de anulação da Directiva 98/44/CE, os requerentes consideravam as disposições relativas à patenteabilidade das plantas e dos animais pouco claras e ambíguas, sendo portanto fonte de insegurança jurídica, o que justificaria a anulação da directiva.
O Tribunal rejeitou esta argumentação e recordou que o artigo 4.º da directiva dispõe que uma patente não pode ser concedida a uma variedade vegetal mas que o pode ser para uma invenção cuja exequibilidade técnica não seja limitada a uma determinada variedade vegetal [32].
[32] Ponto 43 do acórdão.
Deste modo, com base nos considerandos 29 a 32 da directiva, o Tribunal lembrou que as variedades vegetais se caracterizam pela totalidade do seu genoma e são protegidas por certificados de obtenção vegetal. Em contrapartida, os conjuntos vegetais de uma classe taxonómica superior à variedade caracterizada por um gene determinado e não pelo conjunto do seu genoma, podem ser alvo de protecção por patente se a invenção a eles relativa incorporar apenas um gene novo e incidir sobre um conjunto mais amplo que uma única espécie vegetal.
O Tribunal concluiu que uma modificação genética de uma variedade vegetal determinada não é patenteável mas que uma modificação de maior alcance, que incida designadamente sobre uma espécie, pode ser protegida por uma patente [33], [34].
[33] Pontos 44 e 45 do acórdão.
[34] A Grande Câmara de Recurso da Organização Europeia de Patentes apreciou um litígio relativo a esta mesma problemática. A sua decisão, de 20 de Dezembro de 1999, baseia-se, mutatis mutandis, nas mesmas considerações incluídas na Directiva 98/44/CE, a saber:
Convém notar que esta distinção não se aplica nos Estados Unidos. O Supremo Tribunal, numa decisão de 10 de Dezembro de 2001, considerou que uma patente pode ser concedida a uma invenção relativa a uma variedade vegetal, desde que a mesma invenção preencha as condições exigidas (novidade, não evidência, utilidade, suficiência de descrição e depósito de material biológico acessível ao público) [35].
[35] J.E.M. AG Supply, Inc./ Pioneer Hi-Bred International I.N.C, 10 de Dezembro de 2001, BNA's 14.12.2001 (vol. 63, n.° 1552), p.144. Esta decisão baseia-se no domínio muito alargado de protecção estabelecido no acórdão Diamond/Chakrabarty, 447, US 303 (1980). Afigura-se importante indicar que um dos juízes não participou na votação e que dois outros exprimiram uma opinião dissidente.
3.1.2. Acção comunitária necessária em matéria de licenças cruzadas
O artigo 12.º da directiva institui um regime de licenças cruzadas entre certificados de obtenção vegetal e patentes, quando um obtentor não puder obter ou explorar um direito de obtenção vegetal sem infringir uma patente anterior, e vice-versa.
Os requerentes de licenças devem comprovar que se dirigiram em vão ao titular da patente ou do direito de obtenção vegetal para obter uma licença contratual e que a variedade ou a invenção representa um progresso importante com interesse económico considerável relativamente à invenção reivindicada na patente ou na variedade vegetal protegida.
No n.º 4 do referido artigo indica-se que se uma licença para uma variedade vegetal só puder ser concedida pelo Instituto Comunitário das Variedades Vegetais, será aplicável o artigo 29.º do Regulamento (CE) n.º 2100/94.
Não pode ser imputada aos Estados-Membros a não transposição de uma disposição que deve ser alterada pela Comissão no âmbito do regulamento atrás referido.
Com efeito, o artigo 29.º prevê a concessão de tais licenças pelo Instituto Comunitário das Variedades Vegetais unicamente por razões de interesse público.
Por outro lado, nos termos do n.º 7 do artigo 29.º do Regulamento (CE) n.º 2100/94, só o Instituto Comunitário das Variedades Vegetais está habilitado a conceder licenças obrigatórias. No entanto, nos termos do direito nacional aplicável, este mesmo instituto não pode ser competente para conceder licenças obrigatórias relativas a patentes nacionais.
Os serviços da Comissão decidiram examinar a incidência do artigo 12.º da referida directiva sobre o artigo 29.º do Regulamento n.º 2100/94 e efectuaram, desde logo, as diligências necessárias a fim de propor ao Conselho uma proposta adequada para solucionar esta dificuldade.
3.2. Patenteabilidade de invenções relativas a animais
Esta questão não foi abordada no acórdão do Tribunal [36]. Não existe definição jurídica da raça animal. Esta pode ser definida como um conjunto taxonómico que tem lugar logo após a subespécie (quando exista) ou a espécie, cujos membros diferem de outros representantes da mesma espécie [37] ou subespécie por características menores mas permanentes ou hereditárias [38].
[36] No entanto, o advogado-geral Jacobs abordou esta questão nas suas conclusões.
[37] Entende-se por "espécie" um conjunto de indivíduos que apresentam características morfológicas, anatómicas, ecológicas, etológicas, bioquímicas, fisiológicas, etc. comuns, e que são mais parecidos entre si do que com outros conjuntos equivalentes. Para pertencer à mesma espécie, os indivíduos devem ter em conjunto, em condições naturais, uma descendência comum fértil.
[38] Definição proveniente do "Shorter Oxford English Dictionary". Conferir as conclusões do advogado-geral Jacobs, ponto 131.
As disposições pertinentes da directiva nesta matéria são, essencialmente, o artigo 4.º e a alínea d) do n.º 2 do artigo 6.º Convém também notar que o direito comunitário não prevê a protecção da raça animal.
3.2.1. Aplicação do n.º 2 do artigo 4.º da directiva
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, as raças animais não são patenteáveis. No entanto, as invenções relativas a animais são patenteáveis se a viabilidade técnica não se limitar a uma raça animal [39]. Se um animal só puder ser obtido através da engenharia genética, excluindo qualquer cruzamento natural, então a invenção relativa a este animal pode ser protegida por uma patente [40].
[39] Convém notar que, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º da directiva, é também possível obter uma patente para processos técnicos que permitam obter um novo animal, bem como para esse animal obtido por via destes processos técnicos.
[40] O raciocínio apresentado no âmbito dos vegetais aplica-se, mutatis mutandis, aos animais.
Esta questão foi muitas vezes debatida na Europa a propósito da patente relativa ao rato oncogénico/Harvard. Esta patente refere-se a um mamífero modificado por transferência genética. Graças a esta manipulação, o animal pode desenvolver, em certas condições, tumores que podem ser utilizados na investigação sobre o cancro [41].
[41] Para mais esclarecimentos, convém consultar o site do IEP:
Após mais de 16 anos de diligências processuais, a divisão de oposição da OEP responsável por este processo decidiu, em 7 de Novembro de 2001, limitar esta patente aos roedores transgénicos portadores de um gene cancerígeno e, portanto, não autorizar a extensão a todos os mamíferos portadores do gene introduzido. Nos Estados Unidos, esta patente foi concedida na sua forma inicial, isto é, abrange todos os mamíferos transgénicos não humanos [42].
[42] Patente EUA 4.736.866.
Convém notar também que o tribunal federal de recurso canadiano, num acórdão de 3 de Agosto de 2000, aceitou que esta patente tivesse o mesmo alcance que a patente concedida pelo instituto americano de patentes (USPTO) [43].
[43] President and Fellows of Harvard College/Canada F.C.J. n.° 1213. Para mais informações sobre esta questão, consultar "Making Sense of Mouse Tales: Canada Lifeform Patents Topsy-Turvy", de Mark Perry e Priti Krishna, EIPR [2001] 4, p. 196.
3.2.2. A patente EP 0 578 653 B (Seabright Patent)
Desde a adopção da Directiva 98/44/CE, em Julho de 1998, entre o grande número de patentes concedidas no domínio das biotecnologias e da engenharia genética, algumas das patentes concedidas pelo Instituto Europeu de Patentes tiveram grande impacto na opinião pública. Foi nomeadamente o caso de uma patente concedida à sociedade Seabright.
A patente europeia EP 0 578 653, concedida em 18 de Julho de 2001, refere-se à criação de um peixe transgénico caracterizado pela incorporação de um gene quimérico [44] de origem não humana. Por outro lado, esta patente cobre também os testes para a determinação de peixes transgénicos.
[44] Quimera: organismo que se desenvolve a partir de um embrião formado por células originárias de dois indivíduos diferentes e, por isso, constituído por células que possuem dois genótipos diferentes.
O deputado europeu Jaime Valdivielso de Cué dirigiu uma pergunta escrita à Comissão relativa à conformidade da concessão de uma tal patente com a exclusão da patenteabilidade das raças animais. A Comissão respondeu a esta pergunta, em 21 de Dezembro de 2001, por intermédio do Comissário Bolkestein. Aí observou, nomeadamente, que a regra 23-D do regulamento de execução da Convenção sobre a Patente Europeia, que retoma, no essencial, o disposto no artigo 4.º da Directiva 98/44/CE, prevê que uma patente referente a uma invenção relativa a um animal possa ser obtida na medida em que a contribuição técnica que implica a invenção reivindicada não seja confinada a uma raça animal determinada. Parece ser este o caso atrás referido.
Convém notar que o gene quimérico na origem da criação daquele peixe transgénico não se destina a produzir um ser híbrido resultante de células germinativas ou totipotentes humanas ou animais. Neste último caso, esta invenção incidiria sobre a clonagem de um ser quimérico (parcialmente de origem humana) e, por isso, seria excluída da patenteabilidade.
3.2.3. Exclusão prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 6.º da directiva
A alínea d) do n.º 2 do artigo 6.º prevê que os processos de modificação da identidade genética dos animais que lhes possam causar sofrimentos sem utilidade médica substancial para o Homem e para o animal, bem como os animais obtidos por esses processos, são excluídos da patenteabilidade.
Esta excepção inscreve-se no conceito geral de exclusão previsto para as invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes.
O considerando 45 especifica que a utilidade médica substancial para o homem e para o animal, referida na alínea d) do n.º 2 do artigo 6.º, deve poder encontrar-se no domínio da investigação, da prevenção, do diagnóstico ou da terapêutica.
O Grupo europeu de ética e das novas tecnologias emitiu um parecer, em 21 de Maio de 1996 [45], sobre os aspectos éticos da modificação genética dos animais. De acordo com este parecer, tais modificações são admissíveis e podem ser patenteáveis mas, atendendo às consequências que as técnicas aplicadas podem ter para a saúde humana e animal, para o ambiente e para a sociedade, impõe-se uma prudência extrema. Assim, segundo este parecer, o princípio de prudência deve aplicar-se, nomeadamente, tanto à obtenção de animais geneticamente modificados como à utilização e ao tratamento desses animais.
[45] Parecer n.º 7, disponível no seguinte endereço:
3.3. Exclusão dos processos essencialmente biológicos - patenteabilidade dos microrganismos
Para ser exaustivo a respeito desta questão, convém observar que os processos essencialmente biológicos para a obtenção de animais ou de vegetais não são patenteáveis. A contrario, um processo não essencialmente biológico será patenteável. Compete aos tribunais apreciar esta diferença.
O n.º 1 do artigo 27.º do acordo sobre os ADPIC prevê um princípio geral de patenteabilidade em todos os domínios tecnológicos. No entanto, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º, os Estados-Membros podem excluir da patenteabilidade os vegetais e os animais mesmo quando as invenções a eles referentes observem as condições clássicas de patenteabilidade. Contudo, este mesmo artigo impõe aos seus membros a previsão de uma protecção por patente dos processos não biológicos.
O mesmo se passa para os processos microbiológicos. Além disso, e ainda segundo o acordo sobre os ADPIC, os microrganismos devem poder ser protegidos por patentes se estiverem preenchidas as condições de patenteabilidade.
É esta a razão para o n.º 3 do artigo 4.º especificar que as invenções que tenham por objecto um processo microbiológico ou outros processos técnicos, ou um produto obtido por intermédio destes processos, não são excluídos per se da patenteabilidade.
4. Patenteabilidade de invenções relativas a elementos isolados do corpo humano
O corpo humano, nos diferentes estádios da sua constituição, não é patenteável, visto que se trata de uma simples descoberta. A mera descodificação de um dos seus elementos também não o é. Esta exclusão abrange também a descoberta de uma sequência ou de uma sequência parcial de um gene.
Porém, um elemento que tenha sido isolado do corpo humano, incluindo uma sequência ou uma sequência parcial de um gene através de técnicas de identificação, de purificação, de caracterização e de multiplicação, pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura deste elemento seja idêntica à de um elemento natural. O mesmo raciocínio pode, evidentemente, ser aplicado a qualquer elemento que tenha sido produzido de outro modo, de forma sintética mediante um processo técnico.
Este tipo de invenção, que se destina a ser protegida por patente, deverá, porém, respeitar as condições clássicas de patenteabilidade, a saber, novidade, actividade inventiva e aplicação industrial.
A directiva permite uma certa flexibilidade quanto à extensão da protecção a conferir a invenções relativas a elementos isolados do corpo humano.
4.1. Distinção a fazer entre simples descobertas e invenções patenteáveis - condições de patenteabilidade
4.1.1. Disposições pertinentes da Directiva 98/44/CE
No que se refere ao seu âmbito de aplicação, a directiva prevê as condições a observar para poder proteger por patente as invenções relativas à matéria biológica. Assim, a directiva reitera os princípios de base do direito de patentes, isto é, que são patenteáveis as invenções novas, que impliquem uma actividade inventiva e que sejam susceptíveis de aplicação industrial.
No que respeita ao corpo humano, a elementos isolados do mesmo ou produzidos de outra forma mediante um processo técnico, a directiva fornece orientações suplementares às condições tradicionais de patenteabilidade.
Os n.os 1 e 2 do artigo 5.º, conjugados com os considerandos 16, 20 e 21, esforçam-se por operar a distinção neste domínio entre as descobertas não patenteáveis e as invenções patenteáveis. Em primeiro lugar, estabelecem que o corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, incluindo as células germinativas, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, não podem constituir invenções patenteáveis.
Por outro lado, da exposição de motivos da posição comum de 26 de Fevereiro de 1998, adoptada pelo Conselho com vista à adopção da Directiva 98/44/CE, depreende-se que os termos "o corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento" abrangem o embrião [46].
[46] JO C 110 de 8.4.1998, p. 28, ponto 20.
A isto se junta que nem o genoma humano no seu estado natural nem os dados fundamentais brutos relativos ao genoma humano constituem invenções patenteáveis. A directiva está, assim, em conformidade com o artigo 4.º da declaração da UNESCO sobre o genoma humano, uma vez que não prevê benefícios financeiros ligados ao genoma humano na sua forma natural [47]. A directiva inscreve-se também na linha da declaração conjunta sobre o genoma humano feita em 2000 pelo Presidente Clinton e pelo primeiro-ministro Blair [48].
[47] http://www.unesco.org/ibc/fr/genome/ projet/index.html
[48] Declaração conjunta efectuada em videoconferência a partir da Casa Branca. As passagens esclarecedoras desta declaração são as seguintes:
No entanto, o n.º 2 do artigo 5.º prevê que um elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, possa constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural.
Convém, desde logo, observar que, contrariamente ao que certas vozes puderam afirmar, a directiva não pretende pôr em causa o respeito pela integridade do corpo humano. Com efeito, não poderá ser obtida uma patente válida para uma invenção que tenha por objecto isolar do seu estado natural um órgão do corpo humano, como um rim, por exemplo, para o comercializar. Uma invenção deste tipo seria, sem qualquer dúvida, contrária à não patrimonialidade do corpo humano, princípio essencial da Comunidade Europeia, e deveria ser excluída da patenteabilidade com base no n.º 2 do artigo 6.º da directiva [49].
[49] Conferir os desenvolvimentos consagrados a esta questão no ponto 5 do presente relatório.
Alguns consideram, porém, que este n.º 2 acaba por negar o princípio geral de não patenteabilidade consagrado no n.º 1, esvaziando do seu sentido a não patenteabilidade do corpo humano. Nada mais falso. Com efeito, como explica o considerando 21, o argumento é que um elemento do corpo humano, incluindo uma sequência ou uma sequência parcial de um gene, para poder ser patenteável, deve ser, por exemplo, o resultado de processos técnicos que o identificaram, purificaram, caracterizaram e multiplicaram fora do corpo humano. Tais técnicas não se encontram na natureza. Com efeito, os elementos isolados do corpo humano tomados no seu contexto natural não poderiam ser explorados com uma lógica industrial. Apresentariam apenas propriedades naturais que só o homem, por via da engenharia genética, é capaz de explorar e de inserir num processo técnico. A distinção bem conhecida do direito de patentes entre uma descoberta e uma invenção adquire toda a sua amplitude no domínio das biotecnologias [50].
[50] Nos Estados Unidos, o Supremo Tribunal afirmou, no acórdão Diamond /Chakrabarty (op.cit.) que o âmbito da patenteabilidade incluía tudo o que é produzido pelo ser humano sob o sol. Dir-se-ia que o alcance exacto deste acórdão deve ser alvo de interpretação.
No âmbito da Directiva 98/44/CE, o n.º 2 do artigo 5.º limita-se a prever que um elemento isolado do corpo humano possa constituir uma invenção patenteável. Esta invenção deve ainda respeitar os critérios-tipo da patenteabilidade, nomeadamente quanto ao seu carácter inventivo e à sua aplicabilidade industrial. Convém notar que a lei americana exige também que se respeitem critérios similares (novidade, não evidência, utilidade [51]).
[51] A noção de não evidência cobre sensivelmente a noção contida na actividade inventiva. Mas o conceito de utilidade pode, por vezes, divergir do conceito de aplicação industrial.
Por vezes contrapõe-se que o processo que consiste em isolar um determinado gene por clonagem se tornou tão rotineiro que não implica qualquer actividade inventiva. Se for esse o caso, este gene específico poderia, porém, representar uma invenção, ainda que não patenteável, visto que não observa o critério-tipo da actividade inventiva. A directiva não altera o critério bem estabelecido que permite determinar se uma invenção responde à exigência da inventividade.
Existe actualmente a possibilidade de deduzir a função de um gene efectuando comparações informáticas com outros genes cujas funções são já conhecidas. Neste caso, a patenteabilidade do gene pode ser recusada invocando a ausência de actividade inventiva.
Se a directiva não precisa de fornecer orientações suplementares sobre a questão da actividade inventiva, o mesmo não acontece quanto à aplicabilidade industrial. Neste caso, foi considerado necessário fornecer linhas directrizes para ajudar a determinar se um sequência genética responde à exigência da aplicabilidade industrial. O considerando 23 especifica que uma mera sequência de ADN sem indicação de uma função não contém quaisquer ensinamentos técnicos, não podendo, por conseguinte, constituir uma invenção patenteável.
O considerando 24 acrescenta, por outro lado, que, no caso de utilização de uma sequência, total ou parcial, de um gene para a produção de uma proteína ou de uma proteína parcial, para que o critério de aplicação industrial seja respeitado, é necessário especificar a proteína ou proteína parcial produzida e a função assegurada por ela: o nível de descrição exigido relativo à utilidade específica pode diferir consoante os casos, pode depender dos conhecimentos disponíveis e variar à medida que se generaliza a utilização dos genes para fins terapêuticos e de diagnóstico.
Numa decisão muito recente, uma câmara de oposição da OEP especificou o que deve entender-se por aplicação industrial no âmbito de uma sequência genética. A utilização potencial de uma sequência divulgada num pedido não deve ser especulativa, isto é, deve ser específica, substancial e credível [52].
[52] Decisão da divisão de oposição, de 20 de Junho de 2001, ICOS/SmithKline Beecham and Duphar International Research, JO IEP 6/02, p. 293. Foi interposto recurso desta decisão.
Por último, a necessidade de responder ao critério da aplicabilidade industrial constitui apenas um obstáculo no caminho da obtenção de uma patente. Com efeito, as regras gerais para apreciar a patenteabilidade de uma invenção relativa a um gene ou a uma sequência parcial de um gene continuam a ter aplicação. O considerando 8 da directiva lembra-o de forma inequívoca. Assim, convém respeitar nomeadamente a exigência que consiste em expor a invenção de forma suficientemente clara e completa, para que a mesma possa ser executada por um especialista na matéria. Com efeito, o examinador que instrui o pedido de patente deve poder realizar teoricamente a invenção a partir dos elementos que lhe são fornecidos nesse pedido. Deste modo, nos termos do artigo 13.º da directiva, quando uma invenção disser respeito a matéria biológica não acessível ao público e que não possa ser descrita no pedido de patente de forma a permitir a sua realização por pessoa competente na matéria, ou implicar a utilização de matéria desse tipo, a descrição só será considerada suficiente para efeitos do direito de patentes se a matéria biológica tiver sido depositada até à data de apresentação do pedido de patente numa instituição de depósito reconhecida [53]. Este artigo prevê também que o pedido apresentado deve conter informações pertinentes de que o requerente dispõe sobre as características da matéria biológica a que a invenção diz respeito ou utilizada no âmbito da invenção.
[53] O próprio artigo 13.º especifica que "são reconhecidas pelo menos as instituições de depósito internacionais que tenham adquirido esse estatuto em conformidade com o artigo 7.º do Tratado de Budapeste, de 28 de Abril de 1977, sobre o reconhecimento internacional do depósito de microrganismos para fins de procedimento em matéria de patentes, a seguir designado 'Tratado de Budapeste'".
O Grupo Europeu de Ética, no seu parecer n.º 8, de 25 de Setembro de 1996 [54], sobre "Os aspectos éticos da patenteabilidade das invenções que dizem respeito a elementos de origem humana", considerou que:
[54] Parecer disponível no seguinte endereço: http://www.europa.eu.int/comm/ european_group_ethics
- A distinção tradicional entre descoberta (não patenteável) e invenção (patenteável) adquire, no domínio da biotecnologia, uma dimensão ética especial.
- O mero conhecimento da estrutura total ou parcial de um gene não pode constituir o objecto de uma patente.
- No que se refere às invenções que impliquem um gene ou uma sequência parcial de um gene humano, a concessão de uma patente só será aceitável se, por um lado, a identificação de uma função ligada a um gene ou à sequência de um gene abrir caminho a novas possibilidades (por exemplo, ao fabrico de um novo medicamento) e, por outro, a aplicação abrangida pela patente for descrita de forma precisa.
4.1.2. Excertos esclarecedores do acórdão do Tribunal
O Tribunal foi levado a pronunciar-se sobre os meios invocados com vista à anulação da directiva no seu acórdão, nomeadamente sobre o não respeito pelos direitos fundamentais relativos ao respeito pela dignidade humana e à integridade humana, nos termos do artigo 5.º da directiva, para solicitar a anulação desta directiva.
Quanto à dignidade humana, o Tribunal observa que este princípio é claramente tido em conta pela directiva, na medida em que o n.º 1 do seu artigo 5.º proíbe que o corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, possa constituir uma invenção patenteável [55].
[55] Ponto 71 do acórdão.
O Tribunal afirma que o respeito pela integridade da pessoa é também observado pela directiva. Com efeito, o Tribunal relembra que um elemento do corpo humano no seu meio natural não pode ser objecto de qualquer apropriação. O mero facto de o descobrir não confere nenhum direito [56].
[56] Pontos 72 e 73 do acórdão.
Sendo assim, só poderão ser objecto de um pedido de patente as invenções que associem um elemento natural a um processo técnico que permita isolá-lo ou produzi-lo com vista a uma aplicação industrial [57].
[57] Ponto 72 do acórdão.
O Tribunal prossegue afirmando que o mesmo se passa com as sequências ou sequências parciais dos genes humanos. Segundo o Tribunal, os resultados de trabalhos relativos a estas sequências só podem dar lugar à concessão de uma patente se o pedido for acompanhado, por um lado, de uma descrição do método original de sequenciação que permitiu a invenção e, por outro, de uma exposição da aplicação industrial a que devem conduzir os trabalhos. Na falta de preenchimento destas duas condições, a patente não poderá ser concedida visto que se tratará de uma mera descoberta [58].
[58] Ponto 74 do acórdão.
4.1.3. As patentes EP 699 754 e EP 705 903 (patente da Myriad Genetics sobre a despistagem do cancro da mama)
Estas duas patentes concedidas à sociedade Myriad Genetics assentam numa invenção que permite uma despistagem precoce do cancro da mama e dos ovários nas mulheres (estes testes baseiam-se nos dois genes BRCA1 e BRCA2). As patentes concedidas à sociedade Myriad Genetics dizem respeito a métodos e ao material utilizado para isolar e detectar a mutação de certos alelos dos genes BRCA1 e BRCA2 que podem estar na origem do cancro da mama ou dos ovários. Os testes propostos por esta sociedade afiguram-se mais completos que os já existentes. Por outro lado, estes novos testes, contrariamente aos testes anteriormente disponíveis, não carecem de colheitas prévias em parentes que tenham, por sua vez, contraído um cancro da mama ou dos ovários.
Foram dirigidas à Comissão numerosas perguntas relativas a esta patente, nomeadamente pelos deputados Raffaele Costa [59], Dorette Corbey e Ria Oomen-Ruijten [60], Astrid Thors [61], Nelly Maes [62] e Bart Staes [63]. Estas perguntas centram-se, sobretudo, nos perigos que podem resultar da concessão destas patentes para a liberdade de investigação dentro da Comunidade Europeia, bem como no elevado custo que os doentes europeus terão de suportar para ter acesso à tecnologia contida nas referidas patentes.
[59] Pergunta escrita E-01/2676.
[60] Pergunta escrita E-3472/01.
[61] Pergunta oral H-0939/01.
[62] Pergunta escrita E-3399/01.
[63] Pergunta oral H-0061/02.
A Comissão quis deixar bem claro que o objectivo da Directiva 98/44/CE não é pôr em causa a liberdade de investigação na Europa [64]. De acordo com este princípio, os actos realizados na esfera privada e com fins não comerciais, assim como os actos realizados a título experimental que incidam sobre o objecto da invenção patenteada, não constituem actos de contrafacção.
[64] Conferir, supra, o ponto 4.2. A Directiva 98/44/CE, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, não revogou este princípio. De igual modo, o projecto de regulamento sobre a patente comunitária retoma inequivocamente o conceito da liberdade de investigação.
Por outro lado, a Comissão deseja relembrar que se os resultados das investigações forem comercializados e os referidos resultados utilizarem uma técnica já patenteada, será necessário obter do titular da patente uma licença de dependência. No caso de este último recusar conceder uma licença em condições razoáveis, poderá ser concedida uma licença obrigatória contra uma remuneração justa segundo as disposições nacionais aplicáveis nas legislações dos Estados-Membros [65].
[65] Desde que se observem as condições previstas pelas legislações nacionais para a concessão de licenças obrigatórias (que assentam no artigo 31.º do acordo sobre os ADPIC).
Por último, a Comissão lembrou que na maior parte das legislações nacionais dos Estados-Membros da Comunidade Europeia vigora o princípio da excepção por utilização anterior, que permite a qualquer pessoa que antes do depósito da patente [66] já utilizasse a invenção na Comunidade Europeia, ou fizesse preparativos reais e sérios nesse sentido, prosseguir essa utilização ou utilizar a invenção da forma prevista nos preparativos. Uma vez mais, o projecto de regulamento sobre a patente comunitária retoma claramente este princípio.
[66] Ou, quando for reivindicada uma patente, antes da data de prioridade do pedido com base no qual é concedida a patente.
O Parlamento Europeu adoptou uma resolução [67] na qual solicita que o Instituto Europeu de Patentes dê a conhecer ao público em geral o exercício das suas tarefas de concessão de patentes. Por outro lado, solicita-se que a Convenção sobre a Patente Europeia seja alterada a fim de permitir ao instituto a revogação de patentes que concedeu por sua própria iniciativa.
[67] B5-0633, 0641, 0651 e 0663/2001.
O Parlamento Europeu incita o Conselho, a Comissão e os Estados-Membros a tomar as medidas adequadas para que o acesso ao código genético humano seja livre e as aplicações médicas de certos genes humanos não sejam entravadas por patentes.
O IEP, numa declaração de 17 de Outubro de 2001, lembra que aplica regras idênticas às que constam da Directiva 98/44/CE ao tratamento de pedidos que dizem respeito a invenções biotecnológicas. Por outro lado, o instituto é responsável por estes actos perante o Conselho de Administração da Organização Europeia de Patentes. Por último, o instituto recorda a existência de processos de oposição acessíveis a qualquer pessoa, sem que seja necessário invocar um interesse legítimo em agir [68].
[68] CA/145/01.
O problema levantado por estas patentes parece relevar, principalmente, do domínio do direito de patentes. Com efeito, a problemática reside sobretudo na extensão da protecção a conferir a estas invenções.
4.2. Alcance a conferir a patentes relativas a elementos isolados do corpo humano
A Directiva 98/44/CE recorda em termos claros, no considerando 8, que as regras gerais para apreciar a patenteabilidade de uma invenção relativa a um gene ou uma sequência parcial de genes continuam a ser aplicáveis.
O considerando 28 recorda que a directiva em nada afecta os fundamentos do direito de patentes em vigor, segundo o qual uma patente pode ser concedida a qualquer nova aplicação de um produto já patenteado. Se toda a aplicação nova de uma sequência ou de uma sequência parcial for patenteável, coloca-se a questão de saber qual será o seu estatuto relativamente a uma primeira patente concedida a essa mesma sequência ou sequência parcial. O artigo 83.º da Convenção sobre a Patente Europeia especifica que a invenção deve ser exposta no pedido de patente europeia de forma suficientemente clara e completa, de modo a que um especialista na matéria possa executá-la. Além disso, o artigo 84.º acrescenta que as reivindicações devem ser claras e concisas, e basear-se na descrição [69].
[69] Convém observar que os direitos nacionais em matéria de concessão de patentes possuem numerosas disposições idênticas às da Convenção sobre a Patente Europeia.
Com base nestes artigos, o examinador de patentes terá a possibilidade de rejeitar pedidos cujas reivindicações sejam demasiados amplas ou de, numa troca de ideias com o requerente, obter deste último a limitação das reivindicações ao que está realmente descrito na patente.
Assim, os institutos nacionais poderão conceder patentes que digam apenas respeito à sequência genética essencial para a função descrita, excluindo as que não sejam indispensáveis à referida função.
Além disso, o considerando 13 da directiva indica que é necessário precisar a extensão da protecção conferida por uma patente no domínio da biotecnologia.
Assim, o artigo 9.º da directiva dispõe que a protecção conferida por uma patente a um produto que contenha uma informação genética ou que consista numa informação genética se estende a todas as matérias, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 5.º, nas quais o produto esteja incorporado e nas quais a informação genética está contida e exerce a sua função.
A exclusão expressa do n.º 1 do artigo 5.º da directiva permite evidentemente evitar qualquer alargamento da protecção de uma patente que diga respeito a um elemento isolado do corpo humano ao próprio corpo humano.
Além disso, o considerando 25 especifica que para a interpretação dos direitos conferidos por uma patente, em caso de sobreposição de sequências apenas nas partes que não são essenciais à invenção, cada sequência é considerada uma sequência autónoma para efeitos do direito de patentes.
Assim, à luz do artigo 9.º e do considerando 25, a directiva poderá apresentar um certo grau de flexibilidade relativamente ao alcance de uma invenção que diga respeito a uma sequência genética. Com efeito, a utilização do disposto nos artigos conjugado com determinados considerandos pertinentes permite uma imagem mais correcta do alcance a conferir a patentes relativas a genes ou a sequências parciais de genes.
O acórdão do Tribunal, por seu lado, indica que a protecção a conferir a tais invenções não abrange os dados biológicos existentes no estado natural no ser humano, a não ser na medida necessária à realização e à exploração de uma aplicação industrial particular [70].
[70] Ponto 75 do acórdão.
Atendendo às evoluções rápidas observadas no domínio da biotecnologia, a extensão da protecção de patentes respeitantes a genes ou a sequências de genes poderá ser objecto de reflexões no quadro dos relatórios previstos na alínea c) do artigo 16.º da directiva, a fim de apreciar em que medida se podem aceitar diferentes âmbitos de protecção relativos a patentes que digam respeito a elementos isolados, ou produzidos de outra forma, do corpo humano. Em caso afirmativo, seria conveniente reflectir acerca das medidas necessárias a pôr em prática.
Seria conveniente, em especial, reflectir sobre o alcance a conferir nomeadamente às patentes relativas a sequências de ADN e às proteínas provenientes destas sequências, assim como às que se baseiem em marcadores de sequências expressas [71] (EST) e em polimorfismos de nucleótidos individuais [72] (SNP).
[71] Os EST são fragmentos curtos de ADN.
[72] Os SNP são sítios do genoma em que se produz uma variação no seio da população de uma base específica numa sequência de ADN.
5. Exclusões da patenteabilidade das invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes
O legislador europeu quis afastar da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes. Neste sentido, os processos de clonagem de seres humanos foram, portanto, reconhecidos como contrários aos princípios de respeito pela dignidade humana. O legislador quis também excluir expressamente os processos de modificação da identidade genética do ser humano, bem como as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais.
5.1. Princípio geral de exclusão do n.º 1 do artigo 6.º
O n.º 1 do artigo 6.º da directiva estabelece um princípio geral de exclusão das invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes.
Este artigo foi decalcado do n.º 2 do artigo 27.º do acordo sobre os ADPIC, que oferece aos Estados-Membros que o desejem a possibilidade de incluir essa exclusão na respectiva legislação. Nos termos do acordo sobre os ADPIC, esta exclusão cobre, nomeadamente, a protecção da saúde e da vida das pessoas [73].
[73] O acordo ADPIC prevê como outros casos de exclusão previsíveis a protecção da saúde e da vida dos animais, a preservação dos vegetais e a necessidade de se defender contra os atentados graves ao ambiente.
Foi possível sustentar que a directiva era pouco precisa e que, por isso, poderiam existir vastas divergências de interpretação entre os Estados-Membros, com a insegurança jurídica daí decorrente. O acórdão do Tribunal rejeita este argumento e lembra, a este respeito, que a mera proibição constante de uma disposição legal ou regulamentar não torna a exploração comercial de uma invenção contrária à ordem pública ou aos bons costumes [74].
[74] Ponto 39 do acórdão.
Afigurou-se necessário deixar aos Estados-Membros uma certa margem de manobra para apreciar se, nos respectivos territórios, uma invenção biotecnológica poderá ser considerada válida, de acordo com o contexto ético, sociológico ou filosófico existente em cada país.
Assim, o Tribunal considerou que as autoridades nacionais, administrativas e jurisdicionais dos Estados-Membros são as mais aptas para apreciar as dificuldades específicas que a exploração de certas patentes pode suscitar no seu contexto social e cultural [75].
[75] Ponto 38 do acórdão.
Por outro lado, a directiva inclui 4 exclusões expressas de patenteabilidade, o que não existia no corpus legislativo aplicável em matéria de patentes. O que se traduz, bem pelo contrário, numa fonte indubitável de segurança jurídica [76].
[76] Pontos 39 e 40 do acórdão.
De igual modo, o Tribunal considera que a diferença de redacção entre a exclusão prevista no artigo 53.º da CPE e a do artigo 6.º da directiva não é de molde a tornar evidentes as diferenças na apreciação do desrespeito à ordem pública ou aos bons costumes relativamente a uma mesma invenção [77].
[77] Ponto 62 do acórdão.
5.2. Lista específica de exclusão do n.º 2 do artigo 6.º
O n.º 2 do artigo 6.º da directiva prevê uma lista não exaustiva de exclusões da patenteabilidade. Por outro lado, o considerando 38 especifica que esta lista não é exaustiva e que todos os processos que atentem contra a dignidade do ser humano também deverão ser excluídos da patenteabilidade [78].
[78] Pontos 76 e 77 do acórdão.
O acórdão do Tribunal referido lembra, assim, que o respeito pela dignidade do ser humano, nomeadamente em matéria de embriões, está plenamente assegurado. Com efeito, o n.º 2 do artigo 6.º prevê que os processos de clonagem de seres humanos, os processos de modificação da identidade germinal do ser humano e as utilizações de embriões para fins industriais ou comerciais não são patenteáveis.
5.2.1. Processos de clonagem de seres humanos
5.2.1.1. Texto da directiva
Os processos de clonagem de seres humanos são definidos no considerando 41 como todo e qualquer processo, incluindo as técnicas de cisão de embriões, que tenha por objectivo criar um ser humano que possua a mesma informação genética nuclear que outro ser humano. A posição comum adoptada pelo Conselho com vista à adopção da directiva quis excluir todas as formas de clonagem de seres humanos. Assim, de acordo com o Parlamento, o Conselho preferiu substituir os termos "processos de clonagem reprodutiva humana" pelos termos "processos de clonagem de seres humanos", pelo facto de considerar o qualificativo "reprodutivo" demasiado restritivo. Além disso, na exposição de motivos, precisou que os termos "seres humanos" diziam respeito ao ser humano desde o estádio de embrião [79].
[79] JO C 110 de 8.4.1998, p. 30, ponto 35.
5.2.1.2. A patente EP 0 695 351 (patente dita "de Edimburgo")
O Instituto Europeu de Patentes concedeu uma patente europeia, em 8 de Dezembro de 1999, a uma invenção intitulada "isolamento, selecção e propagação de células estaminais de animais transgénicos".
Em linguagem científica inglesa, o termo "animal" abrange não só os animais mas também o ser humano, o que leva a pensar que esta patente poderia abarcar a clonagem de seres humanos. Foi apresentada uma oposição por diferentes oponentes no prazo previsto (9 meses a contar da data de publicação da concessão da patente no boletim oficial).
Por carta datada de 29 de Março de 2000, a Comissão impôs que o presidente do Instituto Europeu de Patentes tomasse todas as medidas necessárias para corrigir a patente concedida, de modo a torná-la conforme com a legislação em vigor na Europa. Em 12 de Abril de 2000, o referido presidente invocava que o Instituto não era competente para corrigir oficiosamente a patente concedida mas que uma câmara de oposição já havia sido encarregada do processo, a fim de instruir a oposição apresentada.
Paralelamente, o Parlamento Europeu opôs-se inequivocamente à concessão desta patente, mediante uma resolução adoptada em 30 de Março de 2000.
A divisão de oposição da Organização Europeia de Patentes proferiu uma primeira decisão preliminar sobre este processo, em 19 de Abril de 2000. O seu parecer baseava-se na correcção do elenco das reivindicações por parte do titular da patente, a Universidade de Edimburgo, que acrescentou o qualificativo "não humano" às reivindicações 47 e 48. O novo elenco de reivindicações parece estar, neste momento, em conformidade com a Convenção sobre a Patente Europeia e seu regulamento de execução, e também com a Directiva 98/44/CE, sobre a protecção jurídica das invenções biotecnológicas.
As críticas emitidas a este respeito aquando da concessão desta patente foram amplamente tidas em consideração pela divisão de oposição da OEP. O processo de oposição prossegue quanto à mesma patente, com base noutros motivos de anulação (nomeadamente sobre a noção de descrição suficiente).
5.2.2. Patenteabilidade das células estaminais humanas e das linhas obtidas a partir das mesmas
Das discussões de negociação da Directiva 98/44/CE resulta claramente que o legislador europeu quis evitar a instrumentalização do homem e a criação de seres humanos viáveis geneticamente modificados.
Por outro lado, os desenvolvimentos recentes no domínio da biotecnologia e das células estaminais humanas trazem esperanças terapêuticas significativas, nomeadamente no âmbito do tratamento de doenças degenerativas, e as empresas europeias devem ser incitadas a trabalhar nestes domínios prometedores. A concessão de patentes poderá também desempenhar este papel.
A perspectiva de poder conceber criações celulares através da técnica chamada partenogénese [80] parece abrir novos caminhos ainda desconhecidos, que se afiguram susceptíveis de atalhar a controvérsia relativa à "clonagem terapêutica".
[80] A partenogénese define-se como o desenvolvimento de um óvulo sem que tenha havido fecundação por um espermatozóide. A partenogénese é uma reprodução sexual uniparental.
O estatuto das linhas de células obtidas a partir de células multipotentes, por sua vez criadas ou não mediante a "clonagem terapêutica" [81] suscita controvérsia. Ora, estas linhas trazem esperanças terapêuticas e as empresas europeias deveriam ser encorajadas a desenvolvê-las. Neste caso, parece que se pode aplicar o n.º 2 do artigo 5.º da directiva, relativo à patenteabilidade de elementos isolados do corpo humano.
[81] Trata-se da transferência do núcleo de uma célula somática para o interior de uma célula sexuada. Esta técnica designa-se pelo seu acrónimo inglês: SCNT - somatic cell nuclear transfer. Convém notar que esta técnica pode ser utilizada tanto na clonagem reprodutora como na clonagem terapêutica. Apenas a finalidade destes tipos de clonagem difere.
Será conveniente, portanto, prosseguir as reflexões necessárias sobre esta questão e estudar as medidas a tomar para encorajar este tipo de investigação.
Paralelamente, o Presidente da Comissão recorreu ao Grupo Europeu de Ética quanto à questão dos aspectos éticos da patenteabilidade das invenções que envolvam células estaminais humanas. Este grupo emitiu o seu parecer n.º 16 em 7 de Maio de 2002 [82].
[82] Parecer disponível no seguinte endereço: http://www.europa.eu.int/comm/ european_group_ethics
Neste parecer, o grupo reconhece a importância das patentes como meio de incentivar a inovação, atribuindo uma compensação monetária ao inventor em troca da transparência e da publicação dos respectivos resultados.
O grupo insiste na importância de garantir o justo equilíbrio entre os interesses do inventor e os da sociedade, e de definir, portanto, as condições e os limites da patenteabilidade das células estaminais. O grupo sublinha a necessidade de evitar patentes demasiado vastas relativas a linhas de células estaminais. É importante que a protecção conferida por uma patente incida sobre aplicações industriais descritas de forma precisa e não sobre um vasto leque de aplicações potenciais não susceptíveis de descrição.
As células estaminais humanas podem ser células de fonte adulta, fetal ou embrionária. As questões éticas diferem consoante a fonte das células. Por esta razão, o parecer do grupo é que todos os pedidos de patentes relativos a células estaminais humanas deveriam precisar a respectiva fonte.
5.2.3. Processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano
Esta proibição opõe-se sem equívocos à patenteabilidade de processos de terapia genética relativamente a células germinais humanas [83], a fim de respeitar a integridade física dos descendentes. A contrario, esta proibição por si só não se opõe a técnicas de terapia genética relativa a células somáticas [84], muito preciosas no âmbito dos tratamentos curativos de doenças genéticas. Nas suas conclusões, o advogado-geral Jacobs interrogou-se acerca do estatuto do considerando 38, designadamente acerca da questão de saber se a exclusão dos processos de produção de seres híbridos, resultantes de células germinais ou de células totipotentes humanas e animais, prevista no referido considerando, pode ser abrangida pela exclusão prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º [85]. Lembra também que um ser híbrido é um organismo ou uma molécula de ADN recombinada criada juntando fragmentos de ADN provenientes de dois ou mais organismos diferentes. Segundo o advogado-geral, a produção destes seres a partir de células germinais ou totipotentes humanas e animais modificaria inevitavelmente a identidade genética germinal dos seres humanos. Conclui considerando que, de qualquer modo, se a exclusão do considerando 38 não se puder aplicar a esta exclusão expressa, deverá poder ser abrangida pela exclusão geral prevista no n.º 1 do artigo 6.º A Comissão não pode deixar de partilhar esta posição.
[83] Células reprodutoras masculinas e femininas (espermatozóides e ovócitos).
[84] Células não germinais já diferenciadas do corpo humano.
[85] Pontos 110 a 112 das conclusões.
5.2.4. Utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais
O Conselho, na respectiva posição comum, quis deixar bem claro que a exclusão de patenteabilidade das utilizações de embriões humanos se aplica unicamente no caso de essas utilizações serem feitas com fins industriais ou comerciais [86]. O considerando 42 mostra bem que tanto o Conselho como o Parlamento desejaram que as invenções que têm um objectivo terapêutico ou de diagnóstico, que se aplicam ao embrião humano e lhe são úteis, não sejam atingidas pela referida exclusão.
[86] JO C 110 de 8.4.1998, p. 30, ponto 37.
6. Conclusão
As orientações fornecidas ao longo do presente relatório permitem concluir que o legislador europeu pretendeu criar disposições atendendo aos interesses divergentes da sociedade neste domínio da técnica. Convém observar que algumas dessas disposições conferem aos Estados-Membros uma certa margem de manobra no exercício de transposição.
A directiva está em conformidade com os acordos internacionais vigentes que dizem respeito às invenções biotecnológicas. A Comissão seguirá com o maior interesse os tratados actualmente em negociação que possam ter incidência sobre este domínio (SPLT) e aqueles que virão.
No que se refere às próprias disposições da directiva, o legislador europeu conseguiu criar um sistema funcional que respeita os grandes princípios éticos reconhecidos na Comunidade Europeia. A este título, o Grupo Europeu de Ética constitui um elemento importante do debate ético sobre estas questões a nível comunitário.
Existe uma distinção muito clara entre os animais e os vegetais, por um lado, que são patenteáveis, e as variedades vegetais e as raças animais, por outro, que não o são. De igual modo, ainda que os processos essencialmente biológicos não possam ser abrangidos por patente, o mesmo não acontece quanto aos processos concebidos pela engenharia genética que permitam obter animais e vegetais transgénicos.
Acerca do domínio muito delicado da patenteabilidade de elementos isolados do corpo humano, a directiva relembra o limite a estabelecer entre o que releva da patenteabilidade e o que é dela excluído. Os princípios de dignidade, de integridade e de não patrimonialidade do corpo humano devem ser escrupulosamente respeitados e a directiva recorda-o inequivocamente. Em contrapartida, os elementos isolados do corpo humano ou produzidos de outra forma graças à engenharia genética devem poder ser protegidos mediante patentes, desde que se preencham as condições de patenteabilidade.
A directiva prevê um princípio geral de exclusão das invenções cuja exploração comercial se revele contrária à ordem pública ou aos bons costumes. A lista indicativa do que se deve entender por este conceito permite afastar sem ambiguidade certos processos julgados eticamente não aceitáveis (clonagens, modificação da identidade genética germinal do ser humano, utilização de embriões humanos para fins industriais ou comerciais). Estas exclusões permitem que a sociedade se proteja contra invenções que podem ter repercussões negativas.
É certo que determinadas disposições da directiva deixam aos Estados-Membros alguma margem de manobra na transposição da mesma para as legislações nacionais. À luz dos desenvolvimentos verificados no conteúdo do presente relatório, dir-se-ia que o alcance a conferir a sequências ou a sequências parciais de um gene continua a ser tema de actualidade, podendo dar lugar a interpretações divergentes.
De igual modo, o desenvolvimento recente e irresistível da cultura de células estaminais de origem humana fez nascer determinadas interrogações sobre as possibilidades de obter patentes relativas a invenções desenvolvidas em torno daquelas células.
Não há duvida de que compete à Comissão acompanhar e apreciar as evoluções, tanto científicas como jurídicas, que podem observar-se neste domínio da técnica e comunicá-las às partes interessadas no âmbito da Comunidade Europeia. A este respeito, a Comissão encorajará o intercâmbio entre cientistas, juristas e administradores de patentes, a fim de analisar e discutir o efeito recíproco entre os progressos científicos e os desenvolvimentos jurídicos, em especial mediante a criação de um grupo de peritos.
Estas avaliações inscrevem-se plenamente na linha definida pela Comissão na comunicação de 23 de Janeiro de 2002, intitulada "Ciências da Vida e Biotecnologia", que insiste no facto de que as noções-chave do domínio das patentes não devem ser deixadas apenas à interpretação dos tribunais e dos institutos de patentes [87].
[87] COM, op. cit., p. 17.
Nesta óptica, a Comissão será então levada a desenvolver os seguintes temas:
* Alcance a conferir às patentes relativas a sequências ou a sequências parciais de genes isolados do corpo humano.
* Patenteabilidade das células estaminais humanas e das linhas obtidas a partir das mesmas.
Os resultados destas reflexões serão comunicados ao público no âmbito dos próximos relatórios, previstos na alínea c) do artigo 16.º da directiva.
ANEXO 1: Aplicação da directiva 98/44/CE relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas
>POSIÇÃO NUMA TABELA>
ANEXO 2: Estratégia coerente para a biotecnologia e as ciências da vida na Europa
As ciências da vida e a biotecnologia são amplamente reconhecidas como uma das tecnologias de ponta mais promissoras da economia baseada no conhecimento. Como foi referido atrás, este facto foi reconhecido pelo Conselho Europeu de Estocolmo [88], em Março de 2001.
[88] Conselho Europeu de Estocolmo - 23 e 24 de Março de 2001; conclusões da Presidência disponíveis em http://ue.eu.int/en/Info/eurocouncil/ index.htm
Os princípios reguladores, tais como os estabelecidos no direito da propriedade intelectual, constituem uma parte importante da comunicação da Comissão. Em especial, as invenções biotecnológicas carecem de investimentos de grande monta e é geralmente reconhecido que uma protecção eficaz através de patentes é um incentivo crucial para a I&D e a inovação. Por esta razão, e com vista a um progresso científico rápido, o documento de estratégia reconhece que o sistema da propriedade intelectual carece de acompanhamento de perto.
1) Investimentos no sector biotecnológico
O mercado mundial tem um potencial total para aplicações de ciências da vida e biotecnologia, excluindo a agricultura, que se estima em mais de 2 biliões de euros em 2010. Cerca de um quarto deste montante é atribuído ao sector farmacêutico e três quartos ao sector da tecnologia sustentável industrial e ambiental. A maior parte destas tecnologias provêm de empresas de biotecnologia, que constituem um factor crucial de sucesso para a competitividade industrial em biotecnologia, conjuntamente com uma sólida base de conhecimento e a disponibilização de capital privado, especialmente com o investimento de capital de risco.
A base de conhecimento em biotecnologia e nas ciências da vida teve, nos últimos anos, um grande impulso. O número de publicações científicas dos países da OCDE em jornais de biotecnologia e microbiologia aplicada aumentou de 1574 em 1986 para 3261 em 1998, sendo 34% de Estados-Membros da UE e 23,9% dos EUA [89].
[89] Fonte: OCDE DSTI/EAS/STP/NESTI (2001)2.
No que se refere às empresas de biotecnologia, a UE ultrapassou os EUA em número total de empresas (1570 na UE, 1273 nos EUA). Apesar de os números da UE relativos à dimensão média, receitas e despesas com IDT da totalidade do sector serem, em média, inferiores aos números dos EUA num factor de 2,5, os números da UE por empregado são comparáveis ou mesmo melhores que os números dos EUA. Isto demonstra bem o potencial empresarial da Europa.
O investimento de capital de risco no sector biotecnológico da UE aumentou de forma estável na segunda metade da última década e atingiu um valor superior a mil milhões de euros no ano 2000. No entanto, o financiamento público total (incluindo aquisições e EPI) continua a ser, num factor 5, maior nos EUA (30 mil milhões de euros) do que na UE (6 mil milhões).
>REFERÊNCIA A UM GRÁFICO>
Fig. 1: Investimentos de capital de risco no sector de biotecnologia da UE, em milhões de euros (Fonte: EVCA)
2) Concessão de patentes no sector da biotecnologia
A concessão de patentes nos Estados-Membros da UE, Japão e EUA nos sectores da biotecnologia e da engenharia genética aumentou drasticamente no Instituto Europeu de Patentes, na última década [90]. O Quadro 1, que apresenta os números totais dos sectores da biotecnologia e da engenharia genética para os períodos de 1996-2000 e de 1986-1990, mostra um aumento geral de 226% e de 287%, respectivamente, nos dois sectores.
[90] Fontes: OCDE, USPTO, IEP.
Entre os Estados-Membros da UE, a Alemanha é o país que mais pedidos apresenta, seguida pelo Reino Unido. A França e os Países Baixos estão quase juntos no terceiro lugar, assim como a Bélgica e a Dinamarca, no lugar seguinte. Verificam-se aumentos acima da média, estatisticamente relevantes, da apresentação de pedidos por parte da DK, UK, NL nos dois sectores tecnológicos, enquanto a Itália apresenta números inferiores à média. Os números relativos à Alemanha estão próximos da média total dos dois sectores, e a França está perto da média no sector biotecnológico e acima da média no sector da engenharia genética.
Os números totais de apresentação de pedidos nos EUA são superiores aos números dos Estados-Membros da UE desse período nos dois sectores, e os números de apresentação de pedidos dos EUA entre os dois períodos aumentou mais que a média da UE. No Japão, o aumento dos números de apresentação de pedidos é muito baixo, de 52% e 90%, respectivamente.
O Quadro 2 mostra as quotas da UE, do Japão, dos EUA e de outros países, nos valores de apresentação de pedidos de patentes no IEP para as classes C12N (biotecnologia) e C12N15 (engenharia genética) nos dois períodos. A quota de patentes dos EUA para estes países no sector da engenharia genética é fornecida para comparação.
No período de 1996-2000, os EUA apresentaram o maior número de pedidos de patentes no IEP relativos ao sector biotecnológico (cerca de 45,4% do total), seguidos pelos Estados-Membros da UE (cerca de 38,8%). O Japão apresentou apenas 9% dos pedidos de patentes neste período, baixando dos 19,6% no período de 1986-1990. Tanto os Estados-Membros da UE como os EUA aumentaram as respectivas quotas de patentes entre o período de 1986-1990 e o período de 1996-2000, com alguma vantagem para os EUA.
>POSIÇÃO NUMA TABELA>
Quadro 1: Pedidos de patentes dos Estados-Membros da UE, Japão e EUA ao IEP nos sectores da biotecnologia e da engenharia genética, no período de 1986 a 1990, comparado com o período de 1996 a 2000
>POSIÇÃO NUMA TABELA>
Quadro 2: Quotas de pedidos de patentes ao IEP por países nos sectores da biotecnologia e da engenharia genética, comparadas com as patentes concedidas pelo USPTO
No Patent and Trademark Office dos EUA, a grande maioria das patentes concedidas no sector da engenharia genética, entre 1994-1997, referem-se a inventores americanos (72,5%). Os Estados-Membros da UE atingiram uma quota de 14, 5% e a do Japão foi de 7,5%. Enquanto as quotas dos EUA e do Japão baixaram cerca de 3 pontos percentuais, desde o período de 1984-1987, a quota dos Estados-Membros da UE aumentou 3,5 pontos percentuais.
A taxa de crescimento dos pedidos de patentes ao IEP a das concessões de patentes pelo USPTO no sector da engenharia genética é descrita no Quadro 3 relativamente a diferentes períodos. As taxas de crescimento do USPTO no período de 1993-1997 foram de 31%, quase o dobro da taxa de crescimento do IEP, de 17,7%, no período de 1996-2000.
>POSIÇÃO NUMA TABELA>
Quadro 3: Taxas de crescimento médio dos pedidos de patentes ao IEP no sector da engenharia genética [91], comparadas com os números de concessão de patentes pelo USPTO
[91] As definições de "engenharia genética" do USPTO e do IEP diferem devido a diferentes sistemas de classificação.
Os dados atrás expostos mostram que os Estados-Membros da UE estão claramente atrás dos EUA no que toca à concessão de patentes. Os Estados-Membros da UE não só estão atrás dos EUA no que toca à protecção dos respectivos mercados europeus, mas também têm uma quota de patentes comparativamente pequena no mercado tecnológico dos EUA, mais dinâmico. O aumento significativo das quotas da UE na concessão de patentes pelo USPTO, de 11% no período de 1984-1987 para 14,5% no período de 1994-1997, pode indicar uma actividade de IDT mais intensa por parte dos operadores da UE nos EUA e/ou um aumento da colaboração activa entre operadores da UE e dos EUA.
>REFERÊNCIA A UM GRÁFICO>
Fig. 2: Número de pedidos de patentes e número de patentes concedidas pelo IEP no sector da engenharia genética
Nos Estados-Membros da UE, a protecção por patentes é também dificultada pela morosidade dos processos de concessão do IEP. A Figura 2 compara o número de pedidos apresentados ao IEP no sector da engenharia genética e o número de patentes concedidas neste sector no período de 1984 a 2000. Revela que o número de patentes concedidas por ano estagnou, tendo mesmo diminuído ligeiramente desde 1995. A razão principal para este facto é o grande volume de investigações que o IEP é obrigado a efectuar para os pedidos apresentados ao abrigo do Tratado de Cooperação em matéria de Patentes (PCT). Nos termos deste tratado, os mais de 100 países signatários podem escolher um dos nove institutos internacionais de patentes para a realização da investigação e/ou do exame preliminar. Actualmente, o IEP tem em mãos cerca de 60% de todos os pedidos internacionais, 50% dos quais provenientes dos EUA. Para melhorar a situação, o IEP decidiu não aceitar, a partir de 1 de Março de 2002, pedidos de residentes nos EUA relativos a biotecnologia, métodos empresariais e telecomunicações, ao abrigo do PCT.
Como veremos no ponto seguinte, uma característica específica da investigação e inovação em biotecnologia é a estreita colaboração e a transferência de tecnologia entre grandes indústrias, empresas de biotecnologia e o sector público de investigação. O uso estratégico de direitos de propriedade intelectual por todos estes operadores desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento de um mercado tecnológico funcional. Este facto é demonstrado por dados relativos a patentes concedidas pelo USPTO no domínio da biotecnologia [92] a beneficiários do Reino Unido, Alemanha e França, em 2001. Mostram ainda que 30% dos beneficiários provêm do sector público de investigação, 22% de empresas de biotecnologia e 48% de grandes indústrias.
[92] Dados obtidos na base de dados do USPTO, http://www.uspto.gov/patft/ index.html, para a secção C12N15/00 e o período de 1/1/2001 a 31/12/2001.
3) Competitividade industrial em biotecnologia
Um relatório da Direcção-Geral da Empresa sobre a competitividade da biotecnologia europeia identificou alguns factores cruciais que contribuem para a competitividade industrial neste sector [93]:
[93] Ver capítulo 5 do "European competitiveness report 2001", sobre "The competitiveness of European Biotechnology: a case study of innovation". Este capítulo pode ser descarregado em http://europa.eu.int/comm/enterprise/ enterprise_policy/competitiveness/ doc/competitiveness_report_2001/ chapter_5.pdf
* Uma sólida base de conhecimento, que oferece potencial para novos desenvolvimentos e aplicações nos cuidados de saúde, na agricultura, na produção alimentar e na protecção ambiental, bem como para novas descobertas científicas.
* A transformação de conhecimentos fundamentais gerados em universidades e em organismos públicos de investigação em técnicas e produtos comercialmente úteis, através da colaboração entre cientistas e gestores com experiência de arranque de novos projectos, apoiada por capital de risco.
* Uma divisão de trabalho eficaz entre pequenas e grandes empresas, com diferentes vantagens comparativas em tecnologia/desenvolvimento de produtos e em comercialização de produtos.
* Direitos de propriedade claramente definidos e eficazes, que têm um papel crucial no funcionamento dos mercados das tecnologias, ou seja, transferência de tecnologia e colaboração entre diferentes agentes (universidades, pequenas e grandes empresas). Também são necessários direitos de propriedade intelectual fortes para garantir o acesso das empresas em fase de arranque ao capital de risco.
A contribuição do regime da propriedade intelectual para a competitividade do sector biotecnológico dos EUA, por comparação com a UE, não pode ser quantificada com precisão. Contudo, alguns factos indicam que os EUA têm determinadas vantagens comparativas:
* A concessão de patentes no sector da biotecnologia nos EUA tem sido ligeiramente mais dinâmica nos últimos anos do que na UE (16% de aumento nos EUA, contra 13% na UE) e muito mais dinâmica no sector da engenharia genética.
* As recentes directrizes do USPTO vieram dar segurança jurídica ao definirem claramente o que pode ser considerado uma invenção biotecnológica e o que pode ser patenteável, se bem que não tenha tocado nas questões de "ordem pública", ao contrário da maior parte da legislação em matéria de patentes dos países desenvolvidos.
* O desenvolvimento de mercados tecnológicos entre produtores e utilizadores de tecnologia é claramente apoiado por baixos custos de transacção, isto é, por um sistema de patentes rentável.
A comunicação da Comissão sobre "Ciências da Vida e Biotecnologia: uma estratégia para a Europa" assinalou que a posição competitiva depende da existência de um sistema europeu de propriedade intelectual eficaz, harmonizado e a preços acessíveis, que sirva de incentivo para a I&D e a inovação. A fim de aproximar a competitividade da UE da dos EUA, a comunicação propõe as seguintes acções, entre outras:
* Aplicação da Directiva 98/44/CE relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas por parte dos Estados-Membros.
* Adopção do Regulamento sobre a Patente Comunitária pelo Conselho [94].
[94] Op. cit., introdução.
* Clarificação das regras de titularidade de direitos de propriedade intelectual provenientes da investigação pública.
* Formação de universitários para a utilização estratégica do sistema de propriedade intelectual e maior chamada de atenção para o potencial comercial da investigação, incentivando o espírito empresarial e os intercâmbios entre as universidades e as empresas.
* Tomada de medidas para harmonizar a protecção conferida por patentes nos países industrializados, garantindo condições equitativas para todos.
ANEXO 3: Historial da negociação da directiva 98/44/CE
Em consequência da intensificação da investigação científica e das descobertas importantes realizadas nestes últimos 40 anos no domínio da biologia molecular, a biotecnologia emergiu como uma das técnicas mais importantes e com mais hipóteses de futuro. O impacto dos processos, das técnicas e do material biotecnológico atinge múltiplos sectores: saúde, agricultura, ambiente, alimentação e indústria.
No entanto, em meados dos anos 80, a diversidade, ou mesmo a ausência, de legislações nacionais nesta matéria revelou-se prejudicial para a investigação e para o desenvolvimento e a competitividade das empresas europeias relativamente às sociedades japonesas ou americanas, activas neste sector.
Por estas razões, tornou-se evidente que a Comissão deveria agir neste domínio, no sentido de harmonizar as legislações nacionais no mercado interno.
Assim, desde 1985 que o Livro Branco da Comissão sobre a realização do mercado interno refere a situação que se vive neste domínio.
Sentiu-se, portanto, uma necessidade de clarificação, a fim de criar regras claras e juridicamente seguras que permitissem um desenvolvimento harmonioso deste tipo de indústrias.
Nesta óptica, a Comissão apresentou um primeiro projecto de directiva em 21 de Outubro de 1988 [95].
[95] COM(88) 496 final/SYN 159 de 21 de Outubro de 1988, JO C 10 de 13.1.1989.
Esta proposta foi recusada em 1 de Março de 1995 [96] pelo Parlamento Europeu, no fim de um processo de conciliação devido, nomeadamente, à falta de distinção, no domínio das sequências de ADN, entre as descobertas que não podem ser protegidas por patentes e as verdadeiras invenções que, estas sim, poderão ser cobertas por um direito de propriedade industrial.
[96] C4-0042/95 - 94/0159(COD), doc. PE-CONS 3606/1/95 de 21.2.95. JO C 68 de 20.3.95, p. 26.
Uma nova proposta alterada foi relançada no final de 1996 [97].
[97] JO C 296 de 8.10.1996, p. 4, e JO C 311 de 11.10.1997, p. 12.
O parecer do Grupo Europeu de Ética, solicitada pelo Presidente da Comissão, foi emitido em 25 de Setembro de 1996 [98]: o grupo reconhece que a distinção tradicional entre descobertas e invenções acarreta, no domínio da biotecnologia, uma dimensão ética importante. No entanto, o parecer sublinha que a directiva prevê garantias suficientes neste domínio.
[98] http://www.europa.eu.int/comm/ european_group_ethics/gaieb/ fr/avis8.pdf
A directiva foi finalmente adoptada em 6 de Julho de 1998 [99]. O governo neerlandês votou contra esta directiva, enquanto a Itália e a Bélgica se abstiveram. A directiva foi publicada no Jornal Oficial em 30 de Julho de 1998 [100].
[99] Directiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas.
[100] JO L 213 de 30 de Julho de 1998, p. 13.
O artigo 15.º prevê que os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva, o mais tardar, em 30 de Julho de 2000.
ANEXO 4 : Trabalhos realizados depois da conclusão da directiva
1) No âmbito dos intercâmbios entre a Comissão e os Estados-Membros
1.1) Reunião organizada pela Comissão com os peritos dos Estados-Membros em Janeiro de 1999:
Foi organizada uma primeira reunião com os Estados-Membros antes mesmo da expiração do prazo de transposição da Directiva 98/44/CE, para os ajudar a aplicar a directiva. Nesta ocasião, foi possível o estabelecimento de um diálogo entre os vários participantes relativo às disposições da directiva cuja transposição poderia ser mais difícil (artigos 5.º e 6.º). Além disso, várias delegações referiram as dificuldades encontradas na aplicação concreta do artigo 12.º da directiva, relativo às licenças cruzadas entre patentes e certificados de obtenção vegetal.
1.2) Reunião organizada pela Comissão com os peritos dos Estados-Membros em 23 de Janeiro de 2001:
O objecto da reunião organizada pela Comissão era fazer o ponto da situação depois de findo o prazo de transposição da Directiva 98/44/CE relativamente ao estado da sua aplicação no direito nacional dos Estados-Membros.
O dia foi dividido em duas partes: a primeira foi consagrada a uma consulta das delegações relativa ao estado da transposição da directiva nos Estados-Membros; a segunda foi dedicada a uma troca de impressões sobre as disposições da directiva que suscitavam algumas dificuldades de aplicação.
No dia da reunião, apenas quatro países haviam notificado formalmente a Comissão do seu instrumento de aplicação da directiva: Dinamarca, Finlândia, Irlanda e Reino Unido.
Nesta reunião, os Estados-Membros foram interpelados no sentido de se verificar se algum deles desejaria uma renegociação da directiva. Nenhum Estado-Membro manifestou essa intenção.
Algumas delegações solicitaram que a Comissão publicasse directrizes para a aplicação da directiva. A Comissão não privilegia esta via, dado que o conjunto das informações necessárias para a aplicação da directiva figuram já na própria directiva. A Comissão considerou que a publicação do presente relatório permitiria apurar as acções necessárias a realizar.
A Comissão indicou, por fim, que pretende seguir de perto a aplicação da directiva, disponibilizando a sua ajuda a qualquer Estado que a solicite.
1.3) Notificação da Comissão dirigida aos Estados-Membros que não transpuseram a Directiva 98/44/CE.
Por carta de 30 de Novembro de 2000, a Comissão intimava os Estados-Membros a transpor a Directiva 98/44/CE o mais rapidamente possível. Convidava-os também a que lhe enviassem as suas observações no prazo de 30 dias úteis.
1.4) Diálogo com os Estados-Membros:
A Comissão encetou um diálogo com os Estados-Membros que solicitaram a sua intervenção, essencialmente com base numa troca de correspondência (França, Alemanha, Itália, Bélgica e Países Baixos).
Por outro lado, outros Estados-Membros informavam a Comissão do ponto da situação quanto à transposição da directiva nos respectivos países (Luxemburgo, Grécia, Áustria).
O teor destas diferentes correspondências pode ser dividido em dois temas essenciais:
* pedidos de esclarecimento relativos à distinção prevista no artigo 5.º da directiva, entre as descobertas e as invenções relativas a elementos isolados do corpo humano que podem ser objecto de protecção por patente.
* interrogações quanto ao alcance a conferir às invenções relativas a elementos isolados do corpo humano.
A Comissão respondeu a cada uma das cartas ponto por ponto.
Convém notar que é muito desejável uma colaboração mais estreita entre a Comissão e os Estados-Membros. O presente relatório deverá permitir iniciar um diálogo proveitoso entre os Estados-Membros e a Comissão e dar certas respostas às interrogações colocadas.
À margem desta correspondência, foram organizadas reuniões de trabalho com delegações dos Estados-Membros, a fim de facilitar a transposição da directiva para a respectiva legislação.
2) Actividades no âmbito do Parlamento Europeu
Por decisão de 13 de Dezembro de 2000, o Parlamento Europeu criou uma comissão temporária sobre a genética humana e outras tecnologias novas da medicina moderna.
A sua tarefa consistia em examinar os últimos desenvolvimentos no domínio da genética humana e as possibilidades abertas por esses progressos. No âmbito daquele exame, foi dada especial atenção à patenteabilidade dos elementos isolados do corpo humano e, em especial, à protecção das sequências de ADN por patentes.
Para elaborar o seu relatório, a comissão temporária ouviu uma série de peritos competentes na matéria tratada.
A comissão temporária sobre a genética humana elaborou um relatório e adoptou-o em 8 de Novembro de 2001 [101]. No entanto, aquando da votação em sessão plenária, este relatório foi rejeitado. Porém, as discussões relativas à Directiva 98/44/CE deverão continuar no âmbito de um comité restrito.
[101] Relatório da comissão temporária sobre a genética humana e outras tecnologias novas da medicina moderna sobre as implicações éticas, jurídicas, económicas e sociais da genética humana. PR\445704PT.doc PE 300.127.
3) Trabalhos realizados no âmbito do Grupo Europeu de Ética para as Ciências e as Novas Tecnologias da Comissão Europeia
O Grupo Europeu de Ética para as Ciências e as Novas Tecnologias é uma instância independente, pluralista e multidisciplinar, criada pela Comissão, em 1992, para emitir pareceres sobre as questões éticas relativas às novas tecnologias, suscitadas no âmbito da execução de políticas comunitárias ou da elaboração de disposições regulamentares.
O grupo emitiu 16 pareceres, dos quais o n.º 3, de 30 de Setembro de 1993, diz respeito às questões éticas relativas à proposta de directiva sobre a protecção jurídica das invenções biotecnológicas, e o n.º 8, de 25 de Setembro de 1996, sobre "a patenteabilidade das invenções que envolvam elementos do corpo humano".
Nos termos do artigo 7.º da Directiva 98/44/CE, este grupo, sediado junto do Presidente da Comissão Europeia, é responsável pela avaliação de todos os aspectos éticos ligados à biotecnologia. Por força do considerando 44 da directiva, a consulta desse grupo, incluindo no que se refere ao direito de patentes, só poderá incidir sobre a avaliação da biotecnologia no que diz respeito aos princípios fundamentais.
Foi nesta óptica, e a pedido do Presidente Prodi, que o grupo foi convidado a emitir, por um lado, um parecer sobre "os aspectos éticos da investigação sobre células estaminais humanas e respectiva utilização" (parecer n.º 15, publicado em 14 de Novembro de 2000) e, por outro, um parecer sobre "os aspectos técnicos da patenteabilidade das invenções que envolvam células estaminais humanas" (parecer n.º 16, publicado em 7 de Maio de 2002).
4) Actividades do grupo de alto nível em matéria de ciências da vida
O Grupo Europeu para as Ciências da Vida (GECV/EGLS), composto por 11 biólogos europeus reconhecidos pela sua competência científica e pelo seu empenho em dialogar com o público acerca das implicações da investigação genética, foi criado em 26 de Abril de 2000 para informar o Comissário europeu responsável na matéria sobre os projectos de investigação no domínio das ciências da vida. Tendo reconhecido a importância da propriedade intelectual para a investigação e o desenvolvimento, alguns membros do grupo, juntamente com peritos da área da investigação, da indústria, juristas e membros do Instituto Europeu de Patentes, discutiram as questões relacionadas com a patenteabilidade dos genes num seminário realizado em 5 de Julho de 2001. Entre outras questões, este encontro abordou o seguinte:
* uso e gestão dos direitos de propriedade intelectual relacionados com invenções biotecnológicas na universidade e na indústria;
* enquadramento jurídico da concessão de patentes a invenções biotecnológicas na UE, em especial a Directiva 98/44/CE, e comparação com o sistema dos EUA; e
* desafios resultantes do impacto do direito de patentes sobre a investigação e, vice-versa, interligação entre os avanços científicos e interpretação e desenvolvimento do direito de patentes.
Em resultado de uma discussão extensa e construtiva no seminário e da posterior consulta de todos os membros do GECV, este grupo redigiu uma declaração que identifica questões importantes de política de investigação relacionadas com a patenteabilidade dos genes e propõe possíveis medidas a instaurar. As principais conclusões da declaração são as seguintes:
* O GECV sublinhou a importância da concessão de patentes a invenções biotecnológicas como meio de apoiar a investigação e a inovação.
* O Grupo fez notar que os genes, enquanto tais, não são patenteáveis; só o poderão ser quando estiverem ligados a uma invenção específica e quando estiver provada uma aplicação industrial.
* É necessário alargar aos cientistas e ao público em geral a comunicação dos objectivos do direito de patentes e dos seus potenciais benefícios socioeconómicos.
* Patentes demasiado extensas podem levar a potenciais problemas de dependência. Esta questão deve ser acompanhada de perto no âmbito dos relatórios previstos, nomeadamente no artigo 16.º da directiva.
* O grupo recomenda a criação de um grupo de peritos, composto por juristas, cientistas e administradores de patentes (IEP), para discutir a interligação entre os avanços científicos e o desenvolvimento e a implicação do direito de patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética.
5) Actividade da OCDE quanto a "invenções genéticas, direitos de propriedade intelectual e práticas de licenciamento"
Em Fevereiro de 2001, o grupo de trabalho sobre biotecnologia (WPB) da OCDE aprovou uma proposta do Ministério da Investigação Científica e Educação (BMBF) da Alemanha para iniciar um projecto sobre "invenções genéticas, direitos de propriedade intelectual e práticas de licenciamento". Foi realizado um seminário em Berlim, em 24-25 de Janeiro de 2002, com mais de 100 peritos dos sectores público e privado. Os participantes analisaram provas empíricas que demonstram o impacto da concessão de patentes e de licenças a invenções genéticas sobre o acesso à tecnologia por parte dos investigadores, empresas e sistemas de saúde.
Um grande estudo financiado pela Academia Nacional das Ciências dos EUA revelou que as patentes no domínio da biotecnologia estimulam, regra geral, a investigação e a entrada de novas tecnologias no mercado [102]. O aumento deste tipo de patentes, em número e em complexidade, não causou o colapso do sistema de patentes, ao contrário de alguns temores e expectativas. O estudo mostra que os utilizadores e os fornecedores de tecnologia conseguiram encontrar "soluções de trabalho", tais como obtenção de licenças, invenção em torno de patentes, utilização flexível das isenções em matéria de investigação e desenvolvimento de bases de dados públicas (consórcio SNIP) [103].
[102] O projecto de relatório preliminar pode ser descarregado em
[103] O Max-Planck-Institute for Foreign Patent Law obteve resultados semelhantes num estudo limitado entre instituições de investigação alemãs e pequenas e grandes empresas.
Nos EUA, os rápidos avanços científicos e tecnológicos ficaram a dever-se às alterações do enquadramento institucional, como as novas directrizes do USPTO ou a atitude dos tribunais relativamente às patentes sobre os instrumentos de pesquisa. Os autores do estudo não afastam problemas futuros, que poderão surgir de patentes actualmente em apreciação ou de novos desenvolvimentos científicos e decisões judiciais. No entanto, são optimistas quanto à possibilidade de encontrar um sistema que forneça fortes incentivos à realização de investigações científicas e mantenha também um espaço de liberdade para a investigação e a descoberta.
O seminário identificou igualmente as dificuldades que por vezes ocorrem a propósito de patentes relativas a testes genéticos e discutiu os modos de melhorar o acesso e a penetração do mercado sem minar o sistema de patentes e respeitando os orçamentos de saúde pública limitados. A este respeito, afigura-se necessário obter uma melhor harmonização internacional das práticas em matéria de patentes e licenças, assim como a clarificação do objectivo e da função das isenções em matéria de investigação nos diferentes países.
ANEXO 5 : Estatísticas
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Fig. 1: Investimentos de capital de risco da UE nos sectores das ciências da vida, em milhões de euros (Fonte: EVCA)
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Fig. 2: Investimentos de capital de risco em biotecnologia - EUA e UE
Os dados da UE incluem investimentos de substituição e investimentos de aquisições pelos trabalhadores, para os quais não existe informação separada. É provável que no sector da biotecnologia estes investimentos sejam bastante inferiores à média de 58% para todos os sectores.
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Fig. 3: Investimentos de capital de risco da UE no sector da medicina/saúde, em milhões de euros (Fonte: EVCA)
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Fig. 4: Investimentos nos sectores das ciências da vida como percentagem do total dos investimentos de capital de risco da UE (Fonte: EVCA)
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Fig. 5: Patentes concedidas pelo USPTO no sector da engenharia genética, por país - 1984-1997
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Fig. 6: Engenharia genética - percentagem de patentes concedidas pelo USPTO por país
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Fig. 7: Apresentação de pedidos ao IEP no sector da engenharia genética - percentagem por país
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Fig. 8: Pedidos de patentes ao IEP e patentes concedidas, no sector da engenharia genética
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Fig. 9: Pedidos ao IEP no sector da biotecnologia
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Fig. 10: Pedidos ao IEP no sector da biotecnologia
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>REFERÊNCIA A UM GRÁFICO>
Fig. 11 e 12: Pedidos de patentes ao IEP por parte dos Estados-Membros da UE no sector da engenharia genética