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Document 31994D0662

94/662/CE: Decisão da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa à subscrição pela CDC-Participations de obrigações emitidas pela Air France (93/C 334/04) (Apenas faz fé o texto em língua francesa) (Texto relevante para efeitos do EEE)

JO L 258 de 6.10.1994, p. 26–36 (ES, DA, DE, EL, EN, FR, IT, NL, PT)

Legal status of the document In force

ELI: http://data.europa.eu/eli/dec/1994/662/oj

31994D0662

94/662/CE: Decisão da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa à subscrição pela CDC-Participations de obrigações emitidas pela Air France (93/C 334/04) (Apenas faz fé o texto em língua francesa) (Texto relevante para efeitos do EEE)

Jornal Oficial nº L 258 de 06/10/1994 p. 0026 - 0036


DECISÃO DA COMISSÃO de 27 de Julho de 1994 relativa à subscrição pela CDC-Participations de obrigações emitidas pela Air France (93/C 334/04) (Apenas faz fé o texto em língua francesa) (Texto relevante para efeitos do EEE) (94/662/CE)

A COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia e, nomeadamente, o nº 2, primeiro parágrafo, do artigo 93º,

Tendo em conta o protocolo nº 27 do Acordo relativo ao Espaço Económico Europeu e nomeadamente o nº 1, ponto A, do seu artigo 62º,

Tendo notificado os interessados em conformidade com o artigo 93º do Tratado para apresentarem as suas observações e tendo em conta essas observações,

Considerando que:

I Por carta datada de 22 de Abril de 1993, registada nos serviços da Comissão em 27 de Abril de 1993, o Governo francês, na sequência de um pedido da Comissão apresentado em 1 de Março de 1993, notificou tardiamente à Comissão duas emissões de obrigações pela empresa estatal Compagnie Nationale Air France (seguidamente designada « Air France ») subscritas pela empresa estatal CDC Participations (seguidamente designada « CDC-P »), que é uma filial da Caisse de Dépots et de Consignations (CDC, « Caisse »).

Em 28 de Maio de 1993, representantes da Air France e do Governo francês tiveram uma reunião em Bruxelas com os funcionários competentes da Direcção-Geral Transportes. As autoridades francesas forneceram vários documentos, que foram registados nos serviços da Comissão em 1 de Junho de 1993.

O auxílio foi registado como auxílio não notificado em 19 de Julho de 1993 pelo Secretariado-Geral da Comissão.

Em 10 de Novembro de 1993, a Comissão decidiu dar início ao procedimento previsto no nº 2 do artigo 93º relativamente à transacção supra mencionada entre a Air France e a CDC-P. As autoridades francesas foram informadas dessa decisão por carta de 7 de Dezembro de 1993. Essa carta foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (1) e as partes interessadas foram convidadas a apresentarem as suas observações.

A Comissão decidiu dar início ao procedimento previsto no nº 2 do artigo 93º porque tinha dúvidas sobre a natureza do auxílio e os seus efeitos negativos sobre as trocas comerciais no mercado comum. Em especial, a Comissão necessitava de esclarecer se a concessão do auxílio estava realmente ligada a um plano de reestruturação. Caso fosse esse o caso, a Comissão necessitava de garantias de que a Air France estava a utilizar e apenas utilizaria os montantes recebidos para os fins da reestruturação interna. Para além disso, a Comissão necessitava de mais garantias de que o auxílio à Air France não alteraria as condições das trocas comerciais de maneira contrária ao interesse comum. Para verificar que o auxílio não seria utilizado pela Air France para transferir as suas dificuldades para os seus concorrentes, a Comissão necessitava de receber garantias de que o auxílio à Air France não teria efeitos anticoncorrenciais inaceitáveis na Comunidade e, nomeadamente, nas rotas domésticas. Para poder proceder à avaliação em causa, a Comissão solicitou ao Governo francês que lhe facultasse as informações necessárias.

II As autoridades francesas responderam à Comissão através de cartas datadas de 7 de Janeiro e de 17 de Maio de 1994.

Os principais argumentos das autoridades francesas podem ser resumidos da forma seguinte:

a) As autoridades francesas não notificaram a operação à Comissão antes da sua realização porque não consideram a intervenção financeira em causa como um auxílio de Estado;

b) A Caisse, e consequentemente a CDC-P, são entidades autónomas relativamente ao Governo francês. A autonomia da CDC-P é garantida pelo facto de estar sujeita à vigilância do Parlamento (e não do Governo). Essa independência seria ainda confirmada pelo estatuto do Director-Geral da CDC, que é nomeado pelo Presidente da República Francesa e goza de autonomia especial. O Director-Geral só pode ser demitido com base num procedimento excepcional (Decreto do Presidente da República Francesa com base num pedido fundamentado da « Commission de surveillance », que é um organismo composto por parlamentares, juízes e um representante do « ministre de l'Économie et des Finances »). Para além disso, quando é nomeado, o Director-Geral, que é o responsável pela gestão da Caisse, assume o compromisso de garantir a independência da Caisse;

c) Em 17 de Fevereiro de 1993, a CDC-P decidiu investir na Air France, com base numa análise estratégica concluída no final de 1992. No final de 1992, a situação da Air France era comparável à dos seus concorrentes, já que 1992 tinha sido um ano difícil para o conjunto da indústria da aviação civil. Os rácios de endividamento da Air France eram, no essencial, similares aos dos seus concorrentes. Para além disso, no final de 1992, as perspectivas para 1993 eram geralmente optimistas, embora desenvolvimentos posteriores tenham posto em causa essas expectativas. Em especial, o plano, que foi estabelecido em Outubro de 1992, previa uma recuperação a curto prazo, admitindo para 1993 um aumento de 6,1 % do tráfego de passageiros, a estabilização das receitas unitárias e um défice de 1,6 mil milhões de francos franceses. A CDC-P decidiu investir na Air France tendo em conta estas boas perspectivas e as taxas de juro das duas obrigações, que estavam alinhadas com as taxas de mercado. As projecções supra não foram subsequentemente confirmadas pelos desenvolvimentos futuros porque a crise económica da indústria da aviação civil se agravou na primeira metade de 1993 e o mercado doméstico francês foi afectado por uma recessão específica (na primeira metade de 1993, as vendas de serviços de transporte aéreo no mercado doméstico francês diminuíram 7,7 % relativamente ao período correspondente de 1992; os mercados domésticos britânico e alemão cresceram mais de 6,3 e 5,3 pontos percentuais, respectivamente). Este abrandamento afectou negativamente a situação da Air France;

Para além destas considerações de curto prazo, a CDC-P decidiu investir na Air France porque as perspectivas de crescimento a longo prazo do sector do transporte aéreo eram consideravelmente boas. A CDC-P, tendo em conta o potencial da Air France (frota moderna, pessoal qualificado, mercados mundiais, etc.), comportou-se como um investidor racional. Quando a decisão foi tomada, a CDC-P não podia ter previsto a evolução negativa da actividade da Air France em 1993;

d) A análise supra foi confirmada pela participação na operação de investidores privados estrangeiros que pretendiam subscrever 26 milhões de francos franceses das ORA (obligations reimboursables en actions). O seu pedido não pode ser inteiramente satisfeito (os investidores privados puderam subscrever 1,7 milhões de francos franceses de ORA), porque isso teria implicado uma privatização parcial da Air France após a execução de procedimentos específicos (2). A presença de investidores privados comprovaria que as condições das obrigações eram interessantes e conformes às condições do mercado;

e) O investimento estava ligado ao plano de reestruturação estabelecido em Outubro de 1992 (o Plan de retour à l'équilibre, seguidamente designado « PRE 1 »). A Comissão não poderia, à luz da continuação da deterioração dos resultados da Air France em 1993, concluir que o plano era inadequado para superar a crise com que a companhia aérea se debatia. Para além disso, não era possível relacionar o investimento com outro plano (o « PRE 2 »), que seria proposto pela Air France em Maio/Junho de 1993 (isto é, após a subscrição das emissões de obrigações) para reforçar o PRE 1;

f) O único objectivo do investimento era contribuir para a reestruturação da Air France. A injecção financeira não podia ter afectado a concorrência nas rotas comunitárias já que, em 1993, a Air France perdeu partes de mercado nas rotas comunitárias internacionais (o tráfego aéreo da Air France entre os aeroportos de Paris e os outros países comunitários diminuiu 1,1 pontos percentuais durante os primeiros 10 meses de 1993 relativamente ao período correspondente de 1992, passando de 36,7 % para 35,6 %). No que diz respeito ao mercado doméstico francês, a posição da Air France não era especialmente relevante. A Air France explora as rotas entre Paris/Charles de Gaulle-Nice e Paris-territórios ultramarinos. A Air Inter, que é a transportadora aérea francesa que explora as principais rotas domésticas francesas, não recebeu qualquer contribuição financeira da Air France e deve ser considerada como uma companhia independente da Air France;

g) As questões associadas ao acesso ao mercado doméstico francês, que a Comissão levantou ao dar início ao procedimento previsto no nº 2 do artigo 93º, não estão directamente relacionadas com o caso presente e deveriam ser tratadas separadamente.

III O Reino Unido, a Dinamarca, os Países Baixos e vários concorrentes da Air France, entre os quais a British Airways, a British Midland e a TAT, apresentaram observações sobre o caso. Todas as observações foram devidamente comunicadas às autoridades francesas pela Comissão.

Os terceiros interessados concordaram em geral com a apreciação da Comissão relativamente à natureza de auxílio da operação e aos seus efeitos de distorção sobre a concorrência e as trocas comerciais. Vários concorrentes da Air France sublinharam que o auxílio é incompatível com o mercado comum e não devia ser autorizado. Os efeitos negativos do auxílio sobre a concorrência e as trocas comerciais seriam alegadamente reforçados por várias medidas adoptadas pelo Governo francês para manter a posição dominante da Air France no mercado doméstico francês. O efeito dessas medidas seria o de limitar o exercício dos direitos de tráfego e o acesso às rotas domésticas francesas, bem como o de proteger a transportadora nacional da concorrência de companhias aéreas não pertencentes ao grupo Air France.

IV Na sequência de uma proposta do conselho de direcção de 17 de Fevereiro de 1993, a reunião extrãordinária dos accionistas da Air France, de 24 de Março de 1993, decidiu emitir 1 877 526 obrigações amortizáveis em acções (obligations reimboursables en actions, ORA), e 483 456 títulos subordinados com juro progressivo e com warrants (titres subordonnés à intérêt progressif assortis de bons de souscription d'actions, a seguir designados TSIP-BSA). O valor total envolvido é de cerca de 1,5 mil milhões de francos franceses, sendo 749 996 535 francos franceses relativos às ORA e 749 356 800 francos franceses relativos aos TSIP-BSA, respectivamente. O período de subscrição destes títulos decorreu de 2 a 28 de Abril de 1993.

A CDC-P garantiu a subscrição de todas as obrigações emitidas.

O capital próprio da Air France é detido pelo Estado (99,329 %), pela CDC-P (0,538 %), e por pequenos accionistas privados (0,132 %).

O Governo francês, enquanto principal accionista da Air France, optou por não subscrever nenhuma das duas emissões. As ORA foram subscritas por alguns accionistas privados, em proporção à sua participação no capital da Air France, e pela CDC-P no que respeita à parte restante (748 080 190 francos franceses). Praticamente todos os TSIP-BSA foram subscritos pela CDC-P, num montante de 749 335 100 francos franceses.

As características dos títulos são as seguintes:

a) ORA:

- preço unitário: 399,46 francos franceses,

- duração: seis anos e oito meses,

- os juros consistem numa parte fixa (4 %), que vence em 1 de Maio de cada ano, e pela primeira vez em 1 de Maio de 1994, e numa parte variável, que vence pela primeira vez em 1 de Maio de 1996. O juro variável depende dos resultados da empresa, sendo calculado com base no rácio entre os lucros brutos (Excédent Brut d'Exploitation) e o volume de negócios (Production). O juro actuarial global previsto, admitindo uma margem bruta de lucro de 15 % durante o período 1995-1999, é de 6,5 %, sujeito a limites fixos de 5,5 % e 7,5 % por ano.

As ORA serão obrigatoriamente reembolsadas sob a forma de acções (uma acção por uma ORA), o mais tardar em 1 de Janeiro de 2000. Os titulares das ORA têm o direito de solicitar a conversão das suas obrigações em acções em qualquer momento antes daquela data.

A taxa interna de rendibilidade do investimento, tal como calculada pela CDC, é de 14 %. A CDC teve em conta a taxa de juro das ORA e o aumento esperado do valor dos títulos depois do seu reembolso em acções. Em meados de Janeiro, a CDC calculou para seu próprio uso o valor implícito de uma acção ordinária da Air France em 1 de Janeiro de 2000 (isto é, quando as ORA serão reembolsadas com acções), com base nas projecções financeiras de longo prazo estabelecidas pela Air France.

b) TSIP-BSA:

- preço unitário: 1 550 francos franceses,

- duração: indeterminada,

- o juro é fixo e aumenta, durante o período 1993-1999, de 5,5 % até 8,5 % (o juro actuarial médio durante esse período é de 7 %); o juro torna-se variável a partir de 1 de Janeiro de 2000. O juro variável será calculado com base na PIBOR (taxa interbancária praticada em Paris) a um mês, acrescida de uma taxa progressiva. Esta taxa é de 1,15 % no que respeita aos juros vencidos em 1 de Janeiro de 2001 e aumenta anualmente 0,15 % a partir de 2006, até atingir 2,05 %. Os juros vencem pela primeira vez em 1 de Maio de 1993.

Cada BSA permite ao seu detentor subscrever, até 1 de Janeiro de 2000, um máximo de três acções da Air France ao preço de 517 francos franceses por acção.

A Air France pode reembolsar total ou parcialmente os TSIP-BSA em 1 de Janeiro de cada ano, a partir de 1 de Janeiro de 2000. Em caso de liquidação ou de dissolução voluntária ou forçada da empresa, os TSIP serão reembolsados depois de todos os credores, privilegiados ou não, serem reembolsados, mas antes das obrigações amortizáveis em acções (daí que os títulos sejam designados « titres subordonnés »).

A taxa interna de rendibilidade do investimento durante o período 1993-1999, tal como calculada pela CDC, é de 11,5 %. A CDC teve em conta os juros dos TSIP-BSA durante esse período, bem como o aumento esperado do valor das obrigações (em 1 de Janeiro de 2000), que foi calculado com base no valor esperado da empresa nessa data.

V A Comissão examinou a situação económica e financeira da Air France nas suas duas decisões de Novembro de 1991, relativa ao aumento de capital da Air France, e de Julho de 1992, relativa às emissões de ORA e de TSDI - titres subordonnés à durée indéterminée (processos nºs N 653/91 e N 291/91). O total dessas injecções financeiras foi de 5,84 mil milhões de francos franceses. Nas suas decisões, a Comissão reconheceu que a companhia aérea tinha alguns problemas financeiros. A capacidade de autofinanciamento dos seus investimentos pela Air France degradou-se significativamente durante o período de 1988-1991. A comparação com outras transportadoras aéreas comunitárias indica uma grande deterioração da estrutura financeira global da Air France. A Comissão atribuiu essa deterioração ao facto da companhia ter sido negativamente afectada pelas implicações económicas da crise do Golfo, à aquisição da UTA e ao aumento dos encargos financeiros resultantes do acréscimo das despesas em novos planos de investimento. Contudo, a Comissão considerou que, não obstante alguns problemas de curto prazo, as perspectivas a longo prazo e a estrutura global da Air France eram boas. Consequentemente, o aumento de capital e as emissões de ORA e TSDI foram consideradas operações financeiras normais e não auxílios de Estado na acepção do artigo 92º do Tratado.

As decisões da Comissão basearam-se igualmente no facto das autoridades francesas terem aprovado, em 1 de Agosto de 1991, um documento muito completo (o « Contrat de plan ») que estabeleceu um programa de reestruturação (CAP 93) e definiu vários objectivos económicos a atingir no período de 1991-1993. Esses objectivos incluíam nomeadamente os seguintes compromissos financeiros:

- a reestruturação financeira da Air France, cujos cashflows deveriam ter sido suficientes para financiar pelo menos 50 % dos seus investimentos, reduzindo desse modo a necessidade de um maior endividamento,

- a melhoria da margem bruta de lucro da companhia.

Consequentemente, a Comissão concluiu em ambos os casos, ao abrigo do denominado princípio do investidor numa economia de mercado (ver infra), que era razoável que um investidor privado investisse no capital da Air France.

Apesar do plano de reestruturação, o CAP 93, e das injecções financeiras de cerca de 6 mil milhões de francos franceses no final de 1991 e início de 1992, a situação da Air France continuou a agravar-se.

A Air France (incluindo a UTA) só conseguiu aumentar o seu tráfego de passageiros em 1992 em cerca de 4,2 % (em comparação com uma média de 14 % para as companhias aéreas da AEA). As receitas do conjunto do grupo diminuíram 1,2 % e os respectivos resultados operacionais brutos (excédent brut d'exploitation, EBE) registraram uma queda pronunciada de 1,64 mil milhões de francos franceses (3).

Os objectivos fixados pelo plano CAP 93 para os resultados operacionais brutos do grupo (EBE) não puderam ser atingidos; em vez de 8,1 milhões de francos franceses, o EBE foi, em 1992, de 3 mil milhões de francos franceses.

O resultado operacional líquido, que a Air France (grupo) conseguiu manter positivo no ano anterior, foi significativamente negativo em 1992 (menos 1,5 mil milhões de francos franceses). O resultado líquido do exercício que, de acordo com o plano, deveria ter-se tornado positivo em 1992, foi significativamente deficitário (menos 3,6 mil milhões de francos franceses). Deve igualmente levar-se em conta o peso crescente dos encargos financeiros (2,1 mil milhões de francos franceses em 1992) e o saldo negativo dos custos e proveitos extrãordinários (menos 699,8 milhões de francos franceses); os resultados extrãordinários tinham beneficiado nos dois anos anteriores nomeadamente da venda de alguns bens imobiliários.

Todos estes factores conduziram a Air France, em 1992, a um terceiro resultado líquido negativo consecutivo, e de longe o maior (menos 3,2 mil milhões de francos franceses).

Os indicadores de rentabilidade da Air France reflectem os resultados negativos de 1992 que revelam que a companhia estava numa posição pior que outras grandes companhias aéreas europeias (que foram afectadas de forma similar pela recessão económica).

Para a Air France, o início de 1993 também não foi melhor. Nos primeiros quatro meses desse ano, o tráfego de passageiros da Air France diminuiu 2,7 %, devido em grande parte à fraca procura doméstica. Isto contrasta claramente com os resultados da AEA, que revelam um aumento de 9 % do tráfego intracomunitário, no primeiro trimestre.

Devido às perdas registadas em 1992, a situação financeira da Air France deteriorou-se significativamente. No final de 1992, o balanço do grupo evidenciava uma distorção temporária devido ao peso excessivo das dívidas de curto prazo; esta situação foi corrigida através da emissão de duas obrigações de longo prazo em Março e Junho de 1993, correspondentes a um montante total de 3 mil milhões de francos franceses, bem como da emissão das ORA e TSIP-BSA que são objecto da presente análise.

Mais grave ainda, os objectivos financeiros do programa CAP 93 não puderam ser atingidos. Os rácios do endividamento/capital próprio, que deveriam ter sido mantidos ao nível de 1990 (1,2 para a dívida de longo prazo), degradavam-se continuamente. A situação em termos do cashflow deteriorou-se drasticamente em 1992. Os objectivos do plano CAP 93 no que respeita à « capacité d'autofinancement » (cashflow mais vendas de activos) não puderam ser atingidos.

O grupo estava longe de conseguir realizar o objectivo estabelecido no CAP 93, no sentido de financiar 50 % dos seus investimentos através do cashflow.

Nos primeiros meses de 1993, a produtividade da Air France continuava a ser relativamente baixa; a Air France necessitava de um número relativamente elevado de empregados por avião e transportava menos passageiros por empregado que os seus principais concorrentes. Também é de notar que os aumentos de produtividade medidos em termos dos lugares-km disponíveis (ASK) ou das receitas por passageiro-km (RPK) por empregado eram inferiores aos realizados pelos seus principais concorrentes.

Em conclusão, todos estes factores indicam que a situação da Air France se deteriorou desde que foi examinada pela Comissão aquando das suas decisões de Novembro de 1991 e de Julho de 1992.

VI As dificuldades óbvias com que a Air France se deparou em 1992, no que respeita ao prosseguimento dos objectivos do seu plano CAP 93, forçaram a companhia a rever substancialmente o mesmo. No Outono de 1992 foi apresentado ao Governo um novo plano (o PRE 1), que previa poupanças ou aumentos das receitas num total de 1,37 mil milhões de francos franceses em 1993 e de 3 mil milhões de francos franceses em 1994 (ver infra).

VII O nº 1 do artigo 92º do Tratado e o nº 1 do artigo 61º do Acordo EEE estabelecem que são incompatíveis com o mercado comum e com o acordo, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-membros e as partes contratantes, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

No caso em apreço, a Air France recebeu através da CDC-P 1,5 mil milhões de francos franceses para reforçar o seu capital próprio. O Governo francês, aquando das emissões, absteve-se de exercer o seu direito de subscrição em benefício dos outros accionistas que puderam subscrever o conjunto das emissões proporcionalmente à sua participação no capital da Air France. A CDC-P subscreveu obrigações no valor de 748 080 190 francos franceses, que representam 99,7 % das ORA (1 873 010 ORA, num total de 1 877 526), e subscreveu 99,9 % dos TSIP-BSA, num montante de 749 335 100 (483 442 TSIP-BSA, num total de 483 456).

O Governo francês referiu que os pequenos accionistas privados da Air France manifestaram o desejo de subscrever as emissões num montante superior ao correspondente à proporção da sua participação no capital da empresa. Contudo, o seu pedido não foi aceite pois seria impossível, sem uma autorização legislativa específica, proceder a uma privatização parcial da Air France. Isto significa que teria sido impossível permitir que os accionistas privados da Air France subscrevessem as emissões num montante superior ao proporcional à sua participação no capital da empresa.

1. A Comissão verificou se a injecção de capital na Air France foi feita pelo Estado francês ou foi proveniente de recursos estatais.

Neste contexto, cumpre recordar que o Tribunal de Justiça estabeleceu que « A proibição constante do artigo 92º abrange todos os auxílios concedidos por um Estado-membro ou através de recursos estatais, não sendo necessário estabelecer distinções quanto ao facto de saber se o auxílio foi concedido directamente pelo Estado ou por organismos públicos ou privados instituídos ou designados pelo Estado para administrar o auxílio » (4). Além disso, no processo Van der Kooy, ao decidir se uma tarifa preferencial cobrada por uma sociedade de responsabilidade limitada nos Países Baixos (Gasunie) resultava de uma acção do Estado neerlandês, o Tribunal declarou que « . . . as acções da Gasunie estão distribuídas de tal forma que o Estado neerlandês detém, directa ou indirectamente, 50 % das acções e nomeia metade dos membros do conselho de comissários - órgão cujos poderes incluem a definição das tarifas a aplicar . . . », e concluiu que « considerados no seu conjunto, estes factores demonstram que a Gasunie não tem, de forma alguma, completa autonomia em matéria de fixação das tarifas de gás, agindo sob o controlo e as instruções das autoridades públicas. Deste modo, é claro que a Gasunie não podia fixar as tarifas sem ter em conta os requisitos definidos pelas autoridades públicas » (5).

A Caisse é uma entidade pública francesa (établissement public) que foi criada por uma lei de 18 de Abril de 1816 e cujos directores e gestores são nomeados por decreto mediante proposta do ministro das Finanças. A Caisse detém 100 % das acções da CDC-P, nomeia todos os directores desta e pode determinar a política de investimentos da sua subsidiária através dos seus direitos de voto, bem como financiar as operações financeiras da CDC-P. A CDC-P (aonde estão depositadas, desde Dezembro de 1991, todas as participações accionistas detidas pela Caisse) é o instrumento utilizado para adquirir participações noutras empresas. Além disso, tal como assinalado pelas autoridades francesas, a CDC-P foi escolhida para o efeito porque é uma instituição pública pertencente ao Estado; deste modo, a legislação francesa relativa às privatizações não foi infringida aquando do aumento do capital da Air France com a intervenção da CDC-P.

Para além destas considerações jurídicas, o controlo estatal da actividade de investimento da Caisse e das suas subsidiárias foi comprovado perante o Senado (6).

Embora a Comissão reconheça que a CDC-P é uma sociedade de responsabilidade limitada ao abrigo da legislação francesa, cujo objectivo empresarial é essencialmente a gestão de um fundo de investimentos, estão satisfeitas todas as condições para ligar a concessão do auxílio em questão aos propósitos do Estado. Os elementos acima indicados comprovam de forma considerável que a CDC-P não é uma entidade autónoma da Caisse, que por sua vez está sujeita ao controlo das autoridades públicas francesas. Consequentemente, a injecção de capital é um acto imputável ao Estado francês nos termos da jurisprudência do Tribunal relativa ao nº 1 do artigo 92º (7).

2. A Comissão verificou se a operação é um auxílio nos termos do nº 1 do artigo 92º do Tratado e do nº 1 do artigo 61º do Acordo EEE.

Para determinar se está envolvido um auxílio de Estado, a Comissão baseia a sua avaliação no denominado princípio do investidor numa economia de mercado. De acordo com este princípio, não está envolvido auxílio de Estado quando são efectuadas novas contribuições de capital em circunstâncias que seriam aceitáveis para um investidor privado que opere ao abrigo das condições normais numa economia de mercado (8).

O Tratado de Roma e o Acordo EEE estabelecem o princípio da neutralidade relativamente ao regime de propriedade existente nos Estados-membros (artigo 222º do Tratado e artigo 125º do Acordo EEE) e o princípio da igualdade entre as empresas públicas e privadas. Devido a estes princípios, a acção da Comissão não pode prejudicar ou favorecer entidades públicas quando estas injectam capital em empresas. Contudo, a Comissão deve investigar as injecções financeiras nas empresas, a fim de evitar que os Estados-membros infrinjam as regras relativas aos auxílios de Estado do Tratado. Regra geral, a Comissão é do parecer que, no caso de uma injecção de capital proveniente de fundos públicos, não se está perante um auxílio estatal se existirem vários accionistas minoritários privados que participem na transacção proporcionalmente à sua participação no capital da empresa. Contudo, a participação accionista dos investidores privados deve ter significado económico genuíno (9). No caso em apreço, alguns accionistas privados (alguns empregados da Air France, bem como o Bank of New York-London, o Bankers Trust Int. plc e o Granite Capital LP) subscreveram as ORA e, em menor grau, os TSIP (nenhum dos bancos subscreveu os TSIP).

Contudo, as participações do sector privado no capital da Air France representam apenas 0,132 % do mesmo, e a parte das ORA e TSIP que os terceiros privados subscreveram é insignificante (4 516 ORA num total de 1 877 526 e 14 TSIP num total de 483 456). Consequentemente, a participação de investidores privados na subscrição das ORA e dos TSIP-BSA não exclui a possibilidade da injecção de capital ser um auxílio de Estado na acepção do artigo 92º do Tratado e do artigo 61º do Acordo EEE. No que diz respeito às ORA, a Comissão não pode atribuir um significado decisivo ao facto de, tal como alegado pelas autoridades francesas, o pedido dos importantes investidores estrangeiros privados não ter sido, por razões de índole jurídica, inteiramente satisfeito (os três bancos foram autorizados a subscrever apenas 1,7 milhões de francos franceses de ORA, em vez dos 25,9 milhões de francos franceses solicitados: o Bank of New York/London solicitou 9,9 milhões de francos franceses de ORA, o Bankers Trust 7,9 milhões e o Granite Capital 7,9 milhões). O número de ORA que os três bancos pretendiam subscrever (65 025) representa uma pequena percentagem (3,3 %) do número total de ORA que foram objecto de propostas de subscrição por parte de todos os investidores (1 942 760). Para diversificar a sua carteira, um banco de investimentos pode decidir fazer alguns investimentos arriscados. 9,9 milhões e 7,9 milhões de francos franceses não representam aplicações significativas relativamente à dimensão da carteira total de investimentos de um banco e portanto, não representam um risco significativo. O risco assumido pelos investidores privados é, dada a pequena dimensão do seu investimento na Air France, globalmente muito limitado; e o investimento relativamente pequeno dos investidores estrangeiros não pode ser considerado como prova conclusiva para excluir a possibilidade de se estar em presença de um auxílio de Estado.

A subscrição pela CDC-P das ORA pode ser comparada a um investimento accionista destinado a reforçar o capital da companhia aérea. As ORA são obrigações que serão obrigatoriamente convertidas em acções e, numa perspectiva financeira, representam um aumento diferido de capital. No caso das ORA, a rentabilidade do investimento depende, tal como descrito supra, dos resultados financeiros da empresa e do valor das acções aquando da conversão.

Considerações semelhantes são válidas para os TSIP-BSA. Embora os TSIP-BSA não sejam obrigatoriamente convertidos em acções, cada BSA permite ao seu detentor subscrever até 1 de Janeiro de 2000 três acções da Air France a um preço predeterminado de 517 francos franceses por acção. O detentor dos títulos pode não exercer o seu direito de subscrição e decidir continuar a receber juros após 1 de Janeiro de 2000, até que a empresa decida reembolsar os títulos. A desvantagem dos TSIP-BSA é que, em caso de dissolução da empresa, os detentores destes títulos serão reembolsados apenas após todos os credores o serem. Daí que estas obrigações não sejam muito comuns nos mercados de capital. As considerações anteriores sobre a natureza das obrigações são confirmadas pelo prospecto da Air France (Émission de valeurs mobilières composées, publicado em Abril de 1993 por altura da emissão das obrigações), onde o objectivo das duas emissões é descrito como uma forma de reforçar o capital próprio da empresa a longo prazo.

Ao aplicar o princípio do investidor numa economia de mercado, a Comissão tem de determinar o momento em que o auxílio foi concedido (isto é, em que a CDC-P tomou a decisão final de investir no capital da Air France). O momento em que a decisão foi tomada é importante para se avaliar se a CDC-P, com base em dados objectivos, poderia ter expectativas razoáveis de rentabilização adequada do investimento. Segundo as autoridades francesas, a CDC-P tomou a sua decisão de investir na Air France no final de 1992. A CDC-P teria tomado essa decisão à luz do « plan de retour à l'équilibre » e numa altura em que a marcada queda do tráfego de passageiros da Air France ocorrida em 1993 não era previsível.

Segundo as informações fornecidas pelas autoridades francesas, o conselho de administração da Air France, na sequência de negociações com a CDC-P, fixou as modalidades das obrigações e propôs aos accionistas a aprovação da emissão em 17 de Fevereiro de 1993. A assembleia extrãordinária de accionistas sancionou subsequentemente a emissão das obrigações em 24 de Março de 1993, tendo aprovado as modalidades definitivas da operação. Em conformidade com as práticas comerciais normais, deve considerar-se que a decisão de investimento da CDC-P foi tomada quando as obrigações foram subscritas (isto é, em Abril de 1993). As autoridades francesas não provaram que a CDC-P ficou legalmente obrigada a subscrever a emissão antes dessa data. Na ausência de um acto jurídico mandatório, qualquer declaração da CDC-P antes da data da subscrição deve ser considerada como uma mera declaração de intenções. De qualquer modo, mesmo supondo que a CDC-P tomou a decisão de investir antes de Abril de 1993 e que essa decisão não podia ser anulada, a data relevante nunca deveria ser anterior a 17 de Fevereiro de 1993 (isto é, a data da proposta do conselho de administração no sentido de emitir as obrigações). Antes dessa data das modalidades finais das emissões não estavam fixadas e, portanto, a CDC-P não dispunha de informação suficiente para tomar uma decisão final ou para se comprometer de alguma forma.

No decurso do procedimento previsto no nº 2 do artigo 93º, a Comissão procedeu a uma análise muito completa das características das duas emissões para verificar a sua conformidade com as condições de mercado. A rentabilidade dos dois instrumentos depende estritamente dos resultados da empresa. Antes da sua conversão, as ORA integram um elemento significativo ligado ao lucro, já que a taxa de juro varia em função das margens de cashflow registadas pela companhia (a taxa de juro actuarial varia entre 5,5 % e 7,42 %). Os juros (4 %) são pagos pela primeira vez em 1 de Maio de 1994. Após a conversão das ORA em acções, a rentabilidade passa a depender apenas dos lucros. A taxa de juro dos TSIP-BSA não está directamente ligada aos lucros, mas no caso da Air France sofrer em qualquer ano uma perda consolidada superior a 30 % do capital próprio, o pagamento dos juros relativos a esse ano pode ser suspenso. Além disso, no caso de liquidação ou dissolução, os detentores dos TSIP-BSA beneficiam de uma protecção muito limitada, já que estas obrigações apenas serão reembolsadas depois do reembolso dos outros credores. A Comissão estabeleceu que estão envolvidos auxílios de Estado « quando a situação financeira de uma empresa, e nomeadamente a estrutura e o volume do seu endividamento, é tal que não é possível esperar uma rentabilidade normal (através de dividendos ou ganhos de capital) do capital investido num prazo de tempo razoável » (10).

No caso em apreço, a Comissão considera que quando a decisão de investimento foi tomada (isto é, nunca antes de 17 de Fevereiro de 1993), a CDC-P tinha conhecimento (ou pelo menos devia ter) da acentuada deterioração da estrutura financeira da Air France. A CDC-P tinha certamente conhecimento do aumento das perdas da companhia em 1992 (3,2 mil milhões de francos franceses em 1992, após 685 milhões em 1991 e 717 milhões em 1990), apesar da adopção do plano de reestruturação Cap '93. A CDC-P devia estar seriamente preocupada com a crítica situação de endividamento da companhia, cujo saneamento requeria uma significativa melhoria da rentabilidade. A capacidade da Air France para reembolsar as suas dívidas a partir do cashflow gerado internamente afigurava-se fraca; nos últimos três anos o resultado operacional da Air France não tinha coberto os custos com juros (a taxa de cobertura dos juros foi de 0,71 em 1992, 0,10 em 1991 e 0,78 em 1990). Os níveis de endividamento da Air France eram muito elevados, mesmo no contexto da indústria do transporte aéreo, que normalmente apresenta níveis elevados de endividamento. Os rácios do endividamento/capital próprio da Air France, apesar das importantes despesas de capital do programa Cap '93 e sem ter em conta a capitalização dos leasings operacionais, aumentaram em 1992 em comparação com o ano anterior.

No que diz respeito às taxas internas de rentabilidade das obrigações, cumpre recordar que elas foram calculadas pela CDC-P tendo em conta os juros e o valor implícito das acções da Air France no momento da conversão. Segundo as autoridades francesas, a CDC-P tinha estabelecido a sua própria estimativa do valor futuro da Air France em meados de Janeiro de 1993. Esta estimativa reflectia as hipóteses da CDC-P e teria certamente resultado em taxas de rentabilidade mais baixas se tivessem sido considerados valores prudentes. A título de exemplo, a estimativa afigura-se, pelo menos no que diz respeito às ORA, manifestamente demasiado optimista, já que aquando da emissão o rendimento mais elevado previsto pela Air France para as ORA era inferior ao previsto pela CDC-P. Nos prospectos emitidos em Abril de 1993, a Air France incluiu um quadro com os valores das acções da companhia numa tabela de rentabilidades possíveis das ORA. A rentabilidade mais elevada era de 13,12 %, que é 0,88 ponto inferior à rentabilidade esperada pela CDC-P (14 %). No cálculo da taxa interna de rentabilidade dos TSIP-BSA, a rentabilidade esperada do cupão BSA representa um elemento importante. Se tivesse tido em conta a fragilidade das perspectivas financeiras da Air France a médio e longo prazo, a CDC-P teria concluído que o valor das acções associadas era zero. Portanto, a taxa de rentabilidade dos TSIP isoladamente seria insuficiente para justificar a participação da CDC-P ao abrigo do princípio do investidor numa economia de mercado. Esta conclusão é reforçada pela consideração da natureza subordinada do empréstimo. Consequentemente, o facto de a taxa interna de rentabilidade das duas obrigações, tal como calculada pela CDC-P, estar alinhada com as taxas prevalecentes no mercado não é, per se, suficientemente convincente para excluir o carácter de auxílio da operação.

Tendo em conta a deterioração da estrutura financeira da Air France, a Comissão não considera que um investidor privado a operar em condições comerciais normais estivesse disposto a estabelecer um acordo financeiro com a Air France tão importante como o estabelecido pela CDC-P.

No que respeita ao princípio do investidor numa economia de mercado, o Tribunal de Justiça salientou que o comportamento de um investidor privado, com o qual deve ser comparada a intervenção do investidor público, deve ser, pelo menos, o de uma holding privada ou o de um grupo privado que obedeça a uma política estrutural, global ou sectorial e tenha por objectivo perspectivas de rendibilidade a longo prazo (11).

No caso de empresas deficitárias, esse investidor de longo prazo basearia a sua decisão num plano coerente de reestruturação. No caso da Air France, a Comissão considera que o auxílio não está directamente ligado ao PRE 1. Nem o PRE 1, nem os prospectos publicados em conexão com a emissão das duas obrigações, nem tão pouco as actas da reunião do conselho de administração, mencionam alguma vez que estes investimentos se destinavam a financiar a implementação do plano. Mesmo admitindo que as injecções de capital, ao reforçarem o capital próprio da Air France, estavam indirectamente ligadas à implementação do PRE 1, a Comissão chegou à conclusão de que o plano não era suficiente, mesmo a longo prazo, para restaurar a viabilidade financeira e económica da companhia. Através da adopção de várias medidas de redução dos custos, o PRE 1 tinha por objectivo o aumento dos cashflows (capacité d'autofinancement), de 3 mil milhões de francos franceses em 1994 e de 1,4 mil milhões em 1993. Em resultado do PRE 1, a Air France deveria ter melhorado significativamente os seus resultados em 1993 e realizar lucros em 1994. O plano centrava-se na redução dos custos. Estas medidas de reestruturação consistiam em:

- redução das despesas externas (por exemplo, controlo da facturação interline, renegociação dos encargos aeroportuários, actividade hoteleira, etc.),

- racionalização da frota e da organização (racionalização da frota através do abandono da operação dos aviões B.727, exploração das sinergias do grupo, etc.),

- redução dos custos com o pessoal navegante e aumento da produtividade do pessoal de terra,

- redução dos custos com outro pessoal,

- redução dos custos financeiros associados à frota,

- reorganização do sistema de reservas de bilhetes,

- criação de um hub no aeroporto Charles de Gaulle em Paris a partir de Abril de 1993.

O principal objectivo do PRE 1 era a redução dos custos operacionais e, num grau menor, dos encargos financeiros, mas este plano não abordava suficientemente os outros items financeiros em relação aos quais se pressupunha que se mantivessem constantes. O PRE 1 reconhecia a diminuição das receitas unitárias mas, para além da criação de um hub no aeroporto Charles de Gaulle em Paris, não previa nenhuma outra medida para aumentar as receitas. Apesar da próxima entrada em vigor do terceiro pacote de liberalização (1 de Janeiro de 1993), o PRE 1 não analisava a evolução e perspectivas futuras do mercado; admitia, sem fazer referência a qualquer estudo ou estatísticas, que o tráfego de longo curso e de médio curso da Air France aumentaria nos quatro anos seguintes 5 % e 2,5 %, respectivamente. O PRE 1 reconhecia a capacidade excedentária temporária que afectava a indústria do transporte aéreo, mas não previa qualquer adaptação da política comercial da Air France, prosseguindo, pelo contrário, uma estratégia de investimento.

No PRE 1 não eram previstas medidas adicionais de reestruturação na eventualidade de uma maior degradação da situação económica. A este respeito, o PRE 1 afirmava que: « . . . toute dégradation supplémentaire du contexte compromettrait la réalisation de cet objectif » (a melhoria do cashflow). « La Compagnie . . . s'engagerait alors dans un effort supplémentaire d'amélioration de son économie, effort dont on ne peut exclure totalement l'eventualité aujourd'hui. ». O PRE 1 apresentava algumas deficiências na medida em que perspectivava várias opções sem, em certos casos, sequer seleccionar definitivamente uma, e quando um objectivo era seleccionado não eram indicados os meios de o realizar.

Tendo em conta as considerações supra, a Comissão é do parecer que o PRE 1 era insuficiente para restaurar, mesmo a longo prazo, a viabilidade económica e a rentabilidade da companhia aérea. A Comissão considera que quando a decisão de investimento foi tomada, a CDC-P devia ter consciência da fragilidade estrutural do PRE 1. Além disso, a CDC-P devia ter conhecimento de que, desde a adopção do PRE 1 em Outubro de 1992, a Air France tinha aumentado a sua capacidade a nível mundial para além do crescimento do tráfego (os lugares-km disponíveis, ASK, da Air France aumentaram 8,2 % em Outubro de 1992, enquanto que o crescimento do tráfego da Air France foi de 4,3 %; subsequentemente, os valores respectivos foram de 1,8 % em Novembro, para um crescimento do tráfego de 1,5 %, 0,9 % em Dezembro, para uma diminuição do tráfego de 1,7 %, 3,3 % em Janeiro de 1993, para um crescimento do tráfego de 0,7 %, 0 % em Fevereiro, para uma diminuição do tráfego de 4,1 %).

Consequentemente, a Comissão é do parecer que um investidor privado racional não teria injectado 1,5 mil milhões de francos franceses na Air France, tendo em conta os fracos resultados financeiros e operacionais registados recentemente pela companhia, o facto de esta não ter sido capaz de executar até à data o programa de reestruturação Cap '93 e de o PRE 1 não parecer ser suficiente para inverter a situação.

Consequentemente, a injecção financeira é um auxílio operacional destinado a ajudar a transportadora nacional francesa a resolver temporariamente a respectiva crise financeira.

3. A Comissão examinou se o auxílio falseia a concorrência e afecta as trocas comerciais.

Atendendo à forte concorrência que se verifica em várias rotas europeias operadas pela Air France, o auxílio, que reforça a posição financeira da Air France face aos seus concorrentes, falseia a concorrência na Europa. A distorção da concorrência é especialmente grave se forem tidos em conta:

- a dimensão da Air France, que é uma das maiores transportadoras europeias e, de longe, a maior transportadora francesa,

- a situação de sobrecapacidade que afecta, pelo menos temporariamente, a indústria europeia do transporte aéreo e que era especialmente aguda na altura em que o auxílio foi concedido,

- o facto de o auxílio ter sido concedido poucos meses após a entrada em vigor do terceiro pacote de liberalização do mercado comunitário do transporte aéreo (12).

O auxílio afecta as trocas comerciais europeias porque envolve uma empresa cuja actividade no sector do transporte, que pela sua própria natureza afecta directamente as trocas comerciais, abrange a totalidade do Espaço Económico Europeu.

Consequentemente, a Comissão considera que a subscrição pela CDC-P das duas emissões obrigacionistas é um auxílio na acepção do nº 1 do artigo 92º do Tratado e do nº 1 do artigo 61º do Acordo EEE.

VIII O auxílio, que não se enquadra no âmbito de um regime de auxílios aprovado, deveria ter sido notificado à Comissão em conformidade com o nº 3 do artigo 93º do Tratado CE. Ao não notificar previamente o auxílio, isto é, antes de o pôr em execução, o Governo francês não cumpriu as suas obrigações decorrentes do nº 3 do artigo 93º Consequentemente, o auxílio foi ilegalmente concedido e é ilegal.

IX A Comissão não pode considerar o auxílio à Air France compatível com o mercado comum ao abrigo do nº 2 do artigo 92º do Tratado ou do nº 2 do artigo 61º do Acordo EEE, na medida em que o auxílio não corresponde a nenhuma das hipóteses previstas nessas disposições.

O nº 3 do artigo 92º do Tratado e o nº 3 do artigo 61º do Acordo EEE enunciam os auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum. Essa compatibilidade deve ser avaliada no contexto da Comunidade e não de um único Estado-membro.

O nº 3, alíneas a) e c), do artigo 92º do Tratado e o nº 3, alíneas a) e c), do artigo 61º do Acordo EEE, prevêem derrogações no que respeita aos auxílios destinados a promover ou facilitar o desenvolvimento de certas regiões. O auxílio à Air France não parece satisfazer as condições necessárias para beneficiar das derrogações previstas no nº 3, alíneas a) ou c), do artigo 92º, na parte que respeita aos auxílios regionais, nem as autoridades francesas apresentaram quaisquer argumentos de carácter regional em apoio do auxílio proposto.

No que respeita ao nº 3, alínea b), do artigo 92º do Tratado e ao nº 3, alínea b), do artigo 61º do Acordo, os dados disponíveis mostram que o auxílio em questão não se destina a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum ou a sanar uma perturbação grave da economia francesa. Além disso, as autoridades francesas não invocaram esta disposição.

No que se refere à derrogação prevista no nº 3, alínea c), do artigo 92º do Tratado e no nº 3, alínea c), do artigo 61º do Acordo EEE, para « os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades económicas », a Comissão pode considerar alguns auxílios à reestruturação compatíveis com o mercado comum, desde que preencham determinadas condições (13).

Essas condições devem ser consideradas no contexto dos dois princípios enunciados no nº 3, alínea c), do artigo 92º do Tratado e no nº 3, alínea c), do artigo 61º do Acordo EEE: os auxílios devem ser necessários para o desenvolvimento das actividades do ponto de vista da Comunidade e não podem alterar as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum (14). Estes critérios foram interpretados num contexto sectorial (aviação) no memorando nº 2, que estabelece que a Comissão pode, em certos casos, decidir, em conformidade com o artigo 92º, que podem ser concedidos auxílios a transportadoras aéreas individuais que enfrentem graves dificuldades financeiras, desde que estejam reunidas certas condições:

a) O auxílio deve fazer parte de um programa, a ser aprovado pela Comissão, de saneamento da transportadora aérea, de modo a que seja razoável esperar que ela se torne operacionalmente viável, num prazo de tempo razoavelmente curto, sem necessidade de mais auxílios;

b) O auxílio em questão não deve transferir as dificuldades desse Estado-membro para o resto da Comunidade;

c) Qualquer auxílio dessa natureza deve ser estruturado de modo a que seja transparente e possa ser verificado.

Tal como acima observado, as injecções financeiras analisadas não estavam ligadas a nenhum dos objectivos estabelecidos no PRE 1, antes constituindo auxílios operacionais destinados a garantir a sobrevivência de uma empresa que atravessava uma crise grave. Mesmo admitindo que os fundos analisados faziam indirectamente parte do PRE 1, a Comissão demonstrou que este plano era claramente inadequado para sanear a Air France.

X No caso de auxílios incompatíveis com o mercado comum, a Comissão tem poderes, ao abrigo do nº 2 do artigo 93º do Tratado, tal como confirmado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 12 de Julho de 1973 respeitante ao processo 70/72 (15) e num acórdão posterior de 24 de Fevereiro de 1987 respeitante ao processo 310/85 (16), para exigir aos Estados-membros que obriguem os beneficiários a reembolsar o auxílio concedido. Consequentemente, as autoridades francesas devem, no prazo de dois meses, recuperar o auxílio ilegal concedido à Air France através da CDC-P (isto é, 1 497 415 290 francos franceses menos os juros já pagos pela Air France à CDC-P). O reembolso do auxílio deve ser feito em conformidade com as disposições nacionais relevantes, incluindo as disposições relativas ao pagamento de juros de mora no caso de dívidas ao Estado, entendendo-se que os juros começam a vencer a partir da data de concessão do auxílio.

Esta medida é necessária para restabelecer a situação previamente existente, eliminando todas as vantagens financeiras de que o beneficiário do auxílio ilegalmente concedido beneficiou indevidamente a partir da data da concessão do auxílio,

ADOPTOU A PRESENTE DECISÃO:

Artigo 1º

A subscrição pela CDC-Participations das ORA e dos TSIP-BSA emitidos pela Air France em Abril de 1993 é um auxílio de Estado de um montante de 1 497 415 290 francos franceses, que é ilegal porque foi concedido à empresa em contravenção do disposto no nº 3 do artigo 93º do Tratado CE. A totalidade do montante do auxílio é incompatível com o mercado comum nos termos do artigo 92º do Tratado CE e do artigo 61º do Acordo EEE.

Artigo 2º

A França fica obrigada a garantir que o auxílio seja reembolsado no prazo de dois meses a partir da publicação da presente decisão através da devolução dos 1 497 415 290 francos franceses, após dedução, caso aplicável, dos juros já pagos sobre as obrigações, pela Air France à CDC-Participations. O reembolso de auxílio deve ser feito em conformidade com as disposições nacionais relevantes, incluindo as disposições relativas ao pagamento de juros de mora no caso de dívidas ao Estado, entendendo-se que os juros começam a vencer a partir da data de concessão do auxílio.

Artigo 3º

A França informará a Comissão no prazo de dois meses a partir da publicação da presente decisão das medidas que tomou para dar cumprimento à presente decisão

Artigo 4º

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.

Feito em Bruxelas, em 27 de Julho de 1994.

Pela Comissão

Hans VAN DEN BROEK

Membro da Comissão

(1) JO nº C 334 de 9. 12. 1993, p. 7.

(2) Decreto com base num parecer da « Commission d'évaluation des entreprises publiques ».

(3) Todos os dados financeiros relativos ao grupo Air France foram extraídos do relatório anual de 1992. Estes valores são ligeiramente diferentes dos indicados na decisão que dava início ao procedimento previsto no nº 2 do artigo 93º, que eram dados provisórios fornecidos pelas autoridades francesas.

(4) Tribunal de Justiça, Comissão contra a França, processo 290/83, Colectânea 1985, p. 14, p. 449.

(5) Tribunal de Justiça, Van der Kooy e outros contra a Comissão, processos conjuntos 67, 68 e 70/85, Colectânea 1988, 272, pp. 36 e 37.

(6) Relatório de informação sobre a Caisse do senador Roger Chinaud em nome da « Commission des Finances, du controle budgétaire et des comptes économiques de la Nation », ao Senado francês, anexo às actas da reunião de 9 de Junho de 1992, p. 180.

(7) Ver Tribunal de Justiça, Steinike e Weinlig contra a Alemanha, processo 78/76, Colectânea 1977, p. 611, ponto 21; Comissão contra a França, ob. cit., Colectânea 1985, p. 448, ponto 12; Van der Kooy, ob. cit., Colectânea 1988, p. 272, ponto 35-37.

(8) Ver « comunicação da Comissão aos Estados-membros relativa às participações de autoridades públicas no capital de empresas », de 17 de Setembro de 1984, Boletim CE nº 9-1984; Tribunal de Justiça, processos conjuntos 296 e 318/82, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek BV contra a Comissão, (Colectânea 1985, ponto 17, p. 823).

(9) Ver comunicação da Comissão relativa à aplicação dos artigos 92º e 93º às injecções de capital provenientes de fundos públicos, Boletim CE nº 9-1984.

(10) Comunicação da Comissão aos Estados-membros relativa às participações de autoridades públicas no capital de empresas, Boletim CE nº 9/1984.

(11) Ver processo C-305/89, Itália contra a Comissão, Colectânea 1991, p. I-1603, ponto 24, p. I-1641.

(12) Regulamentos do Conselho (CEE) nº 2407/92, (CEE) nº 2408/92 e (CEE) nº 2409/92, de 23 de Julho de 1992, JO nº L 240 de 24. 8. 1992, pp. 1, 8 e 15.

(13) Oitavo relatório sobre a política da concorrência, ponto 176.

(14) Ver o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1980, no processo nº 730/79 - Philip Morris, Colectânea 1980, p. 2671.

(15) Comissão contra a Alemanha, Colectânea 1973, p. 813.

(16) Deufil contra a Comissão, Colectânea 1987, p. 901.

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