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Documento 62003TJ0340
Judgment of the Court of First Instance (Fifth Chamber, extended composition) of 30 January 2007.#France Télécom SA v Commission of the European Communities.#Competition - Abuse of a dominant position - Market for services in high-speed Internet access - Predatory pricing.#Case T-340/03.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção Alargada) de 30 de Janeiro de 2007.
France Télécom SA contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Abuso de posição dominante - Mercado dos serviços de acesso de Internet a alta velocidade - Preços predatórios.
Processo T-340/03.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção Alargada) de 30 de Janeiro de 2007.
France Télécom SA contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Abuso de posição dominante - Mercado dos serviços de acesso de Internet a alta velocidade - Preços predatórios.
Processo T-340/03.
Colectânea de Jurisprudência 2007 II-00107
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:T:2007:22
Processo T‑340/03
France Télécom SA
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Concorrência − Abuso de posição dominante − Mercado dos serviços de acesso à Internet de alta velocidade – Preços predatórios»
Sumário do acórdão
1. Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação das acusações – Conteúdo necessário
2. Tramitação processual – Petição inicial – Requisitos formais
(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 21.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 44.°, n.° 1)
3. Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão que imputa uma infracção – Dever de fundamentação – Alcance
(Artigo 82.° CE)
4. Concorrência – Coimas – Princípio da individualização das sanções
5. Concorrência – Posição dominante – Mercado em questão – Delimitação
(Artigo 82.° CE)
6. Concorrência – Posição dominante – Caracterização através da detenção de uma quota de mercado extremamente importante
(Artigo 82.° CE)
7. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Prática de preços inferiores aos custos com o objectivo de eliminar um concorrente
(Artigo 82.° CE)
8. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Prática de preços inferiores aos custos com o objectivo de eliminar um concorrente
(Artigo 82.° CE)
9. Concorrência – Posição dominante – Obrigações que incumbem à empresa dominante
(Artigo 82.° CE)
10. Concorrência – Coimas
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)
11. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Impacto concreto no mercado
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
12. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa recriminada
(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho,, artigos 11.°, n.os 4 e 5, e 14.°, n.os 2 e 3; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
1. A comunicação de acusações deve incluir uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento do comportamento que lhes é imputado pela Comissão. Com efeito, só nesta condição é que a comunicação de acusações pode desempenhar a sua função nos termos dos regulamentos comunitários, que é a de fornecer às empresas e associações de empresas todos os elementos necessários para lhes permitir que se defendam efectivamente antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva. Esta exigência é respeitada desde que a decisão não impute aos arguidos infracções diferentes das referidas na descrição das acusações e apenas tome em consideração factos sobre os quais os interessados tenham tido oportunidade de se pronunciar. A decisão final da Comissão, porém, não deve necessariamente ser uma cópia da descrição das acusações. Assim, admite‑se que sejam feitos aditamentos à comunicação de acusações tendo em conta a contestação das partes, cujos argumentos demonstrem que estas puderam, efectivamente, exercer o seu direito de defesa. A Comissão pode também, atendendo ao procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das acusações que formulou
Assim, uma exigência dessa natureza está satisfeita quando a comparação entre a primeira comunicação de acusações e a decisão revela que a sociedade, o mercado e os produtos em causa são os mesmos, bem como a infracção imputada, ou seja, a prática de preços predatórios contrária ao artigo 82.° CE, e quando, no caso de a decisão ser muito mais detalhada quanto à cobertura dos custos, esta precisão foi introduzida na comunicação de acusações complementar.
(cf. n.os 18, 25‑27, 36)
2. Não compete ao Tribunal de Primeira Instância procurar e identificar nesses anexos da petição inicial os elementos que poderiam fundamentar o recurso.
Nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal proferir uma decisão, eventualmente sem quaisquer outros elementos.
Embora o texto da petição possa ser desenvolvido e completado em determinados pontos específicos por remissão para determinadas passagens de documentos a ela anexos, uma remissão global para outros documentos, mesmo juntos à petição, não pode desculpar a falta de elementos essenciais nessa petição, os anexos com uma função puramente probatória e instrumental. Os anexos não podem, assim, servir para desenvolver um fundamento sumariamente exposto na petição quando contenham acusações ou argumentos que dela não constam. A recorrente deve indicar na petição as acusações precisas sobre as quais o Tribunal é chamado a pronunciar‑se, bem como, de modo pelo menos sumário, os elementos de direito e de facto em que essas acusações assentam.
É contrário à função meramente probatória e instrumental dos anexos que estes possam servir para fazer uma demonstração pormenorizada de uma alegação feita de modo insuficientemente claro e preciso na petição.
(cf. n.os 30, 166, 167, 204)
3. Quando adopta uma decisão relativa à aplicação do artigo 82.° CE, a Comissão cumpriu o seu dever de fundamentação se tiver mencionando na sua decisão os elementos de facto de que depende a justificação legal da medida e as considerações que a levaram a tomar a sua decisão.
(cf. n.° 57)
4. Por força do princípio da individualidade das penas e das sanções, uma empresa só pode ser punida por factos que lhe sejam individualmente imputados, princípio que é aplicável a qualquer processo administrativo susceptível de levar à aplicação de sanções por força das regras comunitárias da concorrência
O facto de uma decisão que conclui pela violação do artigo 82.° CE por parte de uma empresa e que lhe aplica uma coima fazer referência ao comportamento de outra empresa não viola esse princípio visto que tal comportamento não constitui objecto de uma acusação relativamente à empresa punida, mas é tomado em conta apenas para descrever o contexto do mercado em causa.
(cf. n.os 66, 68, 70, 71)
5. Para efeitos do exame da eventual posição dominante de uma empresa em determinado mercado sectorial, as possibilidades de concorrência devem ser apreciadas no âmbito do mercado que agrupa o conjunto dos produtos ou serviços que, em função das suas características, são particularmente aptos à satisfação das necessidades constantes e pouco substituíveis por outros produtos ou serviços. Além disso, dado que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva e de se comportar, em medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes e, no caso em apreço, dos seus prestadores de serviços, não se pode, para este efeito, limitar o exame unicamente às características objectivas dos serviços em questão, devendo as condições da concorrência e a estrutura da oferta e da procura no mercado ser, igualmente, tomadas em consideração.
Quando um produto pode ser utilizado para diversos fins e quando essas diferentes utilizações correspondem a necessidades económicas também elas diferentes, há que reconhecer que esse produto pode pertencer, consoante o caso, a mercados distintos que tenham eventualmente características diferentes, tanto do ponto de vista da respectiva estrutura como das condições de concorrência. No entanto, esta asserção não justifica a conclusão de que esse produto faz parte de um único e mesmo mercado que todos os outros que, nas diferentes utilizações que lhes podem ser dadas, podem ser substituídos e com os quais entra, consoante os casos, em concorrência.
O conceito de mercado relevante (relevant market) implica, com efeito, que possa haver uma concorrência efectiva entre os produtos que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para efeitos da mesma utilização entre todos os produtos que façam parte de um mesmo mercado.
Resulta igualmente do n.° 7, da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência que «[u]m mercado de produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços considerad[o]s permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida». De acordo com esta comunicação, a apreciação da substituição do lado da procura implica a determinação da gama de produtos considerados substituíveis pelo consumidor.
Assim, relativamente ao sector do acesso à Internet, não estando em causa apenas uma diferença de conforto ou de qualidade entre a alta e a baixa velocidade, uma vez que a uma diferença de preço significativa entre as duas acrescem diferenças de utilizações de especificidades técnicas e de desempenhos, e que, apesar de a baixa e a alta velocidade apresentarem um certo grau de substituibilidade, esta última funciona de modo profundamente assimétrico, a Comissão pode concluir correctamente que o grau de substituibilidade entre a alta e a baixa velocidade não é suficiente e definir o mercado em causa como o do acesso à Internet de alta velocidade para particulares.
(cf. n.os 78‑82, 85‑88, 91)
6. Uma posição dominante é uma posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite afastar a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa e lhe possibilita comportar‑se, em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores, e a Comissão não tem que demonstrar que os concorrentes de uma empresa serão excluídos do mercado, ainda que provisoriamente, para concluir pela existência de uma posição dominante.
Por outro lado, embora o significado das quotas de mercado possa diferir de um mercado para outro, quotas de mercado particularmente elevadas podem, por si só, salvo circunstâncias excepcionais, constituir a prova da existência de uma posição dominante. Esse é o caso, por exemplo, de uma quota de mercado de 50%.
A existência de uma concorrência, mesmo viva, num determinado mercado, não exclui a existência de uma posição dominante nesse mesmo mercado, caracterizando‑se a referida posição fundamentalmente pela capacidade de a sociedade não ter de tomar em consideração esta concorrência na sua estratégia de mercado sem, no entanto, sofrer os efeitos prejudiciais desta atitude. Assim, sendo certo que a eventual existência de concorrência no mercado é uma circunstância relevante, nomeadamente, para efeitos de verificar a existência de uma posição dominante, essa eventualidade não é por si só uma circunstância determinante a este propósito.
A redução de quotas de mercado durante todo o período em causa também não exclui a existência de uma posição dominante, a redução de quotas de mercado ainda muito elevadas não pode constituir, por si só, prova da ausência de posição dominante.
O facto de se tratar de um mercado em forte crescimento também não pode excluir a aplicação das regras de concorrência, nomeadamente as do artigo 82.° CE, especialmente quando a empresa em causa tenha sempre detido uma quota de mercado muito superior à do primeiro dos seus concorrentes, o que constitui um indício válido de posição dominante, e quando seja a própria a considerar a concorrência potencial limitada.
O facto de a empresa em causa ter beneficiado, através do «apoio» do grupo a que pertence, de vantagens sobre os seus concorrentes pode, em contrapartida, ser susceptível de contribuir para a sua posição dominante.
(cf. n.os 99‑101, 103, 104, 107, 109, 111, 112, 118)
7. No quadro da caracterização, através da taxa de cobertura dos custos da empresa em causa, de um abuso de posição dominante resultante de uma prática de preços predatórios, há que distinguir a aplicação do método de determinação da taxa de cobertura dos custos e os cálculos propriamente ditos, que se limitam a simples operações matemáticas.
Na medida em que a escolha do método de cálculo da taxa de cobertura dos custos, diferentemente dos próprios cálculos, implica, por parte da Comissão, uma apreciação económica complexa, pelo que lhe deve ser reconhecido um amplo poder de apreciação. A fiscalização do Tribunal deve, assim, limitar‑se à verificação do cumprimento das normas processuais e de fundamentação, bem como à exactidão material dos factos, à inexistência de erros manifestos de apreciação e de desvio de poder.
(cf. n.os 129, 162, 163)
8. Para efeitos da aplicação do artigo 82.° CE, a demonstração do objectivo e do efeito anticoncorrencial podem eventualmente confundir‑se. Efectivamente, se se demonstrar que o objectivo prosseguido pelo comportamento de uma empresa em posição dominante é restringir a concorrência, este comportamento é também susceptível de produzir esse efeito. Assim, relativamente às práticas em matéria de preços, existem dois métodos de análise diferentes quando se trata de verificar se uma empresa praticou preços predatórios. Preços inferiores à média dos custos variáveis praticados por uma empresa dominante são considerados per se abusivos porque o único interesse que essa empresa pode ter em praticar tais preços é eliminar os seus concorrentes e que preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis, são abusivos quando são fixados no âmbito de um plano que tem como finalidade eliminar um concorrente. Não é exigida qualquer demonstração dos efeitos concretos das práticas em causa.
Efectivamente, quando uma empresa em posição dominante leva efectivamente a cabo uma prática cujo objectivo é afastar um concorrente, o facto de o resultado esperado não ser conseguido não pode bastar para afastar a qualificação de abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.
Daí resulta claramente que, relativamente aos preços predatórios, o primeiro elemento da prática abusiva levada a cabo pela empresa dominante é constituído pela não cobertura dos seus custos. No caso de não cobertura dos custos variáveis, o segundo elemento, ou seja, a intenção de práticas predatórias, presume‑se, ao passo que, relativamente aos preços inferiores à média dos custos totais, é necessário provar a existência de um plano de eliminação da concorrência. Esta intenção de eliminação deve ser provada com base em indícios sérios e concordantes.
A este respeito, as receitas e os custos posteriores à infracção não podiam entrar em linha de conta para avaliar a taxa de cobertura dos custos durante o período considerado. Com efeito, o artigo 82.° CE visa a posição detida no mercado comum pela empresa em causa no momento em que esta adoptou a conduta alegadamente abusiva.
Por outro lado, quer se trate de preços inferiores à média dos custos variáveis ou de preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis, não é necessário demonstrar, a título de prova suplementar, que a empresa em causa tinha uma possibilidade real de recuperar os seus prejuízos.
Por último, uma empresa que pratica preços predatórios pode beneficiar da economia de escala e dos efeitos da aprendizagem devido a uma produção acrescida precisamente graças a essa prática. As economias de escala e os efeitos da aprendizagem obtidos não isentam, pois, a empresa da sua responsabilidade nos termos do artigo 82.° CE.
(cf. n.os 130, 152, 195‑197, 217, 224, 227, 229)
9. Não se pode afirmar que o direito de uma empresa dominante de acompanhar os preços da concorrência é absoluto e que foi reconhecido enquanto tal pela Comissão na sua prática decisória e pela jurisprudência, especialmente quando esse direito leve a justificar o recurso a preços predatórios, aliás proibidos pelo Tratado. Embora a existência de uma posição dominante não prive uma empresa colocada nessa posição do direito de salvaguardar os seus próprios interesses comerciais, quando estes estiverem ameaçados, e embora lhe deva ser reconhecida a faculdade, dentro dos limites do razoável, de praticar os actos que considerar apropriados para proteger os seus interesses, não podem, no entanto, admitir‑se tais comportamentos quando tenham por objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela.
Resulta da natureza das obrigações impostas pelo artigo 82.° CE que, em circunstâncias específicas, as empresas em posição dominante podem ser privadas do direito de adoptar comportamentos ou levar a cabo actos que não são em si mesmos abusivos e que seriam mesmo não condenáveis se fossem adoptados ou praticados por empresas não dominantes.
(cf. n.os 182, 185, 186)
10. A decisão da Comissão de não aplicar uma coima em caso especial devido à natureza relativamente nova das infracções verificadas não concede imunidade às empresas que cometam infracções que não foram punidas anteriormente pela Comissão. Com efeito, é no contexto específico de cada processo que a Comissão, no exercício do seu poder de apreciação, decide da oportunidade de aplicar uma coima para punir a infracção cometida e preservar a eficácia do direito da concorrência.
(cf. n.° 251)
11. Em conformidade com as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do disposto no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência.
No que respeita a este último factor, a empresa em questão não pode contestar que a infracção que lhe é imputada teve um impacto concreto no mercado, quando a sua quota no mercado em causa tenha aumentado desde o início da infracção sem voltar a descer ao seu nível inicial e permaneça bem acima da do seu concorrente mais próximo, quando um dos seus concorrentes muito marginal que praticava preços inferiores aos seus custos, mas ligeiramente superiores aos preços por ela praticados, tenha desaparecido do mercado, quando os seus concorrentes se mantenham a níveis de penetração muito baixos e, por último, quando as suas práticas tenham tido um efeito dissuasivo sobre o acesso ao mercado ou o desenvolvimento dos concorrentes.
(cf. n.os 259‑264)
12. Uma cooperação no inquérito que não ultrapasse o que resulta das obrigações que incumbem às empresas por força do disposto no artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 não justifica uma redução da coima.
O facto de uma empresa incriminada ter, ela própria, convidado a Comissão a fazer uma visita às suas instalações sem esperar que esta última ordenasse inspecções através de decisão, isso não seria suficiente para concluir por uma cooperação tão estreita que pudesse justificar a sua tomada em consideração enquanto circunstância atenuante. O artigo 14.° do Regulamento n.° 17 dispõe que, no cumprimento dos deveres que lhe são impostos pelo artigo 81.° CE, a Comissão pode proceder a todas as diligências de instrução necessárias junto das empresas. Os seus agentes mandatados podem, nomeadamente, aceder a todas as instalações e tirar cópias dos documentos profissionais. As inspecções da Comissão podem ser efectuadas por simples mandado (artigo 14.°, n.° 2) ou ordenadas por decisão (artigo 14.°, n.° 3). O facto de a Comissão não ter actuado, no caso em apreço, mediante decisão não implica, por si só, uma «colaboração efectiva da empresa no processo», na acepção das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA.
(cf. n.os 277, 281)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)
30 de Janeiro de 2007 (*)
«Concorrência − Abuso de posição dominante − Mercado dos serviços de acesso à Internet de alta velocidade – Preços predatórios»
No processo T‑340/03,
France Télécom SA, anteriormente Wanadoo Interactive SA, com sede em Paris (França), representada por O. Brouwer, H. Calvet, M. Pittie, J. Philippe e T. Janssens, advogados,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por S. Rating e É. Gippini Fournier, na qualidade de agentes, e em seguida por Gippini Fournier,
recorrida,
que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 16 de Julho de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.° CE] (processo COMP/38.233 − Wanadoo Interactive) ou, subsidiariamente, um pedido de anulação ou de redução da coima aplicada à recorrente,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção alargada),
composto por: M. Vilaras, presidente, M. E. Martins Ribeiro, F. Dehousse, D. Šváby e K. Jürimäe, juízes,
secretário: J. Palacio González, administrador principal,
vistos os autos e após a audiência de 26 de Abril de 2005,
profere o presente
Acórdão
Factos e tramitação do processo
1 No contexto do desenvolvimento do acesso à Internet de alta velocidade, a Comissão decidiu, em Julho de 1999, abrir um inquérito sectorial na União Europeia ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), que tinha por objecto, nomeadamente, o fornecimento de serviços relativos ao acesso ao lacete local e à utilização do lacete local para particulares. As informações recolhidas neste âmbito levaram a Comissão a analisar detalhadamente as condições tarifárias do fornecimento pela Wanadoo Interactive SA (a seguir «WIN») de serviços de acesso à Internet de alta velocidade a particulares em França. Para este efeito, procedeu oficiosamente à abertura de um processo em Setembro de 2001.
2 A WIN era, na época em causa, uma sociedade do grupo France Télécom. A Wanadoo SA detinha 99,9% do seu capital. A participação da France Télécom no capital da Wanadoo oscilou entre 70% e 72,2% durante o período em causa. O grupo constituído pela Wanadoo e respectivas filiais (a seguir «grupo Wanadoo») reunia todas as actividades do grupo France Télécom relativas à Internet, bem como as actividades de edição de listas telefónicas. No grupo Wanadoo, a WIN assumia as responsabilidades operacionais e técnicas relativas aos serviços de acesso à Internet no território francês, incluindo os serviços ADSL (Asymmetric Digital Subscriber Line; tecnologia de transmissão assimétrica de banda larga).
3 Em 19 de Dezembro de 2001, a Comissão notificou à WIN uma primeira comunicação de acusações (a seguir «primeira comunicação de acusações») e, em 9 de Agosto de 2002, uma comunicação de acusações complementar (a seguir «comunicação de acusações complementar»), às quais a WIN respondeu, respectivamente, em 4 de Março e 23 de Outubro de 2002.
4 Em 16 de Janeiro de 2003, a Comissão transmitiu à WIN um ofício que qualificou de «ofício relativo à descrição dos factos» (a seguir «ofício relativo à descrição dos factos»), facultando‑lhe a consulta do processo com base no qual o referido ofício foi redigido. A WIN consultou efectivamente o processo em 23 e 27 de Janeiro de 2003. Por carta de 26 de Fevereiro de 2003, a WIN pediu esclarecimentos à Comissão sobre vários pontos do ofício relativo à descrição dos factos. A Comissão respondeu por ofício de 28 de Fevereiro de 2003, de modo que a WIN apresentou uma resposta ao ofício relativo à descrição dos factos em 4 de Março de 2003.
5 Por decisão de 16 de Julho de 2003 relativa a um processo de aplicação do artigo [82.° CE] (processo COMP/38.233 – Wanadoo Interactive) (a seguir «decisão»), a Comissão concluiu que a «[WIN] infringiu o artigo 82.° [CE] ao praticar, relativamente aos seus serviços eXtense e Wanadoo ADSL, preços predatórios que não lhe permitiram cobrir os seus custos variáveis até Agosto de 2001 nem os seus custos totais a partir de Agosto de 2001, no âmbito de uma estratégia destinada à apropriação do mercado de acesso à Internet de alta velocidade numa fase importante do seu desenvolvimento» (artigo 1.°). A Comissão ordenou‑lhe que pusesse termo a esta infracção (artigo 2.°) e aplicou‑lhe uma coima de 10,35 milhões de euros (artigo 4.°).
6 A decisão define o mercado em causa como o mercado francês de acesso à Internet de alta velocidade para particulares. Os produtos a que a infracção se refere são os serviços de acesso à Internet de alta velocidade através da tecnologia ADSL (Wanadoo ADSL e eXtense).
7 De acordo com a decisão, no caso da Wanadoo ADSL, o assinante devia, na época em causa, pagar uma mensalidade à France Télécom pela prestação do serviço e pela locação do modem ADSL pela France Télécom, bem como uma mensalidade à WIN na sua qualidade de fornecedor do acesso à Internet (a seguir «FAI»). No âmbito do serviço eXtense, o modem era comprado pelo utilizador, que pagava uma única mensalidade fixa à WIN correspondente ao serviço prestado pela France Télécom e ao acesso ilimitado à Internet.
8 Depois da análise de diversos elementos, nomeadamente das quotas de mercado (considerandos 211 a 222 da decisão) e dos efeitos do «apoio» da France Télécom (considerandos 223 a 228), a Comissão concluiu pela existência de uma posição dominante da WIN no mercado em causa. Procurou em seguida demonstrar que a prática tarifária inferior aos custos levada a cabo pela WIN se situava no âmbito de uma estratégia intencional predatória destinada à «apropriação» do mercado e, por essa razão, constituía um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE (considerando 254).
9 A decisão fixou o início do período da infracção em 1 de Março de 2001 e o respectivo termo em 15 de Outubro de 2002, data em que entrou em vigor a medida proposta pela France Télécom para regularizar a situação em Março de 2002. Os custos variáveis não foram cobertos pelos preços praticados de Março a Agosto de 2001 e os custos totais não o foram a partir desta última data (artigo 1.° da decisão, v. n.° 5 supra).
10 Esta decisão foi notificada à WIN em 23 de Julho de 2003, que pediu a respectiva anulação por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Outubro de 2003.
11 Na sequência de uma operação de fusão efectuada em 1 de Setembro de 2004, a France Télécom SA sucedeu à WIN.
Pedidos das partes
12 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– anular a decisão;
– subsidiariamente, anular a aplicação da coima ou reduzir o seu montante;
– condenar a recorrida nas despesas.
13 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– negar provimento ao recurso;
– condenar a recorrente nas despesas.
Questão de direito
I – Quanto ao pedido de anulação da decisão
14 Como fundamento do pedido de anulação, a recorrente alega vários vícios de forma, a violação do princípio da pessoalidade das penas e a violação do artigo 82.° CE.
A – Quanto ao fundamento relativo à violação dos direitos de defesa e de formalidades essenciais
1. Argumentos das partes
15 Segundo a WIN, num processo em que estejam em causa preços predatórios, o cálculo dos custos deve ser considerado um elemento fulcral da acusação em causa. Ora, segundo afirma, não só teve dificuldade em consultar o processo como, além disso, importantes elementos dos cálculos dos custos variáveis e totais constantes da decisão nunca foram objecto de uma comunicação de acusações e só lhe foram comunicados através do ofício relativo à descrição dos factos. Isto constitui uma violação dos direitos de defesa da WIN e uma violação de formalidades essenciais. Com efeito, a WIN alega que não podia saber que importância nem que lugar esses elementos ocupavam no raciocínio e nas acusações da Comissão e, por conseguinte, não podia exercer validamente os seus direitos de defesa nesta matéria.
16 Além disso, na decisão, a Comissão aplicou cálculos que, tanto no plano do método utilizado como ao nível dos resultados, são diferentes dos utilizados na comunicação de acusações complementar. Ao alterar o seu teste relativo à cobertura dos custos, a Comissão alterou a acusação. Por outro lado, a decisão fixou uma duração da infracção superior à mencionada na comunicação de acusações, não tendo as partes tido oportunidade de se pronunciar a este respeito.
17 A Comissão considera que os argumentos da WIN são inexactos quanto aos factos e não têm fundamento jurídico. Afirma que, no ofício relativo à descrição dos factos, apenas corrigiu erros de cálculo mencionados pela WIN na sua resposta à comunicação de acusações complementar, não tendo alterado o teste nem as acusações. Salienta, por outro lado, que a WIN foi ouvida sobre o conteúdo do ofício relativo à descrição dos factos. Este teve precisamente o objectivo de dar oportunidade à empresa de expor o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos alegados, o que a WIN não deixou de fazer. Assim, por carta de 26 de Fevereiro de 2003, a WIN pediu esclarecimentos à Comissão sobre diversos pontos do ofício relativo à descrição dos factos. A Comissão afirma ter respondido por ofício de 28 de Fevereiro de 2003, permitindo assim à WIN responder, por sua vez, ao ofício relativo à descrição dos factos em 4 de Março de 2003. Quando procedeu ao envio desse ofício, a Comissão diz ter facultado à WIN a consulta de todo o processo que esteve na sua base. A WIN consultou efectivamente o processo em 23 e 27 de Janeiro de 2003. No que diz respeito à duração da infracção, o facto de esta estar ainda em curso quando foi enviada a comunicação de acusações impedia a Comissão de determinar mais do que a data do início da infracção.
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
18 Desde já, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a comunicação de acusações deve incluir uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento do comportamento que lhes é imputado pela Comissão. Com efeito, só nesta condição é que a comunicação de acusações pode desempenhar a sua função nos termos dos regulamentos comunitários, que é a de fornecer às empresas e associações de empresas todos os elementos necessários para lhes permitir que se defendam efectivamente antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva. Além disso, segundo jurisprudência assente, esta exigência é respeitada desde que a decisão não impute aos arguidos infracções diferentes das referidas na descrição das acusações e apenas tome em consideração factos sobre os quais os interessados tenham tido oportunidade de se pronunciar. A decisão final da Comissão, porém, não deve necessariamente ser uma cópia da descrição das acusações (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, Colect., p. II‑1011, n.° 442 e jurisprudência referida). Assim, admite‑se que sejam feitos aditamentos à comunicação de acusações tendo em conta a contestação das partes, cujos argumentos demonstrem que estas puderam, efectivamente, exercer o seu direito de defesa. A Comissão pode também, atendendo ao procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das acusações que formulou (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão, T‑310/01, Colect., p. II‑4071, n.° 438).
19 É à luz destas considerações que há que analisar o presente fundamento.
20 Não se pode deixar de referir que, no termo da fase de investigação, a Comissão, em 19 de Dezembro de 2001, notificou a primeira comunicação de acusações à WIN. Esta última apresentou as suas observações na sua resposta de 4 de Março de 2002 e por ocasião de uma audiência que teve lugar em 18 de Março de 2002 (considerando 153 da decisão). Em 9 de Agosto de 2002, a Comissão notificou à WIN a comunicação de acusações complementar. A WIN apresentou as suas observações relativas a esta última em 23 de Outubro de 2002 e não pediu que fosse realizada uma audiência (considerando 157 da decisão). Por conseguinte, a WIN teve a possibilidade de exercer os seus direitos de defesa relativamente às acusações feitas pela Comissão nessas comunicações, tanto no âmbito das suas respostas como no da audiência.
21 Ora, as acusações feitas pela Comissão na decisão não diferem das descritas nas comunicações de acusações.
22 Com efeito, na comunicação de acusações de 19 de Dezembro de 2001, a Comissão faz a título introdutório a seguinte exposição:
«A presente comunicação de acusações tem por objecto as práticas tarifárias da [WIN], uma das sociedades do grupo France Télécom, relativamente aos seus serviços de acesso à Internet de alta velocidade Wanadoo ADSL e Pack [eXtense] no ano de 2001.
[…]
Resulta das investigações levadas a cabo que a [WIN], desde o início do ano de 2001, pratica preços para os serviços em causa inferiores aos custos, o que pode ser qualificado como uma actuação predatória e constituir violação do artigo 82.° [CE].»
23 Nesta mesma comunicação de acusações, a Comissão concluiu, no termo da sua análise, o seguinte:
«[Nesta fase,] a política de preços predatórios lavada a cabo pela [WIN] desde o início do ano de 2001 constitui um abuso de posição dominante [na acepção do] artigo 82.°[, alíneas] a) e b), [CE]. As práticas em causa ocorreram numa fase crítica do desenvolvimento do mercado de acesso à Internet de alta velocidade para particulares, contemporânea da fase de implementação da ADSL em França. Facultaram à [WIN] um avanço considerável sobre os seus concorrentes ou impediram a sua entrada ou a sua permanência no mercado.»
24 Ora, o artigo 1.° da decisão tem a seguinte redacção:
«De Março de 2001 a Outubro de 2002, a [WIN] infringiu o artigo 82.° [CE] ao praticar, relativamente aos seus serviços eXtense e Wanadoo ADSL, preços predatórios que não lhe permitiram cobrir os seus custos variáveis até Agosto de 2001 e que não lhe permitiram cobrir os seus custos totais a partir de Agosto de 2001, no âmbito de uma estratégia destinada à apropriação do mercado de acesso à Internet de alta velocidade numa fase importante do seu desenvolvimento.»
25 A comparação entre a primeira comunicação de acusações e a decisão revela que a sociedade, o mercado e os produtos em causa são os mesmos, bem como a infracção imputada, ou seja, a prática de preços predatórios contrária ao artigo 82.° CE.
26 É verdade que a decisão é muito mais detalhada quanto à cobertura dos custos. Ao contrário da primeira comunicação de acusações, a decisão faz referência aos custos variáveis e aos custos totais e distingue os períodos tidos em consideração.
27 No entanto, esta precisão foi introduzida na comunicação de acusações complementar cujo ponto 5.4 se intitula «Materialidade do abuso: não cobertura dos custos variáveis e dos custos totais no âmbito de uma estratégia de apropriação do mercado». Nas duas notas de pé de página para as quais esse título remete, a Comissão esclarece que, «[nessa] matéria, a presente comunicação de acusações completa [o ponto] 3.4 da primeira comunicação de acusações» e que «[a] análise da cobertura dos custos totais é um elemento novo em relação à primeira comunicação de acusações». O método utilizado, por conseguinte, já era conhecido pela WIN nessa fase, tendo esta podido expressar o seu ponto de vista.
28 Quanto ao ofício relativo à descrição dos factos, o seu objectivo consiste, de acordo com os seus próprios termos, em «enumerar determinados elementos factuais não expressamente mencionados nas comunicações de acusações a que a Comissão pode fazer referência no texto dessa decisão[;] consist[indo] [esses] elementos, em parte, em factos descritos em documentos do processo da Comissão que [os] advogados já consultaram, e em parte em elementos recolhidos ao longo das investigações levadas a cabo depois de 9 de Agosto de 2002».
29 Segundo a WIN, este ofício altera o teste relativo à cobertura dos custos e, consequentemente, a acusação correspondente, de modo que deveria ter sido objecto de uma comunicação de acusações.
30 Há que salientar desde já que, exceptuando a simples menção da diferente delimitação dos diversos períodos analisados, a WIN não especificou, na petição, em que é que consistem as diferenças de método ou de resultado nem que novos elementos foram introduzidos pelo ofício relativo à descrição dos factos. Limitou‑se a remeter para a primeira comunicação de acusações, para a comunicação de acusações complementar e para o ofício relativo à descrição dos factos, que juntou. Ora, não compete ao Tribunal de Primeira Instância procurar e identificar nesses anexos os elementos que poderiam fundamentar o recurso. Embora o texto da petição possa ser desenvolvido e completado em determinados pontos específicos por remissão para determinadas passagens de documentos a ela anexos, uma remissão global para outros documentos, mesmo juntos à petição, não pode desculpar a falta de elementos essenciais nessa petição (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, ABB Asea Brown Boveri/Comissão, T‑31/99, Colect., p. II‑1881, n.° 113). Por conseguinte, não há que proceder a uma comparação pormenorizada entre as comunicações de acusações e o ofício relativo à descrição dos factos juntos à petição para procurar no ofício relativo à descrição dos factos diferenças de método ou elementos novos. Por acréscimo, há que observar, porém, que este ofício relativo à descrição dos factos não contém nenhuma acusação nem anuncia ou introduz nenhuma alteração de método para calcular a taxa de cobertura dos custos. Frequentemente em resposta a reparos da WIN, actualiza, esclarece ou corrige elementos que já constavam das comunicações de acusações. Por conseguinte, não altera as acusações feitas nestas últimas.
31 Quanto à diferente delimitação dos períodos analisados, único elemento invocado na petição para fundamentar a alegação respeitante à alteração do teste relativo à cobertura dos custos, a decisão reduziu efectivamente o período de não cobertura dos custos variáveis e aumentou o de não cobertura dos custos totais. No entanto, a acusação relativa à não cobertura dos custos estende‑se, como na comunicação de acusações, a todo o período de duração da infracção em causa. Por outro lado, o adiamento do início da infracção de Janeiro de 2001, data que constava das comunicações de acusações, para Março de 2001, na decisão, é favorável à WIN. Além disso, a Comissão não pode ser acusada de ter tido em consideração os reparos da WIN na resposta à comunicação de acusações complementar. Segundo esses reparos, a Comissão só concluía pela não cobertura dos custos variáveis entre Agosto e Outubro de 2001 devido a um erro de cálculo. Na decisão, a Comissão, assim, fixou definitivamente o período de não cobertura dos custos variáveis em Agosto de 2001.
32 Admitindo que, através deste argumento, a recorrente invoca a alteração da delimitação dos períodos em que foram analisados os custos variáveis, há que referir que, efectivamente, na decisão, o terceiro período não termina em 31 de Dezembro de 2001, indo até 15 de Fevereiro de 2002. Segundo a Comissão, esta alteração responde à preocupação de fazer coincidir a divisão em períodos adoptada com a evolução dos custos da WIN. Segundo afirma, esta alteração apenas simplifica os cálculos, não alterando as conclusões gerais a que a Comissão tinha chegado na comunicação de acusações complementar.
33 Há que observar que a WIN não contestou esta justificação nem explica de que modo este prolongamento do terceiro período lhe causa prejuízo.
34 Por outro lado, o ofício relativo à descrição dos factos convida a WIN a apresentar as suas observações sobre esses elementos de facto e dá‑lhe a possibilidade de consultar todos os documentos do processo.
35 Importa salientar que a WIN se limita a mencionar, na parte introdutória da petição, as dificuldades de consulta do processo, mas não as invoca enquanto fundamento de anulação. De resto, não alega que não obteve as peças solicitadas, mas apenas que teve que pedi‑lo repetidamente e que «só graças à sua extrema vigilância e à sua perseverança […] pôde, na medida das suas possibilidades, invocar o seu direito de consulta do processo». Há que deduzir daí que, apesar das dificuldades com que se possa ter deparado, a WIN teve acesso ao processo.
36 Consequentemente, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.° 18, a recorrente foi informada dos elementos de facto essenciais e foi‑lhe dada a oportunidade de expressar o seu ponto de vista. Já tinha tido lugar uma audiência em 18 de Março de 2002 e não se impunha a realização de outra. A WIN, de resto, não solicitou a sua realização depois do envio da comunicação de acusações complementar nem depois do envio do ofício relativo à descrição dos factos.
37 Resulta das considerações precedentes que a argumentação segundo a qual era necessária uma terceira comunicação não pode ser acolhida. Além disso, a WIN teve a possibilidade de exercer os seus direitos de defesa e não deixou de o fazer. Com efeito, por carta de 26 de Fevereiro de 2003, pediu alguns esclarecimentos à Comissão sobre vários pontos do ofício relativo à descrição dos factos. A Comissão respondeu por ofício de 28 de Fevereiro de 2003. A recorrente dirigiu então à Comissão uma resposta ao ofício relativo à descrição dos factos. Acresce que a WIN consultou efectivamente o processo em 23 e 27 de Janeiro de 2003. Por conseguinte, a WIN não demonstrou que o envio do ofício relativo à descrição dos factos constituía uma violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa.
38 Para ser exaustivo, ainda que competisse ao Tribunal de Primeira Instância proceder por si próprio a uma comparação detalhada entre o ofício relativo à descrição dos factos e as comunicações de acusações, procurando elementos susceptíveis de fundamentar o recurso, importa referir que os elementos factuais pormenorizados no ofício relativo à descrição dos factos completaram ou desenvolveram informações já contidas nas comunicações de acusações. Com efeito, a análise, no ofício relativo à descrição dos factos, do rendimento médio real e do rendimento teórico no início do ano de 2002 prolonga os cálculos efectuados na comunicação de acusações complementar, levando em conta a carta da WIN de 13 de Dezembro de 2002. Além disso, a banda passante facturada pela France Télécom no âmbito do serviço de colecta já era objecto da primeira comunicação de acusações e da comunicação de acusações complementar. O ofício relativo à descrição dos factos teve em consideração, nesta matéria, as informações prestadas pela France Télécom em 3 de Maio e 21 de Novembro de 2002. Da mesma forma, o custo da «conectividade» internacional foi abordado na primeira comunicação de acusações. O ofício relativo à descrição dos factos destina‑se a tomar em consideração as explicações fornecidas nesta matéria pela France Télécom numa carta de 13 de Novembro de 2002. Por último, já constavam da comunicação de acusações complementar uma primeira estimativa dos custos previsíveis para os novos assinantes e uma estimativa dos custos totais.
39 Por outro lado, certos elementos do ofício relativo à descrição dos factos foram claramente fornecidos a título informativo em resposta a reparos da WIN. Assim, na sequência da carta da WIN de 27 de Setembro de 2002, a Comissão, no ofício relativo à descrição dos factos, fez referência aos custos relacionados com a mudança de residência dos assinantes, salientando que não pretendia incluir esses custos nos seus cálculos. Relativamente ao efeito dinâmico das vendas, a Comissão salientou, no ofício relativo à descrição dos factos, que este elemento não permite concluir pela existência de práticas predatórias, mas pode ser usado no âmbito da discussão da proposta, formulada pela WIN na sua resposta de 23 de Outubro de 2002, de estudar separadamente cada nova geração de assinantes, independentemente das gerações anteriores ou posteriores. Os desenvolvimentos, no ofício relativo à descrição dos factos, relativos aos encargos publicitários ou promocionais da WIN destinam‑se a confirmar que estes foram tidos em consideração no cômputo dos custos variáveis na comunicação de acusações complementar, o que a WIN tinha contestado na sua resposta a esta comunicação.
40 Os únicos elementos que se pode considerar trazerem uma alteração ao nível da aplicação do método adoptado pela Comissão são, por um lado, a diferente delimitação dos períodos analisados e, por outro, o cálculo das médias ponderadas de cobertura dos custos em função dos rendimentos gerados pela carteira de assinantes dos dois serviços em causa.
41 Quanto à delimitação dos períodos analisados, há que remeter para os n.os 31 a 33 supra.
42 Relativamente ao cálculo das médias ponderadas de cobertura dos custos em função dos rendimentos gerados pela carteira de assinantes, a Comissão refere que «essa alteração impõe‑se por si só do simples ponto de vista aritmético, tendo em conta a diferença significativa entre os custos e rendimentos do serviço eXtense, por um lado, [e] os custos e rendimentos do serviço Wanadoo ADSL, por outro, que são duas vezes menores do que os do serviço eXtense». Na nota de pé de página n.° 77 da decisão, a Comissão acrescenta que «considera que não pode ficar vinculada por um erro de cálculo ocorrido numa fase anterior do processo se der à empresa a oportunidade de apresentar as suas observações sobre a rectificação do erro no âmbito dos direitos de defesa, como fez no caso concreto, através do [ofício relativo à descrição dos factos]».
43 Quanto à rectificação dos erros, há que referir que a WIN a admite perfeitamente quando a mesma lhe é favorável. Na resposta à comunicação de acusações complementar, a WIN chama a atenção da Comissão para erros que esta cometeu nos seus cálculos. No ofício relativo à descrição dos factos, a Comissão rectificou esses erros sem contestação por parte da WIN ou, quando se recusou fazê‑lo, explicou porquê. Segundo a WIN, ao invés, a Comissão não podia rectificar um erro, num ofício relativo a elementos factuais, num sentido que não lhe fosse favorável, uma vez que isso constitui uma alteração da acusação que lhe foi feita.
44 Consequentemente, há que verificar se esta rectificação representa uma alteração de método que origina uma nova acusação.
45 Ora, não se pode deixar de referir que o método continua a ser o do cálculo da taxa de cobertura dos custos variáveis e totais ajustados e que a rectificação ou a alteração do cálculo da média ponderada em nada altera a acusação da prática de preços predatórios desde o início do ano de 2001 que consta das duas comunicações de acusações. O facto de a primeira comunicação de acusações não incluir um cálculo da média não impede a Comissão de concluir pela não cobertura dos custos, uma vez que o cálculo da taxa de cobertura se faz, em primeiro lugar, por produto (eXtense ou Wanadoo ADSL).
46 Além disso, decorre da resposta da WIN ao ofício relativo à descrição dos factos que, uma vez que os novos elementos tidos em consideração pela Comissão no ofício relativo à descrição dos factos resultavam numa taxa de cobertura dos custos variáveis ajustados superior a 100% a partir de 1 de Agosto de 2001, a Comissão alterou o seu método de cálculo para diminuir essa taxa e manter a sua acusação de não cobertura dos custos variáveis relativamente ao período compreendido entre 1 de Agosto e 15 de Outubro de 2001. No entanto, esse objectivo não parece compatível com o facto de, na decisão, a Comissão ter fixado definitivamente o período de não cobertura dos custos variáveis ajustados em 31 de Julho de 2001. Este argumento não pode, por conseguinte, ser acolhido. Assim, a WIN não demonstrou que o ofício relativo à descrição dos factos tenha procedido à alteração do método.
47 A WIN também alegou que a decisão fixa uma duração da infracção superior à mencionada na comunicação de acusações, não tendo as partes tido oportunidade de se pronunciar nesta matéria.
48 Há que mencionar, em primeiro lugar, que a WIN não contestou a data de início da infracção nem o facto de a Comissão, entre a comunicação de acusações e a decisão, a ter passado de Janeiro para Março de 2001.
49 Quanto ao prolongamento da duração da infracção do mês de Julho para 15 de Outubro de 2002, não se pode deixar de observar que, embora ambas as comunicações de acusações fixassem o início da infracção no mês de Janeiro de 2001, nenhuma referia que a infracção tinha terminado. Bem pelo contrário, ambas anunciavam que a Comissão pretendia adoptar uma decisão para convidar a WIN a «pôr termo à infracção». Semelhante formulação indicava inequivocamente que, segundo a Comissão, a infracção em causa ainda não tinha terminado. É certo que a primeira comunicação de acusações fazia referência a factos que abrangiam um período de doze meses e a comunicação de acusações complementar um período de dezoito meses. Esta limitação no tempo dos elementos de prova, e não da duração da infracção, a um período decorrido não põe em causa a conclusão expressa dos dois documentos. A título exemplificativo, a comunicação de acusações complementar refere:
«No termo da sua análise, a Comissão considera nesta fase que a política de preços predatórios levada a cabo pela [WIN] desde o início do ano de 2001 constitui um abuso de posição dominante […] Pelas razões acima expostas, a Comissão pretende adoptar uma decisão que ordene à [… WIN] que ponha termo à infracção […]»
50 Daqui decorre claramente que cada uma das comunicações de acusações mencionava a duração fixada pela Comissão com base nas informações de que dispunha no momento da sua elaboração (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 15), não tendo a infracção terminado. De resto, a WIN não referiu ter tomado medidas específicas para pôr termo à alegada infracção. Só na decisão é que a Comissão declarou que «o abuso cessou em 15 de Outubro de 2002, data em que entrou em vigor a medida proposta pela France Télécom para regularizar a situação em Março de 2002».
51 A frase do ofício relativo à descrição dos factos segundo a qual «esses elementos de facto não resultam de modo algum num prolongamento do período referido nas comunicações de acusações» deve ser interpretada à luz das considerações precedentes. O facto de o ofício relativo à descrição dos factos fazer referência aos «custos totais ajustados em 2002» (v. p. 6) e de vários dados dizerem apenas respeito aos nove primeiros meses, ou eventualmente aos doze meses do ano de 2002 (v., nomeadamente, os anexos 15.1 e 15.2, 20, 21 e 22) inscreve‑se na perspectiva da continuação da infracção. Aliás, resulta da resposta da WIN ao ofício relativo à descrição dos factos que ela estava em condições de compreender que a infracção prosseguia. Vários dos elementos mencionados na resposta referem‑se efectivamente aos nove primeiros meses, ou eventualmente aos doze meses do ano de 2002. Com efeito, a WIN apresentou uma tabela intitulada «Publicidade/Crescimento do parque ADSL» relativa a um período que vai até Dezembro de 2002 e, sob o mesmo título, um gráfico que abrange o período compreendido entre Janeiro de 2001 e Setembro de 2002. Além disso, ainda nesta resposta, a WIN pronunciou‑se sobre as taxas de cobertura dos custos variáveis até 30 de Setembro de 2002. Por último, nesta mesma resposta, a WIN contestou o rendimento de 37,03 euros por assinatura que a Comissão contabilizou para o período de 15 de Fevereiro a Setembro de 2002. Por conseguinte, a WIN não pode invocar a violação dos direitos de defesa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 576).
52 Consequentemente, há que afastar o argumento da recorrente relativo ao prolongamento da duração da infracção.
53 Uma vez que não foi demonstrada nenhuma violação dos direitos de defesa, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.
B – Quanto ao fundamento relativo à falta de fundamentação
1. Argumentos das partes
54 No âmbito da sua alegação relativa à violação de formalidades essenciais, a WIN também alega que a Comissão põe em causa, sem qualquer fundamentação, o direito reconhecido a qualquer empresa de acompanhar de boa fé os preços praticados pelos seus concorrentes. Este direito está consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e na prática decisória anterior da Comissão. A WIN acrescenta que, quando uma decisão vai sensivelmente mais longe do que as decisões precedentes, compete à Comissão desenvolver o seu raciocínio de modo expresso.
55 A Comissão considera, quanto a ela, que basta fazer referência aos considerandos 314 a 331 da decisão para verificar que o fundamento relativo à falta de fundamentação nesta matéria é manifestamente improcedente.
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
56 Não se pode deixar de referir que a decisão consagra 18 considerandos (314 a 331) ao argumento do acompanhamento dos preços praticados pelos concorrentes. A Comissão analisa, em primeiro lugar, o acompanhamento no plano dos princípios, depois, a posição efectivamente ocupada no mercado pelos concorrentes em causa e termina mencionando elementos de facto que, em seu entender, desmentem a tese da WIN.
57 Assim, a Comissão cumpriu o seu dever de fundamentação na matéria. De acordo com a jurisprudência referida pela WIN, a Comissão fundamentou a sua decisão mencionando os elementos de facto de que depende a justificação legal da medida e as considerações que a levaram a tomar a sua decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975, Fabricants de papiers peints/Comissão, 73/74, Colect., p. 503, n.° 30).
58 De qualquer forma, mesmo que fosse de admitir que a Comissão tinha a obrigação, no caso em apreço, de desenvolver o seu raciocínio de forma mais explícita, ela não deixou de a cumprir.
59 Com efeito, ao contrário do que a WIN alegou, a Comissão não se limitou a uma fundamentação sumária, afirmando pura e simplesmente que um operador dominante não pode acompanhar os preços dos seus concorrentes se os seus preços forem inferiores aos seus custos. Antes especifica a sua posição no considerando 315 da decisão, acompanhando‑o, em nota de pé de página, de várias referências jurisprudenciais. Este considerando tem a seguinte redacção:
«Em primeiro lugar, no plano dos princípios, é verdade que novas empresas que entrem no mercado ou empresas que não tenham uma posição dominante têm o direito de praticar preços promocionais por espaços limitados de tempo. O seu único objectivo consiste em chamar a atenção do consumidor sobre a própria existência do produto de modo mais persuasivo do que através de uma simples mensagem publicitária, e essas ofertas não têm efeitos negativos no mercado. Ao invés, o facto de o operador dominante acompanhar os preços promocionais do operador não dominante não se justifica. Embora seja verdade que não é absolutamente vedado ao operador dominante acompanhar os preços dos concorrentes, não é menos verdade que essa faculdade lhe deve ser negada quando implique que a empresa dominante não cubra os custos do serviço em causa. Apesar de o facto de uma empresa ter uma posição dominante não a poder privar do direito de preservar os seus próprios interesses comerciais quando estes estão ameaçados, esses comportamentos não podem ser admitidos quando se destinam precisamente a reforçar essa posição dominante e a abusar dela. Assim, cabe à empresa dominante uma responsabilidade particular de não prejudicar com o seu comportamento uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum.»
60 O fundamento relativo à falta de fundamentação também não deve, portanto, ser acolhido, de modo que há que julgar improcedentes todos os fundamentos relativos à forma.
C – Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da pessoalidade das penas
1. Argumentos das partes
61 Segundo a WIN, a Comissão violou manifestamente o princípio da pessoalidade das penas ao acusá‑la de factos que imputa ao grupo France Télécom e sobre os quais nem a WIN nem a France Télécom tiveram a possibilidade de apresentar observações. A Comissão confunde as práticas imputadas à WIN com as da France Télécom. Descreve‑as como a implementação de uma acção concertada ou de uma estratégia única definida pelo grupo France Télécom. Ora, o processo só diz respeito à WIN. Consequentemente, está em causa uma «grave anomalia processual».
62 Para sustentar a sua tese, a WIN cita, na sua petição, várias passagens da decisão e da comunicação de acusações complementar.
63 A WIN alega assim que a Comissão denunciou, no considerando 145 da decisão, os meios a que recorreram a WIN e o seu accionista principal para reprimir o desenvolvimento dos concorrentes e desviar em proveito próprio o crescimento do mercado da Internet de alta velocidade. A WIN cita igualmente o considerando 285 da decisão, que menciona «um plano conjunto», e salienta que a «estratégia da filial não é totalmente dissociável dos objectivos da sociedade‑mãe», bem como o considerando 286, em que a Comissão considera «interessante fazer referência ao comportamento da France Télécom no mercado grossista».
64 Do mesmo modo, segundo a WIN, na comunicação de acusações complementar, a Comissão alegava que uma parte dos factos era «imputável à France Télécom», afirmando todavia que «a intensidade das relações entre a [WIN] e a France Télécom [era] de tal ordem […] que [era] impossível considerar que as estratégias das duas entidades não [tinham estado] estreitamente ligadas». A Comissão afirmou, assim, que a política tarifária da WIN resultava de uma «acção concertada» entre esta e a France Télécom.
65 A Comissão responde que basta atentar ao dispositivo da decisão para verificar que a única empresa em causa é efectivamente a WIN. A decisão não foi dirigida à France Télécom, uma vez que não lhe foi imputado nenhum abuso de posição dominante. A Comissão admite, em contrapartida, que a decisão contém referências frequentes à France Télécom devido à sua posição central como operador da rede telefónica e à sua qualidade de accionista maioritário da WIN. Estes elementos são pertinentes para compreender o contexto do mercado durante o período de infracção.
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
66 Há que recordar que, por força do princípio da individualidade das penas e das sanções, uma empresa só pode ser punida por factos que lhe sejam individualmente imputados, princípio que é aplicável a qualquer processo administrativo susceptível de levar à aplicação de sanções por força das regras comunitárias da concorrência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.° 63).
67 Não se pode deixar de referir que não resulta da decisão que a Comissão acuse a WIN de infracções que tenham sido cometidas pela France Télécom e que lhe tenham sido imputadas. Com efeito, as passagens da decisão de que a WIN pretende extrair uma condenação do comportamento da France Télécom encontram‑se todas em duas subdivisões da decisão [parte I, G, n.° 4, e parte II, D, n.° 3, alínea c)] que estão relacionadas com elementos do contexto da infracção e que se destinam claramente a descrever o quadro em que se inscreve o comportamento imputado à WIN.
68 As referências à France Télécom justificam‑se, assim, pela necessidade de descrever o contexto do mercado em causa. Com efeito, a France Télécom ocupava uma posição particular no mercado em causa na sua qualidade de operador telefónico incontornável para a maior parte dos fornecedores de acesso à Internet. A France Télécom é o operador histórico das telecomunicações em França. Explora as redes de longa distância no território francês utilizadas para veicular o tráfego Internet. É proprietária da rede de acesso local de telecomunicações ligando à sua rede todos os assinantes de telefone. Ora, à época, a utilização da rede de acesso local da France Télécom era indispensável ao fornecimento de um serviço ADSL (considerando 231 da decisão). A France Télécom facturava os seus serviços aos seus clientes, de que a WIN faz parte (considerandos 42 a 59 da decisão). A descida das tarifas da France Télécom tinha impacto, por conseguinte, nos custos da WIN. Esta posição central da France Télécom e a sua qualidade de accionista maioritário da WIN levaram‑na, de resto, a participar no processo administrativo.
69 Por outro lado, a Comissão teve o cuidado de esclarecer que esses elementos contextuais, «apesar de serem apenas parcialmente imputáveis à [WIN] e de não constituírem acusações contra ela», têm importância para a compreensão do processo (considerando 145 da decisão), ou ainda que, «[p]ara melhor apreciar o alcance da política da [WIN] e o seu envolvimento num plano conjunto, é útil perspectivar a actuação da filial na problemática do grupo France Télécom» (considerando 285 da decisão), acrescentando que os elementos descritos nos considerandos 286 a 290 «não são acusações contra a [WIN]», mas que «a estratégia da filial não é totalmente dissociável dos objectivos da sociedade‑mãe».
70 Por conseguinte, resulta da decisão, no qual a Comissão teve sempre o cuidado de esclarecer que os elementos do contexto não eram acusações contra a recorrente, que a Comissão não imputou à WIN comportamentos postos em prática pela France Télécom.
71 Assim, o fundamento relativo à violação do princípio da pessoalidade das penas deve ser julgado improcedente.
D – Quanto à violação do artigo 82.° CE
72 Segundo a WIN, a Comissão violou o artigo 82.° CE de várias formas. Quanto à posição dominante, a Comissão adoptou uma definição inexacta do mercado e considerou erradamente que a WIN tinha uma posição dominante nesse mercado. No que diz respeito ao abuso de posição dominante, a Comissão usou um teste de cobertura dos custos contrário ao artigo 82.° CE, tanto quanto aos custos tidos em conta como quanto ao método aplicado; além disso, cometeu erros grosseiros de cálculo. No âmbito do teste de práticas predatórias, a Comissão negou à WIN o direito fundamental de acompanhar os seus concorrentes. Além disso, cometeu um erro de direito acrescido de um erro manifesto de apreciação ao concluir pela existência de uma estratégia de práticas predatórias e ao sustentar que a demonstração da recuperação dos prejuízos não era necessária.
1. Quanto à posição dominante
a) Quanto à errada definição do mercado
Argumentos das partes
73 Segundo a WIN, a distinção operada pela Comissão entre o acesso à Internet de baixa velocidade e o acesso à Internet de alta velocidade por particulares assenta numa análise gravemente lacunar e contraditória. Em sua opinião, só existe um mercado de acesso à Internet, que se caracteriza por uma continuidade entre o acesso de baixa velocidade e o de alta velocidade. Isto é corroborado pelo aparecimento da oferta de ADSL de média velocidade.
74 A Comissão reconhece a existência de utilizações comuns e de um certo grau de substituibilidade entre o acesso à Internet de alta velocidade e o acesso à Internet de baixa velocidade, mas recusa extrair daí as conclusões que se impõem.
75 Além disso, há uma verdadeira concorrência entre a alta velocidade e a baixa velocidade, que tem origem no carácter ilimitado das ofertas dos dois tipos de acesso à Internet, mostrando‑se os utilizadores relativamente indiferentes às suas características.
76 Por último, de acordo com a prática decisória constante da Comissão, uma simples diferença no grau de conforto ou de qualidade é insuficiente para distinguir diferentes mercados relevantes quando a respectiva utilização for equiparável. Ora, resulta de uma sondagem efectuada pela WIN que, em 80% dos casos, os assinantes utilizam o mesmo tipo de aplicações e de funcionalidades.
77 A Comissão, por sua vez, remete para os desenvolvimentos que dedicou, na decisão (considerandos 169 a 204), à distinção entre alta e baixa velocidade. Afirma que realçou, na decisão, as diferenças relativas à utilização, às especificidades técnicas e ao desempenho, bem como as diferenças de preço de serviços e de rendimento por assinante que obrigam à distinção entre os dois mercados. Quanto ao grau de substituibilidade, a Comissão alega que a única substituição verificada é completamente assimétrica, uma vez que apenas opera num sentido, concretamente, da baixa para a alta velocidade. A Comissão considera, por outro lado, que a distinção entre alta velocidade e baixa velocidade é hoje universalmente reconhecida.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
78 Deve recordar‑se que, de acordo com jurisprudência assente (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 37; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colect., p. II‑1885, n.° 62, e de 17 de Dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T‑219/99, Colect., p. II‑5917, n.° 91), para efeitos do exame da eventual posição dominante de uma empresa em determinado mercado sectorial, as possibilidades de concorrência devem ser apreciadas no âmbito do mercado que agrupa o conjunto dos produtos ou serviços que, em função das suas características, são particularmente aptos à satisfação das necessidades constantes e pouco substituíveis por outros produtos ou serviços. Além disso, dado que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva e de se comportar, em medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes e, no caso em apreço, dos seus prestadores de serviços, não se pode, para este efeito, limitar o exame unicamente às características objectivas dos serviços em questão, devendo as condições da concorrência e a estrutura da oferta e da procura no mercado ser, igualmente, tomadas em consideração.
79 Quando um produto pode ser utilizado para diversos fins e quando essas diferentes utilizações correspondem a necessidades económicas também elas diferentes, há que reconhecer que esse produto pode pertencer, consoante o caso, a mercados distintos que tenham eventualmente características diferentes, tanto do ponto de vista da respectiva estrutura como das condições de concorrência. No entanto, esta asserção não justifica a conclusão de que esse produto faz parte de um único e mesmo mercado que todos os outros que, nas diferentes utilizações que lhes podem ser dadas, podem ser substituídos e com os quais entra, consoante os casos, em concorrência.
80 O conceito de mercado relevante (relevant market) implica, com efeito, que possa haver uma concorrência efectiva entre os produtos que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para efeitos da mesma utilização entre todos os produtos que façam parte de um mesmo mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 28).
81 Resulta igualmente do n.° 7, da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5) que «[u]m mercado de produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços considerad[o]s permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida».
82 Não se pode deixar de observar que não é uma mera diferença de conforto ou de qualidade que existe entre a alta e a baixa velocidade. Resulta dos elementos fornecidos pela Comissão (considerando 175 da decisão), não contestados pela WIN, que determinadas aplicações disponíveis em alta velocidade são inutilizáveis em baixa velocidade, por exemplo, o download de ficheiros muito volumosos e os jogos interactivos em rede. A WIN, aliás, na sua resposta de 4 de Março de 2002 à comunicação de acusações, confirmou que existiam «actividades audiovisuais/multimédia mais específicas do ADSL». Além disso, o estudo realizado pelo Centre de recherche pour l’étude e l’observation des conditions de vie (Centro de Investigação para o Estudo e a Observação das Condições de Vida) (Crédoc) solicitado pela WIN e por si junto à petição também menciona novas utilizações desenvolvidas na Internet pelo serviço eXtense que são específicas da alta velocidade, concretamente, jogar em rede, ouvir rádio online, ver vídeos online e fazer compras online. Por outro lado, de acordo com esse mesmo estudo, o assinante de um acesso de alta velocidade está ligado à Internet muito mais frequentemente e, em média, durante muito mais tempo do que o utilizador de um acesso de baixa velocidade.
83 No que diz respeito às diferenças relativas às especificidades técnicas e de desempenho, resulta das afirmações da Comissão (considerandos 181 a 187 da decisão), que não foram desmentidas pela recorrente, que uma particularidade técnica importante do acesso à Internet de alta velocidade reside na especificidade dos modems utilizados. Um modem de acesso à Internet de alta velocidade não pode ser utilizado para o acesso de baixa velocidade e vice‑versa (considerando 181 da decisão). Por outro lado, no caso da alta velocidade, a ligação é permanente e a linha telefónica está livre.
84 Além disso, no caso do mercado francês, importa observar que, no período analisado, as ofertas de alta velocidade previam débitos em sentido descendente da ordem dos 512 kbits/s (considerando 185 da decisão). As ofertas de baixa velocidade tradicional (limitada a 56 kbits/s) e as ofertas RNIS (réseau numérique à intégration de services) ou ISDN (Integrated Services Digital Network) (64 kbits/s ou 128 kbits/s) (RDIS – rede digital de integração de serviços) apenas permitiam débitos quatro a dez vezes inferiores. As ofertas ADSL a 128 kbits/s em sentido descendente, que corroboram, segundo a recorrente, a continuidade entre a baixa e a alta velocidade, só apareceram no temo do período objecto da decisão. Além disso, mesmo no caso de uma oferta de 128 kbits/s, a diferença entre a baixa e a alta velocidade é substancial. Por conseguinte, a diferença de desempenho era significativa durante o período em causa.
85 A estas diferenças de utilizações, de especificidades e de desempenho acresce uma diferença de preço significativa entre a baixa e a alta velocidade (considerandos 188 a 192 da decisão).
86 Relativamente ao grau de substituibilidade, há que recordar, para além da jurisprudência acima referida no n.° 78, os elementos de apreciação enunciados pela Comissão na sua comunicação relativa à definição do mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (v. n.° 81 supra).
87 De acordo com esta comunicação, a apreciação da substituição do lado da procura implica a determinação da gama de produtos considerados substituíveis pelo consumidor. Esta determinação pode ser feita, nomeadamente, através de um exercício em que se formula uma hipótese de uma pequena variação duradoura dos preços relativos e em que se avaliam as reacções prováveis dos clientes a esse aumento. No ponto 17 desta comunicação, a Comissão esclarece que «[a] questão que se coloca é a de saber se os clientes das partes transfeririam rapidamente a sua procura para os produtos de substituição disponíveis […] em resposta a um pequeno aumento hipotético (em torno dos 5% a 10%) dos preços relativos, dos produtos e áreas em análise».
88 É certo que, no considerando 193 da decisão, a Comissão reconhece que a baixa velocidade e a alta velocidade têm um certo grau de substituibilidade. Acrescenta, no entanto, no considerando 194, que essa substituibilidade funciona de modo profundamente assimétrico, sendo as migrações de clientes da alta velocidade para a baixa velocidade ínfimas em relação às migrações no sentido oposto. Ora, segundo a Comissão, se os produtos fossem totalmente substituíveis do ponto de vista da procura, as taxas de migração deveriam ser, se não iguais, pelo menos de uma ordem de grandeza comparável.
89 A este respeito, não se pode deixar de referir, em primeiro lugar, que resulta dos dados recolhidos junto da WIN e reproduzidos na tabela 7 da decisão que as taxas de migração dos assinantes da alta velocidade para as ofertas integrais de baixa velocidade eram muito baixas na época em causa, apesar da diferença de preços entre esses serviços, que deveria ter incentivado numerosos internautas a optar pela baixa velocidade. Esta forte desproporção das taxas de migração entre a alta e a baixa velocidade não torna credível a tese da permutabilidade desses serviços aos olhos dos consumidores. Além disso, a WIN, na petição, não invocou nenhum elemento concreto que pusesse em causa esta análise.
90 Em segundo lugar, verifica‑se que uma sondagem efectuada a pedido da Comissão e anexada à petição pela WIN demonstra que, em caso de aumento do preço da alta velocidade na ordem de 5% a 10%, 80% dos assinantes da alta velocidade não alterariam a sua assinatura. Ora, nos termos do ponto 17 da comunicação relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (v. n.° 87 supra), essa elevada percentagem de assinantes que não abandonariam a alta velocidade em caso de aumento do preço de 5% a 10% é um forte indício da não substituibilidade do lado da procura.
91 Em consequência, com base nos elementos precedentes, há que considerar que a Comissão concluiu correctamente que o grau de substituibilidade entre a alta e a baixa velocidade não era suficiente e definiu correctamente o mercado em causa como o do acesso à Internet de alta velocidade para particulares.
b) Quanto à análise lacunar da posição dominante
Argumentos das partes
92 Segundo a WIN, a Comissão considerou erradamente que a sua posição era dominante. Com efeito, a análise da Comissão tem graves lacunas.
93 O poder de mercado de modo algum pode ser apreciado em relação às quotas de mercado detidas num mercado emergente. Num mercado desta índole, deve ser adoptada uma perspectiva dinâmica, devendo ser apreciada não só a concorrência efectiva mas também a concorrência potencial. Ora, segundo a WIN, o número de potenciais assinantes é muito importante, atendendo ao subequipamento dos agregados familiares franceses. A WIN considera que demonstrou a existência de novos actores nesse mercado e a multiplicação das ofertas, que se fez acompanhar de uma diminuição dos preços.
94 Estes elementos são testemunho do vigor da concorrência num mercado sem barreiras em que a WIN não pode, consequentemente, ter uma posição dominante.
95 A WIN acusa a Comissão de não ter tido em conta esse facto e de se ter limitado a analisar a sua quota de mercado no segmento da alta velocidade entre 31 de Dezembro de 2000 e 31 de Agosto de 2002. Ora, a sua queda em mais de dez pontos percentuais no mercado entre Agosto de 2002 e Março de 2003 confirma o carácter concorrencial e evolutivo do mercado.
96 Por outro lado, ainda segundo a WIN, o facto de pertencer a um grupo com grandes meios financeiros e uma ampla rede de distribuição não pode ser apreciado sem levar em consideração a situação dos concorrentes. Ora, a Comissão não procedeu a nenhum exame aprofundado da situação das sociedades AOL, T‑Online/Club‑Internet e Tiscali, que são «apoiadas» por grandes grupos que têm um poder financeiro excepcional e beneficiam também de uma ampla rede de distribuição.
97 Por último, a WIN sustenta que não se pode considerar que a concentração das suas actividades de edição de listas telefónicas e de acesso à Internet lhe conferem um poder financeiro susceptível de a colocar numa posição dominante no mercado francês de acesso à Internet de alta velocidade. Com efeito, por um lado, outros concorrentes, como a T‑Online, também têm esta possibilidade e, por outro, o grupo Wanadoo poderia perfeitamente satisfazer as necessidades da sua actividade de FAI sem recorrer aos resultados líquidos gerados pela edição das páginas amarelas da lista telefónica.
98 A Comissão contesta o carácter emergente do mercado em causa no período considerado. Alega que a quota de mercado da WIN cresceu de modo sustentado nesse período. Considera que a WIN de modo algum pôs em causa a análise feita na decisão sobre sinergias e vantagens que resultaram para a WIN do «apoio» técnico, logístico e comercial do grupo France Télécom.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
99 A título preliminar, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, uma posição dominante é uma posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite afastar a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa e lhe possibilita comportar‑se, em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (acórdão Michelin/Comissão, já referido no n.° 78 supra, n.° 30, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., p. II‑4653, n.° 154). Há desde já que observar que a Comissão não tem que demonstrar que os concorrentes de uma empresa serão excluídos do mercado, ainda que provisoriamente, para concluir pela existência de uma posição dominante.
100 Por outro lado, embora o significado das quotas de mercado possa diferir de um mercado para outro, quotas de mercado particularmente elevadas podem, por si só, salvo circunstâncias excepcionais, constituir a prova da existência de uma posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido no n.° 80 supra, n.° 41, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1999, Endemol/Comissão, T‑221/95, Colect., p. II‑1299, n.° 134). O Tribunal de Justiça decidiu, no seu acórdão de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão (C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 60), que era o caso de uma quota de mercado de 50%.
101 A existência de uma concorrência, mesmo viva, num determinado mercado, não exclui a existência de uma posição dominante nesse mesmo mercado, caracterizando‑se a referida posição fundamentalmente pela capacidade de a sociedade não ter de tomar em consideração esta concorrência na sua estratégia de mercado sem, no entanto, sofrer os efeitos prejudiciais desta atitude (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido no n.° 80 supra, n.° 70; v. também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.os 108 a 129). Assim, sendo certo que a eventual existência de concorrência no mercado é uma circunstância relevante, nomeadamente, para efeitos de verificar a existência de uma posição dominante, essa eventualidade não é por si só uma circunstância determinante a este propósito.
102 Há que verificar, de acordo com esses critérios se, como afirma a Comissão, a WIN tem uma posição dominante no mercado em causa.
103 Relativamente às quotas de mercado, não se pode deixar de referir que, de acordo com a tabela 8 da decisão, a quota que a WIN detém no mercado da alta velocidade atingiu 50% em 31 de Março de 2001, foi até 72% em 31 de Março de 2002 e manteve‑se estável nesse nível até Agosto de 2002. Resulta das respostas das partes às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância que, em seguida, esta quota baixou, em Outubro de 2002, para 63,6%, segundo a WIN, e para um número que a Comissão situa entre 63,4% e 71%, consoante as fontes. Por conseguinte, a WIN, durante todo o período em causa, teve uma quota de mercado particularmente elevada que, salvo circunstâncias excepcionais, faz prova da existência de uma posição dominante na acepção da jurisprudência já referida.
104 Relativamente à descida verificada entre os meses de Agosto e de Outubro de 2002, a redução de quotas de mercado ainda muito elevadas não pode constituir, por si só, prova da ausência de posição dominante (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, T‑24/93 a T‑26/93 e T‑28/93, Colect., p. II‑1201, n.° 77). Mesmo partindo do número avançado pela WIN, a quota de mercado desta última ainda era efectivamente substancial no termo do período de infracção.
105 Todavia, a WIN alega que as quotas de mercado são um indício pouco fiável no contexto de um mercado emergente caracterizado por uma clientela ainda limitada.
106 O Tribunal de Primeira Instância considera que, segundo as informações relativas à situação do mercado expostas no considerando 218 da decisão e não contestadas pela WIN, o mercado em causa tinha certamente ultrapassado, em Março de 2001, data, segundo a Comissão, do início da infracção, a fase do lançamento ou da experimentação. Com efeito, o mercado da alta velocidade desenvolveu‑se, em França, a partir de 1997. Os serviços ADSL da WIN e as primeiras ofertas dos seus concorrentes foram lançados no circuito comercial a partir do fim do ano de 1999. No final do mês de Junho de 2000, o mercado de acesso à Internet de alta velocidade para particulares contava já cerca de 100 000 assinantes e, no fim do ano de 2000, ultrapassava 180 000 assinantes em França. No primeiro trimestre de 2001, o mercado progrediu em mais de 5 000 novos assinantes por semana. Ao fixar o início da infracção apenas em Março de 2001, como refere o considerando 71 da decisão, porque considerou que o mercado, até aí, «não tinha [...] atingido uma fase de desenvolvimento suficiente para que um ‘teste de práticas predatórias’ desse resultados significativos», a Comissão excluiu devidamente da sua análise a fase de arranque.
107 É certo que se tratava de um mercado em forte crescimento, mas este elemento não pode excluir a aplicação das regras de concorrência, nomeadamente as do artigo 82.° CE.
108 Esse mercado em forte crescimento não se caracterizou por uma grande instabilidade no período em causa. Pelo contrário, verifica‑se que se instalou uma hierarquia bastante estável, com a WIN em posição de líder.
109 A este respeito, há que mencionar que, nos considerandos 213 a 215 da decisão, a Comissão completa a sua análise da posição dominante da WIN com o exame comparativo das quotas de mercado detidas, no período em causa, pela WIN e pelos seus concorrentes. Segundo esta análise, não contestada pela recorrente, verifica‑se que a WIN teve sempre um número de assinantes ADSL mais de oito vezes superior ao dos assinantes do primeiro dos seus concorrentes. Ora, de acordo com a jurisprudência, a relação entre as quotas de mercado detidas pela empresa em causa e pelos seus concorrentes constitui um indício válido da existência de uma posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido no n.° 80 supra, n.° 48).
110 No entanto, a WIN alega que, em tal mercado, deve ser adoptada uma perspectiva dinâmica, devendo ser apreciada não só a concorrência actual mas também a concorrência potencial.
111 A este propósito, basta observar que, de acordo com as suas próprias análises prospectivas, que datam do mês de Março de 2001, a WIN conservaria uma quota de 55% do total do mercado no final de 2004. Em Junho de 2001, a própria WIN reavaliou essas previsões de penetração do mercado. Pensava então deter mais de três quartos do segmento de ADSL no fim de 2004 e pelo menos 60% do mercado da alta velocidade para particulares (considerando 220 e nota de pé de página n.° 255 da decisão). Tais elementos indicam que a própria WIN considerava a concorrência potencial limitada. Por conseguinte, a situação do mercado em causa não justifica que as quotas de mercado sejam consideradas um indício pouco fiável.
112 Por outro lado, no âmbito do seu exame da posição da WIN no mercado, a Comissão também teve em conta, nos considerandos 223 a 246 da decisão, o facto de a WIN ter beneficiado, através do «apoio» do grupo France Télécom, de vantagens deveras apreciáveis, que contribuíram para a sua posição dominante.
113 A este respeito, há que referir que, contrariamente ao que pretende a WIN, a Comissão examinou, de facto, na decisão, nos considerandos 226 a 228, a situação dos concorrentes referidos pela WIN, concretamente, a AOL, a T‑Online e a Tiscali. Concluiu, no considerando 228, que, independentemente da predisposição dos grupos em causa para apoiar os investimentos e as iniciativas comerciais das suas filiais francesas, nenhum deles podia pretender que estas beneficiassem de um «apoio» técnico, de um «apoio» logístico e de um «apoio» em termos de rede comercial em França tão determinantes como as que a France Télécom oferecia à WIN.
114 Em primeiro lugar, quanto à ampla rede de distribuição de que também dispuseram, segundo a WIN, os grupos concorrentes, há que salientar que, no território francês, único visado pela decisão, nem de longe essa rede se aproximava da importância da France Télécom, operador histórico das telecomunicações em França.
115 Entre as vantagens comerciais de que a WIN beneficiou, o que, de resto, esta não contesta, há que mencionar sobretudo a rede de agências da France Télécom, que asseguraram a distribuição dos produtos da WIN em todo o território francês.
116 Em segundo lugar, a WIN também não contestou as vantagens técnicas que, segundo a Comissão, resultam do «apoio» da France Télécom. A Comissão alegou, sem impugnação da WIN, que esta última beneficiou de um tratamento preferencial durante todo o ano de 2000 e os sete primeiros meses do ano de 2001, que se traduziu numa oferta por medida muito menos restritiva do que a proposta ao seus concorrentes e por um acesso em tempo real aos ficheiros das linhas comutadas.
117 Estas vantagens foram, aliás, salientadas pelo Conseil de la concurrence (Conselho da concorrência francês) na sua decisão 02‑MC‑03 de 27 de Fevereiro de 2002, relativa à consulta e ao pedido de medidas cautelares, apresentada pela sociedade T‑Online, anexada à contestação. O Conseil de la concurrence ordenou à France Télécom que colocasse à disposição de todos os FAI um servidor Extranet que permitisse aceder às mesmas informações que as de que dispunha a WIN e solicitar aos serviços especializados da France Télécom a operação material da ligação ADSL nas mesmas condições de eficácia que as facultadas à WIN. Enquanto aguardava a implementação desse sistema, o Conseil de la concurrence ordenou à France Télécom que suspendesse a comercialização dos serviços ADSL da WIN nas suas agências comerciais. Como é salientado no considerando 146 da decisão, a decisão do Conseil de la concurrence foi confirmada pela cour d’appel de Paris (França) no acórdão de 9 de Abril de 2002.
118 Consequentemente, não se pode deixar de concluir que a Comissão considerou correctamente que o «apoio» à WIN pela France Télécom deu à primeira vantagens sobre os seus concorrentes susceptíveis de contribuir para a sua posição dominante.
119 O último elemento realçado pela Comissão na análise da posição da WIN no mercado em causa é a vantagem decorrente, para o grupo Wanadoo, da sua presença no mercado das listas telefónicas. Alega que as actividades muito lucrativas nesse mercado são susceptíveis de atenuar consideravelmente as consequências para o grupo da venda com prejuízo praticada pela WIN no mercado de acesso à Internet de alta velocidade.
120 A este respeito, há que mencionar que esta apreciação da Comissão se refere a um mercado diferente do fornecimento de Internet de alta velocidade. A esse título, como alega a WIN, a presença do grupo Wanadoo no mercado das listas telefónicas não é um elemento que venha corroborar decisivamente a posição dominante da WIN no mercado em causa.
121 Assim sendo, em face do exposto, há que concluir que a Comissão considerou correctamente que a WIN detinha uma posição dominante no mercado em causa no período analisado.
2. Quanto ao abuso de posição dominante
a) Quanto às acusações relativas ao teste de cobertura dos custos
122 A este respeito, o litígio tem por objecto o método de cálculo da taxa de cobertura dos custos e os erros de cálculo cometidos pela Comissão na sua aplicação.
Quanto ao erro de método de cálculo da taxa de cobertura dos custos
– Argumentos das partes
123 Segundo a WIN, a Comissão cometeu um erro de direito ao usar um teste de cobertura dos custos estático que de modo algum reflecte a realidade económica da rentabilidade dos assinantes da WIN. Com efeito, no caso das assinaturas, uma parte dos custos e a totalidade dos rendimentos são escalonados no tempo durante um longo período e os custos variam ao longo do tempo. Ora, o método da Comissão equivale a adicionar os custos de aquisição a 48 vezes o montante dos custos recorrentes mensais, tais como existiam à data da subscrição da assinatura, e a comparar essa soma a 48 vezes os rendimentos recorrentes mensais, tais como existiam na mesma data, sem considerar a adaptação dos custos recorrentes mensais no tempo.
124 Quanto aos custos a ter em conta, a WIN alega que, para determinar se os custos são efectivamente cobertos, a Comissão deve examinar toda a informação de que dispõe na data da decisão, quando reconhece esta informação como válida. Ora, todas as descidas de custos verificadas e reconhecidas, entre a subscrição de uma assinatura e o mês de Outubro de 2002, foram ignoradas pela Comissão ou, mais precisamente, a descida dos custos foi tida em conta pela Comissão em relação a todos quantos subscreveram o serviço depois desta data, mas não para actualizar os custos recorrentes dos que se tornaram assinantes antes. Tomando como exemplo um cliente que se tenha tornado assinante dos seus serviços em 1 de Junho de 2001, a WIN alega que a Comissão lhe atribui um custo inicial recorrente de 54,39 euros por mês até ao fim do mês de Maio de 2005 (ou seja, durante 48 meses), quando esse custo deixou de corresponder ao custo real desde Agosto de 2001, uma vez que, segundo o anexo 3 da decisão, a partir desta data, esse custo passou a ser apenas de 34,72 euros por mês.
125 A WIN apresentou à Comissão resultados baseados no método dos cash‑flows actualizados para calcular o valor actualizado líquido (a seguir «VAN») dos assinantes. Este método consiste em listar, para cada assinante, todos os custos e receitas por si gerados, actualizá‑los aplicando‑lhes uma taxa de actualização dada pelos mercados financeiros e adicionar os cash‑flows actualizados obtidos desse modo. O custo do produto é constituído pelo custo de aquisição inicialmente pago a que acrescem os custos recorrentes mensais. A WIN afirma que este método, que é o único fiável no plano económico, é universalmente reconhecido e conforme aos cálculos económicos dos investimentos realizados pelos economistas e pelos operadores financeiros. Este método foi aplicado pelo Conseil de la concurrence francês e a sua validade foi reconhecida pelo relatório elaborado pela Oxera para o Office of Fair Trading (OFT, autoridade da concorrência do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte). Esse método demonstra que os custos totais – excepto os do mês de Março de 2001, que só foram cobertos em 98% ou 99% consoante o produto – e, por maioria de razão, os custos variáveis da WIN foram cobertos em todo o período.
126 A Comissão concorda com a WIN quanto à necessidade de escalonar determinados custos, mas não quanto ao método a utilizar. Para avaliar o equilíbrio económico dos serviços da WIN, afirma ter optado por um método dinâmico que tem em consideração o facto de determinados custos variáveis, nomeadamente os relacionados com aquisição de um assinante, serem compensados pelos rendimentos que a empresa espera receber desse assinante ao longo de toda a relação comercial. Ao escalonar em 48 meses esses custos variáveis não recorrentes, teve em conta a duração típica de um contrato que poderia servir de referência a uma empresa que pretendesse obter um retorno do investimento num prazo razoável.
127 Na aplicação do seu método, a Comissão alega ter obtido todos os números utilizados através das informações prestadas pela WIN. Assim, trata‑se de números verificados ex post. Nenhuma das rubricas dos custos é presumida. A Comissão afirma que teve totalmente em conta para todos os assinantes as reduções de custos no preciso momento em que elas ocorreram.
128 A Comissão, por outro lado, contestou o acerto do recurso, no caso em apreço, ao método dos cash‑flows actualizados defendido pela WIN. Este método não permite, em seu entender, tirar conclusões a respeito das práticas predatórias. A WIN, de resto, praticamente não utilizou cálculos do VAN à data dos factos para os produtos em causa. A utilização do método dos cash‑flows actualizados, no caso em apreço, não tem, além disso, qualquer apoio na jurisprudência comunitária ou na prática decisória da Comissão. De qualquer forma, o método proposto pela recorrente não é o método tradicional, uma vez que a WIN propõe compartimentar os fluxos de entrada de novos clientes no número correspondente de «coortes» e, para cada um deles, analisar se o cash‑flow actualizado é positivo num período de cinco anos. A WIN, por outro lado, integra na sua análise a rentabilidade acrescida decorrente do termo da infracção.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
129 A título preliminar, há que recordar que, na medida em que a escolha do método de cálculo da taxa de cobertura dos custos envolva uma apreciação económica complexa por parte da Comissão, há que lhe reconhecer um amplo poder de apreciação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 34 e jurisprudência referida). Por conseguinte, a fiscalização do Tribunal deve limitar‑se à verificação da observância das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos e da inexistência de erros manifestos de apreciação e de desvios de poder.
130 Resulta da jurisprudência relativa aos preços predatórios que, por um lado, os preços inferiores à média dos custos variáveis permitem presumir o carácter eliminatório de uma prática de preços e que, por outro, os preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis, devem considerar‑se abusivos quando forem fixados no âmbito de um plano que tenha por objectivo eliminar um concorrente (acórdão AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra, n.os 71 e 72; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.os 148 e 149, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C‑333/94 P, Colect., p. I‑5951, n.° 41).
131 Na decisão, a Comissão apresentou três abordagens diferentes para esclarecer a sua actuação. A primeira, exposta nos considerandos 73 a 75 da decisão, constitui uma análise efectuada numa base contabilística simples, que integra de modo instantâneo os rendimentos e os custos. Segundo a própria WIN, trata‑se de uma medição bruta das receitas e das despesas registadas na sua contabilidade. As duas partes estão de acordo quanto ao carácter inadaptado deste método. Embora a WIN negue qualquer significado a esta primeira análise, não contesta os números tidos em consideração. De um modo geral, reconhece que «a quase totalidade dos dados relativos aos custos vêm da WIN, sendo raros os que provêm da France Télécom».
132 A segunda análise, descrita nos considerandos 76 a 86 da decisão, diz respeito à cobertura efectiva dos custos ajustados. Segundo o princípio da amortização das imobilizações, a Comissão analisou a hipótese de um escalonamento dos custos de angariação de clientela em 48 meses. Nesta base, examinou separadamente a cobertura dos custos variáveis ajustados e a dos custos totais ajustados, afirmando que o Tribunal de Justiça prevê dois testes de cobertura de custos, consoante as actuações da empresa dominante se inscrevam ou não no âmbito de um plano destinado a afastar concorrentes. É esta análise que constitui a base da decisão da Comissão.
133 A Comissão, por outro lado, nos considerandos 97 a 106 da decisão, fez uma terceira análise, complementar, da cobertura dos custos ajustados previsíveis ex ante. É certo que, como afirma a WIN na resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância, esta terceira análise traduz‑se numa abordagem muito diferente, uma vez que a Comissão não procura fazer uma previsão dos custos e rendimentos reais. No entanto, esta análise, segundo a decisão, destina‑se apenas a «fazer um esclarecimento complementar». Com efeito, a Comissão expõe expressamente, no considerando 72 da decisão, que «só uma abordagem dos custos ajustados permite verdadeiramente tirar conclusões». A Comissão recorreu, portanto, ao segundo método, o dos custos ajustados, para concluir pela não cobertura dos custos. Por conseguinte, há que verificar a respectiva legalidade, sem que seja necessário apreciar a legalidade da análise complementar da cobertura dos custos previsíveis ex ante.
134 Resulta claramente dos considerandos 73 a 75 da decisão que a aplicação do método contabilístico usado no mundo dos negócios que deu origem ao acórdão AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra, e aos acórdãos de 6 de Outubro de 1994 e de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referidos no n.° 130 supra, que tem em conta os custos tais como resultam pura e simplesmente da contabilidade da empresa, conduz, no caso em apreço, a taxas de cobertura muito baixas, concretamente, 30% no período compreendido entre Janeiro e Julho de 2001, 60% no período compreendido entre Agosto e Dezembro de 2001 e 83% no período compreendido entre Janeiro e Junho de 2002 (tabela 2 da decisão).
135 Todavia, a Comissão, no considerando 75 da decisão, referiu que, uma vez que num mercado em fase de crescimento os custos de angariação de clientela representam uma parte significativa dos encargos, «as taxas de cobertura indicadas na tabela 2 não [podiam], assim, por si só, revelar‑se concludentes para qualificar os preços de predatórios».
136 Como expôs no considerando 76 da decisão, a Comissão considerou que, no presente contexto, «o objectivo da empresa não [era] o de realizar imediatamente um resultado contabilístico positivo instantâneo», mas sim «atingir um nível de cobertura dos custos recorrentes (custos de rede e custos de produção) suficiente para que a margem liberta desses custos recorrentes cobrisse num prazo de tempo razoável os custos variáveis não recorrentes investidos no desenvolvimento comercial dos produtos em causa». A Comissão decidiu, pois, ajustar os custos variáveis não recorrentes escalonando‑os num determinado período, segundo o princípio da amortização.
137 Assim, a Comissão optou por escalonar os custos de angariação de clientela em 48 meses, abordagem que a WIN subscreveu indicando porém que a duração média dos contratos passaria a ser de cerca de cinco anos e que a estimativa de quatro anos era reduzida. No entanto, há que observar que a WIN não pratica tais amortizações, sendo os encargos em causa contabilizados no momento em que são efectuadas, como encargos correntes ordinários. Acresce que alguns dos seus concorrentes procedem, nos seus planos de negócios, a um escalonamento no tempo dos custos variáveis não recorrentes, mas por períodos inferiores aos estipulados pela Comissão no caso em apreço (considerando 79 e notas de pé de página n.os 70 e 71 da decisão). O período de escalonamento estipulado pela Comissão não representa, pois, uma escolha errada.
138 Ao aplicar este método, a Comissão considerou que os preços praticados pela WIN não lhe permitiam cobrir os seus custos variáveis até Agosto de 2001 nem os seus custos totais de Janeiro de 2001 a Outubro de 2002 (tabelas 3 e 4 da decisão), não havendo dúvidas quanto à não cobertura dos custos totais até Agosto de 2001 tendo em conta o nível de cobertura dos custos variáveis.
139 Por conseguinte, há que avaliar o método adoptado pela Comissão à luz do objectivo prosseguido, ou seja, o teste de cobertura dos custos no âmbito do artigo 82.° CE, e em relação às críticas formuladas pela WIN.
140 Em primeiro lugar, há que referir que, contrariamente ao que alegou a WIN, a Comissão não procedeu a um teste de cobertura dos custos de carácter estático, o que, aliás, teria sido muito mais desfavorável à WIN (v. n.° 134 supra).
141 Resulta claramente da decisão (considerandos 76 e 77) que, para ter em conta o facto de, no caso das assinaturas, os custos e os rendimentos gerados pelo assinante serem escalonados no tempo durante um longo período, a Comissão decidiu ajustar os custos de angariação de clientela em 48 meses.
142 Além disso, contrariamente ao que afirma a WIN, o método de modo algum se traduz em adicionar os custos de aquisição a 48 vezes o montante dos custos recorrentes mensais, tais como existiam à data da subscrição do contrato, nem em comparar essa soma a 48 vezes os rendimentos mensais, tais como existiam na mesma data.
143 Pelo contrário, não se pode deixar de observar que, pela leitura da decisão e dos seus anexos, a Comissão integrou, para cada período da infracção em causa e para todos os assinantes, as sucessivas baixas de tarifa ocorridas ao longo do período analisado. Inclusivamente, a Comissão estruturou a sua análise em função dessas baixas.
144 Com efeito, o fim, em 31 de Julho de 2001, do primeiro período considerado pela Comissão para efeitos da análise dos custos variáveis ajustados (tabela 3 da decisão) coincide com a baixa das tarifas da colecta nacional e regional do tráfego. O segundo período tem em consideração esta baixa dos custos aplicando novas tarifas. O fim do segundo período, em 15 de Outubro de 2001, coincide com o início de um período de gratuitidade dos encargos de ligação do serviço normalmente facturados pela France Télécom aos prestadores. Aqui, mais uma vez, é tida em conta a baixa dos custos assim gerada. Por último, a fronteira entre o terceiro e o quarto período, que se situa em 15 de Fevereiro de 2002, marca a mudança de tarifação do serviço de «conectividade» internacional e o restabelecimento da facturação dos encargos de ligação do serviço pela France Télécom.
145 Consequentemente, contrariamente às alegações da WIN, verifica‑se claramente que os diferentes períodos em considerados se destinam precisamente a ter em conta a invocada baixa de custos.
146 Além disso, resulta, nomeadamente, da comparação dos anexos 1, 3, 5 e 7 da decisão, relativamente ao serviço eXtense, bem como dos anexos 2, 4, 6 e 8 da decisão, relativamente à Wanadoo ADSL, que, em cada período considerado, as novas tarifas e outros elementos componentes dos custos não só são aplicados aos contratos subscritos desde o início do período de infracção mas também são repercutidos em todo o parque acumulado.
147 Se compararmos, por exemplo, os custos variáveis recorrentes que constam da tabela relativa ao serviço eXtense, junta como anexo 1 à decisão, respeitante ao período compreendido entre 8 de Janeiro e 31 de Julho de 2001 aos da mesma natureza que constam do anexo 3, mas que abrangem o período compreendido entre 1 de Agosto e 15 de Outubro de 2001, verifica‑se que, de um período ao outro, o preço da colecta nacional ou regional do tráfego passou de 151 francos franceses (FRF) para 52,43 FRF e o do custo do serviço de acesso à ADSL de 185 FRF para 140 FRF. Ora, estas baixas de preços foram efectivamente tidas em conta não só para os contratos subscritos desde o início do período de infracção (tabela 3.2 do anexo 3 da decisão) mas também para a totalidade do parque acumulado (tabela 3.1 deste mesmo anexo).
148 De igual modo, resulta da comparação dos anexos 2 e 4 da decisão relativamente aos custos variáveis ajustados da Wanadoo ADSL que o preço da colecta nacional ou regional do tráfego, para a totalidade do parque acumulado, passou, do primeiro para o segundo período, de 151 FRF para 52 FRF.
149 Por outro lado, a gratuitidade dos encargos de ligação do serviço para os novos assinantes do serviço eXtense (tabela 5.2 do anexo 5 da decisão), a partir de 15 de Outubro de 2001, levou a uma baixa dos encargos de ligação do serviço para a totalidade do parque acumulado (tabela 5.1 deste mesmo anexo) de 53,40 euros para 27,16 euros. Em sentido inverso, estes últimos encargos aumentaram para 32,37 euros (tabela 7.1 do anexo 7 da decisão) quando os encargos de ligação do serviço para os novos assinantes do serviço eXtense passaram a ser novamente cobrados a partir de 15 de Fevereiro de 2002 (tabela 7.2 deste mesmo anexo).
150 Quanto ao custo da «conectividade» internacional, a comparação dos anexos 5 e 7 da decisão relativamente ao serviço eXtense, bem como dos anexos 6 e 8 da decisão relativamente à Wanadoo ADSL, demonstram que a baixa de 3,19 euros para 1,62 euros, que ocorreu entre os terceiro e quarto períodos, se repercutiu não só sobre os novos assinantes mas também sobre a totalidade do parque acumulado (tabela 7.1 do anexo 7 ou tabela 8.1 do anexo 8 da decisão, consoante o produto).
151 A Comissão, portanto, teve em conta as diferentes alterações tarifárias na sua avaliação dos custos.
152 A este respeito, há que salientar que a Comissão considerou correctamente que as receitas e os custos posteriores à infracção não podiam entrar em linha de conta para avaliar a taxa de cobertura dos custos durante o período considerado. Com efeito, de acordo com a jurisprudência, o artigo 82.° CE visa a posição detida no mercado comum pela empresa em causa no momento em que esta adoptou a conduta alegadamente abusiva (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 450). A WIN, por conseguinte, não pode incluir nos seus cálculos preços e custos posteriores a Outubro de 2002. Assim, as alegações da recorrente baseadas nos preços e nos custos posteriores a Outubro de 2002 não põem em causa a apreciação feita pela Comissão.
153 Por último, quanto à alegação da WIN segundo a qual o método dos cash‑flows actualizados é adequada para calcular as taxas de cobertura no caso em apreço, há que observar que, mesmo que a WIN demonstrasse o carácter apropriado em certos aspectos do método que preconiza, isso não seria suficiente para provar a ilegalidade do método utilizado no caso vertente pela Comissão. Incumbe à recorrente demonstrar esta ilegalidade. Ora, a análise precedente revelou que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao optar por este método.
154 Concluindo, a WIN não demonstrou que, ao utilizar os dados registados na sua contabilidade corrigindo‑os de um modo que a favoreceu, de forma a ter em conta o contexto particular do mercado em causa, respeitando as exigências impostas pelo artigo 82.° CE, a Comissão tenha usado, no caso em apreço, um teste ilegal de cobertura dos custos.
155 Para ser exaustivo, não se pode deixar de referir que, por um lado, não resulta da jurisprudência que o recurso ao método dos cash‑flows actualizados se impunha no caso sub judice e, por outro, a WIN não invocou nenhum argumento que demonstre que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação nesta matéria.
156 Por conseguinte, as alegações relativas ao método de cálculo da taxa de cobertura dos custos não devem ser acolhidas.
Quanto aos erros de cálculo na aplicação do método adoptado
– Argumentos das partes
157 Segundo a WIN, a Comissão cometeu erros na aplicação do seu próprio método de cálculo, nomeadamente nos cálculos dos custos fixos e variáveis. A Comissão seleccionou valores diferentes para representar os mesmos custos, de modo sistematicamente desfavorável à WIN. Também deduziu de modo arbitrário a existência de variações que supostamente traduziriam os meses de assinatura gratuita oferecidos aos clientes. Esses erros explicam em grande parte a conclusão no sentido da não cobertura dos custos a que chegou a Comissão. Para mais desenvolvimentos sobre esses erros de cálculo, a WIN remete para um dos anexos da sua petição.
158 A Comissão considera que a própria petição não identifica os alegados erros de cálculo cometidos na decisão, sendo a remissão para o anexo de índole geral. Por conseguinte, este fundamento subsidiariamente invocado deve ser julgado inadmissível.
159 Além disso, segundo a Comissão, a WIN nem chega a alegar que a correcção desses erros teria levado a um resultado diferente, mantendo‑se a taxa de cobertura inferior a 100%. Assim, este fundamento é, de qualquer forma, inoperante.
160 Na réplica, a WIN respondeu que, uma vez que só os pormenores dos erros de cálculo é que constam do anexo, o fundamento que é invocado de modo preciso na petição é admissível. Em seu entender, também não é inoperante. Com efeito, este fundamento demonstra que as taxas de cobertura dos custos totais passaram de 90% a 91% para 98% a 99%. Ora, a Comissão considerou que uma taxa de cobertura de 99,7% não constituía uma infracção.
161 A WIN contestou, na réplica, a inclusão da publicidade nos custos variáveis e o cálculo da média das taxas de cobertura dos custos para os dois serviços em causa.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
162 A título preliminar, há que distinguir a aplicação do método de determinação da taxa de cobertura dos custos e os cálculos propriamente ditos, que se limitam a simples operações matemáticas. Resulta dos articulados da WIN que esta não põe em causa, no essencial, os cálculos aritméticos, mas sim a tomada em consideração de determinados elementos errados.
163 A aplicação do método de determinação da taxa de cobertura dos custos, diferentemente dos próprios cálculos, implica, por parte da Comissão, uma apreciação económica complexa, pelo que lhe deve ser reconhecido um amplo poder de apreciação (v., neste sentido, acórdão Deere/Comissão, já referido no n.° 129 supra, n.° 34). A fiscalização do Tribunal deve, assim, limitar‑se à verificação do cumprimento das normas processuais e de fundamentação, bem como à exactidão material dos factos, à inexistência de erros manifestos de apreciação e de desvio de poder.
164 Independentemente da admissibilidade do presente fundamento, há que observar que, como afirma a Comissão, ainda que todos os erros alegados fossem tidos em conta e estivessem provados, a taxa de cobertura dos custos totais a que a WIN chegaria continuaria, segundo esta, inferior a 99% e mesmo a 98% relativamente ao serviço eXtense. Por conseguinte, subsistiria a acusação de não cobertura dos custos totais durante todo o período considerado.
165 A este respeito, o facto de, fazendo uso do seu poder de apreciação, a Comissão ter reconhecido que uma taxa de cobertura dos custos variáveis de 99,7% não constituía uma infracção não a pode obrigar a fazer o mesmo para uma taxa de 98% ou 99%, consoante o caso, dos custos totais. Consequentemente, há que rejeitar este fundamento por inoperante.
166 Para ser exaustivo, quanto à alegada inadmissibilidade deste fundamento, nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal proferir uma decisão, eventualmente sem quaisquer outros elementos (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Novembro de 1993, Koelman/Comissão, T‑56/92, Colect., p. II‑1267, n.° 21).
167 Também há que recordar que, embora a petição possa ser alicerçada e completada em pontos específicos por remissões para extractos de documentos anexos à mesma, os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T‑84/96, Colect., p. II‑2081, n.° 34). Os anexos não podem, assim, servir para desenvolver um fundamento sumariamente exposto na petição quando contenham acusações ou argumentos que dela não constam. A recorrente deve indicar na petição as acusações precisas sobre as quais o Tribunal é chamado a pronunciar‑se, bem como, de modo pelo menos sumário, os elementos de direito e de facto em que essas acusações assentam (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1992, Comissão/Dinamarca, C‑52/90, Colect., p. I‑2187, n.° 17, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1993, De Hoe/Comissão, T‑85/92, Colect., p. II‑523, n.° 20).
168 Por conseguinte, este fundamento é admissível dentro do limite dos erros claramente enunciados na petição, ou seja, a selecção de valores diferentes para representar os mesmos custos e a dedução da existência de variações que supostamente traduziriam os meses de assinatura gratuitos oferecidos aos clientes. Ao invés, não é admissível no que diz respeito à inclusão da publicidade nos custos variáveis e ao cálculo da média das taxas de cobertura dos custos relativamente aos dois serviços examinados, elementos que só são mencionados e desenvolvidos num dos anexos da petição.
169 Assim, há que julgar este fundamento parcialmente inadmissível e, de qualquer forma, inoperante, como referido no n.° 165.
b) Quanto às acusações relativas ao teste de práticas predatórias
170 Segundo a WIN, a Comissão cometeu um erro de direito e erros manifestos de apreciação na aplicação do teste de práticas predatórias em virtude dos quais a decisão deve ser anulada por violação do artigo 82.° CE. A WIN invoca a justificação relativa a um direito da WIN de acompanhar os preços dos seus concorrentes, a inexistência de uma estratégia de práticas predatórias e de redução da concorrência e a necessidade de provar a recuperação dos prejuízos.
Quanto à justificação relativa a um direito da WIN de acompanhar os preços dos seus concorrentes
– Argumentos das partes
171 Segundo a WIN, o direito de um qualquer operador acompanhar de boa fé os preços anteriormente praticados por um concorrente é a essência do processo concorrencial. Este direito é reconhecido pela própria Comissão na sua prática decisória, pela jurisprudência e pelos ensinamentos unânimes da doutrina e da análise económica. O facto de os preços praticados pelos concorrentes corresponderem a preços inferiores aos custos da empresa em causa não tem qualquer importância nesta matéria.
172 É esta a razão pela qual a própria Comissão, na Decisão 83/462/CEE, de 29 de Julho de 1983, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.° CE] (IV/30.698 – ECS/Akzo – Medidas provisórias, JO L 252, p. 13), autorizou expressamente a empresa dominante em causa a praticar preços inferiores aos seus custos para acompanhar, de boa fé, os preços previamente praticados pelo concorrentes. Por sua vez, o Tribunal de Justiça, no âmbito do recurso desta decisão, referiu precisamente que a Comissão não põe em causa, no plano dos princípios, o direito de uma empresa dominante acompanhar os preços dos concorrentes e ele próprio consagrou este princípio de modo muito claro.
173 Por outro lado, nas suas exaustivas alegações, a Comissão desvirtuou os factos ao contestar erradamente que a WIN acompanhou os preços dos seus concorrentes.
174 A Comissão considera que, embora o facto de acompanhar os preços dos concorrentes não seja absolutamente proibido a uma empresa em posição dominante, esta possibilidade é‑lhe vedada se implicar a prática de preços inferiores aos custos do serviço em causa. No caso em apreço, segundo a Comissão, uma vez que a política de preços da empresa dominante não lhe permite cobrir os seus custos, o facto de esta acompanhar os preços promocionais de outro operador não dominante não se justifica. Por outro lado, a Comissão considerou que os concorrentes da WIN não estavam em posição dominante e contestou, a título supletivo, a exactidão das afirmações da WIN segundo as quais as suas práticas de preços constituíam apenas um acompanhamento dos preços dos seus concorrentes.
175 Em todo o caso, segundo a Comissão, a discussão relativa a essa questão é estéril. A decisão, com efeito, limita‑se a acusar a WIN de manter os seus preços depois do mês de Março de 2001, numa altura em que as sociedades Noos e Mangoosta tinham aumentado os seus preços em mais de 20% e em que essa questão já não estava em causa. Remete, nesta matéria, para o considerando 331 da decisão.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
176 Não se pode deixar de referir, em primeiro lugar, que a Comissão de modo algum contesta o direito de um operador acompanhar os preços anteriormente praticados por um concorrente. Afirma, no considerando 315 da decisão, que, «[e]mbora seja verdade que não é absolutamente proibido ao operador dominante acompanhar os preços dos seus concorrentes, não é menos verdade que essa faculdade lhe deve ser recusada quando implique uma não cobertura pela empresa dominante dos custos do serviço em causa».
177 A WIN considera porém que a Comissão infringe, assim, a sua prática decisória e a jurisprudência do Tribunal de Justiça.
178 A este respeito, há que observar que, nos precedentes invocados pela WIN, a consagração do direito de uma empresa dominante de acompanhar os preços dos concorrentes era limitada. Esta observação é válida tanto para a Decisão 83/462, que ordenou medidas provisórias, como para o acórdão do Tribunal de Justiça posteriormente proferido (acórdão AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra, n.° 134).
179 Com efeito, na Decisão 83/462, a Comissão não autorizou a AKZO a acompanhar de um modo geral os preços dos concorrentes, mas apenas no caso de um cliente particular acompanhar os preços de outro produtor que pudesse fornecê‑lo. Além disso, essa autorização de acompanhar os preços dos concorrentes em condições muito precisas não consta da decisão final proferida no mesmo processo [Decisão 85/609/CEE da Comissão, de 14 de Dezembro de 1985, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.° CE] (IV/30.698 − ECS/AKZO Chemie), JO L 374, p. 1].
180 A WIN, por conseguinte, não pode pretender apenas nessa base que, na sua prática decisória, a Comissão reconheceu a empresas dominantes um direito de acompanharem os preços dos seus concorrentes mesmo que isso os levasse a praticar preços inferiores aos seus custos.
181 No acórdão AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra, que é o único exemplo jurisprudencial referido pela WIN para fundamentar a sua tese, é certo que o Tribunal de Justiça não pôs em causa, no plano dos princípios, o direito de uma empresa dominante de acompanhar os preços dos seus concorrentes. Todavia, tendo considerado que a Comissão tinha concluído correctamente pela inexistência de uma oferta concorrente, o Tribunal de Justiça não teve que se pronunciar sobre a legalidade da actuação de uma empresa dominante que acompanhe os preços dos seus concorrentes quando tal envolva a prática de preços inferiores aos custos.
182 Por conseguinte, não se pode afirmar que o direito de uma empresa dominante de acompanhar os preços da concorrência é absoluto e que foi reconhecido enquanto tal pela Comissão na sua prática decisória e pela jurisprudência, especialmente quando esse direito leve a justificar o recurso a preços predatórios, aliás proibidos pelo Tratado.
183 No caso vertente, a Comissão considera que esta faculdade de acompanhar os preços da concorrência deve ser recusada à empresa dominante quando envolva a não cobertura dos custos do serviço em causa.
184 Consequentemente, há que verificar a compatibilidade desta restrição com o direito comunitário.
185 Há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, embora a existência de uma posição dominante não prive uma empresa colocada nessa posição do direito de salvaguardar os seus próprios interesses comerciais, quando estes estiverem ameaçados, e embora lhe deva ser reconhecida a faculdade, dentro dos limites do razoável, de praticar os actos que considerar apropriados para proteger os seus interesses, não podem, no entanto, admitir‑se tais comportamentos quando tenham por objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdão United Brands/Comissão, já referido no n.° 101 supra, n.° 189; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T‑65/89, Colect., p. II‑389, n.° 117, e Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido no n.° 104 supra, n.° 146).
186 As obrigações específicas impostas às empresas em posição dominante foram confirmadas pela jurisprudência em várias ocasiões. O Tribunal de Primeira Instância declarou, no seu acórdão de 17 de Julho de 1998, ITT Promedia/Comissão (T‑111/96, Colect., p. II‑2937, n.° 139), que resulta da natureza das obrigações impostas pelo artigo 82.° CE que, em circunstâncias específicas, as empresas em posição dominante podem ser privadas do direito de adoptar comportamentos ou levar a cabo actos que não são em si mesmos abusivos e que seriam mesmo não condenáveis se fossem adoptados ou praticados por empresas não dominantes.
187 A WIN não pode invocar um direito absoluto de acompanhar os preços dos seus concorrentes para justificar a sua actuação. Embora seja verdade que o facto de a empresa dominante acompanhar os preços dos concorrentes não é em si mesmo abusivo ou condenável, não se pode excluir que passe a sê‑lo quando não se destine exclusivamente a proteger os seus interesses, mas tenha por objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela.
Quanto à alegada inexistência de uma estratégia de práticas predatórias e de redução da concorrência
– Argumentos das partes
188 Segundo a WIN, a existência de práticas predatórias pressupõe uma redução significativa da concorrência. Em seu entender, se não houver nenhuma possibilidade de os concorrentes serem afastados ou, pelo menos, travados ou limitados na sua actuação, uma estratégia de práticas predatórias em caso algum pode ser considerada racional. Por conseguinte, ao aplicar uma sanção à WIN ao mesmo tempo que reconheceu que a sua quota de mercado baixou significativamente durante o período pelo qual alegadamente durou a infracção e que a concorrência que existia no termo desse período se mantém, a Comissão cometeu uma grave violação do artigo 82.° CE. A WIN não teria tido qualquer oportunidade de eliminar os seus concorrentes do mercado ao praticar preços demasiado baixos. Além disso, sendo reduzidos os obstáculos à entrada no mercado neste sector, seria particularmente irracional procurar afastar concorrentes num segmento deste tipo, uma vez que isso implicaria, mesmo havendo exclusão, fazer face a uma possível entrada a todo o instante, o que anularia o eventual interesse de um afastamento dos concorrentes.
189 A Comissão comete um grave erro de apreciação ao acusar a WIN de afastar a sociedade Mangoosta. Com efeito, a falência desta empresa apenas se deveu a uma política estratégica particularmente arriscada e em caso nenhum à tarifação da WIN.
190 A WIN contesta, além disso, o facto de a Comissão imputar a lentidão da progressão de determinados concorrentes à impossibilidade de estes últimos acompanharem os preços da WIN. A Comissão não teve em conta a opção dos concorrentes da WIN de se concentrarem no desenvolvimento da baixa velocidade, em detrimento da ADSL, considerada um negócio sem futuro.
191 A Comissão também cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar como predatórios preços que eram perfeitamente racionais num contexto de grande concorrência, que contribuíram para desenvolver o mercado e que deram origem à grande concorrência que existe actualmente. De qualquer forma, o consumidor nunca foi lesado, uma vez que beneficiou dos preços baixos.
192 Por último, segundo a WIN, a estratégia que adoptou não pode em caso algum ser considerada reveladora de qualquer intenção de levar a cabo práticas predatórias. A Comissão limitou‑se a mencionar elementos destinados a provar uma suposta intenção da WIN de eliminar os seus concorrentes, mas não evidenciou um plano objectivo de afastamento da concorrência. O essencial da argumentação da Comissão relativa à alegada intenção de afastamento da concorrência baseia‑se numa selecção arbitrária e enviesada dos documentos internos apreendidos nas instalações da WIN.
193 A Comissão considera, por sua vez, que a demonstração das consequências concretas dos preços predatórios praticados pela WIN não é determinante para efeitos da imputação da infracção em causa. Alega que o artigo 82.° CE deve ser aplicado logo que haja um risco de eliminação da concorrência, não sendo necessário esperar que o objectivo de evicção seja atingido.
194 Relativamente à estratégia de práticas predatórias, a Comissão alega que resulta da jurisprudência que o elemento intencional se presume no caso de serem praticados preços inferiores aos custos variáveis médios e deve ser provado com base em indícios sérios e concordantes no caso de serem praticados preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis. A Comissão considera ter exposto na decisão indícios sérios que provam que a empresa tinha implementado intencionalmente uma estratégia de «apropriação» do mercado e de limitação da concorrência.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
195 Quanto aos requisitos de aplicação do artigo 82.° CE e à distinção entre o objectivo e o efeito da prática abusiva, há que salientar que, para efeitos da aplicação do referido artigo, a demonstração do objectivo e do efeito anticoncorrencial podem eventualmente confundir‑se. Efectivamente, se se demonstrar que o objectivo prosseguido pelo comportamento de uma empresa em posição dominante é restringir a concorrência, este comportamento é também susceptível de produzir esse efeito. Assim, relativamente às práticas em matéria de preços, o Tribunal de Justiça considerou no acórdão AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra, que preços inferiores à média dos custos variáveis praticados por uma empresa dominante são considerados per se abusivos porque o único interesse que essa empresa pode ter em praticar tais preços é eliminar os seus concorrentes e que preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis, são abusivos quando são fixados no âmbito de um plano que tem como finalidade eliminar um concorrente. O Tribunal de Justiça não exigiu, neste processo, qualquer demonstração dos efeitos concretos das práticas em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.os 241 e 242).
196 Por outro lado, há que acrescentar que, quando uma empresa em posição dominante leva efectivamente a cabo uma prática cujo objectivo é afastar um concorrente, o facto de o resultado esperado não ser conseguido não pode bastar para afastar a qualificação de abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido no n.° 104 supra, n.° 149, e de 7 de Outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão, T‑228/97, Colect., p. II‑2969, n.° 191).
197 Daí resulta claramente que, relativamente aos preços predatórios, o primeiro elemento da prática abusiva levada a cabo pela empresa dominante é constituído pela não cobertura dos seus custos. No caso de não cobertura dos custos variáveis, o segundo elemento, ou seja, a intenção de práticas predatórias, presume‑se, ao passo que, relativamente aos preços inferiores à média dos custos totais, é necessário provar a existência de um plano de eliminação da concorrência. Segundo o acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão (já referido no n.° 130 supra, n.° 151), esta intenção de eliminação deve ser provada com base em indícios sérios e concordantes.
198 No caso em apreço, a Comissão demonstrou a posição dominante da WIN e imputou‑lhe, no artigo 1.° da decisão, a não cobertura dos seus custos variáveis até Agosto de 2001, bem como a não cobertura dos seus custos totais a partir dessa data e até Outubro de 2002. Assim, relativamente ao período de não cobertura dos custos totais, para provar a infracção, tinha que apresentar indícios sérios da existência de uma estratégia de «apropriação» do mercado.
199 No considerando 110, a decisão menciona vários documentos, repartidos por todo o período em causa, que atestam a existência de uma estratégia de «apropriação» do mercado da alta velocidade pela WIN, concretamente:
– um documento de Julho de 2000, que expressa o seguinte objectivo para o segundo semestre de 2000 e para 2001: «apropriação do mercado ADSL com oferta integral [mais] pack e acelerar os investimentos de 2001, mas balanço financeiro negativo»;
– uma mensagem de correio electrónico de Julho de 2000, relativa a uma discussão sobre o nível adequado de preços, que referia: «teremos dificuldades em nos apropriarmos desse mercado com preços muito elevados»;
– a carta de enquadramento para 2001, com as seguintes indicações: «a apropriação do mercado ADSL é uma necessidade»;
– uma apresentação de 28 de Fevereiro de 2001, que evoca uma «campanha de apropriação do domínio da alta velocidade pela [WIN]»;
– o plano estratégico para 2002‑2004, que recorda relativamente ao período de 2001‑2003 o grande desenvolvimento da alta velocidade e o objectivo de «apropriação de um mercado considerado gerador de valor».
200 Por outro lado, outros documentos da WIN provam que esta pretendia adquirir e conservar quotas de mercado muito significativas. A carta de enquadramento para 2001 refere, por exemplo, que «a [WIN] deve adquirir 70% […] a 80% do mercado ADSL». Uma apresentação do presidente e director‑geral da WIN ao comité executivo da France Télécom datada de Junho de 2001 evoca uma quota de mercado de 80% no período de 2001‑2004 no segmento de mercado das «ofertas ‘dissociadas’ do tipo Wanadoo ADSL» e uma quota de mercado em aumento de 50%, em média, em 2001 para 72% em 2004 no segmento de mercado das ‘ofertas em pacote’ do tipo eXtense».
201 É verdade que a WIN contestou o alcance desses documentos e nomeadamente o significado do termo «apropriação» que é aí utilizado. Segundo afirma, as afirmações informais e espontâneas, ou mesmo até irreflectidas, não passam do reflexo da dialéctica do processo decisório. Só podem responsabilizar os respectivos autores e não a empresa.
202 Todavia, há que observar que essas afirmações emanam de quadros que pertencem à direcção da empresa e que algumas foram expressas no âmbito de apresentações formais a instâncias de decisão ou de uma carta de enquadramento muito elaborada. O seu carácter espontâneo e irreflectido afigura‑se, assim, duvidoso.
203 Por outro lado, a WIN alegou, na petição e sobretudo em alguns anexos, que a maioria dos documentos e das declarações que lhe imputam foram descontextualizados e que a Comissão, intencionalmente, não teve em consideração numerosas declarações pertinentes para a defesa.
204 Não se pode deixar de referir que, na petição, a WIN se limitou a alegar que a Comissão utilizou diversos extractos de documentos internos que não colocou no verdadeiro contexto. Uma afirmação tão vaga não pode permitir que a parte recorrida prepare a sua defesa nem que o Tribunal de Primeira Instância se pronuncie, eventualmente sem outros elementos (despacho Koelman/Comissão, já referido no n.° 166 supra, n.° 21). É contrário à função meramente probatória e instrumental dos anexos que estes possam servir para fazer uma demonstração pormenorizada de uma alegação feita de modo insuficientemente claro e preciso na petição.
205 Consequentemente, este fundamento que a WIN pretende extrair da consideração descontextualizada de documentos alegadamente pertinentes para a acusação, não tendo em conta numerosas declarações pertinentes para a defesa, deve ser julgado improcedente.
206 Por acréscimo, refira‑se que, mesmo colocando no seu contexto a passagem «teremos dificuldades em nos apropriarmos desse mercado com preços muito elevados», ou seja, fazendo‑a preceder de «estamos posicionados a um nível demasiado alto em termos tarifários», e fazendo‑a seguir de «os nossos concorrentes ficarão num nível mais baixo em termos tarifários», a ideia de uma intenção de eliminação da concorrência não desaparece.
207 Do mesmo modo, a passagem «a apropriação do mercado ADSL é uma necessidade» não pode ser lida de outro modo que não seja o de manifestar uma intenção de «apropriação», mesmo colocando‑a no seu contexto, evocado pela WIN, de uma concorrência generalizada. O facto de a declaração mencionada pela Comissão ser seguida pela declaração segundo a qual «a concorrência na ADSL vai despoletar um movimento de baixa das tarifas da Netissimo (a retalho e no mercado grossista) a partir do início de 2001» e «a fixação das condições tarifárias da oferta de acesso desagregado ao lacete local [vai] também contribuir, sem dúvida, para a baixa das tarifas ADSL» não infirma a necessidade expressa pela WIN de «apropriação» do mercado.
208 Quanto à passagem segundo a qual «a Wanadoo deve adquirir 70% […] a 80% do mercado ADSL», não foi verdadeiramente contestada. A WIN afirma simplesmente que não foi feita nenhuma menção a um eventual recurso a preços baixos e que, portanto, não há qualquer relação entre os preços fixados e os seus objectivos em termos de quota de mercado. No entanto, o facto de a forma de conseguir obter 70% a 80% do mercado ADSL não ser mencionada em nada altera o objectivo prosseguido.
209 De qualquer modo, essas declarações, que constam de documentos internos da sociedade, constituem um indício da existência de um plano de práticas predatórias, corroborado por outros elementos.
210 Segundo os considerandos 279 e seguintes da decisão, a intenção de limitação da concorrência também resulta do facto de a WIN saber que a sua estratégia de tarifação não rentável conjugada com volumes de vendas significativos não era economicamente sustentável para os seus concorrentes.
211 Numa mensagem de correio electrónico dirigida ao presidente e director‑geral da WIN, datada de finais de Abril de 2001 (considerando 279 da decisão e nota de pé de página n.° 319), o responsável pelos serviços ADSL evoca os concorrentes que não subscreveram a oferta de serviço de suporte da France Télécom ou que estão «sem fôlego».
212 A WIN também sabia que a impossibilidade de acompanhar as suas tarifas de retalho sem ter prejuízo impedia a AOL de aceder ao mercado da alta velocidade. Com efeito, uma mensagem de correio electrónico dirigida pela France Télécom ao director de marketing estratégico da WIN, de 29 de Junho de 2001, contém em anexo uma intervenção do presidente e director‑geral da AOL France com o seguinte teor (nota de pé de página n.° 321 da decisão):
«No tempo em que o nosso accionista era a Cégétel, lançámos uma oferta com a Monaco Telecom e tínhamos 500 assinantes. Não a lançámos em França porque a oferta de revenda ADSL da France Télécom não nos permite, actualmente, ganhar dinheiro. Tecnicamente, estamos prontos, mas não somos vocacionados para perder dinheiro.»
213 Resulta também de um documento intitulado «Breve análise – Télécoms – Regulamentação da Internet em França», de 20 de Julho de 2001, que a WIN tinha analisado detalhadamente as vantagens de que beneficiava na sua qualidade de actor de primeiro plano do mercado (considerando 280 e nota de pé de página n.° 322 da decisão). Esse documento realçava que um concorrente que dispusesse de um tráfego menor do que o da WIN beneficiaria de margens sobre os custos de rede inferiores em vários pontos às previstas pela WIN.
214 Resulta das considerações precedentes que o anúncio pela WIN, em 2001 e no início de 2002, de objectivos comerciais bastante ambiciosos, que uma empresa não dominante poderia ter dificuldades em atingir nas condições de rentabilidade desfavoráveis do momento, teve o efeito de desencorajar as empresas rivais. Isto resulta do objectivo de eliminação da concorrência prosseguido pela empresa.
215 Face ao exposto, não se pode deixar de concluir que a Comissão apresentou indícios sérios e concordantes da existência de um plano de práticas predatórias durante todo o período da infracção. A lógica a que obedece essa estratégia resulta claramente de uma nota da direcção estratégica da WIN datada de Dezembro de 2001, segundo a qual:
«A alta velocidade e o mercado ADSL reger‑se‑ão ainda durante alguns anos por uma lógica de conquista, sendo o objectivo estratégico adquirir uma posição dominante em quotas de mercado, iniciando‑se a fase de rentabilidade mais tarde.»
216 Em conformidade com o acórdão AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra, e com os acórdãos de 6 de Outubro de 1994 e de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referidos no n.° 130 supra, a Comissão fez, assim, prova dos dois elementos exigidos para que se considere demonstrada uma prática de preços predatórios inferiores aos custos totais por uma empresa dominante.
217 Os argumentos invocados pela WIN sobre as economias de escala e os efeitos da aprendizagem que justificariam, no caso em apreço, a tarifação abaixo dos custos não são susceptíveis de pôr em causa a conclusão a que chegou o Tribunal. Com efeito, a empresa que pratica preços predatórios pode beneficiar da economia de escala e dos efeitos da aprendizagem devido a uma produção acrescida precisamente graças a essa prática. As economias de escala e os efeitos da aprendizagem obtidos não isentam, pois, a empresa da sua responsabilidade nos termos do artigo 82.° CE.
218 Consequentemente, a acusação relativa à inexistência de uma estratégia de práticas predatórias não pode ser acolhida.
Quanto à recuperação dos prejuízos
– Argumentos das partes
219 A WIN alega que a recuperação dos prejuízos é um elemento de pleno direito do teste de práticas predatórias, de que a Comissão deve fazer prova. Considera que, se a empresa em posição dominante, especialmente pelo facto de o acesso ao mercado em causa ser fácil, não puder razoavelmente esperar reduzir a concorrência a longo prazo para recuperar os seus prejuízos, não é racional da sua parte praticar uma política de preços predatórios. Neste caso, a política de preços baixos praticada pela empresa teria necessariamente uma explicação diferente da decorrente de uma estratégia de práticas predatórias.
220 Segundo a WIN, esta posição é partilhada por toda a doutrina económica e jurídica, bem como por numerosos órgãos jurisdicionais e autoridades da concorrência, nomeadamente as dos Estados Unidos, mas também de vários Estados‑Membros da União Europeia. A própria jurisprudência comunitária nunca excluiu que essa demonstração deve ser feita.
221 Ora, as condições de concorrência no mercado de acesso à Internet de alta velocidade são totalmente diferentes daquelas sobre as quais o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Justiça tiveram de se pronunciar nos processos anteriores de práticas predatórias. Com efeito, as barreiras ao acesso a este mercado são fracas, o crescimento é grande, a situação concorrencial não está consolidada e os novos efectivos e potenciais operadores a aceder ao mercado são numerosos. A Comissão comete, assim, um grave erro de direito ao sustentar que a demonstração da recuperação dos prejuízos não é necessária.
222 Por outro lado, segundo a WIN, a Comissão cometeu outro erro manifesto de apreciação acrescido de um erro de direito ao considerar ter feito prova de uma possibilidade de recuperação dos prejuízos.
223 A Comissão afirma que a demonstração de uma recuperação de prejuízos não é um pressuposto da verificação da prática de preços predatórios contrária ao artigo 82.° CE. Considera que a jurisprudência é clara nesta matéria. A título subsidiário, a Comissão refere que a recuperação de prejuízos, no caso vertente, se torna plausível pela estrutura do mercado e pelas perspectivas de rendimentos que lhe estão associadas.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
224 No acórdão AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra (n.os 71 e 72), o Tribunal de Justiça consagrou a existência de dois métodos de análise diferentes quando se trata de verificar se uma empresa praticou preços predatórios. Em primeiro lugar, os preços inferiores à média dos custos variáveis devem ser sempre considerados abusivos. Neste caso, não é concebível uma finalidade económica que não seja a eliminação de um concorrente, uma vez que cada unidade produzida e vendida traz prejuízo à empresa. Em segundo lugar, os preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis, só devem ser considerados abusivos quando for demonstrada a existência de um plano de eliminação da concorrência (acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referido no n.° 130 supra, n.° 41).
225 No acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referido no n.° 130 supra (n.os 42 e 43), o Tribunal de Justiça declarou que, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância tinha adoptado o mesmo raciocínio, raciocínio este que avalizou. O Tribunal de Justiça explicou que:
«42 […] Para as vendas de embalagens de cartão não assépticas em Itália entre 1976 e 1981, [o Tribunal de Primeira Instância] constatou que os preços eram largamente inferiores à média dos custos variáveis. A prova da intenção de eliminar os concorrentes não era, portanto, necessária. Em 1982, os preços dessas embalagens de cartão situavam‑se entre a média dos custos variáveis e a média dos custos totais. Foi por esta razão que, no n.° 151 do acórdão, o Tribunal de Primeira Instância, aliás sem ser criticado pela recorrente, tentou demonstrar que a Tetra Pak tinha a intenção de eliminar um concorrente.
43 Foi também justificadamente que, nos n.os 189 a 191 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância seguiu exactamente o mesmo raciocínio quanto às vendas de máquinas não assépticas no Reino Unido entre 1981 e 1984.»
226 Relativamente à recuperação de prejuízos, o Tribunal de Justiça acrescentou, no n.° 44 do referido acórdão:
«[…] [N]as circunstâncias do presente caso, não seria oportuno exigir também, a título de prova adicional, que se demonstrasse que a Tetra Pak tinha uma possibilidade real de recuperar as suas perdas. Com efeito, uma prática de preços predatórios deve poder ser penalizada quando exista o risco de eliminação dos concorrentes. Ora, esse risco foi verificado no caso presente pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 151 e 191 do acórdão impugnado. O objectivo pretendido, que é o de preservar uma concorrência não falseada, não permite aguardar que uma estratégia dessa natureza leve à eliminação efectiva dos concorrentes.»
227 Por conseguinte, de acordo com a jurisprudência comunitária, a Comissão podia considerar abusivos os preços inferiores à média dos custos variáveis. Neste caso, o carácter eliminatório dessa prática de preços presume‑se (v., neste sentido, acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, já referido no n.° 130 supra, n.° 148). No que diz respeito aos custos totais, a Comissão devia fazer prova de que a prática de preços predatórios da WIN se inscrevia no âmbito de um plano destinado à «apropriação» do mercado. Em nenhum dos casos é necessário demonstrar, a título de prova suplementar, que a WIN tinha uma possibilidade real de recuperar os seus prejuízos.
228 Assim, a Comissão considerou correctamente que a demonstração de uma recuperação de prejuízos não era um pressuposto da conclusão no sentido da existência de uma prática de preços predatórios.
229 Em contrapartida, segundo os acórdãos de 6 de Outubro de 1994 e de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referidos no n.° 130 supra, e AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra, há que verificar, quando os preços forem inferiores aos custos totais, mas superiores aos custos variáveis, se se inscrevem no âmbito de um plano de eliminação da concorrência. Ora, no n.° 215 do presente acórdão, o Tribunal chegou à conclusão de que a Comissão apresentou indícios sérios e concordantes da existência de um plano de práticas predatórias durante todo o período da infracção.
230 Consequentemente, há que julgar todos os fundamentos do pedido de anulação da decisão improcedentes.
II – Quanto aos pedidos subsidiários destinados a obter a anulação da aplicação da coima ou a redução do seu montante
231 A título subsidiário, a WIN contesta o montante da coima que lhe foi aplicada e pede a anulação dessa aplicação ou uma redução muito substancial dessa sanção. Invoca, para fundamentar esses pedidos, a violação dos princípios da pessoalidade e da legalidade das penas, o facto de as práticas em causa não terem tido quaisquer efeitos, a fixação errada da duração da infracção e a violação do princípio da proporcionalidade.
A – Violação dos princípios da pessoalidade e da legalidade das penas
1. Quanto à violação do princípio da pessoalidade das penas
a) Argumentos das partes
232 Segundo a WIN, a Comissão violou o princípio da pessoalidade das penas ao basear‑se em actuações da France Télécom para lhe aplicar uma sanção. Por um lado, a Comissão reconheceu que foi a intervenção da France Télécom que pôs termo à infracção. Por outro, a Comissão teve em conta a actuação da France Télécom para apreciar o carácter intencional da infracção alegadamente cometida pela WIN.
233 A Comissão responde a este fundamento remetendo essencialmente para a sua resposta ao mesmo fundamento invocado pela WIN no âmbito do seu pedido principal. A Comissão acrescenta que a intenção de exclusão da WIN foi abundantemente sustentada por documentos internos da empresa, não sendo de modo algum as referências ocasionais à France Télécom determinantes.
b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
234 Este fundamento coincide em grande parte com o invocado a título principal pela WIN no âmbito do seu pedido de anulação da decisão. Consequentemente, há que remeter para os n.os 66 a 71 do presente acórdão.
235 Por outro lado, fixar o termo da infracção da WIN na data da baixa das tarifas praticadas pela France Télécom não equivale a tomar como base a actuação desta última para aplicar uma sanção à WIN. A infracção em causa é muito claramente imputada à WIN e não à France Télécom. A WIN poderia ter feito cessar a infracção por sua própria iniciativa antes da intervenção da France Télécom e independentemente dessa intervenção. O facto de o termo da infracção não resultar de uma actuação da WIN em nada invalida o facto de esta a ter cometido. A infracção está directamente relacionada com o nível dos custos. Como alguns dos seus custos decorrem directamente dos preços fixados por empresas fornecedoras, o termo da infracção pode logicamente resultar, em certos casos, da actuação dessas empresas.
236 Consequentemente, o argumento relativo à violação do princípio da pessoalidade das penas deve ser julgado improcedente.
2. Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da legalidade das penas
a) Argumentos das partes
237 Segundo a WIN, a decisão aplicou‑lhe uma sanção com base em duas normas jurídicas novas. Por um lado, relativamente à questão do acompanhamento dos preços, houve uma mudança completa da posição da Comissão em relação à sua prática decisória anterior. Por outro, a Comissão utilizou um teste de práticas predatórias inédito e imprevisível.
238 Não há precedentes em matéria de preços predatórios num mercado emergente. A Comissão aplicou pela primeira vez o método de cálculo que adoptou no caso em apreço, definindo‑o ao longo do processo. Segundo o método adoptado por várias autoridades nacionais da concorrência, a WIN afirma que podia legitimamente considerar que os seus preços não eram predatórios.
239 A Comissão alega, por sua vez, que o artigo 82.° CE e o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 constituem os únicos fundamentos jurídicos da aplicação da coima no presente processo e que essas disposições em nada são novas. Invoca jurisprudência assente segundo a qual a sua prática decisória anterior não serve, por si só, de quadro jurídico à aplicação de coima em matéria de concorrência.
240 Acrescenta, para ser exaustiva, que, na jurisprudência, uma prática de preços predatórios já foi qualificada de infracção ao artigo 82.° CE.
b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
241 A WIN não pode alegar que a actuação punida não constituía uma infracção no momento em que foi levada a cabo. Com efeito, qualquer exploração abusiva por uma empresa da sua posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial desse mercado é abrangida pelo artigo 82.° CE.
242 Além disso, é jurisprudência assente que a enumeração das práticas abusivas contida no artigo 82.° CE não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 26, e de 16 de Março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C‑395/96 P e C‑396/96 P, Colect., p. I‑1365, n.° 112).
243 Por outro lado, uma prática de preços predatórios já foi qualificada de infracção ao artigo 82.° CE. Foi punida pela Comissão e deu origem ao acórdão AKZO/Comissão, já referido no n.° 100 supra, e aos acórdãos de 6 de Outubro de 1994 e de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referidos no n.° 130 supra, que adoptaram um teste de práticas predatórias baseado na distinção entre os custos variáveis e os custos totais, como o adoptado no caso em apreço.
244 Todavia, a Comissão, no caso vertente, adaptou esse teste, de modo favorável à WIN, escalonando os custos de angariação de clientela para ter em conta as características do mercado em causa.
245 A este respeito, não se pode deixar de referir que a aplicação do método adoptado nesses processos poderia, de qualquer forma, ter permitido à WIN prever que seria eventualmente condenada nos termos do artigo 82.° CE. A WIN não pode invocar o facto de não ter podido prever a adaptação desse método uma vez que esta adaptação lhe é favorável.
246 Também não resulta da prática decisória da Comissão nem da jurisprudência que a WIN pudesse legitimamente esperar que lhe fosse reconhecido, nas circunstâncias do caso em apreço, o direito de acompanhar os preços dos seus concorrentes (v. n.os 176 a 187 do presente acórdão) nem que lhe fosse aplicado o método dos cash‑flows actualizados (v. n.os 153 e 156 do presente acórdão) e que fossem tidas em conta margens posteriores ao termo da infracção (v. n.° 152 do presente acórdão). O mercado, por outro lado, já não estava em fase de arranque durante o período considerado (v. n.° 106 do presente acórdão).
247 Todavia, a WIN invocou o considerando 47 da Decisão 2001/354/CE da Comissão, de 20 de Março de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] (Processo COMP/35.141 – Deutsche Post AG) (JO L 125, p. 27), em que a Comissão não aplicou qualquer coima pela não cobertura dos custos incrementais, uma vez que até aí não tinha sido dada resposta à questão de saber que padrão de cobertura dos custos se devia aplicar aos serviços expostos à concorrência de uma empresa multiprodutos ou multisserviços que usufruía de um domínio reservado.
248 Nesse processo, o denunciante tinha alegado que a Deutsche Post AG utilizava as receitas das suas actividades rentáveis de envio de correio que constituía o seu domínio reservado para financiar vendas com prejuízo nos sectores dos serviços de transporte de encomendas comerciais para eliminar os seus concorrentes nesse sector. Na sua decisão, a Comissão puniu a concessão de descontos de fidelidade pela Deutsche Post e condenou‑a, a esse título, numa coima de 24 milhões de euros. Todavia, a coima aplicada não dizia respeito ao transporte de encomendas a preços inferiores aos custos incrementais.
249 Há que observar que a situação da Deutsche Post tinha, nesse processo, características muito específicas. A empresa exercia actividades abrangidas, consoante os casos, pelo monopólio baseado na sua função de interesse geral ou pela concorrência. Esse processo, assim, colocava o problema da definição do padrão de cobertura dos custos relativamente a uma empresa que usufrui de um domínio reservado e que pode utilizar os lucros realizados nesse domínio reservado para cobrir os seus prejuízos noutro sector aberto à concorrência. Em semelhante contexto, a empresa podia ser alvo de alguma incerteza quanto às normas aplicáveis. Ora, a situação da WIN, que só operava no mercado concorrencial, não pode ser comparada à da Deutsche Post e é, a este respeito, mais próxima da situação da AKZO e da Tetra Pak.
250 Por outro lado, há que observar que, embora não tenha aplicado uma coima por essa razão, a Decisão 2001/354 não deixa de concluir, no artigo 2.°, pela existência de uma infracção ao artigo 82.° CE cometida pela Deutsche Post ao propor assegurar o transporte de encomendas para o sector da venda por correspondência a preços inferiores aos custos incrementais. Tendo esta decisão sido aprovada em 20 de Março de 2001 e publicada no Jornal Oficial em 5 de Maio de 2001, a WIN deveria saber, por conseguinte, na altura da infracção em causa – Março de 2001 a Outubro de 2002 – que essas actuações constituíam uma infracção. Observar‑se‑á também que, no âmbito do presente processo, foi a própria WIN que contestou o recurso aos custos incrementais e se regozijou, na sua resposta à comunicação de acusações complementar, pelo facto de a Comissão ter abandonado esse método. A WIN não pode, portanto, agora, censurar essa alteração à Comissão.
251 Por último, de qualquer forma, mesmo admitindo que, apesar de a prática de preços predatórios não ser uma infracção nova, se devam considerar as características próprias do mercado de acesso à Internet de alta velocidade, a decisão da Comissão de não aplicar uma coima numa decisão anterior devido à natureza relativamente nova das infracções verificadas não concede imunidade às empresas que cometam infracções que não foram punidas anteriormente pela Comissão. Com efeito, é no contexto específico de cada processo que a Comissão, no exercício do seu poder de apreciação, decide da oportunidade de aplicar uma coima para punir a infracção cometida e preservar a eficácia do direito da concorrência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.° 239).
252 Em consequência, a Comissão, no caso em apreço, não violou o princípio de legalidade das penas.
B – Inexistência de efeitos das práticas em causa
1. Argumentos das partes
253 Segundo a WIN, a Comissão não fez prova de que as alegadas práticas da WIN tenham tido quaisquer efeitos no mercado. O montante da coima que lhe foi aplicada deveria, portanto, também por essa razão, ser reduzido.
254 Quanto à sua quota de mercado, a WIN alega que a própria Comissão afirma, na sua decisão, que se manterá em cerca de 50%, ao passo que ascendia a 72% em Outubro de 2002, data do termo da infracção, ou seja, que se verificou uma diminuição de um terço em apenas nove meses. Isto é suficiente para demonstrar que as estruturas do mercado não foram duradouramente afectadas pelas suas alegadas práticas anticoncorrenciais.
255 Além disso, mesmo ao longo do período considerado, a concorrência foi muito viva no mercado de acesso à Internet. Em Setembro de 2002, existiam mais de 70 ofertas destinadas aos consumidores. Os FAI entraram novamente no mercado, enquanto os preços das ofertas baixaram com o impulso dos concorrentes. O desenvolvimento dos concorrentes não foi entravado e o desaparecimento da sociedade Mangoosta não é imputável à WIN.
256 A WIN considera, a este respeito, que a afirmação da Comissão segundo a qual as alegadas práticas da WIN afectaram profundamente a estrutura do mercado é uma simples presunção não alicerçada em nenhum facto concreto que demonstre as efectivas dificuldades dos concorrentes da WIN.
257 A Comissão contesta os dados apresentados pela WIN alegando que dizem alternativamente respeito a toda a actividade de fornecimento de acesso à Internet, tanto de alta como de baixa velocidade, ou ao segmento do fornecimento de acesso à Internet de alta velocidade ADSL, consoante o que é mais favorável às teses da WIN.
258 A Comissão afirma que uma comparação do aumento das vendas dos diversos operadores de mercado durante o ano de 2001 até ao Outono de 2002 indica claramente que a estratégia da WIN lhe permitiu limitar a concorrência e reforçar a sua posição. Não houve, por exemplo, novas entradas significativas no mercado durante o período considerado.
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
259 Em conformidade com as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do disposto no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3), a avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência.
260 Ora, a WIN contestou que a infracção em causa tenha tido impacto no mercado. No entanto, vários elementos demonstram o contrário.
261 Em primeiro lugar, a quota da WIN no mercado da alta velocidade começou por aumentar de 50% para 72% (considerando 400 e tabela 8 da decisão) entre o início da infracção e o mês de Agosto de 2002, apesar de, segundo os dados apresentados pela WIN em resposta às perguntas escritas colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância, ter em seguida baixado para 63,6% em Outubro de 2002. Por outro lado, há que salientar que o concorrente mais próximo da WIN detinha uma quota de mercado de 8%, situando‑se todos os outros concorrentes abaixo de 2,5% (considerando 376 da decisão). Resulta da tabela 9 da decisão, que não foi contestada pela WIN, que durante todo o período a WIN aprofundou o seu afastamento do seu primeiro concorrente de modo pronunciado.
262 Em segundo lugar, um concorrente, a sociedade Mangoosta, desapareceu do mercado (considerando 400 da decisão). É certo que a WIN considera que a falência da Mangoosta decorreu apenas de uma política estratégica particularmente arriscada e em caso algum da tarifação da WIN. Todavia, há que observar que, ao lançar os seus produtos a um preço ligeiramente superior aos da WIN, a Mangoosta teve tantos prejuízos que acabou por aumentar os seus preços de 20% no mês de Março de 2001, o que não impediu que fosse objecto de um processo de recuperação de empresa em 2 de Agosto de 2001 (considerando 384 da decisão). O desaparecimento de um concorrente muito marginal que praticava preços inferiores aos seus custos, mas ligeiramente superiores aos preços da WIN, constitui, pelo menos, no caso em apreço um elemento que corrobora a dificuldade de penetrar no mercado.
263 Em terceiro lugar, durante o período considerado, registou‑se uma degradação significativa das quotas de mercado dos operadores de cabo concorrentes (tabela 14 da decisão), ao passo que os concorrentes no segmento ADSL se mantinham a níveis de penetração muito baixos. A WIN não contesta a degradação das quotas de mercado dos operadores de cabo, mas considera que não se deve à sua política tarifária, mas sim ao desenvolvimento da ADSL em detrimento do acesso por cabo. No entanto, há que salientar que, em Setembro de 2001, a WIN considerava que os operadores de cabo eram os únicos verdadeiros concorrentes no mercado de acesso à Internet de alta velocidade (nota de pé de página n.° 444 da decisão) e que a ADSL constituía um «mercado no final de 2001 dominado por [ela], mas globalmente pouco activo».
264 Em quarto lugar, as práticas da WIN tiveram um efeito dissuasivo sobre o acesso ao mercado ou o desenvolvimento dos concorrentes. Com efeito, vários de entre eles confirmaram que lhes era impossível acompanhar os preços da WIN, tendo em conta os custos suportados, sem registar prejuízos (v. considerando 379 e nota de pé de página n.° 451 da decisão). As novas entradas permaneceram marginais. A WIN evocou os casos das sociedades Dixinet e Net pratique. Todavia, no final de Agosto de 2002, a Dixinet só tinha dez assinantes dos seus serviços ADSL e de telefonia, enquanto que a Net pratique, que só lançou o seu serviço no Verão de 2002, ou seja, no termo da infracção, tinha apenas 1 400 assinantes seis meses mais tarde.
265 A este respeito, o argumento da WIN, que atribui a lentidão da progressão de certos concorrentes a uma opção estratégica e à opção por se concentrarem na baixa velocidade em detrimento da ADSL considerada um negócio sem futuro, não convence. Embora seja verdade que alguns concorrentes possam, inicialmente, ter duvidado do desenvolvimento da alta velocidade, não se pode presumir que tenham persistido nessa opinião face ao grande crescimento desse mercado. A actuação da sociedade T‑Online, fornecedora de acesso à Internet sob a marca Club Internet, perante as autoridades francesas da concorrência deixa antes transparecer o contrário. Do mesmo modo, a declaração do presidente e director‑geral da AOL France, acima referida no n.° 212, faz crer que a razão da ausência dessa empresa do mercado da alta velocidade estava, na altura, relacionada com os prejuízos que teria sofrido devido à grande oferta da WIN e não à sua vontade de se limitar à baixa velocidade.
266 Relativamente ao argumento da WIN segundo o qual os consumidores não foram lesados pelas suas práticas de preços, tendo, pelo contrário, beneficiado delas, há que recordar que o Tribunal de Justiça afirmou que o artigo 82.° CE não tem apenas por objecto as práticas susceptíveis de causar prejuízo imediato aos consumidores mas também as que lhes causam prejuízo ao lesar uma estrutura de concorrência efectiva (acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão, já referido no n.° 242 supra, n.° 26).
267 Assim, este fundamento relativo à inexistência de efeitos das práticas em causa deve ser julgado improcedente.
C – Errada determinação da duração da infracção
1. Argumentos das partes
268 A WIN alega, por um lado, que o termo da infracção que lhe é imputada se deve, segundo a Comissão, à baixa das tarifas praticadas pela France Télécom em 15 de Outubro de 2002. Ora, a France Télécom anunciou essa baixa em Abril de 2002, tendo sido a execução dessa medida atrasada pelo processo de homologação da Autoridade de Regulamentação das Telecomunicações (ART). A WIN, portanto, de qualquer forma, não podia ser responsabilizada pela infracção além do mês de Março de 2002, de modo que a duração da infracção só podia ser de treze meses.
269 Por outro lado, a Comissão, na sua decisão, definiu uma duração da infracção superior à que constava das comunicações de acusações. Logo, o Tribunal de Primeira Instância deveria declarar que a duração da infracção que pode ser imputada à WIN é, no máximo, de 17 meses e, consequentemente, reduzir a coima.
270 A este último argumento, a Comissão responde que as comunicações de acusações não podem ser interpretadas no sentido de que enunciaram uma duração limitativa da infracção quando esta ainda estava em curso.
271 Quanto ao argumento relativo ao atraso na baixa das tarifas da France Télécom devido ao processo de homologação da ART, a Comissão considera que a WIN não pode invocá‑lo em seu favor.
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
272 No que diz respeito ao alegado prolongamento da duração da infracção em relação às comunicações de acusações, há que remeter para os n.os 49 a 52 do presente acórdão, dos quais resulta que este argumento não deve ser acolhido.
273 Relativamente ao anúncio feito pela France Télécom da baixa das suas tarifas do mercado grossista desde o mês de Abril de 2002, há que salientar que a infracção não terminou nessa data, mas aquando da execução efectiva dessa baixa de tarifas. Automaticamente, essa baixa das tarifas da France Télécom originou uma baixa dos custos. Os preços da WIN deixaram de ser inferiores aos seus custos totais e a infracção terminou. Sem ter aguardado por essa baixa das tarifas da France Télécom, a WIN poderia ter posto termo à infracção a todo o tempo, por exemplo, subindo as suas tarifas ou reduzindo outros custos. Todavia, não adoptou nenhuma medida nesse sentido.
274 Daí decorre que não há que reduzir o montante da coima aplicada devido à alegada duração da infracção.
D – Violação do princípio da proporcionalidade
1. Argumentos das partes
275 A WIN contesta, em primeiro lugar, o facto de não ter sido considerada, na determinação do montante da coima, a sua atitude de cooperação e de transparência. Critica, em segundo lugar, o facto de a Comissão não ter tomado em consideração a supressão progressiva da infracção na fixação do montante de base da coima nem como circunstância atenuante. A amplitude da infracção foi reduzida no mês de Agosto de 2001 devido a uma baixa das tarifas do mercado grossista pela France Télécom, antes mesmo de esta última ter sido informada da existência do inquérito da Comissão. A France Télécom não cessou de mostrar o seu desejo permanente de resolver o mais depressa possível o problema suscitado pela Comissão.
276 A Comissão considera que não há circunstâncias atenuantes nem agravantes no caso em apreço.
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
277 Relativamente, em primeiro lugar, à alegada cooperação, é jurisprudência assente que uma cooperação no inquérito que não ultrapasse o que resulta das obrigações que incumbem às empresas por força do disposto no artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 não justifica uma redução da coima (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.os 341 e 342, e de 14 de Maio de 1998, Weig/Comissão, T‑317/94, Colect., p. II‑1235, n.° 283).
278 No considerando 412 da decisão, a Comissão menciona o facto de a WIN ter invocado como circunstâncias atenuantes a sua transparência e a sua plena cooperação no decurso do presente processo. A Comissão considera porém «que a empresa se limitou ao cumprimento normal das obrigações de informar a Comissão que lhe incumbem por força do Regulamento n.° 17».
279 Na petição, a WIN alega que a Comissão não teve em conta o facto de ela ter sempre cooperado plenamente no processo e ter adoptado uma actuação inteiramente transparente. A WIN acrescenta que, aliás, foi a seu convite que a Comissão fez uma visita às suas instalações e levou cópias dos documentos relativos aos seus custos e à elaboração das suas ofertas comerciais. Nem a petição nem a réplica contêm outros esclarecimentos acerca dessa cooperação.
280 Não se pode deixar de referir que a WIN não apresentou nenhum elemento susceptível de infirmar que se limitou a cumprir as obrigações que lhe incumbiam por força do Regulamento n.° 17. A WIN não demonstrou, em particular, que foi ela própria que convidou a Comissão a visitar as suas instalações antes da abertura do inquérito. Com efeito, a Comissão afirma, na resposta, que a recorrente não pode fazer uma circunstância atenuante do facto de a Comissão se ter limitado a fazer essas verificações in loco com base no artigo 14.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 «ao marcar encontro com a empresa nas suas instalações».
281 A título subsidiário, mesmo tomando como certo o facto de ter sido a própria WIN a convidar a Comissão a fazer uma visita às suas instalações sem esperar que esta última ordenasse inspecções através de decisão, isso não seria suficiente para concluir por uma cooperação tão estreita que pudesse justificar a sua tomada em consideração enquanto circunstância atenuante. Importa observar que o artigo 14.° do Regulamento n.° 17 dispõe que, no cumprimento dos deveres que lhe são impostos pelo artigo 81.° CE, a Comissão pode proceder a todas as diligências de instrução necessárias junto das empresas. Os seus agentes mandatados podem, nomeadamente, aceder a todas as instalações e tirar cópias dos documentos profissionais. As inspecções da Comissão podem ser efectuadas por simples mandado (artigo 14.°, n.° 2) ou ordenadas por decisão (artigo 14.°, n.° 3). O facto de a Comissão não ter actuado, no caso em apreço, mediante decisão não implica, por si só, uma «colaboração efectiva da empresa no processo», na acepção das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA.
282 Em segundo lugar, quanto aos argumentos relativos à supressão efectiva da infracção, há que salientar, por um lado, que a WIN não adoptou nenhuma medida nesse sentido por iniciativa própria. Não pode invocar em sua defesa os esforços que foram feitos pela France Télécom. Por outro lado, apesar de as iniciativas desta última poderem ter tido um impacto positivo no mercado antes do termo da infracção, não podem alterar a qualificação da infracção cometida pela WIN, tornando‑a menos grave. Com efeito, os preços predatórios praticados pela WIN no mercado em causa constituem uma infracção grave às normas da concorrência. O facto de a intensidade de determinados elementos abusivos ter variado ao longo do período considerado não pode alterar essa qualificação (v., neste sentido, acórdão de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, já referido no n.° 195 supra, n.° 278).
283 Resulta do que precede que o fundamento invocado pela WIN relativo à violação do princípio da proporcionalidade não deve ser acolhido, de modo que os pedidos de anulação da aplicação ou de redução da coima devem ser julgados improcedentes.
284 Com base nas considerações precedentes, há, consequentemente, que negar provimento ao recurso.
Quanto às despesas
285 Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)
decide:
1) É negado provimento ao recurso.
2) A recorrente é condenada nas despesas.
Vilaras |
Martins Ribeiro |
Dehousse |
Šváby |
Jürimäe |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Janeiro de 2007.
O secretário |
O presidente |
E. Coulon |
M. Vilaras |
Índice
Factos e tramitação do processo
Pedidos das partes
Questão de direito
I – Quanto ao pedido de anulação da decisão
A – Quanto ao fundamento relativo à violação dos direitos de defesa e de formalidades essenciais
1. Argumentos das partes
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
B – Quanto ao fundamento relativo à falta de fundamentação
1. Argumentos das partes
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
C – Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da pessoalidade das penas
1. Argumentos das partes
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
D – Quanto à violação do artigo 82.° CE
1. Quanto à posição dominante
a) Quanto à errada definição do mercado
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
b) Quanto à análise lacunar da posição dominante
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
2. Quanto ao abuso de posição dominante
a) Quanto às acusações relativas ao teste de cobertura dos custos
Quanto ao erro de método de cálculo da taxa de cobertura dos custos
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
Quanto aos erros de cálculo na aplicação do método adoptado
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
b) Quanto às acusações relativas ao teste de práticas predatórias
Quanto à justificação relativa a um direito da WIN de acompanhar os preços dos seus concorrentes
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
Quanto à alegada inexistência de uma estratégia de práticas predatórias e de redução da concorrência
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
Quanto à recuperação dos prejuízos
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
II – Quanto aos pedidos subsidiários destinados a obter a anulação da aplicação da coima ou a redução do seu montante
A – Violação dos princípios da pessoalidade e da legalidade das penas
1. Quanto à violação do princípio da pessoalidade das penas
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
2. Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da legalidade das penas
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
B – Inexistência de efeitos das práticas em causa
1. Argumentos das partes
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
C – Errada determinação da duração da infracção
1. Argumentos das partes
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
D – Violação do princípio da proporcionalidade
1. Argumentos das partes
2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
Quanto às despesas
* Língua do processo: francês.