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Documento 61989TJ0065
Judgment of the Court of First Instance (Second Chamber) of 1 April 1993. # BPB Industries Plc and British Gypsum Ltd v Commission of the European Communities. # Competition - Abuse of a dominant position - Exclusive purchase contract - Loyalty payments - Effect on trade between Member States - Attributability of the infringement. # Case T-65/89.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) de 1 de Abril de 1993.
BPB Industries Plc e British Gypsum Ltd contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Abuso de posição dominante - Contrato de compra exclusiva - Desconto de fidelidade - Afectação do comércio entre Estados-membros - Imputabilidade da infracção.
Processo T-65/89.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) de 1 de Abril de 1993.
BPB Industries Plc e British Gypsum Ltd contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Abuso de posição dominante - Contrato de compra exclusiva - Desconto de fidelidade - Afectação do comércio entre Estados-membros - Imputabilidade da infracção.
Processo T-65/89.
Colectânea de Jurisprudência 1993 II-00389
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:T:1993:31
ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (SEGUNDA SECCAO) DE 1 DE ABRIL DE 1993. - BPB INDUSTRIES PLC E BRITISH GYPSUM LTD CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - CONCORRENCIA - ABUSO DE POSICAO DOMINANTE - CONTRATO DE COMPRA EXCLUSIVO - DESCONTO POR FIDELIDADE - INFLUENCIA SOBRE O COMERCIO ENTRE ESTADOS-MEMBROS - IMPUTABILIDADE DA INFRACCAO. - PROCESSO T-65/89.
Colectânea da Jurisprudência 1993 página II-00389
Edição especial sueca página II-00001
Edição especial finlandesa página II-00001
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Concorrência ° Procedimento administrativo ° Acesso ao processo ° Obrigação da Comissão por força de regras formuladas por ela própria num relatório sobre a política de concorrência
2. Concorrência ° Procedimento administrativo ° Acesso ao processo ° Objecto ° Respeito dos direitos da defesa ° Direito de ser ouvido
(Regulamento n. 17 do Conselho, artigo 19. , n.os 1 e 2; Regulamento n. 99/63 da Comissão, artigo 2. )
3. Concorrência ° Posição dominante ° Abuso ° Contratos de fornecimento exclusivo ° Descontos de fidelidade
(Tratado CEE, artigo 86. )
4. Concorrência ° Posição dominante ° Abuso ° Conceito
(Tratado CEE, artigo 86. )
5. Concorrência ° Posição dominante ° Abuso ° Conceito ° Inexistência de culpa
(Tratado CEE, artigo 86. )
6. Concorrência ° Posição dominante ° Abuso ° Proibição ° Isenção ao abrigo do artigo 85. , n. 3 ° Não incidência
(Tratado CEE, artigos 85. , n. 3, 86. )
7. Concorrência ° Posição dominante ° Abuso ° Conceito ° Fornecimento prioritário, em período de escassez, de clientes que não se abastecem junto de concorrentes
(Tratado CEE, artigo 86. )
8. Concorrência ° Posição dominante ° Abuso ° Descontos de fidelidade
(Tratado CEE, artigo 86. )
9. Concorrência ° Posição dominante ° Afectação do comércio entre Estados-membros ° Critérios
10. Concorrência ° Regras comunitárias ° Infracção cometida por uma filial ° Imputação à sociedade-mãe ° Condições
11. Concorrência ° Regras comunitárias ° Infracções ° Realização deliberada ° Conceito
(Regulamento n. 17 do Conselho, artigo 15. )
1. Quando a Comissão tenha estabelecido um procedimento de acesso aos autos num processo de concorrência, e tenha formulado e dado a conhecer as regras respectivas num dos seus relatórios sobre a política de concorrência, tem a obrigação de tornar acessível às empresas implicadas num processo para aplicação do artigo 85. , n. 1, do Tratado o conjunto dos documentos contra e a favor que recolheu no decurso das diligências de instrução, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, documentos internos da Comissão e outras informações confidenciais.
2. O procedimento de acesso ao processo nos processos de concorrência tem por objectivo permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, a fim de poderem pronunciar-se eficazmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou na comunicação de acusações com base nesses elementos. O acesso ao processo é, portanto, uma das garantias processuais destinadas a proteger os direitos da defesa e a assegurar, designadamente, o exercício efectivo do direito a ser ouvido, consagrado no artigo 19. , n.os 1 e 2, do Regulamento n. 17, e 2. do Regulamento n. 99/63.
3. À empresa que se encontra em posição dominante num mercado incumbe uma responsabilidade particular, a de não atentar contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum. O facto de uma empresa nestas condições vincular compradores - ainda que seja a pedido destes - a uma obrigação ou promessa de abastecimento, da totalidade ou de parte considerável das suas necessidades, exclusivamente nessa empresa, constitui exploração abusiva de uma posição dominante, na acepção do artigo 86. do Tratado, quer a obrigação seja estipulada sem mais, quer tenha a sua contrapartida na concessão de descontos. Com efeito, quando um operador dispõe de uma posição forte no mercado, a celebração de contratos de fornecimento exclusivo respeitantes a uma proporção importante das compras constitui um entrave inaceitável à entrada no mercado.
4. Embora a existência de uma posição dominante não prive uma empresa colocada nessa posição do direito de salvaguardar os seus próprios interesses comerciais, quando estes estiverem ameaçados, e embora essa empresa tenha a faculdade, dentro dos limites do razoável, de praticar os actos que considerar apropriados para proteger os seus interesses, não podem no entanto admitir-se da sua parte comportamentos que tenham por objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela.
5. Sendo o conceito de exploração abusiva um conceito objectivo, o comportamento de uma empresa em posição dominante pode considerar-se abusivo, na acepção do artigo 86. do Tratado, independentemente de qualquer culpa.
6. Uma isenção ao abrigo do artigo 85. , n. 3, do Tratado não prejudica em nada a aplicação do artigo 86.
7. O artigo 86. do Tratado proíbe que uma empresa dominante reforce a sua posição recorrendo a outros meios que não sejam uma concorrência pelo mérito. Assim, embora uma empresa em posição dominante tenha a faculdade de, num perído de escassez, definir os critérios de prioridade de satisfação das encomendas, esses critérios devem ser objectivos, não apresentar qualquer carácter discriminatório e ser objectivamente justificados, no âmbito do respeito das regras que regem uma concorrência leal entre operadores económicos.
Não é esse o caso de um critério baseado na distinção entre os clientes que se abastecem exclusivamente na empresa em posição dominante e os que comercializam igualmente produtos comprados a alguns dos seus concorrentes.
8. Constitui prática abusiva, na acepção do artigo 86. do Tratado, a instituição, por um fornecedor que se encontre em posição dominante e relativamente ao qual, por esse facto, o cliente se encontra numa posição de dependência mais ou menos acentuada, de qualquer forma de desconto de fidelidade pelo qual esse fornecedor tente, por meio de vantagens financeiras, impedir que os seus clientes se abasteçam nos seus concorrentes.
9. Para que o artigo 86. do Tratado seja aplicável, é necessário e suficiente que o comportamento abusivo seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros; não é necessário verificar a existência de um efeito actual e real no comércio interestatal. Com efeito, a condição de afectação do comércio deve considerar-se preenchida quando esteja provado que o comércio intracomunitário foi efectivamente afectado ou que o foi, pelo menos potencialmente, de modo significativo.
10. O facto de uma filial ter uma personalidade jurídica distinta da da sociedade-mãe não basta para afastar a possibilidade de o seu comportamento ser imputado a esta última, designadamente quando a filial, embora tendo personalidade jurídica distinta, não determine de modo autónomo a sua linha de actuação no mercado, mas aplique, no essencial, as instruções que lhe são dirigidas pela sociedade-mãe. No caso de uma filial a 100%, esta segue, em princípio, necessariamente a política traçada pela sociedade-mãe.
11. Para que uma infracção às regras de concorrência do Tratado possa ser considerada como tendo sido cometida deliberadamente, não é necessário que a empresa tenha tido consciência de infringir uma proibição estabelecida por essas regras; basta que não pudesse ignorar que a conduta censurada tinha por objectivvo ou podia ter por efeito falsear a concorrência no mercado comum.
No processo T-65/89,
BPB Industries plc, sociedade de direito inglês, estabelecida em Slough (Reino Unido), e
British Gypsum Limited, sociedade de direito inglês, estabelecida em Nottingham (Reino Unido),
representadas por Michel Waelbroeck, advogado no foro de Bruxelas, e por Gordon Boyd Buchanan Jeffrey, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Harles, 4, avenue Marie-Thérèse,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Norbert Koch, consultor jurídico, e Ida Langermann, membro do Serviço Jurídico, e posteriormente por Julian Currall e Berend-Jan Drijber, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Nicola Annechino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
recorrida,
apoiada por
Reino de Espanha, representado por Javier Conde de Saro, director-geral da Coordenação Jurídica e Institucional Comunitária, e Rosario Silva de Lapuerta, abogado del Estado, do Serviço do Contencioso Comunitário, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Espanha, 4-6, boulevard E. Servais,
e por
Iberian Trading (UK) Limited, sociedade de direito inglês, estabelecida em Londres, representada por John E. Pheasant e Simon W. Polito, solicitors, da sociedade Lovell White Durrant, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolter, 8, rue Zithe,
intervenientes,
que tem por objecto a anulação da Decisão 89/22/CEE da Comissão, de 5 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 86. do Tratado CEE (IV/31.900 ° BPB Industries plc, JO 1989, L 10, p. 50, com rectificação no JO 1989, L 52, p. 42)
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),
composto por: J. L. Cruz Vilaça, presidente, A. Saggio e C. P. Briët, juízes,
secretário: H. Jung
vistos os autos e após a audiência de 23 de Janeiro de 1992,
profere o presente
Acórdão
Os factos na origem do recurso
1 O presente processo diz respeito à Decisão 89/22/CEE da Comissão, de 5 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 86. do Tratado CEE (IV/31.900 ° BPB Industries plc, JO 1989, L 10, p. 50, com rectificação no JO 1989, L 52, p. 42, a seguir "decisão"), que aplicou coimas às recorrentes por violação do artigo 86. do Tratado CEE.
2 A BPB Industries plc (a seguir "BPB") é a sociedade gestora de participações sociais (holding) britânica de um grupo que controla cerca de metade da capacidade de produção de placas de estuque na Comunidade, e cujo volume de negócios líquido consolidado ascendeu a 1 116 milhões de ecus para o exercício que terminou no fim de Março de 1987. Na Grã-Bretanha, a BPB actua, nos sectores do estuque para construção e das placas de estuque, essencialmente por intermédio de uma filial que controla a 100%, a British Gypsum Limited (a seguir "BG"). Na Irlanda, os produtos à base de gesso, em especial, os estuques para construção e as placas de estuque, são fabricados pela filial irlandesa da BPB, Gypsum Industries plc (a seguir "GIL"), que abastece o mercado da Irlanda, bem como, por intermédio da BG, o da Irlanda do Norte.
3 Na Grã-Bretanha, a BG produz placas de estuque em oito fábricas situadas nos Midlands, no sudeste e no norte da Inglaterra. A BPB abastece normalmente o mercado britânico das placas de estuque a partir de fábricas instaladas na Grã-Bretanha, ao passo que as suas unidades da Irlanda fornecem a Irlanda e a Irlanda do Norte.
4 As placas de estuque consistem num núcleo de estuque entre duas folhas de papel cartonado. Este produto existe em várias dimensões e é fornecido essencialmente em duas espessuras. É utilizado principalmente na construção de tectos e no revestimento das paredes das casas de habitação, bem como na construção ou no revestimento de divisórias.
5 As placas de estuque utilizadas no Reino Unido e na Irlanda são, na sua quase totalidade, distribuídas por grossistas (a seguir "revendedores"). O sistema dos revendedores permite assegurar uma cadeia de distribuição eficaz para as empresas da construção. Os revendedores suportam, além disso, os riscos do crédito concedido às empresas. Durante o período considerado, registou-se uma tendência para a concentração no sector dos revendedores.
6 Antes de 1982, não havia importações regulares de placas de estuque na Grã-Bretanha. Nesse ano, a Lafarge UK Limited (a seguir "Lafarge"), uma sociedade do grupo francês Lafarge Coppée, começou a importar placas de estuque produzidas em França. A Lafarge aumentou gradualmente as suas importações. Todavia, em virtude de dificuldades de abastecimento ligadas à sua dependência em relação à sua unidade de fabrico situada em França, a Lafarge não estava em condições de garantir entregas normais a um grande número de clientes.
7 Em Maio de 1984, a Iberian Trading UK Limited (a seguir "Iberian") começou a importar placas de estuque fabricadas em Espanha pela Española de Placas de Yeso (a seguir "EPYSA"). Os seus preços eram inferiores aos da BG, variando essa diferença em geral entre 5% e 7%, se bem que se tenham notado algumas divergências mais importantes nos preços. A gama dos produtos fornecidos pela Iberian limitava-se a placas de estuque de um número restrito de dimensões, entre os modelos mais procurados. Além disso, em diversas ocasiões, a Iberian confrontou-se igualmente com dificuldades de abastecimento.
8 Em 1985 e em 1986, a BG forneceu cerca de 96% das placas de estuque vendidas no Reino Unido e a Lafarge e a Iberian partilharam entre si o resto do mercado.
9 Em 17 de Junho de 1986, a Iberian enviou à Comissão um pedido de que esta declarasse, nos termos do artigo 3. do Regulamento n. 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85. e 86. do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir "Regulamento n. 17"), a existência de infracções ao disposto no artigo 86. do Tratado CEE cometidas pela BPB. Em 3 de Dezembro de 1987, a Comissão decidiu dar início ao processo, nas condições previstas no artigo 3. , n. 1, do Regulamento n. 17.
10 Após ter dado às empresas a oportunidade de se pronunciarem sobre as acusações por ela formuladas, nos termos do artigo 19. , n. 1, do Regulamento n. 17, e do Regulamento n. 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19. do Regulamento n. 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir "Regulamento n. 99/63"), e depois de ter consultado o Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes, a Comissão adoptou, em 5 de Dezembro de 1988, a decisão controvertida, que tem o seguinte dispositivo:
"Artigo 1.
Entre Julho de 1985 e Agosto de 1986, a British Gypsum Ltd violou o disposto no artigo 86. do Tratado CEE consistindo a infracção no abuso da sua posição dominante no fornecimento de placas de estuque na Grã-Bretanha através de um regime de pagamentos a revendedores de materiais de construção que acordaram em comprar placas de estuque exclusivamente à British Gypsum Ltd.
Artigo 2.
A concretização em Julho e Agosto de 1985 de uma política que favorecia clientes que não negociavam com placas de estuque importadas na concessão de prioridade nas encomendas para fornecimento de estuque de construção num período de atraso das entregas desse produto constituiu um abuso da posição dominante da British Gypsum Ltd, no fornecimento de placas de estuque na Grã-Bretanha, proibido pelo artigo 86. do Tratado CEE.
Artigo 3.
A BPB Industries plc abusou, através da sua filial British Gypsum Ltd, da sua posição dominante detida no domínio do fornecimento de placas de estuque na Irlanda e na Irlanda do Norte, pelo que infringiu o artigo 86. do Tratado CEE:
° em Junho e Julho de 1985 ao pressionar com êxito e procurando obter o acordo de um consórcio de importadores para renunciarem a importar placas de estuque na Irlanda do Norte,
° por uma série de descontos sobre produtos da BG fornecidos a revendedores de materiais de construção na Irlanda do Norte entre Junho e Dezembro de 1985, na condição de não negociarem com placas de estuque importadas.
Artigo 4.
São aplicadas as seguintes coimas:
° à British Gypsum Ltd, uma coima de 3 000 000 ecus pelas violações ao disposto no artigo 86. do Tratado CEE referidas no artigo 1. ,
° à BPB Industries plc, uma coima de 150 000 ecus pelas violações ao disposto no artigo 86. do Tratado CEE referidas no artigo 3.
Artigos 5. e 6.
(omissis)."
Tramitação processual
11 Foi nestas circunstâncias que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de Fevereiro de 1989, a BPB e a BG interpuseram o presente recurso, destinado a obter a anulação da decisão.
12 A fase escrita do processo decorreu integralmente perante o Tribunal de Justiça. Por despacho de 4 de Outubro de 1989, o Tribunal de Justiça admitiu o Reino de Espanha como interveniente em apoio dos pedidos da recorrida. Por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 14. da decisão do Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias. Por despacho de 18 de Janeiro de 1990, o Tribunal de Primeira Instância admitiu a Iberian como interveniente em apoio dos pedidos da recorrida.
13 Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. No entanto, a título de medidas de organização do processo, o Tribunal, por ofício do secretário de 8 de Novembro de 1991, dirigiu várias perguntas à recorrida, a que foi dada resposta por carta entrada na Secretaria do Tribunal em 16 de Dezembro de 1991.
14 As partes principais e as intervenientes foram ouvidas em alegações e em resposta às perguntas do Tribunal na audiência de 23 de Janeiro de 1992.
Pedidos das partes
15 Na petição, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
° anular a decisão que impõe à primeira recorrente o pagamento de uma coima de 150 000 ecus e à segunda recorrente o pagamento de uma coima de 3 000 000 de ecus por uma pretensa infracção ao disposto no artigo 86. do Tratado CEE;
° condenar a recorrida nas despesas da instância.
16 Na réplica, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
° anular a decisão;
° subsidiariamente, reduzir as coimas aplicadas à BPB e/ou à BG;
° condenar a Comissão nas despesas.
17 A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° negar provimento ao recurso;
° condenar as recorrentes na totalidade das despesas da instância.
18 O Reino de Espanha, interveniente, pede que o Tribunal se digne:
° negar provimento ao recurso interposto pela BG e pela BPB contra a decisão;
° declarar válida a decisão;
° condenar as recorrentes nas despesas, incluindo as do interveniente.
19 A interveniente Iberian pede que o Tribunal se digne:
° negar provimento ao recurso interposto pelas recorrentes contra a decisão;
° declarar inteiramente válida a referida decisão;
° condenar as recorrentes nas despesas, incluindo as das intervenientes.
Quanto aos pedidos de anulação da decisão
20 Em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão, as recorrentes invocam duas séries de acusações baseadas, por um lado, na violação dos direitos da defesa e, por outro lado, na não determinação da infracção.
Quanto à não comunicação de documentos e ao respeito dos direitos da defesa
° Argumentos das partes
21 As recorrentes defendem que a decisão deve ser anulada, uma vez que a Comissão não lhes comunicou todos os documentos pertinentes que tinha em seu poder e que esta omissão lhes causou um grave prejuízo. Fazem notar, em especial, que a BG não teve acesso a certos documentos que parecem ter uma relação directa com a sua situação e com determinadas acusações apresentadas contra ela. Afirmam que têm o direito de ter dúvidas quanto ao facto de certos documentos não comunicados poderem não ser pertinentes.
22 As recorrentes têm em vista, em especial, documentos entregues à Comissão aquando de verificações em instalações de terceiros. Segundo elas, o facto de se recusar de todo em todo o acesso às informações que constam de um documento entregue à Comissão por um terceiro constitui uma violação excessiva dos direitos da defesa. As recorrentes afirmam igualmente que os documentos não divulgados poderiam ter sido úteis para a argumentação da BG e que, nestas condições, não havia razão para não lhe serem comunicados. O critério seguido para a não divulgação de um documento deveria ser o do seu carácter confidencial e não o da sua eventual utilização pela Comissão. O facto de a Comissão não se basear num documento não significa que ele não seja relevante ou que a Comissão não tenha sido influenciada pelo seu conteúdo e não constitui, portanto, razão suficiente para recusar comunicá-lo.
23 As recorrentes alegam que é manifestamente impossível à BG designar os documentos cuja comunicação foi recusada pela Comissão e que ela não teve oportunidade de consultar. Segundo as recorrentes, a Comissão não tem razão em afirmar que a sua argumentação se baseia exclusivamente em documentos que a BG pôde consultar. A BG remete para uma carta de um revendedor, de 23 de Dezembro de 1985, que a Comissão invoca no n. 63 da decisão para a incriminar, se bem que ela não tenha tido autorização para dela tomar conhecimento. Salienta que resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, AKZO/Comissão (53/85, Colect., p. 1965), que a Comissão tem o dever de comunicar documentos confidenciais a uma empresa, sempre que estes sejam susceptíveis de prejudicar os seus interesses e que, por conseguinte, a Comissão deveria ter-lhe comunicado pelo menos uma lista dos documentos que tinha em seu poder.
24 As recorrentes afirmam que as suas reservas em relação à alegação da Comissão, segundo a qual esta não foi influenciada por documentos não comunicados, são justificadas, já que foi só após a insistência da BG que a Comissão comunicou o testemunho do Sr. May, consultor de construção, que a Comissão utilizou posteriormente na decisão. A BG deveria ter o direito de formar a sua própria opinião sobre a questão de saber quais os documentos que têm importância para os seus interesses.
25 No que diz respeito aos documentos descritos na carta de 19 de Fevereiro de 1988 que a Comissão lhe dirigiu, a BG chama a atenção para o facto de a Comissão não ter distinguido entre os documentos comunicados por terceiros a título confidencial e os que continham segredos comerciais. No que toca aos documentos mencionados na contestação, a BG considera que esta informação deveria ter-lhe sido comunicada durante o processo administrativo (conclusões do advogado-geral Warner no processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Distillers Company/Comissão, 30/78, Recueil, pp. 2229, 2267).
26 A Comissão afirma que a decisão se baseia exclusivamente em documentos a que a BG teve acesso. Alega que a BG não designou qualquer documento em que se tivesse baseado para formar a sua opinião e a que a BG não tivesse tido acesso. Segundo a Comissão, o direito de acesso aos seus processos não abrange todos os documentos que não contenham segredos comerciais. Invoca, a este propósito, o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão (43/82 e 63/82, Recueil, p. 19, n. 25), e considera que o acórdão AKZO/Comissão, já referido, invocado pela BG, diz respeito a uma questão diferente, ou seja, à possibilidade de a Comissão fornecer certas informações a um denunciante.
27 No caso vertente, a Comissão considera ter dado às recorrentes acesso a certos documentos em que não se baseou, ultrapassando assim aquilo que lhe incumbia. Ao facultar o processo à BG, a Comissão só excluiu dele os documentos que lhe haviam sido comunicados por terceiros sob reserva do respeito do seu carácter confidencial, bem como as contas anuais de uma empresa, os folhetos de publicidade de duas empresas, o organigrama de outra empresa e documentos considerados interessantes como reveladores de eventuais violações do disposto no artigo 85. cometidas por outras empresas que não a BPB. Estes documentos foram, além disso, objecto de uma descrição não confidencial na sua carta de 19 de Fevereiro de 1988. A Comissão considera que esta descrição permitiu à BG comprovar que eles não tinham qualquer relação com as verificações a que procedeu.
28 Quanto à carta de um revendedor de 23 de Dezembro de 1985, mencionada pela BG, a Comissão salienta que esta carta vinha em anexo a uma carta que a BG dirigiu à Comissão em 30 de Setembro de 1986, e que, por conseguinte, a BG teve acesso a ambas essas cartas. Quanto ao relatório do Sr. May, a Comissão alega que este sempre foi considerado acessível à BG; remete, a este respeito, para o sumário do anexo da comunicação das acusações e para os documentos juntos à petição. A Comissão faz notar, finalmente, que a distinção entre os segredos comerciais e as outras informações, proposta pelas recorrentes, não é de modo algum determinante para apreciar se uma empresa tem direito de acesso aos processos por ela elaborados.
° Apreciação do Tribunal
29 Tal como o Tribunal salientou no seu acórdão de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão (T-7/89, Colect., p. II-1711), a Comissão impôs-se a si própria, no seu Décimo Segundo Relatório sobre a Política de Concorrência (pp. 40 e 41), uma série de regras em matéria de acesso aos processos nos casos de concorrência. Segundo estas regras, "a Comissão concede às empresas implicadas num processo a faculdade de tomarem conhecimento dos autos que lhes dizem respeito. As empresas são informadas do conteúdo dos autos da Comissão através da junção à comunicação das acusações ou à carta de indeferimento da queixa, de uma lista de todos os documentos que compõem os autos, com indicação dos documentos ou partes dos mesmos que lhes são acessíveis. As empresas são convidadas a examinar, na Comissão, os documentos acessíveis. Se uma empresa apenas pretender examinar alguns, a Comissão pode enviar-lhe cópias. A Comissão considera confidenciais e, em consequência, inacessíveis para uma empresa determinada, os documentos seguintes: os documentos ou partes dos mesmos que contêm segredos comerciais de outras empresas; os documentos internos da Comissão, tais como notas, projectos ou outros documentos de trabalho; quaisquer outras informações confidenciais, tais como as que permitem identificar os denunciantes que desejam que a sua identidade não seja revelada, assim como as informações comunicadas à Comissão sob reserva do respeito do seu carácter confidencial". O Tribunal concluiu daí que a Comissão tem "a obrigação de tornar acessível às empresas implicadas num processo para aplicação do artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE, o conjunto dos elementos contra e a favor que recolheu no decurso das diligências de instrução, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, documentos internos da Comissão e outras informações confidenciais" (n.os 53 e 54).
30 Além disso, no seu acórdão de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e. o./Comissão (T-10/92, T-11/92, T-12/92 e T-15/92, Colect., p. II-2667), o Tribunal decidiu que "a possibilidade de acesso ao processo nos processos de concorrência tem por objectivo permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, a fim de poderem pronunciar-se eficazmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou na comunicação das acusações com base nesses elementos. O acesso ao processo é, portanto, uma das garantias processuais destinadas a proteger os direitos da defesa e a assegurar, designadamente, o exercício efectivo do direito a ser ouvido, consagrado nos artigos 19. , n.os 1 e 2, do Regulamento n. 17, e 2. do Regulamento n. 99/63. De onde se conclui que o direito de acesso ao processo constituído pela Comissão se justifica pela necessidade de garantir às empresas em causa a possibilidade de se defenderem eficazmente das acusações contra elas formuladas na comunicação de acusações" (n. 38).
31 No caso vertente, resulta da instrução que a Comissão não recusou às empresas recorrentes o acesso ao processo que elaborou. Resulta, em especial, dos documentos juntos aos autos pelas próprias recorrentes, que, de acordo com os compromissos acima referidos, assumidos pela Comissão no seu Décimo Segundo Relatório sobre a Política de Concorrência, publicado em 1982, a comunicação das acusações continha, em anexo, uma lista dos 2095 documentos que constituíam o processo da Comissão. Resulta do exame desse documento, apresentado no anexo 6 da petição entregue no Tribunal, que ele continha, além da data de elaboração de cada um dos documentos, duas séries de informações. Por um lado, esse documento repartia os documentos em causa consoante a sua natureza. Para o efeito, foi notificada às recorrentes uma classificação em quinze rubricas. O documento em exame continha, para cada documento ou grupo de documentos, a indicação do número ou ° se fosse caso disso ° números-chave que correspondiam à rubrica a que pertencia. Por outro lado, o documento examinado esclarecia, para cada documento ou grupo de documentos, se estes eram acessíveis às recorrentes (A), parcialmente acessíveis às recorrentes (B) ou não acessíveis às recorrentes (N).
32 Do exame do documento assim analisado, resulta que as recorrentes não tiveram acesso a seis categorias de documentos. Trata-se, em primeiro lugar, de documentos de carácter puramente interno da Comissão (documentos 234, 235, 290 a 318, 321, 324 a 335, 337 a 347, 367 a 382, 1329 e 1330, 1535 a 1539, 1543, 1580 a 1589, 1594, 1880 a 1882, 1907 a 1971, 1985 a 2049, 2054 a 2095); em segundo lugar, de certas trocas de correspondência com empresas terceiras (documentos 240, 252, 253 a 281, 322 e 323, 336, 348 a 361, 363 a 366, 385, 386 a 395, 1323 a 1328, 1529 e 1530, 1544 a 1546, 1559, 1596 a 1599, 1602 a 1607, 1613 a 1683, 1891 a 1903, 1972 a 1984); em terceiro lugar, de certas trocas de correspondência com os Estados-membros (documentos 282 a 289, 1690, 1691); em quarto lugar, de certos estudos e informações publicados (documentos 1904, 2051 e 2052); em quinto lugar, de certos relatórios de verificações (documentos 399 a 506); em sexto lugar, finalmente, de uma resposta a um pedido de informações, efectuado nos termos do artigo 11. do Regulamento n. 17 (documento 1699).
33 Resulta deste exame que as recorrentes não podem utilmente queixar-se de a Comissão não ter permitido a consulta de certos documentos de carácter puramente interno acerca dos quais o Tribunal já decidiu que não tinham de ser comunicados. Deve adoptar-se uma solução idêntica para as trocas de correspondência com os Estados-membros. O mesmo se diga quanto aos estudos e documentos publicados. A mesma solução deve ser adoptada no que toca aos relatórios de verificações, à resposta a um pedido de informações enviado pela Comissão ou a certas trocas de correspondência com empresas terceiras, cuja consulta a Comissão recusou legitimamente, baseando-se no seu carácter confidencial. Com efeito, uma empresa destinatária de uma comunicação de acusações, que se encontra em posição dominante no mercado, é por esse facto susceptível de adoptar medidas de retaliação contra uma empresa concorrente, um fornecedor ou um cliente que tenha colaborado na instrução efectuada pela Comissão. Finalmente, pelo mesmo motivo, as recorrentes não podem afirmar não ter havido razão para que a denúncia apresentada à Comissão, com base no artigo 3. do Regulamento n. 17, só tenha sido parcialmente posta à sua disposição (documentos 1 a 233). Por conseguinte, a recusa de comunicação destes documentos, oposta às recorrentes pela Comissão, não é, no presente caso, susceptível de afectar a legalidade da decisão.
34 Além disso, há que salientar que a Comissão, sem ser desmentida quanto a este ponto na fase oral do processo, comprovou, na tréplica, que a carta de um revendedor, a que o n. 63 da decisão se refere, estava anexa a outra carta que a própria BG lhe havia dirigido. Assim, por um lado, a BG tinha conhecimento da carta em causa e, por outro lado, e como quer que fosse, esse documento, com a cota 1312, era, como defende a Comissão, perfeitamente acessível às recorrentes, tal como resulta do anexo 6 da petição, já referido. Convém salientar, além disso, que, seja como for, o relatório do Sr. May foi colocado à disposição das recorrentes, que não podem tirar qualquer conclusão útil, quanto à regularidade do processo administrativo, do facto de a consulta desse documento lhes ter sido recusada inicialmente.
35 Resulta de tudo quanto antecede que o processo administrativo na Comissão decorreu com respeito dos direitos da defesa e que, em especial, as recorrentes, que aliás só afirmam o contrário em sentido dubitativo e hipotético, puderam alegar em tempo útil todos os seus argumentos e os seus fundamentos de defesa aquando da audição na Comissão. Daqui resulta que o fundamento das recorrentes, baseado na violação do respeito dos direitos da defesa, não ficou provado e deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.
Quanto à determinação da infracção
36 As recorrentes articularam dois fundamentos relativos à não verificação da infracção ao artigo 86. do Tratado. Estes fundamentos dizem respeito, por um lado, ao abuso de posição dominante, não sendo contestada a existência desta última, e, por outro lado, à afectação do comércio entre os Estados-membros.
I ° Quanto ao abuso de posição dominante
37 O primeiro fundamento, relativo à não verificação do abuso de posição dominante, divide-se em três partes. Diz respeito, em primeiro lugar, aos acordos de fornecimento exclusivo e aos pagamentos promocionais; em segundo lugar, aos fornecimentos prioritários de estuque; em terceiro lugar, às práticas específicas instituídas na Irlanda e na Irlanda do Norte.
A ° Os acordos de fornecimento exclusivo e os pagamentos promocionais
° Acto impugnado
38 Segundo o artigo 1. da decisão, entre Julho de 1985 e Agosto de 1986, a BG violou o disposto no artigo 86. do Tratado CEE, consistindo a infracção no abuso da sua posição dominante no fornecimento de placas de estuque na Grã-Bretanha, através de um regime de pagamentos promocionais a revendedores de materiais de construção que acordaram em comprar-lhe exclusivamente a ela.
39 A decisão (n.os 58, 60 a 64, 68 e 69) salienta que a BG concebeu, de Janeiro a Junho de 1985, um sistema que previa pagamentos regulares aos revendedores dispostos a abastecer-se exclusivamente nela. Estes pagamentos deveriam assumir a forma de contribuições regulares da BG para as despesas de publicidade e de promoção desses comerciantes. As condições desta fórmula deviam ser negociadas ao mais alto nível e não seriam divulgadas. Como contrapartida destes pagamentos promocionais, os revendedores tinham que se comprometer a abastecer-se exclusivamente na BG. Em 2 de Julho de 1985, ou mesmo antes, a BG decidiu propor o sistema a um cliente muito importante, que se via obrigado a reconsiderar a sua política de compras, tendo em conta a concorrência que lhe faziam outros comerciantes que vendiam placas de estuque da Lafarge ou da Iberian. Foram efectuados pagamentos mensais em libras esterlinas, a partir de Agosto de 1985. Posteriormente, foram propostos acordos similares a outros comerciantes que, todos, com uma única excepção, comercializavam ou tinham comercializado placas de estuque da Lafarge ou da Iberian. Foram efectuados pagamentos mensais a favor desses comerciantes. Para estes pagamentos, baseados em acordos verbais ou trocas de cartas, foram postas condições, nomeadamente a obrigação de os beneficiários só comprarem as placas de estuque da BG. A partir de Setembro de 1986, a BG cessou progressivamente estes pagamentos aos comerciantes, quando introduziu um regime de incentivo às existências (Super Stockist Scheme).
40 A decisão (n.os 123, 124 e 127) conclui que, em resposta à concorrência, a BG adoptou uma política que consistia em retribuir a "fidelidade" dos seus clientes que se abasteciam exclusivamente nela. A oferta de pagamentos promocionais a revendedores seleccionados individualmente, e não no âmbito de um regime geral baseado em critérios objectivos, serviu para fortalecer ainda mais a relação comercial estreita entre a BG e os beneficiários dos pagamentos, ao reforçar, pelo carácter exclusivo do sistema, os laços entre a BG e esses clientes. A exclusividade ou "fidelidade" constituía um objectivo em si, destinando-se a impedir os revendedores em questão de comprarem ou venderem placas de estuque importadas.
41 Segundo a decisão (n.os 128 e 129), os pagamentos efectuados pela BG constituíram a causa imediata das decisões dos revendedores de porem termo à comercialização das placas de estuque importadas. Os acordos de exclusividade significavam que os revendedores se vinculavam à BG para o futuro, o que constituía por parte desta um abuso de posição dominante.
° Argumentos das partes
42 As recorrentes afirmam que foi sem razão que a Comissão concluiu que a BG instalou um sistema de pagamentos aos revendedores, de que um dos objectivos era o de garantir a exclusividade das compras por parte deles. Contestam que os acordos de fornecimento que foram aplicados entre Julho de 1985 e Agosto de 1986 tenham podido equivaler a um abuso de posição dominante. A este respeito, apresentam vários argumentos.
43 Consideram, antes de tudo, que se tratava de acordos de venda normais, negociados ad hoc com clientes individuais, em bases que constituem uma prática corrente entre os fornecedores de materiais de construção no Reino Unido, e isto em resposta ao poder de compra crescente dos revendedores. O sistema, que se inseria num contexto em que a fidelidade à marca era fraca, continha uma oferta de efectuar pagamentos regulares aos revendedores, sob a forma de contribuições para as suas despesas de publicidade e de promoção, sob reserva do respeito de um determinado número de condições, entre as quais as de armazenar uma larga gama de placas de estuque e de exercer actividades promocionais.
44 Segundo as recorrentes, a Comissão concluiu sem razão, com base nos documentos a que o n. 58 da decisão faz referência, que o objectivo principal destes pagamentos tinha sido o de assegurar a exclusividade das compras por parte dos revendedores e, por conseguinte, o de fechar esse mercado à concorrência estrangeira. Na realidade, esses documentos só diziam respeito a uma simples discussão de planos e de estratégias possíveis e não podiam, em si mesmos, revelar uma infracção às regras da concorrência. A referência à exclusividade não era senão a resposta a revendedores que propunham fórmulas de abastecimento exclusivo. O sistema tinha constituído uma resposta a clientes da BG, com vista a recompensar a sua fidelidade e tendo como principal objectivo estabelecer vínculos estreitos com clientes apreciados desde há muito, num ambiente concorrencial movediço em virtude do poder de compra crescente desses clientes. As recorrentes contestam que a exclusividade tenha sido uma condição sine qua non para que um revendedor pudesse beneficiar de um apoio promocional. A este respeito, fazem referência a uma sociedade que teria beneficiado de tal apoio, ao mesmo tempo que continuava a importar placas de estuque de origem espanhola. Assim, resulta claramente do processo que nem todas as condições previstas pela versão inicial do projecto tinham sido postas em vigor.
45 As recorrentes salientam, em seguida, que a BG não praticou qualquer discriminação entre os revendedores que concluíram um acordo de pagamentos promocionais e aqueles que não o fizeram. Fazem notar, a este respeito, que os revendedores que negociaram com a Iberian nunca deixaram de negociar com a BG e que os pagamentos promocionais não acarretaram a ruptura das relações com os revendedores que não os aceitaram. A atitude dos revendedores que consistiu em não encomendar placas de estuque importadas após a aceitação de pagamentos promocionais podia ter sido inspirada por outros factores, tais como dificuldades de abastecimento de placas de estuque importadas, bem como a qualidade e o número limitado das dimensões e dos tipos das placas de estuque importadas.
46 Contrariamente à conclusão a que a Comissão chega no n. 129 da decisão, as recorrentes negam que os revendedores ficassem vinculados à BG para o futuro. Segundo elas, eles eram livres de rescindir, em qualquer momento, os seus acordos contratuais com a BG ou de recusar os pagamentos promocionais e continuar a vender placas de estuque importadas.
47 As recorrentes salientam, além disso, que, na sua qualidade de principal fornecedor de placas de estuque no mercado do Reino Unido, a BG tem a responsabilidade de agir de modo que a distribuição de placas de estuque seja mantida numa base regular e que inspire confiança. A fidelidade dos revendedores, pretendida pela BG, teria sido necessária para lhe permitir assegurar com continuidade e regularidade os abastecimentos em todo o mercado, nas condições mais vantajosas. Ora, isto teria sido impossível se os produtos mais procurados tivessem podido ser propostos com um ligeiro desconto aos maiores clientes da BG pela Iberian, não deixando à BG senão os produtos e os pontos de venda menos rendíveis. As recorrentes consideram que este comportamento da BG contribuiu para melhorar a distribuição das placas de estuque no Reino Unido. Consideram, além disso, que entregas de placas de estuque de origem espanhola, sendo caracterizadas como eram por preços pouco elevados, em virtude de se limitarem a algumas dimensões muito procuradas e pela falta de regularidade das entregas, representavam uma ameaça para o abastecimento adequado do mercado do Reino Unido, no seu conjunto.
48 Além disso, referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão (85/76, Recueil, p. 461), as recorrentes consideram que os acordos promocionais concluídos com os revendedores preenchem as condições para uma isenção ao abrigo do artigo 85. , n. 3, do Tratado CEE. A falta de notificação não constitui obstáculo à isenção, já que, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1970, Bilger (43/69, Recueil, p. 127), um contrato concluído entre um produtor e um retalhista estabelecidos num mesmo Estado-membro, pelo qual este último se compromete a abastecer-se exclusivamente no primeiro, está dispensado de notificação. Segundo as recorrentes, a Comissão julgou antecipadamente esta questão ao declarar que não era permitida qualquer derrogação.
49 Contra os argumentos da Comissão, segundo os quais os revendedores foram impedidos de constituir existências suficientes de produtos concorrentes, as recorrentes salientam que este argumento só seria procedente se a BG exigisse aos revendedores uma gama de placas de estuque anormalmente vasta, o que reduziria o espaço reservado à armazenagem das dimensões mais procuradas, que eram as únicas a ser importadas. Ora, tal não aconteceu.
50 As recorrentes alegam que a tese da Comissão, segundo a qual uma relação de exclusividade se estabelece logo que uma empresa renuncia a negociar com terceiros, ainda que esta renúncia respeite a uma quantidade limitada das suas necessidades, tem em vista modificar a fundamentação da decisão. Consideram que uma interpretação tão lata da noção de exclusividade não tem fundamento nem no direito nem na prática. Segundo as recorrentes, o facto de estabelecer relações comerciais a longo prazo com certos fornecedores constitui uma prática aceite e é inerente à concorrência que a celebração de um contrato com um fornecedor torne impossível a sua celebração por outro fornecedor. A exclusividade, ou a quase exclusividade, significa, a seu ver, que um revendedor tem obrigação de comprar a totalidade ou a maior parte dos artigos de que carece a um dado fornecedor. Por conseguinte, seria errado afirmar, como faz a Comissão, que a preocupação de encorajar a fidelidade ou o estreitamento dos vínculos com os revendedores tinha redundado, na prática, num acordo entre a BG e essa clientela, em virtude do qual esta se tinha obrigado a obter na BG uma certa proporção dos artigos de que necessitava.
51 As recorrentes salientam, ainda, que o facto de a BG não ter exercido discriminação em detrimento dos clientes que compravam placas de estuque importadas mostra que o sistema não tinha em vista vincular os revendedores. Os pagamentos promocionais não tinham tido relação com acordos relativos a descontos. Uma vez que tinham em vista recompensar os revendedores pelos esforços de promoção que eles tinham desenvolvido, esses pagamentos não eram equiparáveis à concessão de condições mais vantajosas a esses revendedores.
52 As recorrentes sustentam, finalmente, que é inexacto afirmar que o sistema de pagamentos promocionais constituía uma reacção à ameaça de importações ou que ele tinha por finalidade dissuadir a Iberian de importar ou enfraquecê-la. O sistema tinha em vista consolidar a posição dos produtos à base de gesso, em detrimento de outros produtos que não o gesso e não em detrimento das placas de estuque importadas enquanto tais, numa altura em que a fidelidade à marca era fraca. Além disso, como os pagamentos promocionais efectuados estavam sujeitos à condição de os revendedores comprarem placas de estuque exclusivamente à BG, pouco importaria que, após a execução dos pagamentos promocionais, fossem dadas instruções para não se efectuarem mais encomendas de placas de estuque importadas.
53 A Comissão, pelo seu lado, salienta liminarmente que foi a tentativa da BG, empresa em posição dominante, de fidelizar os revendedores, a fim de impedir a entrega de certos produtos concorrentes, que ela qualificou, na decisão, de abuso de posição dominante. Segundo a Comissão, pouco importa que os pagamentos promocionais efectuados correspondam a uma prática corrente. Mesmo uma prática corrente pode ser abusiva, quando é adoptada por uma empresa em posição dominante.
54 No que diz respeito à finalidade do sistema, a Comissão considera que um acordo tendo em vista reservar uma proporção determinada da oferta ou da procura a uma ou mais partes é restritivo da concorrência, independentemente da percentagem das necessidades totais do comprador ou do vendedor abrangida pelo acordo. O carácter restritivo da exclusividade reside não na exclusão eventualmente total da procura da empresa, mas no abandono, pela empresa, da sua livre escolha de parceiros contratuais para as quantidades reservadas por força do acordo de lealdade ou de fidelidade, independentemente da questão de saber se essas quantidades dizem respeito a 80%, 60% ou mesmo 30% das mercadorias de que o comprador necessita. A Comissão recorda, a este propósito, que a BG procurava estabelecer um vínculo com os seus clientes que implicava a exclusão das placas de estuque importadas e que a fidelidade ° mesmo relativa °, condição de obtenção dos prémios, equivalia a uma exclusividade. Segundo a Comissão, não é importante que os acordos promocionais pudessem ter tido outros objectivos para além unicamente da exclusividade ou da fidelidade; seria mesmo inútil interrogar-se sobre se este objectivo revestia um carácter principal ou acessório, já que bastaria, para declarar a existência de um abuso, que a exclusividade constituísse um dos objectivos dos acordos. Na audiência, a Comissão salientou que a ideia desses prémios de fidelidade foi exposta pela primeira vez numa nota interna de 16 de Janeiro de 1985. Resultava desta nota ° tal como da nota de 1 de Maio de 1985 ° que a primeira condição exigida para beneficiar de tais prémios era o abastecimento exclusivo na BG. Finalmente, na acta da reunião em que a questão das importações tinha sido discutida, a única resposta dada pelo presidente, quando a ideia foi apresentada, tinha sido: "Look into ways of getting exclusivity" ("Procuremos meios de obter a exclusividade.")
55 No que diz respeito à questão de saber se a BG praticou uma discriminação entre os revendedores que tinham subscrito um acordo para obter pagamentos promocionais e os que não o tinham feito, a Comissão recorda que este argumento é irrelevante, já que a decisão não afirma de modo algum que a BG tenha cometido um abuso ao praticar uma discriminação entre os seus clientes.
56 Quanto aos efeitos dos pagamentos promocionais para o futuro, a Comissão alega que os acordos recompensavam a fidelidade anterior e que os revendedores tinham que merecer os prémios oferecidos. A possibilidade de pôr fim a esses acordos em qualquer momento não eliminava o seu carácter abusivo. A Comissão considera, além disso, que a afirmação das recorrentes, segundo a qual teriam sido os revendedores a pedir prémios de promoção, é desmentida pela instrução efectuada, da qual resulta que a BG discutiu e previu um sistema de pagamentos em que uma das condições era a exclusividade. Como quer que seja, a Comissão salienta que uma empresa em posição dominante se torna culpada de uma tentativa de exclusão de um concorrente, não só quando impõe acordos exclusivos, mas também quando aceita participar em tais acordos após ter sido instada pelos seus clientes.
57 No que diz respeito à invocação do benefício da isenção, ao abrigo do artigo 85. , n. 3, do Tratado CEE, a Comissão recorda que a decisão não se baseia no artigo 85. , e sim no artigo 86. do Tratado. Seja como for, as condições para beneficiar de uma isenção ° que as recorrentes, aliás, nunca tinham solicitado ° não estavam, no parecer da Comissão, manifestamente preenchidas.
58 Quanto ao comportamento da Iberian, a Comissão recorda que, sejam quais forem as condições em que a Iberian introduziu as placas de estuque no mercado, o seu comportamento não podia autorizar a BG a arvorar-se, pelo expediente de fórmulas de exclusividade, em guardiã da regularidade e da fiabilidade das entregas das placas de estuque, pretensamente ameaçadas por esta estratégia da Iberian.
59 O argumento das recorrentes, segundo o qual o sistema de pagamentos promocionais valorizava os produtos à base de gesso e não os produtos da BG, é rejeitado pela Comissão. Por um lado, ela duvida, com base no depoimento do Sr. Clark, junto à petição, que a fidelidade à marca dos produtos de estuque seja tão limitada como as recorrentes afirmam. Por outro lado, a Comissão salienta que não se podem dissociar os dois objectivos pretendidos pelo sistema destinado a assegurar a fidelidade dos clientes, ou seja, a preocupação de garantir uma exclusividade de compra por parte deles e a vontade de impedir importações de placas de estuque. A fidelidade tendia para a exclusão, qualquer que fosse a intenção ou o móbil subjacente.
60 O Governo espanhol considera, referindo designadamente o n. 59 da decisão, que os documentos internos da BG, a que a Comissão teve acesso, demonstram que a intenção da BG era a de vincular os seus clientes pagando-lhes prémios em troca de uma exclusividade de compra, a fim de recuperar assim a parte de mercado perdida em benefício dos importadores. Mesmo sem essas provas, esta finalidade resulta do contexto em que as práticas da BG se desenvolveram. O Governo espanhol recorda, a este propósito, que esses prémios de fidelidade constituem uma prática expressamente proibida pelo artigo 86. , alínea c), do Tratado CEE, como o Tribunal de Justiça salientou no acórdão Hoffmann-La Roche, já referido.
61 A interveniente Iberian, por seu lado, alega que prémios de fidelidade pagos por um fornecedor dominante aos seus clientes têm um efeito de exclusão e que ela teve experiência disso, ao descobrir que o acesso a novos clientes lhe estava vedado. Na audiência, acrescentou que as práticas da BG a tinham levado a cessar quaisquer actividades relativas ao comércio das placas de estuque no Reino Unido e na Irlanda.
° Apreciação do Tribunal
Quanto à realidade dos factos
62 Resulta da instrução, e nomeadamente da nota já mencionada de 16 de Janeiro de 1985, apresentada pelas próprias recorrentes como anexo 13 à petição, e da acta do Senior Management Committee (comité de gestão) da BG, apresentada pelas recorrentes como anexo 14 à petição, e a que a decisão se refere no n. 58, que no princípio do ano de 1985 houve uma discussão no interior da BG sobre a estratégia a adoptar perante a concorrência das placas de estuque importadas de França e de Espanha. O director executivo, aquando da reunião do Senior Management Committee, deu instruções ao director comercial "to give adequate consideration in formulating the marketing strategy of how to reward loyalty to those merchants who remained exclusively with" BG ("para tomar as medidas adequadas, aquando da adopção da estratégia comercial, para recompensar a fidelidade dos revendedores que continuam a negociar exclusivamente com a" BG). Na mesma altura, o director comercial achou que era oportuno apoiar os revendedores que estivessem prontos a cooperar com a BG, como resulta da nota já referida, segundo a qual "the merchant should buy his plasterboard, and accessories if appropriate, from us exclusively" ("o revendedor deveria comprar as suas placas de estuque e, se for caso disso, os produtos acessórios, exclusivamente a nós"). Numa nota de 1 de Maio de 1985, apresentada pelas recorrentes como anexo 15 à petição, e a que a decisão se refere no n. 59, o director comercial da BG, referindo-se a discussões no Executive Meeting (comité executivo), esboçou as condições que esta desejaria que fossem negociadas. A primeira dessas condições era a exclusividade, no sentido de o revendedor dever comprometer-se a comprar todas as suas placas de estuque, bem como os produtos relacionados, unicamente à BG. Segundo essa nota, esta acção evitaria a perda de outros clientes e permitiria, ao mesmo tempo, recuperar a parte de mercado perdida pela BG para os seus concorrentes.
63 Ainda que a BG saliente que os documentos a que o n. 58 da decisão faz referência só constituíam elementos de uma discussão sobre os planos e estratégias possíveis, resulta dos autos, e a BG não o contesta seriamente, que a partir de Julho de 1985 ela aplicou a estratégia comercial decidida durante os meses anteriores e celebrou contratos individuais, verbalmente ou por escrito, em particular com negociantes que comercializavam ou tinham comercializado placas de estuque da Lafarge ou da Iberian. Como resulta, nomeadamente, por um lado do n. 68 da decisão, cuja exactidão não foi contestada, e segundo o qual a BG apresentou, durante o processo perante a Comissão, cópias de cartas de oferta e de aceitação dos pagamentos mensais, e, por outro lado, da carta de um revendedor, de 23 de Dezembro de 1985, já referida, apresentada como anexo A à tréplica, e pela qual esse comerciante manifestou à BG o seu acordo para pagamentos promocionais de 500 libras esterlinas por mês em contrapartida de um compromisso de abastecimento exclusivo na BG, esses comerciantes comprometiam-se, designadamente, a comprar placas de estuque exclusivamente à BG, enquanto a BG se comprometia a efectuar periodicamente a seu favor pagamentos promocionais. A partir de Setembro de 1986, a BG cessou progressivamente os pagamentos promocionais, quando instalou um regime de incentivo às existências (Super Stockist Scheme).
64 É à luz destes dados de facto que há que examinar se os contratos em causa constituíam uma exploração abusiva da posição dominante detida pela BG.
Quanto ao carácter abusivo dos compromissos de compra exclusiva
65 O Tribunal considera liminarmente que as recorrentes têm razão em afirmar que as práticas de pagamentos promocionais aos compradores constituem práticas correntes de cooperação comercial entre um fornecedor e os seus distribuidores. Numa situação normal de mercado de concorrência, estes contratos são celebrados no interesse das duas partes. Com efeito, por meio de tais práticas, o fornecedor tenta garantir a segurança das suas vendas fidelizando a procura, enquanto o distribuidor beneficia, por seu lado, de uma segurança de abastecimento e de prestações comerciais anexas.
66 Não é raro que tais acções de cooperação comercial tenham como contrapartida um compromisso de compra exclusiva celebrado pelo beneficiário desses pagamentos ou dessas prestações em relação ao seu fornecedor. Tais compromissos de compras exclusivas não podem ser, em princípio, proibidos. Com efeito, como o Tribunal recordou no seu acórdão de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão (T-61/89, Colect., p. II-1931), a apreciação dos efeitos de tais compromissos no funcionamento do mercado em causa depende das características desse mercado. Como o Tribunal de Justiça decidiu (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C-234/89, Colect., p. I-935), há, em princípio, que apreciar os efeitos de tais compromissos no mercado no seu contexto específico.
67 Mas estas considerações, aplicáveis em situação normal de mercado de concorrência, não podem ser admitidas sem reserva no caso de um mercado em que, em virtude precisamente da posição dominante detida por um dos operadores, a concorrência já é restrita. Com efeito, à empresa em posição dominante incumbe uma responsabilidade especial, que é a de não prejudicar uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n. 57).
68 Ora, estando em causa a natureza da obrigação controvertida, o Tribunal recorda que, como o Tribunal de Justiça já teve ensejo de decidir, o facto de uma empresa que se encontra em posição dominante vincular compradores ° ainda que seja a pedido destes ° a uma obrigação ou promessa de abastecimento, da totalidade ou de uma parte considerável das suas necessidades, exclusivamente nessa empresa, constitui uma exploração abusiva desta posição, na acepção do artigo 86. do Tratado CEE, quer a obrigação em questão seja estipulada sem mais, quer tenha a sua contrapartida na concessão de descontos (acórdão Hoffmann-La Roche, já referido, n. 89; acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C-62/86, Colect., p. I-3359, n. 149). Esta solução justifica-se pelo facto de, quando ° como no presente caso ° um operador dispõe de uma posição forte no mercado, a celebração de contratos de fornecimento exclusivo respeitantes a uma proporção importante das compras constitui um entrave inaceitável à entrada nesse mercado. A circunstância ° admitindo-se que comprovada ° de os pagamentos promocionais terem constituído uma resposta aos pedidos e ao poder de compra crescente dos revendedores não justifica, em caso algum, a inclusão, nos contratos de fornecimento em causa, de uma cláusula de exclusividade. Por conseguinte, as recorrentes não podem afirmar que a Comissão não comprovou o carácter abusivo da prática em causa ° sem que seja necessário decidir a questão, controvertida entre as partes, da noção de exclusividade de compra ° já que, como quer que seja, resulta efectivamente da instrução que a estipulação em causa dizia respeito à totalidade ou à quase totalidade das compras dos clientes.
69 Se é certo que a existência de uma posição dominante não priva uma empresa colocada nessa posição do direito de salvaguardar os seus próprios interesses comerciais, quando estes estiverem ameaçados, e se é certo que essa empresa tem a faculdade, dentro dos limites do razoável, de praticar os actos que considerar apropriados para proteger os seus interesses, não podem no entanto admitir-se tais comportamentos quando tenham por objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Recueil, p. 207). Daqui resulta que nem o argumento segundo o qual a BG tinha o dever de assegurar a continuidade e a regularidade dos abastecimentos, nem o argumento baseado nas práticas comerciais da Iberian podem ser acolhidos (v. o acórdão do Tribunal de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect., p. II-1439, n. 118, e o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1986, British Leyland/Comissão, 226/84, Colect., p. 3263).
70 O Tribunal recorda, além disso, que a noção de exploração abusiva é uma noção objectiva (acórdão Hoffmann-La Roche, já referido, n. 91) e que, portanto, o comportamento de uma empresa em posição dominante pode considerar-se abusivo, na acepção do artigo 86. do Tratado CEE, independentemente de qualquer culpa. Por conseguinte, o argumento das recorrentes, segundo o qual a BG nunca teve a intenção de desencorajar ou de enfraquecer a Iberian, é irrelevante para a qualificação jurídica dos factos. OS FUNDAMENTOS CONTINUAN NO NUM.DOC : 689A0065.1
71 Ainda que se admita que um dos objectivos deste sistema poderia ter sido, como afirmam as recorrentes, o de estimular a promoção de produtos à base de gesso em geral, é forçoso constatar que ele redunda na concessão de pagamentos que dependem estritamente da fidelidade exclusiva à BG e apresentam, por conseguinte, um carácter abusivo, seja qual for a apreciação que se faça quanto ao bem fundado do argumento baseado numa falta de fidelidade à marca.
72 Do mesmo modo, as recorrentes não podem justificar pelas dificuldades de abastecimento dos seus concorrentes os compromissos de fornecimento exclusivo que fizeram subscrever, já que não podem razoavelmente afirmar que os seus clientes não estariam em condições de tirar as consequências, quanto à sua política comercial, dessas dificuldades.
73 Quanto ao argumento baseado no facto de os revendedores disporem da faculdade de romper, em qualquer momento, as suas relações contratuais com a BG, ele é inoperante, já que o direito de rescisão de um contrato não constitui de modo algum obstáculo à sua aplicação efectiva, enquanto não se fizer uso da faculdade de rescisão. A este propósito, há que notar que uma empresa em posição dominante dispõe de um poder susceptível de lhe permitir impor aos seus clientes não só a celebração de tais contratos, mas também a sua manutenção, tornando assim, de facto, ilusória a possibilidade jurídica de rescisão.
74 Quanto ao argumento de que a BG não praticou qualquer discriminação entre revendedores, basta verificar que a decisão não contém de modo algum tal crítica e que, portanto, este argumento é inoperante.
75 Finalmente, no caso do argumento relativo à aplicação do artigo 85. , n. 3, do Tratado CEE, o Tribunal recorda, por um lado, que a decisão diz respeito não à aplicação do artigo 85. do Tratado CEE, mas à aplicação do seu artigo 86. , e, por outro lado, e como quer que seja, que uma isenção ao abrigo do artigo 85. , n. 3, do Tratado, não prejudica em nada a aplicação do artigo 86. (acórdão do Tribunal de 10 de Julho de 1990, Tetra Pak/Comissão, T-51/89, Colect., p. II-309).
76 Resulta de tudo quanto antecede que as recorrentes não têm fundamentos para afirmar que a Comissão concluiu sem razão que o sistema de pagamentos aos revendedores, de que um dos objectivos era assegurar a exclusividade das compras por eles efectuadas, constitui um abuso de posição dominante, na acepção do artigo 86. do Tratado CEE.
77 A primeira parte do fundamento relativo à contestação do abuso de posição dominante deve, por conseguinte, ser afastada.
B ° Os fornecimentos prioritários de estuque
° Acto impugnado
78 Segundo o artigo 2. da decisão, "a concretização em Julho e Agosto de 1985 de uma política que favorecia clientes que não negociavam com placas de estuque importadas na concessão de prioridade nas encomendas para fornecimento de estuque de construção num período de atraso das entregas desse produto constituiu um abuso da posição dominante (da BG) no fornecimento de placas de estuque na Grã-Bretanha, proibido pelo artigo 86. do Tratado CEE".
79 Resulta dos n.os 81 a 85 e 141 a 147 da decisão que, no mês de Julho de 1985, a BG concebeu e aplicou um sistema de entregas prioritárias de estuque aos seus clientes considerados "fiéis", ou seja, aos que não comercializavam placas de estuque importadas. Segundo uma nota da BG de 29 de Julho de 1985, apresentada como anexo 20 à petição e citada parcialmente no n. 81 da decisão:
"In an effort to try to control the situation and also to create a position whereby we can help those loyal merchants who have not regularly bought and stocked imported plasterboard, arrangements have been made for us to accomodate a small number of priority requests. Any priority deliveries will be arranged largely at the expense of stockists of imported material and the Sales Offices have been provided with a list of customers who we know carry stocks and deal in either French or Spanish plasterboard" ("Num esforço para tentar controlar a situação e criar igualmente uma situação em que possamos ajudar os revendedores fiéis que não têm comprado ou armazenado regularmente placas de estuque importadas, foram tomadas disposições para que possamos satisfazer um pequeno número de pedidos prioritários. Quaisquer entregas prioritárias serão organizadas no essencial à custa dos revendedores que armazenam materiais importados, tendo sido fornecida aos departamentos de vendas uma lista de clientes que sabemos que armazenam e comercializam placas de estuque francesas ou espanholas.")
80 Segundo a decisão, esta prática tinha por objectivo e efeito excluir do mercado os concorrentes da BG que colocavam no mercado placas de estuque importadas.
81 Na decisão, a Comissão considera que esta prática, de que alguns clientes "não fiéis" foram individualmente informados pela BG e que foi exposta numa declaração à imprensa de um representante da BG, constituía um abuso de posição dominante, uma vez que o critério de selecção dos revendedores susceptíveis de beneficiarem de entregas prioritárias não era objectivo, e sim concebido para recompensar os comerciantes que vendiam exclusivamente placas de estuque da BG.
° Argumentos das partes
82 As recorrentes consideram errada a alegação da Comissão, segundo a qual a adopção e a execução de uma política que consistia em satisfazer prioritariamente as encomendas de estuque dos clientes que não armazenavam placas de estuque importadas constituíam uma exploração abusiva da posição dominante da BG. Com efeito, a Comissão não teria demonstrado que a BG detinha uma posição dominante no mercado do estuque, não podendo, por conseguinte, afirmar que a BG utilizava o mercado do estuque para abusar da sua posição dominante no mercado das placas de estuque.
83 Segundo as recorrentes, a Comissão não provou nem que a BG instalou um sistema de fornecimentos prioritários, nem que os revendedores que comercializavam placas de estuque importadas tiveram que sujeitar-se a atrasos nas entregas da BG, por causa das suas importações. Além disso, as recorrentes não admitem que a sua linha de conduta, que consistia em conferir temporariamente preferência aos seus clientes fiéis, tenha sido abusiva no que quer que fosse. Alegam aliás que a conclusão enunciada no n. 81 da decisão, segundo a qual, "para, no caso de ser necessário aceitar uma encomenda prioritária, adiarem uma encomenda proveniente de um revendedor constante da referida lista", é inexacta.
84 As recorrentes explicam que, em Julho de 1985, o objectivo de entrega num prazo de três dias não podia ser cumprido e que, por conseguinte, foi fixado um prazo de entrega de quatro dias para todos os clientes, mesmo para os clientes que tivessem eventualmente comprado placas de estuque de origem espanhola. Segundo as recorrentes, a instrução dada aos agentes era a de que, se viesse a ocorrer uma situação em que dois revendedores pedissem um fornecimento prioritário, dos quais um comprasse placas de estuque de origem espanhola e o outro comprasse placas de estuque à BG, e se a produção só fosse suficiente para um único carregamento, o cliente escolhido seria aquele que mantivesse relações comerciais completas com a BG.
85 Segundo a BG, não havia nisto qualquer intenção especial de acelerar o fornecimento de estuque aos clientes fiéis. Na prática, as necessidades normais dos clientes tinham sido satisfeitas durante o período em causa. Nenhum cliente, fosse ou não comprador exclusivo de placas de estuque da BG, tinha sofrido qualquer atraso inútil ou injustificado. As recorrentes contestam que a entrega prioritária de estuque no prazo de um dia seja um trunfo importante, mesmo em período de escassez. A igualdade de tratamento dos clientes, invocada pela Comissão, é ilusória em período de escassez e há necessariamente que definir prioridades.
86 Na audiência, as recorrentes explicaram as condições em que fora atrasada a entrega de uma encomenda prioritária de um cliente que, no passado, não tinha sido "leal" à BG. Salientaram que essa encomenda tinha sido satisfeita só com um dia de atraso. Segundo as recorrentes, havia portanto uma vantagem hipotética e de alcance muito limitado para os clientes "leais".
87 A Comissão sustenta que, contrariamente à afirmação das recorrentes, o abuso verificado não tem qualquer relação com a posição das recorrentes no mercado do estuque. Aliás, a Comissão nunca afirmara que a BG era dominante nesse mercado. A concessão de prioridade na entrega de estuque seria apenas uma das vantagens garantidas pela BG aos seus clientes, com a finalidade de assegurar para si a exclusividade das entregas de placas de estuque.
88 A Comissão admite que os prazos adicionais impostos aos revendedores que não manifestavam lealdade não ultrapassavam um dia, sendo esta, aliás, a razão pela qual nenhuma coima havia sido aplicada por este abuso. A Comissão considera no entanto que, enquanto empresa em posição dominante, a BG teve um comportamento abusivo ao tentar assegurar para si a fidelidade dos revendedores. Em seu entender, a garantia desta fidelidade era a prioridade da entrega, preciosa em período de escassez. Ora, uma empresa dominante deveria fazer da igualdade de tratamento dos clientes uma regra essencial de comportamento e a fidelidade não pode justificar a inobservância desta regra, pois isso seria manifestamente aplicar condições desiguais a prestações equivalentes.
89 A Comissão considera que a BG utilizou o seu poder financeiro para oferecer condições mais favoráveis aos seus clientes fiéis e para excluir assim um concorrente. Segundo a recorrida, as condições mais favoráveis podem consistir num desconto, mas também podem consistir na concessão directa ou indirecta de outras vantagens, com vista a assegurar para si a exclusividade das entregas de placas de estuque. A concessão de prioridade nas entregas de estuque faz parte dessas vantagens.
90 Segundo o Governo espanhol, a alegação das recorrentes, nos termos da qual a Comissão não tinha demonstrado a existência de uma posição dominante da BG no mercado do estuque, é difícil de compreender. Resulta, com efeito, da decisão que tanto a posição dominante da BG como o abuso dessa posição dizem respeito ao mercado das placas de estuque. Além disso, o facto de a preferência dada aos clientes habituais num período de escassez ser um uso corrente não exclui que esta prática possa ser abusiva quando, como no presente caso, vise reforçar o efeito produzido por outras medidas que têm um objectivo preciso, neste caso impedir as importações.
91 A Iberian alega que um sistema de fornecimento prioritário leva por natureza à exclusão. Salienta que a influência, tanto económica como psicológica, exercida por uma sociedade dominante é de molde a tornar qualquer violação das regras da concorrência extremamente prejudicial às empresas que entrarem em concorrência com essa sociedade. Ainda que os atrasos nas entregas não ultrapassassem nunca um dia ou que a escassez não durasse, tais circunstâncias não diminuíam o efeito de exclusão resultante do comportamento das recorrentes.
° Apreciação do Tribunal
92 O Tribunal faz notar, em primeiro lugar, que a análise do mercado de referência consta, do ponto de vista da sua definição por produto, dos n.os 13 a 20 e 106 a 109 da decisão. Segundo o n. 106, "o presente processo diz respeito ao comportamento comercial da BPB, enquanto fornecedor de placas de estuque, e aos seus efeitos na concorrência e nas trocas comerciais no mercado de placas de estuque, em especial face a fornecedores concorrentes de placas de estuque. A priori, o produto relevante deve, por conseguinte, ser considerado como sendo as placas de estuque". É portanto com toda a razão que a Comissão afirma que a questão de saber se a BG está em situação dominante no mercado do estuque é irrelevante para a solução do litígio.
93 O Tribunal considera que, para que as práticas aplicadas no mercado do estuque sejam susceptíveis de ter por objectivo ou efeito alterar a concorrência no mercado de fornecimento de placas de estuque, é necessário, por um lado, que operadores económicos que não a BG, e especialmente os distribuidores vítimas das alegadas práticas, estejam presentes em cada um dos dois mercados ° o que não é contestado ° e, por outro lado, que o funcionamento do mercado do estuque apresente certas características particulares. A este respeito, a decisão observa, nos n.os 143 e 146, que o efeito da prática incriminada é tanto mais eficaz quanto as possibilidades de substituição de que dispõem os compradores nos seus abastecimentos no mercado do estuque são reduzidas, em virtude das características técnicas do produto, que limitam notoriamente as possibilidades de substituição e de mudança de fornecedor, e colocam os clientes, no mercado do estuque, em situação de dependência relativamente ao seu fornecedor. Além disso, o alegado erro que consta do n. 81 da decisão, admitindo que esteja comprovado, não pôde ter qualquer incidência no raciocínio da Comissão. Portanto, os revendedores não podiam furtar-se, em condições equivalentes para eles, aos prazos de entrega do estuque que lhes eram impostos pelo seu fornecedor BG. Por conseguinte, a prática seguida, na medida em que penalizava, dentre os seus compradores de estuque, os que não lhe eram "fiéis" no mercado das placas de estuque, tinha na realidade por objectivo afectar o funcionamento deste mercado.
94 Quanto ao carácter abusivo da prática incriminada, o Tribunal faz notar que, se, como afirmam as recorrentes, uma empresa em posição dominante tem a faculdade, como é, aliás, política comercial normal num período de escassez, de definir os critérios de prioridade de satisfação das encomendas, esses critérios devem ser objectivos e não apresentar qualquer carácter discriminatório. Devem ser objectivamente justificados, no âmbito do respeito das regras que regem uma concorrência leal entre operadores económicos. Com efeito, o artigo 86. do Tratado proíbe que uma empresa dominante reforce a sua posição recorrendo a outros meios que não sejam os de uma concorrência pelo mérito (acórdão de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, já referido, n.os 69 e 70). Não foi o que aconteceu com o critério adoptado no caso concreto pela BG, o qual se baseava na distinção entre os clientes que comercializavam placas de estuque importadas e produzidas por alguns dos seus concorrentes, por um lado, e os clientes "fiéis" que se abasteciam na BG, por outro lado. Tal critério, que consiste em assegurar prestações equivalentes em condições desiguais, apresenta, em si mesmo, um carácter anticoncorrencial em razão do objectivo discriminatório que prossegue e do efeito de exclusão que dele pode resultar. Esta conclusão não é susceptível de ser posta em causa em virtude do carácter limitado do período do Verão de 1985, durante o qual o abuso foi cometido, e também não o é pela circunstância alegada de os atrasos na entrega impostos a certos clientes relativamente aos clientes denominados "fiéis" não poderem exceder um dia. Estes elementos foram, aliás, tomados em consideração pela Comissão, que não aplicou qualquer coima à BG por essa infracção.
95 Além disso, o Tribunal recorda que, tratando-se de comportamentos de uma empresa em posição dominante num mercado em que, por esse simples facto, a estrutura concorrencial já está enfraquecida, qualquer restrição suplementar desta estrutura concorrencial é susceptível de constituir uma exploração abusiva da posição dominante assim adquirida (acórdão Hoffmann-La Roche, já referido).
96 Daqui resulta que a exclusão dos concorrentes pretendida pela BG, graças à prioridade concedida às encomendas de estuque apresentadas por clientes que não comercializavam placas de estuque importadas ° prática cuja execução não pode ser negada seriamente, como resulta nomeadamente dos n.os 84 e 145 da decisão, cuja exactidão não foi contestada ° constitui uma exploração abusiva, na acepção do artigo 86. do Tratado, da sua posição dominante no mercado de fornecimento de placas de estuque.
97 Resulta do que antecede que a segunda parte do fundamento com que as recorrentes contestam ter abusado da sua posição dominante deve, tal como elas a apresentaram, ser julgada improcedente.
98 Todavia, o Tribunal, a quem incumbe, se necessário, suscitar oficiosamente uma questão de inobservância suficientemente manifesta das obrigações impostas à Comissão pelo artigo 190. do Tratado (acórdão Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, já referido), verifica que, se é certo que o artigo 2. do dispositivo da decisão faz referência a práticas seguidas nos meses de Julho e Agosto de 1985, é pacífico que, nos seus fundamentos, a decisão, nomeadamente no n. 141 e mais especialmente ainda no n. 169, em que a Comissão expõe a razão por que não aplicou qualquer coima por essa infracção, só se refere a práticas levadas a efeito no mês de Agosto de 1985. Ora, tratando-se de práticas de que se não contesta só terem sido aplicadas durante um breve lapso de tempo, cabia à Comissão definir com uma exactidão tanto maior o período durante o qual elas foram susceptíveis de falsear a concorrência no mercado de referência. Além disso, em resposta às perguntas que lhe foram feitas pelo Tribunal, a Comissão, para justificar a não contradição entre o artigo 2. do dispositivo e o n. 169 dos fundamentos da decisão, reconheceu expressamente que a decisão se aplicava a práticas que tinham sido "concebidas" no mês de Julho de 1985. Ora, uma violação do artigo 86. só pode ser punida se tiver sido devidamente comprovada. A decisão padece portanto, quanto a este ponto, de insuficiência de fundamentação e, além disso, de um erro de direito, devendo o Tribunal anular o artigo 2. da decisão, mas só na medida em que este se refere a uma prática levada a efeito durante o mês de Julho de 1985.
C ° As práticas seguidas na Irlanda e na Irlanda do Norte
° Acto impugnado
99 No artigo 3. da decisão, a Comissão declara que a BPB abusou, através da sua filial BG, da sua posição dominante no mercado de fornecimento de placas de estuque na Irlanda e na Irlanda do Norte, na medida em que, por um lado, pressionou, em Junho e Julho de 1985, um grupo de importadores, obtendo o seu acordo para renunciarem a importar placas de estuque na Irlanda do Norte, e, por outro lado, concedeu, entre Junho e Dezembro de 1985, descontos aos revendedores estabelecidos na Irlanda do Norte, na condição de não negociarem com placas de estuque importadas.
100 Segundo a decisão (n.os 4 e 86), a BPB é, por intermédio da sua filial GIL, o único produtor de placas de estuque da ilha da Irlanda. Segundo as suas próprias estimativas, a sua parte de mercado ascende a 93% na Irlanda e a 90% na Irlanda do Norte. Na Irlanda do Norte, a BG comercializa placas de estuque importadas da Irlanda, onde são produzidas pela GIL.
101 As práticas seguidas na Irlanda e na Irlanda do Norte são descritas nos n.os 86 a 103 da decisão e são qualificadas, relativamente ao artigo 86. do Tratado, nos n.os 148 a 152.
102 A decisão (n. 88) menciona um memorando interno da BG sobre as importações na Irlanda do Norte, nos termos do qual certos revendedores tinham solicitado a sua ajuda para se protegerem das importações. Segundo o memorando, a iniciativa tomada pela BG em resposta a este pedido foi coroada de êxito e levou a que ao importador em causa fosse bloqueado o acesso aos revendedores.
103 Nos n.os 91 e 92, a decisão faz igualmente referência a um memorando da BG, de 14 de Junho de 1985, segundo o qual um consórcio dos maiores revendedores da Irlanda do Norte tinha constituído uma agência com vista à importação de placas de estuque de origem espanhola. A BG comunicou a esses revendedores que considerava o mercado da Irlanda do Norte como seu e que tencionava manter uma parte de mercado o mais ampla possível. Este memorando esclarecia que seria recusado qualquer desconto aos revendedores que importassem placas de estuque, ao passo que a BG propunha oferecer aos outros revendedores da Irlanda do Norte um desconto sobre o estuque e um desconto adicional relativo às suas placas de estuque das mesmas dimensões que as placas importadas. A concessão desses descontos ficava nomeadamente sujeita à condição de a BG ser designada como fornecedor exclusivo. Além disso, os comerciantes fiéis beneficiariam de uma entrega prioritária em períodos de sobrecarga. Em 17 de Junho de 1985, a BG notificou, por escrito, estas medidas aos revendedores da Irlanda do Norte.
104 Segundo a decisão (n. 94), uma nota interna da BG, de preparação de uma reunião realizada em 2 de Julho de 1985 com os importadores na sede da BG, menciona uma proposta de medidas, para o caso de estes estarem dispostos a aceitar não efectuar mais importações. Nessa reunião ° a que se seguiu outra, em 15 de Julho de 1985, em Belfast (n. 95) °, a BG exerceu pressões sobre os importadores, a fim de conseguir que eles renunciassem a importar placas de estuque.
105 A decisão esclarece (n. 97) que uma nota de agenda para a reunião de Julho de 1985 do Comité Executivo da BPB refere que um grupo de revendedores tinha importado placas de estuque via Belfast e que a BG reagiu concedendo um desconto aos clientes fiéis. Segundo a referida nota, esta reacção "teve o efeito de levar o grupo de revendedores a discutir connosco, parecendo neste momento dispostos a abandonar as importações na sequência das nossas discussões".
106 No n. 98, a decisão salienta que, em 7 de Agosto de 1985, a BG confirmou a aplicação de descontos de quantidade aos revendedores da Irlanda do Norte que tinham realizado um determinado volume de negócios anual com a BG, com a condição de eles contribuírem para promover os produtos da BG e de a BG obter a exclusividade de fornecimento. A BG suprimiu este desconto no fim do ano de 1985, considerando que ele estava a ser utilizado pelos beneficiários com o objectivo de fazer concorrência de preços a outros revendedores.
107 A decisão acrescenta (n. 100) que, aquando de uma reunião realizada em 12 de Setembro de 1985, com os revendedores que tinham efectuado importações, a BG aceitou pagar-lhes retroactivamente três quartos das reduções que tinham sido reservadas aos revendedores fiéis até ao momento em que os beneficiários tinham decidido cessar as importações. Isto deveria "recompensar" o cancelamento das importações.
108 Ainda segundo a decisão (n. 148), a supressão do desconto que a BG concedia aos comerciantes da Irlanda do Norte, que ela sabia terem a intenção de importar placas de estuque de Espanha, destinava-se a penalizar esses revendedores. Os descontos adicionais que foram oferecidos a todos os comerciantes, na condição de se abastecerem exclusivamente na BG e de não comercializarem produtos importados, destinavam-se igualmente a penalizar os importadores. Estas pressões foram agravadas por outros estímulos a abandonarem as importações, como a aplicação de um desconto de quantidade confidencial ou a promessa de um pagamento se pusessem termo às importações.
109 A decisão (n.os 149 a 151) qualifica todas as medidas acima descritas de abuso de posição dominante, em virtude de, por um lado, elas se destinarem a pôr termo às importações e terem tido o efeito pretendido e, por outro lado, terem reforçado os laços de exclusividade entre a BG e os revendedores.
° Argumentos das partes
110 As recorrentes alegam que o comportamento da BG na Irlanda do Norte não pode ter constituído exploração abusiva de uma posição dominante. Afirmam que a decisão interpretou mal a situação no mercado da Irlanda do Norte. A instituição dos descontos não constituía uma iniciativa destinada a enfrentar a concorrência das placas de estuque importadas, e sim uma resposta à ameaça de um grupo de quatro revendedores da Irlanda do Norte de vender placas de estuque importadas de Espanha a preços de "chamariz". A BG tentou defender os seus interesses legítimos e os dos seus clientes, e o seu comportamento contribuiu para manter e reforçar a concorrência.
111 A este respeito, a BG considera que mesmo uma empresa dominante tem um direito de legítima defesa contra actividades gravemente desestabilizadoras do mercado. A seu ver, é impossível lutar, pondo em relevo as qualidades intrínsecas do produto, contra os preços atractivos propostos por revendedores pouco escrupulosos, que conseguiram arranjar para si, em detrimento dos seus concorrentes, uma fonte de abastecimento.
112 Em resposta às observações do Governo espanhol, as recorrentes alegaram que foi na sequência de uma denúncia por práticas de dumping apresentada pela GIL que a EPYSA subscreveu, relativamente à Comissão, compromissos de preços que foram aceites por esta na sua Decisão 85/209/CEE, de 26 de Março de 1985, relativa à aceitação de compromissos subscritos no âmbito do inquérito anti-dumping sobre as importações, na República da Irlanda e na Irlanda do Norte, de placas de estuque originárias de Espanha e que pôs termo ao inquérito (JO L 89, p. 89). Portanto, o Governo espanhol não teve razão em afirmar que esta queixa tinha sido arquivada. A BG respondeu a esta nova situação do mercado propondo a redução dos descontos concedidos aos quatro revendedores e a concessão de descontos mais importantes aos outros revendedores. Esta resposta não pode considerar-se abusiva.
113 A Comissão salienta, no que diz respeito às condições ligadas ao sistema de descontos, cujo benefício estava sujeito a uma obrigação de fornecimento exclusivo de produtos da BG, que o único comportamento admissível para uma empresa dominante é a concorrência baseada na eficácia. Recorda que as recorrentes admitiram que, em virtude das medidas tomadas, era difícil para os importadores de placas de estuque penetrar no mercado.
114 Na fase oral do processo, a Comissão salientou, por um lado, que as medidas tomadas pela BG se destinavam a impedir que os quatro revendedores em causa utilizassem as suas importações para atacar a posição da BG e, por outro lado, que o processo de dumping a que as recorrentes se referem decorreu no princípio do ano de 1985, ou seja, antes do período durante o qual o abuso foi verificado.
115 Segundo o Governo espanhol, não está de modo algum comprovado, contrariamente à argumentação das recorrentes, que os preços de importação tenham constituído uma concorrência desleal. Seja como for, não pode violar-se a lei a pretexto de evitar uma situação pretensamente injusta. Segundo o Governo espanhol, a denúncia de dumping apresentada pela GIL foi arquivada pela Comissão. As medidas tomadas pelos revendedores irlandeses, ao unirem-se para gerir colectivamente as importações provenientes de Espanha, constituíram o único meio de eles se subtraírem às pressões exercidas pela BPB.
116 A Iberian, pelo seu lado, afirma que o efeito de exclusão resultante do comportamento das recorrentes no mercado da Irlanda do Norte é manifesto. A seu ver, os descontos concedidos aos revendedores da Irlanda do Norte tiveram como consequência inevitável a supressão dos mercados e, portanto, a exclusão efectiva de novos concorrentes.
° Apreciação do Tribunal
117 O Tribunal recorda liminarmente que, embora uma posição dominante não possa privar uma empresa que se encontre em tal posição do direito de salvaguardar os seus próprios interesses comerciais quando estes estiverem ameaçados, e embora se deva conceder-lhe, dentro dos limites do razoável, a faculdade de praticar os actos que considere adequados para proteger os referidos interesses, tais comportamentos não podem ser admitidos quando têm precisamente por objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdão United Brands/Comissão, já referido).
118 O Tribunal considera que não compete a uma empresa em posição dominante tomar, por sua própria iniciativa, medidas destinadas a constituir represálias contra práticas comerciais que ela considera ilícitas ou desleais. Por conseguinte, é indiferente saber se as medidas visadas pela decisão foram adoptadas em resposta aos preços de chamariz praticados por certos concorrentes ou, como afirmam as recorrentes, que invocam nomeadamente, a este respeito, os documentos apresentados em anexos 22 e 23 à petição, para evitar "preços de chamariz" que certos revendedores pretendiam praticar relativamente a produtos importados. A única questão que importa é a de saber se, ao recorrer a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal dos produtos com base nas prestações dos operadores económicos, o comportamento em causa tinha por objectivo ou era susceptível de ter por efeito influenciar a estrutura de um mercado em que, precisamente devido à presença da empresa em questão, o grau de concorrência já estava enfraquecido (acórdão Michelin/Comissão, já referido).
119 A este respeito, o Tribunal considera, em primeiro lugar, que resulta com suficiente clareza das provas documentais, não contestadas quanto a este ponto, submetidas à sua apreciação, tal como já antes foram analisadas na apresentação da decisão, que a BG decidiu suprimir o desconto de 4% que concedia aos revendedores da Irlanda do Norte, acerca dos quais tinha sabido que eles tencionavam importar placas de estuque de origem espanhola. Ao mesmo tempo, decidiu conceder um desconto de 5% aos comerciantes que aceitassem abastecer-se exclusivamente em produtos do seu fabrico. Esta prática, pelo seu carácter discriminatório, tinha claramente por objectivo penalizar os revendedores que tencionavam importar placas de estuque e dissuadi-los de o fazer, reforçando assim ainda mais a posição da BG no mercado das placas de estuque.
120 O Tribunal recorda, em segundo lugar, que, como o Tribunal de Justiça já decidiu (acórdão Michelin/Comissão, já referido), constitui prática abusiva, na acepção do artigo 86. do Tratado, a instituição, por um fornecedor que se encontre em posição dominante e relativamente ao qual, por esse facto, o cliente se encontra numa posição de dependência mais ou menos acentuada, de qualquer forma de desconto de fidelidade pelo qual esse fornecedor tente, por meio de vantagens financeiras, impedir que os seus clientes se abasteçam nos seus concorrentes. No presente caso, os descontos concedidos, entre Junho e Dezembro de 1985, aos revendedores de materiais de construção da Irlanda do Norte tinham efectivamente por objectivo impedir que eles se abastecessem nos fornecedores concorrentes, já que está suficientemente comprovado que esses descontos, sujeitos a uma condição de exclusividade, implicavam necessariamente que os seus beneficiários não comercializassem placas de estuque importadas. Pouco importa, a este respeito, que, como afirmam as recorrentes, a cláusula de exclusividade de fornecimento a que estava subordinado o benefício dos descontos controvertidos não tenha sido senão uma condição entre outras que foram impostas aos revendedores.
121 Resulta de tudo quanto antecede que a terceira parte do fundamento articulado contra a não determinação do abuso de posição dominante, tal como foi declarado na decisão, deve ser afastada.
122 Resulta de tudo quanto foi dito que, por um lado, o fundamento baseado na não determinação do carácter abusivo das práticas controvertidas deve ser julgado improcedente e que, por outro lado, o artigo 2. da decisão deve ser anulado na medida em que tem em vista práticas levadas a efeito em Julho de 1985.
II ° Quanto à afectação do comércio entre os Estados-membros
123 O segundo fundamento, relativo à não determinação de uma infracção ao artigo 86. do Tratado, respeita aos efeitos das práticas da BG no comércio entre os Estados-membros.
° Acto impugnado
124 A análise da incidência das práticas acima descritas no comércio entre os Estados-membros é objecto dos n.os 153 a 159 da decisão. No que respeita ao abuso por parte da BG da sua posição dominante no mercado da Grã-Bretanha, a decisão indica, no n. 153, que a BG era o único produtor interno e que os seus únicos concorrentes eram importadores. Por conseguinte, as medidas tomadas pela BG eram susceptíveis de afectar consideravelmente as importações provenientes de outros Estados-membros, em especial de França e, a partir de 1 de Janeiro de 1986, data da sua adesão à Comunidade, de Espanha.
125 Segundo a decisão (n.os 154 a 157), as medidas adoptadas pela BG tendo em vista vincular os seus clientes no que diz respeito ao fornecimento de placas de estuque e dissuadi-los de negociarem com placas de estuque importadas tiveram por efeito excluir tanto a Lafarge como a Iberian do comércio com os revendedores. Ora, quando o comércio entre Estados se encontra já limitado por outros factores, qualquer acto susceptível de o restringir ainda mais é abrangido pelo âmbito de aplicação das regras de concorrência do Tratado. Será este o caso em especial quando a eliminação de tal comércio tenha por efeito reforçar um quase monopólio num Estado-membro. No presente caso, era importante salvaguardar o comércio entre os Estados-membros, não só como fonte de concorrência efectiva, mas também como um eventual prelúdio ao estabelecimento de novas instalações de produção na Grã-Bretanha. As medidas adoptadas pela BG eram igualmente susceptíveis de eliminar ou de enfraquecer a Iberian e de reforçar a posição dominante da BG no mercado britânico, em especial a sua posição de força em relação à Lafarge e a outros importadores potenciais.
126 No que diz respeito às medidas tomadas pela BG na Irlanda do Norte, a decisão afirma, nos n.os 158 e 159, que a eliminação da concorrência do grupo de revendedores que importavam placas de estuque espanholas podia levar ao restabelecimento do monopólio da BG e do seu poder de mercado, tanto mais que estas práticas diziam igualmente respeito às placas fabricadas pela EPYSA e introduzidas em livre prática na Irlanda, assim como a quaisquer placas de estuque importadas, qualquer que fosse o Estado-membro de origem. Como a BG era o único fornecedor de placas de estuque na Irlanda do Norte e a quase totalidade das placas de estuque que ela fornecia na Irlanda do Norte eram produzidas na Irlanda e importadas deste Estado-membro, as medidas tomadas no sentido de impedir as importações de placas de estuque espanholas deram origem a uma corrente comercial que não teria existido sem elas. Afectaram, assim, directamente o comércio entre os Estados-membros.
° Argumentos das partes
127 As recorrentes afirmam que as práticas que, segundo a Comissão, vinculavam os clientes no que diz respeito ao fornecimento de placas de estuque, admitindo que tais práticas estejam provadas, não eram susceptíveis de afectar o comércio. O único comércio que poderia ter sido afectado era o comércio entre o Reino Unido, o Reino de Espanha e a França. Ora, uma proporção importante das práticas comerciais que a Comissão considera constituírem infracções ao artigo 86. do Tratado ocorreu antes de o Reino de Espanha ter aderido à Comunidade. No que diz respeito ao comércio com a França, a Lafarge tinha, segundo as recorrentes, atingido no Reino Unido o nível de vendas que fixara para si própria, e não procurava uma nova clientela. Segundo as recorrentes, a estrutura e a natureza do mercado das placas de estuque no Reino Unido e na Irlanda eram tais que o comportamento da BG não podia afectar, e não afectou efectivamente, o comércio internacional. Em virtude do custo de expedição das placas de estuque por via marítima e das vantagens inerentes à implantação das instalações de produção perto do local de utilização, não seria economicamente viável abastecer em larga escala e durante longos períodos os mercados da Grã-Bretanha e da Irlanda a partir do estrangeiro, o que, aliás, a Comissão admitiu na audição. Existe, além disso, no mercado das placas de estuque, uma necessidade particular de regularidade das entregas e de uma oferta de uma vasta gama de produtos que não pode ser satisfeita por fornecedores que não disponham de unidades de fabrico no território do Reino Unido ou da Irlanda. No que diz respeito mais em especial à Irlanda do Norte, as recorrentes contestam que as correntes comerciais normais entre a Irlanda e a Irlanda do Norte tenham sido modificadas pelas alegadas práticas da BG e invocam, a este propósito, o acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 1979, Hugin/Comissão (22/78, Recueil, p. 1869).
128 As recorrentes afirmam finalmente que as placas de estuque importadas na Irlanda do Norte eram vendidas a preços predatórios, o que foi confirmado pelas medidas anti-dumping adoptadas pela Comunidade. No que diz respeito à execução da política da BG de entrega prioritária de estuque, a BG alega que a Comissão ignorou o testemunho apresentado pelo seu director comercial, J. H. Garner, na audição. Sustenta que o argumento teórico da Comissão não tem qualquer valor, tendo em conta os factos deste caso. Não havia qualquer outro concorrente, com excepção da Iberian e da Lafarge, e essas não eram concorrentes senão num sentido muito limitado. A Redland e a Knauf, essas sim verdadeiras concorrentes, não foram impedidas de penetrar no mercado do Reino Unido. As recorrentes recordam, além disso, que as importações a partir de Espanha prosseguiram por intermédio da Ulster Partitions Limited.
129 A Comissão contesta as afirmações das recorrentes, segundo as quais o comportamento da BG não podia afectar o comércio entre os Estados-membros. Salienta que a Iberian e a Lafarge importavam efectivamente placas de estuque e que essas importações não eram despiciendas. Além disso, uma empresa terceira tinha começado a importar placas de estuque na Irlanda do Norte após a acção levada a cabo pela BG, o que prova que esta actividade era economicamente viável. A eliminação do comércio intracomunitário existente conduziu ao reforço de um quase monopólio num Estado-membro e teve portanto incidência na estrutura da concorrência na Comunidade. Teria sido importante salvaguardar o comércio entre os Estados-membros, como fonte de concorrência efectiva à BG e como um eventual prelúdio ao estabelecimento de novas instalações de produção na Grã-Bretanha. Segundo a Comissão, o comportamento abusivo da BG, que consistiu em vincular os clientes no que respeita ao fornecimento de placas de estuque, que nasceu por ocasião de importações provenientes de França e de Espanha, significava que os clientes da BG não podiam comprar qualquer placa de estuque proveniente de outros Estados-membros.
130 No que toca ao argumento da BG relativo às importações provenientes de Espanha numa época em que esta não era membro da Comunidade, a Comissão salienta que teve em conta esse facto no momento em que fixou a coima.
131 No que diz respeito à situação na Irlanda do Norte, a Comissão é de opinião de que a situação do presente caso é diferente da que estava em causa no processo Hugin/Comissão (acórdão já referido), porque existia, no caso concreto, comércio efectivo de placas de estuque entre o Reino Unido e a Irlanda, por um lado, e outros Estados-membros, por outro lado. A Comissão salienta que as correntes comerciais referidas pela BG são as que teriam existido se não tivesse havido o comportamento abusivo. Estas correntes abrangiam importações provenientes da Espanha e da Irlanda. O comportamento abusivo era portanto susceptível de afectar directamente o comércio entre Estados-membros.
132 A Comissão remete para a decisão no que diz respeito à questão de saber se as placas de estuque de origem espanhola eram importadas na Irlanda e na Irlanda do Norte ao preço do mercado. As actividades da Redland e da Knauf confirmam a apreciação da Comissão, que salienta que a Redland tinha conquistado 5% do mercado unicamente através das suas importações, antes mesmo de instalar uma unidade de produção na Grã-Bretanha.
133 O Governo espanhol entende que as afirmações das recorrentes, segundo as quais, por um lado, as práticas comerciais que a Comissão considera contrárias ao artigo 86. do Tratado eram anteriores à data de adesão do Reino de Espanha à Comunidade, e, por outro lado, as actividades da BG não podiam ter produzido efeitos nocivos perceptíveis no comércio internacional, são inexactas, visto que, segundo o artigo 1. da decisão, as práticas em questão continuaram até Agosto de 1986, ou seja, até uma data em que o Reino de Espanha já era membro da Comunidade. Além disso, a EPYSA não foi a única empresa lesada: a Lafarge, empresa francesa, e a Iberian, empresa britânica, também o foram. A existência de tentativas de penetração no mercado da Grã-Bretanha e no mercado irlandês demonstra, além disso, que o comércio interestatal era viável. Por conseguinte, o Governo espanhol considera que o comportamento das recorrentes, pela sua natureza, pode ter tido incidência, directa ou indirecta, actual ou potencial, nas correntes de importações entre os Estados-membros, tendo sido susceptível de entravar, deste modo, a interpenetração económica pretendida pelo Tratado.
° Apreciação do Tribunal
134 No que diz respeito à condição de afectação do comércio entre os Estados-membros, há que recordar liminarmente que, para que o artigo 86. seja aplicável, é necessário e suficiente que o comportamento abusivo seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros. A este respeito, não é necessário verificar a existência de um efeito actual e real no comércio interestatal. Com efeito, a condição de afectação do comércio deve considerar-se preenchida quando esteja provado que o comércio intracomunitário foi efectivamente afectado ou que o foi, pelo menos potencialmente, de modo significativo (v. nomeadamente o acórdão do Tribunal de Justiça Michelin/Comissão, já referido, n. 104, e o de 23 de Abril de 1991, Hoefner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n. 32).
135 No presente caso, o Tribunal verifica que as medidas em causa compartimentaram o mercado do Reino Unido ao afectarem directamente os fluxos comerciais actuais ou potenciais entre a França e a Espanha, por um lado, e o Reino Unido, por outro lado. Os fluxos comerciais entre a Irlanda e a Irlanda do Norte foram igualmente afectados. Com efeito, o facto de favorecer os clientes que não comercializavam placas de estuque importadas prejudicava a comercialização, no território do Reino Unido, de placas de estuque importadas. Finalmente, como afirma a Comissão, as práticas levadas a efeito na ilha da Irlanda tendiam, ao prejudicar as importações, à manutenção das correntes comerciais existentes, já que os produtos comercializados na Irlanda do Norte provinham exclusivamente das importações de produtos fabricados na Irlanda pela GIL. Estas práticas provocaram portanto correntes comerciais diferentes das que teriam resultado de um mercado aberto à concorrência.
136 No que diz respeito ao argumento das recorrentes, segundo o qual não era economicamente possível abastecer, em larga escala e durante períodos prolongados, o território do Reino Unido, e segundo o qual as condições de comércio, actual ou potencial, entre os Estados-membros não existiam, o Tribunal verifica que no momento das práticas em causa havia, de facto, no território do Reino Unido, importações provenientes de Espanha e de França. Segundo as informações, não contestadas, recordadas nos n.os 32 e 36 da decisão, essas importações atingiram, em 1985, 3,3 milhões de m2 para a Lafarge e 1,8 milhões de m2 para a Iberian. Essas importações foram directamente afectadas pelas medidas em causa. A este respeito, é portanto indiferente responder à questão de saber se, como afirmam as recorrentes, a Lafarge considerava ter atingido os objectivos de comercialização que fixara para si própria para a Grã-Bretanha e não tencionava proceder a um desenvolvimento das suas vendas nesse território.
137 Quanto ao argumento baseado no facto de as práticas referidas nos artigos 2. ° na medida em que foram aplicadas em Agosto de 1985 ° e 3. da decisão serem anteriores à adesão do Reino de Espanha à Comunidade, o Tribunal recorda, antes de mais, que, como o Tribunal de Justiça decidiu (acórdão de 16 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Recueil, p. 223), a circunstância de as práticas incriminadas porem em causa o comércio com um ou mais países terceiros não é suficiente, em si mesma, para afastar a possibilidade de a condição de afectação do comércio, exigida para a aplicação dos artigos 85. e 86. , poder considerar-se preenchida. O Tribunal recorda, em seguida, que as medidas tomadas pela BG na Grã-Bretanha não só afectaram, no caso vertente, importações provenientes de Espanha, mas também tornaram mais difícil a comercialização, no território do Reino Unido, de placas de estuque produzidas em países terceiros e introduzidas em livre prática no território de outros Estados-membros.
138 Finalmente, quanto às práticas referidas no artigo 1. da decisão, o Tribunal verifica, por um lado, que elas são, em parte, posteriores à data de 1 de Janeiro de 1986, em que o Reino de Espanha aderiu à Comunidade, e, por outro lado, que a obrigação de fornecimento exclusivo assim estipulada era igualmente susceptível de tornar mais difícil para um importador o acesso ao mercado da Grã-Bretanha e portanto de afectar, pelo menos potencialmente, as correntes comerciais intracomunitárias. Tendo em conta a forte posição das recorrentes no mercado da Grã-Bretanha e no mercado mundial, esta afectação deve considerar-se suficientemente significativa.
139 Resulta do que antecede que as medidas e práticas adoptadas pela BG foram susceptíveis de exercer uma influência real ou potencial suficientemente significativa no comércio intracomunitário. Por conseguinte, o fundamento baseado no facto de as práticas incriminadas não terem podido exercer influência nesse comércio deve ser julgado improcedente.
Quanto aos pedidos relativos à imputabilidade da infracção e ao montante das coimas
140 Como já foi indicado (v. supra, n. 10), o artigo 4. da decisão aplica à BG uma coima de 3 milhões de ecus pelas práticas de fornecimento exclusivo mencionadas no artigo 1. da decisão e uma coima de 150 000 ecus à BPB pelas práticas seguidas na Irlanda e na Irlanda do Norte, mencionadas no artigo 3. da decisão. Não foi aplicada qualquer coima pelas práticas de entrega prioritária de estuque, que são objecto do artigo 2. do dispositivo da decisão. As recorrentes contestam ao mesmo tempo a aplicação de uma coima à BPB pelas práticas seguidas na Irlanda e o montante das coimas aplicadas.
Quanto à aplicação de uma coima à BPB
° Acto impugnado
141 Na sua decisão (n. 165), "a Comissão considera que deve ser também aplicada uma coima pelos abusos na Irlanda do Norte da posição dominante da BPB na ilha da Irlanda".
° Argumentos das partes
142 Segundo as recorrentes, a decisão deve ser anulada, na medida em que diz respeito à coima aplicada à BPB, por insuficiência de fundamentação. Consideram que não há qualquer razão para atribuir à BPB a responsabilidade das acções da BG na Irlanda do Norte. A decisão não contém qualquer fundamentação neste sentido. Pelo contrário, os n.os 87 a 103, nos quais são descritos os factos ocorridos na Irlanda do Norte, e os n.os 141 a 152, em que são analisadas as consequências jurídicas que a Comissão deles retira, referem-se exclusivamente às medidas tomadas pela BG. As únicas referências à BPB constantes da decisão ° aliás inexactas ° são as que mencionam os relatórios de rotina do Comité Executivo da BPB. Ora, resulta desses relatórios que a BPB só foi informada posteriormente e de uma maneira geral e que não participou de modo algum na execução das práticas mencionadas nesses relatórios. As recorrentes não vêem portanto qualquer razão que justifique que seja aplicada uma coima à BPB.
143 As recorrentes alegam que a decisão diz respeito a factos que ocorreram apenas na Irlanda do Norte e não em toda a ilha da Irlanda e consideram que o facto de as placas de estuque terem sido produzidas na Irlanda pela GIL, outra sociedade pertencente ao seu grupo, é um elemento irrelevante. O elemento pertinente é a venda de placas de estuque pela BG. Salientam que o sistema de descontos posto em prática na Irlanda do Norte era gerido pela BG e não pela BPB. Ora, a BG exerce as suas actividades com total independência.
144 Na audiência, as recorrentes defenderam que a decisão deve ser anulada, com o fundamento de a imputação da responsabilidade do abuso de posição dominante na Irlanda do Norte à BPB em vez de à BG carecer de qualquer fundamentação. A seu ver, foi só nas alegações escritas que apresentou ao Tribunal que a Comissão explicou as razões por que tinha procedido assim. As recorrentes contestam que haja qualquer base para admitir que uma sociedade-mãe seja responsável pelas actividades da sua filial, pela única razão de ter sido informada das suas actividades. Salientam que, contrariamente à situação visada no acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão (107/82, Recueil, p. 3151), a política comercial seguida, no presente caso, pelas filiais da BPB não tinha sido definida pela sociedade-mãe. As recorrentes consideram finalmente que, se o raciocínio da Comissão for exacto, não se compreende por que é que as coimas que dizem respeito às acções da BG na Grã-Bretanha não foram aplicadas à BPB.
145 Segundo a Comissão, a alegação da BPB, nos termos da qual não há razão válida para lhe serem imputados os actos da sua filial BG no que diz respeito ao mercado da Irlanda do Norte, deve ser julgada improcedente. Alega, a este respeito, que a BPB detém uma posição dominante na Irlanda, no mercado de fornecimento de placas de estuque, de que abusou através das actuações da sua filial a 100%, a BG. Por conseguinte, a BPB e a BG devem ser consideradas como constituindo uma única e mesma empresa no que toca às actuações na Irlanda do Norte. O Comité Executivo da BPB foi constantemente mantido informado das medidas tomadas pela BG na Irlanda do Norte para lutar contra as importações.
146 Em resposta às perguntas formuladas pelo Tribunal, a Comissão esclareceu que se a BG era a destinatária apropriada da decisão no que respeita às actuações verificadas no mercado da Grã-Bretanha, já não era assim quanto àquelas que tinham sido levadas a efeito no mercado irlandês, em que havia que ter em conta a presença de duas filiais da BPB, pois esta sociedade de controlo interessa-se directamente pelo mercado irlandês, como resulta dos n.os 90, 97 e 102 da decisão. Foi por isso que a Comissão entendeu que, para este mercado, a sociedade-mãe devia ser a destinatária da decisão.
147 O Governo espanhol faz notar que a BG é uma filial a 100% da BPB e considera que esta é responsável pelas actividades da BG na Irlanda do Norte. A circunstância de a filial ter uma personalidade jurídica distinta não basta para afastar a possibilidade de o seu comportamento ser imputado à sociedade-mãe (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Recueil, p. 619). O Governo espanhol recorda que o comportamento da BG e da BPB se caracterizou pela unidade de acção, devendo portanto as duas sociedades ser consideradas como formando uma única unidade económica. Por conseguinte, o comportamento punido devia ser-lhes imputado solidariamente.
° Apreciação do Tribunal
148 Para exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão, na medida em que atribui à BPB a responsabilidade pelas práticas da BG no mercado irlandês, compete ao Tribunal apurar se, como ela afirma, a Comissão, na decisão, fundamentou suficientemente a imputação à BPB do comportamento da BG nesse mercado.
149 No que diz respeito à imputabilidade a uma sociedade-mãe do comportamento de uma filial, o Tribunal recorda que esse comportamento pode ser imputado à sociedade-mãe quando a filial não determine de modo autónomo a sua linha de actuação no mercado, mas aplique, no essencial, as instruções que lhe são dirigidas pela sociedade-mãe (acórdão ICI/Comissão, já referido, n. 133). No caso de uma filial a 100%, há que notar que esta segue, em princípio, necessariamente a política traçada pela sociedade-mãe (acórdão AEG/Comissão, já referido, n. 50).
150 No presente caso, o Tribunal verifica que a BPB é uma sociedade gestora de participações sociais que opera na Grã-Bretanha por intermédio da BG, que ela controla a 100%. Na Grã-Bretanha, a BG assegura ela mesma a comercialização da sua própria produção. No que diz respeito à Irlanda, os produtos à base de estuque são fabricados pela GIL, igualmente filial a 100% da BPB. Na Irlanda do Norte, os produtos do grupo são vendidos pela BG. Se bem que uma reduzida parte desses produtos fosse, à data dos factos, constituída pela produção da própria BG, o essencial das vendas provinha de importações da Irlanda efectuadas pela BG, que, para o efeito, comprava os produtos em causa à GIL.
151 A este respeito, há que notar que, diferentemente do mercado da Grã-Bretanha, a posição dominante da BPB no mercado da ilha da Irlanda considerado no seu todo ° a qual, aliás, não foi contestada ° assenta na existência de duas filiais, uma das quais assegura, no território da Irlanda do Norte, a comercialização dos produtos fabricados pela outra, ao passo que esta última assegura ela própria tanto a produção como a comercialização dos seus próprios produtos na Irlanda. Daqui resulta que, contrariamente ao mercado da Grã-Bretanha, nem a posição dominante, nem o seu abuso no mercado de toda a ilha da Irlanda podem ser atribuídos especificamente a uma ou outra das filiais da BPB, tendo em conta sobretudo que todo o grupo BPB beneficiava das práticas da BG na Irlanda do Norte, já que a filial GIL aumentava as entregas de placas de estuque à outra filial, BG, numa medida que dependia directamente da eficácia dos abusos cometidos por esta última na Irlanda do Norte.
152 Neste contexto, e tal como aliás é confirmado pelos esclarecimentos prestados na fase oral do processo, há que salientar igualmente, por um lado, que a BPB e a BG constituem uma única entidade económica e, por outro lado, que resulta dos n.os 90, 97 e 102 da decisão que o Comité Executivo da BPB era regularmente informado das práticas das suas filiais no mercado irlandês, ao passo que tal interesse não resulta da decisão no que toca ao mercado da Grã-Bretanha.
153 Tendo em conta as características assim postas em relevo, para cuja manutenção tendiam aliás as práticas comerciais em causa, as recorrentes não podem legitimamente afirmar que foi sem razão que a Comissão, nas circunstâncias do caso vertente, imputou à BPB as práticas da BG na Irlanda do Norte e lhe aplicou, por esse motivo, a coima controvertida. Esta conclusão não é posta em causa nem pela autonomia comercial da BG, nem, pelas razões acima expostas (n.os 151 e 152), pela diferente solução adoptada no caso do mercado da Grã-Bretanha, para o qual as práticas abusivas foram declaradas constitutivas de uma infracção imputada à BG.
154 Quanto ao argumento segundo o qual a Comissão não expôs, nos fundamentos da decisão, a razão pela qual as coimas relativas aos actos da BG no mercado da Grã-Bretanha não foram aplicadas à BPB, o Tribunal considera que, embora seja certo que a Comissão teria podido aplicar essas coimas à sociedade-mãe, já que a BPB e a BG constituem uma única entidade económica, a decisão expõe, todavia, em termos bastantes, as características específicas de cada um dos dois mercados, justificando assim a solução adoptada num caso e no outro. A este respeito, a Comissão pôde legitimamente, e sem violar o disposto no artigo 190. do Tratado, esclarecer, no âmbito da instrução do processo, e em resposta nomeadamente às perguntas escritas e orais do Tribunal, quais os dados em que se baseia o raciocínio adoptado na decisão. Como quer que seja, esta pretensa insuficiência de fundamentação nem impediu, no presente caso, as recorrentes de exporem a sua argumentação, nem dificultou o Tribunal no exercício da sua fiscalização da legalidade.
155 Por conseguinte, a acusação baseada no facto de a Comissão não ter tido razão para aplicar uma coima à BPB em virtude das práticas levadas a efeito pela BG na Irlanda do Norte deve ser afastada.
Quanto ao montante das coimas aplicadas
° Acto impugnado
156 Os elementos de apreciação tomados em consideração pela Comissão para fixar o montante das coimas aplicadas respectivamente à BG e à BPB são objecto dos n.os 162 a 174 da decisão. Esta considera que o regime de vinculação de certos revendedores da Grã-Bretanha à BG constitui um abuso grave da sua posição dominante, em especial porque, por um lado, a maioria dos pagamentos se integra num sistema que a BG propôs aos grandes clientes da Iberian e, por outro lado, porque os pagamentos eram efectuados em contrapartida de um compromisso de compra exclusiva.
157 Segundo a decisão, os abusos em causa foram cometidos deliberadamente. Na Grã-Bretanha, a BG pretendeu deliberadamente, através das medidas que tomou, vincular os clientes. Na Irlanda do Norte, a acção da BG destinava-se especificamente a pôr termo às importações efectuadas por um grupo de revendedores e a vincular os revendedores à BG, apesar da concorrência das importações (n. 170). Ao fixar a coima, a Comissão teve em consideração o facto de os acordos de compra exclusiva terem sido aplicados antes da adesão do Reino de Espanha à Comunidade e de os mesmos só terem permanecido em vigor durante mais sete meses depois da adesão deste Estado-membro (n. 173).
158 Segundo a decisão, deve ser também aplicada uma coima pelos abusos, cometidos na Irlanda do Norte, da posição dominante detida pela BPB na ilha da Irlanda (n. 165).
° Argumentos das partes
159 Quanto ao carácter deliberado das práticas levadas a efeito, as recorrentes são de opinião de que os alegados abusos não tinham por objectivo específico nem vincular clientes à BG nem conseguir pôr termo às importações na Irlanda do Norte. Além disso, a BPB não esteve, de modo algum, implicada no fornecimento de placas de estuque na Irlanda e na Irlanda do Norte. O conhecimento, pela BPB, das operações da BG na Irlanda do Norte limitava-se a alusões em relatórios de rotina, enviados pela BG ao comité executivo do grupo BPB. Na réplica, as recorrentes confirmaram, por razões de clareza, que pedem, a título subsidiário, uma redução do montante das coimas.
160 A Comissão faz notar liminarmente que as recorrentes, na petição, não pediram expressamente a redução do montante das coimas. Quanto à questão de saber se as práticas em causa foram cometidas deliberadamente, a Comissão considera não haver dúvidas de que os acordos de fornecimento exclusivo na Grã-Bretanha e as medidas adoptadas para pôr termo às importações eram deliberados. Recorda igualmente que nenhuma coima foi aplicada no que respeita ao fornecimento prioritário de estuque.
161 Em resposta às perguntas que lhe foram feitas pelo Tribunal, a Comissão explicou que o dispositivo da decisão tem em consideração o facto de a infracção cometida pela BG ter durado muito mais tempo do que aquela de que a BPB é culpada. Além disso, as práticas aplicadas no mercado da Irlanda do Norte só tiveram efeitos limitados no comércio intracomunitário. Ademais, a infracção cometida pela BG dizia respeito a um mercado muito mais vasto do que o mercado irlandês, ou seja, o da Grã-Bretanha.
° Apreciação do Tribunal
162 Há que declarar liminarmente que, embora as recorrentes, na petição, não tenham especificado expressamente que os seus pedidos de anulação da decisão deviam ser entendidos no sentido de abrangerem igualmente, a título subsidiário, pedidos de redução do montante das coimas aplicadas, elas afirmaram, na petição inicial, que o "montante das coimas aplicadas é demasiado elevado". Por conseguinte, os pedidos tendentes a que o Tribunal anule a decisão devem, nas circunstâncias do presente caso, ser entendidos no sentido de abrangerem pedidos de redução do montante das coimas aplicadas. Por conseguinte, o argumento da Comissão, baseado no facto de as recorrentes não terem pedido expressamente a redução do montante das coimas, deve ser afastado.
163 Por força do artigo 15. , n. 2, do Regulamento n. 17, a Comissão só pode aplicar uma coima em virtude de infracções ao disposto no artigo 86. do Tratado cometidas deliberada ou negligentemente.
164 Resulta das apreciações anteriormente formuladas pelo Tribunal, no seu conjunto, que a decisão comprovou, em termos bastantes, que entre Julho de 1985 e Agosto de 1986 a BG violou o disposto no artigo 86. do Tratado, consistindo a infracção no abuso da sua posição dominante no fornecimento de placas de estuque na Grã-Bretanha, e que a BPB abusou, através da sua filial BG, da sua posição dominante, no mercado irlandês, no domínio do fornecimento de placas de estuque, pelo que infringiu o artigo 86. do Tratado CEE.
165 Quanto à questão de saber se as referidas infracções foram cometidas deliberada ou negligentemente, o Tribunal recorda que, segundo jurisprudência constante (v. nomeadamente o acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 1990, Tipp-Ex/Comissão, C-279/87, Colect., p. I-261), para que uma infracção possa ser considerada como tendo sido cometida deliberadamente, não é necessário que a empresa tenha tido consciência de infringir a proibição estabelecida pelas regras de concorrência do Tratado aplicáveis às empresas; basta que não tivesse podido ignorar que a conduta censurada tinha por objectivo ou podia ter por efeito falsear a concorrência no mercado comum.
166 O Tribunal considera que resulta da própria natureza dos comportamentos visados pela decisão, caracterizados, de facto, pela condição de não comercializar outras placas de estuque que não fossem as fabricadas pelas recorrentes, que estas não podiam ignorar que tais comportamentos constituíam uma violação do artigo 86. do Tratado. Por conseguinte, para a aplicação do Regulamento n. 17, esses comportamentos devem ser considerados como tendo sido adoptados deliberadamente.
167 Além disso, resulta do que antecede (v. n.os 151 a 156) que, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, a BPB estava efectivamente implicada nas práticas em causa relativas à Irlanda do Norte, de que era regularmente informada e que eram objecto de reuniões do seu próprio Comité Executivo.
168 As recorrentes pedem que, se não forem anuladas, as coimas aplicadas sejam reduzidas. A este respeito, resulta dos fundamentos da decisão, bem como dos esclarecimentos prestados na fase oral do processo, que a Comissão teve em consideração a gravidade e a duração dos abusos, o volume de negócios global das empresas, a dimensão respectiva dos mercados em causa, o facto de o Reino de Espanha não ser ainda membro da Comunidade na data em que o sistema de pagamentos promocionais assim como o sistema de descontos praticados na Irlanda do Norte foram aplicados e, finalmente, o facto de o sistema de pagamentos promocionais só se ter mantido durante sete meses posteriormente à adesão do Reino de Espanha à Comunidade. Por conseguinte, a Comissão justificou suficientemente a relação de proporcionalidade entre as infracções cometidas e as sanções aplicadas, e os pedidos de redução do montante das coimas devem ser igualmente julgados improcedentes. Finalmente, a anulação parcial do artigo 2. da decisão diz respeito a uma acusação pela qual não foi aplicada qualquer coima.
169 Resulta do que antecede que as coimas aplicadas se justificam no seu princípio e no seu montante e que os seus destinatários foram exactamente designados; por conseguinte, os pedidos das recorrentes no sentido da anulação ou reforma do artigo 4. da decisão devem ser julgados improcedentes.
170 Resulta de tudo quanto antecede que o artigo 2. do dispositivo da decisão deve ser anulado na parte relativa ao mês de Julho de 1985 e que deve ser negado provimento ao recurso quanto ao restante.
Quanto às despesas
171 Por força do artigo 87. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação das recorrentes nas despesas, há que, nas circunstâncias do caso vertente, condená-las nas despesas, incluindo as da interveniente Iberian.
172 Por força do artigo 87. , n. 4, do mesmo regulamento, os Estados-membros que intervieram no litígio suportam as suas despesas. Assim sendo, o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)
decide:
1) É anulado, na parte relativa ao mês de Julho de 1985, o artigo 2. da Decisão 89/22/CEE da Comissão, de 5 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 86. do Tratado CEE (IV/31.900 ° BPB Industries plc).
2) É negado provimento ao recurso quanto ao restante.
3) As recorrentes suportarão a totalidade das despesas, incluindo as da interveniente Iberian.
4) O Reino de Espanha suportará as suas despesas.