ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)
16 de maio de 2019 ( *1 )
«Contratos públicos de serviços — Procedimento de concurso — Contrato‑Quadro de prestação de serviços — Serviços prestados a países terceiros beneficiários de ajuda externa da União — Rejeição da proposta de um proponente e adjudicação do contrato a outros proponentes — Alegações de falta profissional grave contra um proponente — Inexistência de sentença transitada em julgado ou de decisão administrativa definitiva que declare a existência de falta profissional grave — Condições de consulta da instância referida no artigo 108.o do Regulamento Financeiro — Propostas anormalmente baixas — Dever de fundamentação — Consideração de uma carta enviada pela entidade adjudicante após interposição do recurso — Direito a um recurso efetivo — Tempo de espera para interpor recurso da decisão de adjudicação — Igualdade de tratamento — Princípio da não discriminação — Artigos 105.o‑A, 106.o, 108.o, 113.o e 118.o do Regulamento Financeiro — Responsabilidade extracontratual»
No processo T‑228/18,
Transtec, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por L. Levi e N. Flandin, advogados,
recorrente,
contra
Comissão Europeia, representada por A. Aresu e J. Estrada de Solà, na qualidade de agentes,
recorrida,
que tem por objeto, por um lado, um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, de anulação da Decisão da Comissão de 26 de março de 2018, que rejeitou a proposta apresentada pelo consórcio liderado pela recorrente para o lote n.o 3 no âmbito do concurso EuropeAid/138778/DH/SER/Multi, intitulado «Contrato‑Quadro de Serviços relativos à Implementação da Ajuda Externa (FWC SIEA 2018) 2017/S», e adjudicou o contrato a outros proponentes, e, por outro, um pedido baseado no artigo 268.o TFUE, de reparação do prejuízo que a recorrente alegadamente sofreu devido a essa rejeição,
O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),
composto por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise e R. da Silva Passos (relator), juízes,
secretário: M. Marescaux, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 13 de fevereiro de 2019,
profere o presente
Acórdão ( 1 )
Antecedentes do litígio
[omissis]
Tramitação processual e pedidos das partes
18 |
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de abril de 2018, a recorrente interpôs o presente recurso, acompanhado, em requerimento separado, de um pedido de omissão de determinados dados ao público. |
19 |
Por requerimento separado que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia e foi registado sob a referência T‑228/18 R, a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias, ao abrigo dos artigos 278.o e 279.o TFUE, em que, em substância, pediu ao presidente do Tribunal que suspendesse a execução da decisão impugnada ou que intimasse a Comissão, a título provisório, a incluí‑la, juntamente com o consórcio de que era líder, entre os proponentes selecionados para o lote n.o 3. |
20 |
Por Despacho de 17 de maio de 2018, Transtec/Comissão (T‑228/18 R, não publicado, EU:T:2018:281), o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias e reservou para final a decisão quanto às despesas. Na sequência desse despacho, a Comissão iniciou o procedimento para a assinatura dos dez contratos‑quadro relativos ao lote n.o 3. |
21 |
Entretanto, por carta de 26 de abril de 2018 e ao abrigo do artigo 84.o, n.o 1, e do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a recorrente tinha apresentado um novo fundamento e ofereceu novas provas. Nesse mesmo dia, por requerimento separado, apresentou, em conformidade com o artigo 66.o do Regulamento de Processo, um pedido para que o conteúdo de alguns dos documentos anexos à carta de 26 de abril de 2018 não fosse citado nos documentos do presente processo acessíveis ao público. |
22 |
Em 18 de junho de 2018, a Comissão apresentou a contestação, na qual também submeteu as suas observações sobre o oferecimento de prova e o novo fundamento apresentados pela recorrente. |
23 |
Em 4 de setembro de 2018, a recorrente apresentou a réplica. |
24 |
Em 17 de outubro de 2018, a Comissão apresentou a tréplica. |
25 |
Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo. |
26 |
Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal Geral na audiência de 13 de fevereiro de 2019. |
27 |
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:
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28 |
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:
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29 |
A Comissão considera igualmente que já não há que se pronunciar sobre o pedido de medidas de organização do processo, uma vez que tem o mesmo objeto que a carta de 27 de março de 2018, à qual foi dada resposta pela carta de 13 de abril de 2018. |
Questão de direito
[omissis]
Quanto ao mérito
Quanto ao pedido de anulação
[omissis]
– Quanto ao primeiro fundamento
42 |
A recorrente considera que a Comissão violou o artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro e o ponto 4 das Instruções aos Proponentes, o qual remete para o ponto 2.3.3 do Guia Prático dos Procedimentos Contratuais no Âmbito das Ações Externas da União Europeia, cujas disposições são semelhantes ao artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro, pelo facto de não ter excluído um dos adjudicatários. Segundo a recorrente, a entidade adjudicante está obrigada, quando for informada, durante o procedimento de concurso, de uma pretensa falta grave em matéria profissional cometida por um proponente, a verificar as informações a esse respeito e, se essa falta grave estiver suficientemente demonstrada, a excluir o proponente em questão do procedimento. |
43 |
No presente caso, as autoridades britânicas acusaram aquela sociedade adjudicatária de «peculato e adjudicações duvidosas de contratos públicos». |
44 |
Em apoio das suas afirmações, a recorrente apresenta três documentos que havia já comunicado à Comissão, a saber: um excerto do blogue da equipa «Media» do Department for International Development (DFID, Departamento para o Desenvolvimento Internacional, Reino Unido) do Governo do Reino Unido e duas respostas ministeriais a perguntas feitas pelos membros do Parlamento do Reino Unido, dos quais decorre que o DFID e o Foreign and Commonwealth Office (FCO, Gabinete dos Negócios Estrangeiros e da Commonwealth, Reino Unido) tinham deixado de celebrar novos contratos com a sociedade adjudicatária em causa. Com base nos elementos constantes dos referidos documentos e em consequência de um inquérito conduzido pelas autoridades britânicas, as autoridades britânicas já não adjudicaram novos contratos à referida sociedade em 2017. |
45 |
A recorrente sustenta que resulta dos documentos mencionados no n.o 44, supra, que, quando a sociedade adjudicatária em causa preencheu o formulário de declaração sob compromisso de honra relativo aos critérios de exclusão e de seleção, incluído no dossiê de concurso e previsto no ponto 4 das Instruções aos Proponentes, não fez referência ao facto de estar a ser posta em causa pelas autoridades britânicas. Essa omissão é suscetível de constituir uma declaração enganosa, de modo que a Comissão, ao aceitar a sua declaração sob compromisso de honra e ao não excluir do concurso o consórcio de que esta mesma sociedade fazia parte, violou o ponto 4 das Instruções aos Proponentes e o artigo 106.o do Regulamento Financeiro. |
46 |
A Comissão contesta a argumentação da recorrente. |
47 |
Em primeiro lugar, cabe recordar que, nos termos do artigo 106.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento Financeiro, a «entidade adjudicante exclui um operador económico da participação nos procedimentos de contratação regidos pelo presente regulamento se tiver sido confirmado, por sentença judicial transitada em julgado ou por decisão administrativa definitiva, que o operador económico cometeu uma falta grave em matéria profissional por ter violado disposições legislativas ou regulamentares ou regras deontológicas aplicáveis à profissão à qual pertence, ou por ter cometido qualquer comportamento ilícito que tenha um impacto sobre a sua credibilidade profissional, sempre que tal comportamento denote uma intenção dolosa ou uma negligência grave […]». |
48 |
No presente caso, as partes admitiram na audiência que, no momento do procedimento de adjudicação do contrato em causa, não havia nenhuma sentença transitada em julgado nem nenhuma decisão administrativa definitiva, na aceção do artigo 106.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento Financeiro, respeitante à sociedade adjudicatária em causa. |
49 |
Em segundo lugar, o artigo 106.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro refere que, «[n]a ausência de uma decisão judicial transitada em julgado ou, se aplicável, de uma decisão administrativa definitiva nos casos referidos no n.o 1, alínea c), […], a autoridade adjudicante exclui um operador económico com base numa qualificação jurídica preliminar de um dos comportamentos [aí referidos], tendo em conta os factos apurados ou outros resultados constantes da recomendação da instância a que se refere o artigo 108.o». |
50 |
A este respeito, quanto à instância a que se refere o artigo 108.o do Regulamento Financeiro, que tem por epígrafe «Sistema de deteção precoce e de exclusão», é necessário recordar os termos do artigo 105.o‑A do mesmo regulamento, epigrafado «Proteção dos interesses financeiros da União através da deteção de riscos e da aplicação de sanções administrativas». |
51 |
O artigo 105.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, dispõe que, «[a] fim de proteger os interesses financeiros da União, a Comissão estabelece e gere um sistema de deteção precoce e de exclusão». Segundo o artigo 105.o‑A, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento Financeiro, este sistema tem por objetivo facilitar «a) [a] deteção precoce de riscos que ameacem os interesses financeiros da União» e «b) [a] exclusão de operadores económicos que se encontrem numa das situações de exclusão referidas no artigo 106.o, n.o 1». O artigo 105.o‑A, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Financeiro especifica que, «[…] nas situações a que se refere o artigo 106.o, n.o 2, a entidade adjudicante remete o caso para a instância a que se refere o artigo 108.o a fim de assegurar uma avaliação centralizada dessas situações» e que, «[n]esses casos, a entidade adjudicante toma a sua decisão com base numa qualificação jurídica preliminar, tendo em conta a recomendação da instância». |
52 |
Quanto à consulta da instância referida no artigo 108.o do Regulamento Financeiro, resulta do n.o 2, alíneas b) e c), desta disposição que, em caso de presunção de falta grave em matéria profissional, irregularidade, fraude, corrupção ou violação grave do contrato, a deteção precoce de riscos que ameaçam os interesses financeiros da União, referida no artigo 105.o‑A, n.o 1, alínea a), do mesmo regulamento, se baseia na transmissão de informações à Comissão por um gestor orçamental da Comissão, de um serviço europeu criado pela Comissão ou de uma agência de execução, ou ainda por uma instituição, por um serviço ou por uma agência da União. |
53 |
Resulta do conjunto das disposições acima referidas que, na falta de sentença transitada em julgado ou de decisão administrativa definitiva respeitante a um proponente, a entidade adjudicante deve, quando disponha de indícios suficientes para demonstrar a presunção de que o referido proponente é culpado, nomeadamente, de uma falta profissional grave, recorrer à instância referida no artigo 108.o do Regulamento Financeiro, para que esta emita uma recomendação que contenha, sendo caso disso, uma qualificação jurídica preliminar dos factos controvertidos. |
54 |
A este respeito, contrariamente ao que adiantou a Comissão na audiência, o recurso à instância referida no artigo 108.o do Regulamento Financeiro, com base no artigo 106.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, não pressupõe a existência prévia de uma sentença ou de uma decisão administrativa. Segundo o artigo 105.o‑A, n.o 2, do Regulamento Financeiro, lido em conjugação com o artigo 106.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, a entidade adjudicante remete o caso a essa instância, na falta de uma sentença ou de uma decisão dessa natureza, desde que constate que uma eventual irregularidade financeira, prevista, nomeadamente, no artigo 106.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento Financeiro, poderá criar «riscos que ameacem os interesses financeiros da União», na aceção do artigo 105.o‑A, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), do referido regulamento. Tal é o objetivo do sistema de deteção precoce e de exclusão. Não obstante, a entidade adjudicante deve apreciar, antes de remeter o caso à instância referida no artigo 108.o do Regulamento Financeiro, se esse risco existe e, sendo caso disso, se poderá ameaçar os interesses financeiros da União. |
55 |
Assim, nesta fase, importa verificar se a Comissão, enquanto entidade adjudicante, estava obrigada, nas circunstâncias específicas do presente processo, a remeter o caso à instância referida no artigo 108.o do Regulamento Financeiro, por poder considerar dispor de indícios suficientes de que o comportamento da sociedade adjudicatária em causa podia constituir uma falta profissional grave que ameaçava os interesses financeiros da União, como alega, em substância, a recorrente. |
56 |
A este respeito, os documentos considerados admissíveis, que a recorrente apresentou para demonstrar que a sociedade adjudicatária em causa tinha sido posta em causa pelas autoridades britânicas por «peculato e adjudicações duvidosas de contratos públicos», são os mencionados no n.o 44, supra, a saber, um excerto do blogue da equipa «Media» do DFID e duas respostas ministeriais a perguntas feitas por membros do Parlamento do Reino Unido. |
57 |
Por um lado, o excerto do blogue da equipa «Media» do DFID, datado de 4 de dezembro de 2017, relata que, em dezembro de 2016, foram deduzidas contra a sociedade adjudicatária em causa alegações de falsificação de propostas no IDC e de uso de documentos do DFID irregularmente obtidos. Esse excerto especifica que, a partir dessa data, a sociedade adjudicatária em causa se retirou voluntariamente dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos instaurados pelo DFID. Por outro lado, as respostas ministeriais, datadas de 13 de setembro e 13 de dezembro de 2017, referem, respetivamente, que o DFID tinha deixado de adjudicar contratos públicos à sociedade adjudicatária em causa a partir do mês de março de 2017 e que o FCO não lhe tinha adjudicado nenhum contrato público em 2017. |
58 |
Ora, como sublinha a Comissão, esses documentos limitam‑se a relatar o facto de terem sido deduzidas «alegações» contra a sociedade adjudicatária em causa, cuja proveniência não é especificada, relativas a irregularidades na adjudicação de contratos públicos no Reino Unido, sem mais precisões sobre as circunstâncias em que as referidas irregularidades se verificaram. |
59 |
Assim, os documentos apresentados pela recorrente em apoio do seu primeiro fundamento não são suficientes para demonstrar que o comportamento da sociedade adjudicatária em causa podia constituir uma falta profissional grave que ameaçava os interesses financeiros da União. Daqui resulta que, nas circunstâncias específicas do presente processo, a Comissão não estava obrigada a remeter o caso à instância referida no artigo 108.o do Regulamento Financeiro, pelo que não lhe pode ser imputada nenhuma violação do artigo 106.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro. |
60 |
Em terceiro lugar, os documentos apresentados pela recorrente também não demonstram que a declaração sobre compromisso de honra entregue pela sociedade adjudicatária em causa seja enganosa. A este respeito, há que salientar que o ponto 4 das Instruções aos Proponentes previa que os proponentes deviam, por um lado, assinar uma declaração sob compromisso de honra que comprovasse que não se encontravam numa das situações de exclusão referidas no ponto 2.3.3 do Guia Prático dos Procedimentos Contratuais no Âmbito das Ações Externas da União Europeia e, por outro, apresentar prova de que não se encontravam abrangidos por nenhum dos critérios de exclusão. Todavia, resulta do exame da lista constante do ponto I, alínea g), ii), do formulário de declaração sob compromisso de honra que os critérios de exclusão que a mesma continha eram, em substância, idênticos aos constantes do artigo 106.o, n.o 2, quarto parágrafo, do Regulamento Financeiro. Consequentemente, a referida lista e o ponto 4 das Instruções aos Proponentes devem ser lidos à luz do artigo 106.o, n.o 2, quarto parágrafo, do Regulamento Financeiro. |
61 |
No que respeita ao artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro, uma vez que o seu quarto parágrafo remete para o seu primeiro parágrafo, há que ler estes dois parágrafos em conjunto. A este respeito, como foi salientado no n.o 59, supra, a Comissão não era obrigada, no caso em apreço, por força do artigo 106.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, a recorrer à instância referida no artigo 108.o do mesmo regulamento. Assim, a recorrente não demonstrou que a aceitação, pela Comissão, da declaração sob compromisso de honra assinada pela sociedade adjudicatária em causa constituía uma violação do ponto 4 das Instruções aos Proponentes, lido à luz do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro. |
62 |
Tendo em conta todas as considerações expostas, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente. [omissis] |
– Quanto ao terceiro fundamento
89 |
A recorrente alega que, na decisão impugnada, a Comissão se limitou a informá‑la de que não tinha obtido a melhor relação qualidade/preço relativamente ao lote n.o 3 e a comunicar‑lhe, sob a forma de um quadro, as notas atribuídas aos proponentes selecionados. Todavia, a decisão impugnada não continha nenhuma explicação sobre o sistema de cálculo das notas que lhe foram atribuídas. Assim, a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação e violou o artigo 113.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro e o artigo 161.o, n.o 1, do Regulamento de Execução. |
90 |
A Comissão contesta esta argumentação. |
91 |
Segundo o artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta, a Administração tem a obrigação de fundamentar as suas decisões. Este dever de fundamentação implica, segundo jurisprudência assente, que, em conformidade com o artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, o autor do ato deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio subjacente ao referido ato, de modo a, por um lado, permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada a fim de fazerem valer os seus direitos e, por outro, permitir ao juiz exercer a sua fiscalização (Acórdãos de 25 de fevereiro de 2003, Strabag Benelux/Conselho, T‑183/00, EU:T:2003:36, n.o 55; de 24 de abril de 2013, Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑32/08, não publicado, EU:T:2013:213, n.o 37; e de 28 de junho de 2016, AF Steelcase/EUIPO, T‑652/14, não publicado, EU:T:2016:370, n.o 43). |
92 |
Além disso, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas direta e individualmente por ele afetadas podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada não só à luz do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdãos de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 150, e de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 116). |
93 |
No que respeita aos contratos públicos celebrados pelas instituições da União, por um lado, o artigo 113.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro dispõe que a entidade adjudicante comunica aos proponentes cujas propostas tenham sido rejeitadas os fundamentos da decisão correspondente. Por outro lado, de acordo com o artigo 113.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alínea a), a entidade adjudicante comunica a todos os proponentes que não satisfaçam os critérios de exclusão, mas preencham os de seleção, e que apresentem um pedido por escrito nesse sentido, as características e as vantagens relativas da proposta selecionada, bem como o nome do adjudicatário. A este respeito, o artigo 161.o, n.o 2, do Regulamento de Execução especifica que «a entidade adjudicante comunica as informações previstas no artigo 113.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de 15 dias a contar da receção de um pedido por escrito». |
94 |
O artigo 113.o, n.os 2 e 3, do Regulamento Financeiro e o artigo 161.o, n.o 2, do Regulamento de Execução preveem, portanto, relativamente aos proponentes preteridos, uma fundamentação em duas fases. Numa primeira fase, a entidade adjudicante comunica a todos os proponentes preteridos que as suas propostas foram rejeitadas e os fundamentos dessa rejeição. Esses fundamentos podem ser sumários, dada a possibilidade de o proponente preterido pedir uma fundamentação mais precisa. Numa segunda fase, por força dessas mesmas disposições, se um proponente preterido que não satisfaça nenhum dos critérios de exclusão, mas preencha os critérios de seleção, apresentar um pedido por escrito nesse sentido, a entidade adjudicante comunica, o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de quinze dias a contar da receção desse pedido, as características e as vantagens relativas da proposta selecionada, bem como o nome do adjudicatário (v. Acórdão de 26 de abril de 2018, European Dynamics Luxembourg e Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑752/15, não publicado, EU:T:2018:233, n.o 27 e jurisprudência referida). |
95 |
A este respeito, não se pode exigir da Comissão que comunique a um proponente cuja proposta não foi selecionada, por um lado, além dos fundamentos da rejeição dessa proposta, um resumo minucioso da forma como cada pormenor da sua proposta foi tido em consideração para efeitos da sua avaliação e, por outro, no âmbito da comunicação das características e das vantagens relativas da proposta selecionada, uma análise comparativa minuciosa desta última e da proposta do proponente preterido (v. Acórdão de 4 de outubro de 2012, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑629/11 P, não publicado, EU:C:2012:617, n.o 21 e jurisprudência referida). De igual modo, a entidade adjudicante não está obrigada a fornecer ao proponente preterido, mediante pedido por escrito deste, uma cópia completa do relatório de avaliação (v. Acórdão de 4 de outubro de 2012, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑629/11 P, não publicado, EU:C:2012:617, n.o 22 e jurisprudência referida). |
96 |
Por último, importa sublinhar que, em princípio, o respeito pelo dever de fundamentação deve ser apreciado em função dos elementos de informação de que o recorrente dispõe no momento da interposição do recurso (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2013, European Dynamics Luxembourg e Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑165/12, EU:T:2013:646, n.o 65 e jurisprudência referida). |
97 |
No caso em apreço, no momento da interposição do recurso, em 5 de abril de 2018, a recorrente só tinha à sua disposição a decisão impugnada, datada de 26 de março de 2018, como documento da entidade adjudicante, de que constavam informações sobre a rejeição da sua proposta e a adjudicação do contrato a outros proponentes, bem como o nome desses proponentes. |
98 |
Em consequência, é verdade que, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 96, supra, é à luz apenas dessa decisão que, em princípio, há que apreciar se a Comissão respeitou o dever de fundamentação. |
99 |
Não obstante, também é verdade que o legislador previu, no que respeita à fundamentação da decisão da entidade adjudicante de rejeitar uma proposta e adjudicar o contrato a outro proponente, que tal fundamentação podia ser feita em duas fases com, antes de mais, uma exposição sumária dos fundamentos da rejeição da proposta e, depois, no prazo de quinze dias após o pedido expresso do proponente preterido, uma descrição das características e das vantagens relativas da proposta selecionada, bem como o nome do adjudicatário (v. n.o 94, supra). |
100 |
No presente caso, com a carta de 27 de março de 2018, a recorrente pediu à Comissão que lhe comunicasse, nomeadamente, as características e as vantagens relativas das propostas dos dez adjudicatários. A Comissão respondeu ao pedido da recorrente no decurso da presente instância, por carta de 13 de abril de 2018. |
101 |
Ora, por um lado, há que observar que a recorrente interpôs o presente recurso em 5 de abril de 2018, ou seja, antes do termo do prazo de quinze dias fixado à Comissão para responder à carta de 27 de março de 2018. |
102 |
Por outro lado, foi a própria recorrente que, em 26 de abril de 2018, apresentou a carta de 13 de abril de 2018 no âmbito do presente processo, ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. Em simultâneo com esse oferecimento de prova, a recorrente tomou posição sobre a carta de 13 de abril de 2018, apresentando um articulado adicional à sua petição, no qual desenvolveu determinados aspetos suscitados na sua petição à luz da referida carta, bem como um novo fundamento com base no artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. A Comissão não contestou a admissibilidade desse articulado adicional e desse novo fundamento. Foi assim que esses elementos foram considerados admissíveis no presente acórdão. |
103 |
Nestas circunstâncias, é à luz da decisão impugnada, datada de 26 de março de 2018, conforme completada pela carta de 13 de abril de 2018, que há que examinar se a Comissão respeitou o dever de fundamentação. |
104 |
A este respeito, antes de mais, na decisão impugnada, a Comissão informou a recorrente de que a sua proposta relativa ao lote n.o 3 não tinha sido classificada entre as dez melhores, tendo em conta a sua relação qualidade/preço. A decisão impugnada incluía, além disso, um quadro comparativo com as notas atribuídas à recorrente, as atribuídas ao primeiro proponente selecionado e as atribuídas ao último proponente selecionado. Este quadro continha, designadamente, as notas atribuídas nas seis sub‑rubricas constantes da rubrica «Organização global e metodologia», a nota técnica global, a ponderação das notas técnicas e financeiras e a nota global. |
105 |
Tais informações permitiam já à recorrente constatar que a sua proposta tinha sido classificada em décimo primeiro lugar no que respeitava à nota financeira, mas que não era esse o caso no que respeitava à nota técnica. A recorrente podia daí deduzir que o montante mais elevado da sua proposta, relativamente às propostas dos demais proponentes, tinha tido um papel determinante na rejeição da mesma. Além disso, com a comunicação das notas em cada uma das sub‑rubricas da classificação técnica, a recorrente podia, embora em abstrato, compreender que elementos da sua proposta tinham sido considerados mais fiáveis pela entidade adjudicante. |
106 |
Em seguida, com a carta de 13 de abril de 2018, a Comissão comunicou à recorrente, em primeiro lugar, um quadro com as notas obtidas pela própria e por cada um dos dez adjudicatários nas seis sub‑rubricas da classificação técnica. Após leitura desse quadro, a recorrente pôde constatar que, no plano técnico, a sua proposta tinha sido classificada em décimo primeiro lugar na primeira sub‑rubrica «Organização e metodologia», que era a sub‑rubrica mais importante por ter uma ponderação de 35 pontos em 100, e em oitavo lugar na segunda sub‑rubrica «Equipa de direção: perfis propostos», que era a segunda sub‑rubrica mais importante por ter uma ponderação de 25 pontos em 100. |
107 |
Em segundo lugar, esse quadro relativo à classificação técnica das propostas era completado por uma rubrica de comentários, na qual a posição do Comité de Avaliação sobre cada proposta estava brevemente resumida. |
108 |
No que respeita mais especificamente à proposta da recorrente, o comentário do Comité de Avaliação era o seguinte: «Boa metodologia global de gestão — membros da equipa e membros do consórcio com experiência [em contratos‑quadro] — apresentação teórica da metodologia de controlo de qualidade — integração de peritos locais — presença em todos os países e todas as regiões [mas] informação insuficiente para garantir a disponibilidade dos peritos — pouco conhecimento do setor na equipa de direção — papel, complementaridade e valor acrescentado dos membros do consórcio não claramente definidos.» |
109 |
Assim, o comentário do Comité de Avaliação, lido em conjunto com a discriminação das notas atribuídas à recorrente e das notas obtidas por cada um dos adjudicatários em cada uma das sub‑rubricas da classificação técnica, permite compreender as razões por que a Comissão considerou que a proposta da recorrente era menos satisfatória do que as propostas selecionadas. Com efeito, no seu articulado adicional de 26 de abril de 2018, a própria recorrente refere que as observações «informação insuficiente para garantir a disponibilidade dos peritos» e «pouco conhecimento do setor na equipa de direção» lhe «parecem corresponder», respetivamente, às sub‑rubricas «Organização e metodologia» e «Equipa de direção: perfis propostos». |
110 |
A este respeito, há que constatar que o Comité de Avaliação não fez aos adjudicatários as mesmas críticas que à proposta da recorrente. |
111 |
Primeiro, como refere a recorrente, é certo que resulta dos comentários que refletem a posição do Comité de Avaliação que este pôde apontar a determinados proponentes «detalhes insuficientes sobre as medidas paliativas em caso de indisponibilidade dos peritos», ou ainda «poucas informações sobre os conhecimentos internos». Todavia, essas críticas não incidem sobre a insuficiência das informações relativas à disponibilidade dos peritos propriamente dita. Segundo, quanto à crítica «pouco conhecimento do setor na equipa de direção», feita à proposta da recorrente, ela própria salienta, na sua petição, que «não é feita nenhuma observação aos demais proponentes acerca dos conhecimentos da equipa de direção». |
112 |
Assim, contrariamente ao que sugere a recorrente, a circunstância de terem sido feitos comentários a outros proponentes sobre os pontos negativos das suas propostas não torna incoerente a fundamentação contida na carta de 13 de abril de 2018. |
113 |
A recorrente podia, pois, compreender, após leitura da decisão impugnada e da carta de 13 de abril de 2018, os fundamentos subjacentes à classificação das propostas no plano técnico. A este respeito, como recordado no n.o 95, supra, não se pode exigir da entidade adjudicante que comunique a um concorrente cuja proposta não foi selecionada, por um lado, além dos fundamentos da rejeição dessa proposta, um resumo minucioso da forma como cada pormenor da sua proposta foi tido em consideração para efeitos da sua avaliação e, por outro, no âmbito da comunicação das características e das vantagens relativas da proposta selecionada, uma análise comparativa minuciosa desta última e da sua proposta. |
114 |
Por último, no que respeita à avaliação financeira das propostas, a carta de 13 de abril de 2018 continha um quadro com a nota financeira global, a nota técnica global e a nota final da recorrente e de cada um dos dez adjudicatários. Segundo o quadro, o adjudicatário classificado em primeiro lugar relativamente à avaliação financeira da sua proposta não obteve um total de 100 pontos, mas sim de 99,36. |
115 |
A este respeito, como sublinhou a Comissão na contestação, em aplicação do ponto 15.3 das Instruções aos Proponentes, a pontuação financeira total foi calculada somando‑se as quatro pontuações ponderadas relativas a cada categoria de peritos. Estas quatro pontuações ponderadas foram obtidas dividindo‑se os preços menos elevados pelos preços da proposta considerada e multiplicando‑se essa relação por 100. Assim, em aplicação desta fórmula, não podia ser atribuída ao proponente que tivesse apresentado a proposta global mais barata, sem ter apresentado a proposta mais barata para cada uma das categorias de peritos, uma nota global de 100 pontos em 100. |
116 |
Em consequência, a recorrente podia pressupor que era o que se verificava in casu, em que, como indicou a Comissão, o adjudicatário classificado em primeiro lugar relativamente à nota financeira propôs os preços menos elevados para as categorias de perito I e III, bem como para o assistente administrativo, mas propôs os segundos preços menos elevados para a categoria de perito II. Assim, dado que a proposta desse adjudicatário não era a mais barata para cada uma dessas quatro categorias, não podia obter uma pontuação financeira total de 100 pontos em 100. |
117 |
Uma vez que não colhe nenhum dos argumentos avançados pela recorrente em apoio do seu terceiro fundamento, este deve ser julgado improcedente. [omissis] |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção) decide: |
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Gervasoni Madise Da Silva Passos Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de maio de 2019. Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: francês.
( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.