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Document 61986CC0138

    Conclusões do advogado-geral Cruz Vilaça apresentadas em 27 de Janeiro de 1988.
    Direct Cosmetics Ltd e Laughtons Photographs Ltd contra Commissioners of Customs and Excise.
    Pedidos de decisão prejudicial: Value Added Tax Tribunal, London - Reino Unido.
    Sexta directiva IVA - Autorização de medidas derrogatórias - Validade.
    Processos apensos 138/86 e 139/86.

    Colectânea de Jurisprudência 1988 -03937

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1988:36

    61986C0138

    Conclusões do advogado-geral Vilaça apresentadas em 27 de Janeiro de 1988. - DIRECT COSMETICS LTD. E LAUGHTONS PHOTOGRAPHS LTD CONTRA COMMISSIONERS OF CUSTOMS AND EXCISE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO LONDON VALUE ADDED TAX TRIBUNAL. - SEXTA DIRECTIVA IVA - AUTORIZACAO DE MEDIDAS DERROGATORIAS - VALIDADE. - PROCESSOS APENSOS 138/86 E 139/86.

    Colectânea da Jurisprudência 1988 página 03937
    Edição especial sueca página 00535
    Edição especial finlandesa página 00545


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. O "London Value Added Tax Tribunal" submete-nos, nos termos do artigo 177.° do Tratado/CEE, várias questões prejudiciais relacionadas com a interpretação do artigo 27.° da sexta directiva do Conselho 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (1), e com a validade de uma decisão do Conselho que, em aplicação daquele artigo, autorizou o Reino Unido a introduzir, por dois anos, uma medida derrogatória tendo em vista evitar certas evasões fiscais (2).

    1. Os antecedentes do litígio.

    2. As questões são formuladas no quadro de litígios em que duas empresas inglesas - a "Direct Cosmetics Ltd" e a "Laughtons Photographs Ltd" - contestam a aplicação que lhes foi feita de tal medida derrogatória; está em causa, fundamentalmente, a determinação da base tributável do IVA no que respeita às operações dessas sociedades, cuja natureza especial está na origem daquela aplicação.

    3. O processo que agora nos ocupa surge na sequência de um outro já decidido por este Tribunal (3) em que igualmente se confrontavam as posições de uma das sociedades agora em causa (a Direct Cosmetics) e dos "Commissioners of Customs and Excise". Discutia-se então a necessidade ou desnecessidade de notificação à Comissão, por força do artigo 27.°, n.° 2, da sexta directiva, de uma alteração à legislação fiscal inglesa derrogatória da base tributável definida na citada directiva.

    4. Conformando-se com o acórdão do Tribunal, que considerou a referida alteração como uma "medida especial" nos termos do artigo 27.°, n.° 1, sujeita portanto a autorização do Conselho, o Reino Unido informou a Comissão, em 15 de Março de 1985, do teor da medida derrogatória à sexta directiva que pretendia introduzir.

    5. Segundo a respectiva notificação, a referida derrogação, limitada a um período de dois anos, tinha em vista combater a evasão fiscal mediante a adopção de um sistema especial de liquidação do IVA nos casos em que o sistema de comercialização de certas empresas se baseasse na venda dos produtos a revendedores que não são contribuintes.

    6. Dando cumprimento ao disposto no n.° 3 do artigo 27.°, a Comissão informou os outros Estados-membros do pedido apresentado; não tendo o assunto sido submetido à apreciação do Conselho por qualquer dos Estados-membros ou pela própria Comissão, no prazo de dois meses a contar da data daquela informação, a derrogação considerou-se tacitamente autorizada a partir de 13 de Junho de 1985, de acordo com o n.° 4 do artigo 27.° (4).

    7. Em consequência disso, o n.° 3 do anexo 4 do "VAT Act de 1983" passou a ter a seguinte redacção:

    "Quando:

    a)a actividade exercida por um contribuinte consistir, no todo ou em parte, em fornecer a um certo número de particulares mercadorias destinadas a ser vendidas a retalho, seja por estes últimos, seja por outras pessoas, e quando

    b) essas pessoas não forem contribuintes, os Commissioners podem dar instruções por escrito ao contribuinte no sentido de que o valor de qualquer fornecimento por ele efectuado posteriormente à notificação dessas instruções ou depois de uma determinada data, indicada na notificação, seja o seu valor corrente de mercado numa venda a retalho."

    8. Relativamente ao texto anteriormente em vigor (o n.° 2 do anexo 3 do "Finance Act" de 1972, na sua versão inicial), a modificação constante do n.° 3 do anexo 4 do VAT Act constituiu, essencialmente, na supressão da referência ali feita à necessidade de "protecção dos interesses do Tesouro".

    9. Por decisões, respectivamente, de 25 de Junho de 1985 e de 5 de Julho de 1985, cujo texto (idêntico nos dois casos) se dá aqui por reproduzido, os Commissioners of Customs and Excise aplicaram a citada disposição às sociedades Laughtons Photographs e Direct Cosmetics.

    10. Compreende-se a importância destas decisões para os destinatários, se tivermos em conta a especificidade dos respectivos sistemas de vendas. Estes acham-se descritos no relatório para a audiência e ao de Direct Cosmetics já se havia referido o acórdão de 13 de Fevereiro de 1985.

    11. Recordemos, apenas, que Direct Cosmetics se especializou na venda directa de produtos cosméticos que já não podem ser vendidos pelos canais comerciais normais (excedentes, fins de série, produtos cuja fabricação cessou, produtos com embalagens de Natal que não foram vendidos na época própria, etc.). Os produtos são adquiridos por Direct Cosmetics directamente aos produtores por um preço reduzido e, em seguida, revendidos em hospitais, empresas e escritórios por agentes que cobram o preço de catálogo da empresa, entregando a esta o produto das vendas; se a entrega do preço tiver lugar no prazo de catorze dias, podem deduzir dele uma percentagem de 20%, que constituirá a sua remuneração.

    12. No caso de Laughtons Photographs, trata-se de uma empresa especializada em fotografias individuais ou de grupo feitas aos alunos das escolas, às quais as fotografias são vendidas em lotes; as escolas encarregam-se, em seguida, de as revender às famílias dos estudantes por um preço que a sociedade não pode precisar se é igual ou superior àquele que lhes cobra.

    13. É importante notar que as agentes por intermédio das quais são vendidos os produtos de Direct Cosmetics estão isentas do IVA, dado o seu volume de negócios ser inferior ao limite mínimo fixado na legislação britânica, de acordo com o artigo 24.° da sexta directiva; igualmente, as escolas não são tributadas em sede de IVA pelas fotografias que lhes são facturadas pela sociedade Laughtons e que elas revendem.

    14. Foi neste contexto que as duas sociedades em causa recorreram para o London Value Added Tax Tribunal. Invocaram aí a invalidade das decisões dos Commissioners por se afastarem do quadro de objectivos visados pelo n.° 1 do artigo 27.° da sexta directiva e pela decisão de autorização do Conselho, de 31 de Julho de 1985; sustentaram, por outro lado, a aplicabilidade do artigo 11.°,parte A, n.° 1, alínea a), da mesma sexta directiva, ao qual seria de reconhecer efeito directo, e nos termos do qual o IVA apenas seria devido sobre a contrapartida efectivamente recebida por elas.

    15. Os Commissioners opuseram a essas considerações: a) o facto de o artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a) haver sido transposto em direito inglês; b) a regularidade da notificação por eles efectuada ao abrigo de uma derrogação validamente autorizada pelo Conselho de Ministros; c) a justeza da medida impugnada como forma de atingir com a tributação a totalidade do valor do produto no estádio de venda a retalho.

    2. As questões prejudiciais

    16. O tribunal suspendeu a instância e endereçou ao Tribunal cinco questões prejudiciais:

    "1)Uma medida como a enunciada no n.° 3 do anexo 4 do Value Added Tax Act de 1983 situa-se nos limites fixados no n.° 1 do artigo 27.° da sexta directiva ou vai além do estritamente necessário?

    2) No caso de esta medida ser aplicada:

    a) a um contribuinte a quem se reconhece exercer a sua actividade sem qualquer intenção de fraude ou de evasão fiscal relativamente ao imposto sobre o valor acrescentado e praticar um método de venda inspirado unicamente em considerações de ordem comercial;

    b) a um contribuinte a quem se reconhece exercer a sua actividade sem qualquer intenção de fraude ou de evasão fiscal relativamente ao imposto sobre o valor acrescentado e praticar um método de venda inspirado unicamente em considerações de ordem comercial, embora isso possa ter como resultado objectivo uma certa evasão fiscal;

    c)a alguns contribuintes que vendem directamente a revendedores que não são sujeitos passivos, mas não a outros que procedem da mesma forma,

    situa-se ela nos limites da derrogação prevista no n.° 1 do artigo 27.° da sexta directiva, ou vai além do estritamente necessário?

    3)Pode aplicar-se uma medida como essa a contribuintes cujas actividades não estejam abrangidas pelo objectivo prosseguido no artigo 27.° da citada sexta directiva ou pelos termos do pedido de autorização ou da autorização efectiva do Conselho de Ministros?

    4)Pode ser considerada nula ou sem efeito a decisão de autorização do Conselho de Ministros, por razões de ordem substantiva ou processual, como o facto de o Conselho de Ministros ou os Estados-membros não terem apreciado a medida relativamente aos critérios enunciados no artigo 27.° da sexta directiva ou ao princípio da proporcionalidade ou aos princípios fundamentais da sexta directiva, ou ainda de não terem sido informados de que a medida não podia ser objecto de semelhante apreciação?

    5)Implica a decisão de autorização do Conselho de Ministros que um contribuinte individual, como o recorrente no processo principal, a quem se reconhece exercer a sua actividade sem qualquer intenção de fraude ou de evasão fiscal relativamente ao imposto sobre o valor acrescentado, não pode pretender ser tributado em conformidade com o disposto no artigo 11.°,parte A, n.° 1, alínea a) da sexta directiva relativa ao imposto sobre o valor acrescentado?"

    17. Há que reorganizar as questões apresentadas, cuja formulação não favorece a clareza que convem conferir às respostas a dar.

    18. Com efeito, as duas primeiras questões referem-se à mesma problemática geral (âmbito da derrogação prevista no artigo 27.°, n.° 1, da sexta directiva), particularizando a segunda certos aspectos do problema geral já suscitado na primeira.

    19. Por sua vez, a quinta questão está intimamente ligada à análise destas duas, decorrendo a exclusão do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da aplicação de uma medida derrogatória validamente autorizada.

    20. A - Através destas várias questões, o tribunal de reenvio pretende, ao fim e ao cabo, saber:

    1) se o artigo 27.°, n.° 1, da sexta directiva permite que uma medida especial derrogatória se aplique nos casos de evasão fiscal objectiva, em que não se demonstra existir qualquer intenção fraudulenta da parte dos operadores económicos abrangidos;

    2) se uma medida especial, derrogatória da sexta directiva, como a do n.° 3 do anexo 4 do VAT Act de 1983, cabe na previsão do referido artigo 27.°, n.° 1, ou se é desproporcionada ao objectivo visado, que é o de evitar certas fraudes ou evasões fiscais;

    3)se o artigo 27.°, n.° 1, é compatível com a aplicação da referida medida apenas a algumas das entidades que vendem directamente a revendedores que não são contribuintes;

    4)se, em consequência das respostas a dar às questões anteriores, é ou não de afastar a aplicabilidade do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a).

    21. B - Quanto à primeira parte da terceira questão, a respectiva resposta decorre inevitavelmente, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, das respostas a dar às anteriores, se é que não está já contida no próprio enunciado da questão; na sua parte final, a referida questão coloca ainda o problema dos termos em que, de acordo com o n.° 4 do artigo 27.°, se pode considerar tacitamente adquirida a autorização do Conselho de Ministros para adopção das medidas derrogatórias.

    22. Com o problema das condições de validade da decisão tácita de autorização do Conselho prende-se ainda a quarta questão. É problema que não deveremos deixar de analisar em conjunto com as demais questões suscitadas pelo tribunal de reenvio.

    23. Trataremos todas as questões postas como verdadeiros problemas de interpretação do artigo 27.° e abordaremos as respostas a dar tendo em conta a natureza específica do processo de reenvio prejudicial, impróprio para proceder à interpretação do direito nacional e ao juízo da sua compatibilidade com o direito comunitário.

    3. O sistema geral do imposto sobre o valor acrescentado

    24. A - Para responder a estas várias questões, convém começar por considerar o sistema geral do IVA comunitário, tal como se acha consagrado na sexta directiva e naquelas que a antecederam, em particular a primeira e a segunda directivas IVA.

    25. B - Estas duas últimas directivas, ambas de 11 de Abril de 1967, lançaram, como se sabe, as bases da uniformização dos sistemas nacionais de tributação do volume de negócios nos países da Comunidade.

    26. A primeira directiva (5) tornou obrigatória, a partir de 1 de Janeiro de 1970 (data depois diferida para 1 de Janeiro de 1972), a adopção do IVA, em todo o espaço comunitário, em substituição dos impostos cumulativos anteriormente aplicados em quase todos os Estados-membros (com excepção da França).

    27. Por sua vez, a segunda directiva (6) veio estabelecer alguns dos princípios gerais, ainda bastante flexíveis, por que haveria de reger-se o IVA comunitário.

    28. C - Relativamente aos impostos cumulativos, o sistema de tributação do valor acrescentado apresenta inegáveis vantagens: é, desde logo, um tipo de imposto neutral, no tratamento fiscal tanto das transacções internas, como das transacções internacionais.

    29. Por um lado, o IVA é um imposto que não interfere com o grau de integração da actividade produtiva: o conteúdo fiscal de um bem é sempre o mesmo, independentemente da extensão do processo produtivo, uma vez que só depende do valor acrescentado em cada fase, sendo em cada uma delas dedutíveis os impostos incluídos no preço dos bens intermediários e dos equipamentos (ver primeira directiva, oitavo considerando e artigo 2.°, segundo parágrafo). O importante é que a soma do IVA aplicável em todas as fases ao valor acrescentado em cada uma delas deverá ser igual ao montante que resultaria da aplicação de um imposto monofásico de taxa idêntica incidente apenas sobre a venda do bem pelo retalhista ao consumidor final. O IVA configura-se, assim, como "um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação" (artigo 2.°, primeiro parágrafo, da primeira directiva).

    30. Por outro lado, o IVA permite facilmente o ajustamento fiscal nas fronteiras mediante a restituição ao exportador dos impostos pagos a montante e a tributação das importações no país de destino pela taxa aplicável às mercadorias nacionais congéneres. Dessa forma se assegura a eliminação de discriminações entre produtos nacionais e importados e a supressão de obstáculos fiscais à livre circulação de mercadorias no interior da Comunidade, enquanto não é possível eliminar totalmente as fronteiras fiscais pela adopção do chamado "princípio da origem".

    31. Se estes são alguns dos desígnios fundamentais cuja realização o sistema do IVA deve assegurar, torna-se claro que o imposto deve ser objecto de uma aplicação tão generalizada quanto possível, sendo a sua eficácia relativamente aos objectivos visados tanto maior quanto mais amplo for o número dos produtos e serviços a que se aplica e quanto mais completa for a cobertura das transacções, desde o estádio de produção até ao do comércio a retalho. Como se salienta no quinto considerando da primeira directiva, "um sistema de imposto sobre o valor acrescentado consegue a maior simplicidade e a maior neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível e se o seu âmbito de aplicação abranger todas as fases da produção e da distribuição".

    32. Acresce que a "generalização" do IVA é um factor essencial da sua eficácia financeira, permitindo-lhe assegurar uma receita importante com taxas normais que se mantenham dentro de limites razoáveis (ver quarto considerando da segunda directiva).

    33. D - Ora, foi a sexta directiva que permitiu dar um salto importante na realização dos objectivos do IVA no plano comunitário, conferindo um impulso significativo ao processo de harmonização fiscalínea

    34. Com efeito, quer a primeira, quer a segunda directivas, não obstante lançarem as bases da uniformização dos sistemas nacionais de tributação indirecta, deixaram subsistir a possibilidade de numerosas divergências quanto ao campo de aplicação do imposto e introduziram um número ainda muito restrito de noções comunitárias.

    35. A sexta directiva, pelo contrário, veio uniformizar, para todos os Estados-membros, a base de incidência do IVA, traduzindo-se, relativamente à segunda directiva, numa generalização do imposto tão grande quanto possível.

    36. Por um lado, a sexta directiva tornou obrigatória a inclusão, na base do imposto, do valor acrescentado no estádio do comércio de retalho, o que até então era facultativo.

    37. Por outro lado, impôs a tributação dos serviços e uniformizou o elenco das isenções que os Estados-membros estão autorizados a conceder.

    38. Lembre-se, ainda, que a sexta directiva teve em vista um outro objectivo imediato, que foi o de criar as condições para que o IVA pudesse constituir uma base de cálculo dos recursos próprios da Comunidade: isso tornava indispensável a uniformização da base tributável, condição necessária para uma repartição equitativa dos encargos entre os vários Estados-membros.

    39. E - A preocupação de conseguir uma tributação tão completa quanto possível da matéria colectável numa base geral e uniforme em toda a Comunidade defronta-se, contudo, quer com os imperativos políticos ou sociais de excluir estas ou aquelas operações, esta ou aquela categoria de operadores, quer com o peso das tradições e hábitos fiscais nacionais ou com dificuldades administrativas ou de organização económica, quer com as dificuldades de, em casos particulares, identificar com rigor e atingir com precisão a matéria colectável efectiva.

    40. Por isso é que, por um lado, a sexta directiva se viu obrigada a aceitar limites à uniformização dos regimes, tornando facultativas certas decisões (por exemplo artigo 5.°, n.os 5, 7 e 8, artigo 6.°, n.° 3) ou deixando, transitória ou definitivamente, certos regimes à opção dos Estados-membros ou dos próprios sujeitos passivos (por exemplo artigo 13.°, parte C; regime das pequenas empresas, previsto no artigo 24.°; regimes especiais para os produtores agrícolas, nos termos do artigo 25.°; disposições transitórias do artigo 28.°).

    41. A Directiva estabeleceu, além disso, um regime comum de isenções nos artigos 13.° a 16.° Mas estas reduzem-se, praticamente, a certos tipos de transacções de muito difícil ou impossível inclusão na base do imposto e a um conjunto de despesas cuja não tributação se justifica por ponderosas razões de política social.

    42. Foi-se, pois, o mais longe possível na determinação da base tributável e, em contrapartida, ficou-se pelo mínimo indispensável nas excepções ao princípio da generalidade do imposto.

    43. O que justifica que não se faça destas uma interpretação extensiva, mas, na medida em que se opõem à regra geral, antes se lhes dê uma interpretação estrita.

    44. Por outro lado, a sexta directiva permitiu a adopção de certos mecanismos tendo em vista enfrentar situações de particular complexidade ou que comportem o risco de uma evasão que subtraia à tributação uma parte da matéria colectável.

    45. Assim, o segundo parágrafo do n.° 4, do artigo 4.°, alargando a definição de sujeito passivo dada no n.° 1, permite que os Estados-membros considerem "como um único sujeito passivo as pessoas estabelecidas no território do país que, embora juridicamente independentes, se encontrem estreitamente vinculadas entre si nos planos financeiro, económico e de organização".

    46. No mesmo sentido vai a disposição do artigo 27.°, que prevê, no seu n.° 1, que "o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente directiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais".

    47. Dados os termos em que se acha redigida esta disposição, não está excluído que o âmbito das medidas derrogatórias cubra o disposto no artigo 11.°, em particular no artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), o qual consagra o princípio de que, em cada transacção (entrega de bens ou prestação de serviços), a matéria colectável é, normalmente, constituída pela contraprestação recebida ou a receber pelo fornecedor ou pelo prestador de serviços.

    48. Torna-se, porém, claro que o legislador quis que as soluções adoptadas ao abrigo do artigo 27.° se afastassem o menos possível da linha definida pela regulamentação de base. Por isso, fez questão de precisar (2.° período do n.° 1) que "as medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não devem influir, a não ser de modo insignificante, sobre o montante do imposto devido no estádio de consumo final".

    49. Do mesmo modo, deve entender-se que a admissibilidade de medidas especiais "para evitar certas fraudes ou evasões fiscais" constitui uma derrogação que não visa contrariar a lógica da sexta directiva, antes aponta no sentido da mais completa realização dos seus objectivos.

    50. No fundo, trata-se de, perante as dificuldades apresentadas por certas situações concretas, prever a adopção de mecanismos aptos a "perseguir" a matéria colectável, evitando que, dadas as especiais circunstâncias de que se revestem as transacções em causa, uma parte daquela escape à tributação, criando-se eventualmente distorsões (não necessariamente resultantes de uma "concorrência desleal") no tratamento fiscal de situações que são, no plano económico ou comercial, substancialmente idênticas.

    51. Quer neste caso, quer no das medidas de simplificação da cobrança do imposto, as medidas adoptadas podem assumir formas diferentes (7). Uma dessas formas é, sem dúvida, a que foi usada pelo Reino Unido no n.° 3 do anexo 4 do VAT Act e que foi aplicada às sociedades recorrentes.

    52. Resta saber se tal forma é legítima e a sua aplicação correcta.

    53. Cremos que os princípios até agora desenvolvidos permitem enfrentar a resposta a dar a estas questões.

    4. Análise das questões prejudiciais

    54. A - O primeiro problema de interpretação suscitado pela disposição do artigo 27.° é o de saber se este apenas permite que sejam adoptadas medidas especiais para combater a evasão quando existe uma intenção de escapar ao imposto ou se ele cobre também, na sua previsão, os casos em que a evasão aparece como uma consequência objectiva das práticas comerciais adoptadas pelos contribuintes.

    55. A este propósito, as sociedades recorrentes sustentam que (à parte os casos de simplificação de cobrança) a disposição do artigo 27.° apenas pode aplicar-se a situações de evasão fiscal fraudulenta.

    56. A nosso ver, não é correcta esta posição.

    57. O texto do artigo 27.° da sexta directiva - em qualquer das versões consultadas, incluindo a inglesa - refere-se, com clareza, a dois conceitos distintos, o de fraude e o de evasão fiscal, abrangendo-os expressamente no seu comando, tal como faz o décimo sétimo considerando do preâmbulo da directiva.

    58. Nisto se afastou esta do texto do artigo 13.° da segunda directiva, que previa a possibilidade de adopção pelos Estados-membros de medidas especiais apenas "para evitar qualquer fraude".

    59. A diferença de redacção torna nítido que se pretendeu agora abranger "a evasão objectiva", dando maior latitude à derrogação admitida.

    60. A versão inglesa da sexta directiva é, mesmo, particularmente impressiva a este propósito. Com efeito, enquanto o texto do artigo 27.° fala de evitar "certain types of tax evasion or avoidance", o décimo sétimo considerando refere o objectivo de "to avoid fraud or tax avoidance", acrescentando este último conceito (que corresponde a "evasão fiscal", em português, e a termos equivalentes nas demais línguas latinas) ao de "fraud", que era o único mencionado na segunda directiva.

    61. O objectivo e a economia geral do preceito - tal como decorrem da exposição que atrás fizemos do sistema da sexta directiva - confortam este entendimento. É certo que estamos perante a hipótese de medidas derrogatórias das regras gerais da directiva (nomeadamente do artigo 11.°); mas trata-se de derrogações que, como frisámos, não podem deixar de se situar, pelos seus objectivos e pelos mecanismos escolhidos, no quadro do espírito geral do sistema IVA.

    62. É, aliás, compreensível a solução adoptada pelo legislador da sexta directiva: a limitação do âmbito das medidas derrogatórias aos casos de fraude não permitiria realizar, no mesmo grau, os objectivos da directiva, que ficariam, ademais, dependentes da prova que em cada caso se fizesse da intenção fraudulenta, suscitando além disso, a oportunidade de discriminações entre duas sociedades, uma das quais se tivesse limitado, com intuitos de evasão fiscal, a copiar os métodos comerciais que outra tinha introduzido antes mesmo da criação do imposto.

    63. Refira-se, ainda, como pressupondo o mesmo entendimento, a já citada declaração na acta da reunião do Conselho em que foi aprovada a sexta directiva, segundo a qual as medidas de prevenção da fraude e da evasão poderão consistir, por exemplo, "em disposições que tenham em vista evitar uma redução, considerada injustificada pelo Estado-membro, da base de tributação".

    64. É esta também a opinião do Governo da República Federal da Alemanha, expressa nas observações que apresentou no presente processo.

    65. Perdem, assim, consistência, a nosso ver, as considerações que as duas sociedades procuraram tirar da comparação dos textos da Sexta e da segunda directivas.

    66. Nem nos parece que, no estado actual do direito comunitário, seja, com isso, prejudicado o espírito da disposição do artigo 19.° da segunda directiva, cujos objectivos continuam a impôr-se às instituições, na linha da eliminação das fronteiras fiscais na Comunidade, de acordo com o artigo 35.° da sexta directiva.

    67. B - Dado o sistema consagrado no artigo 27.°, a análise da validade de uma medida nacional derrogatória da directiva deve processar-se em dois planos distintos.

    68. Em primeiro lugar, o da autorização do Conselho, exigida pelo n.° 1 do artigo 27.°: é necessário que tenha sido validamente cumprido o processo descrito nos n.os 2, 3 e 4 daquele artigo (notificação à Comissão, informação aos Estados-membros, autorização expressa ou tácita); depois, é necessário ter em conta os termos da autorização e a relação em que ela se encontra com o respectivo pedido.

    69. Em segundo lugar, a validade da medida depende da sua compatibilidade com os objectivos do artigo 27.° e com os princípios gerais da sexta directiva.

    70. Comecemos pelo primeiro dos referidos planos.

    71. Como fez notar o advogado-geral VerLoren van Themaat nas suas conclusões no primeiro processo Direct Cosmetics (8) os diferentes procedimentos instaurados pelo artigo 27.° têm em vista garantir que "os Estados-membros apenas introduzam derrogações ao sistema normal (em particular ao do artigo 11.°) da directiva quando aquelas respeitarem os critérios estabelecidos no artigo 27.°".

    72. Para isso é que o n.° 2 do artigo 27.° estabelece que, ao informar a Comissão, o Estado-membro que deseje introduzir as medidas derrogatórias lhe fornecerá "todos os elementos de apreciação úteis".

    73. Ora, essas garantias devem aplicar-se também àquelas disposições nacionais que _- como as que estão em causa no presente processo - apenas contêm, em favor de certos órgãos da administração, uma habilitação genérica para a adopção de medidas individuais destinadas, nomeadamente, a impedir a fraude ou a evasão fiscais. Não poderia admitir-se que, adoptando uma simples disposição de habilitação genérica para permitir aos órgãos competentes derrogar ao sistema geral da sexta directiva, os Estados-membros se subtraíssem ao exame da sua medida à luz dos critérios do artigo 27.°, permitindo a adopção de disposições individuais de aplicação que, escapando a esse exame, se situassem eventualmente fora daqueles critérios.

    74. Se, ainda por cima, a disposição em causa é pouco explícita sobre os seus objectivos e o quadro em que a sua aplicação deve processar-se, só a consideração do conjunto daqueles elementos permitirá concluir que não se trata de uma habilitação completamente "em branco" e que, portanto, é possível fazer a sua apreciação à luz dos critérios do artigo 27.°

    75. A este propósito, recordemos que o texto em análise da medida controvertida resultou da supressão, na versão anteriormente em vigor, da expressão "para proteger os interesses do Tesouro", a qual poderia considerar-se equivalente à de "evitar certas fraudes ou evasões fiscais", utilizada na sexta directiva (9). Foi essa alteração que o Tribunal apreciou no primeiro caso Direct Cosmetics (10), tendo-a considerado (n.° 27 do acórdão) de natureza a haver rompido toda a ligação aparente entre as medidas controvertidas e as excepções previstas pelo artigo 27.°, n.° 1.

    76. Tendo-se, dessa forma, estendido, de maneira aparentemente indeterminada, o poder de derrogação reconhecido aos Commissioners, o Tribunal concluiu daí (n.° 28) que se tornava necessário proceder a uma nova notificação, nos termos do n.°2 do artigo 27.°, para permitir à Comissão e, eventualmente, ao Conselho "controlar se havia ainda correspondência entre a nova medida e o objectivo definido pelo n.° 1 do mesmo artigo".

    77. Foi essa notificação que o Reino Unido efectuou, em 15 de Março de 1985, e foi com base em tal notificação que a Comissão e os Estados-membros puderam controlar aquela relação de correspondência, daí decorrendo a autorização tácita do Conselho.

    78. Poderá concluir-se que os elementos fornecidos com a notificação foram de molde a permitir à Comissão e aos Estados-membros uma apreciação informada e completa dos objectivos, do âmbito e do conteúdo da medida, tornando possível, como pergunta o tribunal de reenvio, reconhecer a validade da autorização tácita que foi concedida?

    79. Quanto a isso, começaremos por notar que a notificação feita pelas autoridades britânicas - cujos termos constam da decisão de reenvio do "London Tribunal" - não só incorpora o texto da medida especial para a qual era solicitada a autorização, como, além disso, contém diversos esclarecimentos sobre os objectivos por ela visados, a genése da legislação em causa e as circunstâncias em que se procederia à sua aplicação.

    80. Aí se faz, nomeadamente, referência ao facto de que "no Reino Unido, algumas empresas, pertencentes, por exemplo, ao sector dos produtos de beleza, vendem os seus produtos exclusivamente a retalhistas cujo registo para efeitos de IVA não é obrigatório e que não estão portanto sujeitos à aplicação do imposto. Ainda que estas empresas e retalhistas não tenham por objectivo furtar-se ao pagamento do imposto, a sua organização comercial tem como efeito que o imposto sobre o valor acrescentado na venda pelo retalhista ao consumidor final é evitado. Outras empresas que vendem produtos similares, em situação de concorrência directa, mas por intermédio dos estabelecimentos de retalho registados normalmente são assim colocadas numa situação de desvantagem concorrencial, dado que o preço dos seus produtos na venda ao consumidor final inclui um encargo adicional de IVA".

    81. Acrescenta ainda o texto da notificação que a medida em causa seria aplicada exclusivamente a empresas suficientemente importantes ("in a substancial way of business") que exerçam as suas actividades da maneira descrita. Esclarece, depois, que a medida não seria aplicada aos outros grossistas que vendem a retalhistas não inscritos.

    82. Parece-nos razoável considerar que uma notificação feita em tais termos contém, no essencial, os elementos indispensáveis para permitir aos respectivos destinatários compreender os seus objectivos e alcance, suscitando, em caso de dúvida ou de discordância, a sua apreciação pelo Conselho.

    83. No mesmo sentido vão as questões apresentadas pelo Conselho no presente processo.

    84. Neste contexto, é irrelevante a declaração prestada por um membro do Governo britânico durante um debate parlamentar, que as recorrentes no processo principal citaram em abono das suas posições.

    85. C - Uma circunstância anómala veio, porém, no caso em apreço, complicar a apreciação do problema.

    86. Com efeito, na sequência da notificação efectuada pelo Reino Unido, a Comissão, em cumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 27.° da sexta directiva, transmitiu a todos os Estados-membros e ao Conselho, respectivamente por cartas de 12 de Abril e de 9 de Julho de 1985, informação sobre o pedido de medidas derrogatórias apresentado pelas autoridades britânicas.

    87. Sucede, porém, que se constatou referirem-se as comunicações da Comissão, na sua versão inglesa, à "tax evasion", equivalente inglês de "fraude fiscal", e não à "tax avoidance", que, na terminologia anglo-saxónica, melhor corresponde a "evasão fiscal".

    88. A mesma terminologia foi usada no texto inglês da comunicação de autorização (85/369/CEE) publicada no jornal oficial, em 31 de Julho de 1985, tendo-se, segundo parece, repetido em duas outras versões linguísticas.

    89. Constatando tratar-se de um erro, o Conselho promoveu a sua correcção no JO L 93, de 7.4.1987, p. 17. O vício já não se transmitiu, porém, à publicação, no jornal oficial, de nova autorização concedida para a manutenção das medidas derrogatórias por mais dois anos (11).

    90. A circunstância a que acabamos de referir-nos é de molde a lançar a dúvida sobre o âmbito ou a validade da autorização tácita concedida pelo Conselho de Ministros e, portanto, sobre o alcance da medida derrogatória adoptada pelo Reino Unido.

    91. A nosso ver, tal circunstância não afecta, porém, a regularidade do procedimento seguido e, portanto, a validade da medida adoptada pelo Reino Unido, com o sentido que, de toda a evidência, este pretendeu dar-lhe na sua notificação.

    92. Com efeito, todos os Estados-membros receberam, juntamente com a carta da Comissão, o texto da notificação efectuada pelo Reino Unido, comportando os esclarecimentos necessários para compreenderem, para além do erro terminológico ou de tradução, o alcance da medida visada.

    93. Lembremos, em especial, que, na referida notificação, as autoridades britânicas esclareciam expressamente que estava em causa a situação de empresas que não tinham por objectivo furtar-se ao imposto, mas cuja organização comercial tinha como resultado que este era parcialmente evitado.

    94. A maior parte das versões linguísticas, incluindo a versão francesa, não comportava, de resto, segundo foi explicado, o erro em causa. Pode, aliás, constatar-se que a carta da Comissão que acompanhava o texto da notificação do Reino Unido precisava que se tinha em vista a evasão fiscal "relacionada com o tipo de circuito de distribuição".

    95. Nada indica, pois, que os Estados-membros tenham sido induzidos em erro sobre a natureza da derrogação solicitada, uma vez que dispuseram de todos os elementos para a entenderem.

    96. Nenhum deles - nem a Comissão - solicitou que o assunto fosse submetido à apreciação do Conselho, pelo que, nos termos do n.° 4 do artigo 27.°, a decisão de autorização se considerou tomada, a partir de 13 de Junho de 1985. Como salientou o Conselho, nas suas observações, em tais condições, deve considerar-se que foi este que, como instituição, examinou e aceitou a medida proposta.

    97. Foi dessa autorização tácita que foi dado público conhecimento através da publicação no jornal oficial.

    98. Ora, não nos parece possível outro entendimento que não seja o de que tal autorização tácita só pode ter exactamente a mesma extensão e o mesmo sentido que lhe foram dados no pedido de derrogação formulado pelo Estado-membro interessado.

    99. Uma alteração do âmbito da medida notificada só poderia ter lugar na sequência da apreciação pelo Conselho da notificação efectuada e da recusa por ele da autorização solicitada.

    100. Ora, não só esta apreciação não foi pedida, como nenhum dos Estados-membros veio, posteriormente - ao menos em observações apresentadas no presente processo - contestar, com base no facto assinalado, a regularidade do procedimento em causa.

    101. Nessas condições, não se vê que o erro cometido possa, por si, afectar a validade da medida nacional adoptada ao abrigo da autorização tácita concedida; se assim não fosse, estariam a frustrar-se seriamente as legítimas espectativas de um Estado-membro, prejudicando - por força de uma incorrecção à qual foi alheio - a posição jurídica que lhe é reconhecida pelo direito comunitário.

    102. E também não é lesada a posição dos sujeitos de direito abrangidos pelas medidas adoptadas. As jurisdições nacionais - a quem compete aplicar o respectivo direito interno - podem sempre, em caso de dúvida, pedir ao Tribunal, nos termos do artigo 177.°, que forneça aos tribunais nacionais os elementos de interpretação do direito comunitário que lhe permitam controlar a regularidade do processo seguido, a qual poderia ser posta em causa se, por exemplo, a Comissão ou os Estados-membros tivessem sido privados dos necessários elementos para bem avaliar os termos da derrogação solicitada.

    103. O que não aconteceu, como vimos, no caso presente.

    104. D. Analisemos, agora, o segundo dos planos a que atrás nos referimos.

    105. Sucede que a medida adoptada pelo Reino Unido foi, considerada, subsidiáriamente, nas observações apresentadas pelas duas sociedades no presente processo, como desproporcionada relativamente aos objectivos que pretenderia alcançar, extravasando, por isso, dos limites que lhe seriam traçados pelo artigo 27.°, n.° 1.

    106. a) Nesse sentido, cabe aqui recordar, antes de mais, a orientação definida pelo Tribunal no acórdão Comissão/Bélgica, de 10 de Abril de 1984 (12), segundo o qual as medidas especiais derrogatórias que os Estados-membros podem manter para evitar certas fraudes ou evasões fiscais "não podem, em princípio, contrariar o respeito devido à base tributável do IVA consagrada no artigo 11.° senão dentro dos limites estritamente necessários para alcançar aquele objectivo".

    107. Ora, vimos já que o princípio geral de determinação da matéria colectável é, de acordo com o artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), o de que aquela é constituída, em cada transacção, pelo valor da contraprestação recebida pelo vendedor da coisa ou pelo prestador do serviço. O IVA é, na sua génese, um imposto de consumo que visa, em princípio, atingir o consumidor final dos bens e fazê-lo contribuir na medida dos seus gastos (13): daí que a base de tributação seja, como regra, constituída pelo valor real da transacção e não por valores presumidos ou normais.

    108. Convém, por isso, avaliar da importância do desvio introduzido por cada medida derrogatória na base geral de tributação do IVA, para apurar se ela se mantém dentro dos limites estritamente necessários.

    109. No caso em apreço, o Governo britânico veio explicar que o resultado da aplicação da medida em discussão não era mais do que permitir tributar o valor acrescentado por certas categorias de intermediários, evitando a evasão fiscal e as distorções de concorrência que resultariam da introdução no sistema de comercialização de um estádio suplementar constituído por agentes não sujeitos a tributação.

    110. O Governo britânico pretende que, nestas circunstâncias, os retalhistas não são mais do que a "longa manus", o "alter ego" do contribuinte, num sistema de venda directa ao público.

    111. Ora, analisando os termos da própria medida, constata-se que esta tem em vista apenas aqueles casos em que a totalidade ou uma parte da actividade (as explicações constantes da notificação só falam mesmo em actividade exclusiva) de um contribuinte consiste em fornecer a particulares não sujeitos a imposto mercadorias que se destinam a ser por estes vendidas a retalho.

    112. Cumpre reconhecer que, nestas condições, e na falta de medidas especialmente aplicáveis, a totalidade ou uma parte essencial das vendas daquele contribuinte atingiria o público a um preço que não incluiria o imposto que normalmente seria devido sobre o valor acrescentado aos bens em questão na altura da sua venda pelos retalhistas.

    113. A base tributável deixaria então de ser o valor final da venda aos consumidores, uma vez que a diferença entre o preço final e o preço praticado no estádio anterior escaparia à tributação.

    114. Pelo contrário, se os bens fossem vendidos directamente ao público pelo contribuinte, através dos seus assalariados ou de agentes que cobrassem uma comissão sobre as suas vendas, o IVA seria facturado sobre o preço integral de retalho na venda ao consumidor finalínea Estar-se-ia então perante uma distorção de concorrência que repugna ao sistema geral do IVA e que as medidas derrogatórias do tipo das que estão em análise visam evitar.

    115. Na ausência de tais medidas, a referida distorção de concorrência funcionaria mesmo como um incentivo à modificação dos métodos comerciais das empresas, substituindo estas os agentes pagos à comissão por retalhistas aparentemente independentes e não sujeitos à tributação. A alteração das estruturas seria induzida pelo imposto, que perderia a desejável neutralidade.

    116. A necessidade de medidas especiais é, talvez mesmo, particularmente frisante no caso do Reino Unido, dado o valor relativamente elevado da isenção aí prevista em favor das pequenas empresas.

    117. Diga-se, a este propósito, que - como salientaram o Reino Unido e a Comissão - a situação em apreço não é assimilável à de um contribuinte que efectua vendas normais a pequenas empresas situadas dentro do limite da isenção.

    118. Neste último caso, estas vendas não representam, em geral, mais do que uma pequena parte do volume de negócios do fornecedor, que vende, em geral, através de contribuintes registados, sendo portanto uma grandeza negligenciável do ponto de vista da evasão fiscal; em contrapartida, as situações visadas pelas medidas derrogatórias são as de empresas que vendem exclusiva ou essencialmente através do método descrito.

    119. O Governo britânico explicou, além disso, que o sistema de venda directa de bens de consumo tem conhecido um desenvolvimento considerável, representando em 1985 um volume de vendas de 330 milhões de libras esterlinas, metade das quais no sector dos produtos cosméticos e artigos de beleza.

    120. É possível, pois, concluir que os objectivos em ordem aos quais foi solicitada a autorização para a medida derrogatória do Reino Unido, em vez de a afastarem do quadro do artigo 27.°, permitem pensar que ela pretende, em princípio, seguir a linha de orientação geral da sexta directiva.

    121. b) Além disso, o pedido de autorização para as medidas derrogatórias limitou-se a um período de dois anos (depois prorrogado por mais dois), tendo-se o Governo do Reino Unido comprometido a estudar, entretanto, a possibilidade de modificar o seu direito interno, de modo a alcançar os mesmos objectivos sem derrogar às disposições da sexta directiva.

    122. c) Por outro lado, não nos parece ter sido demonstrado que outras soluções - como a do segundo parágrafo do n.° 4 do artigo 4.° ou a do segundo parágrafo do n.° 3 do artigo 24.° - fossem sempre praticáveis ou que permitissem, em qualquer caso, alcançar tão eficazmente os mesmos objectivos, sequer que todos os seus pressupostos estivessem verificados.

    123. Com efeito, no que toca ao mecanismo previsto no artigo 4.°, n.° 4, segundo parágrafo, a sua aplicação depende da verificação de um conjunto de condições cumulativas: tem-se em vista a situação de pessoas que, "embora juridicamente independentes, se encontrem estreitamente vinculadas entre si nos planos financeiro, económico e de organização " (sublinhado nosso).

    124. Esta formulação não parece permitir cobrir todos os tipos de situações visados pela medida derrogatória do Reino Unido. É, claramente, esse o caso da situação de Laughtons Photographs, em discussão no processo principal. As escolas às quais esta sociedade vende as fotografias são entidades autónomas, não existindo entre umas e outra relações de vinculação estreita como as que são exigidas pela disposição em causa.

    125. Mesmo quanto às operações de Direct Cosmetics, é duvidoso que elas pudessem ser abrangidas pela eventual aplicação da referida disposição.

    126. Isso mesmo reconheceu a Comissão, que terá desaconselhado às autoridades britânicas o recurso a esta solução. Aparentemente, o segundo parágrafo do n.° 4 do artigo 4.° constitui uma excepção ou derrogação à definição de "sujeito passivo", dada no n.°1 do mesmo artigo e precisada, quanto ao sentido da expressão "de modo independente", no primeiro parágrafo do n.° 4.

    127. Parece, pois, que, ao contemplar a possibilidade daquela excepção ou derrogação, a sexta directiva teve em vista tornar possível um tratamento especial de entidades que, de outra maneira, seriam consideradas como sujeitos passivos independentes.

    128. Isso mesmo parece estar subjacente à exposição de motivos do mesmo preceito, constante da "proposta de sexta directiva", apresentada pela Comissão ao Conselho em 29 de Junho de 1973 (14) onde se refere a conveniência de permitir aos Estados-membros "não ligar sistematicamente a qualidade de sujeito passivo à noção de independência puramente jurídica, seja com o objectivo de simplificação administrativa, seja para evitar certos abusos (por exemplo o fraccionamento de uma empresa entre vários sujeitos passivos, com o objectivo de beneficiar de um regime particular)".

    129. Estavam na situação descrita as sociedades cujas relações, para efeitos de aplicação do IVA, se discutiam nos litígios que deram origem ao acórdão do Tribunal no processo Van Passen/Staatssecretaris van Financiën (15).

    130. Pelo contrário, as agentes de Direct Cosmetics, empregadas por conta de outrém nos respectivos locais de venda, prestaram à sociedade os seus serviços, a tempo parcial, nas horas livres e sem estarem inscritas como contribuintes do IVA.

    131. Em todo o caso, não parece que os resultados da hipotética aplicação deste mecanismo a uma empresa como Direct Cosmetics e às suas agentes fossem significativamente diferentes dos de uma medida derrogatória adoptada de acordo e dentro dos limites fixados no artigo 27.°

    132. Quanto à possibilidade de utilizar o artigo 24.°, n.° 3, excluindo os intermediários em causa do regime especial previsto para as pequenas empresas, trata-se de uma opção que envolve razões de carácter administrativo e considerações de política económica sobre as quais não nos é possível tomar posição em termos genéricos. Em certos casos, esta solução poderá tornar-se mais onerosa ou desproporcionada que a medida efectivamente adoptada ao abrigo do artigo 27.°; noutros não.

    133. d) Mas as duas sociedades recorrentes no processo principal invocaram um outro problema que relacionaram com o desrespeito do princípio da proporcionalidade. Resulta ele do facto de a notificação especificar que a medida derrogatória só seria aplicada às sociedades "in a substanTial way of business", entre aquelas que operam da maneira descrita.

    134. Para aquelas duas sociedades, da indefinição desta expressão (implicando a necessidade de delimitar o âmbito da noção de "actividade importante") decorreria uma habilitação excessivamente larga, que diminuiria a possibilidade de apreciar a compatibilidade da medida com o artigo 27.°

    135. Não nos parece que assim seja, necessariamente. A referência em causa visa limitar aos casos fiscalmente significativos o uso da derrogação, contribuindo para o manter dentro de limites em que a evasão fiscal que se pretende evitar assuma uma importância realínea

    136. Nessa medida, é compatível com o espírito que presidiu à aceitação, pelo artigo 24.°, de regimes de isenção para as pequenas empresas e à sua adopção ou manutenção por certos Estados-membros.

    137. O importante é que o exercício do poder discricionário que daqui decorre possa sempre ser controlado pelas instâncias jurisdicionais competentes, tendo em vista assegurar que se mantenha no quadro das finalidades para que foi autorizada a medida derrogatória e que dele não resulte lesão para os direitos dos contribuintes ou para qualquer princípio cuja salvaguarda deva ser assegurada.

    138. Ora, não foi sequer posto em causa que o sistema jurídico britânico garanta uma protecção jurisdicional suficiente neste plano; por outro lado, o Governo do Reino Unido informou terem os Comissioners estabelecido que a medida só seria aplicada às empresas com um volume de negócios anual para efeitos de IVA superior a 50 000 UKL, o que contribuiu, de todo o modo, para precisar o quadro dentro do qual deve exercer-se o poder discricionário.

    139. e) Até aqui não nos parece, pois, que seja pertinente a invocação do princípio da proporcionalidade para paralisar a aplicação das medidas contestadas.

    140. Todavia, as recorrentes no processo principal invocaram ainda, para sustentar a posição por elas tomada, o acórdão do Tribunal no processo Comissão/Bélgica, de 10 de Abril de 1984.

    141. O Tribunal considerou ali (n.os 31 e 32) que a regulamentação belga analisada, partindo para todos os veículos novos do preço de catálogo notificado às autoridades belgas, modifica a base tributável "de uma maneira tão absoluta e geral que não é possível admitir que ela se limite às derrogações necessárias para evitar um risco de evasão ou de fraude fiscais". Não estava, nomeadamente, estabelecido que fosse necessário, para alcançar o objectivo visado, "determinar a matéria colectável em função do preço de catálogo belga ou excluir de maneira tão geral a consideração de qualquer forma de desconto ou de devolução".

    142. Nessas condições, concluiu o Tribunal que "as medidas litigiosas são desproporcionadas ao fim em vista, na medida em que derrogam de uma maneira geral e sistemática as regras do artigo 11.°".

    143. Dir-se-á - como faz o Reino Unido - que não é isso que acontece com a medida agora em análise: esta só se aplica a certas modalidades específicas de venda das quais decorre uma redução indesejável da base de tributação, com a consequente "evasão fiscal".

    144. Resta, porém, ver se a solução encontrada - a de permitir que, nessas circunstâncias, o valor da transacção seja considerado como sendo "o seu valor normal (16) numa venda a retalho" - não deixa dúvidas sobre o seu âmbito de aplicação e, portanto, sobre a sua relação de proporcionalidade com os princípios e objectivos do artigo 27.° e da sexta directiva, em geral.

    145. A disposição derrogatória não define directamente o que deve entender-se por "valor normal" (na versão original inglesa: "its open-market value on a sale by retail").

    146. O legislador britânico terá tido em mente a noção de "valor normal" ("open-market value") de um serviço, definida no segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, para efeitos de determinação da matéria colectável quando se trate de serviços executados por um sujeito passivo em benefício da própria empresa, nos termos do n.° 3 do artigo 6.°

    147. A directiva considera então "valor normal" de um serviço "tudo aquilo que o destinatário do mesmo, encontrando-se no estádio de comercialização em que a operação se realiza, teria de pagar a um prestador independente, no território do país, no momento em que a operação tem lugar, em condições de livre concorrência, para obter esse mesmo serviço".

    148. Desta definição é de aproximar a que o legislador britânico adoptou no quinto parágrafo do n.° 10 do VAT Act, transcrito nas observações do Reino Unido.

    149. Depois de se esclarecer no segundo parágrafo do referido n.° 10 que, "se a entrega de um bem tem lugar em troca de uma contraprestação em dinheiro, o seu valor será correspondente ao montante dessa contraprestação, ao qual se acrescenta o imposto exigível" - definição que parece corresponder ao princípio geral do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a) da sexta directiva - o quinto parágrafo do mesmo n.° 10 estabelece que:

    "Para os fins da presente lei, o valor normal de uma entrega de bens ou de serviços será correspondente ao montante que deveria ser considerado como o seu valor nos termos do segundo parágrafo se a entrega fosse efectuada em troca da contraprestação em dinheiro que seria paga por uma pessoa que não estivesse ligada a outra por uma relação tal que afectasse aquela contraprestação."

    150. A propósito deste problema, convém começar por assinalar que a referência feita, no segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 11.°,parte A da directiva, ao "valor normal" tem claramente em vista situações em que a prestação, sendo feita "para os fins da própria empresa", não tem um preço contratual.

    151. A directiva considera, não obstante, que as prestações de serviços feitas nessas condições podem ser pelos Estados-membros (segundo o processo de consulta previsto no artigo 29.°) equiparadas a prestações de serviço a título oneroso, para efeitos de aplicação do imposto, "a fim de evitar distorções de concorrência" que surgiriam em certas circunstâncias (artigo 6.°, n.° 3).

    152. Ora, neste caso, a única forma de determinar a matéria colectável é através do seu valor normal de mercado, tal como o segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 11.°, parte A o define.

    153. Quanto à noção (ou noções) de "valor normal" do tipo das utilizadas pela legislação inglesa - quer no n.° 3 do anexo 4 do VAT Act, quer no quinto parágrafo do n.° 10 do mesmo VAT Act, que não cabe aqui interpretar - cumpre dizer que, seja qual for o sentido que ali se pretendeu dar à expressão, ela só será compatível com os objectivos da medida derrogatória e com o quadro de princípios da sexta directiva na medida em que não tenha como finalidade tributar mais do que o valor acrescentado ao longo de toda a cadeia de distribuição até ao consumidor final.

    154. Isso implica, a nosso ver, que, para que uma tal medida não se revele excessiva ou desproporcionada, a escolha de uma base de tributação diferente da contraprestação que ao contribuinte é efectivamente paga pelo "retalhista" a quem a mercadoria é fornecida não se afaste do preço real de venda da mercadoria ao consumidor final - ou do seu valor normal, se, e só se, for impossível ou excessivamente difícil conhecer aquele preço.

    155. Mas, neste último caso, há-de tratar-se do valor "normal" ou "corrente" a que o bem atinge o consumidor final naquele tipo de transacções.

    156. Isto é, feitas daquela forma e com aquela espécie de bens (por exemplo, os produtos cosméticos invendáveis por outra forma, e não os produtos de qualidade "normal" transaccionados pelos canais comerciais habituais).

    157. É esse resultado que, quando chamado a apreciar a aplicação que pelos Commissioners é feita da habilitação que lhes é conferida, compete ao juiz nacional controlar.

    158. f) Ilustremos com as situações de Direct Cosmetics e de Laughtons Photographs as duas hipóteses, de aplicação compatível e incompatível da medida com o direito comunitário.

    159. Quanto à Direct Cosmetics, resulta do processo que esta empresa começou por vender directamente os seus produtos às empregadas e operárias de fábricas, hospitais e escritórios, tendo decidido (antes ainda da introdução da medida derrogatória) passar a recorrer aos serviços de algumas dessas empregadas que, como seus agentes, os venderiam entre as colegas durante as horas de intervalo.

    160. Em qualquer dos casos, segundo parece, os produtos seriam fornecidos aos compradores ao preço constante do catálogo de Direct Cosmetics, consistindo, no segundo dos sistemas descritos, a remuneração das agentes na comissão de 20% que podiam conservar se entregassem à sociedade o preço no prazo de catorze dias.

    161. Não há, pois, em substância, nenhuma diferença entre um método e outro quanto às suas consequências económicas, afigurando-se a medida derrogatória apta ao tratamento fiscal da situação, no quadro do sistema IVA, desde que o "valor corrente de mercado" no estádio retalhista seja considerado como sendo o preço de catálogo de Direct Cosmetics na venda ao público ("our price").

    162. Pressupondo que os referidos agentes não vendem as mercadorias a preço superior, a aplicação do imposto sobre um montante mais elevado excederia claramente o que é exigido pelos objectivos visados com a medida derrogatória: a tributação do valor efectivamente acrescentado até ao consumidor final.

    163. No caso de Laughtons Photographs, também se sucederam, segundo parece, duas modalidades de venda algo diferentes.

    164. Inicialmente, a sociedade concedia às escolas um reembolso de 20% sobre o preço de venda recomendado se elas efectuassem o respectivo pagamento à sociedade no prazo de 35 dias.

    165. A partir de certa altura, a sociedade passou a facturar a cada escola o preço convencionado entre elas, vendendo as escolas as fotografias aos pais das crianças a um preço por elas estabelecido.

    166. Não é, porém, certo que cobrem um preço superior ao convencionado: fá-lo-ão em certos casos, destinando, em geral, a receita ao "fundo escolar"; noutros casos, cobrarão pura e simplesmente a mesma quantia que lhes foi debitada pela sociedade.

    167. Em ambos os sistemas, as escolas só pagam, segundo parece, as fotografias efectivamente vendidas.

    168. Quer num sistema, quer noutro, a aplicação de uma medida derrogatória do género da prevista na legislação britânica só é legítima desde que tenha em vista, em princípio, atingir com a tributação o preço efectivamente pago pelo consumidor final.

    169. No quadro do primeiro sistema, em que o preço final era antecipadamente conhecido, a referida medida permitiria impedir que escapassem à tributação os 20% de reembolso concedidos às escolas.

    170. Estas desempenhavam então um papel puramente passivo de intermediários sem autonomia comercial.

    171. Já o mesmo não parece suceder no quadro do segundo método de venda: as escolas conservam a autonomia, já não são exactamente a "longa manus" da empresa e o preço praticado na venda final aos alunos não é antecipadamente conhecido da empresa fotográfica.

    172. Mas, se o preço real puder ser determinado, não se justifica, a nosso ver, usar como base de tributação o "valor normal" da mercadoria. Tal só deverá ter lugar se for impossível ou extremamente difícil apurar e atingir com a tributação exactamente o preço praticado, contrapartida efectiva do produto fornecido.

    173. E, em qualquer caso, se não houver outra solução que (como a do artigo 24.°, n.° 3 da directiva) venha a revelar-se menos onerosa.

    174. A sujeição das escolas ao IVA por estas operações seria, sem dúvida, menos penalizante para o fotógrafo contribuinte do que a medida derrogatória que o atinge. Mas é necessário analisar se tal solução se justifica e não é, por sua vez, desproporcionada em relação ao objectivo, tendo, designadamente, em conta que se está perante actividades esporádicas, meramente subalternas no quadro das actividades das escolas e, segundo parece, as mais das vezes, não lucrativas. Mas trata-se aí de matéria de facto que ao juiz nacional compete, em primeira linha, apreciar em cada caso concreto.

    175. De todo o modo, exorbitaria dos seus justos limites uma medida que acabasse - na base do valor "corrente" ou "normal" de mercado - por tributar, desnecessariamente, uma matéria colectável inexistente ou meramente presumida.

    176. Tenha-se em conta, além do mais, que o sistema do IVA não visa impedir que, por razões de racionalização e de economia de custos, as empresas usem sistemas de venda como os que foram descritos e, portanto, as medidas derrogatórias usadas para lhes fazer face não podem abstrair das características das operações em causa.

    5. Respostas às questões prejudiciais

    177. Nestas condições, propomo-vos que as respostas a dar ao tribunal nacional vão no sentido de que:

    "1)O artigo 27.°, n.° 1, da sexta directiva permite que seja autorizada a adopção, pelos Estados-membros, de medidas especiais derrogatórias para evitar certas evasões fiscais, independentemente da existência de uma intenção fraudulenta.

    2) O artigo 27.°, n.° 1, e os princípios gerais da sexta directiva não se opõem a uma medida que altere a base de tributação definida no artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), de maneira a sujeitar a imposto um contribuinte cuja actividade consista, no todo ou em parte, em fornecer certas mercadorias a retalhistas não contribuintes, pelas vendas efectuadas por estes últimos, desde que a base tributável não exceda o valor a que o bem atinge o consumidor final naquele tipo de transacções ou o seu valor normal numa venda a retalho, quando não for possível apurar aquele primeiro valor, e desde que não exista outra solução menos onerosa para o contribuinte;

    3.) A sexta directiva não impede que tal medida seja aplicável apenas às empresas com um volume de negócios superior a determinado limite.

    4) A aplicação de uma tal medida preclude a aplicação da regra geral do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva.

    5.° A autorização de tal medida, nos termos do n.° 4 do artigo 27.°, considerar-se-á dada nos limites definidos pela informação a que se refere o n.° 2 do citado artigo, desde que esta informação comporte todos os elementos de apreciação que permitam à Comissão e aos Estados-membros analisar, sem equívocos, os objectivos e o alcance da medida."

    (1) JO L 145, de 13.6.1977, p. 1.

    (2) Decisão 85/369, com efeito a partir de 13 de Junho de 1983 (JO L 199 de 13.7.1985, p. 50).

    (3) Acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, processo 5/84, Direct Cosmetics, Recueil, p. 617.

    (4) Decisão 85/369/CEE, publicada no JO L 199, de 13.7.1985, p. 60.

    (5) JO 1967, de 14.4.1967, p. 1301.

    (6) JO 1967, de 14.4.1967, p. 1303.

    (7) Ver, a declaração exarada na acta da reunião do Conselho no decurso da qual foi adoptada a sexta dDirectiva, declaração citada pelo Reino Unido nas suas observações e à qual se referiu o Tribunal no acórdão de 10 de Abril de 1984, processo 324/82, Comissão/Bélgica, Recueil, 1984, p. 1861, 1881, ponto n.° 26.

    (8) Recueil 1985, p. 626.

    (9) Ver acórdão Direct Cosmetics, de 13 de Fevereiro de 1985, n. 27.

    (10) Acórdão citado.

    (11) JO L 188, de 8.7.1987, p. 52.

    (12) Op. Cit., n.° 29.

    (13) Não está em causa discutir aqui a inflexão operada na concepção de base do IVA pela introdução, na alinea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A da sexta directiva, da referência às "subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações", incluindo-as na contraprestação que constitui a matéria colectável do imposto. Trata-se de uma expressão do compromisso, operado pela directiva, entre o IVA como imposto sobre as empresas ("business tax") ou como imposto sobre o consumo, atingindo, no primeiro caso, o valor acrescentado a custo dos factores e, no segundo caso, o valor a preços de mercado.

    (14) Bulletin des Communautés européennes, Suplemento 11/73, p. 8.

    (15) Acórdão de 12 de Junho de 1979, processos apensos 181 e 229/78, Recueil, p. 2063.

    (16) Poderia também dizer-se "corrente".

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