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Document 52012AE0770

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu — Comércio, crescimento e desenvolvimento — Adaptar a política de comércio e investimento aos países mais necessitados» [COM(2012) 22 final]

JO C 351 de 15.11.2012, p. 77–82 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

15.11.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 351/77


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu — Comércio, crescimento e desenvolvimento — Adaptar a política de comércio e investimento aos países mais necessitados»

[COM(2012) 22 final]

2012/C 351/17

Relatora: Evelyne PICHENOT

Em 27 de janeiro de 2012, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o tema:

Comércio, crescimento e desenvolvimento — Adaptar a política de comércio e investimento aos países mais necessitados

COM(2012) 22 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 5 de setembro de 2012.

Na 483.a reunião plenária de 18 e 19 de setembro de 2012 (sessão de 18 de setembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 127 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité reitera

Após uma década de políticas voluntaristas ligando comércio e desenvolvimento, a comunicação da Comissão Europeia intitulada «Adaptar a política de comércio e investimento aos países mais necessitados» (1) faz, em 2012, um balanço dos resultados bastante comedido num mundo em total transformação. Atualmente os países em desenvolvimento perfazem mais de 50 % do comércio mundial. O comércio sul-sul apresenta o maior potencial de crescimento nos próximos anos. Os próprios entraves ao comércio mudaram e assumem, mais do que no passado, a forma de obstáculos não pautais, principal problema das exportações dos países em desenvolvimento.

Neste contexto, o CESE sublinha a importância de uma melhor inclusão dos países em desenvolvimento nas trocas regionais e internacionais. Apoia o empenho da União Europeia no multilateralismo e na rápida conclusão de um acordo da OMC que favoreça os países menos desenvolvidos. Recorda, contudo, que o comércio continua a ser um meio, e não um fim. Num mundo em mutação, marcado por uma pressão ambiental sem precedentes e por desigualdades cada vez maiores, o desafio atual consiste em inscrever as políticas comerciais num novo modo de desenvolvimento, mais inclusivo e sustentável.

1.2   O Comité apoia

Há que louvar a nova comunicação sobre o comércio, o investimento e o desenvolvimento enquanto fruto de uma colaboração eficaz entre as direções-gerais da Comissão Europeia. O CESE reconhece a qualidade da participação da sociedade civil na consulta pública e a pertinência do diagnóstico, acompanhado de um esforço de coerência e de aplicação dos aspetos relativos ao comércio constantes da Agenda para a Mudança (2). Congratula-se, em particular, com a atenção prestada ao impacto, ao acompanhamento e à avaliação das políticas comerciais, que oferecem as melhores bases para uma abordagem pragmática da ligação entre comércio e desenvolvimento. Empenhar-se-á, com os seus parceiros, neste acompanhamento e pede que se faça uma avaliação dos obstáculos ao comércio e ao investimento que podem estar a afetar certos países em desenvolvimento.

O CESE partilha do interesse prestado à questão do acesso ao crédito e da ajuda ao comércio para os operadores privados e, em particular, as microempresas e as PME, bem como do apoio às trocas locais e regionais entre pequenos exploradores agrícolas. Recorda aos dirigentes dos países em desenvolvimento a importância de criar um clima de investimento à escala do território nacional e o papel crucial desempenhado pela produção no desenvolvimento.

O CESE apoia a iniciativa da Direção-Geral do Desenvolvimento e da Cooperação (DEVCO) da Comissão Europeia que visa estabelecer um diálogo estruturado sobre o desenvolvimento, o Policy Forum on Development, em fase intermédia até 2013.

1.3   O Comité critica

Face a um mundo em total transformação, à urgência da questão climática e ao fosso crescente entre os países emergentes e os não emergentes, a comunicação limita-se a ajustar estas políticas, incluindo uma justificação a posteriori da reforma do Sistema de Preferências Generalizadas. A construção de uma visão renovada do desenvolvimento deve tornar-se numa prioridade, tanto para a UE, como para os seus parceiros, cujas capacidades devem ser reforçadas numa perspetiva de desenvolvimento inclusivo e sustentável. O Comité apela à realização de um amplo debate com a sociedade civil para se rumar nessa direção.

Além disso, a comunicação não se pronuncia sobre determinados temas importantes. Em particular, não tira todas as lições que se impõem das suas análises sobre a fragmentação do comércio. A comunicação confirma que existem hoje três grupos de países no comércio: os países menos desenvolvidos, sendo marginal a sua participação no comércio mundial, os países emergentes de crescimento rápido e, entre estes dois grupos, os países ditos «intermédios». Ao colocar a tónica nos «países mais necessitados», a comunicação é vaga relativamente ao tratamento comercial previsto para estes países «intermédios» que constituem, contudo, a maioria dos países em desenvolvimento. Um Sistema de Preferências Generalizadas mais restritivo não substitui uma estratégia de desenvolvimento.

Por último, o CESE adverte dos limites de uma diferenciação entre os países assente unicamente no critério do rendimento (PIB). A adoção de critérios para além do rendimento nacional (como é o caso para os países menos desenvolvidos) para diferenciar melhor os países em desenvolvimento é uma área de trabalho promissora que a UE deve continuar a promover junto das instâncias internacionais. Trata-se de um tema que a UE pode introduzir desde já no debate sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio pós-2015 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

1.4   O Comité recomenda

O CESE recorda a importância de se elaborarem estratégias de desenvolvimento sui generis que combinem as políticas internas e comerciais, numa perspetiva de crescimento sustentável e inclusivo. As medidas nacionais de reforço do Estado de direito, de correção das deficiências do mercado e de segurança do ambiente económico e humano são componentes indispensáveis das estratégias de desenvolvimento. Sem estes elementos, o contributo do comércio para o desenvolvimento será apenas marginal e limitado, em particular no domínio agrícola.

O CESE reitera a sua recomendação de incorporar as avaliações do impacto sobre o desenvolvimento sustentável num ciclo mais amplo de avaliação das consequências das políticas comerciais, abarcando a fase anterior (ex ante) e posterior (ex post) e tendo igualmente em conta os objetivos europeus da Estratégia Europa 2020.

O CESE apela à UE para que integre mais estreitamente na sua estratégia comercial relativa aos países em desenvolvimento as conclusões da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de junho de 2012 sobre o nível mínimo de proteção social.

O CESE recomenda que as disposições relativas ao desenvolvimento sustentável sejam integradas numa avaliação global dos acordos de comércio livre através de processos de acompanhamento regular e da análise ex post desses acordos, a realizar pelo CESE. Além disso, deseja que as disposições relativas ao desenvolvimento sustentável em qualquer acordo comercial incluam um compromisso específico de acompanhamento e avaliação do impacto do acordo completo sobre o desenvolvimento sustentável.

O CESE encoraja a UE a promover com mais empenho nas instâncias multilaterais um acesso isento de direitos aduaneiros e contingentes aos produtos provenientes dos países menos desenvolvidos. O reforço pela UE das capacidades de negociação desses países tendo em vista a celebração de acordos comerciais sul-sul também se pode tornar numa prioridade da União.

O CESE insta a UE a realizar uma reflexão sobre o futuro dos acordos de parceria económica (APE), face à persistente situação de impasse. Deseja ser estreitamente associado a esse exercício e considera útil que as especificidades dos países ditos «intermédios» sejam tidas em maior conta nessa reflexão.

2.   Lições a tirar da fragmentação do comércio internacional

2.1   Desde 2006, e pela primeira vez desde a revolução industrial, os países em desenvolvimento perfazem mais de 50 % do comércio internacional. Na última década, tem-se observado o início da convergência entre os rendimentos dos países em desenvolvimento e dos países desenvolvidos, ainda denominada «recuperação». Estes dois fenómenos estão ligados à redução das barreiras aduaneiras no mundo e ao papel desempenhado pelos países emergentes, particularmente a China, no comércio mundial. A geografia das trocas industriais está a deslocar-se para a Ásia, enquanto a das trocas agrícolas se desloca para o Brasil. A composição das trocas transforma-se em conjunto, e o comércio de bens faz-se acompanhar de um «comércio de tarefas», em que a maioria dos produtos comercializados no mundo são produtos intermédios e não produtos acabados. Há três grupos diferentes de países, a saber: os países menos desenvolvidos, sendo marginal a sua participação no comércio mundial, os países emergentes de crescimento rápido e, entre estes dois grupos, os países «intermédios», que constituem a maioria dos países em desenvolvimento.

2.2   O arranque recente desta recuperação económica dissimula, contudo, grandes diferenças no ritmo da convergência entre países, em detrimento dos países em desenvolvimento não emergentes. Neste primeiro aspeto, o comércio não é igual entre os países mais pobres e os restantes. Apesar de todos os países beneficiarem do comércio, algumas especializações têm um valor acrescentado superior ao de outras e, regra geral, as especializações (relativamente) menos rentáveis são produzidas ainda hoje nos países mais pobres. Estes países estão «cativos» da exploração de um número limitado de recursos extrativos e agrícolas tropicais que lhes conferem uma vantagem comercial absoluta, mas cuja remuneração tende a diminuir ao longo do tempo, comparativamente à das atividades industriais e dos serviços.

2.3   A subida sustentada da cotação das matérias-primas mineiras e agrícolas, ligada nomeadamente ao aumento da procura dos países emergentes, aparenta trazer benefícios inesperados para os países em desenvolvimento que exportam esses produtos, quando, pelo contrário, tal subida pode cingi-los à especialização primária, expondo-os à «maldição das matérias-primas» (fraca resistência aos choques, instabilidade dos rendimentos de exportação e dos orçamentos públicos, propensão para a constituição de rendas e financiamento de conflitos armados) e aos fenómenos de sobreavaliação das taxas de câmbio e de usurpação de terras. A diversificação das exportações é necessária ao desenvolvimento sustentado de qualquer economia. Os mercados arriscam-se, porém, a confirmar a dependência histórica das economias em desenvolvimento relativamente a esses produtos.

2.4   A recuperação económica faz-se também acompanhar de um aumento das desigualdades no interior dos países. É da responsabilidade do Estado velar pela repartição justa dos benefícios decorrentes da abertura comercial pelo conjunto dos respetivos território e economia. Os ganhos que provêm do comércio e do crescimento não se difundem espontaneamente por todos os atores económicos e, em particular, pelos seus segmentos mais vulneráveis. Daí a importância de se elaborarem estratégias de desenvolvimento sui generis que combinem as políticas internas e comerciais, numa perspetiva de crescimento partilhado. Dotados de uma base fiscal estreita e de capacidades orçamentais mais fracas, os países em desenvolvimento confrontam-se, neste contexto, com uma segunda desvantagem.

2.5   Tal como o comércio, cuja geografia e composição se transformam, também as políticas industriais e comerciais evoluem. Nos últimos dez anos, a integração dos países em desenvolvimento no comércio internacional transformou-se, devido à erosão das preferências comerciais e à multiplicação dos acordos regionais e bilaterais. No seu documento de trabalho, a Comissão constata que os países menos desenvolvidos são marginalizados de forma persistente no comércio mundial. A abordagem voluntarista da comunicação de 2002 tendo em vista a conclusão do ciclo de Doha para o desenvolvimento não foi suficiente para aumentar significativamente a integração destes países no comércio mundial, até porque a quase totalidade das trocas comerciais sucedem sem a sua participação.

2.6   A concorrência já não é exercida nas fronteiras mas sim dentro dos próprios países. Essencialmente, para além de algumas rubricas pautais, os entraves ao comércio assumem cada vez mais a forma de obstáculos não pautais, como as normas, os códigos, as subvenções e as regulamentações. Neste contexto, a emergência dos BRICS no comércio internacional não representa tanto as virtudes da abertura comercial, mas sim os benefícios de estratégias de desenvolvimento claras, planificadas, adequadas e autónomas, combinando políticas públicas voluntaristas e incentivos de mercado. A falta de estratégias de desenvolvimento e de capacidade de projeção na globalização demonstra, pelo contrário, a existência de uma terceira desigualdade a que os países menos desenvolvidos estão expostos.

2.7   As desigualdades de rendimentos decorrentes da especialização no comércio, as desigualdades na capacidade de financiamento de um crescimento verde e inclusivo e, por último, as desigualdades nas capacidades de conceção, programação e pilotagem de uma estratégia de desenvolvimento são três tipos de desigualdades que afetam os países menos desenvolvidos no comércio «moderno». Estão interligadas e destinadas a aumentar sem uma ação coletiva adequada que combine políticas comerciais, de investimento e de cooperação para o desenvolvimento, conforme preconizado no Objetivo 8 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio.

3.   Necessidade de uma visão estratégica europeia num mundo em mutação, em consonância com a Estratégia Europa 2020

3.1   A comunicação da Comissão sobre o comércio, o crescimento e o desenvolvimento confirma os grandes princípios da comunicação de 2002, mas sublinha a necessidade de diferenciar entre países em desenvolvimento, de modo a poder dedicar maior atenção aos que mais necessitam de ajuda. A partir desta constatação, a Comissão define seis prioridades para a década atual: preferências comerciais mais direcionadas, ajuda ao comércio mais eficaz, promoção e proteção do investimento direto estrangeiro, negociação modulada – em função dos rendimentos dos países – dos acordos completos de comércio livre, promoção da boa governação (incluindo, o desenvolvimento sustentável) e, por fim, fortalecimento da resistência dos países mais vulneráveis aos choques externos e internos.

3.2   O CESE apoia estas prioridades, inscritas na continuidade, insistindo no facto de elas responderem apenas a uma parte dos três grandes desafios atuais em matéria de desenvolvimento. A nova comunicação sobre «Comércio, crescimento e desenvolvimento» baseia-se em contributos de grande interesse, reunidos durante a impressionante consulta pública sobre este tema realizada em 2011, e deve ser elogiada enquanto fruto de uma colaboração eficaz entre as direções-gerais da Comissão Europeia. Completa a comunicação sobre «Comércio, crescimento e questões internacionais», que continua a ser a espinha dorsal da relação entre o comércio e a Estratégia Europa 2020. Não obstante os avanços desta comunicação específica, como a maior diferenciação entre países em desenvolvimento e a atribuição de maior interesse aos operadores privados, a comunicação sobre a relação entre o comércio e o desenvolvimento carece de uma visão de prospetiva renovada.

3.3   Conforme sublinhado na comunicação e no estudo que a precede, a integração no mercado mundial não é um fim em si mesma, nem uma condição suficiente de desenvolvimento. A abertura comercial e o acesso ao mercado não constituem uma estratégia de desenvolvimento, mas são apenas um dos elementos desta estratégia. As medidas nacionais de reforço do Estado de direito, de correção das deficiências do mercado e de segurança do ambiente económico e humano são componentes indispensáveis das estratégias de desenvolvimento e condições prévias para a obtenção de lucros comerciais, em particular no domínio agrícola.

3.4   Sem uma visão partilhada do desenvolvimento, as iniciativas políticas de acesso privilegiado aos mercados externos, como o Sistema de Preferências Generalizadas e os acordos de parceria económica (APE) criados pela União Europeia, não conseguiram dar o impulso de crescimento pretendido. A maior preocupação não reside na dimensão modesta dos benefícios económicos dessas iniciativas para os países em desenvolvimento, mas sim na falta de vontade política manifestada pelos países em desenvolvimento envolvidos nessas iniciativas. A amplitude exata dos ganhos que se estima alcançar com a redução das barreiras pautais e não pautais merece ser apresentada mais claramente pela União, atuando tanto no seu interesse como no dos seus países parceiros. Por último, cabe à União demonstrar a coerência da sua política externa para com os países ACP, a qual privilegia a dimensão regional em matéria de comércio (APE) (3), quando as políticas de desenvolvimento e de crescimento continuam a ser nacionais nas regiões em causa.

3.5   Ao nível multilateral verifica-se a mesma situação. Contrariamente ao que se pode observar nas negociações sobre as alterações climáticas, em que os países em desenvolvimento, em particular os não emergentes, se apropriaram dos desafios em causa, no ciclo de Doha, a implicação política dos países não emergentes mantém-se fraca ou inexistente. As prioridades e as necessidades dos países beneficiários da ajuda ao comércio continuam, além disso, mal definidas, dada a falta de capacidade e de espaço político suficientes nesses países para conceber estratégias de desenvolvimento sustentáveis.

3.6   Em defesa da União Europeia, importa referir que a cooperação internacional para o desenvolvimento assenta no espírito de acordos entre Estados-nação soberanos. Ora, esta diplomacia é exercida, na prática, com Estados frágeis com capacidades limitadas. Como consequência, o comércio é, hoje, negligenciado nas estratégias de desenvolvimento e na programação da ajuda. A construção de uma visão renovada do desenvolvimento deve tornar-se numa prioridade, tanto para a União, como para os seus parceiros, cujas capacidades devem ser reforçadas para esse efeito. A aplicação de políticas nacionais é a chave para fazer do comércio um dos fatores de desenvolvimento. A curto prazo, o pragmatismo, o ensaio e a experimentação devem guiar as ações da UE em matéria de comércio para o desenvolvimento e contribuir para a construção desta visão, em consonância com a Estratégia Europa 2020.

4.   Uma abordagem pragmática do comércio e do investimento ao serviço de uma visão do desenvolvimento

4.1   Desenvolver as capacidades e os mecanismos de acompanhamento e de avaliação do impacto do comércio

4.1.1

A natureza empírica da ligação entre comércio e desenvolvimento exige a adoção de uma abordagem pragmática das políticas comerciais, numa perspetiva de experimentação e aprendizagem. Não se pode determinar nem afirmar ex ante que um acordo comercial terá um efeito positivo ou negativo no desenvolvimento. O CESE reitera a recomendação que formulou em parecer anterior de incorporar as avaliações do impacto sobre o desenvolvimento sustentável num ciclo mais amplo de avaliação das consequências das políticas comerciais, abarcando a fase anterior (ex ante) e posterior (ex post) e tendo em conta os objetivos europeus da Estratégia Europa 2020.

4.1.2

O seguimento e a avaliação são particularmente importantes no domínio das políticas de acompanhamento dos acordos comerciais, a fim de melhorar os seus desempenhos através de revisões sucessivas. São também importantes para o exame das disposições relativas ao desenvolvimento sustentável. O CESE insiste na necessidade de incluir estas disposições em todos os acordos comerciais da União. Recomenda também que sejam integradas numa avaliação global dos acordos de comércio livre através de processos de acompanhamento regular e da análise ex post desses acordos, a realizar pelo CESE. Além disso, deseja que as disposições relativas ao desenvolvimento sustentável em fase de negociação incluam um compromisso específico de acompanhamento e avaliação do impacto do acordo completo sobre o desenvolvimento sustentável.

4.1.3

A avaliação regular da eficácia e do impacto das ajudas ao comércio e das diferentes modalidades de acesso ao mercado propostas pela UE aos países em desenvolvimento (tratamento especial e diferenciado, acordos de parceria económica, Sistema de Preferências Generalizadas, etc.) deverá permitir igualmente consolidar os atuais elementos essenciais das políticas da UE. A avaliação do impacto, científica e independente, está no âmago da reformulação das políticas de ajuda pública ao desenvolvimento. Com um montante que ultrapassava em 2010 os 10 mil milhões de euros, a ajuda ao comércio ganharia em eficácia e pertinência se fossem criados indicadores permitindo avaliar os respetivos efeitos.

4.1.4

Além do Sistema de Preferências Generalizadas, há margens de manobra por utilizar de que os países em desenvolvimento poderiam tirar partido. Em conformidade com um parecer anterior, o CESE apoia todas as iniciativas da UE que visam encorajar os países em desenvolvimento a utilizar os dispositivos relativos à segurança alimentar. É particularmente necessário, em contextos multilaterais, regionais e bilaterais, facilitar o recurso a medidas de salvaguarda que permitam a estes países agir em caso de aumento significativo das importações suscetíveis de pôr em perigo a produção local de géneros alimentícios (4) e calcular os respetivos efeitos.

4.1.5

O CESE reitera a recomendação que formulou em parecer anterior (5) de prever recursos e um apoio regular para aumentar a transparência, o seguimento e a credibilidade do comércio equitativo. Apela ainda à avaliação sistemática dos impactos do comércio equitativo, não só junto dos supostos beneficiários, mas também junto dos não beneficiários em regiões que produzem os mesmos produtos envolvidos.

4.1.6

Em conformidade com o programa de trabalho para o período de 2010-2013 no que concerne a coerência das políticas ao serviço do desenvolvimento, é indispensável avaliar a coerência dos mecanismos comerciais que envolvem a UE, em particular no que diz respeito ao acesso a medicamentos, aos direitos de propriedade intelectual e ao trabalho digno. O CESE apela à União para que integre mais estreitamente na sua estratégia comercial a favor dos países em desenvolvimento as conclusões da OIT de junho de 2012 sobre um nível mínimo de proteção social.

4.1.7

O CESE apela à extensão do acompanhamento e à avaliação dos obstáculos ao comércio e ao investimento que podem estar a afetar certos países em desenvolvimento.

4.1.8

A bem da eficácia e para se lograr uma reforma das políticas comerciais favorável ao desenvolvimento, a aprendizagem e a avaliação devem envolver mais a sociedade civil do que aconteceu até à data, em particular nos mecanismos de acompanhamento dos acordos comerciais e de parceria económica.

4.2   Apoio aos operadores privados dos países em desenvolvimento

4.2.1

O CESE reconhece que a comunicação coloca a tónica no papel crucial desempenhado pelos operadores privados, em particular os pequenos exploradores agrícolas e os pequenos empresários, que formam o esqueleto da economia de numerosos países em desenvolvimento. Sublinha que importa promover uma conduta empresarial responsável, encorajar as parcerias entre os setores privado e público e reconhecer as diferentes formas de empresas, como as cooperativas, as mutualidades e outras formas de empresas da economia social (6). Reconhece a importância de criar um clima de investimento seguro, um direito comercial estável, uma fiscalidade justa e um sistema jurídico eficaz e previsível que garanta a segurança jurídica dos investimentos nacionais e estrangeiros. O CESE sublinha a importância das infraestruturas e dos serviços de comércio em linha para uma estratégia de reforço e de diversificação da oferta de exportação.

4.2.2

O CESE apoia as medidas que visam facilitar o acesso dos pequenos exploradores agrícolas e dos pequenos empresários às ajudas comerciais para lhes permitir tirar partido dos benefícios do comércio e promover políticas que conduzam à transformação do setor informal em atividades registadas. Recorda, a este respeito, as conclusões ainda atuais do estudo realizado em conjunto pela OIT e pela OMC (7), segundo as quais a forte incidência do emprego informal no mundo em desenvolvimento impede que os países beneficiem da abertura do comércio, encurralando os trabalhadores em fase de transição na armadilha da pobreza. As ações a favor da igualdade entre homens e mulheres e o apoio às atividades das mulheres contribuirão para esta transformação do setor informal em atividades registadas. A luta contra a corrupção e o desenvolvimento de infraestruturas devem continuar a ser prioritários. A colaboração entre os parceiros sociais e as demais organizações da sociedade civil na luta contra a corrupção no âmbito da parceria Euromed poderia proporcionar matéria de aprendizagem.

4.2.3

A vantagem comparativa da UE no apoio aos operadores privados, independentemente das formas empresariais, deve ser reforçada, à luz das de outras instituições, quer nacionais, quer multilaterais, a fim de aumentar a eficácia dos mecanismos de ajuda ao comércio da União, em particular à medida que se intensifica o comércio sul-sul. A União deve assegurar-se de que dispõe de recursos humanos suficientes nas suas delegações em países terceiros para estar à altura do desafio e deve envolvê-los mais na capitalização das experiências no terreno.

4.2.4

As organizações profissionais muito ativas no setor privado podem dar um contributo importante para a identificação das necessidades de cooperação dos países parceiros. A consulta mais estreita destes intervenientes através do CESE deve contribuir para aproximar a oferta e a procura de cooperação. Os antecedentes, como a negociação de acordos de parceria económica e a elaboração de planos estratégicos de redução da pobreza sob a égide do Banco Mundial, permitiram reforçar e estruturar as organizações profissionais dos países em desenvolvimento.

4.2.5

Conforme sublinhado pela Comissão, o Comité acolhe favoravelmente a ideia de que a responsabilidade social das empresas contribui para promover condições de concorrência leal à escala mundial no comércio e nos investimentos. Através dos acordos-quadro internacionais que abrangem os subcontratantes, é evidente que as grandes empresas de origem europeia desempenharam um papel pioneiro na introdução de normas sociais, ambientais e de boa governação no comércio. A adesão às diretrizes da OCDE constitui, portanto, uma boa proposta que tem como vantagem o facto de conter um mecanismo de reclamações em caso de litígios. Além disso, essas diretrizes referem-se à necessidade de publicar anualmente informações societais pertinentes, fiáveis e verificáveis, a difundir amplamente.

4.3   Preparar as reformas da governação mundial

4.3.1

A oferta de cooperação em matéria de comércio e de desenvolvimento deve ser ampliada e aproximar os países emergentes dos países da OCDE, fornecedores históricos de ajuda pública ao desenvolvimento e de acesso privilegiado aos mercados. As margens de manobra mais importantes encontram-se, hoje em dia, do lado dos países emergentes. O CESE encoraja particularmente a UE a promover ainda mais um acesso efetivo, isento de direitos aduaneiros e contingentes, aos produtos provenientes dos países menos desenvolvidos nas instâncias multilaterais (especialmente no G20), mas também nas suas relações bilaterais com os países emergentes. O reforço da capacidade de negociação desses países pela UE através de acordos comerciais sul-sul também se pode tornar numa prioridade da União.

4.3.2

O CESE insiste em que sejam envidados todos os esforços no sentido de concluir o ciclo de Doha para o desenvolvimento, pelo menos sob a forma de um acordo antecipado favorável apenas aos países menos desenvolvidos e incluindo um amplo empenho dos doadores, pertencentes ou não ao Comité de Ajuda ao Desenvolvimento. O CESE reafirma o seu desejo de que o ano de 2015 – prazo final dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio – seja dedicado à cooperação internacional. O balanço dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e a perspetiva aberta na Cimeira Rio+20 sobre o desenvolvimento sustentável serão objeto de parecer do Comité que será elaborado paralelamente às consultas.

4.3.3

A estratégia de comércio e de desenvolvimento da UE não se limita, simultaneamente, por um lado, ao aumento da reciprocidade com os países emergentes e, por outro, ao acesso isento de direitos dos produtos dos países menos desenvolvidos. Entre estes dois grupos de países, os países em desenvolvimento não emergentes, ou países «intermédios» não emergentes, são parceiros com os quais a UE poderá desenvolver interesses mútuos. Poderão tornar-se fortes aliados na promoção de uma melhor governação, objetivo fundamental da UE. Tendo em conta que a prioridade foi dada aos países mais necessitados de ajuda, a comunicação carece de uma estratégia explícita que não se cinja a um Sistema de Preferências Generalizadas mais restritivo.

4.3.4

A adoção de critérios para além do rendimento nacional (como é o caso para os países menos desenvolvidos) para diferenciar melhor os países em desenvolvimento é uma área de trabalho aberta e promissora para melhorar a eficácia do tratamento especial e diferenciado e a ajuda ao comércio. Trata-se de um tema que a UE pode introduzir no debate sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio pós-2015 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Bruxelas, 18 de setembro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  «Comércio, crescimento e desenvolvimento – Adaptar a política de comércio e investimento aos países mais necessitados», COM(2012) 22 final.

(2)  «Aumentar o impacto da política de desenvolvimento da UE: uma Agenda para a Mudança», COM(2011) 637 final.

(3)  Ver declaração final de São Domingos por ocasião do 12.o seminário regional dos meios económicos e sociais ACP-UE, 5 e 6 de julho de 2012 (http://www.eesc.europa.eu/?i=portal.en.events-and-activities-acp-eu-twelfth-regional-seminar-fd.24031).

(4)  Parecer do CESE sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Comércio, crescimento e questões internacionais – A política comercial como um elemento central da estratégia da UE para 2020» COM(2010) 612 final, JO C 43 de 15.2.2012.

(5)  Parecer do CESE sobre o tema «Contribuir para o desenvolvimento sustentável: o papel do comércio equitativo e dos programas não governamentais de garantia da sustentabilidade relacionados com o comércio» COM(2009) 215 final, JO C 339 de 14.12.2010.

(6)  Parecer do CESE sobre «A economia social na América Latina», JO C 143 de 22.5.2012.

(7)  Mondialisation et emploi informel dans les pays en développement [Globalização e emprego informal nos países em desenvolvimento], estudo conjunto OMC/OIT, 2009.


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