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Document 62015CJ0310

Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 7 de setembro de 2016.
Vincent Deroo-Blanquart contra Sony Europe Limited.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Práticas comerciais desleais — Diretiva 2005/29/CE — Artigos 5.° e 7.° — Proposta conjunta — Venda de um computador equipado com programas pré‑instalados — Informação substancial relativa ao preço — Omissão enganosa — Impossibilidade de o consumidor adquirir o mesmo modelo de computador não equipado com programas informáticos.
Processo C-310/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:633

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

7 de setembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Práticas comerciais desleais — Diretiva 2005/29/CE — Artigos 5.° e 7.° — Proposta conjunta — Venda de um computador equipado com programas pré‑instalados — Informação substancial relativa ao preço — Omissão enganosa — Impossibilidade de o consumidor adquirir o mesmo modelo de computador não equipado com programas informáticos»

No processo C‑310/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal Supremo, França), por decisão de 17 de junho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de junho de 2015, no processo

Vincent Deroo‑Blanquart

contra

Sony Europe Limited, sub‑rogada nos direitos da Sony France SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: D. Šváby, presidente de secção, J. Malenovský e M. Safjan (relator), juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de V. Deroo‑Blanquart, por P. Rémy‑Corlay, avocat,

em representação da Sony Europe Limited, sub‑rogada nos direitos da Sony France SA, por P. Spinosi, avocat,

em representação do Governo francês, por D. Colas, J. Traband e S. Ghiandoni, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por J.‑C. Halleux e J. Van Holm, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e S. Šindelková, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Roussanov, M. Van Hoof e K. Herbout‑Borczak, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 5.° e 7.° da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO 2005, L 149, p. 22).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Vincent Deroo‑Blanquart, residente em França, à Sony Europe Limited (a seguir «Sony»), sub‑rogada nos direitos da Sony France SA, estabelecida em França, a propósito de uma prática comercial que consiste na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos dos considerandos 13, 14, 17 e 18 da Diretiva 2005/29:

«(13)

[...] a proibição geral comum e única estabelecida na presente diretiva abrange as práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores. [...] A proibição geral é concretizada por disposições sobre os dois tipos de práticas comerciais que são de longe as mais comuns, ou seja, as práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas.

(14)

Seria desejável que as práticas comerciais enganosas abrangessem aquelas práticas, incluindo a publicidade enganosa, que, induzindo em erro o consumidor, o impedem de efetuar uma escolha esclarecida e, deste modo, eficiente. Em conformidade com a legislação e a prática de Estados‑Membros sobre a publicidade enganosa, a presente diretiva classifica as práticas enganosas como ações enganosas e omissões enganosas. Em relação às omissões, a presente diretiva estabelece um número limitado de elementos essenciais de informação para que o consumidor possa tomar uma decisão de transação esclarecida. [...]

[...]

(17)

É desejável que essas práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias sejam identificadas por forma a proporcionar segurança jurídica acrescida. Por conseguinte, o anexo I contém uma lista exaustiva dessas práticas. Estas são as únicas práticas comerciais que podem ser consideradas desleais sem recurso a uma avaliação casuística nos termos dos artigos 5.° a 9.° [...]

(18)

[...] De acordo com o princípio da proporcionalidade, e a fim de possibilitar a aplicação efetiva das proteções previstas na mesma, a presente diretiva utiliza como marco de referência o critério do consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, tendo em conta fatores de ordem social, cultural e linguística, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça [...]»

4

O artigo 2.o desta diretiva, que tem por epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

[...]

c)

‘Produto’: qualquer bem ou serviço [...]

d)

‘Práticas comerciais das empresas face aos consumidores’ (a seguir designadas também por ‘práticas comerciais’): qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores;

e)

‘Distorcer substancialmente o comportamento económico dos consumidores’: utilização de uma prática comercial que prejudique sensivelmente a aptidão do consumidor para tomar uma decisão esclarecida, conduzindo‑o, por conseguinte, a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo;

[...]

h)

‘Diligência profissional’: o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional em relação aos consumidores, avaliado de acordo com a prática de mercado honesta e/ou o princípio geral da boa‑fé no âmbito da atividade do profissional;

i)

‘Convite a contratar’: uma comunicação comercial que indica as características e o preço do produto de uma forma adequada aos meios utilizados pela comunicação comercial, permitindo assim que o consumidor efetue uma aquisição;

[...]

k)

‘Decisão de transação’: a decisão tomada por um consumidor sobre a questão de saber se, como e em que condições adquirir, pagar integral ou parcialmente, conservar ou alienar um produto ou exercer outro direito contratual em relação ao produto, independentemente de o consumidor decidir agir ou abster‑se de agir.

[...]»

5

O artigo 3.o da referida diretiva, que tem por epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.»

6

O artigo 4.o da mesma diretiva, que tem por epígrafe «Mercado interno», prevê:

«Os Estados‑Membros não podem restringir a livre prestação de serviços nem a livre circulação de mercadorias por razões ligadas ao domínio que é objeto de aproximação por força da presente diretiva.»

7

O artigo 5.o da Diretiva 2005/29, sob a epígrafe «Proibição de práticas comerciais desleais», tem a seguinte redação:

«1.   São proibidas as práticas comerciais desleais.

2.   Uma prática comercial é desleal se:

a)

For contrária às exigências relativas à diligência profissional;

e

b)

Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.

[...]

4.   Em especial, são desleais as práticas comerciais:

a)

Enganosas, tal como definido nos artigos 6.° e 7.°;

ou

b)

Agressivas, tal como definido nos artigos 8.° e 9.°

5.   O anexo I inclui a lista das práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias. [...]»

8

O artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Ações enganosas», dispõe, no seu n.o 1:

«É considerada enganosa uma prática comercial se contiver informações falsas, sendo inverídicas ou que por qualquer forma, incluindo a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor médio, mesmo que a informação seja factualmente correta, em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo:

[...]»

9

O artigo 7.o da referida diretiva, que tem por epígrafe «Omissões enganosas», enuncia:

«1.   Uma prática comercial é considerada enganosa quando, no seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, omita uma informação substancial que, atendendo ao contexto, seja necessária para que o consumidor médio possa tomar uma decisão de transação esclarecida, e, portanto, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo.

2.   Também é considerada uma omissão enganosa a prática comercial em que o profissional, tendo em conta os aspetos descritos no n.o 1, oculte a informação substancial referida no mesmo número ou a apresente de modo pouco claro, ininteligível, ambíguo ou tardio, ou quando não refira a intenção comercial da prática em questão, se esta não se puder depreender do contexto e, em qualquer dos casos, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo.

[...]

4.   No caso de existir um convite a contratar, são consideradas substanciais, se não se puderem depreender do contexto, as informações seguintes:

a)

As características principais do produto, na medida adequada ao meio e ao produto;

[...]

c)

O preço, incluindo impostos e taxas, ou, quando, devido à natureza do produto, o preço não puder ser razoavelmente calculado de forma antecipada, a maneira como o preço é calculado, bem como, se for caso disso, todos os custos suplementares de transporte, de expedição e entrega e postais ou, quando estas despesas não puderem ser razoavelmente calculadas de forma antecipada, a indicação de que esses custos suplementares ficarão a cargo do consumidor;

[...]»

10

O anexo I da Diretiva 2005/29, que contém uma lista das práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias, prevê, no n.o 29, entre as práticas comerciais agressivas, a seguinte prática:

«Exigir o pagamento imediato ou diferido ou a devolução ou a guarda de produtos fornecidos pelo profissional que o consumidor não tinha solicitado [...] (fornecimento não solicitado).»

Direito francês

11

O artigo L. 111‑1 do code de la consommation (a seguir «Código do Consumo»), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispunha:

«O profissional vendedor de bens ou prestador de serviços deve, antes da celebração do contrato, informar o consumidor sobre as características essenciais do bem ou serviço.»

12

O artigo L. 113‑3, primeiro parágrafo, deste código, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, previa:

«O vendedor de produtos ou prestador de serviços deve, mediante marcação, rotulagem, afixação ou quaisquer outros meios adequados, informar o consumidor sobre os preços, eventuais limitações à responsabilidade contratual e condições específicas da venda, de acordo com as modalidades fixadas em portaria do Ministro [...]»

13

Nos termos do artigo L. 120‑1 do Código do Consumo, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal:

«São proibidas as práticas comercias desleais. É desleal qualquer prática comercial contrária às exigências relativas à diligência profissional, que altere ou seja suscetível de alterar de maneira substancial o comportamento económico do consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e advertido em relação a um bem ou a um serviço.

[...]

II. —

São desleais, em especial, as práticas comerciais enganosas definidas nos artigos L. 121‑1 e L. 121‑1‑1 e as práticas comerciais agressivas definidas nos artigos L. 122‑11 e L. 122‑11‑1.»

14

O artigo L. 121‑1 deste código, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, tinha a seguinte redação:

«I. —

É enganosa a prática comercial que seja exercida numa das seguintes circunstâncias:

[...]

Quando assente em alegações, indicações ou afirmações falsas ou suscetíveis de induzir em erro [...]

[...]

II. —

É igualmente enganosa a prática comercial que, tendo em conta as limitações próprias ao meio de comunicação utilizado e as circunstâncias que o rodeiam, omita, dissimule ou forneça de modo ininteligível, ambíguo ou tardio uma informação substancial ou que não refira a sua verdadeira intenção comercial, se esta não se puder depreender do contexto.

[...]

No caso de comunicação comercial que constitua um convite a comprar, destinada ao consumidor e que mencione o preço e as características do bem ou do serviço proposto, consideram‑se substanciais as seguintes informações:

As características essenciais do bem ou do serviço;

[...]

O preço, incluindo impostos, e os custos de entrega a cargo do consumidor, ou o seu modo de cálculo, se não puderem ser determinados de forma antecipada;

[...]

III.

O ponto I é aplicável às práticas que visam os profissionais.»

15

O artigo L. 122‑1, primeiro parágrafo, do Código do Consumo, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispunha:

«É proibido recusar ao consumidor a venda de um produto ou a prestação de um serviço, salvo motivo legítimo, e subordinar a venda de um produto à compra de uma quantidade imposta ou à compra concomitante de outro produto ou outro serviço bem como subordinar a prestação de um serviço à prestação de outro serviço ou à compra de um produto.»

16

O artigo L. 122‑1, primeiro parágrafo, deste código, na sua versão em vigor de 19 de maio de 2011 a 30 de junho de 2016, dispunha:

«É proibido recusar ao consumidor a venda de um produto ou a prestação de um serviço, salvo motivo legítimo, e subordinar a venda de um produto à compra de uma quantidade imposta ou à compra concomitante de outro produto ou outro serviço bem como subordinar a prestação de um serviço à prestação de outro serviço ou à compra de um produto, se tal constituir uma prática comercial desleal na aceção do artigo L. 120‑1.»

17

O artigo L. 122‑3, primeiro parágrafo, do referido código, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, tinha a seguinte redação:

«É proibida a entrega de bens ou a prestação de serviços que o consumidor não tenha previamente encomendado ou solicitado se for objeto de um pedido de pagamento. Não impende qualquer obrigação sobre o consumidor que receba um bem ou a quem seja prestado um serviço em violação desta proibição.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

Decorre dos autos do processo principal que, em 27 de dezembro de 2008, V. Deroo‑Blanquart adquiriu em França um computador portátil da marca Sony, modelo VAIO VGN‑NR38E, equipado com programas pré‑instalados como, por um lado, o sistema operativo Microsoft Windows Vista edição Home Premium e, por outro, várias aplicações informáticas.

19

Na primeira utilização do referido computador, V. Deroo‑Blanquart recusou‑se a subscrever o «Contrato de Licença de Utilizador Final» (CLUF) do sistema operativo exibido no ecrã do computador e, em 30 de dezembro de 2008, solicitou à Sony o reembolso da parte do preço de compra do computador correspondente ao custo dos programas pré‑instalados.

20

Por carta de 8 de janeiro de 2009, a Sony recusou proceder ao reembolso, alegando que os computadores VAIO formam, juntamente com os programas pré‑instalados, uma proposta única e indissociável. Após negociações, a Sony propôs a V. Deroo‑Blanquart, em 15 de abril de 2009, a anulação da venda e o reembolso da totalidade do preço de compra, isto é, 549 euros, mediante devolução do material comprado.

21

V. Deroo‑Blanquart não aceitou a referida proposta e, por ato de 17 de fevereiro de 2011, intentou uma ação contra a Sony no tribunal d’instance d’Asnières (Tribunal de Primeira Instância de Asnières, França), para pagamento da quantia de 450 euros a título de indemnização fixa pelos programas pré‑instalados e da quantia de 2500 euros pelo prejuízo sofrido devido a práticas comerciais desleais.

22

Por sentença de 13 de setembro de 2012, o tribunal d’instance d’Asnières (Tribunal de Primeira Instância de Asnières) julgou todos os pedidos de V. Deroo‑Blanquart improcedentes.

23

V. Deroo‑Blanquart interpôs recurso dessa sentença para a cour d'appel de Versailles (Tribunal de Segunda Instância de Versalhes, França).

24

Por acórdão de 5 de novembro de 2013, esse órgão jurisdicional confirmou a sentença recorrida, declarando que a venda em causa não constituía uma prática comercial desleal de venda força proibida em quaisquer circunstâncias, nem uma prática comercial desleal de venda subordinada, nem ainda uma prática comercial enganosa ou agressiva.

25

V. Deroo‑Blanquart recorreu do acórdão da cour d’appel de Versailles para a Cour de cassation (Tribunal Supremo, França).

26

Após ter observado que as disposições do direito nacional aplicáveis entram no âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29, a Cour de cassation (Tribunal Supremo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 5.° e 7.° da Diretiva 2005/29 […] ser interpretados no sentido de que constitui uma prática comercial desleal enganosa a oferta conjunta que consiste na venda de um computador equipado de programas pré‑instalados quando o fabricante do computador forneceu, por intermédio do seu revendedor, informações sobre cada um dos programas pré‑instalados, mas não especificou o custo de cada um desses elementos?

2)

Deve o artigo 5.o da Diretiva 2005/29 ser interpretado no sentido de que constitui uma prática comercial desleal a oferta conjunta que consiste na venda de um computador equipado de programas pré‑instalados quando o fabricante não deixa ao consumidor outra escolha que não seja aceitar esses programas ou obter a resolução da venda?

3)

Deve o artigo 5.o da Diretiva 2005/29 ser interpretado no sentido de que constitui uma prática comercial desleal a oferta conjunta que consiste na venda de um computador equipado de programas pré‑instalados quando o consumidor não tem a possibilidade de obter junto do mesmo fabricante um computador não equipado com programas?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à segunda e terceira questões

27

Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto e em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a prática comercial que consiste na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados sem haver possibilidade de o consumidor adquirir o mesmo modelo de computador não equipado com programas pré‑instalados constitui uma prática comercial desleal na aceção do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2005/29.

28

A este respeito, importa recordar a título preliminar que as ofertas conjuntas, que juntem pelo menos dois produtos ou serviços distintos numa só oferta, constituem atos comerciais que se inscrevem claramente no quadro da estratégia comercial de um operador, visando diretamente a promoção e o fluxo das vendas deste. Daqui resulta que estas constituem, efetivamente, práticas comerciais na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2005/29 e se incluem, por consequência, no seu âmbito de aplicação (v., neste sentido, acórdão de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea, C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.o 50).

29

Além disso, como referido expressamente no considerando 17 da Diretiva 2005/29, só as práticas comerciais enumeradas na lista exaustiva prevista no anexo I desta diretiva são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias, sem serem objeto de uma avaliação caso a caso ao abrigo das disposições dos artigos 5.° a 9.° da mesma diretiva (acórdão de 19 de setembro de 2013, CHS Tour Services, C‑435/11, EU:C:2013:574, n.o 38 e jurisprudência referida).

30

Ora, o Tribunal de Justiça declarou a este respeito que as ofertas conjuntas não figuram entre as práticas enumeradas no anexo I da Diretiva 2005/29 e que esta diretiva se opõe a uma proibição geral e preventiva das ofertas conjuntas independentemente de qualquer verificação do seu caráter desleal à luz dos critérios consagrados nos artigos 5.° a 9.° da referida diretiva (acórdão de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea, C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.os 57 e 62).

31

Assim, é à luz do conteúdo e da economia geral dos artigos 5.° a 9.° da mesma diretiva que deve examinar‑se o caráter eventualmente desleal de práticas comerciais como as que estão em causa no processo principal (v., neste sentido, acórdão de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea, C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.o 58).

32

A este respeito, uma prática comercial só pode ser considerada desleal, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2005/29, se se verificarem dois requisitos, por um lado, ser contrária às exigências relativas à diligência profissional e, por outro, distorcer ou ser suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico de um consumidor médio em relação a um produto (v. acórdão de 19 de dezembro de 2013, Trento Sviluppo e Centrale Adriatica, C‑281/12, EU:C:2013:859, n.o 28). Recorde‑se, neste contexto, que, em conformidade com o considerando 18, esta diretiva toma como critério de avaliação o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, tendo em conta fatores de ordem social, cultural e linguística.

33

Coloca‑se assim, num primeiro momento, a questão de saber se um profissional que, em circunstâncias como as do processo principal, só proponha a venda de computadores equipados com programas pré‑instalados desrespeita as exigências relativas à diligência profissional, definida pelo artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2005/29 como o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional em relação aos consumidores, avaliado de acordo com a prática de mercado honesta e/ou o princípio geral da boa‑fé no âmbito da atividade do profissional.

34

Assim, há que verificar se o comportamento do profissional respeita as práticas de mercado honestas e o princípio geral da boa‑fé no âmbito da sua atividade, in casu, a produção de material informático destinado ao grande público, à luz das expectativas legítimas de um consumidor médio.

35

No caso em apreço, decorre da decisão de reenvio, nomeadamente, que a venda pela Sony de computadores equipados com programas pré‑instalados corresponde, conforme resulta da análise do mercado em causa, às expectativas de grande parte dos consumidores, que preferem a aquisição de computadores assim equipados e de utilização imediata à aquisição separada do computador e dos programas. Por outro lado, ainda segundo essa decisão, antes de proceder à compra do computador em causa no processo principal, V. Deroo‑Blanquart, na qualidade de consumidor, foi devidamente informado, por intermédio do revendedor da Sony, da existência dos programas pré‑instalados nesse computador e das características precisas de cada um desses programas. Por último, após a compra, na primeira utilização do referido computador, a Sony ofereceu a V. Deroo‑Blanquart a possibilidade quer de subscrever o «Contrato de Licença de Utilizador Final», para poder utilizar os referidos programas, quer de obter a resolução da venda.

36

A este respeito, o Tribunal de Justiça já precisou que, mediante uma informação correta do consumidor, uma oferta conjunta de diferentes produtos ou serviços pode satisfazer as exigências de lealdade impostas pela Diretiva 2005/29 (v. acórdão de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea, C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.o 66).

37

Neste contexto, importa salientar que as circunstâncias, como as evocadas no n.o 35 do presente acórdão, a saber, a informação correta do consumidor, a conformidade da proposta conjunta com as expectativas de parte considerável dos consumidores e a possibilidade dada ao consumidor de aceitar todos os elementos dessa proposta ou obter a resolução da venda, são suscetíveis de obedecer às exigências das práticas de mercado honestas e de respeitar o princípio geral da boa‑fé no domínio da produção de material informático destinado ao grande público, dado que o profissional revela um certo cuidado para com o consumidor. Consequentemente, cabe ao órgão jurisdicional nacional, no âmbito da sua apreciação global do conjunto das circunstâncias do processo principal, ter isso em consideração à luz da observância das exigências relativas à diligência profissional.

38

Num segundo momento, há que examinar se a prática comercial que consista na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados sem haver possibilidade de o consumidor adquirir o mesmo modelo de computador não equipado com programas pré‑instalados provoca ou pode provocar uma alteração substancial do comportamento económico do consumidor médio em relação ao produto, a saber, em conformidade com o artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 2005/29, prejudicar sensivelmente a aptidão do consumidor para tomar uma decisão esclarecida, conduzindo‑o, por conseguinte, a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo.

39

A este respeito, decorre da decisão de reenvio que, como referido no n.o 35 do presente acórdão, o consumidor foi devidamente informado, antes de proceder à compra, de que o modelo de computador em causa no processo principal não era comercializado sem programas pré‑instalados.

40

Quanto aos esclarecimentos dados ao consumidor, sublinhe‑se que a informação, antes da celebração do contrato, sobre as condições contratuais e as consequências da referida celebração é de importância fundamental para um consumidor. É com base nesta informação que ele decide se deseja vincular‑se contratualmente a um profissional aderindo às condições redigidas previamente por este (acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 70).

41

Assim, no âmbito do exame do segundo requisito previsto no artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2005/29, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se, em circunstâncias como as do processo principal, a saber, quando um consumidor é devidamente informado, antes de proceder à compra, de que o modelo do computador objeto da venda não é comercializado sem programas pré‑instalados e que, por essa razão, pode escolher livremente outro modelo de computador, de outra marca, com características técnicas comparáveis, vendido sem programas ou associado a outros programas, a aptidão desse consumidor para tomar uma decisão de transação esclarecida fica sensivelmente comprometida.

42

Atendendo às observações expostas, há que responder à segunda e terceira questões que a prática comercial que consista na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados sem haver a possibilidade de o consumidor adquirir o mesmo modelo de computador não equipado com programas pré‑instalados não constitui, enquanto tal, uma prática comercial desleal na aceção do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2005/29, a não ser que essa prática seja contrária às exigências relativas à diligência profissional e distorça ou seja suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor médio em relação a esse produto, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, tendo em conta as circunstâncias específicas do processo principal.

Quanto à primeira questão

43

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, no âmbito de uma proposta conjunta que consista na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados, a falta de indicação do preço de cada um desses programas constitui uma prática comercial enganosa na aceção do artigo 5.o, n.o 4, alínea a), e do artigo 7.o da Diretiva 2005/29.

44

A este respeito, recorde‑se que o artigo 5.o, n.o 4, alínea a), desta diretiva prevê que as práticas comerciais enganosas podem configurar ações enganosas na aceção do artigo 6.o da referida diretiva ou omissões enganosas na aceção do seu artigo 7.o

45

Assim, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2005/29, uma prática comercial é considerada enganosa quando, no seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação utilizado, omita uma informação substancial que seja necessária para que o consumidor médio possa tomar uma decisão de transação esclarecida e, portanto, o conduza ou seja suscetível de o conduzir a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo. O artigo 7.o, n.o 4, alínea c), desta diretiva refere que é considerada substancial a informação sobre o preço, incluindo impostos e taxas.

46

Decorre, portanto, da letra desta última disposição que é considerada informação substancial o preço de um produto cuja venda é proposta, ou seja, o preço global do produto, e não o preço de cada um dos seus elementos. Daqui decorre que esta disposição obriga o profissional a indicar ao consumidor o preço global do produto em causa.

47

No presente caso, como decorre da decisão de reenvio, o preço global do conjunto composto por um computador equipado com programas pré‑instalados foi comunicado a V. Deroo‑Blanquart. Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se, no caso específico de uma proposta conjunta que engloba um computador e vários programas pré‑instalados, os preços dos diversos elementos que compõem um todo que é objeto dessa proposta poderão também constituir informações substanciais.

48

A este respeito, independentemente do facto de a informação sobre os elementos do preço global não figurar entre as informações que o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2005/29 considera substanciais, importa sublinhar que, em conformidade com o considerando 14 desta diretiva, constitui informação substancial a informação‑chave de que o consumidor necessita para tomar uma decisão de transação esclarecida.

49

Além disso, resulta do artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva que a natureza substancial de uma informação deve ser apreciada no contexto em que a prática comercial se inscreve e tendo em conta todas as suas características.

50

Ora, neste caso, como decorre da decisão de reenvio, o computador em causa no processo principal só estava à venda, em todo o caso, equipado com programas pré‑instalados. Atendendo à resposta dada à segunda e terceira questões, tal prática comercial não constitui, enquanto tal, uma prática comercial desleal na aceção do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2005/29.

51

Consequentemente, no contexto de uma proposta conjunta que consiste na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados, a falta de indicação do preço de cada um desses programas não impede o consumidor de tomar uma decisão de transação esclarecida nem é suscetível de o conduzir a tomar uma decisão de transação que não tomaria de outro modo. Consequentemente, o preço de cada um desses programas não constitui uma informação substancial na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2005/29.

52

Atendendo às observações expostas, há que responder à primeira questão que, no âmbito de uma proposta conjunta que consista na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados, a falta de indicação do preço de cada um desses programas não constitui uma prática comercial enganosa na aceção do artigo 5.o, n.o 4, alínea a), e do artigo 7.o da Diretiva 2005/29.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

1)

A prática comercial que consista na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados sem haver a possibilidade de o consumidor adquirir o mesmo modelo de computador não equipado com programas pré‑instalados não constitui, enquanto tal, uma prática comercial desleal na aceção do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais»), a não ser que essa prática seja contrária às exigências relativas à diligência profissional e distorça ou seja suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor médio em relação a esse produto, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, tendo em conta as circunstâncias específicas do processo principal.

 

2)

No âmbito de uma proposta conjunta que consista na venda de um computador equipado com programas pré‑instalados, a falta de indicação do preço de cada um desses programas não constitui uma prática comercial enganosa na aceção do artigo 5.o, n.o 4, alínea a), e do artigo 7.o da Diretiva 2005/29.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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