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Document 62013CC0536

Conclusões do advogado-geral Wathelet apresentadas em 4 de Dezembro de 2014.
«Gazprom» OAO.
Pedido de decisão prejudicial: Lietuvos Aukščiausiasis Teismas - Lituânia.
Reenvio prejudicial - Espaço de liberdade, segurança e justiça - Cooperação judiciária em matéria civil - Regulamento (CE) n.º 44/2001 - Âmbito de aplicação - Arbitragem - Exclusão - Reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras - Injunção decretada por um tribunal arbitral situado num Estado-Membro - Injunção destinada a impedir a propositura ou a prossecução de uma ação num órgão jurisdicional de outro Estado-Membro - Poder dos órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro de recusarem o reconhecimento da sentença arbitral - Convenção de Nova Iorque.
Processo C-536/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2414

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 4 de dezembro de 2014 ( 1 )

Processo C‑536/13

«Gazprom» OAO

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Lituânia)]

«Espaço de liberdade, de justiça e de segurança — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — ‘Anti‑suit injunction’ decretada por um tribunal arbitral situado num Estado‑Membro — Proibição de intentar o processo num órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro — Injunção destinada a limitar os pedidos deduzidos numa ação judicial — Poder de um órgão jurisdicional deste segundo Estado‑Membro de não reconhecer a sentença arbitral — Decisão independente de um órgão jurisdicional sobre a sua competência relativa a um litígio abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Garantia do primado do direito da União e da eficácia do Regulamento (CE) n.o 44/2001»

I – Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto o estatuto da arbitragem e das «anti‑suit injunctions» (injunção de não litigância) à luz do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 2 ) (a seguir «Regulamento Bruxelas I»), que, a partir de 10 de janeiro de 2015 ( 3 ), será substituído pelo Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 4 ) [a seguir «Regulamento Bruxelas I (reformulação)»].

2.

Embora a jurisprudência sobre estas questões seja abundante e amplamente comentada na doutrina, o Tribunal de Justiça decidiu, com base em determinados elementos de facto ou de direito que diferenciam o presente processo, distribuí‑lo à Grande Secção, o que lhe deve permitir esclarecer e clarificar a relação entre o direito da União e a arbitragem internacional, relativamente à qual o advogado‑geral M. Darmon evocou a «importância fundamental» que ela «tem […] na ‘comunidade internacional dos comerciantes’, enquanto «‘método mais frequente de resolução dos litígios do comércio internacional’» ( 5 ).

II – Quadro jurídico

A – Direito da União

1. Regulamento Bruxelas I

3.

No capítulo I do Regulamento Bruxelas I, intitulado «Âmbito de aplicação», o artigo 1.o está redigido nos seguintes termos:

«1.   O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

2.   São excluídos da sua aplicação:

[...]

d) A arbitragem.

[…]»

4.

No capítulo II deste regulamento, intitulado «Competência», o artigo 2.o, n.o 1, enuncia:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

5.

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I:

«Se o requerido não tiver domicílio no território de um Estado‑Membro, a competência será regulada em cada Estado‑Membro pela lei desse Estado‑Membro, sem prejuízo da aplicação do disposto nos artigos 22.° e 23.°»

6.

No capítulo III deste regulamento, intitulado «Reconhecimento e execução», o artigo 32.o dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, considera‑se ‘decisão’ qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro independentemente da designação que lhe for dada […].»

7.

Nos termos do artigo 33.o, n.o 1, deste capítulo III:

«As decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo.»

8.

De acordo com o artigo 34.o do referido capítulo:

«Uma decisão não será reconhecida:

1)

Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido;

[…]»

2. Regulamento Bruxelas I (reformulação)

9.

Quanto à matéria objeto do presente processo, a saber, as relações entre a arbitragem e o Regulamento Bruxelas I, devem mencionar‑se duas disposições do novo regulamento: o seu considerando 12 e o artigo 73.o

10.

O considerando 12 dispõe o seguinte:

«O presente regulamento não deverá aplicar‑se à arbitragem. Nada no presente regulamento deverá impedir que os tribunais de um Estado‑Membro, caso lhes seja submetida uma ação numa matéria para a qual as partes celebraram um acordo de arbitragem, remetam as partes para a arbitragem, suspendam ou encerrem o processo ou examinem se a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação nos termos da lei nacional.

As decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros que determinam se uma convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação não deverão estar sujeitas às regras de reconhecimento e execução estabelecidas no presente regulamento, independentemente de o tribunal ter decidido destes aspetos a título principal ou incidental.

Por outro lado, se um tribunal de um Estado‑Membro, exercendo a sua competência por força do presente regulamento ou da lei nacional, determinar que uma convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação, tal não deverá impedir que a decisão do tribunal quanto ao mérito da questão seja reconhecida ou, consoante o caso, executada nos termos do presente regulamento. Tal não deverá prejudicar a competência dos tribunais dos Estados‑Membros para decidirem do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais de acordo com a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Decisões Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque em 10 de junho de 1958 (a «Convenção de Nova Iorque de 1958»), que prevalece sobre o presente regulamento.

O presente regulamento não deverá aplicar‑se a ações ou processos conexos relativos, nomeadamente, à criação de um tribunal arbitral, aos poderes dos árbitros, à condução do processo arbitral ou a quaisquer outros aspetos desse processo, nem a ações ou decisões em matéria de anulação, revisão, recurso, reconhecimento ou execução de sentenças arbitrais.»

11.

No capítulo VII deste regulamento, intitulado «Relação com outros instrumentos», o artigo 73.o, n.o 2, prevê:

«O presente regulamento não prejudica a aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958.»

B – Convenção de Nova Iorque de 1958

12.

O artigo I da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Decisões Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque em 10 de junho de 1958 (a seguir «Convenção de Nova Iorque de 1958»), dispõe no seu n.o 1:

«A presente Convenção aplica‑se ao reconhecimento e à execução das sentenças arbitrais proferidas no território de um Estado que não aquele em que são pedidos o reconhecimento e a execução das sentenças e resultantes de litígios entre pessoas singulares ou coletivas. Aplica‑se também às sentenças arbitrais que não forem consideradas sentenças nacionais no Estado em que são pedidos o seu reconhecimento e execução.»

13.

O artigo II, n.o 3, desta convenção prevê:

«O tribunal de um Estado Contratante solicitado a resolver um litígio sobre uma questão relativamente à qual as Partes celebraram uma convenção ao abrigo do presente artigo remeterá as Partes para a arbitragem, a pedido de uma delas, salvo se constatar a caducidade da referida convenção, a sua inexequibilidade ou insusceptibilidade de aplicação.»

14.

Nos termos do artigo III da referida convenção:

«Cada um dos Estados Contratantes reconhecerá a autoridade de uma sentença arbitral e concederá a execução da mesma nos termos das regras de processo adotadas no território em que a sentença for invocada, nas condições estabelecidas nos artigos seguintes. […]»

15.

O artigo V da mesma convenção estipula as condições em que o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral podem ser recusados:

«1.

O reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte contra a qual foi invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução foram pedidos a prova:

a)

Da incapacidade das Partes outorgantes da convenção referida no artigo II, nos termos da lei que lhes é aplicável, ou da invalidade da referida convenção ao abrigo da lei a que as Partes a sujeitaram ou, no caso de omissão quanto à lei aplicável, ao abrigo da lei do país em que for proferida a sentença; ou

b)

De que a Parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada quer da designação do árbitro quer do processo de arbitragem, ou de que lhe foi impossível, por outro motivo, deduzir a sua contestação; ou

c)

De que a sentença diz respeito a um litígio que não foi objeto nem de convenção escrita nem de cláusula compromissória, ou que contem decisões que extravasam os termos da convenção escrita ou da cláusula compromissória; no entanto, se o conteúdo da sentença referente a questões submetidas à arbitragem puder ser destacado do referente a questões não submetidas à arbitragem, o primeiro poderá ser reconhecido e executado; ou

d)

De que a constituição do tribunal arbitral ou o processo de arbitragem não estava em conformidade com a convenção das Partes, ou, na falta de tal convenção, de que não estava em conformidade com a lei do país onde teve lugar a arbitragem; ou

e)

De que a sentença ainda não se tornou obrigatória para as Partes, foi anulada ou suspensa por uma autoridade competente do país em que, ou segundo a lei do qual, a sentença foi proferida.

2.

Poderão igualmente ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução foram pedidos constatar:

a)

Que, de acordo com a lei desse país, o objeto do litígio não é suscetível de resolvido por via arbitral; ou

b)

Que o reconhecimento ou a execução da sentença são contrários à ordem pública desse país.»

16.

A Lituânia ratificou a Convenção de Nova Iorque de 1958 com a adoção da Resolução (nutarimas) n.o I‑760 do Parlamento lituano (Seismas), de 17 de janeiro de 1995.

C – Direito lituano

17.

O capítulo X do segundo livro do Código Civil lituano, intitulado «Investigação às atividades de uma pessoa coletiva» compreende os artigos 2.124 a 2.131.

18.

O artigo 2.124 deste Código Civil, intitulado «Conteúdo da investigação às atividades de uma pessoa coletiva», dispõe:

«As pessoas enumeradas no artigo 2.125 […] têm o direito de pedir ao tribunal que nomeie peritos a fim de investigar se uma pessoa coletiva ou os seus órgãos de gestão ou os seus membros atuaram de forma inadequada e, caso se verifiquem atuações inadequadas, aplicar as medidas previstas no artigo 2.131 […]».

19.

Nos termos do artigo 2.125, n.o 1, ponto 1, do referido código, podem intentar uma ação para esse efeito um ou mais acionistas que detenham, pelo menos, uma participação de 10% na pessoa coletiva.

20.

As medidas previstas no artigo 2.131 deste mesmo código incluem, entre outras, a anulação das decisões adotadas pelos órgãos de gestão da pessoa coletiva, a exclusão ou a suspensão temporária dos poderes dos membros dos seus órgãos e a possibilidade de obrigar a pessoa coletiva a praticar ou a não praticar determinados atos.

III – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21.

A Lietuvos dujos AB (a seguir «Lietuvos dujos») é uma sociedade anónima de direito lituano que tem como atividade económica a compra de gás à «Gazprom» OAO (a seguir «Gazprom») (Federação da Rússia), o seu transporte e a sua distribuição na Lituânia, bem como a gestão dos gasodutos e o encaminhamento do gás para a região de Kalininegrado, na Federação da Rússia. Não está envolvida na exploração ou na produção de gás.

22.

À data dos factos do presente processo, a sociedade alemã E.ON Ruhrgas International GmbH (38,91%), a empresa pública russa Gazprom (37,1%) e a República da Lituânia (17,7%) eram as principais acionistas da Lietuvos dujos.

23.

A Gazprom tem uma estrutura integrada verticalmente e beneficia de uma posição dominante no setor do gás. Adquiriu a sua participação no capital social da Lietuvos dujos pelo acordo de compra e venda de ações de 24 de janeiro de 2004 ( 6 ). O artigo 7.4.1 deste acordo prevê:

«[A Gazprom] assegura o fornecimento de gás natural aos consumidores da República da Lituânia por um período de 10 anos e em quantidade suficiente para satisfazer, pelo menos, 90% dos pedidos de todos os consumidores da República da Lituânia. O fornecimento de gás natural à República da Lituânia deve ser baseado em preços equitativos que tenham em conta as condições do mercado dos fornecedores de energia da República da Lituânia.»

24.

O artigo 7.4.2.3 do referido acordo prevê:

«O preço do gás natural é fixado segundo a fórmula constante do acordo de fornecimento de gás celebrado entre a [Gazprom] e a [Lietuvos dujos]. Esta fórmula pode ser alterada em conformidade com as dinâmicas dos preços dos combustíveis de substituição na República da Lituânia.»

25.

A seguir, designarei o acordo para o qual remete o artigo 7.4.2.3 de «contrato de gás de longa duração».

26.

Este contrato de gás de longa duração, celebrado em 1999, isto é, antes da entrada da Gazprom no capital social da Lietuvos dujos, respeitava ao período de 2000 a 2015 e foi alterado por diversas vezes no âmbito de negociações entre a Gazprom e a Lietuvos dujos.

27.

Em 24 de março de 2004, a Gazprom também celebrou um «acordo de acionistas» com a E.ON Ruhrgas International GmbH e com o Fundo dos bens do Estado, agindo por conta da República da Lituânia, o qual foi depois substituído pelo Ministério da Energia da República da Lituânia.

28.

O artigo 6.1(1.9) deste acordo dispõe que os acionistas «[…] devem procurar assegurar […] a manutenção, nos termos e condições mutuamente aceitáveis e vantajosos para a [Lietuvos dujos] e para os [acionistas] e com base nas obrigações contratuais entre a [Lietuvos dujos] e a [Gazprom], do: (i) trânsito do gás de longa duração no enclave de Kalininegrado da Federação da Rússia […], (iii) fornecimento de gás de longa duração da Lietuvos dujos».

29.

O acordo de acionistas está sujeito ao direito lituano. O artigo 7.14 deste acordo contém uma convenção de arbitragem nos termos da qual «[t]odos os pedidos, litígios ou infrações relacionados com este acordo ou com a sua violação, a sua validade, os seus efeitos ou a sua rescisão serão definitivamente julgados por meio de arbitragem, em conformidade com o regulamento de arbitragem do Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo. A arbitragem terá lugar em Estocolmo, Suécia, os árbitros serão em número de três (todos nomeados pelo Instituto de Arbitragem) e a língua da arbitragem será o inglês» ( 7 ).

30.

Em 8 de fevereiro de 2011, o Ministério da Energia dirigiu‑se por carta ao diretor geral da Lietuvos dujos, V. Valentukevičius, e a dois membros do conselho de administração desta sociedade, V. Golubev e K. Seleznev, ambos designados pela Gazprom, censurando‑os por não terem agido no interesse da Lietuvos dujos aquando das alterações introduzidas na fórmula de cálculo do preço do gás constante do contrato de gás de longa duração.

31.

Em 25 de março de 2011, o Ministério da Energia intentou uma ação contra a Lietuvos dujos e contra V. Valentukevičius, V. Golubev e K. Seleznev, no Vilniaus apygardos teismas (tribunal regional de Vilnius), a fim de obter uma investigação às atividades da Lietuvos dujos (artigos 2.124 e segs. do Código Civil lituano).

32.

Nessa ação, o Ministério da Energia alegou que os interesses da República da Lituânia, enquanto acionista da Lietuvos dujos, tinham sido lesados, e os da Gazprom haviam sido indevidamente favorecidos pelas alterações do contrato de gás de longa duração, na medida em que o preço a que a Lietuvos dujos comprava o gás da Gazprom não era equitativo. Entre outros pedidos, o Ministério da Energia solicitava ao tribunal lituano que destituísse V. Valentukevičius, V. Golubev e K. Seleznev e obrigasse a Lietuvos dujos a encetar negociações com a Gazprom com vista à fixação de um preço equitativo e justo de compra do gás.

33.

Por considerar que essa ação violava a convenção de arbitragem constante do artigo 7.14 do acordo de acionistas, a Gazprom apresentou, em 29 de agosto de 2011, um pedido de arbitragem contra o Ministério da Energia no Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo e pediu ao Tribunal Arbitral que condenasse o Ministério da Energia a desistir da ação intentada no tribunal lituano. O Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo registou este pedido de arbitragem sob o número de processo V (125/2011).

34.

Em 9 de dezembro de 2011, o Ministério da Energia alterou o objeto da sua ação. Na petição alterada, entre outros, desistiu do pedido de destituição de V. Valentukevičius, V. Golubev e K. Seleznev, mas manteve o seu pedido de condenação da Lietuvos dujos a encetar negociações com a Gazprom com vista à fixação de um preço equitativo e justo de compra de gás.

35.

Em março de 2012, o conflito entre a Gazprom e a República da Lituânia foi alargado a outra arbitragem internacional iniciada pela Gazprom no Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia. Com esta arbitragem, a Gazprom contestou a decisão do Governo lituano de proceder, em conformidade com o artigo 9.o da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE ( 8 ), à separação das atividades da Lietuvos dujos de gestão da rede de transporte de gás, das atividades de produção e de fornecimento de gás, o que implicava que a Gazprom deixava de poder ser acionista da Lietuvos dujos.

36.

Nesta segunda arbitragem internacional, a Gazprom alega que, ao transpor e ao executar aquela diretiva, a República da Lituânia violou as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, de 29 de junho de 1999, relativo ao incentivo e à proteção recíproca dos investimentos, celebrado entre o Governo da Federação da Rússia e o Governo da República da Lituânia ( 9 ).

37.

Em 31 de julho de 2012, o Tribunal Arbitral constituído no processo V (125/2011) proferiu uma sentença («final award», a seguir «sentença arbitral») na qual deu provimento parcial ao pedido da Gazprom ( 10 ). De acordo com o Tribunal Arbitral, a ação intentada pelo Ministério da Energia no Vilniaus apygardos teismas violou parcialmente a convenção de arbitragem constante do acordo de acionistas. Por conseguinte, obrigou o Ministério da Energia, simultaneamente, a desistir de determinados pedidos que tinha formulado no Vilniaus apygardos teismas (nomeadamente de condenar a Lietuvos dujos a encetar negociações com a Gazprom com vista à fixação de um preço equitativo e justo de compra de gás) e a reformular um desses pedidos, de forma a respeitar o compromisso assumido pelo Ministério da Energia de submeter a arbitragem os litígios abrangidos pelo âmbito de aplicação do acordo de acionistas.

38.

Em 3 de setembro de 2012, o Vilniaus apygardos teismas deferiu a ação do Ministério da Energia e decidiu nomear peritos para procederem a uma investigação às atividades da Lietuvos dujos. Declarou também que essa ação era da sua competência e não podia ser objeto de uma arbitragem, nos termos do direito lituano.

39.

A Lietuvos dujos bem como V. Valentukevičius, V. Golubev e K. Seleznev interpuseram recurso daquela decisão no Lietuvos apeliacinis teismas (tribunal de recurso da Lituânia). A Gazprom submeteu a esse mesmo tribunal um pedido de reconhecimento e de execução da sentença arbitral, em aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958.

40.

Em outubro de 2012, a República da Lituânia pediu uma arbitragem contra a Gazprom no Instituto de Arbitragem da Câmara do Comércio de Estocolmo, alegando que as alterações introduzidas no contrato de gás de longa duração entre os anos de 2004 e de 2012 eram contrárias às cláusulas do acordo de compra e venda de ações de 24 de janeiro de 2004, e pediu uma indemnização de cerca de 1,9 mil milhões de dólares americanos (USD) ( 11 ).

41.

Por despacho de 17 de dezembro de 2012, o Lietuvos apeliacinis teismas negou provimento ao pedido da Gazprom, com fundamento no artigo V, n.o 2, alíneas a) e b), da Convenção de Nova Iorque de 1958.

42.

Mais especificamente, o Lietuvos apeliacinis teismas considerou que o Tribunal Arbitral não tinha competência para decidir sobre uma questão já suscitada e analisada pelo Vilniaus apygardos teismas, o qual, por despacho de 3 de setembro de 2012, tinha declarado que os conflitos referidos no artigo 2.134 do Código Civil não estavam sujeitos a arbitragem. Por conseguinte, o Lietuvos apeliacinis teismas podia recusar reconhecer e executar a sentença arbitral, com fundamento no artigo V, n.o 2, alínea a), da Convenção de Nova Iorque de 1958.

43.

O Lietuvos apeliacinis teismas também considerou que, ao limitar a capacidade do Estado lituano de litigar num tribunal lituano e ao negar a competência dos tribunais lituanos para se pronunciarem sobre a sua própria competência, a sentença arbitral violava o princípio da independência das autoridades judiciárias consagrado no artigo 109.o, n.o 2, da Constituição lituana. Por conseguinte, o Lietuvos apeliacinis teismas concluiu que a sentença arbitral violava a ordem pública lituana e recusou reconhecê‑la e executá‑la, desta vez com fundamento no artigo V, n.o 2, alínea b), da Convenção de Nova Iorque de 1958.

44.

Por despacho de 21 de fevereiro de 2013, o Lietuvos apeliacinis teismas negou provimento ao recurso da Lietuvos dujos e de V. Valentukevičius, V. Golubev e K. Seleznev contra a decisão do Vilniaus apygardos teismas de abrir uma investigação às atividades da Lietuvos dujos.

45.

Estes dois despachos do Lietuvos apeliacinis teismas foram objeto de recursos de cassação para o órgão jurisdicional de reenvio que, por despacho de 21 de novembro de 2013, decidiu suspender a apreciação do recurso da decisão do Lietuvos apeliacinis teismas relativa à investigação às atividades da Lietuvos dujos, até decidir o recurso relativo ao reconhecimento e à execução da sentença arbitral.

46.

No âmbito deste último recurso, a Gazprom pediu a anulação do despacho, de 17 de dezembro de 2012, do Lietuvos apeliacinis teismas e a adoção de um novo despacho a fim de dar provimento ao seu pedido de reconhecimento e de execução da sentença arbitral. O Ministério da Energia pediu que fosse negado provimento a esse recurso com fundamento no artigo V, n.o 2, alínea b), da Convenção de Nova Iorque de 1958, alegando que a sentença arbitral constituía uma «anti‑suit injunction» e que o seu reconhecimento e a sua execução seriam contrários ao Regulamento Bruxelas I, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (C‑185/07, EU:C:2009:69).

47.

Nestas circunstâncias, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Quando um tribunal arbitral decreta uma […] «anti‑suit injunction» [(injunção de não litigância)] e, desse modo, proíbe uma parte de apresentar determinados pedidos num [órgão jurisdicional] de um Estado‑Membro que, nos termos das regras relativas à competência previstas no Regulamento Bruxelas I, é competente para julgar o mérito do processo cível, pode o [órgão jurisdicional desse] Estado‑Membro recusar reconhecer [essa] sentença do tribunal arbitral por esta limitar o [seu] direito de [se pronunciar, ele próprio, sobre a sua] competência para decidir a causa nos termos das regras relativas à competência previstas no Regulamento [n.o 44/2001]?

2)

No caso de resposta afirmativa à primeira questão, [ela] é igualmente [válida] quando uma injunção de não litigância […] decretada pelo tribunal arbitral obriga uma parte no processo a limitar os [seus] pedidos […] num processo que está a ser julgado noutro Estado‑Membro e o [órgão jurisdicional] desse Estado‑Membro tem competência para julgar o processo nos termos das regras relativas à competência previstas no Regulamento [n.o 44/2001]?

3)

[U]m [órgão jurisdicional] nacional que pretende salvaguardar o primado do direito da União […] e a plena eficácia do Regulamento [n.o 44/2001 pode] recusar reconhecer uma sentença de um tribunal arbitral se [esta] limitar o direito [do órgão jurisdicional] nacional [de] decidir sobre a sua própria competência e [os seus] poderes num processo abrangido pelo [âmbito de aplicação do] Regulamento [n.o 44/2001]?»

48.

Em 10 de junho de 2014, o Conselho da Concorrência da República da Lituânia anunciou ter aplicado à Gazprom uma coima de 123096700 litas lituanas (LTL) (cerca de 35,6 milhões de euros) por violação das condições que lhe tinham sido impostas aquando da aquisição da sua participação no capital social da Lietuvos dujos ( 12 ).

49.

Em 12 de junho de 2014, a Gazprom anunciou a sua decisão de vender essa participação ( 13 ).

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

50.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de outubro de 2013. A Gazprom, os Governos lituano, alemão, espanhol, francês, austríaco e do Reino Unido, bem como a Confederação Suíça e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

51.

Em 4 de julho de 2014, em conformidade com o artigo 61.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça colocou duas questões às partes, para resposta escrita antes da audiência e o mais tardar em 31 de julho de 2014. A Gazprom, os Governos lituano, alemão, espanhol, francês e do Reino Unido, bem como a Confederação Suíça e a Comissão entregaram as suas respostas no prazo previsto.

52.

Foi realizada uma audiência em 30 de setembro de 2014, na qual a Gazprom, os Governos lituano, alemão, espanhol, francês e do Reino Unido, bem como a Confederação Suíça e a Comissão apresentaram as suas observações orais.

V – Análise

A – Observações preliminares

1. Quanto à competência do Tribunal de Justiça

53.

Na página 10 do seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a ação intentada no Vilniaus apygardos teismas pelo Ministério da Energia contra a Lietuvos dujos e V. Valentukevičius, V. Golubev e K. Seleznev ( 14 ) tem por fundamento uma aplicação por analogia («mutatis mutandis») do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Bruxelas I.

54.

Ora, esta disposição do regulamento prevê que uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro «pode também ser demandada […] [s]e se tratar de chamamento de um garante à ação ou de qualquer incidente de intervenção de terceiros, perante o tribunal onde foi instaurada a ação principal, salvo se esta tiver sido proposta apenas com o intuito de subtrair o terceiro à jurisdição do tribunal que seria competente nesse caso».

55.

Na minha opinião, esta disposição é manifestamente inaplicável neste caso, na medida em que a ação em causa não diz respeito nem ao chamamento de um garante à ação, nem a um incidente de intervenção.

56.

Na audiência, o Governo lituano sugeriu que se tratava de um erro de escrita do órgão jurisdicional de reenvio, sendo a sua intenção invocar o artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento ( 15 ), que também não parece ser aplicável, uma vez que permite que uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro seja demandada nos órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro onde tenha domicílio um dos seus co‑demandados. No presente caso, com exceção de V. Golubev e de K. Seleznev, que têm domicílio no território de um Estado terceiro, os demandados têm domicílio na Lituânia.

57.

É certo que o Tribunal de Justiça podia recusar responder às presentes questões prejudiciais, por falta de competência dos tribunais lituanos devidamente fundamentada no Regulamento Bruxelas I. Todavia, o Tribunal de Justiça podia estabelecer a sua própria competência relativamente à Lietuvos dujos e ao seu diretor‑geral, V. Valentukevičius, com base no artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento ( 16 ), uma vez que o elemento de estraneidade necessário para a aplicabilidade deste artigo (e do regulamento) resulta do domicílio de dois dos co‑demandados (V. Golubev e K. Seleznev) na Federação da Rússia ( 17 ), caso em que seria competente para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2. Quanto à admissibilidade das questões

58.

Segundo jurisprudência constante, «as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas» ( 18 ).

59.

Ora, neste caso, o órgão jurisdicional de reenvio esclareceu, na página 9 do seu pedido de decisão prejudicial, que «a questão do início da investigação de uma pessoa coletiva não pode ser sujeita a arbitragem».

60.

Como realçaram o Governo francês e a Comissão, existe, consequentemente, uma base jurídica, neste caso o artigo V, n.o 2, alínea a), da Convenção de Nova Iorque de 1958 ( 19 ), na qual o órgão jurisdicional de reenvio pode recusar o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral, como aliás já fez o Lietuvos apeliacinis teismas ( 20 ).

61.

Por conseguinte, na minha opinião, é concebível que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça não sejam pertinentes para o litígio do processo principal, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio pode perfeitamente prescindir das respostas àquelas questões para decidir o litígio que lhe foi submetido. As presentes conclusões partem, evidentemente, da hipótese de o Tribunal de Justiça julgar admissíveis as questões submetidas.

3. Trata‑se realmente de uma «anti‑suit injunction»?

62.

No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio qualifica a sentença arbitral de «anti‑suit injunction», na medida em que ordena ao Ministério da Energia que desista de determinados pedidos que tinha apresentado nos tribunais lituanos.

63.

Neste sentido, a sentença arbitral é semelhante às «anti‑suit injunctions» do direito inglês que foram objeto dos acórdãos Turner (C‑159/02, EU:C:2004:228) e Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69). No direito inglês, a «anti‑suit injunction» é um despacho de um tribunal inglês que ordena a uma parte sujeita in personam à competência dos tribunais ingleses ( 21 ) que não inicie ou não prossiga com determinados pedidos, desista deles ou faça as diligências necessárias para pôr termo ou suspender um processo pendente num tribunal estatal ou arbitral estabelecido num país estrangeiro ( 22 ).

64.

A «anti‑suit injunction» não é dirigida contra o juiz estrangeiro e só se destina a uma parte demandada num tribunal inglês ( 23 ).

65.

A parte à qual a «anti‑suit injunction» se destina e que não a respeite, sujeita‑se a que seja intentado contra ela um processo por desobediência ao tribunal («contempt of court»), que pode acarretar sanções penais e a confiscação de bens situados no Reino Unido ( 24 ). Evidentemente, é possível que a «anti‑suit injunction» não tenha nenhum efeito, se a parte à qual se destina não estiver presente ou não tiver bens no Reino Unido, mas nenhuma decisão proferida em violação de uma «anti‑suit injunction» será reconhecida ou executada no Reino Unido ( 25 ).

66.

Como refere o Governo francês na sua resposta escrita às questões do Tribunal de Justiça, não foi proferida nenhuma injunção deste tipo no litígio do processo principal. Com efeito, ao contrário das «anti‑suit injunctions» objeto dos acórdãos Turner (EU:C:2004:228) e Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69), o incumprimento da sentença arbitral pelo Ministério da Energia não lhe acarreta nenhuma sanção ( 26 ).

67.

Assim sendo, a sentença arbitral e a injunção nela contida vinculam a pessoa à qual se destina ordenando‑lhe que desista de parte da sua ação nos tribunais lituanos, na medida em que, de acordo com o Tribunal Arbitral, essa ação está parcialmente abrangida pelo âmbito de aplicação da convenção de arbitragem. É neste sentido que, à semelhança das «anti‑suit injunctions» objeto dos acórdãos Turner (EU:C:2004:228) e Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69), a sentença arbitral pode prejudicar, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o efeito útil do Regulamento Bruxelas I. Desenvolverei o meu raciocínio com base nesta hipótese.

B – Quanto à primeira questão

68.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se pode recusar reconhecer uma «anti‑suit injunction» arbitral pelo facto de esta limitar o seu «direito de [se pronunciar, ele próprio, sobre a sua] competência para decidir a causa nos termos das regras relativas à competência previstas no Regulamento [n.o 44/2001]».

69.

Consequentemente, há que verificar se o Regulamento Bruxelas I é realmente aplicável ao caso vertente ou se só a Convenção de Nova Iorque de 1958 é aplicável ao litígio do processo principal.

1. É o Regulamento Bruxelas I aplicável por força do seu artigo 71.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo?

70.

A fim de se situar no âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I, o órgão jurisdicional de reenvio apoia‑se no seu artigo 71.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, que dispõe que: «[s]e uma convenção relativa a uma matéria especial, de que sejam partes o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro requerido, tiver estabelecido as condições para o reconhecimento e execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. Em qualquer caso, pode aplicar‑se o disposto no presente regulamento, no que respeita ao processo de reconhecimento e execução de decisões» ( 27 ).

71.

Na minha opinião, tal como defendem o Governo alemão e a Confederação Suíça, esta disposição não é aplicável neste caso, uma vez que o seu âmbito de aplicação está limitado às convenções celebradas entre os Estados‑Membros que estabelecem «as condições de reconhecimento e execução das decisões». Este termo «decisões» está definido no artigo 32.o daquele regulamento como «qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação pelo secretário do tribunal do montante das custas do processo» ( 28 ). É evidente que um tribunal arbitral constituído com base numa convenção de arbitragem celebrada livremente entre duas partes (como o que proferiu a sentença arbitral em causa no processo principal) não é um tribunal de um Estado‑Membro ( 29 ).

72.

Além disso, o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), do Regulamento Bruxelas I exclui a arbitragem do seu âmbito de aplicação. Isto implica, como aliás defendem a Gazprom, os Governos alemão, francês e do Reino Unido, a Comissão e a Confederação Suíça, que o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais, como os que estão em causa no processo principal, devem estar sujeitos apenas à Convenção de Nova Iorque de 1958.

73.

No caso vertente, de acordo com estes intervenientes, uma vez que o próprio órgão jurisdicional de reenvio foi chamado a pronunciar‑se no quadro de um processo de reconhecimento e de execução ao abrigo daquela convenção, o reconhecimento e a execução da sentença arbitral em causa estão abrangidos exclusivamente pela referida convenção ( 30 ). Por conseguinte, não existe uma questão de direito da União à qual o Tribunal de Justiça seja competente para responder ao abrigo do artigo 267.o TFUE.

2. É o Regulamento Bruxelas I aplicável por força do acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69)?

74.

Como refere o Governo francês na sua resposta às perguntas do Tribunal de Justiça, «o acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali [(EU:C:2009:69)] veio suscitar dúvidas sobre o alcance da exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação do Regulamento [Bruxelas I]».

75.

Durante o mês de agosto de 2000, o Front Comor, um navio pertencente à West Tankers Inc. (a seguir «West Tanckers») e afretado pela Erg Petroli SpA (a seguir «Erg Petroli») causou danos num cais de embarque, em Siracusa, pertencente à Erg Petroli. O contrato de afretamento estava sujeito ao direito inglês e continha uma cláusula que previa uma arbitragem em Londres.

76.

A Erg Petroli reclamou uma indemnização às suas seguradoras, a Allianz SPA (a seguir «Alianz») e a Generali Assicurazioni Generali SPA (a seguir «Generali»), até ao limite da cobertura do seu seguro e intentou, em Londres, um processo de arbitragem contra a West Tankers, pelo valor remanescente. Depois de terem pago à Erg Petroli, ao abrigo das apólices de seguro, a indemnização pelo prejuízo que esta tinha sofrido, as seguradoras intentaram, a título sub‑rogatório, uma ação contra a West Tankers no Tribunale di Siracusa (Itália) a fim de recuperarem as quantias pagas à Erg Petroli. A West Tankers deduziu uma exceção de incompetência desse tribunal com base na existência da convenção de arbitragem.

77.

Dado que o local da arbitragem era Londres, a West Tankers intentou um processo nos tribunais ingleses a fim de obter uma «anti‑suit injunction» que proibisse a Allianz e a Generali de, simultaneamente, recorrerem a um processo diferente da arbitragem e prosseguirem com o processo intentado no Tribunale di Siracusa.

78.

Os tribunais ingleses deferiram aquele pedido, mas a House of Lords perguntou ao Tribunal de Justiça se, tendo em conta a diferença das circunstâncias do processo que deu origem ao acórdão Turner (EU:C:2004:228) ( 31 ), tinha competência para proferir uma «anti‑suit injunction» compatível com o Regulamento Bruxelas I, pelo facto de o seu artigo 1.o, n.o 2, alínea d), excluir a arbitragem do respetivo âmbito de aplicação.

79.

O Tribunal de Justiça começou a sua análise admitindo que, enquanto processo estatal de suporte a uma arbitragem, «[u]m processo como o da causa principal, que leva à prolação de uma «anti‑suit injunction», não pode, consequentemente, ser abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento[Bruxelas I]» ( 32 ).

80.

O Tribunal de Justiça declarou, em seguida, que «[t]odavia, embora um processo não esteja abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento [Bruxelas I], pode, não obstante, ter consequências que prejudicam o efeito útil deste, a saber, impedir a realização dos objetivos de unificação das regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial assim como de liberdade de circulação de decisões nessa mesma matéria. É o que se passa, designadamente, quando tal processo impede um tribunal de outro Estado‑Membro de exercer as competências que lhe são atribuídas em virtude do Regulamento [Bruxelas I]» ( 33 ).

81.

Portanto, o Tribunal de Justiça considerou «[que] est[ava] também abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento uma questão prévia sobre a aplicabilidade de uma convenção de arbitragem, designadamente sobre a sua validade» ( 34 ).

82.

Com este fundamento, o Tribunal de Justiça respondeu negativamente à questão da House of Lords, declarando que o processo intentado pela Allianz e pela Generali contra a West Tankers no Tribunale di Siracusa estava, ele próprio, abrangido pelo Regulamento Bruxelas I ( 35 ), e isto apesar da convenção de arbitragem que vinculava as partes. Acrescentou que a «anti‑suit injunction» em causa não respeitava o direito do tribunal italiano de determinar, ele próprio, se era competente para decidir do litígio que lhe tinha sido submetido ( 36 ), e que, por conseguinte, era contrária ao princípio da confiança mútua entre os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros e que impedia o acesso à justiça estatal de um demandante que considerava a convenção de arbitragem nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação ( 37 ).

83.

Em conclusão, o Tribunal de Justiça declarou que a «anti‑suit injunction» em causa naquele processo era incompatível com o Regulamento Bruxelas I.

84.

Nesta base, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, tal como uma «anti‑suit injunction» emitida por um tribunal estatal, uma «anti‑suit injunction» proferida por um tribunal arbitral viola o efeito útil do Regulamento Bruxelas I.

85.

Esta tese é admissível na medida em que, no processo que deu origem ao acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69), a House of Lords foi, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, chamada a pronunciar‑se num processo que não se enquadrava, como declarou o Tribunal de Justiça, no âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I ( 38 ), a saber, um pedido destinado a obter uma «anti‑suit injunction» contra uma parte que tinha instaurado processos em Itália, em violação de uma convenção de arbitragem que a obrigava a submeter todos os litígios a arbitragem em Londres ( 39 ). Ora, o pedido de reconhecimento e de execução da sentença arbitral em causa no processo principal também não se enquadra no âmbito de aplicação deste regulamento.

86.

O Regulamento Bruxelas I foi declarado aplicável naquele caso com base noutro processo, a saber, o processo intentado no tribunal italiano, cujo objeto, tal como o da ação destinada a obter uma investigação às atividades da Lietuvos dujos ( 40 ), se enquadrava no âmbito de aplicação daquele regulamento, em especial do seu artigo 5.o, n.o 3. No presente caso, o mérito da ação do Ministério da Energia destinada a obter a abertura de uma investigação às atividades da Lietuvos dujos também se enquadra no âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I, mais especificamente no seu artigo 2.o ( 41 ).

87.

A este propósito, os Governos alemão, francês e do Reino Unido, a Confederação Suíça e a Comissão consideram que o Regulamento Bruxelas I não é aplicável ao processo principal, uma vez que a arbitragem está excluída do seu âmbito de aplicação. Todavia, se isso fosse tão simples, o Tribunal de Justiça não teria declarado a «anti‑suit injunction» objeto do seu acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) incompatível com o Regulamento Bruxelas I ( 42 ).

88.

Neste sentido, a situação da House of Lords, chamada a pronunciar‑se numa matéria estranha ao âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I é análoga à do órgão jurisdicional de reenvio, que também foi chamado a pronunciar‑se num pedido de reconhecimento e de execução de uma sentença arbitral, igualmente excluída do âmbito de aplicação do mesmo regulamento. Além disso, dado que, ao mesmo tempo, o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se numa ação abrangida pelo âmbito de aplicação do referido regulamento, a saber, o pedido de abertura de uma investigação às atividades da Lietuvos dujos, a sua posição é idêntica à do Tribunale di Siracusa no acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69). Ora, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou a «anti‑suit injunction» incompatível com o Regulamento Bruxelas I, conclusão que o órgão jurisdicional de reenvio considera aplicável ao litígio do processo principal. Não partilho desta tese, pelas razões que passo a desenvolver.

3. Resposta à questão prejudicial.

89.

Duas circunstâncias levam‑me a propor ao Tribunal de Justiça que responda pela negativa a esta questão.

a) Exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I (reformulação)

90.

O Governo espanhol considera que, por razões temporais, o Tribunal de Justiça não deveria ter em conta o Regulamento Bruxelas I (reformulação) na sua resposta ao presente pedido de decisão prejudicial.

91.

É certo que este regulamento só será aplicável a partir de 15 de janeiro de 2015, mas, tal como a Gazprom, os Governos lituano, alemão e francês, a Comissão e a Confederação Suíça, penso que o Tribunal de Justiça deve tê‑lo em conta no presente processo, uma vez que a principal novidade deste regulamento, que reproduz a exclusão da arbitragem do seu âmbito de aplicação, não reside tanto no texto do dispositivo, mas sobretudo no seu considerando 12, que, na realidade, um pouco à maneira de uma lei interpretativa retroativa, explica como essa exclusão deve e sempre deveria ter sido interpretada.

92.

Antes de analisar melhor o alcance deste considerando 12, é útil examinar os seus antecedentes legislativos.

93.

O artigo 73.o do Regulamento Bruxelas I prevê um procedimento de reforma deste regulamento, a saber, que, o mais tardar em 1 de março de 2007, a Comissão devia apresentar ao Parlamento Europeu, ao Conselho da União Europeia e ao Comité Económico e Social um relatório relativo à sua aplicação, acompanhado de propostas para a respetiva adaptação.

94.

No âmbito deste procedimento, a Comissão encomendou aos professores Hess, Pfeiffer e Schlosser a redação de um relatório (denominado «relatório Heidelberg») sobre a aplicação do Regulamento Bruxelas I ( 43 ). Este relatório foi publicado em 2007, antes da prolação do acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69).

95.

Embora tenham admitido que o Regulamento Bruxelas I não deveria tratar questões reguladas pela Convenção de Nova Iorque de 1958, os autores do relatório de Heidelberg propuseram uma série de novas disposições que teriam permitido uma ingerência do referido regulamento no domínio da arbitragem, a fim de tratar questões de correlação entre estes dois textos, como, por exemplo, a questão do recurso a um tribunal estatal que declarou a invalidade de uma convenção de arbitragem ou do recurso a um tribunal estatal na sua qualidade de instância de apoio da arbitragem.

96.

O relatório Heidelberg foi seguido da leitura das conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2008:466, n.os 71 e 73), onde esta referia a falta «de mecanismos para coordenar a competência [das instâncias arbitrais] com a competência dos órgãos jurisdicionais estatais» e propunha que «a solução apenas poderia ser dada pela inclusão da arbitragem no sistema do Regulamento [Bruxelas I]».

97.

O Tribunal de Justiça subscreveu a análise da advogada‑geral J. Kokott citando diversas vezes as suas conclusões [acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69, n.os 20, 26 e 29)].

98.

Os comentários críticos desse acórdão provieram essencialmente do mundo do direito internacional privado e da arbitragem, consistindo o essencial da crítica no facto de, na realidade, o referido acórdão ter alargado o âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I à arbitragem de uma maneira que podia comprometer a eficácia desta ( 44 ).

99.

A esta crítica acrescento também que o referido acórdão contrastava com três acórdãos anteriores do Tribunal de Justiça, a saber, os acórdãos Hoffmann (145/86, EU:C:1988:61), Rich (C‑190/89, EU:C:1991:319) e Van Uden (C‑391/95, EU:C:1998:543).

100.

O acórdão Hoffmann (EU:C:1988:61) dizia respeito à execução nos Países Baixos, de uma decisão alemã que condenava um marido a pagar uma pensão de alimentos ao cônjuge, com fundamento nas suas obrigações de assistência decorrentes do casamento. Tal decisão pressupunha, necessariamente, a existência do vínculo matrimonial. O Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos) colocou a questão de saber se a dissolução desse vínculo matrimonial, resultante de uma sentença de divórcio proferida por uma jurisdição neerlandesa, podia pôr termo à execução da decisão alemã, mesmo no caso de esta permanecer executória na Alemanha por falta de reconhecimento da sentença de divórcio.

101.

Tal como a arbitragem, o estado civil das pessoas, do qual fazem parte o casamento e o divórcio, estava excluído do âmbito de aplicação da Convenção, de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32, a seguir «Convenção de Bruxelas»). Em contrapartida, o pagamento de uma pensão de alimentos, uma vez que não é uma questão de estado civil, estava abrangido pela Convenção de Bruxelas, o que implicava que os órgãos jurisdicionais neerlandeses estavam a priori obrigados pela convenção a reconhecer e a executar a decisão alemã, o que seria inconciliável com a sentença de divórcio neerlandesa.

102.

O Tribunal de Justiça declarou que «a [Convenção de Bruxelas] não se opõe a que o juiz do Estado requerido tire as consequências de um julgamento nacional decretando o divórcio no âmbito da execução da decisão estrangeira sobre [as obrigações de] alimentos» ( 45 ), o que implicava que o Hoge Raad der Nederlanden não era obrigado a reconhecer e a executar a decisão alemã que, no entanto, estava abrangida pelo âmbito de aplicação daquela convenção.

103.

No acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69), apesar de, à semelhança do estado civil das pessoas, a arbitragem se encontrar excluída do âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I, o Tribunal de Justiça declarou que os tribunais ingleses não podiam aplicar o seu direito nacional em toda a sua a plenitude e proferir «anti‑suit injunctions» como suporte de uma arbitragem. Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça restringiu o alcance da exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação daquele regulamento ( 46 ).

104.

O acórdão Rich (EU:C:1991:319) dizia respeito a um contrato de a compra de petróleo celebrado entre uma sociedade suíça e uma sociedade italiana. Este contrato estava subordinado ao direito inglês e continha uma convenção de arbitragem. Quando o comprador (a sociedade suíça) invocou uma grave deterioração da carga, o vendedor (a sociedade italiana) demandou‑o no Tribunale di Genova (Itália) a fim de obter uma declaração que o desobrigasse de qualquer responsabilidade a seu respeito.

105.

Conforme convencionado no contrato, a sociedade suíça iniciou a arbitragem em Londres, tendo a sociedade italiana recusado participar e nomear o seu árbitro, o que impedia a respetiva prossecução. A sociedade suíça pediu aos tribunais ingleses, na sua qualidade de instância de apoio à arbitragem, a nomeação de um árbitro em representação da sociedade italiana.

106.

Como no processo que deu origem ao acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69), a sociedade italiana alegou que o verdadeiro litígio entre as partes estava relacionado com a questão de saber se o contrato em causa continha ou não uma convenção de arbitragem, se esse litígio se enquadrava no âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas e se devia, consequentemente, ser julgado em Itália.

107.

Por conseguinte, colocava‑se a questão de saber se o processo iniciado nos tribunais ingleses para a nomeação do árbitro se enquadrava no âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas.

108.

O Tribunal de Justiça declarou que «ao excluir do âmbito de aplicação da Convenção [de Bruxelas] a matéria da arbitragem por esta ser já objeto de convenções internacionais [designadamente, a Convenção de Nova Iorque de 1958], as partes contratantes pretenderam excluir a arbitragem enquanto matéria no seu conjunto, aí se incluindo os processos instaurados perante os órgãos jurisdicionais [estatais]» ( 47 ).

109.

Embora a nomeação de um árbitro e os processos nacionais de apoio à arbitragem não estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958, o Tribunal de Justiça declarou que, «[n]o que se refere em especial à designação de um árbitro por um órgão jurisdicional [estatal], [se devia] observar que se [tratava] de uma medida [estatal] destinada a pôr em execução um processo de arbitragem. Esta medida releva, portanto, da matéria da arbitragem e, assim, é abrangida pela exclusão do artigo 1.o, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção [de Bruxelas]» ( 48 ).

110.

O Tribunal de Justiça rejeitou o argumento da sociedade italiana segundo o qual a Convenção de Bruxelas era aplicável aos litígios relativos à existência ou à validade de uma convenção de arbitragem, declarando que «[p]ara determinar se um litígio releva do âmbito de aplicação da Convenção, só o objeto desse litígio deve ser tomado em consideração. Se, pelo seu objeto, como a designação de um árbitro, um litígio é excluído do âmbito de aplicação da Convenção [de Bruxelas], a existência de uma questão prévia, sobre a qual o juiz se deve pronunciar para decidir esse litígio, não pode, seja qual for o conteúdo dessa questão, justificar a aplicação da Convenção [de Bruxelas]» ( 49 ). O Tribunal de Justiça confirmou esta interpretação no seu acórdão Van Uden (C‑391/95, EU:C:1998:543) ( 50 ).

111.

No acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69), em vez de determinar a aplicabilidade do Regulamento Bruxelas I ao litígio do processo principal, como tinha feito nos processos que deram lugar aos acórdãos Rich (EU:C:1991:319) e Van Uden (EU:C:1998:543), o Tribunal de Justiça analisou o objeto do litígio à luz de um outro litígio, a saber, o litígio submetido aos tribunais italianos.

112.

Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça afastou‑se da sua posição no acórdão Rich (EU:C:1991:319, n.os 18 e 26), segundo a qual só o objeto do litígio do processo principal devia ser tomado em consideração, e a arbitragem, enquanto matéria, estava excluída, na sua totalidade, do âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I.

113.

Na sequência do relatório Heidelberg, do acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) e dos comentários a que esse acórdão tinha dado azo, a Comissão publicou o Livro verde sobre a revisão do Regulamento Bruxelas I (a seguir «livro verde») ( 51 ), no qual lançou uma consulta pública sobre a supressão parcial da exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação daquele regulamento com o objetivo de melhorar a relação entre este último e a arbitragem.

114.

Diversos Estados‑Membros, como a República Francesa, a Hungria, a República da Áustria, a República da Polónia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, bem como numerosos intervenientes do setor da arbitragem ( 52 ) opuseram‑se a essa ideia, por considerarem que o Regulamento Bruxelas I não devia afetar a aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958, e que a exclusão total da arbitragem do âmbito de aplicação do referido regulamento devia ser confirmada.

115.

No estudo de impacto que acompanhou a sua proposta de reformulação do Regulamento Bruxelas I ( 53 ), a Comissão assinalava a crítica segundo a qual o acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) permitia que as partes de má‑fé se subtraíssem à sua obrigação de submeter todos os diferendos a arbitragem ( 54 ), e indicava três opções possíveis ( 55 ).

116.

A primeira opção era manter o statu quo, a saber, a exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação do referido regulamento, o que, de acordo com a Comissão, não afastava o risco de abuso que o acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) não permitia prevenir ou proibir ( 56 ).

117.

A segunda opção era estender a exclusão da arbitragem a qualquer processo relativo a arbitragem, designadamente «qualquer processo no qual a validade de uma convenção de arbitragem [fosse] contestada» ( 57 ).

118.

Por fim, a terceira opção consistia em reforçar a efetividade das convenções de arbitragem, prevendo que um tribunal de um Estado‑Membro chamado a decidir um litígio a que se aplicasse uma convenção de arbitragem devia suspender a instância no caso de um tribunal arbitral ou de um órgão jurisdicional situado na sede da arbitragem ter sido chamado a pronunciar‑se ( 58 ).

119.

Na sua proposta de reformulação do Regulamento Bruxelas I (a seguir «proposta de reformulação») ( 59 ), a Comissão escolheu esta última opção, mantendo a sua proposta feita no livro verde de suprimir parcialmente a exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação do referido regulamento ( 60 ).

120.

Como admitiram o Governo lituano e a Comissão nas suas respostas às questões do Tribunal de Justiça, as alterações propostas pela Comissão foram rejeitadas pelo legislador da União Europeia. Com efeito, com a sua Resolução de 7 de setembro de 2010, o Parlamento Europeu «[opôs‑se] veementemente à abolição (mesmo parcial) da exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação» e «[considerava] que a alínea d) do n.o 2 do artigo 1.o do Regulamento [devia] tornar claro que não apenas os procedimentos arbitrais, mas também os processos judiciais que decidam da validade ou extensão da competência arbitral enquanto questão de fundo ou incidental ou questão preliminar estão excluídos do âmbito do Regulamento» ( 61 ).

121.

O Conselho também se opôs à opção da Comissão de suprimir parcialmente a exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I (reformulação). Na sua nota de 1 de junho de 2012, a presidência do Conselho convidava o Conselho a adotar, a título de compromisso global, o projeto de orientação geral que constava do anexo daquela nota ( 62 ). De acordo com esse projeto, as propostas da Comissão relativas à arbitragem, constantes da sua proposta de reformulação, deviam ser rejeitadas ( 63 ).

122.

Com efeito, o texto de compromisso previa a introdução de um novo considerando com a redação que figura hoje no considerando 12 do Regulamento Bruxelas I (reformulação), assim como de uma nova disposição nos termos da qual este regulamento «não [prejudicava] a aplicação da Convenção [de Nova Iorque de 1958]» ( 64 ).

123.

O Conselho aprovou este texto em 8 de junho de 2012. No seguimento dessa aprovação, o Parlamento adotou uma resolução legislativa que aprovava a alterações do regulamento relativas à arbitragem, tal como foram expostas no documento aprovado pelo Conselho ( 65 ).

124.

Na sua versão final, o Regulamento Bruxelas I (reformulação) mantém a exclusão da arbitragem do seu âmbito de aplicação e integra o novo considerando 12, bem como o novo artigo 73.o, n.o 2, nos termos do qual «[o] presente regulamento não prejudica a aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958» ( 66 ).

125.

Na minha opinião, estas novas disposições, especialmente o segundo parágrafo do considerando 12, confirmado pelo novo artigo 73.o, n.o 2, correspondem à segunda opção apresentada pela Comissão no estudo de impacto que acompanhava a sua proposta de reformulação, que visava excluir do âmbito de aplicação do regulamento todos os processos em que fosse contestada a validade de uma convenção de arbitragem ( 67 ).

126.

Com efeito, de acordo com o segundo parágrafo deste considerando, «[a]s decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros que determinam se uma convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação não deverão estar sujeitas às regras de reconhecimento e execução estabelecidas no presente regulamento, independentemente de o tribunal ter decidido destes aspetos a título principal ou incidental» ( 68 ), não tendo o dispositivo do próprio regulamento sido alterado.

127.

A passagem em itálico demonstra que a fiscalização incidental da validade de uma convenção de arbitragem está excluída do âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I (reformulação), uma vez que, se assim não fosse, as regras de reconhecimento e de execução deste regulamento seriam aplicáveis às decisões dos tribunais estatais relativas à validade de uma convenção de arbitragem ( 69 ).

128.

Esta não foi a interpretação seguida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69, n.o 26) ( 70 ), em que fundamentou a sua posição no facto de o processo intentado pela Allianz e pela Generali contra a West Tankers no Tribunale di Siracusa, em violação da convenção de arbitragem, estar ele próprio abrangido pelo Regulamento Bruxelas I, no pressuposto de que a fiscalização incidental da validade de uma convenção de arbitragem estava abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

129.

Com efeito, o Tribunal de Justiça indicava:

«[…] se, pelo objeto do litígio, isto é, pela natureza dos direitos a tutelar num processo como um pedido de indemnização, esse processo está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento [Bruxelas I], está também abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento uma questão prévia sobre a aplicabilidade de uma convenção de arbitragem, designadamente sobre a sua validade». Esta conclusão é corroborada pelo n.o 35 do relatório relativo à adesão da República Helénica à Convenção [de Bruxelas], apresentado por D. Evrigenis e K. D. Kerameus (JO 1986, C 298, p. 1). Este relatório refere que a fiscalização incidental da validade da cláusula de arbitragem, requerido por uma parte, com o objetivo de contestar a competência internacional do tribunal no qual é demandada, ao abrigo da Convenção de Bruxelas, está abrangida por esta última» ( 71 ).

130.

Por conseguinte, não partilho a posição dos Governos lituano e alemão bem como da Comissão, de acordo com a qual a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça à exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação daquele regulamento, no n.o 24 do acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69), não é afetada por aquela reformulação.

131.

Também não partilho a posição, expressa pela Comissão na audiência, segundo a qual o n.o 26 daquele acórdão era apenas um «obiter dictum». Bem pelo contrário, trata‑se de uma questão central do acórdão, com base na qual o Tribunal de Justiça estabeleceu a fronteira entre o âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I e a matéria da arbitragem.

132.

Só posso compreender esta posição da Comissão à luz das suas próprias propostas sobre essa separação entre a matéria da arbitragem e o âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I, as quais, todavia, foram totalmente rejeitadas pelo Parlamento e pelo Conselho na reformulação deste regulamento. Por conseguinte, deduzo dos antecedentes legislativos acima expostos a intenção do legislador da União de corrigir a fronteira que o Tribunal de Justiça traçou entre o âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I e a matéria da arbitragem ( 72 ).

133.

Isto significa que, se o processo no qual foi proferido o acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) tivesse sido intentado ao abrigo do regime do Regulamento Bruxelas I (reformulação), o Tribunale di Siracusa só se poderia ter pronunciado sobre o mérito dos autos com base no referido regulamento a partir do momento em que tivesse decidido que a convenção de arbitragem era nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação (o que é possível nos termos do artigo II, n.o 3, da Convenção de Nova Iorque de 1958) ( 73 ).

134.

Nesse caso, a «anti‑suit injunction» objeto do acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) não teria sido julgada incompatível com o Regulamento Bruxelas I.

135.

Com efeito, o propositura, no Tribunale di Siracusa, de um processo cujo mérito está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I (sendo, nesse caso, a validade da convenção de arbitragem uma questão incidental ou prévia) não teria afetado a competência dos tribunais ingleses para proferirem «anti‑suit injunctions» em apoio da arbitragem, porque, nos termos do segundo parágrafo do considerando 12, a fiscalização incidental da validade de uma convenção de arbitragem está excluída do âmbito de aplicação daquele regulamento «independentemente de [o Tribunale di Siracusa] ter decidido destes aspetos a título principal ou incidental» ( 74 ). A utilização do vocábulo «incidental» demonstra claramente que o referido segundo parágrafo também se aplica quando um tribunal de um Estado‑Membro, como o Tribunale di Siracusa, é chamado a pronunciar‑se numa ação sobre um litígio que o obriga a começar por verificar a sua própria competência, fiscalizando, a título incidental ou prévio, a validade da convenção de arbitragem que vincula as duas partes na ação.

136.

Como esclarece o terceiro parágrafo do referido considerando, só «a decisão […] quanto ao mérito» pode ser reconhecida e executada em conformidade com o referido regulamento ( 75 ). No entanto, dizer que, em razão da possibilidade, provável ou não, de uma decisão do Tribunale di Siracusa quanto ao mérito, os tribunais ingleses não podiam proferir uma «anti‑suit injunction» em apoio da arbitragem, teria como efeito, precisamente, preservar os efeitos do acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) que o legislador da União quis excluir na reformulação.

137.

A conclusão de que as «anti‑suit injunctions» em apoio da arbitragem são permitidas pelo Regulamento Bruxelas I (reformulação) é corroborada pelo quarto parágrafo do mesmo considerando, nos termos do qual «[o] presente regulamento não deverá aplicar‑se a ações ou processos conexos relativos, nomeadamente, à […] condução do processo arbitral ou a quaisquer outros aspetos desse processo, nem a[o] […] reconhecimento ou execução de sentenças arbitrais» ( 76 ).

138.

Este parágrafo não só exclui o reconhecimento e a execução das sentenças arbitrais do âmbito de aplicação do referido regulamento, o que incontestavelmente exclui o presente processo do seu âmbito de aplicação, mas exclui também os pedidos acessórios, o que, na minha opinião, abrange as «anti‑suit injunctions» proferidas pelos tribunais estatais na sua função de instância de apoio à arbitragem.

139.

A este propósito, recordo que, no processo que deu origem ao acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69), a House of Lords tinha sido chamada a pronunciar‑se, na sua qualidade de instância de apoio, sobre um pedido de «anti‑suit injunction» que resultava do facto as partes terem fixado a sede do tribunal arbitral na área da sua competência territorial.

140.

Dado que a «anti‑suit injunction» integra as medidas que o juiz da sede do tribunal arbitral pode ordenar em apoio da arbitragem com o objetivo de assegurar o bom andamento do processo arbitral, e constitui nesse sentido um «pedido acessório que respeita […] ao prosseguimento da arbitragem», a sua proibição já não pode ser justificada com fundamento no Regulamento Bruxelas I (reformulação).

141.

Por estas razões, considero que a reformulação repôs a interpretação dada à exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I pelo acórdão Rich (EU:C:1991:319, n.o 18), segundo o qual «as partes contratantes pretenderam excluir a arbitragem enquanto matéria no seu conjunto» ( 77 ). Consequentemente, o Regulamento Bruxelas I não é aplicável ao litígio do processo principal.

142.

Esta solução em nada prejudica o efeito útil do Regulamento Bruxelas I, porque não impede o órgão jurisdicional de reenvio de, «por força das disposições que lhe são aplicáveis, […] pronunciar‑se sobre a sua própria competência para decidir do litígio que lhe é submetido» ( 78 ). Pelo contrário, o artigo V, n.o 1, alíneas a) e c), da Convenção de Nova Iorque de 1958 dá‑lhe a possibilidade de fiscalizar a competência do tribunal arbitral, permitindo‑lhe o n.o 2, alínea a), do mesmo artigo, além disso, fiscalizar, com base no seu próprio direito, a suscetibilidade do conflito submetido ao tribunal arbitral de ser objeto de arbitragem.

143.

A este respeito, repito, como salientaram o Governo francês e a Comissão, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao direito lituano, nos termos do qual uma questão relativa à abertura de uma investigação às atividades de uma pessoa coletiva não pode ser objeto de arbitragem. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio podia recusar o reconhecimento e a execução da sentença arbitral, com base no artigo V, n.o 2, alínea a), e isto, evidentemente, sem submeter uma questão prejudicial.

144.

Assim, «o demandante que […] considerasse [que a convenção de arbitragem é] caduca, inexequível ou insuscetível de aplicação [não] seria privado do acesso ao tribunal estatal» ( 79 ).

145.

A título complementar, pretendo assinalar que esta clarificação da exclusão da arbitragem no Regulamento Bruxelas I (reformulação) faz parte de um esforço de combate às práticas dilatórias das partes que, em violação dos seus compromissos contratuais, instauram um processo num tribunal de um Estado‑Membro manifestamente incompetente, práticas essas que foram objeto de debates nos processos que deram origem aos acórdãos Gasser (C‑116/02, EU:C:2003:657) ( 80 ), Turner (EU:C:2004:228) ( 81 ) e Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69).

146.

O Regulamento Bruxelas I (reformulação) introduz assim um novo artigo 31.o, n.o 2, nos termos do qual, «se for demandado um tribunal de um Estado‑Membro ao qual é atribuída competência exclusiva por um pacto referido no artigo 25.o, os tribunais dos outros Estados‑Membros devem suspender a instância até ao momento em que o tribunal demandado com base nesse pacto declare que não é competente por força do mesmo». De acordo com o n.o 3 deste artigo, «[s]e o tribunal designado no pacto se atribuir competência por força desse pacto, os tribunais dos outros Estados‑Membros devem declarar‑se incompetentes a favor desse tribunal».

147.

Como enuncia o considerando 22 do referido regulamento ( 82 ), estas novas disposições já não permitem a solução dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Gasser (EU:C:2003:657), onde aquele declarou que o tribunal demandado em segundo lugar, mas com competência exclusiva, por força de uma cláusula atributiva de competência, não podia, por derrogação às regras da litispendência, decidir sobre o litígio sem esperar que o tribunal demandado em primeiro lugar se declarasse incompetente.

148.

A resposta do Regulamento Bruxelas I (reformulação) às práticas dilatórias destinadas à violação de uma cláusula atributiva de competência é dar a prioridade ao tribunal indicado pela cláusula atributiva de uma competência exclusiva, mesmo se for chamado a pronunciar‑se em segundo lugar. Isso implica que os tribunais arbitrais e os tribunais dos Estados‑Membros, na sua qualidade de instância de apoio da arbitragem, podem tomar as medidas necessárias para assegurar a eficácia da arbitragem sem que o Regulamento Bruxelas I seja um obstáculo.

149.

No que respeita à violação de uma convenção de arbitragem, a resposta do referido regulamento é excluir completamente a arbitragem do seu âmbito de aplicação, pelo que a fiscalização do incidente de validade dessa convenção não se enquadra no seu âmbito de aplicação, e remeter as partes para a arbitragem.

150.

Com efeito, reproduzindo quase literalmente o teor do artigo II, n.o 3, da Convenção de Nova Iorque de 1958, o considerando 12 enuncia no seu primeiro parágrafo que «[n]ada no presente regulamento deverá impedir que os tribunais de um Estado‑Membro, caso lhes seja submetida uma ação numa matéria para a qual as partes celebraram um acordo de arbitragem, remetam as partes para a arbitragem, suspendam ou encerrem o processo ou examinem se a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação nos termos da lei nacional».

151.

Como assinala o Governo francês na sua resposta escrita às questões do Tribunal de Justiça, aquele parágrafo do considerando 12 implica que, salvo nulidade ou inaplicabilidade manifesta da convenção de arbitragem, as partes devem ser obrigadas a respeitá‑la e, consequentemente, ser remetidas para o tribunal arbitral que decidirá sobre a sua própria competência ( 83 ), embora sabendo que o tribunal estatal terá oportunidade de fiscalizar a validade dessa cláusula durante o processo de reconhecimento e execução da sentença arbitral ( 84 ).

152.

Esta posição é perfeitamente conforme com o artigo II, n.o 3, da Convenção de Nova Iorque de 1958, nos termos do qual: «[o] tribunal de um Estado Contratante solicitado a resolver um litígio sobre uma questão relativamente à qual as Partes celebraram uma convenção [de arbitragem] remeterá as Partes para arbitragem […]». Esta remessa é «obrigatória e não pode ser deixada ao critério dos tribunais estatais» ( 85 ), com exceção dos casos em que a convenção de arbitragem é «nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação».

b) Os tribunais arbitrais não podem estar vinculados pelo princípio da confiança mútua inscrito no Regulamento Bruxelas I

153.

Mesmo que o Tribunal de Justiça decida não tomar em consideração o Regulamento Bruxelas I (reformulação) ou não partilhar a interpretação que faço dele, considero que a solução contida no acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) não pode ser aplicada às «anti‑suit injunctions» emitidas por tribunais arbitrais e cujo reconhecimento e execução estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958. Por conseguinte, essa solução limitar‑se‑ia aos casos em que a «anti‑suit injunction» é proferida por um tribunal de um Estado‑Membro contra um processo pendente num tribunal de outro Estado‑Membro.

154.

Como salientam a Gazprom, os Governos francês e do Reino Unido, a Confederação Suíça e a Comissão, o tribunal arbitral em causa no presente processo não está sujeito ao Regulamento Bruxelas I e não está vinculado nem por este nem pelo princípio da confiança mútua aplicável entre os tribunais dos Estados‑Membros. Além disso, as suas sentenças não são objeto de reconhecimento nem de execução, em conformidade com as disposições deste regulamento ( 86 ).

155.

Aliás, que outra coisa poderia fazer um tribunal arbitral, quando considera que a convenção de arbitragem de onde retira a sua competência foi violada por uma das partes, que não condenar essa parte a dar cumprimento a essa convenção e submeter aos árbitros todos os pedidos abrangidos por ela? A «anti‑suit injunction» é, consequentemente, o único remédio efetivo de que dispõe um tribunal arbitral para satisfazer o pedido da parte que considera que a convenção de arbitragem foi violada pelo seu cocontratante ( 87 ).

156.

Isto é tanto mais verdade no caso vertente quando, como salienta o Tribunal Arbitral, «[o Ministério da Energia] não contesta o poder do Tribunal de ordenar uma medida de execução se considerar que o [Ministério da Energia] violou a convenção de arbitragem constante do [acordo de compra e venda de ações]. Consequentemente, o Tribunal considera que é competente para condenar o Ministério a não intentar no [Vilniaus apygardos teismas] uma ação que poderia ter uma incidência nos direitos dos acionistas abrangidos [pelo referido acordo]» ( 88 ).

157.

Assim sendo, proponho que o Tribunal de Justiça responda negativamente à primeira questão prejudicial. Na minha opinião, o reconhecimento e a execução da sentença arbitral em causa no processo principal está abrangida, exclusivamente, pelo âmbito de aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958.

C – Quanto à segunda questão

158.

Dado que a segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio só se coloca no caso de resposta afirmativa à primeira questão, não há que responder‑lhe.

159.

Além disso, como observa o Governo francês, essa questão refere‑se a uma situação em que, ao contrário dos factos do litígio do processo principal, a «anti‑suit injunction» é proferida nos tribunais de um Estado‑Membro que não a República da Lituânia. Consequentemente, reveste‑se de caráter hipotético e, de acordo com jurisprudência constante, deve ser declarada inadmissível ( 89 ).

D – Quanto à terceira questão

160.

Se o Tribunal de Justiça declarar que o Regulamento Bruxelas I não é aplicável no caso vertente e que, de qualquer modo, uma «anti‑suit injunction» emitida por um tribunal arbitral não é contrária a este regulamento, há que responder à terceira questão.

161.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, com o objetivo de assegurar o primado do direito da União e a plena eficácia do Regulamento Bruxelas I, pode recusar reconhecer uma sentença arbitral, caso esta limite o direito do tribunal nacional de se pronunciar sobre a sua própria competência e os seus poderes num processo abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

162.

Recordo que, como disse no n.o 45 das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se num recurso de cassação contra a decisão do Lietuvos apeliacinis teismas mediante a qual este último confirmou a decisão do Vilniaus apygardos teismas de abrir uma investigação às atividades da Lietuvos dujos. Recordo que, nas minhas observações preliminares, parti da hipótese de que o recurso no Vilniaus apygardos teismas se baseava corretamente no Regulamento Bruxelas I ( 90 ).

163.

Por conseguinte, a terceira questão deve ser compreendida no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se deve interpretar o conceito de ordem pública, consagrado no artigo V, n.o 2, alínea b), da Convenção de Nova Iorque de 1958 ( 91 ), de forma a não reconhecer nem executar uma sentença arbitral que contenha uma «anti‑suit injunction», por esta limitar, como refere o órgão jurisdicional de reenvio na página 10 do seu pedido de decisão prejudicial, o seu direito de se pronunciar sobre a sua própria competência.

164.

Antes de proceder a essa análise, repito, como salientaram o Governo francês e a Comissão, que não era necessário que o órgão jurisdicional de reenvio recorresse ao conceito de ordem pública, com base na Convenção de Nova Iorque de 1958, para recusar o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral.

165.

Como destaca o próprio órgão jurisdicional de reenvio, na página 9 do seu pedido de decisão prejudicial, a matéria das investigações às atividades de uma pessoa coletiva não pode ser objeto de arbitragem. Isso implica, como o Lietuvos apeliacinis teismas ( 92 ) já declarou, que o reconhecimento e a execução da sentença arbitral em causa podiam ser recusados com fundamento no artigo V, n.o 2, alínea a), na Convenção de Nova Iorque de 1958 ( 93 ).

1. Conceito de ordem pública

166.

De acordo com o artigo V, n.o 2, alínea b), da Convenção de Nova Iorque de 1958, poderão igualmente ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral «se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução foram pedidos constatar: […] [q]ue o reconhecimento ou a execução da sentença seria contrária à ordem pública desse país».

167.

Uma vez que o conceito de ordem pública não consta daquela convenção, compete aos tribunais dos Estados contratantes defini‑lo. No entanto, como referiu a CNUDCI no seu guia sobre a referida convenção, este conceito é geralmente definido de forma restritiva como «uma válvula de segurança para ser utilizada em circunstâncias excecionais, quando for impossível a uma ordem jurídica reconhecer e executar uma sentença arbitral sem abandonar os próprios fundamentos nos quais essa ordem assenta» ( 94 ). Este mesmo guia remete para a definição de ordem pública dada pela United States Court of Appeals, Second Circuit, nos termos da qual «a execução de uma sentença estrangeira só pode ser recusada [com fundamento na ordem pública] quando a execução no país do foro violar os conceitos mais elementares de moralidade e de justiça» ( 95 ).

168.

Do mesmo modo, os tribunais dos Estados‑Membros definem o conceito de ordem pública de forma restritiva. Por exemplo, de acordo com a cour d’appel de Paris, que é competente para o reconhecimento e a execução das sentenças arbitrais estrangeiras em França, «a conceção francesa de ordem pública internacional estende‑se a todas as regras e a todos os valores cuja violação a ordem jurídica não pode ignorar, mesmo em situações de caráter internacional» ( 96 ).

169.

Dentro do mesmo espírito, os tribunais alemães também consideraram que uma sentença arbitral viola a ordem pública quando «infringe uma norma que afeta o fundamento da vida pública e económica alemã ou contradiz de forma irreconciliável a perceção alemã da justiça» ( 97 ).

170.

Os tribunais ingleses declararam igualmente que o conceito de ordem pública compreendia as situações em que «a execução de uma sentença prejudica claramente o bem público ou, provavelmente possa ser completamente ofensiva para o cidadão comum, razoável e bem informado, em nome de quem são exercidos os poderes do Estado» ( 98 ).

171.

O Tribunal de Justiça interpretou da mesma maneira o conceito de ordem pública no domínio do reconhecimento e da execução das decisões, no âmbito do artigo 34.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I ( 99 ).

172.

De acordo com jurisprudência constante, a ordem pública deve ser objeto de uma «interpretação estrita» ( 100 ) e a utilização deste conceito «deve intervir apenas em casos excecionais» ( 101 ). Consequentemente, esta utilização «só é concebível quando o reconhecimento ou a execução da decisão proferida noutro Estado Contratante viole de uma forma inaceitável a ordem jurídica do Estado requerido, por atentar contra um princípio fundamental» ( 102 ). Este atentado «devia constituir uma violação manifesta de uma regra de direito considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica» ( 103 ).

173.

Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o conceito de ordem pública que se enquadra no artigo V, n.o 2, alínea b), da Convenção de Nova Iorque, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer, ao interpretar o referido conceito, que os tribunais dos Estados‑Membros deviam ter em consideração determinadas disposições do direito da União que se revestem de um caráter a tal ponto fundamental que fazem parte da ordem pública europeia ( 104 ).

174.

Nos seus acórdãos Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269) e Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675), o Tribunal de Justiça elevou o artigo 101.o TFUE ( 105 ) e a Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores ( 106 ), à categoria de disposições de ordem pública, pelo facto de constituírem «disposiç[ões] fundamental[ais] indispensável[eis] para o cumprimento das missões confiadas à Comunidade e, em particular, para o funcionamento do mercado interno» ( 107 ).

175.

Todavia, com exceção dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 108 ), são de ordem pública, este último não estabeleceu os critérios para que uma disposição do direito da União possa ser considerada «fundamental» ou «essencial» na aceção da sua jurisprudência.

176.

De acordo com a advogada‑geral J. Kokott, a jurisprudência do Tribunal de Justiça implica que «[sejam] protegidos interesses jurídicos ou, pelo menos, interesses expressos numa norma jurídica que dizem respeito à ordem política, económica, social ou cultural do respetivo Estado‑Membro» ( 109 ). Com base neste fundamento, considerou que «interesses puramente económicos, tal como o risco de um prejuízo monetário — mesmo que este seja muito elevado», não podem ser qualificados de interesses de ordem pública ( 110 ).

177.

Na minha opinião, a tónica não devia ser posta essencialmente na natureza jurídica dos interesses protegidos pela ordem pública, mas antes na questão de saber se estamos perante regras e valores cuja violação a ordem jurídica do foro de reconhecimento e de execução não pode ignorar, pois tal seria inaceitável do ponto de vista de um Estado de direito, livre e democrático. Deste modo, trata‑se do conjunto de «princípios que fazem parte dos próprios fundamentos do ordenamento jurídico [da União]» ( 111 ).

178.

Portanto, coloca‑se a questão de saber se as disposições do Regulamento Bruxelas I, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça, designadamente a proibição das «anti‑suit injunctions», fazem parte da ordem pública europeia.

179.

Recordo que, tendo em conta a minha resposta à primeira questão prejudicial, esta proibição só se mantém, na sequência da reformulação do Regulamento Bruxelas I, no que respeita às «anti‑suit injunctions» visadas pelo acórdão Turner (EU:C:2004:228) ( 112 ), a saber, as «anti‑injuctions» proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros para salvaguardar a sua própria competência, quando são chamados a pronunciar‑se em conformidade com as disposições do Regulamento Bruxelas I.

2. As disposições do Regulamento Bruxelas I relativas à competência judiciária em matéria civil e comercial fazem parte da ordem pública europeia na aceção do acórdão Eco Swiss (EU:C:1999:269, n.os 36 a 39)?

180.

Na minha opinião, as disposições do Regulamento Bruxelas I não podem ser qualificadas de disposições de ordem pública.

181.

Em primeiro lugar, não considero que o Regulamento Bruxelas I se enquadre nos fundamentos da ordem jurídica da União comparáveis aos que o Tribunal de Justiça referiu no n.o 304 do seu acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (EU:C:2008:461). O Regulamento Bruxelas I, as suas disposições sobre a repartição de competências entre os tribunais dos Estados‑Membros e os seus princípios imperativos, como a confiança mútua entre os tribunais dos Estados‑Membros, não se comparam ao respeito dos direitos fundamentais, cuja violação abalaria os próprios fundamentos em que assenta a ordem jurídica da União.

182.

Em segundo lugar, à semelhança do Governo alemão, não partilho a interpretação dos acórdãos Eco Swiss (EU:C:1999:269, n.o 36) e Mostaza Claro (EU:C:2006:675, n.o 37) de acordo com a qual o simples facto de um domínio específico fazer parte das competências, exclusivas ou partilhadas, da União, em conformidade com os artigos 3.° TFUE e 4.° TFUE, basta para elevar uma disposição de direito da União à categoria de disposição de ordem pública. Se assim fosse, todo o direito da União, desde a Carta dos Direitos Fundamentais a uma diretiva relativa aos equipamentos sob pressão, seria de ordem pública na aceção do artigo V, n.o 2, alínea b), da Convenção de Nova Iorque de 1958.

183.

Em terceiro lugar, o artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I prevê explicitamente que as partes podem derrogar as regras da competência deste regulamento, escolhendo os tribunais de um Estado‑Membro diferente daquele que seria competente ao abrigo do referido regulamento para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, desde que essa cláusula atributiva de competência não seja contrária aos artigos 13.°, 17.° e 21.° (competência em matéria de seguros, de contratos celebrados pelos consumidores e de contratos individuais de trabalho) e que não viole o artigo 22.o (competências exclusivas ( 113 )) do referido regulamento.

184.

A este respeito, é ponto assente que apenas regras imperativas podem ser qualificadas de regras de ordem pública ( 114 ). Com efeito, é difícil conceber uma regra que se enquadre nos fundamentos de uma ordem jurídica e que não tenha caráter imperativo. Todavia, uma disposição com caráter imperativo não pode, em todos os casos, ser considerada de ordem pública.

185.

No caso em apreço, mesmo que a ação intentada pelo Ministério da Energia com o objetivo de abrir um inquérito às atividades da Lietuvos dujos se enquadrasse, como sustenta o Governo espanhol, na competência exclusiva do artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento Bruxelas I, o que não é o caso ( 115 ), o reconhecimento e a execução da sentença arbitral não constituiria uma violação manifesta de uma regra de direito considerada essencial na ordem jurídica da União.

186.

Em todo o caso, como salientou o Governo alemão na audiência, o facto de que, em conformidade com o artigo 35.o, n.o 3, do Regulamento Bruxelas I, «[a]s regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública […]» indica claramente que as regras de competência não são de ordem pública.

187.

Em relação ao argumento de violação da ordem pública relativo à proibição das «anti‑suit injunctions», recordo que, como evoquei nos n.os 90 a 157 das presentes conclusões, essa proibição não respeita às «anti‑suit injunctions» proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros em apoio de uma arbitragem nem, a fortiori, às «anti‑suit injunction» proferidas por tribunais arbitrais.

188.

Por conseguinte, deve‑se responder à terceira questão que o facto de uma sentença arbitral conter uma «anti‑suit injunction», como a que está em causa no processo principal, não basta para recusar o seu reconhecimento e a sua execução com fundamento no artigo V, n.o 2, alínea b), da Convenção de Nova Iorque de 1958.

VI – Conclusão

189.

Consequentemente, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas da forma seguinte:

«1)

O Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não obriga o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro a recusar reconhecer e a executar uma ‘anti‑suit injunction’ proferida por um tribunal arbitral.

2)

O facto de uma sentença arbitral conter uma ‘anti‑suit injunction’, como a que está em causa no processo principal, não basta para recusar o seu reconhecimento e a sua execução com fundamento no artigo V, n.o 2, alínea b), da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Decisões Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque em 10 de junho de 1958.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2001, L 12, p. 1.

( 3 ) Com exceção dos artigos 75.° e 76.°, que já estão em vigor desde 10 de janeiro de 2014.

( 4 ) JO L 351, p. 1.

( 5 ) Conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Rich (C‑190/89, EU:C:1991:58, n.o 3).

( 6 ) Uma cópia deste acordo em língua lituana está disponível no sítio Internet do Ministério da Energia da República da Lituana, no seguinte endereço: http://www.enmin.lt/lt/news/gazprom.pdf.

( 7 ) «Any claim, dispute or contravention in connection with this Agreement, or its breach, validity, effect or termination, shall be finally settled by arbitration in accordance with the Rules of the Arbitration Institute of the Stockholm Chamber of Commerce. The place of arbitration shall be Stockholm, Sweden, the number of arbitrators shall be three (all to be appointed by the Arbitration Institute) and the language of arbitration shall be English».

( 8 ) JO L 211, p. 94.

( 9 ) V. artigo de imprensa de Alyx Barker intitulado «Gazprom v Lithuania: cast list out», publicado, em 31 de julho de 2012, no sítio Internet da Global Arbitration Review (http://globalarbitrationreview.com/news/article/30730/gazprom‑v‑lithuania‑cast‑list‑out/), bem como o anúncio intitulado «OAO Gazprom c. a República da Lituânia» publicado no sítio Internet do Tribunal Permanente de Arbitragem (http://www.pca‑cpa.org/showpage.asp?pag_id=1471).

( 10 ) A sentença final, de 31 de julho de 2012, no processo V (125/2011) está disponível no sítio Internet da Global Arbitration Review (http://www.globalarbitrationreview.com/cdn/files/gar/articles/Gazprom_v_Lithuania_Final_Award.pdf).

( 11 ) V. artigo de imprensa de Kyriaki Karadelis, intitulado «Lithuania gas price arbitration take off», publicado, em 5 de outubro de 2012, no sítio Internet da Global Arbitration Review (http://globalarbitrationreview.com/news/article/30876/lithuania‑gas‑price‑arbitration‑takes‑ off/).

( 12 ) V. decisão n.o 2S‑3/2014, de 10 de junho de 2014 (disponível no sítio Internet do Conselho da Concorrência da República da Lituânia, no seguinte endereço: http://kt.gov.lt/index.php?show=nut_view&nut_id=1541).

( 13 ) V. Sytas, A., «Gazprom sells Lithuania assets after antitrust fine», publicado em 12 de junho de 2014 no sítio Internet da agência Reuters, no seguinte endereço: http://uk.reuters.com/article/2014/06/12/uk‑lithuania‑gazprom‑idUKKBN0EN1IF20140612.

( 14 ) V. n.os 31 e 32 das presentes conclusões.

( 15 ) «[Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro] pode também ser demandada: 1) Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente; […]».

( 16 )

( 17 ) V. acórdão Owusu (C‑281/02, EU:C:2005:120, n.os 24 a 26 e 35).

( 18 ) Acórdão Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 27). V. igualmente, neste sentido, acórdãos Régie Networks (C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 46); Budějovický Budvar (C‑478/07, EU:C:2009:521, n.o 63); Zanotti (C‑56/09, EU:C:2010:288, n.o 15); e Radu (C‑396/11, EU:C:2013:39, n.o 22).

( 19 ) «Poderão igualmente ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução foram requeridos constatar: a) Que, de acordo com a lei desse país, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por via arbitral; […]».

( 20 ) V. n.os 41 e 42 das presentes conclusões.

( 21 ) Uma pessoa pode estar sujeita in personam à competência dos tribunais ingleses devido à sua presença em território da Inglaterra e do País de Gales ou pelo facto de ter subscrito uma cláusula atributiva de competência a favor dos tribunais ingleses.

( 22 ) V. Raphael, T., The Anti‑Suit Injunction, Oxford University Press, Oxford, 2008, n.o 1.05.

( 23 ) V. Turner v Grovit and ors [2001] UKHL 65, parágrafo 23; Société Nationale Industrielle Aerospatiale v Lee Kui Jak & anor [1987] 1 AC 871 (PC), n.o 892.

( 24 ) V. Briggs, A. & Rees, P., Civil Juridiction and Judgments, 5.a ed. Informa, Londres, 2009, n.o 5.55.

( 25 ) Idem.

( 26 ) Um tribunal arbitral pode punir a parte que não respeitou a «anti‑suit injunction» tendo em conta esse comportamento aquando do cálculo das despesas de arbitragem, mas não num caso como o do processo principal, uma vez que a arbitragem só tinha por objeto a «anti‑suit injunction». A missão do tribunal arbitral esgotou‑se com a prolação da sentença arbitral (functus officio) e, consequentemente, já não pode punir uma parte por violação da sua «anti‑suit injunction».

( 27 ) V. página 6 do pedido de decisão prejudicial.

( 28 ) Sublinhado meu.

( 29 ) V., neste sentido, acórdão Ascendi (C‑377/13, EU:C:2014:1754, n.o 29).

( 30 ) V., neste sentido, último parágrafo do considerando 12 do Regulamento Bruxelas I (reformulação) segundo o qual: «[o] presente regulamento não deverá aplicar‑se […] ao reconhecimento ou execução de sentenças arbitrais […]». Aliás, esta era a posição adotada no relatório de M. P. Jenard sobre a convenção, de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1979, C 59, p. 1, 13).

( 31 ) Esse processo, totalmente estranho à arbitragem, respeita a uma «anti‑suit injunction» emitida pelos tribunais ingleses que tinha por objetivo um processo intentado em Espanha. O Tribunal de Justiça declarou que semelhantes «anti‑suit injunctions» eram incompatíveis com o Regulamento Bruxelas I.

( 32 ) Acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69, n.o 23).

( 33 ) Ibidem (n.o 24). Sublinhado meu.

( 34 ) Ibidem (n.o 26).

( 35 ) Ibidem (n.os 26 e 27).

( 36 ) Ibidem (n.o 30).

( 37 ) Ibidem (n.o 31).

( 38 ) Ibidem (n.o 23).

( 39 ) V. n.o 75 das presentes conclusões.

( 40 ) Trata‑se da ação do Ministério da Energia intentada, em 25 de março de 2011, no Vilniaus apygardos teismas contra a Lietuvos dujos, o seu diretor‑geral, V. Valentukevičius, e dois membros do seu conselho de administração, V. Golubev e K. Seleznev, destinada a obter a abertura de uma investigação às atividades da Lietuvos dujos (artigos 2.124 e segs. do Código Civil lituano). Aquele tribunal declarou que esta matéria não era suscetível de arbitragem. V. n.os 31, 32 e 38 das presentes conclusões.

( 41 ) V. n.o 57 das presentes conclusões.

( 42 ) A este propósito, não partilho a posição que o Governo do Reino Unido expressou na audiência, de acordo com a qual o Tribunal de Justiça se declarou competente para se pronunciar sobre a «anti‑suit injunction» objeto do acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69) pois, aquando do seu reconhecimento na Itália, essa injunção impediria o tribunal italiano de decidir sobre a sua própria competência decorrente do Regulamento Bruxelas I. A «anti‑suit injunction» e as consequências do seu incumprimento no Reino Unido eram circunstâncias suficientemente graves para dissuadir a Allianz e a Generali de prosseguirem com o processo italiano. Na realidade, a West Tankers não tinha necessidade de fazer reconhecer e executar a «anti‑suit injunction» em Itália. Como resulta claramente dos n.os 29 a 31 do presente acórdão, apenas os efeitos dissuasivos que a «anti‑suit injunction» produzia no Reino Unido bastavam para obrigar a Allianz e a Generali a desistirem da ação pendente no Tribunale di Siracusa. Este impacto que a «anti‑suit injunction» podia ter no poder do tribunal italiano de decidir sobre a sua própria competência, e a aplicabilidade do Regulamento Bruxelas I, levaram o Tribunal de Justiça a declarar qua a «anti‑suit injunction» se enquadrava no âmbito de aplicação do regulamento.

( 43 ) V. Hess, B., Pfeiffer, T., e Schlosser, P., «Report on the Application of Regulation Brussels I in the Member States» (disponível no sítio Internet, no seguinte endereço: http://ec.europa.eu/civiljustice/news/docs/study_application_brussels_1_en.pdf).

( 44 ) V., nomeadamente, Briggs, A., Civil Jurisdiction and Judgments, 5.a ed., Informa, Londres, 2009, n.o 2.40; Peel, E., «Arbitration and Anti‑Suit Injunctions in the European Union», 2009, vol. 125, Law Quarterly Review, p. 365; Dal, G. A., «L’ârret ‘West Tankers’ et l’effet négatif du principe de compétence‑compétence», 2010, Revue pratique des sociétés, p. 22; Kessedjian, C., «Arbitrage et droit européen: une désunion irrémédiable?», 2009, Recueil Dalloz, p. 981; Muir Watt, H., «Cour de justice des Communautés européennes (grande chambre) — 10 février 2009 — Aff. C‑185/07», 2009, vol. 98, Revue critique de droit international privé, p. 373; Audit, B., «Arrêt Allianz et Generali Assicurazioni Generali, EU:C:2009:69», 2009, Journal du Droit International, p. 1283; Bollée, S., «Allianz SpA et autre c/ West Tankers Inc», 2009, Revue de l’arbitrage, p. 413.

( 45 ) Acórdão Hoffmann (EU:C:1988:61, n.o 17).

( 46 ) V. Briggs, A. e Rees, P., Civil Juridiction and Judgments, 5.a ed., Informa, Londres, 2009, n.o 2.40.

( 47 ) Acórdão Rich (EU:C:1991:319, n.o 18).

( 48 ) Ibidem (n.o 19).

( 49 ) Ibidem (n.o 26). Sublinhado meu.

( 50 ) Este processo respeitava a uma arbitragem iniciada por uma sociedade neerlandesa contra uma sociedade alemã que não pagou determinadas faturas. A sociedade neerlandesa instaurou um processo de medidas provisórias perante o órgão jurisdicional neerlandês com o fundamento de que a sociedade alemã não demonstrava a diligência necessária para que os árbitros fossem nomeados, e que o não pagamento das suas faturas lhe causava problemas de tesouraria. Pedia que a sociedade alemã fosse condenada a pagar‑lhe a quantia de quatro créditos resultantes do contrato. Por conseguinte, colocava‑se a questão de saber se esse processo de medidas provisórias se enquadrava no âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas. Seguindo o princípio enunciado no n.o 26 do acórdão Rich (EU:C:1991:319), o Tribunal de Justiça analisou o objeto do litígio pendente no órgão jurisdicional de medidas provisórias neerlandês e declarou que «as medidas provisórias não têm, em princípio, como objeto preparar um processo de arbitragem, sendo antes adotadas paralelamente a tal processo e destinadas a apoio do mesmo» (n.o 33).

( 51 ) V. Green Paper on the Review of Council Regulation (EC) n.o 44/2001 on Juridiction and the Recognition and Enforcement of Judgments in Civil and Commercial Matters, [COM(2009) 175 final].

( 52 ) V., designadamente, neste sentido, as reações da Association for International Arbitration, de Allen and Overy LLP, dos Barreaux de France, do Centre belge d’arbitrage et de médiation, da Camera arbitrale di Milano, da Chambre de commerce et d’industrie de Paris, de Clifford Chance LLP, do Comité français de l’arbitrage, do Comité national français de la Chambre de commerce Internationale, do Deutscher Industrie‑ und Handelskammertag, do Arbitration Committee de l’International Bar Association, do professor Emmanuel Gaillard, de Paris, de The Home of International Arbitration et de Lovells LLP, do Club Español del Arbitraje e da Sección Española da International Law Association (disponíveis no sítio Internet da Comissão, no seguinte endereço: http://ec.europa.eu/justice/newsroom/civil/opinion/090630_en.htm).

( 53 ) Impact Assessment, Accompanying document to the Proposal for a Regulation of the European Parliament and of the Council on jurisdiction and the recognition and enforcement of judgments in civil and commercial matters (Recast), SEC(2010) 1547 final (disponível apenas em língua inglesa). A síntese da análise de impacto está disponível em língua francesa: SEC(2010) 1548 final.

( 54 ) Ibidem (p. 35).

( 55 ) Ibidem (pp. 36 e 37).

( 56 ) Ibidem (pp. 37 e 38).

( 57 ) Ibidem (pp. 36 e 37).

( 58 ) Ibidem (p. 37).

( 59 ) Proposta de Regulamento do Parlamento e do Concelho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação), COM(2010) 748 final.

( 60 ) O artigo 29.o, n.o 4, da proposta de reformulação previa que «[s]e a sede acordada ou designada de uma arbitragem for num Estado‑Membro, os tribunais de outro Estado‑Membro cuja competência seja contestada com base num acordo de arbitragem devem suspender a instância quando os tribunais do Estado‑Membro da sede da arbitragem ou o tribunal arbitral tiverem sido demandados para verificar, a título principal ou incidental, a existência, validade ou efeitos desse acordo de arbitragem. […] Se a existência, validade ou efeitos do acordo de arbitragem forem confirmados, o tribunal demandado deve declarar‑se incompetente.» O artigo 33.o, n.o 3, desta proposta dispunha que «[…] considera‑se que foi demandado um tribunal arbitral sempre que uma parte nomear um árbitro ou tiver solicitado o apoio de uma instituição, autoridade ou tribunal para a constituição do tribunal».

( 61 ) Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de setembro de 2010, sobre a aplicação e revisão do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [P7_TA(2010)0304, n.os 9 e 10]. Sublinhado meu.

( 62 ) Documentos 10609/12 JUSTCIV 209 CODEC 1495 e 10609/12 JUSTCIV 209 CODEC 1495 ADD 1.

( 63 ) V. artigos 1.°, n.o 2, alínea d), e 29.°, n.o 4.

( 64 ) V. artigo 84.o, n.o 2.

( 65 ) Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 20 de novembro de 2012, sobre uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação) [P7_TA(2012)0412].

( 66 ) Artigo 73.o, n.o 2.

( 67 ) V. n.o 117 das presentes conclusões.

( 68 ) Sublinhado meu.

( 69 ) Isto é confirmado pelo terceiro parágrafo, nos termos do qual, «se um tribunal de um Estado‑Membro […] determinar que uma convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação, tal não deverá impedir que a decisão do tribunal quanto ao mérito da questão seja reconhecida ou, consoante o caso, executada nos termos do presente regulamento». A contrario, a decisão sobre a competência (e a convenção de arbitragem) não está sujeita às regras de reconhecimento e de execução do referido regulamento.

( 70 ) V. n.o 81 das presentes conclusões.

( 71 ) Sublinhado meu.

( 72 ) V., neste sentido, Nuyts, A., «La refonte du règlement Bruxelles I», 2013, vol. 102, Revue critique du droit international privé, p. 1, 15: («[…] deduz‑se [do segundo parágrafo do considerando 12] que a exceção de incompetência do tribunal baseada numa cláusula de arbitragem escapa por si própria ao domínio do regulamento. Assim, na nossa opinião, deve abandonar‑se a interpretação feita no acórdão West Tankers […] A alteração da jurisprudência West Tankers sobre esta questão deve ser aplaudida […]»).

( 73 ) V. Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de setembro de 2010, sobre a aplicação e revisão do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, [P7_TA(2010)0304, considerando M], nos termos do qual «os vários dispositivos processuais nacionais instituídos para proteger a competência arbitral (‘anti‑suit injunctions’, desde que estejam em conformidade com a liberdade de circulação das pessoas e os direitos fundamentais, a declaração de validade de uma cláusula de arbitragem, a concessão de indemnização por violação de uma cláusula de arbitragem, o efeito nefasto do princípio da ‘Kompetenz‑Kompetenz’, etc.), têm de permanecer acessíveis e que o efeito de tais procedimentos e as subsequentes decisões dos tribunais nos outros Estados‑Membros têm de ser apreciados segundo a lei desses Estados‑Membros, como acontecia antes do acórdão West Tankers».

( 74 ) Sublinhado meu. Neste sentido, a solução dada pelo considerando 12 é diferente da que decorre do acórdão Gothaer Allgemeine Versicherung e o. (C‑456/11, EU:C:2012:719, n.o 41), no qual o Tribunal de Justiça declarou que «uma decisão num pacto atributivo de jurisdição, sustentando que esse pacto é válido, vincula os tribunais dos outros Estados‑Membros tanto no que respeita à decisão de incompetência desse tribunal, contida no dispositivo da sua decisão, como no que respeita à conclusão relativa à validade desse pacto, contida nos fundamentos dessa decisão, que constituem o alicerce necessário desse dispositivo». Com efeito, nesse processo, não estava em causa uma convenção de arbitragem, mas uma cláusula atributiva de competência, que, ao contrário das convenções de arbitragem, se enquadram no âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I (v. artigo 23.o) e da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, aprovada em nome da União Europeia pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008 (JO 2009, L 147, p. 1), e aplicável a esse processo (artigo 23.o). Pelo contrário, de acordo com o segundo parágrafo do considerando 12 do Regulamento Bruxelas I (reformulação), embora uma decisão de um tribunal de um Estado‑Membro que declara uma convenção de arbitragem nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação baste para reconhecimento e execução nos tribunais de outro Estado‑Membro, não poderá ser reconhecida nem executada com fundamento no Regulamento Bruxelas I. V., neste sentido, cour d’appel de Paris, 15 de junho de 2006, Legal Department du Ministère de la Justice de la République d’Irak c. Sociétés Fincantieri Cantieri Navali Italiani, disponível no sítio Internet de Legifrance, no seguinte endereço: http://www.legifrance.gouv.fr/affichJuriJudi.do?oldAction=rechJuriJudi&idTexte=JURITEXT000006951261&fastReqId=65424442&fastPos=9.

( 75 ) Isto implica que, na hipótese de a decisão de um tribunal de um Estado‑Membro que declara uma convenção de arbitragem nula, ineficaz ou insuscetível de aplicação e que em seguida decide o litígio quanto ao mérito ser objeto de um pedido de reconhecimento e de execução nos tribunais de outro Estado‑Membro, essa decisão deve ser reconhecida e executada em conformidade o Regulamento Bruxelas I. Todavia, dado que, regra geral, o andamento de um processo arbitral é mais rápido que o de um processo estatal, é provável que o tribunal demandado já tenha reconhecido e executado uma sentença arbitral quanto ao mérito sobre o mesmo litígio. Nesse caso, o tribunal demandado já não será obrigado a reconhecer e a executar a decisão estatal, uma vez que a sentença arbitral já terá transitado em julgado [v., artigo 45.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento Bruxelas I (reformulação), nos termos do qual: «[…], o reconhecimento de uma decisão é recusado: […] c) Se a decisão for inconciliável com uma decisão proferida no Estado‑Membro [num processo] requerido entre as mesmas partes; […]»].

( 76 ) Sublinhado meu.

( 77 ) Sublinhado meu.

( 78 ) Acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69, n.o 29).

( 79 ) Acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (EU:C:2009:69, n.o 31).

( 80 ) Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça, baseando‑se «na confiança que os Estados contratantes concedem reciprocamente aos seus sistemas jurídicos» em que assentava a Convenção de Bruxelas, bem como na «certeza jurídica» (n.o 72), recusou que a duração «excessivamente longa» (n.o 73) dos processos judiciais no Estado do tribunal demandado em primeiro lugar pudesse ter uma qualquer influência sobre a aplicação daquela convenção, e rejeitou o argumento relativo aos «comportamentos dilatórios das partes que, pretendendo adiar a resolução do litígio quanto ao mérito, intentam uma ação num tribunal que sabem ser incompetente devido à existência de um pacto atributivo de jurisdição» (n.o 53). Relativamente à crítica desse acórdão e ao risco de «forum shopping» nos tribunais incompetentes praticado pelas partes de má‑fé, v. Franzosi, M., «Worldwide patent litigation and the Italian torpedo», European Intellectual Property Review, 1997, vol. 7, pp. 382, 385; Véron, P., «ECJ Restores Torpedo Power», International Review of Intellectual Property and Competition Law, 2004, vol. 35, pp. 638, 638 e 639; Muir Watt, H., «Erich Gasser GmbH c. MISAT Srl», Revue critique de droit international privé, 2004, vol. 93, pp. 444, 463.

( 81 ) Relativamente à crítica desse acórdão que sublinha as possibilidades oferecidas pela Convenção de Bruxelas (ou pelo Regulamento Bruxelas I, que lhe sucedeu) aos litigantes de má‑fé para impedirem uma solução rápida e equitativa dos litígios, v. Lord Mance, «Exclusive Jurisdiction Agreements and European Ideals», Law Quartely Review, 2004, vol. 120, p. 357; Fentiman, R., «Access to Justice and Parallel Proceedings in Europe», Cambridge Law Journal, 2004, vol. 63, p. 312; Romano, G. P., «Le principe de sécurité juridique à l’épreuve des arrêts Gasser et Owusu», Cahiers de droit européen, 2008, pp. 175, 209 e 210.

( 82 ) «Todavia, a fim de reforçar a eficácia dos acordos exclusivos de eleição do foro competente e evitar táticas de litigação abusivas, é necessário prever uma exceção à regra geral de litispendência, a fim de lidar de forma satisfatória com uma situação particular no âmbito da qual poderão ocorrer processos concorrentes. Trata‑se da situação em que é demandado um tribunal não designado num acordo exclusivo de eleição do foro competente, e o tribunal designado é demandado subsequentemente num processo com a mesma causa de pedir e com as mesmas partes. Nesse caso, o tribunal demandado em primeiro lugar deverá ser chamado a suspender a instância logo que o tribunal designado seja demandado e até que este declare que não é competente por força do acordo exclusivo de eleição de foro competente. Isto destina‑se a, numa tal situação, dar prioridade ao tribunal designado para decidir da validade do acordo e em que medida o acordo se aplica ao litígio pendente. O tribunal designado deverá poder prosseguir a ação independentemente de o tribunal não designado já ter decidido da suspensão da instância.» Sublinhado meu.

( 83 ) Neste sentido, cito o direito aplicável em França, um dos países pioneiros da arbitragem, de acordo com o qual, quando um litígio abrangido por uma convenção de arbitragem é submetido a um tribunal francês, este declara‑se incompetente, exceto se o tribunal arbitral ainda não tiver sido chamado a pronunciar‑se e a convenção de arbitragem for manifestamente nula ou manifestamente inaplicável (artigos 1448 e 1506‑A do Código de Processo Civil). V., neste sentido, Gaillard, E., e de Lapasse, P., «Le nouveau droit français de l’arbitrage interne et international», Recueil Dalloz, 2011, vol. 3, p. 175 a 192.

( 84 ) V. artigo V, n.o 1, alíneas a) e c), da Convenção de Nova Iorque.

( 85 ) Guia da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI) relativo à Convenção para o Reconhecimento e Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque de 1958): extrato, guia relativo ao artigo II, n.o 61 (UNGA A/CN.9/814/Add.2), disponível no sítio Internet do Guia, no seguinte endereço: http://www.newyorkconvention1958.org/pdf/II‑English‑140211.pdf.

Principal órgão jurídico do sistema das Nações Unidas no domínio do direito comercial internacional, a CNUDCI elabora regras modernas, equitativas e harmonizadas relativas às operações comerciais, inclusive a Convenção de Nova Iorque de 1958.

( 86 ) Nem, aliás, as decisões dos tribunais dos Estados‑Membros que conferem o exequatur a uma sentença arbitral, porque não são decisões na aceção do artigo 32.o do Regulamento Bruxelas I. É verdade que, no seu acórdão Gothaer Allgemeine Versicherung e o. (EU:C:2012:719, n.os 23 e 24), o Tribunal de Justiça declarou que «o conceito de ‘decisão»’ abrange ‘qualquer’ decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro, sem fazer nenhuma distinção em função do conteúdo da decisão em causa». Todavia, como referiram os Governos alemão, francês e do Reino Unido na audiência, não pode haver exequatur sobre exequatur. Dado que a fiscalização de uma decisão pelo tribunal de exequatur sob o regime do Regulamento de Bruxelas I é mais restritivo que o previsto na Convenção de Nova Iorque de 1958, permitir que as decisões de exequatur de uma sentença arbitral sejam reconhecidas e executadas em conformidade com as disposições deste regulamento privaria, na realidade, os tribunais dos Estados‑Membros do direito que lhes confere a referida convenção de fiscalizarem, eles próprios, a sentença arbitral com base nos critérios enunciados no artigo V da referida convenção.

( 87 ) Considero que é compatível com o Regulamento Bruxelas I que um tribunal arbitral ou um tribunal estatal possa, a pedido da parte prejudicada e desde que o direito aplicável à convenção de arbitragem o permita, condenar a parte que intentou um processo nos tribunais estatais em violação dessa convenção a pagar os prejuízos correspondentes aos montantes a que estes teriam eventualmente condenado a parte prejudicada. Esse é, por exemplo, o caso no direito inglês: Mantovani v Carapelli SpA [1980] 1 Lloyd’s Rep 375 (CA). Mutatis mutandis em relação à violação de uma cláusula atributiva de competência: Union Discount Co v Zwoller [2001] EWCA Civ 1755, [2002] 1 WLR 1517; Donohue v Armco Inc [2001] UKHL 64, [2002] 1 Lloyd’s Rep 425. V., neste sentido, Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de setembro de 2010, sobre a aplicação e revisão do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [P7_TA(2010)0304, considerando M].

( 88 ) Sentença arbitral, n.o 266: «The Tribunal notes that Respondent does not challenge the Tribunal’s power to order specific performance if it finds that Respondent has breached the arbitration clause in the [Shareholders Agreement]. As a consequence, the Tribunal finds that it has jurisdiction to order the Ministry not to bring a request before the Lithuanian Tribunal de Justiça t that could affect the rights of the shareholders under the [Shareholders Agreement]».

( 89 ) V. acórdãos PreussenElektra (C‑379/98, EU:C:2001:160, n.o 39); Owusu (EU:C:2005:120, n.o 50); Régie Networks (C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 46); Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 27); Unió de Pagesos de Catalunya (C‑197/10, EU:C:2011:590, n.o 17); e Radu (C‑396/11, EU:C:2013:39, n.o 22).

( 90 ) V. n.o 57 das presentes conclusões.

( 91 )

( 92 ) V. n.os 41 à 43 das presentes conclusões.

( 93 ) «Poderão igualmente ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução foram pedidos constatar: a) Que, de acordo com a lei desse país, o objeto desse litígio não é suscetível de ser resolvido por via arbitral; […]». V. n.os 59 a 61 das presentes conclusões.

( 94 ) Traduzido por mim a partir do texto original em língua inglesa do Guia da CNUDCI relativo à Convenção para o Reconhecimento e Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque 1958): extrato, guia relativo ao artigo V, n.o 2, alínea b), ponto 4: («a safety valve to be used in those exceptional circumstances when it would be impossible for a legal system to recognize an award and enforce it without abandoning the very fundaments on which it is based»), disponível no sítio Internet do guia, no seguinte endereço: http://www.newyorkconvention1958.org/index.php?lvl=cmspage&pageid=11&provision=304.

( 95 ) Traduzido por mim a partir do texto original em língua inglesa do acórdão Parsons & Whittemore Overseas v Société Générale de l’Industrie du Papier (RAKTA) 508 F.2d 969, 974 (1974): («Enforcement of foreign arbitral awards may be denied on [the basis of public policy] only where enforcement would violate the forum state’s most basic notions of morality and justice»). Esta definição de ordem pública foi adotada pelas jurisdições de vários Estados contratantes: V. BCB Holdings Limited and The Belize Bank Limited v The Attorney General of Belize [2013] CCJ 5 (AJ) (Caribbean Court of Justice, Appellate Jurisdiction); Traxys Europe SA v Balaji Coke Industry Pvt Ltd [2012] FCA 276 (Federal Court, Australia); Hebei Import & Export Corp v Polytek Engineering Co Ltd [1999] 2 HKC 205 (Court of Final Appeal, Hong Kong); Renusagar Power Co Ltd v General Electric Company & anor 1994 AIR 860 (Supreme Court of India); Brostrom Tankers AB v Factorias Vulcano SA (2005) XXX Ybk Com Arb 591 (High Court of Dublin, Ireland).

( 96 ) Cour d’appel de Paris, 16 de outubro de 1997, Agence pour la sécurité de la navigation aérienne en Afrique et à Madagascar c. M. N’DOYE Issakha.

( 97 ) Traduzido por mim a partir do texto original em língua inglesa do guia da CNUDCI relativo à Convenção para o Reconhecimento e Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque 1958): extrato, guia relativo ao artigo V, n.o 2, alínea b), ponto 9: («an award contravenes public policy when it violates a norm which affects the basis of German public and economic life or irreconcilably contradicts the German perception of justice»), disponível no sítio Internet do guia, no seguinte endereço: (http://www.newyorkconvention1958.org/index.php?lvl=cmspage&pageid=11&provision=304), e que cita os acórdãos Oberlandesgericht München, 34 Sch 019/05, 28 de novembro de 2005; Oberlandesgericht Düsseldorf, VI Sch (Kart) 1/02, 21 de julho de 2004; Hanseatisches Oberlandesgericht Bremen (2) Sch 04/99, 30 de setembro de 1999; e Bundesgerichtshof, III ZR 269/88, 18 de janeiro de 1990.

( 98 ) Traduzido por mim a partir do texto original em língua inglesa do acórdão Deutsche Schachtbau‑und Tiefbohrgesellschaft mbH v Shell International Petroleum Co Ltd [1990] 1 AC 295 (Court of Appeal): («the enforcement of the award would be clearly injurious to the public good or, possibly, enforcement would be wholly offensive to the ordinary reasonable and fully informed member of the public on whose behalf the powers of the state are exercised»).

( 99 ) «Uma decisão não é reconhecida se […] o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro demandado».

( 100 ) Acórdão Krombach (C‑7/98, EU:C:2000:164, n.o 21). V. também, neste sentido, acórdão Solo Kleinmotoren (C‑414/92, EU:C:1994:221, n.o 20).

( 101 ) Acórdão Krombach (EU:C:2000:164, n.o 21). V. também, neste sentido, acórdãos Hoffmann (EU:C:1988:61, n.o 21), e Hendrikman e Feyen (C‑78/95, EU:C:1996:380, n.o 23).

( 102 ) Acórdão Krombach (EU:C:2000:164, n.o 37). V. também, neste sentido, acórdãos Renault (C‑38/98, EU:C:2000:225, n.o 30); Apostolides (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 59); e Trade Agency (C‑619/10, EU:C:2012:531, n.o 51).

( 103 ) Acórdão Krombach (EU:C:2000:164, n.o 37). V. também, neste sentido, acórdãos Renault (EU:C:2000:225, n.o 30); Apostolides (EU:C:2009:271, n.o 59); e Trade Agency (EU:C:2012:531, n.o 51).

( 104 ) V. acórdãos Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269), e Mostaza Claro (EU:C:2006:675).

( 105 ) A este respeito, observe‑se que o acórdão Eco Swiss (EU:C:1999:269) não me parece facilmente conciliável com o acórdão Renault (EU:C:2000:225). Recordo que o que tinha levado o juiz do Estado demandado no processo que deu origem ao acórdão Renault (EU:C:2000:225) a questionar‑se sobre a contradição da decisão estrangeira com a ordem pública do seu Estado foi um erro que o juiz do Estado de origem tinha, eventualmente, cometido na aplicação de determinadas regras de direito da União, designadamente os princípios da livre circulação de mercadorias e da livre concorrência. Apesar da semelhança da problemática desse processo com o processo que deu origem ao acórdão Eco Swiss (EU:C:1999:269), o Tribunal de Justiça declarou que «[o] juiz do Estado requerido não pode, sob pena de pôr em causa a finalidade d[o Regulamento Bruxelas I], recusar o reconhecimento de uma decisão emanada de outro Estado[‑Membro] pelo mero motivo de considerar que, nesta decisão, o direito nacional ou o direito comunitário foi mal aplicado» (acórdão Renault, EU:C:2000:225, n.o 34; v., também, acórdão Apostolides, EU:C:2009:271, n.o 60). Não vejo a lógica de uma situação em que um juiz de um Estado‑Membro tenha de anular uma sentença arbitral quando ela é incompatível com o artigo 101.o TFUE, mas seja obrigado a reconhecer e a executar uma decisão emanada de um tribunal de outro Estado‑Membro, que também é incompatível com o direito da União em matéria de direito da concorrência.

( 106 ) JO L 95, p. 29.

( 107 ) Acórdão Eco Swiss (EU:C:1999:269, n.o 36). V. também, neste sentido, acórdão Mostaza Claro (EU:C:2006:675, n.o 37).

( 108 ) V. acórdãos Krombach (EU:C:2000:164, n.os 25, 26, 38 e 39), e Trade Agency (EU:C:2012:531, n.o 52).

( 109 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2014:2046, n.o 84).

( 110 ) Ibidem (n.o 85). V., neste sentido, acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.o 56).

( 111 ) Acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 304).

( 112 ) Recordo que esse acórdão não dizia respeito a arbitragem.

( 113 ) Trata‑se das regras de competência em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis (n.o 1), de validade, de nulidade ou de dissolução das sociedades ou outras pessoas coletivas que tenham a sua sede no território de um Estado‑Membro, ou de validade ou nulidade das decisões dos seus órgãos (n.o 2), de validade de inscrições em registos públicos (n.o 3), de inscrição ou de validade de patentes, marcas, desenhos e modelos, e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo (n.o 4) e de execução de decisões (n.o 5).

( 114 ) V. guia da CNUDCI relativo à Convenção para o Reconhecimento e Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque, 1958): extrato, guia relativo ao artigo V, n.o 2, alínea b), pontos 17 e 18, disponível no sítio Internet do Guia, no seguinte endereço: (http://www.newyorkconvention1958.org/index.php?lvl=cmspage&pageid=11&provision=304). V. também, neste sentido, Hanotiau, B., e Caprasse, O., «Public Policy in International Commercial Arbitration» en Gaillard, E., e Di Pietro, D. (eds), Enforcement of Arbitration Agreements and International Arbitral Awards: The New York Convention in Practice, Cameron May, Londres, 2008, pp. 787, 791 a 794.

( 115 ) Os pedidos apresentados pelo Ministério da Energia (nomeadamente, de obrigar a Lietuvos dujos a encetar negociações com a Gazprom com vista à fixação de um preço de compra de gaz equitativo e justo) não dizem respeito à validade, à nulidade ou à dissolução da Lietuvos dujos, nem à validade ou à nulidade das decisões dos seus órgãos.

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