ISSN 1725-2482

doi:10.3000/17252482.C_2009.317.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 317

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

52.o ano
23 de Dezembro de 2009


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009

2009/C 317/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Integração das políticas de transporte e de ordenamento do território para um transporte urbano mais sustentável (parecer exploratório)

1

2009/C 317/02

Parecer do Comité Económico e Social sobre A Competitividade da indústria europeia do vidro e da cerâmica, com especial referência ao pacote clima-energia da UE (parecer exploratório solicitado pela Presidência checa)

7

2009/C 317/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as Relações entre a UE e a Bósnia-Herzegovina: O papel da sociedade civil (parecer exploratório)

15

2009/C 317/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Emissões dos transportes rodoviários – Medidas concretas para superar a estagnação (parecer de iniciativa)

22

2009/C 317/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Componentes e mercados a jusante do sector automóvel (parecer de iniciativa)

29

2009/C 317/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Espaços urbanos e violência juvenil (parecer de iniciativa)

37

2009/C 317/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Proteger as crianças dos abusadores sexuais que viajam para o efeito

43

2009/C 317/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O futuro das zonas não urbanas na sociedade do conhecimento (parecer de iniciativa)

49

 

III   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009

2009/C 317/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores [COM(2008) 614 final – 2008/0196 (COD)]

54

2009/C 317/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 2001/83/CE para impedir a introdução, na cadeia de abastecimento legal, de medicamentos falsificados no que diz respeito à sua identidade, história ou origem [COM(2008) 668 final – 2008/0261 (COD)]

62

2009/C 317/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 78/660/CEE, relativa às contas anuais de certas formas de sociedades, no que diz respeito às microentidades [COM(2009) 83 final – 2009/0035 (COD)]

67

2009/C 317/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que adapta à Decisão 1999/468/CE do Conselho certos actos sujeitos ao procedimento previsto no artigo 251.o do Tratado, no que se refere ao procedimento de regulamentação com controlo – Adaptação ao procedimento de regulamentação com controlo – Quinta parte [COM(2009) 142 final – 2009/0048 (COD)]

72

2009/C 317/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Avaliação intercalar da implementação do plano de acção comunitário sobre biodiversidade [COM(2008) 864 final]

75

2009/C 317/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Estratégia de internalização dos custos externos [COM(2008) 435 final/2]

80

2009/C 317/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre os benefícios da telemedicina para os doentes, os sistemas de saúde e a sociedade [COM(2008) 689 final]

84

2009/C 317/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante aos direitos dos passageiros do transporte marítimo e fluvial e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor [COM(2008) 816 final – 2008/0246 (COD)]

89

2009/C 317/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo [COM(2008) 852 final – 2008/0247 (COD)]

94

2009/C 317/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante aos direitos dos passageiros no transporte de autocarro e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor [COM(2008) 817 final – 2008/0237 (COD)]

99

2009/C 317/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1321/2004 relativo às estruturas de gestão dos programas europeus de radionavegação por satélite [COM(2009) 139 final – 2009/0047 (COD)]

103

2009/C 317/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde sobre a mão-de-obra da União Europeia no sector da saúde [COM(2008) 725 final]

105

2009/C 317/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros (reformulação) [COM(2008) 815 final – 2008/0244 (COD)]

110

2009/C 317/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida (reformulação) [COM(2008) 820 final – 2008/0243 (COD)]

115

2009/C 317/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Conselho relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, taxas, direitos e outras medidas [COM(2009) 28 final – 2009/0007 (CNS)] e a Proposta de directiva do Conselho relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade [COM(2009) 29 final – 2009/0004 (CNS)]

120

2009/C 317/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Integração regional para o desenvolvimento dos países ACP [COM(2008) 604 final]

126

2009/C 317/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Conselho relativa aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura (versão codificada) [COM(2009) 235 final – 2006/0250 (CNS)]

132

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009

23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/1


455.a REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 E 16 DE JULHO DE 2009

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Integração das políticas de transporte e de ordenamento do território para um transporte urbano mais sustentável

(parecer exploratório)

(2009/C 317/01)

Relator: Frederic Adrian OSBORN

Por carta de 3 de Novembro de 2008, a Comissão Europeia solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a elaboração de um parecer exploratório sobre:

Integração das políticas de transporte e de ordenamento do território para um transporte urbano mais sustentável.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 26 de Junho de 2009, sendo relator Frederic Adrian Osborn.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 114 votos a favor e 1 voto contra, o seguinte parecer:

1.   Síntese

1.1.   As pessoas precisam de transportes para acederem ao seu local de trabalho, às lojas, às escolas e a todos os outros destinos da vida moderna. O desenvolvimento e manutenção de todos os tipos de sistemas de transporte é uma parte importante das políticas públicas. Mas o transporte também tem desvantagens: causa poluição, congestionamentos e acidentes. As ligações de transporte (ou a sua inexistência) podem dividir e isolar comunidades, ou apoiá-las. O transporte é também uma importante fonte de emissões de CO2 e da crescente ameaça das alterações climáticas.

1.2.   Há, pois, uma crescente necessidade da criação, por parte das autoridades públicas de todos os níveis, de padrões de transporte mais sustentáveis, capazes de satisfazer as necessidades de transporte pessoal e simultaneamente de minimizar os impactos adversos. Os problemas são bem mais graves nas zonas urbanas, pelo que nessas áreas é particularmente sentida a necessidade de estratégias de transporte mais sustentáveis.

1.3.   O padrão das deslocações nas zonas urbanas está intimamente ligado aos padrões de ordenamento do território. Para ter transportes mais sustentáveis é necessário, portanto, adoptar estratégias e políticas integradas de transporte e de ordenamento do território.

1.4.   As responsabilidades primárias pelo desenvolvimento e execução de estratégias integradas residem nos níveis local e nacional. Foram já obtidos alguns progressos no sentido da sustentabilidade neste domínio, em diversas cidades, municípios e países da Europa. Mas até ao momento esses progressos foram irregulares. Há margem, e também necessidade, para uma iniciativa europeia que vise promover e apressar a adopção e aplicação de estratégias mais sustentáveis de ordenamento do território e de transportes nas cidades e municípios de toda a Europa.

1.5.   Os elementos essenciais desta iniciativa deveriam ser os seguintes:

lançamento de uma nova iniciativa de investigação, para identificar de forma mais precisa os aspectos principais das melhores práticas neste domínio;

desenvolvimento de um conjunto fiável de indicadores de progresso no sentido de um transporte sustentável;

revisão de experiências locais e nacionais, bem como de sistemas de apoio legislativo e financeiro relativamente ao transporte e ao impacto em termos de produção de CO2;

desenvolvimento de uma nova directiva-quadro sobre transportes urbanos e políticas de ordenamento do território sustentáveis;

revisão do equilíbrio de outros programas e políticas europeus, de modo a que o impacto global da política europeia apoie de forma mais clara o transporte sustentável;

desenvolvimento de sistemas de transportes inteligentes (STI).

2.   Observações na generalidade

2.1.   As sociedades modernas dependem, em grande medida, dos transportes. As pessoas contam com os transportes para irem trabalhar ou às compras, para se deslocarem para actividades de tempos livres ou para qualquer outro destino. As empresas também precisam de transportes para criarem e entregarem os seus produtos e serviços no mundo inteiro.

2.2.   O desenvolvimento tecnológico dos transportes nos últimos dois séculos aumentou enormemente as distâncias que se podem vencer com facilidade e a preços acessíveis, ampliando a gama de produtos e serviços e de estilos de vida disponíveis para as pessoas. Transformou igualmente a evolução dos aglomerados urbanos, que já não precisam de estar concentrados em redor de pequenos centros com serviços a que as pessoas acedem principalmente a pé. Podem estender-se por grandes áreas de baixa densidade, ligadas por redes rodoviárias e sistemas de transportes.

2.3.   Estas mudanças trouxeram muitos benefícios, mas também causaram problemas significativos. O constante aumento da procura de transporte origina congestionamentos e atrasos. As comunidades locais perdem a sua coesão à medida que os serviços locais são substituídos por outros mais distantes e as pessoas têm menos contacto com os vizinhos. A maioria dos meios de transporte motorizados provoca barulho e poluição. A maior parte também emite CO2 e o aumento constante da procura de transporte é uma das principais causas das alterações climáticas.

2.4.   Durante muitos anos os governos encararam a expansão das oportunidades de viajar como uma vantagem pública. As políticas e investimentos públicos no domínio dos transportes visavam ampliar as redes de transporte e torná-las mais acessíveis a todos.

2.5.   Muitas outras políticas e programas públicos também influenciaram a procura de viagens e deslocações cada vez maiores e mais numerosas. Muitos novos projectos habitacionais são construídos em zonas de baixa densidade, mal servidos de transportes públicos, e assumem que os moradores dependerão do transporte particular para chegarem ao seu destino. As reorganizações de escolas, hospitais e outros serviços públicos tenderam a criar estabelecimentos maiores mas mais distantes. De forma análoga, os responsáveis por instalações comerciais têm privilegiado locais de grande dimensão fora do centro das povoações.

2.6.   Gradualmente, as percepções estão a mudar. As pessoas começam a reconhecer as desvantagens dos transportes e não apenas as suas vantagens. As políticas públicas estão igualmente a adaptar-se. As políticas e os programas de transportes têm ainda de satisfazer as necessidades básicas dos utentes em matéria de transporte. Mas, ao mesmo tempo, é cada vez mais claro que as políticas de transporte, de ordenamento do território e outras devem incluir medidas pensadas para reduzir ou limitar a procura global de transportes e encorajar as pessoas a usarem modos de transporte mais sustentáveis, preferindo as deslocações de transportes públicos, a pé, de bicicleta ou outros em detrimento das viaturas particulares.

2.7.   As crescentes ameaças das alterações climáticas e da insegurança no aprovisionamento de combustíveis dão uma nova urgência a estes dilemas e à necessidade de agir com determinação para reduzir a procura de transportes, limitando-os a modos mais sustentáveis. Isso pode implicar alterações substanciais nos padrões de ordenamento do território e de mobilidade urbana.

2.8.   Podem identificar-se quatro novos objectivos políticos para o transporte e o ordenamento do território sustentáveis:

encorajar as pessoas a escolherem zonas residenciais mais próximas dos seus locais de trabalho, formação e tempos livres, e providenciar a criação de locais de trabalho e de formação mais próximos das zonas residenciais, de modo a reduzir o congestionamento, a poluição e a emissão de gases com efeito de estufa e a devolver a viabilidade às comunidades locais;

encorajar as pessoas a usarem, na medida do possível, os transporte públicos ou a deslocarem-se a pé ou de bicicleta, desencorajando o uso de viaturas particulares;

encorajar as empresas a usarem mais fornecedores e trabalhadores locais, de modo a reduzir as deslocações necessárias;

reavivar o interesse pelos destinos locais para férias, como forma de reduzir ou limitar a crescente procura de transporte aéreo e os danos que este causa ao ambiente.

2.9.   Há um enorme impulso social e económico por trás da procura cada vez maior de transporte, pelo que não é fácil reduzi-lo ou modificá-lo. A experiência mostra que essa tarefa só pode ser bem-sucedida se as políticas forem desenvolvidas de forma integrada, interligando as políticas de transporte, de ordenamento do território e outras para se reforçarem mutuamente, desenvolvendo-as de forma aberta, transparente e democrática e, desse modo, garantindo-lhes suficiente apoio político e popular em todos os níveis de governação. No desenvolvimento de novas estratégias e políticas deve ser prestada especial atenção às necessidades dos idosos, pessoas com deficiência e agregados familiares com fracos rendimentos.

3.   Elementos de políticas coordenadas de transporte, de ordenamento do território e de transporte sustentável

3.1.   As políticas de ordenamento do território e similares que podem encorajar transportes urbanos mais sustentáveis incluem:

promoção de processos de desenvolvimento de maior densidade;

promoção de formas mais compactas de desenvolvimento urbano, com percursos mais curtos até aos principais serviços;

promoção do desenvolvimento ou expansão de povoações de pequena e média dimensão, como alternativa à continuação do desenvolvimento de cidades já demasiado grandes;

limitação da expansão das cidades para dentro das zonas verdes circundantes e estabelecimento de zonas verdes nas cidades e em redor delas, etc.;

promoção de serviços locais mais pequenos (lojas, escolas, igrejas, hospitais, gabinetes cívicos, etc.), com zonas envolventes mais pequenas, desencorajando os serviços distantes e de grande dimensão em zonas envolventes maiores e mais dispersas;

promoção de processos de desenvolvimento mistos, por oposição a funções distintas e diferenciadas em locais só acessíveis de automóvel ou transporte público;

promoção da habitação próxima do local de trabalho ou de outros destinos habituais;

promoção do teletrabalho, tirando pleno partido das capacidades da Internet;

deslocação dos serviços mais importantes (públicos ou privados) para locais bem servidos de transportes públicos, limitando a oferta de espaço de estacionamento para veículos nesses locais ou impondo-lhe mudanças significativas;

incentivos às empresas para que localizem as suas operações em zonas acessíveis aos trabalhadores locais, aos fornecedores e aos consumidores, próximas de transportes públicos;

incentivos às empresas para que procurem fornecedores e trabalhadores locais e abasteçam os mercados locais, evitem o transporte de longa distância para a comercialização dos seus produtos e atenuem os efeitos da globalização;

internalização dos custos externos baseada em argumentos de ordem técnica.

3.2.   As políticas de transportes que podem encorajar transportes urbanos mais sustentáveis incluem:

promoção de transportes públicos limpos, acessíveis, de qualidade e eficazes em termos energéticos;

reafectação de investimentos rodoviários para investimentos em transportes públicos;

criação de percursos ou faixas exclusivas para os transportes públicos;

limitação do espaço e do tempo para o estacionamento particular no interior das povoações;

promoção de programas de constituição de zonas pedonais, percursos pedestres, vias pedonais e ciclovias;

promoção de programas de gestão da mobilidade;

distribuição de informação sobre viagens para consciencialização dos utentes;

promoção da cobrança de taxas pela utilização do espaço rodoviário;

alteração dos regimes fiscais sobre os automóveis e os combustíveis de modo a incluir todas as externalidades, como as emissões de CO2 e outros poluentes;

encorajamento às autoridades nacionais para se instalarem em zonas de grande concentração de edifícios administrativos; incentivo aos funcionários para que utilizem os transportes públicos na deslocação para o local de trabalho e introdução do horário de trabalho flexível.

3.3.   A experiência, no entanto, mostra que políticas deste tipo não podem ser introduzidas isoladamente. Só serão eficazes e politicamente aceitáveis se forem introduzidas como parte de uma estratégia mais abrangente, integrando o ordenamento do território e os objectivos do transporte, envolvendo diversos elementos do sector público e muitos intervenientes do sector privado.

3.4.   Por exemplo, restrições ao uso de transportes particulares nas cidades, como as restrições ao estacionamento e taxas de utilização rodoviária ou de estacionamento, só são aceitáveis e eficazes se os transportes públicos alternativos forem suficientemente atractivos, ou seja, se forem limpos, seguros, frequentes, fiáveis e pouco dispendiosos. Além disso, deve ser prestada especial atenção às necessidades dos idosos, pessoas com deficiência e agregados familiares com fracos rendimentos.

3.5.   De forma semelhante, o incentivo ao uso da bicicleta exige uma variedade de medidas, incluindo a criação de ciclovias específicas, de espaços de estacionamento apropriados e seguros, em locais públicos e privados, o estímulo às pessoas com capacidade para o fazer a optarem pela bicicleta em vez do automóvel, a participação dos empregadores nas despesas de transportes e o desenvolvimento de uma cultura favorável ao uso da bicicleta.

3.6.   Mais uma vez, os incentivos à existência de comércio e de outros serviços de proximidade exigem medidas de repartição adequadas, tanto para incentivar os pequenos serviços locais como para desincentivar os grandes serviços periféricos só acessíveis de automóvel, políticas de fiscalidade local em sintonia com estas medidas, programas de renovação urbana que aumentem a capacidade de atracção dos pequenos serviços locais e centros de bairro que funcionem como catalisadores.

3.7.   Não será fácil deter e inverter as tendências que dominaram a evolução das cidades e do transporte urbano no último século. A maior parte das acções empreendidas até ao momento foram-no ao nível local, de forma isolada e experimental. Os progressos foram condicionados por conflitos entre as diversas entidades e os diferentes níveis de governação. Importa ultrapassar muitos interesses estabelecidos públicos e privados.

3.8.   A crescente ameaça das alterações climáticas e o facto de o contributo dos transportes para as emissões globais europeias de gases de efeito de estufa continuar a aumentar dá a estas questões um renovado carácter de urgência. Não podemos permitir-nos a continuação da actual inércia. É necessária uma transição muito mais rápida no sentido de transportes urbanos e padrões de ordenamento do território mais sustentáveis.

4.   Acções a nível local e nacional

4.1.   O papel essencial ao nível local deverá ser desempenhado pelas autoridades locais responsáveis pelo planeamento, em cooperação com autoridades rodoviárias e de transportes locais e outras entidades públicas. As autoridades responsáveis pelo planeamento deverão definir planos de ordenamento do território para guiar o padrão de desenvolvimento e as ligações entre meios de transporte, de forma a permitir que os padrões de transporte se tornem progressivamente mais sustentáveis (com o desenvolvimento de sistemas de transportes inteligentes (STI)). As autoridades responsáveis pelos transportes deverão complementar estas medidas de planificação, recorrendo a medidas que garantam a frequência, fiabilidade e acessibilidade dos sistemas de transporte públicos, permitindo-lhes constituírem-se como alternativas aceitáveis ao transporte particular. Será preciso criar, em conjunto, estratégias integradas para o transporte e o ordenamento do território sustentáveis. Outras entidades públicas e promotores importantes deverão envolver-se, sendo-lhes exigido que tomem em consideração todos os impactos dos transportes nas suas estratégias futuras.

4.2.   Naturalmente será necessário tempo para se evoluir no sentido de um padrão mais sustentável de transporte urbano e de ordenamento do território. O objectivo das estratégias integradas deve ser assegurar que, sempre que as redes de transportes são modificadas ou que ocorre um desenvolvimento físico ou uma reconstrução, cada passo sucessivo representa um impulso na direcção certa. Algumas cidades europeias já fizeram progressos nesta direcção e introduziram políticas inovadoras significativas para promoverem transportes mais sustentáveis. Mas, de uma forma geral, a maior parte das cidades continua a ser condicionada por falta de poderes e de recursos financeiros, por falta de vontade política e pela falta de compreensão e de apoio suficiente por parte dos cidadãos. Sentem-se igualmente pressionadas a competir umas com as outras para atraírem novos desenvolvimentos de um tipo que não é sustentável. É necessário um novo padrão de cooperação, de maneira a trabalhar no sentido de uma forma mais policêntrica de cidades do futuro compactas e sustentáveis. O movimento das cidades intermediárias deve ser apoiado e incentivado.

4.3.   Os governos nacionais (e regionais) têm um papel central a desempenhar para incentivar e permitir as acções mais adequadas a nível local. Por vezes os governos nacionais precisam de reestruturar os órgãos e instituições locais ou de redefinir os seus limites, de modo a facilitar a criação de estratégias verdadeiramente integradas. Podem também solicitar ou incentivar os diferentes órgãos locais e serviços governamentais envolvidos a trabalharem em conjunto, enquanto parceiros, para o desenvolvimento dessas estratégias integradas. Podem ainda ser forçados a dar incentivos, conhecimentos consolidados e experiência e assegurar a coordenação política em todos os níveis.

4.4.   O governo nacional é habitualmente responsável pelo quadro regulamentar básico para a criação de planos de ordenamento do território, pela regulação de novos projectos de desenvolvimento e por assegurar os meios que permitem aos órgãos de poder local regular esses projectos de uma forma que apoie uma estratégia integrada.

4.5.   Os governos nacionais são geralmente responsáveis por definir o quadro financeiro básico para o funcionamento de empreendimentos de transportes públicos e, frequentemente, podem ser forçados a assegurar as fontes de financiamento para alguns dos maiores investimentos necessários. Esses governos controlam o enquadramento fiscal e os padrões de tarifação, aplicação de taxas e de subsídios que têm um impacto crucial nas decisões individuais e colectivas relativas ao ordenamento do território, ao desenvolvimento e aos transportes.

4.6.   Acima de tudo, os governos nacionais têm um papel essencial a desempenhar, alertando o público para os riscos decorrentes da ameaça das alterações climáticas e da escassez de recursos e para a necessidade de agir de forma mais urgente e determinada no sentido de alterar padrões de transporte e de viagem. É necessário que todos os governos europeus desenvolvam estratégias ou quadros abrangentes para integrarem o ordenamento do território e os transportes nas suas cidades e municípios.

5.   Acções ao nível europeu

5.1.   Até ao presente, as políticas e acções europeias no domínio dos transportes concentraram-se na criação e expansão das principais redes de transporte que ligam as diferentes partes da Europa. Os fundos regionais e de coesão desempenharam um papel central no desenvolvimento dessas redes, particularmente na expansão das principais redes rodoviárias. Ao fazê-lo, a influência europeia tem vindo a encorajar a contínua expansão e dispersão das principais cidades europeias, dificultando a evolução no sentido de um padrão mais sustentável de transportes urbanos e de ordenamento do território.

5.2.   Mais recentemente, a Comissão assumiu o desafio de promover padrões mais sustentáveis de transportes urbanos. Muitas das questões essenciais foram identificadas no Livro Verde intitulado «Por uma nova cultura de mobilidade urbana» e no correspondente relatório técnico em matéria de planos de transporte urbano sustentável. A UE, através dos fundos estruturais e de coesão e do Banco Europeu de Investimento, assegurou fundos de investimentos. A UE tem encorajado o intercâmbio de boas práticas e ofereceu pequenos subsídios a projectos de investigação, desenvolvimento e demonstração, por exemplo no quadro do programa CIVITAS. Estas actividades foram úteis, e deveriam ser mantidas e alargadas, mas não têm um carácter transformador.

5.3.   Os novos desafios das alterações climáticas e da urgência de agir em todos os domínios para controlar as emissões de CO2 apontam agora para a crescente necessidade de um novo esforço colectivo europeu. Só uma grande iniciativa europeia pode dar o necessário impulso ao processo de transformação no sentido de uma melhor coordenação de transportes e de padrões de ordenamento do território sustentáveis para o futuro.

5.4.   A UE tem naturalmente competências limitadas neste domínio e a aplicação do princípio da subsidiariedade significa que a maior parte das responsabilidades primeiras pelo transporte local e pelo ordenamento do território continuarão a centrar-se ao nível local e nacional. Ainda assim, o Comité considera que há margem para um reforço significativo das acções europeias que visam catalizar e encorajar iniciativas ao nível local e nacional, particularmente tendo em atenção o papel fulcral da Europa no combate às alterações climáticas e na promoção da redução das missões de CO2.

5.5.   O Comité apoia as recentes recomendações do Parlamento Europeu e do Comité das Regiões com vista a desenvolver o papel europeu nesta área. O Comité recomenda que a Comissão adopte um novo Plano de Acção organizado em torno de cinco eixos principais:

5.6.   A. Empreender um novo e importante esforço de investigação nas interacções entre o ordenamento do território e os transportes

Há uma tradição antiga e importante de projectos de investigação sobre a interacção entre transportes urbanos e o ordenamento do território, no âmbito dos 4.o e 5.o Programas-Quadro de Investigação, Tecnologia e Desenvolvimento da UE (como está patente, por exemplo, em Marshall e Banister (org.): Land Use and Transport: European Research: Towards Integrated Policies, Londres/Amesterdão: Elseviers, 2007). Esta tradição não teve continuidade n.os 6.o e 7.o Programas-Quadro de Investigação, Tecnologia e Desenvolvimento. As alterações climáticas e a possível escassez energética no futuro apresentam novos desafios ao ordenamento do território e exigem uma investigação orientada para as políticas, de forma a fornecer aos decisores informação fiável sobre o impacto provável de eventuais estratégias integradas para lidar com os crescentes custos da energia e concretizar as metas comunitárias relativas à emissão de gases com efeito de estufa. Assim, é necessário rever e actualizar os resultados dos estudos anteriores, à luz destas condições que são, possivelmente, bastante diferentes. Nomeadamente, as seguintes questões políticas exigem uma investigação urgente:

adaptação às alterações climáticas: que combinações de políticas de transportes e de ordenamento do território serão necessárias e viáveis no sentido de reduzir os riscos previsíveis das alterações climáticas, como sejam inundações, deslizamentos de terras, tempestades, vagas de calor, etc.?

atenuação das alterações climáticas: que combinações de políticas de transportes e de ordenamento do território serão susceptíveis de concretizar o contributo do sector dos transportes para as metas de emissão de gases de efeito de estufa na UE e nos Estados-Membros até 2020 e 2050, com menos impactos negativos em termos de custos para a economia, a equidade social e a qualidade de vida?

acesso a serviços essenciais e à vida social: que combinações de políticas de transportes e de ordenamento do território serão as melhores para obter padrões mínimos no acesso, por transporte público, a serviços essenciais (saúde, comércio, educação) e à vida social (incluindo, nomeadamente, as necessidades dos idosos, pessoas com deficiência e agregados familiares com fracos rendimentos), tendo em conta o envelhecimento ou decréscimo da população e os altos preços da energia?

5.7.   B. Desenvolver um conjunto consensual de indicadores que mostrem os progressos de uma área urbana no sentido do transporte sustentável

Tais indicadores poderia incluir, por exemplo, a proporção de todas as viagens feitas com recurso a modos sustentáveis (a pé, de bicicleta ou de transportes públicos), por oposição ao transporte particular. Poderiam igualmente incluir dados sobre o tamanho das zonas de influência de todos os serviços (escolas, hospitais, serviços públicos, centros comerciais) e formas de reduzi-las progressivamente, encorajando serviços locais mais pequenos através da manutenção das unidades descentralizadas dos serviços públicos, que reduzam a extensão das viagens necessárias.

5.8.   C. Iniciar uma revisão europeia das práticas actuais nos domínios do transporte urbano e do ordenamento do território

O principal objectivo seria identificar os sistemas institucionais, legislativos e financeiros que melhor apoiam a transição para o transporte e o ordenamento do território sustentáveis. Essa revisão poderia, nomeadamente, cobrir algumas das ideias mais recentes e controversas, como sejam:

sistemas de cobrança pelo uso das estradas e dos lugares de estacionamento ou da restrição do mesmo nos centros urbanos;

sistemas para financiar o desenvolvimento de sistemas satisfatórios de transportes públicos e apoiar o seu funcionamento;

sistemas que obriguem os promotores de grandes acessibilidades públicas a assegurarem ligações adequadas aos sistemas de transportes públicos e restrinjam a oferta de lugares de estacionamento para veículos particulares;

sistemas que obriguem os promotores públicos e privados a terem em conta o impacto dos transportes na elaboração dos seus projectos futuros, eventualmente cobrando uma tarifa ou taxa aos promotores e gestores de grandes serviços, pelas viagens e pela emissão adicional de CO2 a que obrigam as suas comunidades.

5.9.   D. Desenvolver uma directiva-quadro europeia sobre transportes urbanos e políticas de ordenamento do território sustentáveis

Uma tal directiva-quadro poderia incluir:

orientações para estratégias nacionais dos Estados-Membros no sentido da promoção de transportes urbanos e políticas de ordenamento do território sustentáveis. Cada estratégia nacional obrigaria as autoridades de ordenamento local, rodoviárias e de transportes (bem como outras entidades públicas relevantes) a trabalharem conjuntamente para produzirem planos locais de ordenamento do território e de transportes sustentáveis para cada cidade e aglomerado urbano importante;

orientações para boas práticas e definição de parâmetros de referência no desenvolvimento de estratégias locais, incluindo disposições para consultas sistemáticas e alargadas com o público e todas as partes interessadas, de modo a formar uma consciência pública forte relativamente às alterações necessárias e o consenso mais amplo possível acerca do caminho a seguir;

indicadores para medir os progressos no sentido da sustentabilidade e para avaliar o contributo dos diferentes municípios e regiões para a redução das emissões de CO2, graças a planos mais sustentáveis;

disposições no sentido de assegurar apoio financeiro, ao nível europeu ou nacional, para os investimentos necessários para a progressiva concretização das estratégias definidas. O programa CIVITAS já apoiou algumas iniciativas excelentes e o Comité considera que o mesmo deveria ser alargado.

5.10.   E. Rever outra legislação europeia e programas de investimento que afectam os transportes e o ordenamento do território

A maior parte da despesa europeia no domínio dos transportes foi canalizada para o alargamento de infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias e aéreas, no interesse do crescimento económico e com uma avaliação limitada do seu impacto sobre as emissões de CO2 e sobre a sustentabilidade. Agora seria adequada uma reavaliação do equilíbrio desses programas, de forma a introduzir uma avaliação sistemática do impacto de tais investimentos em termos de emissões de CO2 e reorientar os programas para que estes prestem mais apoio aos transportes públicos, às redes ferroviárias e ao transporte urbano sustentável e menos à promoção da contínua expansão do tráfego de longa distância, grande emissor de CO2.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/7


Parecer do Comité Económico e Social sobre A Competitividade da indústria europeia do vidro e da cerâmica, com especial referência ao pacote clima-energia da UE

(parecer exploratório solicitado pela Presidência checa)

(2009/C 317/02)

Relator: Josef ZBOŘIL

Co-relator: Tomasz CHRUSZCZOW

Por carta de 10 de Dezembro de 2008, Marek Mora, vice-primeiro ministro responsável pelos Assuntos Europeus, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, em nome da futura Presidência checa e nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, que elaborasse um parecer exploratório sobre

A competitividade da indústria europeia do vidro e da cerâmica, com especial referência ao pacote clima–energia da UE.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais emitiu parecer em 4 de Junho de 2009, sendo relator Josef Zbořil e co-relator Tomasz Chruszczow.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por unanimidade o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   A indústria europeia do vidro e da cerâmica faz parte integrante da estrutura económica da Comunidade e constitui uma das mais antigas indústrias do território, com uma história que conta já cerca de 4 000 anos. Actualmente, o sector enfrenta uma série de desafios à sua competitividade, muitos dos quais produto da globalização, da crescente regulamentação em matéria ambiental e dos crescentes custos energéticos.

1.2.   Ambos os sectores requerem grande consumo de energia e ambos utilizam matérias-primas endógenas e vendem os seus produtos essencialmente dentro da UE (ainda que os subsectores do vidro de embalagem e da loiça de mesa disponham de um vasto mercado de exportações, com loiça exportada para todo o mundo e embalagens de vidro utilizadas para grande parte das exportações de luxo da UE). Em conjunto, os sectores do vidro e da cerâmica criaram directamente mais de meio milhão de empregos e contribuíram indirectamente para um número ainda maior de postos de trabalho no sector das matérias-primas e nos sectores que utilizam os seus produtos (nomeadamente o da construção).

1.3.   Os bens que produzem são absolutamente vitais nesta fase do desenvolvimento da UE, até porque não existem muitos materiais competitivos e facilmente disponíveis que possam substituí-los. No entanto, ambos os sectores enfrentam a séria concorrência dos países em vias de desenvolvimento, que tiraram proveito do enquadramento empresarial menos favorável na UE.

1.4.   Em termos de geração de energias renováveis e de poupança de energia, os produtos de vidro, desde que adequadamente reciclados, contrabalançam a energia utilizada e as emissões de CO2 geradas durante a produção. O uso destes produtos é, portanto, essencial para a concretização dos objectivos ambientais europeus em matéria de habitação, transporte e energia renovável ao longo de uma vida útil de, no mínimo, 20 anos. A eliminação final, após repetidas reciclagens, é sempre livre de emissões.

1.5.   O CESE julga importante resolver as principais questões que afectam a competitividade dos sectores do vidro e da cerâmica e tornar mais favorável o enquadramento empresarial na UE, como, de resto, já foi recomendado na análise de ambos os sectores (1). Importa também considerar os aspectos específicos de cada sector, nomeadamente, as diversas aplicações e utilizações dos seus produtos, bem como a sua ampla variedade, os benefícios ambientais, os níveis de consumo de energia, o grau de concentração dos sectores, bem como a sua dimensão regional e a proporção de PME existente em ambos os mercados.

1.6.   A mão-de-obra experiente e dedicada, resultante da longa tradição da indústria e do artesanato e da boa qualidade do ensino e da formação profissional, bem como do património cultural e social das diversas regiões e comunidades, é o bem mais valioso e insubstituível da indústria do vidro e da cerâmica. Por isso mesmo, nenhuma política deveria esquecer este facto. No entanto, verifica-se, infelizmente, que o potencial impacto de certas políticas neste precioso bem cultural e social é frequentemente desconsiderado ou até ignorado.

1.7.   Independentemente do actual abrandamento económico, importa tratar as questões fulcrais da manutenção e do aumento da competitividade destes dois sectores, uma vez que os problemas são sistemáticos e não estão relacionados com a crise.

1.8.   Em primeiro lugar, ambos os sectores deveriam ser apoiados nos seus esforços de inovação, uma vez que esse apoio ajudará a indústria europeia do vidro e da cerâmica a fortalecer a sua posição no mercado, a melhorar o seu desempenho ambiental e, naturalmente, a ocupar um lugar de maior destaque nos esforços para reduzir os efeitos das alterações climáticas em toda a sociedade.

1.9.   Assim, e tendo em conta o desempenho ambiental dos dois sectores e a contribuição que deles se espera para reduzir as alterações climáticas, importa que a sua inclusão no Regime do Comércio de Emissões da União Europeia (RCE-UE) se proceda de forma justa, sem descurar as análises do ciclo de vida dos sectores no seu todo, cujos benefícios excedem em muito os prejuízos ecológicos correspondentes. Em suma, todas as indústrias transformadoras deveriam ser isentas dos leilões de licenças durante todo o período de comercialização até 2020, o que eliminaria muitas inseguranças e obstáculos ao investimento e contribuiria para aumentar significativamente a competitividade dos sectores.

1.10.   Importa que mercados energéticos funcionais amorteçam ao máximo o impacto do pacote clima-energia da UE nos preços da energia para as indústrias do vidro e da cerâmica – que também afectam as cadeias de fornecimento a montante. Neste sentido, é vital promover a concorrência nos mercados energéticos e o desenvolvimento de uma rede de electricidade única para toda a UE, que garanta segurança a longo prazo no aprovisionamento da energia.

1.11.   Devem também ser amplamente apoiados todos os esforços no sentido de aumentar as taxas de recuperação e subsequente reutilização do vidro recuperado (o que melhorará o desempenho ambiental graças a uma maior eficiência energética e a emissões mais baixas de dióxido de carbono).

1.12.   É necessário aplicar as medidas regulamentares existentes e, se necessário, instituir medidas novas destinadas a eliminar práticas comerciais injustas, como a falsificação de marcas ou modelos conhecidos. A designação do país de origem poderia também ser parte da solução. O CESE acolhe favoravelmente ainda as actividades das organizações de consumidores e crê que estes organismos fomentam naturalmente a produção com grande valor acrescentado. Por isso, o apoio às organizações de consumidores dentro, mas também fora, da UE traria os maiores benefícios não só aos consumidores, mas também às empresas produtoras de bens de elevada qualidade.

1.13.   Um maior apoio político e uma acção conjunta a nível da UE poderiam ajudar a:

remover obstáculos às importações em mercados exteriores à UE;

melhorar o acesso das PME a informação adequada sobre os mercados;

facilitar o acesso a procedimentos de contratação pública nos mercados emergentes;

eliminar obstáculos ao comércio de matérias-primas chinesas;

promover a reciclagem em circuito fechado de embalagens de vidro na UE.

1.14.   O excelente desempenho ambiental de vários produtos de vidro e cerâmica (como materiais de isolamento, janelas de vidros duplos, etc.) deve ser promovido como marco de referência em termos de poupança de energia para a indústria da construção europeia. Para além disso, esta tecnologia deve ser incluída em qualquer eventual transferência de tecnologias para países exteriores à UE que tenham um elevado potencial de economia de energia. Os países da antiga União Soviética, por exemplo, têm um elevado potencial graças às mudanças previstas na política energética. Os projectos conjuntos, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), também podem ajudar os produtores comunitários a compensar as suas emissões de CO2.

1.15.   Os incentivos públicos dos Estados-Membros à indústria da construção para favorecer o melhor desempenho ambiental possível dos edifícios são o melhor instrumento para apoiar a indústria do vidro e contribuir para a política em matéria de alterações climáticas.

1.16.   O CESE recomenda que as autoridades da UE recuperem o princípio «Legislar Melhor», que tem estado suspenso sem que se verifiquem quaisquer progressos tangíveis (e que, no entanto, são muito necessários). Para além disso, importa que qualquer novo acto regulamentar seja ponderado com maior atenção, debatido com todas as partes envolvidas e sujeito a avaliações de impacto muito mais rigorosas, baseadas em dados realistas e não em suposições infundadas. É igualmente importante alargar o enquadramento empresarial, já que a introdução de mais restrições contraria os princípios da sustentabilidade.

2.   Introdução: considerações sobre a competitividade

2.1.   O presente parecer, solicitado pela Presidência checa, examina a competitividade dos sectores do vidro e da cerâmica enquanto exemplos importantes de indústrias com elevado consumo de energia. Para além disso, e ao mesmo tempo que se concentra nos efeitos do pacote clima-energia da UE, pondera ainda outros factores que afectam a competitividade das indústrias com elevado consumo de energia, em geral, e da indústria do vidro e da cerâmica, em particular.

2.2.   Neste sentido, o CESE tece uma série de recomendações aos responsáveis políticos sobre a forma como a indústria do vidro e da cerâmica deve ser conduzida para que mantenha a sua posição competitiva e garanta o máximo de efeitos benéficos no contexto da política comunitária em matéria de alterações climáticas (ver secção anterior).

2.3.   A cerâmica e o vidro são materiais de base semelhantes, por exemplo, ao aço, ao alumínio e outros metais não ferrosos, aos produtos químicos, ao cimento, à cal, à pasta de papel e ao papel, materiais cuja produção e transformação exigem um elevado consumo de energia e constituem a base indispensável das cadeias de valor industriais (2).

2.4.   Os factores impulsionadores da competitividade das indústrias com elevado consumo de energia são os seguintes:

2.4.1.   Mão-de-obra experiente e dedicada, resultante da longa tradição da indústria e do artesanato e da boa qualidade do ensino e da formação profissional, bem como do património cultural e social das diversas regiões e comunidades. Estes valores são frequentemente difíceis de deslocar para outras áreas.

2.4.2.   Inovação tecnológica sustentável e inovação dos produtos. Este ponto é vital para conseguir um consumo eficiente de materiais e de energia, bem como para garantir a qualidade, fiabilidade, eficiência económica, durabilidade, efeitos ambientais positivos, etc.

2.4.3.   Disponibilidade das matérias-primas de base, de preferência dentro da UE. Não obstante, são também muito desejáveis os materiais importados de regiões politicamente seguras, mediante custos de transporte razoáveis.

2.4.4.   Disponibilidade de energia, incluindo fontes energéticas primárias. Essa disponibilidade não pode ser avaliada exclusivamente com base na existência de uma rede energética funcional e na fixação de preços para a energia: a segurança no aprovisionamento energético desempenha um papel fundamental. Para além disso, a «pegada energética» tem de ser avaliada tendo em conta toda a cadeia de valor.

2.4.5.   Gestão competitiva das operações e financiamento cuidadoso dos investimentos. As matérias-primas e o aprovisionamento seguro de energia representam os principais custos das indústrias com elevado consumo de energia e são responsáveis por uma grande percentagem dos custos totais. Para além disso, estas indústrias operam geralmente com margens de lucro baixas e requerem muito capital. Estes dois factores exigem, por isso, uma gestão competitiva das operações e um financiamento cuidadoso dos investimentos.

Sustentabilidade ambiental e quadro regulamentar em matéria de energia e alterações climáticas. As normas comunitárias nesta matéria são muito severas para as indústrias de base com elevado consumo de energia, apesar de o desempenho ambiental destas indústrias ter melhorado significativamente nas últimas duas décadas, sendo de esperar ainda outras melhorias graduais como resultado da aplicação da Directiva IPPC.

2.4.6.1.   Importa dedicar uma atenção especial ao pacote clima-energia da UE, adoptado recentemente (3), que poderá afectar gravemente a competitividade das indústrias com elevado consumo de energia, facto que, de resto, o CESE, a Comissão Europeia, o Conselho e o Parlamento Europeu já reconheceram nos respectivos documentos.

2.4.6.2.   Recentemente, tanto as autoridades públicas como as indústrias interessadas apresentaram numerosos estudos de impacto, antes e depois da adopção do pacote, que indicam claramente que as indústrias com elevado consumo de energia estão sujeitas a fugas de carbono e que a aplicação do pacote deve ser conduzida com cautela, para que seja possível considerar também o contexto de abrandamento da economia e os resultados das negociações da Conferência de Copenhaga sobre as Alterações Climáticas, a realizar em Dezembro de 2009.

2.4.6.3.   As indústrias de materiais de base, que incluem os sectores do vidro e da cerâmica, utilizam maioritariamente combustíveis fósseis e são afectadas de variadas formas pelos custos das diferentes fontes de energia, já que, para além dos combustíveis fósseis, apresentam também um consumo de electricidade bastante elevado.

2.4.6.4.   Até agora, a vulnerabilidade ao impacto das medidas políticas em matéria de clima é limitada, cingindo-se apenas aos países e operações da UE, ao passo que os países exteriores à União não utilizam instrumentos semelhantes ao RCE-UE com carácter obrigatório. Aliás, mesmo dentro da Comunidade, os encargos limitam-se exclusivamente às estações de geração de energia e às indústrias com elevado consumo energético.

2.4.6.5.   Na realidade, as indústrias europeias com grande consumo de energia já demonstraram a sua atitude favorável à política sobre as alterações climáticas, apresentando uma redução absoluta de 6 % de emissões de gases de estufa em relação às emissões de 1990, e isso apesar de os volumes de produção terem aumentado. Esta progressão demonstra uma dissociação entre as emissões e o crescimento económico. No entanto, ela acarreta custos onerosos e, para além disso, é importante considerar seriamente os limites físicos de cada tecnologia utilizada nestes sectores antes de se estabelecerem mecanismos e objectivos de redução de emissões mais ambiciosos.

2.4.6.6.   O sector da geração de energia pode imputar directamente ao preço da energia os custos das medidas de combate às alterações climáticas. No entanto, as indústrias com elevado consumo energético não têm essa opção: a forte concorrência internacional proveniente de países exteriores à UE impede estas indústrias de reflectir esses custos no preço dos seus produtos ou de obter qualquer lucro inesperado.

2.4.6.7.   Desta forma, as indústrias com elevado consumo de energia estão duplamente expostas ao RCE-UE: em primeiro lugar, são indirectamente afectadas pelos preços cada vez mais elevados da energia eléctrica e, em segundo lugar, têm de absorver os custos directos do regime de comercialização de licenças de emissão. É possível que as decisões adoptadas recentemente pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu venham a aliviar, em parte, os encargos resultantes do leilão de licenças – ainda que, mais uma vez, essas decisões se limitem a adiar a maior parte dos referidos encargos até ao período posterior a 2020.

2.4.6.8.   Ao longo dos últimos vinte anos, as indústrias com elevado consumo energético empreenderam profundas mudanças tecnológicas para manterem a competitividade. Graças a isso, conseguiram a já mencionada redução de 6 % numa altura em que o sector da geração de energia chegou a aumentar as suas emissões. Desta forma, definir o mesmo ano base (2005) e os mesmos objectivos de redução tanto para o sector da geração de energia como para as indústrias com consumo energético elevado agravará ainda mais a situação desvantajosa destas últimas. Isso significa que, em termos reais, estas indústrias já conseguiram, até 2005, uma redução absoluta de 50 % das emissões em relação a 1990, o ano de referência de Quioto, e que o novo sistema de comercialização de direitos de emissão as obrigaria a reduzir mais 21 % em relação às emissões de 2005. Uma pressão desse tipo penalizaria estas indústrias, que têm tido um desempenho louvável, e levá-las-ia a limitar o seu crescimento económico ou até a reduzir as suas actividades económicas – deslocalizando-se, em última análise, para fora do espaço económico da UE.

2.4.6.9.   Não há dúvidas de que o impacto desigual destas medidas pode provocar a deslocalização das indústrias e, desse modo, as temidas fugas de carbono. Se em 2009 não for adoptado internacionalmente nenhum acordo pós-Quioto adequado, nem o presente abrandamento económico e a consequente capitalização de direitos poupados durante o actual período de comercialização nem o adiamento da venda em leilão de licenças até ao próximo período serão suficientes para reverter a vulnerabilidade da indústria.

3.   A indústria europeia do vidro e da cerâmica – principais factores impulsionadores da competitividade

3.1.   O sector do vidro  (4) consiste essencialmente no fabrico de vidro plano, vidro de embalagem, loiça de mesa (vidro para uso doméstico), fibra de vidro e outros produtos especializados. Em 2007, o sector europeu do vidro produziu cerca de 37 milhões de toneladas de vários tipos de vidro, no valor aproximado de 39 mil milhões de euros, o que corresponde a 32 % da produção mundial. Desde 2000 que a produção na UE praticamente não cresce. Em termos de volume, o vidro de embalagem representou 58 % da produção em 2007 e o vidro plano 27 %. A loiça de mesa corresponde a 4 % da produção e as fibras de isolamento e de reforço representam 6 % e 2 % respectivamente. Os produtos de vidro especiais compõem 3 % da tonelagem do sector.

3.2.   No atinente à localização das indústrias, verifica-se que a maior parte continua baseada na UE 15 – em especial na Alemanha, França, Itália, Espanha e Reino Unido que, conjuntamente, foram responsáveis por 68 % da produção em 2007. Os novos Estados-Membros, por sua vez, contribuíram com 15 % da produção total, enquanto que os restantes países da UE 15 produziram 17 %. Em termos absolutos, a Alemanha é o maior produtor, ao passo que a produção na UE 12 se concentra essencialmente na Polónia e na República Checa. O sector do vidro na Alemanha, República Checa e Polónia faz parte do património cultural desses países, dada a sua longa história nessas regiões. O vidro decorativo e o cristal de alta qualidade são igualmente considerados produtos de arte tradicional.

3.3.   De modo geral, o emprego no sector europeu do vidro tem vindo a decair desde 2000, essencialmente devido a uma combinação de exigências de produtividade, crescente automatização, consolidação do sector e concorrência que beneficia de custos mais reduzidos. Em 2007, o sector na UE empregava 234 000 pessoas e mais de 40 % desses postos de trabalho estavam na UE 12, o que reflecte as diferenças existentes entre este espaço e a UE 15 no que toca à intensidade de capital e de mão-de-obra. A maior parte dos empregos na UE 12 encontram-se na Polónia e na República Checa que, em conjunto, representam cerca de 71 % dos postos de trabalho nos novos Estados-Membros. Em 2007, a produtividade por posto de trabalho foi de 160,5 toneladas.

3.4.   Nos principais subsectores do sector do vidro (vidro plano e de embalagem), a produção está relativamente concentrada, ao passo que nos restantes (cristal, vidro para uso doméstico), essa concentração não é significativa. Estes subsectores estão por isso mesmo expostos a riscos maiores (no atinente aos mercados, ao financiamento, etc.), uma vez que os produtores de menor dimensão enfrentam uma deficiência de recursos, especialmente no actual enquadramento empresarial mais severo.

3.5.   Em termos gerais, a maior parte da produção é vendida dentro da Comunidade, tendo, em 2007, atingido 90,7 % (do volume produzido). Foram exportados 3,496 milhões de toneladas, o que representa cerca de 9,3 % da produção total. Os produtos domésticos e de cristal (25,4 %) e os produtos especiais (38,6 %) representaram a maior parte do volume exportado. Em 2007, as exportações aumentaram 5,3 %, ao passo que as importações, por seu lado, registaram um crescimento anual de 35,8 % no mesmo espaço de tempo, excedendo o volume exportado (3,601 milhões de toneladas em 2007). O preço médio do vidro exportado foi 1 780,1 €/tonelada, um valor significativamente superior ao de 1 159,5 €/tonelada para o vidro importado. Em termos de volume, os maiores importadores foram a China e Taiwan, mas a Índia, a Turquia e o Japão têm também importado volumes cada vez maiores. As importações chinesas de vidro plano aumentaram dez vezes desde 2004.

3.6.   O sector europeu do vidro enfrenta no período de 2007-2009 uma época conturbada, visto que o abrandamento da actividade económica provocado pela crise do crédito fez decair a procura. O sector da construção parece especialmente vulnerável, já que a confiança e o consumo das famílias decai, provocando um abrandamento dos investimentos. Estes acontecimentos têm evidentemente um impacto importante na indústria do vidro: aproximadamente 90 % dos produtos do sector se destinam aos sectores industriais que produzem bens de consumo (automóveis e outras indústrias de veículos, a indústria electrotécnica, a indústria química, alimentar, etc.), bem como ao sector da construção. Assim sendo, a indústria do vidro depende em grande parte da estabilidade e da evolução dos outros sectores referidos.

3.7.   Estas condições difíceis serão exacerbadas ainda mais com o aumento da capacidade dos países vizinhos da UE. Durante o período de 2004-2009, espera-se que a capacidade de produção cresça 7,3 milhões de toneladas em países como a Rússia, a Ucrânia, a Bielorrússia, o Qatar, os Emirados Árabes Unidos e o Egipto. A maior parte deste aumento de produção ocorrerá nos produtos de vidro plano e de vidro de embalagem. Esta expansão leva a crer que o comércio continuará a aumentar, o que reforça a necessidade de os responsável políticos garantirem que os produtores de vidro da UE trabalhem em igualdade de condições.

3.8.   O sector enfrenta portanto uma série de desafios à sua competitividade, muitos dos quais produto da globalização, da crescente regulamentação em matéria ambiental e dos crescentes custos energéticos. O aumento gradual de produtos de vidro baratos importados de economias emergentes é um sinal de que a vantagem competitiva do sector europeu está a decair, especialmente nos mercados dos produtos de baixo valor.

O sector do vidro defronta-se com regulamentação ambiental sobre o seu consumo de energia, as emissões de CO2, a prevenção da poluição e outros. Os produtores exteriores à UE, especialmente os originários de países em vias de desenvolvimento, têm uma legislação muito menos exigente neste domínio, pelo que a sua produção não está tão limitada nem sujeita a custos de produção tão onerosos. Para além dos aspectos já referidos, o sector europeu do vidro enfrenta ainda os seguintes problemas de competitividade:

3.9.1.   Exigências de redução de custos a jusante. A pressão sobre os custos exercida pela concorrência global, cada vez mais intensa, sobre sectores europeus como o da produção automóvel, dos bens electrónicos de consumo, das companhias aéreas e do comércio a retalho poderá afectar negativamente o sector do vidro. De uma forma ou de outra, todos estes sectores de actividade são clientes directos ou indirectos dos produtores de vidro da UE, pelo que a globalização produz um efeito de arrastamento sobre a procura no sector europeu do vidro.

3.9.2.   Capacidade de produção excessiva a nível mundial neste sector. O sector do vidro europeu regista uma capacidade de produção excessiva em muitos dos seus subsectores, incluindo o do vidro plano, o que pode afectar adversamente o sector, uma vez que conduz à diminuição das margens de lucro. Por outro lado, este estado de coisas também permite aumentar mais rapidamente a produção para satisfazer a crescente procura dos clientes quando a crise acabar.

3.9.3.   Pressão no sentido de aumentar os preços da energia (e dos factores de produção). Globalmente, o aumento da procura de energia afecta o aprovisionamento a longo prazo e os custos no sector europeu do vidro. Este aumento representa uma ameaça séria ao sector, uma vez que esta indústria é uma das maiores consumidoras de energia e que os custos energéticos representam uma percentagem elevada dos custos de produção totais. Por isso, é importante chamar a atenção para o efeito «dominó» do pacote clima-energia da UE, que exige à indústria do vidro e da cerâmica que absorva no seu funcionamento o aumento previsto dos preços da energia. Este aumento deve-se a uma combinação de factores, incluindo o comércio de licenças de emissão, os investimentos em geradores de energia e redes de transmissão e a necessidade de garantir uma percentagem elevada de energias renováveis no leque de fontes energéticas do sector da geração de energia. Para além disso, é possível que os preços das matérias-primas de base, como o carbonato de sódio ou a areia, aumentem também, seguindo a tendência dos preços da energia.

3.9.4.   Regulação das condições de trabalho. Existe todo um conjunto de regulamentos sobre as condições de trabalho que afectam os aspectos relacionados com os materiais e a forma como eles são armazenados, manuseados e utilizados na produção. Muitos países exteriores à UE têm regulamentos menos exigentes e, logo, custos de produção mais reduzidos. Apesar disso, os agentes da indústria europeia aceitam as suas responsabilidades nesta matéria.

3.9.5.   As restrições comerciais e a falsificação de produtos podem prejudicar as exportações para mercados exteriores à UE. Muitos mercados de exportação impõem pautas aduaneiras a bens provenientes da Comunidade. Os Estados Unidos, por exemplo, sujeitam os produtos da UE a pesadas taxas. Para além disso, muitos produtores europeus de vidro perderam competitividade devido à falsificação de modelos europeus por parte de empresas não europeias. Este é actualmente um problema sério para muitos produtores, que deverá agravar-se ainda mais se o assunto não for abordado de forma adequada e exaustiva. Ao mesmo tempo, as indústrias de produtos de design beneficiam de apoio, sob a forma de iniciativas como o serviço de assistência da Comissão às PME no domínio dos direitos de propriedade intelectual na China («China IPR SME Helpdesk»), ou através de materiais de formação e workshops concebidos especificamente, ou ainda por meio de aconselhamento em primeira mão sobre problemas de direitos de propriedade intelectual.

3.10.   Em 2006, o sector europeu da cerâmica  (5) produziu e vendeu variados produtos no valor aproximado de 39 mil milhões de euros. Nos últimos anos, o aumento da produção foi muito modesto. Os principais subsectores são o dos ladrilhos de pavimento e de revestimento de paredes e o das telhas e placas de cobertura. Juntamente com os tubos de grés, estes produtos formam um conjunto de materiais cerâmicos de construção que representa 60 % do valor total dos produtos da indústria da cerâmica. Os produtos refractários, a loiça de mesa e decorativa, a porcelana para sanitários e a cerâmica técnica representam respectivamente 13 %, 9 %, 10 % e 5 % do valor total dos produtos do sector. As principais regiões produtoras são a Alemanha, o Reino Unido, a Espanha e a Itália, sendo a Alemanha e o Reino Unido dois dos principais produtores em todos os subsectores. A Itália e a Espanha são igualmente centros importantes de produção de azulejaria de cerâmica, tijolos, placas de cobertura e, em menor grau, de porcelana para sanitários. Entre os novos Estados-Membros da UE, os principais produtores parecem ser a República Checa, a Polónia e a Hungria, que apresentam indústrias fortes e que, tradicionalmente, exportam para outros países da União. Apesar disso, a quota do mercado europeu de produtos cerâmicos detida por estes países é relativamente baixa.

3.11.   A maior parte dos factores que afectam o sector do vidro afectam também o da cerâmica. Existe no entanto uma diferença significativa, que convém salientar: ao passo que o sector do vidro se caracteriza por uma grande concentração, o sector da cerâmica é muito pouco concentrado e dispõe de poucas instalações industriais integradas.

3.12.   De forma geral, o emprego no sector europeu da cerâmica tem vindo a decrescer desde 2000, o que se deve, em grande medida, a uma combinação de exigências de produtividade face a uma crescente concorrência que funciona com custos mais reduzidos. Em 2006, o sector na UE empregava 330 000 pessoas, o que representa um ligeiro decréscimo em relação às 360 000 empregadas em 2005. Os maiores empregadores são os subsectores dos ladrilhos de pavimento e de paredes e o das telhas e placas de cobertura, que, em 2006, foram responsáveis por cerca de 52 % do emprego no sector da cerâmica, seguidos pelo sector das loiças decorativas e de mesa, com 22 %.

3.13.   Geralmente, entre 20 % e 25 % da produção de cerâmica europeia (mais de 30 % no caso dos ladrilhos de pavimento e de paredes) é exportada para fora da UE. A penetração das importações varia entre 3-8 % no ladrilhos de pavimento e de paredes e nos produtos refractários, por exemplo, e mais de 60 % nas loiças de mesa e decorativas. Os principais mercados de exportação para o sector da cerâmica são os Estados Unidos, a Suíça e a Rússia. Recentemente, a tendência é de deterioração da balança comercial, devido à chegada ao mercado europeu de concorrência de baixo custo proveniente de países como a China e a Turquia, bem como graças a um acesso constantemente dificultado a certos mercados exteriores à UE e à gradual valorização do euro em relação à maior parte das moedas, verificada a partir de 2000. Por conseguinte, o comércio e, em particular, as condições comerciais para os exportadores da UE assumiram uma importância fundamental para o sector da cerâmica.

3.14.   O sector europeu da cerâmica enfrenta uma série de desafios à sua competitividade, muitos dos quais foram intensificados pela globalização e pela crescente regulamentação em matéria ambiental.

3.15.   Em determinadas categorias de produtos, e especialmente no subsector da loiça de mesa, a vantagem competitiva da UE, que se baseia na inovação e no design, tem vindo lentamente a decair em virtude das exportações baratas dos países emergentes para a UE e para outros mercados importantes. No entanto, a UE continua a desempenhar um papel preponderante em vários subsectores, especialmente no dos ladrilhos de pavimento e de paredes.

3.16.   O segundo factor-chave que afecta a competitividade do sector europeu da cerâmica é a crescente regulamentação e controle em matéria ambiental de forma geral e, em particular, os encargos gerados pelo RCE-UE. Apesar de os custos de energia representarem, em média, 30 % dos custos de produção da indústria da cerâmica, as emissões de CO2 por tonelada são reduzidas. A indústria da cerâmica representa mais de 10 % de todas as instalações fabris abrangidas pelo RCE-UE. No entanto, é responsável por menos de 1 % das emissões de CO2 cobertas por esse regime. A revisão recentemente adoptada da directiva sobre o regime de comércio de licenças levará a que cerca 1 800 fábricas de produtos de cerâmica sejam cobertas pelo RCE-UE em 2013. No entanto, estas instalações fabris representarão menos de 1,5 % das emissões industriais de CO2 abrangidas. É importante sublinhar que as instalações de fabrico de produtos de cerâmica são, em geral, de pequenas dimensões, sendo que 40 % delas emite menos de 25 000 toneladas de CO2 por ano e 70 % emite menos de 50 000 toneladas.

3.17.   As estruturas dos custos dos produtores de cerâmica com elevado consumo de energia são desfavorecidas pelo aumento dos preços dos factores de produção – uma das características de certos subsectores europeus da cerâmica é a sua grande dependência de uma série de matérias-primas brutas que, em grande parte, são importadas de países exteriores à UE. A revisão da directiva demonstra que o facto de não existirem factores de produção a preços competitivos para o fabrico da cerâmica, especialmente no que diz respeito aos mercados da energia, afecta negativamente a competitividade dos produtores de cerâmica europeus.

3.18.   O principal obstáculo à competitividade do sector europeu da cerâmica é o aumento acentuado do volume de importações provenientes de países terceiros em que a regulamentação em matéria ambiental é menos exigente e em que as leis sobre saúde e segurança são mais permissivas. Os níveis relativamente altos da regulamentação comunitária levaram a que os produtores europeus de cerâmica tenham deixado de competir em igualdade de circunstâncias no mercado mundial, o que gerou uma série de desafios à competitividade mas também um leque variado de perspectivas em termos de competitividade.

3.19.   Neste contexto, a estrutura dos custos da indústria da cerâmica (elevados custos energéticos e de mão-de-obra), os lucros relativamente baixos do sector e a crescente concorrência, tanto nos mercados da UE como nos de exportação, praticamente impossibilitam que os produtores transfiram para o consumidor os encargos adicionais relacionados com as licenças de emissão de CO2. Para além disso, as técnicas e as tecnologias utilizadas na produção de cerâmica para minimizar a quantidade de energia consumida pelos fornos já se encontram muito avançadas, pelo que é improvável que se verifiquem, num futuro próximo, grandes progressos em termos de eficiência energética.

3.20.   O sector da cerâmica necessita de mão-de-obra altamente qualificada e precisa de dispor das ferramentas adequadas para utilizar as tecnologias existentes e para estabelecer uma cooperação entre diversos departamentos, independentemente da sua localização. Estas necessidades constituem um desafio para as PME que queiram explorar oportunidades a nível mundial e para as empresas de maior dimensão que operem em diversos países, o que se verifica, por exemplo, no subsector dos tijolos. É possível melhorar a base de competências dos funcionários através de programas de aprendizagem ao longo da vida, de programas de formação específicos e de iniciativas para tornar o sector mais atraente.

4.   De que forma pode a indústria do vidro e da cerâmica contribuir para a sustentabilidade da UE e para os objectivos da Conferência de Copenhaga?

4.1.   As vantagens e desvantagens das indústrias do vidro e da cerâmica devem ser analisadas tendo em conta a sustentabilidade em geral. Ambos os sectores baseiam-se em recursos minerais endógenos e nacionais, suficientemente abundantes para assegurar a sua longevidade no espaço económico europeu, mas também a nível mundial. Estes sectores têm, em larga medida, conseguido gerir o seu impacto ambiental e não representam qualquer risco de maior para a saúde pública ou para a saúde no trabalho.

4.2.   De momento, não é expectável que ocorram inovações importantes nos processos de produção do vidro e da cerâmica. O vidro é fundido e a cerâmica cozida a temperaturas muito altas, o que significa que as emissões de dióxido de carbono só podem ser reduzidas até certo ponto, limite esse que as indústrias estão já prestes a alcançar. Infelizmente, este limite não foi levado em conta na revisão do RCE-UE, já que não foi incluído no rol de outras indústrias com elevado consumo de energia, cujas tecnologias de fabrico acarretam necessariamente um determinado nível de emissões.

4.3.   As tecnologias e processos empregues nestes sectores estão também muito avançados em termos de consumo de energia e de intensidade de carbono e não representam um factor intensificador das alterações climáticas mas, pelo contrário, uma parte integrante da sua solução. O sector do vidro, por exemplo:

ajuda a reduzir as emissões de dióxido de carbono através de economias de energia quando utilizado como isolante,

ajuda a gerar energia isenta de emissões de carbono na produção de energia renovável,

acarreta emissões de carbono bastante mais baixas do que os benefícios que comporta, e

traz vários outros benefícios para a sociedade, permitindo, por exemplo, a preservação de medicamentos e de bens alimentares, tornando-os mais sustentáveis.

4.4.   O vidro pertence a um grupo de materiais com uma taxa de reciclagem muito elevada e, geralmente, o próprio processo de fabrico inclui circuitos de reciclagem. De certa forma, trata-se de uma tecnologia que não produz resíduos. O vidro recuperado compõe uma parte substancial dos materiais utilizados, especialmente no fabrico de vidro de embalagem. Para além disso, o ciclo de vida deste material não impõe quaisquer limites físicos à sua capacidade de reciclagem. Os sistemas de reciclagem montados em toda a Europa conseguiram uma taxa de reciclagem de 62 % em 2007 para o vidro de embalagem e todos os esforços para aumentar a taxa de recuperação e reutilização do vidro recuperado ajudarão a melhorar o desempenho ambiental deste material através de três vias: (1) melhorando a eficiência energética: um aumento de 1 % da taxa de vidro recuperado reduz o consumo de energia em 0,25 %; (2) baixando as emissões de dióxido de carbono: um aumento de 1 % da taxa de vidro recuperado reduz as emissões de CO2 em 0,47 %; e (3) poupando nas matérias-primas brutas: a utilização de 1 tonelada de vidro reciclado para fabricar vidro novo poupa 1,2 toneladas de matérias-primas brutas.

4.5.   Na prática, os produtos de vidro podem ajudar a reduzir o consumo de energia e, desse modo, as emissões de CO2, por exemplo, na construção de edifícios, através da utilização de isolamento com fibra de vidro ou de vidros de emissões baixas. O isolamento dos telhados e das paredes pode poupar até 460 milhões de toneladas por ano (mais do que o total do compromisso assumido pela UE em Quioto). Se, por exemplo, todas as janelas com vidro único ou vidros duplos na UE fossem substituídas por vidros duplos ou triplos de emissões baixas, essa mudança evitaria emissões anuais de 97 milhões de toneladas de CO2, o que equivaleria a 21 milhões de toneladas de petróleo, ou ao consumo energético anual de edifícios concebidos para 19 milhões de habitantes. A fibra de vidro utilizada para reforçar os plásticos nas turbinas eólicas e os materiais de vidro empregues na indústria automóvel, por exemplo, para diminuir o consumo de energia através da redução da necessidade de ar condicionado, são outros exemplos de aplicações de produtos de vidro que resultam numa redução das emissões de CO2.

4.6.   Prevê-se, nos próximos dez anos, uma enorme expansão das tecnologias da energia solar, nas quais o vidro é um material transparente fundamental utilizado em células fotovoltaicas e em vários sistemas de concentração de energia solar, como as chaminés solares, a geração solar de biocombustíveis, a fotocatálise solar e a purificação e dessalinização de água. Estas tecnologias demoram pouco tempo a compensar as emissões de gases com efeito de estufa que produzem e, do ponto de vista ambiental, são compatíveis com os princípios da sustentabilidade energética. Os vários subsectores envolvidos desempenham um papel de destaque na promoção e desenvolvimento destas aplicações. A sua localização continuada na UE é extremamente importante, tanto do ponto de vista académico como industrial.

4.7.   O total de emissões de gases com efeito de estufa é de 20 milhões de toneladas por ano em todo o sector do vidro e de 27 milhões de toneladas no sector da cerâmica. Tanto um sector como o outro têm um potencial de redução de emissões muito limitado, o que significa que a inclusão dos sectores do vidro e da cerâmica no RCE-UE faz pouco sentido, tanto do ponto de vista físico como económico. Pior ainda, arrisca-se a pôr em perigo as potenciais poupanças de emissões de gases com efeito de estufa. É possível, de resto, apresentar estimativas semelhantes para quase todas as indústrias de base com elevado consumo de energia, e importa evitar custos excessivos ao decidir sobre questões da fuga de carbono e da atribuição de licenças de emissões com base em padrões de referência para o terceiro período de comercialização. São necessários padrões de referência diferenciados para fazer jus à diversidade dos vários sectores e subsectores. Esses padrões deveriam ter em conta as várias técnicas de produção, o consumo de energia e o potencial físico das instalações industriais para reduzir as emissões.

4.8.   Devido ao baixo nível de concentração, à grande variedade de produtos e à baixa qualidade das estatísticas disponíveis publicamente, a aplicação do RCE-UE ao sector da cerâmica será muito problemática. No que toca à avaliação do risco de fuga de carbono da indústria da cerâmica, a questão da disponibilidade e consistência da informação só poderá ser resolvida se os dados relevantes forem agregados com três dígitos (NACE, rev.2-2008). Se agregarmos os dados a este nível, será possível demonstrar um risco de «fuga de carbono» em três subsectores da indústria da cerâmica, nomeadamente, o dos «produtos refractários» (NACE 23.2), o dos «produtos de barro para a construção» (NACE 23.3) e o de«outros produtos de porcelana e cerâmica» (NACE 23.4).

4.9.   No que toca à possibilidade de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, o sector da cerâmica não tem o mesmo potencial que o sector do vidro, ainda que valha a pena referir as propriedades isoladoras dos tijolos e ladrilhos modernos, bem como das fibras minerais. De qualquer das formas, o sector da cerâmica é um bom exemplo de consumo e produção sustentáveis, graças às propriedades inerentes dos produtos, tais como a durabilidade e a higiene, para além dos valores estéticos. Depois de produzida, a maior parte dos produtos de cerâmica tem potencialmente uma vida útil longa e muitos deles não carecem de qualquer manutenção.

4.10.   O sector da cerâmica tem um subsector muito importante, nomeadamente, o da produção de materiais refractários. Estes materiais são vitais para várias indústrias que trabalham a altas temperaturas, como, por exemplo, as indústrias do ferro e aço, do vidro, da cal e do cimento. Nenhum destes produtos existiria sem os materiais refractários de elevado desempenho que apoiam e facilitam a utilização das tecnologias mais eficientes nos sectores acima referidos.

4.11.   O maior requisito para o progresso em termos de competitividade geral e, sobretudo, de eficiência energética e desempenho ambiental é uma I&D ampla e eficiente. Isto é válido para todos os sectores da indústria do vidro e da cerâmica, mas, especialmente, para o subsector do vidro especial que, regra geral, investe a maior parte das suas receitas na inovação devido à evolução rápida do produto manufacturado. Embora não se trate de um subsector dos mais significativos em termos de volume de produção e de emprego, é extremamente importante para a sua evolução que permaneça localizado no território da UE.

4.12.   A curto prazo, os severos regulamentos em matéria ambiental e energética e, para além disso, a ausência de uma igualdade de circunstâncias a nível mundial, pressionarão muito as PME europeias e reprimirão o financiamento privado de investimentos inovadores e de iniciativas de investigação e desenvolvimento. Por outro lado, os regulamentos em matéria de ambiente também incentivam o investimento na pesquisa e desenvolvimento com o intuito de melhorar a eficiência energética e de reduzir a dependência das fontes de energia tradicionais. Assim sendo, é possível reduzir a proporção que a energia assume no total dos custos de produção. No entanto, estes são benefícios a longo prazo que só poderão ser alcançados à custa de acções empreendedoras que acarretam riscos.

4.13.   Até à data, os requisitos e os padrões de exigência mais elevados recentemente impostos pelos regulamentos levaram a progressos inovadores no que toca à eficiência energética e à optimização de produtos em termos ambientais e de saúde e segurança. Para além disso, estão ainda a ser desenvolvidas novas técnicas de reciclagem. Apesar de tudo, a própria natureza dos produtos do sector da cerâmica faz com que os possíveis progressos neste domínio sejam algo limitados.

4.14.   A continuação da investigação nesta indústria poderá tornar a cerâmica ainda mais atraente enquanto alternativa ecológica. Os tijolos de barro com isolamento térmico aperfeiçoado são um exemplo de um produto inovador recente cuja produção tem elevada intensidade de energia mas que pode ajudar a poupar energia se for usado na construção de edifícios. Outro exemplo seria a utilização de produtos de cerâmica no fabrico de automóveis, onde constituem a tecnologia de base de várias componentes importantes dos motores do futuro, devido à sua resistência ímpar ao calor, ao desgaste e à corrosão, bem como em virtude do seu peso reduzido e das suas propriedades isoladoras da electricidade e do calor. Os motores dos carros do futuro poderão ter peças de cerâmica, assim como eventuais dispositivos resistentes ao desgaste utilizados nos sistemas de combustível e em componentes adicionais nos comandos das válvulas, como as válvulas e as sedes de válvulas. Os automóveis do futuro poderão ainda usar células de combustível em cerâmica, para um funcionamento praticamente isento de emissões de gases.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver notas 4 e 5.

(2)  Parecer do CESE sobre o «Impacto da evolução actual dos mercados da energia nas cadeias de valor da indústria europeia»JO C 77 de 31.3.2009, p. 88-95.

(3)  Ver o comunicado de imprensa n.o IP/08/1998 da Comissão em http://europa.eu/rapid/.

(4)  Contrato-quadro para a realização de estudos de competitividade do sector – Competitividade do Sector do Vidro, Outubro de 2008.

(5)  Contrato-quadro para a realização de estudos de competitividade do sector – Competitividade do Sector da Cerâmica, Outubro de 2008; Eurostat 2006.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as Relações entre a UE e a Bósnia-Herzegovina: O papel da sociedade civil

(parecer exploratório)

(2009/C 317/03)

Relator: Patrik ZOLTVÁNY

Em carta datada de 2 de Setembro de 2008, Margot Wallström, vice-presidente da Comissão Europeia, e Olli Rehn, comissário responsável pelo Alargamento, solicitaram ao Comité Económico e Social Europeu, em conformidade com o artigo 9.o do Acordo de Cooperação celebrado entre o CESE e a Comissão, a elaboração de um parecer exploratório sobre as

Relações entre a UE e a Bósnia-Herzegovina: O papel da sociedade civil.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas que emitiu parecer em 23 de Junho de 2009, sendo relator Patrik Zoltvány.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 147 votos a favor e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Principais recomendações do parecer

1.1.   Recomendações às instituições e órgãos da União Europeia (UE)

Encorajar o governo da Bósnia-Herzegovina a elaborar uma estratégia de desenvolvimento da sociedade civil (1).

Incrementar o apoio – incluindo o apoio financeiro – a organizações da sociedade civil da Bósnia-Herzegovina, com o objectivo de manter a sua independência em relação ao governo e assegurar a sustentabilidade dos projectos dessas organizações.

Criar esquemas de apoio financeiro mais adequados e eficientes de modo a abreviar toda a longa tramitação da apresentação de propostas e o procedimento de decisão. Isto aplica-se também ao novo instrumento criado pela Comissão Europeia (CE) para apoiar o desenvolvimento e o diálogo com a sociedade civil. Esse apoio deve estar disponível para uma grande diversidade de organizações interessadas e responder às suas necessidades de forma flexível.

Acelerar as negociações sobre o regime de isenção de visto e apoiar activamente o cumprimento das normas técnicas e outras.

Estabelecer a distinção entre ONG e parceiros sociais no tocante à criação e adopção de estratégias de apoio.

Apoiar programas dirigidos ao reforço das capacidades dos parceiros sociais, nomeadamente da sua capacidade de estabelecer um diálogo social eficaz;

Apoiar activamente o diálogo social e civil na Bósnia-Herzegovina.

Participar como intermediário activo na elaboração de uma nova constituição.

Insistir na aplicação dos documentos internacionais ratificados e da Constituição da Bósnia-Herzegovina e garantir que os sindicatos e as organizações de empregadores se podem registar ao abrigo de uma base jurídica especial que lhes permita funcionar eficazmente.

Apoiar sistematicamente os projectos das organizações da sociedade civil que se dedicam à promoção da ideia da integração europeia em toda a sociedade. As questões relativas a este processo devem ser objecto de um debate permanente e alargado a todos os sectores da sociedade, incluindo a sociedade civil.

Apoiar projectos que visem transmitir à Bósnia-Herzegovina conhecimentos e experiência dos Estados-Membros da UE. A contribuição dos «novos» Estados-Membros da Europa Central e Oriental pode revelar-se especialmente útil neste campo. As instituições europeias deverão reconhecer mais a importância dos projectos de geminação e apoiá-los. O instrumento recentemente criado para promover o desenvolvimento e o diálogo com a sociedade civil pode providenciar o apoio a essas actividades.

Permitir aos representantes das organizações da sociedade civil da Bósnia-Herzegovina visitar as instituições europeias e participar sem quaisquer despesas em conferências e eventos organizados pela UE.

Reforçar o apoio às redes regionais de organizações da sociedade civil nos Balcãs Ocidentais e desenvolver programas regionais.

Manter um diálogo sistemático com outros dadores para que as organizações da sociedade civil da Bósnia-Herzegovina e de todos os Balcãs Ocidentais beneficiem de uma ajuda bem definida, eficaz, concreta e atempada.

Organizar reuniões regulares com os representantes das organizações da sociedade civil, de modo a responder com mais flexibilidade às suas reais expectativas e necessidades.

1.2.   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) tenciona:

criar um Comité Consultivo Misto (CCM) entre o CESE e as organizações da sociedade civil da Bósnia-Herzegovina a fim de promover e apoiar o diálogo civil nesse país.

participar activamente no novo programa de diálogo entre os povos dirigido pela Direcção-Geral do Alargamento da Comissão Europeia: o CESE poderia preparar e organizar visitas de estudo na UE (em especial em Bruxelas) para representantes das organizações da sociedade civil da Bósnia-Herzegovina.

permitir a representantes das organizações da sociedade civil da Bósnia-Herzegovina visitarem o CESE e familiarizarem-se com as suas actividades.

1.3.   Recomendações às autoridades da Bósnia-Herzegovina

Desenvolver um enquadramento jurídico favorável à sociedade civil, incluindo as organizações de empregadores e os sindicatos.

Elaborar uma estratégia de desenvolvimento da sociedade civil, que sirva de base a uma sociedade civil viável como elemento fundamental de uma sociedade democrática matura. A estratégia deveria ser desenvolvida em estreita cooperação com as organizações da sociedade civil.

Manter um diálogo permanente com os representantes da sociedade civil sobre as questões atinentes às suas organizações. O governo deveria adoptar uma abordagem mais inclusiva em relação à sociedade civil.

Introduzir incentivos, incluindo financeiros, destinados às organizações da sociedade civil no intuito de favorecer o seu desenvolvimento e a sustentabilidade das suas actividades. Deveria ser instaurado um regime de subsídios transparente que permita às organizações da sociedade civil candidatarem-se a financiamento proveniente do orçamento do Estado.

Aumentar o nível de diálogo e cooperação com as autoridades públicas, assegurando o reconhecimento das organizações da sociedade civil.

Resolver a questão do registo da Confederação de Sindicatos da Bósnia-Herzegovina.

Apoiar activamente o estabelecimento do Conselho Económico e Social a nível estatal, de acordo com o progresso na criação de instituições estatais relacionadas com assuntos económicos e sociais.

Acelerar os esforços visando cumprir as condições necessárias ao estabelecimento do regime de isenção de visto.

Introduzir a educação cívica nos domínios de actividade da sociedade civil.

1.4.   Recomendações às organizações da sociedade civil da Bósnia-Herzegovina

Estimular abordagens «da base para o topo» e a capacidade de a sociedade civil se auto-organizar, reforçando a apropriação social das organizações da sociedade civil.

Sensibilizar para o papel da sociedade civil no processo político.

Facilitar o estabelecimento de redes e parcerias, ou seja, a troca de informação, conhecimento e experiência.

Aumentar o conhecimento e a compreensão sobre a integração europeia, as políticas da UE e instituições europeias.

Incrementar a educação e formação nas organizações da sociedade civil.

Encorajar o diálogo entre etnias e religiões e aumentar o nível de cooperação, contacto e geminação na sociedade civil organizada.

2.   Antecedentes do parecer

2.1.   Objectivos da União Europeia nos Balcãs Ocidentais

A região dos Balcãs Ocidentais constitui uma das principais prioridades da política externa da União Europeia (UE). O principal objectivo da UE no que respeita aos países dos Balcãs Ocidentais consiste no aumento da estabilidade e da prosperidade na região. A preparação desses países para a integração plena constitui um desígnio igualmente importante. Para o realizar a UE tem utilizado instrumentos específicos de pré-adesão.

O processo de estabilização e de associação (PEA) foi lançado com o objectivo de apoiar os países da região na via da adesão à UE e inclui o diálogo político, preferências comerciais significativas e assistência financeira. Implica também o estabelecimento de uma relação contratual alargada que ajude os países da região a preparar a sua futura adesão. O desenvolvimento da sociedade civil e a democratização são alguns dos objectivos do PEA, prevendo-se que contribuam para a estabilização política, económica e institucional da região. A assinatura do Acordo de Estabilização e de Associação (AEA) é vista como um passo significativo no sentido da adesão à UE.

2.2.   O Comité Económico e Social Europeu e os Balcãs Ocidentais

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) desempenha um papel importante na assistência ao desenvolvimento da sociedade civil nos Balcãs Ocidentais. Em 2004, foi criado o Grupo de Contacto para os Balcãs Ocidentais, o único órgão permanente e específico do CESE que lida especificamente com esta região. Este grupo integra o amplo conjunto de órgãos da UE activos nesta área e tem como objectivo dar um contributo significativo para a generalidade dos trabalhos da UE na matéria.

Os principais objectivos do CESE nos Balcãs Ocidentais são acompanhar as alterações políticas, económicas e sociais nos países da região e nas relações entre a UE e os Balcãs Ocidentais, mais precisamente a aplicação da Agenda de Salónica e a evolução do PEA, promover a cooperação entre o CESE, as organizações da sociedade civil dos Balcãs Ocidentais e os conselhos económicos e sociais nacionais ou instituições similares, bem como encorajar e maximizar a troca de melhores práticas entre as organizações da sociedade civil da UE e suas homólogas nos Balcãs Ocidentais.

3.   Evolução política na Bósnia-Herzegovina

3.1.   Situação política actual

O processo político na Bósnia-Herzegovina continua a ser afectado pelo legado da guerra e pelo Acordo de Dayton que estabeleceu o Estado independente da Bósnia-Herzegovina na sua forma actual. As forças políticas concorrentes lutam por beneficiar do enquadramento institucional criado pelo Acordo de Dayton e, simultaneamente, por ultrapassar os obstáculos inerentes ao mesmo. A comunidade internacional e a própria Bósnia-Herzegovina reconhecem cada vez mais a necessidade de normalizar e modernizar o governo da Bósnia-Herzegovina, embora os responsáveis políticos dos entes não prestem um apoio regular neste processo, que é conduzido principalmente no plano internacional.

O maior desafio político para o país nos próximos anos será a reforma constitucional, sem a qual será difícil progredir em direcção a um Estado mais democrático e eficiente, aplicar o programa global de reformas e viabilizar uma aproximação à UE. A reforma do enquadramento constitucional criado pelo Acordo de Dayton não pode ser imposta pelo exterior, muito embora a comunidade internacional, no geral, e a UE, em particular, estejam preparados para prestar assistência. Esta reforma deverá ser, antes, o resultado de um consenso entre os responsáveis políticos da Bósnia-Herzegovina e contar com o amplo apoio dos cidadãos. Este processo, passível de afectar todas as áreas, será muito sensível e a sua conclusão poderá prolongar-se no tempo.

Deverá ter-se presente que os responsáveis políticos têm perspectivas divergentes sobre o futuro do país e que há ainda uma certa desconfiança entre cidadãos de etnias diferentes. No geral, os argumentos nacionalistas têm prevalecido e os líderes da Bósnia-Herzegovina não têm feito avançar, através da reforma do enquadramento constitucional, a criação de estruturas estatais mais funcionais e económicas visando o processo de integração europeia.

Devido às preocupações sobre a estabilidade política na Bósnia-Herzegovina e na região, tem sido recorrentemente adiado o encerramento do Gabinete do Alto Representante (GAR). Em Fevereiro de 2008, o Conselho de Implementação da Paz (CIP) decidiu que o encerramento do GAR dependeria do progresso da Bósnia-Herzegovina na realização de cinco objectivos específicos, bem como de duas condições particulares, designadamente a assinatura do AEA e um contexto político estável. À excepção da sentença sobre Brčko, os progressos no cumprimento dos cinco objectivos (2) foi limitado.

3.2.   Relações políticas com a UE e os países vizinhos

3.2.1.   Relações com a União Europeia

As negociações de um AEA com a Bósnia-Herzegovina foram lançadas em Novembro de 2005. O acordo teve início em 4 de Dezembro de 2007 e foi assinado em 16 de Junho de 2008 na sequência dos progressos realizados em quatro domínios fundamentais definidos pela Comissão e pelo Conselho em 2005 (3). Enquanto se aguarda a ratificação do AEA por todos os Estados-Membros, as medidas comerciais do AEA foram sendo aplicadas através do Acordo Provisório, em vigor desde 1 de Julho de 2008. Entre outros aspectos, o AEA formalizou a preferência comercial atribuída pela UE aos produtos bósnios desde 2000 (numa base autónoma) e fez com que a Bósnia-Herzegovina reduzisse gradualmente as restrições comerciais e os direitos aduaneiros sobre os produtos da UE. Até à data, a aplicação do Acordo Provisório tem sido satisfatória.

Paralelamente às negociações do AEA, foi elaborado um acordo destinado a facilitar a emissão de vistos, que foi assinado em 17 de Setembro de 2007 e entrou em vigor em Janeiro de 2008. Este acordo reduziu, e até eliminou para certas categorias de cidadãos, os emolumentos relativos ao tratamento do pedido de visto. Além disso, simplificou as condições de emissão de vistos para muitos grupos de cidadãos, incluindo estudantes, empresários e jornalistas. A União Europeia iniciou as conversações sobre a introdução de um regime de isenção de visto para cidadãos da Bósnia-Herzegovina em 26 de Maio de 2008. Para concluir as negociações, a Bósnia-Herzegovina deveria fazer progredir o cumprimento de todos os critérios.

No respeitante à assistência financeira de pré-adesão, foi adoptado o documento de planeamento indicativo plurianual (DPIP) para a Bósnia-Herzegovina (2008-2010) em Setembro de 2008. A Comissão Europeia (CE) atribuiu um montante de 74,8 milhões de euros à Bósnia-Herzegovina no quadro do Instrumento de Assistência de Pré-Adesão (IPA) de 2008. As principais áreas de intervenção incluem o reforço do primado do direito e das estruturas da administração pública, o desenvolvimento económico e social e a estabilização democrática. No âmbito do instrumento para a sociedade civil, foram atribuídos 6,5 milhões de euros ao desenvolvimento da sociedade civil ao abrigo dos programas nacionais do IPA para 2007/2008. As organizações da sociedade civil da Bósnia-Herzegovina também beneficiam de actividades regionais e de programas de visitas financiados pelo programa multibeneficiários. Além disso, os fundos comunitários alocaram 5,7 milhões de euros para apoiar o orçamento do GAR até Junho de 2009.

A aplicação das ajudas proporcionadas pelo IPA e pelos recursos disponíveis do programa CARDS está a cargo da Delegação da CE em Sarajevo. A gestão descentralizada das ajudas continua a ser um objectivo a médio prazo para a Bósnia-Herzegovina. Os preparativos para a aplicação descentralizada avançaram muito pouco. O fundo nacional e a unidade central de financiamento e contratação do Ministério das Finanças e do Tesouro já têm alguns colaboradores e o recrutamento prossegue. A complexidade do enquadramento institucional e político da Bósnia-Herzegovina causou atrasos significativos na ratificação do acordo-quadro do IPA. Ainda está por assegurar a aplicação adequada do acordo. Consequentemente, a aplicação do programa do IPA para 2007 também está atrasada.

3.2.2.   Relações com a Croácia

As relações com a Croácia sofreram alterações substanciais desde 2000. Os dois países têm celebrado acordos para o regresso de refugiados entre as fronteiras da Bósnia-Herzegovina e da Croácia e assinaram um Acordo de Comércio Livre, que foi aplicado quase imediatamente. A Assembleia Parlamentar da Bósnia-Herzegovina aprovou, em Fevereiro de 2008, um acordo com a Croácia relativo à dupla nacionalidade. Estima-se que cerca de 400 mil cidadãos da Bósnia-Herzegovina também tenham nacionalidade croata. Estão ainda por resolver alguns litígios fronteiriços e persistem obstáculos à transferência de processos e à extradição de suspeitos entre a Bósnia-Herzegovina e a Croácia, no quadro de infracções penais ou crimes contra a humanidade.

3.2.3.   Relações com a Sérvia

As relações com a Sérvia têm melhorado de forma significativa desde o derrube do regime de Milošević, com o início das relações diplomáticas em 15 de Dezembro de 2000. Durante a presidência da Bósnia-Herzegovina no Processo de Cooperação para a Europa do Sudeste (SEECP) entre 2003 e 2004, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Antiga Jugoslávia reuniram com os seus homólogos da Europa do Sudeste para reforçar o seu empenho na construção de relações de boa vizinhança, estabilidade, segurança e cooperação no Sudeste europeu.

A campanha eleitoral na Bósnia-Herzegovina, em Outubro de 2006, assistiu ao reforço, no domínio público, dos laços entre a Republika Srpska e a Sérvia, que culminou na assinatura de um acordo especial revisto de relações paralelas, em 26 de Setembro de 2007, em Banja Luka, embora ambas as partes tenham salientado que o acordo não comprometia a soberania, a integridade territorial ou a independência política da Bósnia-Herzegovina.

No entanto, subsistem potenciais tensões nas relações entre a Bósnia-Herzegovina e a Sérvia. No seguimento da declaração de independência do Kosovo, os argumentos contra o Acordo de Dayton e as ameaças separatistas têm ganhado terreno na Republika Srpska. Em 21 de Fevereiro de 2008, a Assembleia Nacional da Republika Srpska aprovou uma resolução que associava a situação dessa república na Bósnia-Herzegovina com a do Kosovo na Sérvia, descrevendo as circunstâncias que poderiam possibilitar a secessão da Republika Srpska.

3.2.4.   A cooperação regional

As relações com o Montenegro são positivas e têm sido reforçadas. Foram celebrados acordos de cooperação em matéria de defesa, cooperação policial, protecção civil e cooperação transfronteiriça.

As relações com a Antiga República Jugoslava da Macedónia também são satisfatórias, tanto no plano bilateral como regional. Formalizaram-se acordos de readmissão, cooperação policial e protecção civil.

As relações com a Albânia têm sido reforçadas e a Bósnia-Herzegovina decidiu estabelecer uma embaixada em Tirana.

A Bósnia-Herzegovina participa activamente em programas e iniciativas de cooperação regional, como o CEFTA (Acordo de Comércio Livre da Europa Central).

4.   Evolução económica na Bósnia-Herzegovina

4.1.   Situação actual da economia da Bósnia-Herzegovina

Apesar da complexidade do contexto político, a Bósnia-Herzegovina viveu quatro anos de desempenho económico estável, estimando-se que o seu PIB tenha crescido 5,5 % em 2008. A inflação no primeiro trimestre de 2007 foi apenas de 1,5 % mas começou a aumentar no segundo semestre desse ano devido à subida dos preços dos produtos alimentares e dos transportes, tendo alcançado os 4,9 % em Dezembro e acelerado até atingir os 9,5 % em Agosto de 2008. O défice da balança de transacções correntes desceu dos 21,3 % do PIB em 2005 para 11,4 % do PIB em 2006, embora tenha subido novamente até aos 12,7 % do PIB em 2007. O défice comercial caiu dos 49,6 % do PIB em 2005 para cerca de 37 % do PIB em 2006 e 2007. De momento, é pouco provável que a situação melhore, tendo em conta que o incremento das exportações abrandou em 2007 e as importações aumentaram novamente, prevendo-se a redução dos investimentos directos estrangeiros na sequência da crise financeira mundial. Em 2006, o excedente orçamental global equivalia a 3 % do PIB, principalmente graças às receitas resultantes da introdução do IVA. O excedente desceu para 1,3 % do PIB em 2007 e poderá transformar-se em défice em 2008, devido, entre outros factores, ao aumento dos reembolsos do IVA.

À semelhança de outros países em transição, a Bósnia-Herzegovina tem uma economia em crescimento, mas enfrenta uma pobreza generalizada e dificuldades sociais. As previsões mostram uma taxa de desemprego que varia entre os 16 % e os 44 %. A Bósnia-Herzegovina enfrenta as consequências da crise financeira e económica, que constitui uma ameaça para a situação económica, social e étnica, bem como para as relações na UE e na região.

A estrutura governamental do país é pesada, consumindo mais de 50 % do PIB. A fragmentação das estruturas, a limitação de recursos, a falta de experiência e as estratégias provisórias para reforçar o potencial do país comprometem a capacidade do governo para definir e aplicar políticas.

A UE é o maior parceiro comercial da Bósnia-Herzegovina (as trocas com a UE representam mais de 50 % do comércio total do país). A assinatura do AEA e a entrada em vigor do Acordo Provisório poderão aprofundar esta relação e expandir a integração comercial com a UE. A Bósnia-Herzegovina exporta principalmente para a Itália, Alemanha e Eslovénia, importando produtos destes países da UE e, em menor medida, da Áustria. Os produtos exportados pela Bósnia-Herzegovina são essencialmente metais, madeira, produtos à base de madeira, produtos minerais e químicos. Os produtos importados incluem, em particular, maquinaria, produtos minerais, produtos alimentares e químicos.

5.   Situação e papel actual das organizações da sociedade civil

5.1.   Diálogo social

5.1.1.   Enquadramento jurídico

Do ponto de vista formal, ainda não existe diálogo social na Bósnia-Herzegovina, porque a Constituição em vigor não inclui disposições prevendo a criação de instituições governamentais a nível nacional que lidem com política social ou educativa.

A Bósnia-Herzegovina ratificou as oito convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As Constituições da Bósnia-Herzegovina, da Federação da Bósnia-Herzegovina e da Republika Srpska garantem a liberdade sindical. Os dois entes e o distrito de Brčko têm as suas próprias legislações laborais.

A Lei sobre Associações e Fundações da Bósnia-Herzegovina, adoptada em Dezembro de 2001, não contém disposições para o registo de uma federação nacional de sindicatos.

No entanto, de acordo com o relatório intercalar de 2008 da Comissão Europeia, não houve progressos nesta matéria. A inexistência de poderes estatais para o emprego e as políticas sociais permanece um obstáculo ao desenvolvimento de uma estratégia nacional de emprego. Com base em argumentos constitucionais, a Republika Srpska recusa-se sistematicamente a atribuir um papel ao Estado no âmbito do mercado interno do trabalho. Os dois entes e o distrito de Brčko desenvolveram estratégias e projectos de emprego visando a aplicação de medidas activas neste domínio. Porém, a coordenação entre essas estratégias e projectos é mínima.

A situação do diálogo social é semelhante. A Confederação de Sindicatos não conseguiu registar-se a nível nacional. Nos termos da lei em vigor, o registo de sindicatos é sinónimo do seu reconhecimento e representatividade. Da mesma forma, a base jurídica e os procedimentos para os parceiros sociais são os mesmos que para todas as demais organizações da sociedade civil, tais como grupos de consumidores ou associações desportivas, o que é desproporcional. A complexa organização social e política do país continua a afectar o diálogo entre os parceiros sociais e as soluções não se afiguram imediatas. A falta de clareza no registo legal de sindicatos bloqueou o progresso visando o estabelecimento da negociação colectiva. Deverá redigir-se uma nova lei que substitua a actual Lei sobre Associações e Fundações que impeça o governo de exercer um poder discriminatório na decisão quanto ao registo de novas organizações.

5.1.2.   Parceiros sociais

5.1.2.1.   Empregadores

Na Bósnia-Herzegovina é difícil falar-se de organizações de empregadores que operem a nível nacional. Tendo em conta que não existe um Ministério do Trabalho a nível nacional e que muitos dos assuntos económicos estão sob a tutela dos governos das entidades, não há uma coordenação ou cooperação oficial entre organizações de empregadores a esse nível.

As duas principais organizações de empregadores são a Associação dos Empregadores da Federação da Bósnia-Herzegovina e a Associação dos Empregadores da Republika Srpska, participando ambas nos conselhos económicos e sociais dos entes. O principal problema enfrentado pelas organizações de empregadores, quer interna quer externamente, é a representatividade e a representação efectiva dos interesses dos seus membros junto dos poderes públicos.

5.1.2.2.   Sindicatos

As taxas de adesão sindical no sector formal são bastante elevadas na Federação da Bósnia-Herzegovina e na Republika Srpska. A Confederação dos Sindicatos Independentes (Savez Samostalnih Sindikata Bosne i Hercegovine, SSSBiH) organiza os trabalhadores na Federação da Bósnia-Herzegovina, a Confederação de Sindicatos da Republika Srpska (Savez Sindikata Republike Srpske, SSRS) faz o mesmo nessa região. Numa assembleia constituinte realizada em Sarajevo, em 24 de Junho de 2005, as confederações de sindicatos dos dois entes da Bósnia-Herzegovina, ou seja, da Federação da Bósnia-Herzegovina e da Republika Srpska, estabeleceram uma organização de cúpula para os sindicatos independentes da Bósnia-Herzegovina (KSBiH). Esta organização apresentou um pedido de registo a nível nacional, mas a situação ainda não se encontra resolvida.

5.1.3.   Avaliação dos mecanismos existentes

Não foi criado um conselho económico e social a nível nacional, principalmente porque o Estado e a Republika Srpska  (4) não querem que o diálogo social seja tratado a esse nível. Há dois Códigos do Trabalho, um em cada ente, e o Estado não tem um Ministério do Trabalho. Os assuntos que mais dizem respeito aos parceiros sociais, como as políticas económicas, o Direito do Trabalho e a educação são da responsabilidade dos governos dos entes e dos poderes locais. Na Bósnia-Herzegovina ainda não existe um mercado único propriamente dito, incluindo o mercado de trabalho. Os conselhos económicos e sociais só estão representados nos entes, sendo as suas actividades financiadas pelo governo. O único obstáculo formal à criação de um conselho económico e social a nível nacional é o não reconhecimento da organização sindical de cúpula. Deve também assinalar-se que os parceiros sociais ainda têm uma capacidade limitada, sendo necessário continuar a profissionalizar o seu trabalho internamente.

5.2.   Diálogo civil

5.2.1.   Enquadramento jurídico

O desenvolvimento da sociedade civil não tem uma história longa na Bósnia-Herzegovina. Antes da guerra, havia uma série de organizações públicas que exerciam actividades principalmente nos domínios da cultura e do desporto. Durante e depois da guerra, a maioria das organizações não-governamentais (ONG) consagrou as suas actividades à disseminação de ajuda humanitária e só lentamente passou a realizar actividades mais gerais.

As ONG podem registar-se a nível do Estado, do ente, do cantão (no caso da Federação da Bósnia-Herzegovina) ou do município. Desde 2002, a Lei sobre Associações e Fundações permite que as ONG se registem no Ministério de Assuntos Civis e Comunicação e exerçam actividade em toda e qualquer parte do país. No entanto, devido à complexidade do processo de obtenção de um registo a nível nacional e também ao não reconhecimento do registo nacional pelos entes, muitas ONG preferem registar-se nos entes (Republica Srpska). Um Memorando de Acordo, assinado em 2004, visando a criação de um registo conjunto de associações e fundações na Bósnia-Herzegovina entre o Estado, os governos dos entes e o distrito de Brčko, promovia o aumento da liberdade de movimento de associações e fundações e estabelecia um sistema de rápido acesso a informações sobre todas as fundações e associações.

A Lei sobre Associações e Fundações foi alterada e entrou em vigor em 2008. As normas de 2002 que regem o registo mantêm-se de aplicação, o que complica o processo de registo. As autoridades da Bósnia-Herzegovina estão a alterá-las de forma a reduzirem o número de formulários necessários. Prevê-se também a introdução do registo em linha.

De acordo com um estudo elaborado pela equipa das Nações Unidas (5) para o país, uma das principais questões para as organizações da sociedade civil é o sistema do IVA recentemente introduzido. A Lei do IVA, em vigor na Bósnia-Herzegovina desde 1 de Janeiro de 2006, introduziu uma taxa única de tributação de 17 %, o que representa um aumento. Muitos dos impostos cobrados relativos, por exemplo, à protecção social e à saúde também se aplicam às organizações da sociedade civil aquando da contratação de pessoal. Os impostos adicionais aplicam-se a donativos. A impressão geral é a de que faria sentido a sociedade civil beneficiar de isenção fiscal e que tal facilitaria o seu trabalho.

O financiamento público das organizações da sociedade civil também é uma questão importante. Na maioria dos casos, estas organizações consideram que a repartição de fundos públicos não é suficientemente transparente. A Lei sobre Voluntariado ainda não está em vigor. Continua a ser urgente resolver a fraca aplicação da legislação e harmonizar as leis. Algumas organizações da sociedade civil assinalam que o processo de redacção de leis na Bósnia-Herzegovina não é transparente nem acessível.

A sociedade civil organizada sente também a falta de um apoio dos responsáveis políticos, dado que muitos deles ainda encaram o sector da sociedade civil como um rival. Os órgãos de poder local também nem sempre compreendem os valores e as vantagens da parceria com a sociedade civil.

5.2.2.   Situação nos diferentes meios económicos e sociais

Há aproximadamente 8 mil (6) ONG registadas na Bósnia-Herzegovina, mas o número de organizações activas é muito menor. Estima-se que as receitas do terceiro sector correspondam a 4,5 % do PIB e as despesas de funcionamento a 2,4 %. Os trabalhadores activos no terceiro sector representam 1,45 % da população activa (7).

O principal domínio de actividade das ONG é a promoção dos direitos humanos. Outros domínios relevantes para o envolvimento das ONG são a educação, a igualdade entre homens e mulheres, o desenvolvimento económico, a ajuda humanitária, o desenvolvimento da sociedade civil, a saúde, os jovens e as crianças e o trabalho comunitário.

5.2.3.   Avaliação dos mecanismos existentes

Registou-se algum progresso na institucionalização da relação entre os poderes governamentais e o sector não-governamental a nível nacional. O Conselho de Ministros da Bósnia-Herzegovina e os representantes da sociedade civil assinaram, em 7 de Maio de 2007, um acordo de cooperação entre o Conselho de Ministros e o sector não-governamental da Bósnia-Herzegovina.

Em Outubro de 2007 e em conformidade com o acordo, foi estabelecido um Conselho da Sociedade Civil. Embora o conselho não represente a sociedade civil no seu conjunto, tem 31 subsectores, sendo, portanto, o fórum mais forte do país para as ONG. No entanto, os poderes públicos terão de envidar mais esforços para estabelecerem uma comunicação regular e sistemática com a sociedade civil e instigarem a sua participação no processo de definição de políticas.

6.   Papel das organizações da sociedade civil na integração na UE

6.1.   As organizações da sociedade civil e o processo de integração europeia

O conceito da Europa não está muito presente no trabalho realizado pelas organizações da sociedade civil. Os cidadãos vêem a integração europeia da Bósnia-Herzegovina como um projecto distante. A maioria das organizações da sociedade civil não tem grande experiência em trabalhar com os seus homólogos nos países europeus. O debate sobre a UE acabou de se estrear na Bósnia-Herzegovina. As organizações da sociedade civil concentram os seus projectos nas prioridades definidas pelos doadores financeiros (organizações internacionais, governos e doadores locais). A defesa da integração europeia em cada sector da Bósnia-Herzegovina não é propriamente visível, à excepção das actividades realizadas pelas ONG internacionais. Não obstante, 80 % dos cidadãos apoia a futura adesão da Bósnia-Herzegovina à UE, o que representa um bom ponto de partida para a sociedade civil organizada trabalhar em defesa do cumprimento dos critérios de adesão.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  De acordo com a definição do Comité Económico e Social Europeu, o termo «sociedade civil» abrange as organizações de empregadores, de trabalhadores, as organizações não governamentais e ainda os meios económicos e sociais.

(2)  1) Resolução aceitável e duradoura da questão da repartição dos bens públicos entre o Estado e os outros níveis da administração; 2) Resolução aceitável e duradoura da questão dos bens militares; 3) Aplicação completa da sentença do tribunal de arbitragem sobre Brčko; 4) Viabilidade orçamental (incentivada por um acordo sobre uma metodologia permanente para o cálculo dos coeficientes destinados à autoridade encarregada da fiscalidade indirecta e pela criação de um Conselho orçamental nacional); e 5) Consolidação do Estado de direito (demonstrada pela adopção de uma estratégia nacional em matéria de crimes de guerra, de uma lei sobre estrangeiros e asilo e de uma estratégia nacional em matéria de reforma da justiça).

(3)  1) Execução da reforma da polícia, em conformidade com o acordo de Outubro de 2005 sobre a reestruturação da polícia; 2) Plena cooperação com o TPIJ; 3) Adopção e aplicação de toda a legislação necessária sobre a radiodifusão pública; e 4) Desenvolvimento do quadro legislativo e das capacidades administrativas tendo em vista uma execução adequada do AEA.

(4)  O primeiro-ministro da Republika Srpska, Milorad Dodik, declarou, em 22 de Agosto de 2007, que o seu governo não apoiaria a criação do conselho social a nível nacional, dado que os assuntos económicos e sociais basilares estão sob a tutela dos entes e que a criação deste conselho era uma questão política.

(5)  Main Findings on the Level of Cooperation Between the UN Agencies and Civil Society Organizations in BiH, Janeiro de 2007, documento de trabalho da equipa das Nações Unidas para a Bósnia-Herzegovina.

(6)  Valor fornecido em Fevereiro de 2005, incluído no relatório do projecto financiado pela UE Mapping Study of Non-State Actors in Bosnia-Herzegovina, Setembro de 2005.

(7)  Employment, social service provision and the non-governmental organisation (NGO) sector. Status and prospects for Bosnia and Herzegovina. Analysis and policy implications, Qualitative Study #3, 2 de Abril de 2005; Projecto de política social e laboral do Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional (DFID).


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/22


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Emissões dos transportes rodoviários – Medidas concretas para superar a estagnação

(parecer de iniciativa)

(2009/C 317/04)

Relator: Edgardo Maria IOZIA

Em 17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar, nos termos do n.o 2 do artigo 29o do Regimento, um parecer de iniciativa sobre o tema:

Emissões dos transportes rodoviários – Medidas concretas para superar a estagnação.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-Estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 26 de Junho de 2009, tendo sido relator Edgardo Maria Iozia.

Na 455.a reunião plenária 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 109 votos a favor e 7 votos contra, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   Várias instituições participam na luta contra a poluição atmosférica e sonora. Neste contexto, assumem um papel fundamental as instituições da União Europeia, que têm a responsabilidade de promover e de actualizar as legislações, os Estados-Membros, que têm a responsabilidade de adoptar as respectivas disposições de aplicação, e as autoridades locais, que têm competências em matéria de controlo das substâncias poluentes e do ruído. A responsabilidade pela estagnação dos progressos neste domínio é comum e todos os níveis de responsabilidade devem estar mais empenhados em eliminar ou reduzir ao mínimo possível os riscos para a saúde e o bem-estar dos cidadãos.

1.2.   As emissões dos transportes privados, públicos e de mercadorias por estrada provocam doenças graves e pioram a qualidade de vida, em particular dos habitantes das zonas urbanas, que representam mais de 75 % dos cidadãos europeus. Não obstante as iniciativas da Comissão que visam a adaptação da legislação europeia, inclusivamente através do recente pacote sobre «Transporte Verde», ainda se verifica nos Estados-Membros uma certa estagnação dos progressos na luta contra a poluição atmosférica e contra o ruído causado pelo tráfego.

1.3.   Embora a legislação, pelo menos no respeitante à qualidade do ar ambiente, tenha sido adaptada e melhorada nos últimos anos, há que evidenciar por outro lado a falta de progressos em termos de quantidade e qualidade dos controlos, quer das emissões dos automóveis e motociclos, como da quantidade de gases e de partículas presentes no ar. Há que reconhecer que a Comissão deu notáveis impulsos, nomeadamente técnicos e científicos, graças aos programas Tremove, em matéria de análise dos efeitos das várias políticas no sector dos transportes e através da criação do sistema COPERT 4 (Computer Program for estimating Emissions from Road Transport (programa informático de avaliação das emissões dos transportes rodoviários)), no quadro das actividades do Centro Temático Europeu sobre o Ar e as Alterações Climáticas, que o Centro Comum de Investigação continuou a desenvolver. Esta metodologia faz parte integrante do Guia sobre as Emissões na Europa EMEP/CORINAIR, desenvolvido por uma Task Force da UNECE (Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa), que se dedica à avaliação e às projecções dos dados.

1.4.   No seu pacote «Transporte Verde», foi apresentada uma proposta para reduzir a poluição sonora causada pelo tráfego ferroviário e em 22/6/2009 foi aprovado o Regulamento COM (2008) 316 sobre a segurança geral dos veículos que prevê uma redução substancial do nível de ruído dos pneus.

1.5.   O CESE recomenda à Comissão, aos Conselhos de Ministros do Ambiente e do Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores, bem como ao Parlamento Europeu, que adoptem disposições imediatas para reforçar as medidas de controlo, salvaguardando assim a saúde dos cidadãos. Os controlos fora de ciclo (off cycle) e os controlos na estrada, em particular durante a utilização dos veículos, permitiriam demonstrar que os automóveis actuais são mais ruidosos do que os utilizados há 30 anos e produzem emissões consideravelmente superiores às que foram detectadas nos ensaios de ciclo (cycle test).

1.6.   O CESE sublinha que falta uma abordagem consolidada, que os regulamentos da UNECE não dispõem de sistemas de controlo eficazes, como os regulamentos da UE e o modelo de autocertificação, e que se revelou insuficiente deixar as verificações a cargo dos mecanismos de controlo do mercado.

1.7.   O CESE considera que as diferentes autoridades da União Europeia, dos Estados-Membros e das regiões poderiam adoptar várias acções para reduzir as consequências da poluição atmosférica, a saber:

envolver a população, induzindo-a a adoptar comportamentos exemplares para assegurar o bem-estar colectivo, aumentando a transparência e a informação através de cartazes visuais e de sítios web;

promover a educação e a formação sobre temáticas ambientais e ecológicas;

divulgar boas práticas como o cartão de mobilidade (mobility card), que dá direito ao transporte público gratuito;

recorrer, para o transporte público urbano, aos eléctricos e aos tróleis, inclusivamente alimentados com baterias, o que permite a sua utilização em zonas não cobertas por linhas aéreas;

limitar o tráfego privado, melhorando e intensificando os transportes públicos;

adoptar um sistema de tributação diferenciada para os automóveis e os combustíveis, em função do seu grau de poluição, bem como licenças a pagamento para entrar nos centros urbanos, tendo em conta as diferentes capacidades contributivas dos cidadãos e das emissões produzidas;

internalizar os custos externos, em particular os que se prendem com a saúde dos cidadãos;

desenvolver políticas integradas dos transportes, determinando o grau de sustentabilidade ambiental dos diferentes projectos;

contribuir para a modificação dos estilos de vida, no sentido de uma maior sobriedade e ecologia;

incentivar a mobilidade sustentável pedestre e em bicicleta para pequenos trajectos, melhorando as infra-estruturas à disposição dos peões e dos ciclistas;

evitar as deslocações inúteis;

rever a gestão da logística e a produção «just in time»;

promover o teletrabalho sempre que possível;

reduzir o congestionamento do tráfego, optimizando a utilização de todos os modos de transporte e privilegiando os transportes públicos;

apoiar a investigação e o desenvolvimento inovador de materiais e soluções tecnológicas para reduzir os poluentes produzidos pelo tráfego e pelo transporte rodoviário, designadamente as pilhas de combustível para veículos a hidrogénio, os automóveis eléctricos e a hidrocarbonetos de baixas emissões como os gases de síntese, o metano e o gás de petróleo liquefeito (GPL);

efectuar controlos periódicos mais rigorosos, especialmente nos países em que o parque automóvel é mais obsoleto e poluente (por exemplo, na Polónia 60 % dos automóveis têm mais de 10 anos…)

1.8.   Para melhorar o impacto da poluição sonora, poder-se-ia prever:

limitações da utilização dos veículos privados durante a noite nas zonas residenciais;

dispositivos de limitação de velocidade integrados no pavimento das estradas;

melhoria da qualidade do asfalto;

painéis que absorvem o ruído nas zonas com densidade de tráfego mais elevada;

sanções efectivamente dissuasivas para os veículos que ultrapassam os limites de emissões sonoras, prevendo inclusivamente a apreensão dos veículos, em particular os motociclos;

controlos do ruído mais adaptados às condições «normais» de utilização dos veículos;

exames médicos mais frequentes para as pessoas que estão mais expostas ao risco de poluição sonora;

intervenções eficazes para descongestionar o tráfego, dando uma atenção particular à difusão dos corredores preferenciais e às vias reservadas ao transporte público,

disposições específicas e normas adaptadas para as pessoas que trabalham nas vias públicas e que respiram ar poluído ou que suportam ruído contínuo.

1.9.   As metodologias de avaliação do ciclo de vida (LCA-Life Cycle Assessment) deveriam aplicar-se igualmente às emissões indirectas produzidas pelos transportes:

produção e transporte do combustível (extracção, transporte para a refinaria e para as estações de serviço e, no caso de automóveis com bateria, as emissões derivadas da produção de electricidade);

produção do veículo (emissões causadas pela indústria, incluindo a eliminação dos resíduos);

estradas e parques de estacionamento (se forem utilizados parques e zonas verdes para a sua construção, a qualidade do ar deteriora-se porque falta o efeito da fotossíntese.

1.10.   O presente parecer concentra-se nas emissões de poluentes e no ruído produzido pelo transporte rodoviário. O debate evidenciou a necessidade de desenvolver uma reflexão sobre os outros modos de transporte e sobre os veículos de recreio, bem como sobre a poluição causada pela agricultura. Devem ser igualmente controlados os comboios, os aviões, os navios para a navegação marítima e interna, as máquinas móveis não rodoviárias, como os tractores ou as máquinas de terraplenagem, e as máquinas para a construção civil e para a extracção mineira (1).

2.   Introdução

2.1.   Não obstante algumas dificuldades, o Conselho Europeu aprovou a totalidade do pacote sobre a energia e o clima, podendo assim apresentar-se devidamente preparado no encontro de Dezembro em Copenhaga e confirmar a sua vontade de desempenhar um papel de liderança na luta contra as emissões de GEE (gases com efeito de estufa).

2.2.   O mesmo não se poderá dizer no que diz respeito aos resultados obtidos com as iniciativas destinadas a combater as emissões de poluentes e de ruído produzidas pelos meios de transporte.

2.3.   O tráfego afecta negativamente a saúde pública, principalmente por dois motivos: a emissão para a atmosfera de substâncias poluentes e o ruído. As principais substâncias poluentes resultantes do tráfego e que têm directamente efeitos negativos na saúde são: o óxido e o dióxido de azoto (NO e NO2), o monóxido de carbono (CO2), o dióxido de enxofre (SO2), o amoníaco (NH3), os compostos orgânicos voláteis (VOC) e as partículas ou aerossóis. Estas substâncias são definidas como primárias, porque são emitidas directamente pelos veículos a motor, enquanto que outras substâncias, ditas secundárias, são produzidas por reacções na atmosfera, como por exemplo o ozono nitrato de amónio (NH4NO3), o sulfato de amónio ([NH4]2[SO4]) e os aerossóis orgânicos secundários.

2.4.   Na UE-27, o transporte rodoviário é o principal responsável pelas emissões de NOx (39,4 %), de CO (36,4 %), de NMVOC (17,9 %), (compostos voláteis orgânicos à exclusão do metano) e a segunda fonte de emissões de PM10 (17,8 %) e de PM2,5 (15,9 %) (Agência Europeia do Ambiente (AEA) - Relatório técnico 2008/7, de 28 de Julho de 2008).

2.5.   As partículas primárias naturais são causadas pelas erupções vulcânicas, pelos incêndios florestais, pela erosão e desagregação das rochas, pelas plantas (pólen e resíduos vegetais), pelos esporos, pelos sais marinhos e pelos restos de insectos. As partículas secundárias naturais são constituídas por partículas finas que se formam na sequência da oxidação de várias substâncias como o dióxido de enxofre e o ácido sulfídrico, emitidos pelos incêndios e pelos vulcões, os óxidos de azoto libertados pelos terrenos, bem como pelos terrenos (hidrocarbonetos) emitidos pela vegetação.

2.6.   As partículas primárias de origem humana devem-se à utilização dos combustíveis fósseis (aquecimento doméstico, centrais termoeléctricas, etc.), às emissões dos veículos a motor, ao desgaste dos pneus, dos travões e do pavimento das estradas, bem como aos vários processos industriais (fundições, minas, cimenteiras, etc.). Há que referir igualmente as grandes quantidades de poeiras que podem resultar de várias actividades agrícolas. Por seu lado, as poeiras secundárias de origem humana devem-se essencialmente à oxidação dos hidrocarbonetos e dos óxidos de enxofre e de azoto produzidos pelas diversas actividades humanas.

2.7.   As partículas são classificadas em função das suas dimensões e incluem as nanopartículas, as poeiras visíveis e as partículas finas. As partículas PM10 são as que têm um diâmetro inferior a 10µm e as partículas PM1 aquelas que têm um diâmetro inferior a 1 μm; as partículas mais pequenas são as mais perigosas, porque penetram mais fundo nos pulmões.

2.8.   Outras substâncias produzidas pelos veículos a motor não são directamente nocivas para a saúde, mas segundo a AEA (Agência Europeia do Ambiente), danificam gravemente o ambiente, por exemplo os gases com efeito de estufa, o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o anidrido nitroso (N2O). Também estas constituem uma notável fonte de preocupação social, e a sua concentração é limitada pelas disposições regulamentares sobre as emissões dos veículos a motor.

2.9.   Com o mesmo nível de emissões emitidas pelo tráfego, a concentração das substâncias poluentes nas camadas mais baixas da atmosfera depende das condições meteorológicas. Com efeito, as condições de baixas temperaturas ao nível do solo, especialmente quando há inversão térmica, inibem os movimentos de convecção que revolvem a atmosfera, favorecendo a acumulação de substâncias poluentes nos seus estratos mais baixos. Isto sucede em particular nos vales das zonas de montanha, que são afectados de modo especialmente preocupante pela poluição atmosférica.

2.10.   Os efeitos dos poluentes na saúde são demonstrados por estudos epidemiológicos: se é certo que as bronquites crónicas e o enfisema são efeitos a curto prazo relacionados com concentrações elevadas de partículas, não é nada evidente a correlação entre os poluentes e os fenómenos alérgicos como a asma, as rinites e as dermatites.

2.11.   Os efeitos do ruído na saúde são de tipo auditivo e extra-auditivo, o que incitou a Comunidade Europeia a introduzir limites de exposição ao ruído para os trabalhadores e a população residente. As regras de avaliação da exposição ao ruído estão previstas nas normas ISO1996-1:2003, ISO1996-2:2006, ISO9613-1:1993, ISO9613-2:1996 e na Directiva 2002/49/CE.

2.12.   Para ter em conta a diferente sensibilidade do sistema auditivo às diversas frequências do espectro acústico (entre 20 e 20 000 Hz) utilizam-se, na avaliação da exposição ao ruído, curvas de ponderação para determinar a densidade espectral, que é medida em função da sensibilidade do aparelho auditivo. A curva mais frequentemente utilizada é a curva de ponderação A, que fornece uma medida ponderada de exposição, expressa em dB(A).

3.   A legislação europeia

3.1.   Qualidade do ar

3.1.1.   A qualidade do ar é um dos domínios em que a Europa envidou mais esforços nos últimos anos para desenvolver uma estratégia global através do estabelecimento de objectivos a longo prazo. Foram introduzidas directivas para controlar os níveis de alguns poluentes e a respectiva concentração na atmosfera.

3.1.2.   Em 1996, o Conselho de Ministros do Ambiente adoptou a Directiva-Quadro 1996/62/CE relativa à avaliação e à gestão da qualidade do ar ambiente. Esta directiva prevê a revisão da legislação existente e a introdução de novas normas de qualidade do ar para os poluentes atmosféricos que não estavam regulamentados em directivas anteriores, estabelecendo um calendário para a elaboração das directivas seguintes relativas a uma série de poluentes. A lista dos poluentes atmosféricos prevista na directiva inclui o anidrido sulfuroso (SO2), o dióxido de azoto (NOx), as partículas (PM), o chumbo (Pb) e o ozono (poluentes regulamentados pelos objectivos precedentes em matéria de qualidade do ar), o benzeno, o monóxido de carbono, os hidrocarbonetos poliaromáticos, o cádmio, o arsénio, o níquel e o mercúrio.

3.2.   Directivas seguintes

3.2.1.   À directiva-quadro seguiram-se outras directivas posteriores que estabelecem os limites numéricos ou, no caso do ozono, os valores de referência para cada poluente identificado. Além de estabelecerem os valores-limite para a qualidade do ar e os limiares de alerta, os objectivos destas directivas são a harmonização das estratégias de controlo, dos métodos de medição e de calibragem, bem como da avaliação da qualidade do ar para se obter medições comparáveis em toda a UE e para prestar informações úteis ao público.

3.2.2.   A primeira directiva seguinte (1999/30/CE), relativa aos valores-limite de concentrações de NOx, SO2, Pb e PM na atmosfera, entrou em vigor em Julho de 1999. Para permitir um sistema de relações harmonioso e estruturado, a Comissão teve o cuidado de estabelecer medidas específicas que autorizam cada Estado-Membro a fornecer informações sobre os seus próprios planos e programas. Estas medidas constam da decisão 2004/224/CE.

3.2.3.   A segunda directiva seguinte (2000/69/CE), relativa aos valores-limite de concentrações de benzeno e monóxido de carbono na atmosfera, entrou em vigor em 13 de Dezembro de 2000. A transmissão de relatórios anuais segundo esta directiva deve respeitar a decisão 2004/461/CE da Comissão.

3.2.4.   A terceira directiva seguinte (2002/3/CE), relativa ao ozono, foi adoptada em 12 de Fevereiro de 2002 e estabelece objectivos a longo prazo em conformidade com as novas orientações e valores de referência impostos pela Organização Mundial da Saúde para as concentrações de ozono na atmosfera, que devem ser atingidos até 2010. Estes objectivos seguem o disposto na Directiva 2001/81/CE relativa aos valores-limite de emissões nacionais.

3.2.5.   A quarta directiva seguinte (2004/107/CE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 2004, é relativa à redução das concentrações na atmosfera de arsénio, cádmio, mercúrio, níquel e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos no ar ambiente.

3.2.6.   Foi recentemente adoptada a Directiva 2008/50/CE relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa, que reúne num só texto a directiva-quadro e as três primeiras directivas seguintes, prevendo que as disposições da quarta directiva seguinte sejam integradas quando for adquirida experiência suficiente em matéria de aplicação desta directiva. A nova directiva estabelece os métodos de medição das partículas finas PM2,5, estabelecendo os objectivos nacionais de redução, o indicador de exposição média (IEM) e o valor-limite, fixado em 25 µg/m3 e 20 µg/m3 a partir de 2020. Esta directiva foi adoptada na sequência do relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) intitulado «Air Quality Guidelines Global Update 2005» (orientações actualizadas sobre a qualidade do ar no mundo, edição de 2005), que demonstrou a perigosidade das PM2,5 e identificou patamares de perigosidade para as seguintes substâncias: NOx, i SOx e O3.

3.2.7.   O argumento mais significativo para a utilização das PM2,5 é o facto de estas constituírem um instrumento melhor para medir as actividades humanas, especialmente as fontes de combustão (Relatório do Comité Científico sobre Riscos Sanitários e Ambientais (SCHER), Scientific Committee on Health and Environmental Risk, 2005).

3.3.   Poluição sonora

3.3.1.   Remonta a 1970 a Directiva 70/157/CEE, que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de ruído admissível produzido pelos transportes.

3.3.2.   Foi preciso esperar por 1986 para que fosse aprovada a Directiva 46/188/CEE relativa à protecção dos trabalhadores contra os riscos devidos à exposição ao ruído.

3.3.3.   A Directiva 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Junho de 2002, diz respeito à avaliação e à gestão do ruído ambiente, que é definido como o conjunto de sons indesejáveis ou nocivos produzidos pelas actividades humanas no ambiente externo, incluindo o ruído produzido pelos meios de transporte.

3.3.4.   Em seguida, foi adoptada a Directiva 2007/34/CE da Comissão, de 14 de Junho de 2007, que altera, para efeitos de adaptação ao progresso técnico, a Directiva 70/157/CEE do Conselho relativa ao nível sonoro admissível e ao dispositivo de escape dos veículos a motor, bem como o Regulamento n.o 117 da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) – Disposições uniformes relativas à homologação dos pneus no que respeita às emissões sonoras produzidas pelo rolamento e pela aderência ao piso molhado (JO L 231 de 29.8.2008). Acresce ainda a aprovação recente do regulamento COM(2008)316 sobre a segurança geral dos veículos a motor, que prevê uma redução substancial do nível de ruído dos pneus.

4.   A situação actual

4.1.   Segundo um estudo da AEA (Exceedeance of air quality limit values in urban areas. Core set indicators assessment – Dezembro de 2008), baseado na década de 1997-2006, a percentagem da população urbana que esteve potencialmente exposta no ar ambiente a concentrações superiores aos limites previstos pela UE para a protecção da saúde humana foi, relativamente a:

partículas (PM10): 18 a 50 % (50 µg/m3 diárias a não ultrapassar durante mais de 35 dias num ano civil),

dióxido de azoto (NO2): 18 a 42 % (40 µg/m3 por ano civil), registando uma modesta diminuição,

ozono (O3): 14 a 61 % (120 µg/m3 por dia numa média de 8 horas não ultrapassando 25 vezes num ano civil). O pico de 61 % foi atingido em 2003 e não é possível identificar uma tendência fiável,

dióxido de enxofre (SO2): menos de 1 % da população esteve exposta aos limites previstos (125 µg/m3 a não ultrapassar durante mais de 3 dias num ano civil).

5.   Os danos causados pela poluição sonora e atmosférica

5.1.   Hoje em dia, o ruído é uma das principais causas da deterioração da qualidade de vida nas zonas urbanas. Com efeito, embora nos últimos 15 anos a tendência parece ter sido uma diminuição dos níveis de ruído mais elevados nas zonas de maior risco, verificou-se em simultâneo um alargamento das zonas com níveis definidos de atenção, que comportou um aumento da população exposta e anulou as consequências benéficas do primeiro fenómeno.

5.2.   O ruído é normalmente definido como um «som não desejado» ou como «uma sensação auditiva desagradável e irritante».

5.3.   A luta contra o ruído pode ser efectuada graças a três intervenções possíveis:

agindo sobre as fontes de ruído (reduzindo as emissões na origem ou melhorando as condições de mobilidade no interior de uma determinada parcela de território),

agindo sobre a propagação do ruído (afastando o mais possível as zonas residenciais das zonas em que há mais emissões sonoras),

adoptando sistemas de protecção passiva (barreiras antiruído) para os edifícios mais expostos às emissões de ruído.

5.4.   As doenças mais frequentes causadas pelo ruído são de tipo auditivo e extra-auditivo: a hipoacusia, os acúfenos (o zumbido que por vezes se sente dentro do ouvido, que pode ser consequência de uma lesão permanente das células ciliadas cocleares) e os problemas associados ao complexo caracol-vias nervosas auditivas e à trompa de Eustáquio. A exposição ao ruído danifica o sistema auditivo de modo agudo ou crónico. O ruído do tráfego não atinge os níveis susceptíveis de produzir efeitos graves. O sistema auditivo é capaz de recuperar dos efeitos negativos da exposição crónica ao ruído se puder usufruir de um período suficiente de repouso. Por este motivo, os limites de exposição crónica fazem referência à exposição global ponderada «A» dos trabalhadores calculada com base num dia de trabalho de 8 horas. Na UE, o limite de exposição pessoal diária é o seguinte: Lex, 8h =87 dB(A).

5.5.   Em relação às doenças de carácter extra-auditivo, podemos estar perante patologias cardiovasculares, do aparelho digestivo devido ao stress, de cefaleias agudas e de problemas endócrinos devido a uma alteração de parâmetros essenciais. Os efeitos extra-auditivos conhecidos do ruído comportam a irritação, a perturbação do sono e complicações de patologias mentais pré-existentes. A correlação entre os elevados níveis declarados de desconforto (um parâmetro subjectivo) e o nível de ruído provocado pela circulação rodoviária e ferroviária, foi demonstrada por numerosos estudos, sobretudo no que se aplica ao ruído nocturno. As perturbações do sono, directamente causadas pelo ruído do tráfego durante a noite, provocam frequentemente o aparecimento de outras patologias cardiovasculares e endócrinas que, contrariamente às dificuldades de adormecimento, não regridem se a exposição se prolongar.

5.6.   Tratando-se da poluição atmosférica, a situação é completamente diferente. Morrem anualmente 500 000 pessoas devido à poluição do ar ambiente no mundo e diminui a esperança de vida (há praticamente 3 milhões de mortos devido à poluição do ar interno). De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e de Tratamento dos Tumores de Milão (serviço de epidemiologia e registo de tumores), se as partículas PM10 fossem reduzidas de 60 para 30µg/m3, haveria menos 1 575 mortes num total de 13 122 pessoas. Os habitantes desta cidade deveriam estar particularmente interessados!

5.7.   Esta extrapolação a longo prazo provém de um estudo efectuado por C. Arden Pope III (publicado no JAMA, 2002 – Vol 287, n.o 9) sobre uma amostragem de 1 200 000 membros da Cancer Society durante um período de observação entre 1982 e 1998 e intitulado: «Lung Cancer, Cardiopulmonary Mortality and Long-term Exposure to fine Particulate Air Pollution» (Cancro dos pulmões, mortalidade cardiopulmonar e exposição a longo prazo à poluição atmosférica causada por partículas finas). A OMS aceitou os parâmetros resultantes deste estudo, que regista um aumento de 6 % do risco de morte nos indivíduos com idade superior a 30 anos.

5.8.   A poluição do ar é a causa de numerosas doenças como as bronquites agudas e crónicas, as doenças pulmonares e do aparelho cardiocirculatório, as dificuldades respiratórias como a dispneia, o aumento dos tumores e das crises de asma, bem como as inflamações oculares agudas.

6.   Os trabalhadores expostos à poluição sonora e atmosférica

6.1.   São numerosas as categorias de trabalhadores sobreexpostos à poluição num ambiente urbano. É nomeadamente o caso de todos aqueles que trabalham na via pública: os operários de manutenção, os polícias municipais e da estrada, os empregados das estações de serviço e os condutores de autocarros e de veículos de transporte de mercadorias. A legislação europeia e as legislações nacionais examinam de modo aprofundado os riscos potenciais das diferentes profissões, prescrevendo medidas de segurança adequadas.

6.2.   A legislação sobre a poluição atmosférica no local de trabalho é particularmente vinculativa para as indústrias que utilizam materiais perigosos; no que diz respeito ao ruído, qualquer equipamento ou máquina que produza uma emissão sonora deve respeitar certos limites para ser homologado, salvo casos particulares que ultrapassam os limites máximos e com os quais devem ser obrigatoriamente utilizadas protecções auditivas (martelos pneumáticos e berbequins).

6.3.   Não está prevista qualquer disposição específica para as pessoas que trabalham nas vias públicas e que respiram ar poluído ou que suportam ruído contínuo. No que diz respeito, por exemplo, aos condutores de autocarros, é necessário diminuir as fontes de ruído e de vibrações do veículo e melhorar a insonorização do habitáculo. Um ruído excessivo tem um impacto negativo no rendimento do condutor, causando-lhe stress, aumentando a tensão muscular e prejudicando a precisão dos movimentos. O ruído age sobre o sistema nervoso vegetativo e reduz algumas funções particularmente importantes para a condução como, por exemplo, a avaliação da velocidade e das distâncias.

6.4.   Melhorar as condições de saúde e de segurança dos trabalhadores é uma responsabilidade que deve ser assumida a todos os níveis políticos e administrativos, através do aumento dos controlos e de severas sanções para qualquer infracção às regras de segurança. Os trabalhadores são frequentemente vítimas de acidentes que poderiam ter sido evitados se as regras de protecção tivessem sido actualizadas de maneira adequada com base nos estudos mais recentes e na evolução das tecnologias. Fazem parte destes estudos os estudos epidemiológicos mais recentes sobre os factores de poluição, que colateralmente podem diminuir a atenção e ter consequências irreparáveis.

7.   Que iniciativas adoptar contra a estagnação dos resultados?

7.1.   Os relatórios das agências europeias mostram que a luta contra os factores de poluição ainda está toda por travar. Convém reforçar os instrumentos de protecção jurídica dos cidadãos através de um sistema adequado de controlos, que devem ser independentes das administrações e dos governos locais.

7.2.   Segundo um estudo muito recente da AEA, a principal causa do aumento das emissões nocivas é o crescimento da procura de transporte, mesmo tendo em conta as economias realizadas graças à eficiência energética e aos combustíveis; todavia, a procura é muitas vezes criada por factores externos ao sector dos transportes (deslocações para compras, para o local de trabalho e para férias). As decisões adoptadas noutros sectores influenciam a «pegada de carbono», ou seja, o impacto dos gases com efeito de estufa (GEE) do sector dos transportes, pois são frequentemente adoptadas sem ter em conta as consequências que terão sobre a procura em matéria de transportes. É, por conseguinte, necessária uma análise pormenorizada das actividades económicas externas ao sector dos transportes. «Além da política dos transportes, há que explorar e gerir os factores externos da procura de transporte», Beyond transport policy – exploring and managing the external drivers of transport demand, relatório técnico n.o 12/2008 da AEA).

7.3.   Em certas cidades, para não perturbar a actividade comercial através de restrições ao tráfego, foram deslocadas as estações de medição que se encontravam nas zonas mais poluídas da cidade para subúrbios tranquilos, ou então deixou-se muito simplesmente de recolher os dados relativos a essas zonas.

7.4.   O sistema de autocertificação utilizado pelas indústrias produtoras de pneus, que prevê controlos baseados nas especificidades do asfalto (rugosidade e capacidade insonorizante intrínseca), está muito orientado para a redução do ruído sentido dentro do habitáculo dos veículos (in-vehicle noise), mais do que no exterior do veículo (pass-by), ou seja do ruído sentido pelos cidadãos.

7.5.   A poluição sonora pode ser definida como a introdução no ambiente doméstico ou exterior de ruído susceptível de provocar desconforto ou de perturbar o repouso e as actividades humanas, de representar perigo para a saúde, de deteriorar os ecossistemas, os bens materiais, os monumentos, o ambiente doméstico ou o ambiente exterior, ou de natureza a constituir um obstáculo à legítima fruição destes ambientes. Este tipo de poluição pode ser combatido graças a uma participação inteligente da população, induzindo-a a adoptar comportamentos positivos para assegurar o bem-estar colectivo.

7.6.   Além de favorecer comportamentos positivos, em particular nas gerações jovens, graças a uma interacção com a escola desde o ciclo primário, é necessário adoptar medidas que permitam evoluir para o objectivo de uma sociedade com reduzidas emissões de CO2 e de poluentes.

7.7.   Devem ser previstos incentivos para favorecer transportes urbanos sustentáveis e colectivos. Uma iniciativa interessante foi adoptada pela cidade de Basileia que, de acordo com os profissionais da hotelaria, distribui gratuitamente um cartão de mobilidade (mobility card) (cujo preço está incluído no preço do hotel) que dá direito ao transporte público gratuito durante o período de permanência no hotel. Isto constitui um verdadeiro incentivo a deixar o automóvel na garagem.

As restrições do tráfego urbano, privilegiando o transporte público das pessoas (2), a tributação diferenciada dos veículos a motor e dos combustíveis em função das emissões que produzem (3), o que permite internalizar os custos externos (4), bem como as licenças a pagamento para entrar nos centros urbanos, são medidas que depois de um primeiro impacto positivo de redução do tráfego urbano, tendem, no entanto, para perder eficácia com o tempo, como no caso de Londres, Estocolmo ou Milão. Os veículos utilitários desportivos (SUV) deveriam ser utilizados em espaços abertos e não nas pequenas cidades europeias, que foram originariamente concebidas para carruagens e cavalos (que também são responsáveis pela produção de CH4!).

7.8.1.   A produção e a utilização de veículos mais respeitadores dos limites dos poluentes atmosféricos constituem um factor essencial na tentativa de alcançar os objectivos impostos pela regulamentação europeia na matéria.

7.9.   O desenvolvimento dos sistemas de transporte inteligentes (STI, Intelligent Transportation Systems) (5). Estes sistemas variam consoante as tecnologias aplicadas e incluem os sistemas de gestão de base como a navegação por satélite, os sistemas de controlo por semáforos ou os detectores de velocidade, passando por aplicações de controlo aplicadas a sistemas de vigilância por câmaras de televisão de circuito fechado, até a aplicações avançadas que integram dados em tempo real provenientes de várias fontes externas, como as informações meteorológicas, os sistemas de degelo de pontes e similares.

7.10.   Podem ser utilizadas as tecnologias computacionais, integradas com sistemas operacionais em tempo real, que utilizam microprocessadores já instalados nos novos veículos automóveis; o sistema FCD («floating car data» ou «floating cellular data»- dados flutuantes de veículos ou dados celulares flutuantes) que utiliza os sinais dos telemóveis dos condutores de veículos que possuem um telefone portátil; as tecnologias que usam sensores internos ou externos; a identificação por ciclos indutores com sensores integrados no asfalto, a identificação vídeo.

7.11.   A electrónica também permite solucionar o problema das portagens extra-urbanas e urbanas. O sistema de cobrança electrónica de portagens (ETC - Electronic toll collection) utiliza-se não só para a cobrança, mas também para controlar a evolução dos congestionamentos, contabilizando os veículos que passam num determinado intervalo de tempo.

7.12.   É oportuno iniciar uma reflexão sobre os veículos de recreio (buggies, quads, motas todo o terreno, veículos náuticos a motor, motas de neve e aeronaves ultraleves). Frequentemente, o ruído e as emissões com odores fortemente desagradáveis são uma parte intrínseca destes meios de transporte. Na maior parte dos casos, estes veículos não têm chapa de matrícula, mas podem ser transportados e estacionados legalmente. Normalmente, os seus motores devem respeitar as regras gerais, mas duvida-se que estes regulamentos tenham suficientemente em conta o facto de que os veículos em causa são utilizados em zonas de grande valor natural. O aumento rápido da difusão destes meios de transporte suscita problemas no plano ambiental, mas representa igualmente um desafio tecnológico.

7.13.   A internalização dos custos externos, em particular daqueles que estão relacionados com a saúde dos cidadãos e políticas integradas dos transportes, determinando o grau de sustentabilidade ambiental de cada projecto, a relação custos/benefícios, a melhoria do ambiente, a criação de empregos e os impactos nos congestionamentos.

7.14.   Modificação dos estilos de vida. Apoiar a mobilidade sustentável pedestre e em bicicleta para pequenos trajectos, melhorando as infra-estruturas à disposição dos peões e dos ciclistas.

7.15.   Rever a gestão da logística e a produção «just in time», que comporta um enorme desperdício em termos de movimentos de mercadorias. Normalização da concepção (design), reduzindo as peças sobresselentes.

7.16.   Sempre que possível, desenvolver o teletrabalho.

7.17.   Apoiar a investigação e o desenvolvimento da inovação de materiais e de soluções tecnológicas, para reduzir os agentes poluentes produzidos pelo tráfego e pelo transporte rodoviário.

7.18.   Para reduzir os efeitos da poluição sonora, poder-se-ia adoptar dispositivos de limitação de velocidade integrados nos pavimentos das estradas, melhorar a qualidade do asfalto e introduzir painéis que absorvem o ruído nas zonas com maior densidade de tráfego. Sanções realmente dissuasivas para os veículos que ultrapassam os limites de emissões sonoras, que poderão incluir a imobilização do veículo. Os controlos do ruído deveriam estar mais adaptados às condições «normais» de utilização dos veículos.

7.19.   Os motociclos são frequentemente os principais responsáveis por ruídos incómodos e prejudiciais. Devem ser intensificados os controlos das suas emissões sonoras, impondo uma proibição de circulação enquanto não for apresentado um certificado de conformidade com a legislação existente.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 220 de 16.9.2003, p. 16.

(2)  JO C 168 de 20.7.2007, p. 77-86.

(3)  JO C 195 de 18.8.2006, p. 26-28

(4)  Ver página 80 do presente Jornal Oficial.

(5)  Parecer CESE 872/2009 TEN/382 «Implantação de sistemas de transporte inteligentes», rel. Zboril (ainda não publicado no JO).


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/29


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Componentes e mercados a jusante do sector automóvel

(parecer de iniciativa)

(2009/C 317/05)

Relator: Gustav ZÖHRER

Co-relator: José Custódio LEIRIÃO

Em 10 de Julho de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

Componentes e mercados a jusante do sector automóvel.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais que emitiu parecer em 4 de Junho de 2009, sendo relator Gustav Zöhrer e co-relator José Custódio Leirião.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 104 votos a favor, 4 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Resumo, conclusões e recomendações

1.1.   A indústria automóvel europeia é um dos sectores mais importantes da UE. Ela é o motor do crescimento, do emprego, da exportação e da inovação. Igualmente importantes são os componentes e os serviços dos mercados a jusante do sector automóvel. Os agentes do serviço pós-venda são fabricantes de veículos automóveis, fornecedores e operadores de mercado independentes ou autorizados no serviço a veículos, peças para reparação e acessórios, assim como no fabrico, distribuição e venda a retalho. Trata-se de uma rede que abrange aproximadamente 834 700 empresas (principalmente PME) com um volume de negócios total de 1 107 mil milhões de euros e cerca de 4,6 milhões de empregados.

1.2.   Tanto os fabricantes de automóveis como os comerciantes enfrentam uma concorrência cada vez mais forte, com margens de lucro cada vez mais reduzidas. Assim, os mercados a jusante ganham cada vez mais importância, sendo que os fabricantes de automóveis detêm uma posição dominante em relação aos prestadores independentes.

1.3.   Os primeiros sectores da economia real a serem fortemente afectados pela crise dos mercados financeiros, no segundo semestre de 2008, foram os da indústria automóvel e da indústria de fornecedores do sector automóvel, o que resultou numa quebra acentuada das vendas e, portanto, numa redução da produção com consequências graves tanto para as empresas como para os trabalhadores. As empresas do sector pós-venda também foram atingidas. As dificuldades com que se deparam, actualmente, para obter um financiamento são um problema sério que está a comprometer a sua existência. O Comité insta a Comissão e os Estados-Membros a terem em consideração os intervenientes nos mercados a jusante quando da concepção e adopção de medidas.

Independentemente da actual situação, há tendências a médio e longo prazos no sector automóvel que resultarão em reestruturações significativas no sector pós-venda. Dentro de alguns anos, as estruturas deste sector terão sido totalmente renovadas. Por um lado, começou-se a delinear uma redistribuição das quotas de mercado a favor dos operadores independentes, por outro, muitas empresas, sobretudo pequenas e microempresas, só poderão sobreviver se desenvolverem novas ideias e investirem.

1.4.1.   O CESE considera que a reestruturação do sector pós-venda passará pela criação de novas parcerias (incluindo outros intervenientes da sociedade civil) e de novas formas de relações com os clientes. Devido ao facto de o sector automóvel estar fortemente ligado a outros sectores, desde a indústria de fornecimento de componentes até à comercialização de veículos, qualquer forma de reestruturação que tenha um impacto sério nas PME afectará centenas de milhares de trabalhadores em todos os Estados-Membros. Por conseguinte, o CESE considera que a Comissão deverá acompanhar de perto a evolução das reestruturações do sector pós-venda e velar, se necessário, pela manutenção da concorrência.

1.4.2.   Recomenda, portanto, em consonância com a Estratégia de Lisboa, a instituição de um Grupo de Alto Nível que, baseando-se nos resultados dos trabalhos do CARS 21, abra novas perspectivas para a fase pós-crise e aponte possibilidades de actuação. Tendo em conta a evolução em todo o sector automóvel, deve ser colocada a tónica nos seguintes aspectos:

Aperfeiçoamento do quadro jurídico/acesso a uma concorrência livre e justa;

Concretização da Estratégia de Lisboa;

Avaliação das necessidades de competências;

Inovação;

Questões relacionadas com o consumidor;

Política comercial;

Aspectos sociais.

1.5.   O CESE considera que, em virtude das actuais condições económicas e sociais, a legislação comunitária deve contribuir para a manutenção de uma concorrência livre e justa, tendo por objectivos o seguinte:

Evitar mudanças inoportunas nestes tempos difíceis de crise;

Obter o justo equilíbrio de todas as regulamentações que visem uma concentração demasiado elevada da distribuição;

Assegurar o quadro adequado para a segurança, o ambiente e a simplificação das regras;

Antecipar os comportamentos anticoncorrenciais devido à nova organização do mercado;

Promover o princípio do «Think Small First» do «Small Business Act» em prol do desenvolvimento e da inovação das PME, e proteger o emprego.

1.6.   Para assegurar a quantidade e a qualidade do emprego, fomentar a mobilidade dos trabalhadores e aumentar a atractividade do sector, é necessário que o sector e as empresas também enfrentem os desafios sociais. Sobretudo há que abordar as questões da evolução demográfica, o desenvolvimento de modelos de formação inicial e contínua ao longo da vida, bem como os novos desafios nas áreas da saúde e segurança no local de trabalho. O Comité insta, pois, os intervenientes e a Comissão a promoverem mais o diálogo a todos os níveis (no respectivo sector, ao nível nacional e nas empresas).

2.   Contexto

2.1.   A indústria automóvel europeia é um dos sectores mais importantes da UE. A CCMI elaborou, em Novembro de 2007, um relatório de informação sobre a situação actual e as perspectivas para a indústria automóvel na Europa. Todavia, esse relatório centrava-se apenas no segmento essencial desta indústria, ou seja, a produção de veículos (NACE 29), enquanto uma série de componentes e serviços automóveis e um vasto leque de actividades económicas relacionadas não são incluídos no NACE 29, como indicado claramente no documento.

2.2.   Os componentes automóveis e os mercados a jusante representam um amplo conjunto de actividades, algumas das quais dependem da indústria (fabricação de equipamentos electrónicos para motores e veículos, produção de tintas, produção de pneus, produtos sintéticos e têxteis, sistemas de ar condicionado, baterias e instrumentos de medição). Outras, como a manutenção e a reparação dos veículos, dependem do sector de serviços.

Na Europa, os agentes dos serviços pós-venda são os fabricantes de veículos automóveis e os fornecedores e operadores de mercado independentes no serviço a veículos, peças para reparação e acessórios, assim como no fabrico, distribuição e venda a retalho. As referidas actividades económicas desempenham um papel fundamental na economia europeia, pois abrangem um vasto número de sectores (grandes indústrias e PME) e exercem uma função importante no tocante ao emprego.

2.3.1.   No essencial, é possível definir três domínios principais:

I.   Distribuição, serviço ao cliente, reparação e manutenção

Nesta categoria incluem-se as estruturas próprias do fabricante (vendas e serviço pós-venda), os contratantes directamente dependentes do fabricante (importadores gerais, oficinas autorizadas, etc.) assim como as oficinas independentes. Existem oficinas de reparação geral e oficinas especializadas em determinados domínios. As oficinas especializadas em componentes incluem-se, em parte, no ramo da indústria fornecedora.

II.   Peças

A produção e a distribuição de peças é, em primeiro lugar, assegurada pelos próprios fabricantes de automóveis ou pela indústria fornecedora, bem como pelos concessionários. Contudo, a percentagem de peças não originais comercializadas é cada vez maior. Existe ainda uma série de peças que não são produzidas exclusivamente por um determinado fabricante de automóveis (pneus, jantes, baterias, velas de ignição, filtros, lâmpadas, etc.).

III.   Acessórios e Tuning (modificação de um veículo com vista à personalização e melhoria do seu desempenho)

Neste ponto podem ser incluídas mais ou menos todas as peças ou componentes utilizados num automóvel com o objectivo de personalizar o design, o conforto ou a segurança. Trata-se de um domínio muito vasto que abrange desde componentes electrónicos ou hidráulicos muito complexos (por exemplo navegação por GPS ou o chassis) a objectos simples de plástico (por exemplo, suportes para copos).

2.3.2.   O desmantelamento e a reciclagem assumem cada vez maior importância neste mercado. Por um lado, as peças de veículos desmantelados são processadas e vendidas. Por outro lado, esta é também uma fonte de matérias-primas como o aço, o alumínio e o plástico.

2.3.3.   Além disso, há vários outros intervenientes no mercado do sector dos serviços, como por exemplo os postos de abastecimento de combustível, os serviços de desempanagem de veículos, as agências/inspectores técnicos de veículos e as oficinas de reparação de chapa automóvel.

Há um défice de dados estatísticos. Relativamente a estes domínios da produção industrial e à prestação de serviços industriais, apenas dispomos de dados específicos em casos excepcionais. Normalmente são domínios de produção ou de serviços que representam partes de indústrias ou serviços de outros sectores.

2.4.1.   O serviço pós-venda no sector dos veículos automóveis abrange aproximadamente 834 700 empresas, predominantemente pequenas e médias empresas (PME). As estruturas existentes variam de Estado-Membro para Estado-Membro. Em alguns países – sobretudo no Sul da Europa – predominam as pequenas e médias empresas (na sua maioria empresas familiares), enquanto que em outros países o sector se caracteriza por estruturas de maior dimensão, como por exemplo na Alemanha e na França. O sector apresenta um volume de negócios de 1 107 mil milhões de euros e emprega cerca de 4,6 milhões de pessoas na União Europeia (1).

3.   Contexto económico e tendências internacionais

Os primeiros sectores da economia real a serem fortemente afectados pela crise dos mercados financeiros, no segundo semestre de 2008, foram os da indústria automóvel e da indústria de fornecedores do sector automóvel. As dificuldades nos mercados financeiros causaram dois efeitos que afectaram bastante o sector. Por um lado, a aquisição de um automóvel e a construção de uma casa são os maiores investimentos feitos por pessoas privadas. Em tempos economicamente difíceis, este tipo de investimento é adiado, pelo que as vendas de veículos de passageiros particulares sofreram uma baixa que não estava prevista. Por outro lado, o acesso a créditos tornou-se difícil e sobretudo as PME defrontam-se com problemas de financiamento das suas actividades. Isto repercute-se nos investimentos das empresas e, por sua vez, provoca uma quebra nas vendas de veículos utilitários (2)  (3).

3.1.1.   O número de veículos de passageiros particulares postos em circulação pela primeira vez em 2008 sofreu uma redução de 7,8 % em relação ao ano anterior. Apenas no último trimestre a diferença foi de 19,3 %. No tocante aos veículos ligeiros comerciais as vendas desceram cerca de 10 %, enquanto que para os veículos pesados houve uma quebra de 4 %. Esta tendência vai manter-se no início do ano de 2009, ainda que devido a várias medidas tomadas pelos Estados-Membros (por exemplo, atribuição de prémios ambientais e para a retirada da circulação de veículos) se observe uma ligeira melhoria em relação aos veículos de passageiros particulares. Mas no que diz respeito aos veículos utilitários a situação vai agravar-se seriamente. O sector dos veículos utilitários pesados na Europa vive actualmente uma situação catastrófica, tendo registado quebras de 38,9 % nas vendas no primeiro trimestre do ano.

3.1.2.   Esta quebra na produção tem efeitos graves não só para as empresas como também para os trabalhadores. Daí resulta, sobretudo, a supressão de postos de trabalho (que atinge em primeiro lugar os trabalhadores com contratos de trabalho temporários) ou o recurso a contratos de curta duração ou a outras medidas do mesmo tipo, que levam sempre a situações de perda de remuneração.

Independentemente desta actual evolução, a CCMI fez uma análise aprofundada das principais tendências na indústria automóvel no seu relatório de Novembro de 2007 (4). Muitas destas evoluções vão ser aceleradas pela crise actual e resultarão em profundas alterações estruturais na indústria. Estas tendências estão a influenciar imediatamente os desenvolvimentos e alterações no pós-venda. Nos pontos que se seguem, a CCMI pretende sobretudo enumerar as tendências mais importantes para os componentes e mercados a jusante do sector automóvel.

3.2.1.   Os principais resultados são:

Todos os actuais estudos de tendências e prognósticos na indústria automóvel indicam que o sector automóvel será, a médio prazo, uma das áreas de crescimento a nível mundial, que, todavia, continuará a caracterizar-se por reestruturações profundas.

O crescimento em termos de valor acrescentado e de emprego concentrar-se-á principalmente na indústria de componentes através da continuação das externalizações.

Esperam-se mais processos de externalização, especialmente nas empresas (americanas) de produção em massa; as empresas europeias construtoras de «topos de gama» (e, em particular, as alemãs) serão menos atingidas por este fenómeno.

Internacionalmente, o crescimento da produção automóvel (no sector dos veículos ligeiros de passageiros) concentrar-se-á principalmente nos países BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), em especial na China e na Índia e na Europa.

Apesar da tendência geral para o crescimento, são de esperar outras alterações além das deslocações regionais dos principais centros de crescimento:

certos fabricantes do produto final correm o risco de atravessar uma crise que ameace a sua própria existência;

não é de excluir a possibilidade de haver nos EUA um desenvolvimento interno semelhante ao do Reino Unido nos anos 90: reestruturação abrangente com deslocalizações regionais dos principais centros de produção.

as relações entre fabricantes de veículos automóveis e produtores de componentes continuarão a transformar-se devido aos processos de externalização;

é de esperar que continue a concentração em larga escala de empresas de componentes;

como resultado de desenvolvimentos técnicos (por exemplo, técnicas de propulsão) é provável que se venha a assistir a uma reestruturação considerável no sector dos componentes.

Vários factores irão determinar até que ponto cada empresa de componentes será afectada por estes processos de reestruturação. São eles:

a gama de produtos e as características distintivas das empresas envolvidas;

as actividades de I&D e a distribuição dos respectivos custos;

a relação individual fabricante-fornecedor;

a eficiência da organização da produção;

a participação em redes de criação de valor e as relações entre clusters (agregados);

a estrutura empresarial e as relações de propriedade;

a capitalização e volume do fluxo de tesouraria livre;

a presença a nível regional.

A estrutura regional do sector automóvel europeu continuará a caracterizar-se por uma mudança de Oeste para Leste.

É ainda de supor que os aumentos acelerados de produtividade no sector automóvel continuem a exceder os aumentos de produção previstos. Isto leva a uma pressão contínua no emprego e nas condições de trabalho (especialmente no domínio da indústria de componentes).

No sector automóvel mundial (e também no europeu) há um excesso significativo de capacidade de produção de veículos particulares. A pressão deste excedente far-se-á sentir ainda mais devido ao contínuo aumento de capacidades que está previsto.

O mercado é modelado por necessidades cada vez mais diferenciadas e variadas dos consumidores. As tendências demográficas, mas também a evolução dos salários e o preço de venda, desempenham aqui um papel fundamental.

Há enormes desafios relacionados com os problemas ambientais, a escassez de matéria-prima e a segurança. Isto aumenta a pressão no sentido de acelerar o desenvolvimento nas áreas das técnicas de propulsão (e da redução das emissões de gases de escape e dos combustíveis alternativos) e das tecnologias de materiais, assim como no que diz respeito a sistemas de transportes intermodais integrados. Esta questão terá uma enorme influência no sector num futuro próximo e exige a definição do futuro papel do trânsito rodoviário e do automóvel dentro de um sistema desse tipo.

3.3.   Tanto os fabricantes de automóveis como os comerciantes enfrentam uma concorrência cada vez mais forte, com margens de lucro cada vez mais reduzidas. Principalmente o sector da comercialização está a ser muito afectado, com margens de lucro de aproximadamente 0,3 %. Esta evolução obriga os intervenientes a concentrarem-se cada vez mais nos mercados pós-venda (serviço ao cliente, manutenção, peças sobressalentes). Neste segmento do mercado, os fabricantes de automóveis detêm uma posição dominante em relação aos prestadores independentes.

4.   Quadro regulamentar da UE

4.1.   Ao contrário do mercado a montante, foram identificados problemas de concorrência no mercado a jusante. Redes autorizadas detêm grande parte do mercado (aproximadamente 50 %), enquanto que os fabricantes de automóveis detêm uma parte considerável no mercado das peças sobressalentes. Acresce que há peças cativas que só são disponibilizadas pelos fabricantes de automóveis. A Comissão tem de velar pelo acesso dos reparadores independentes a informações técnicas. Comparando com o mercado a montante, as diferentes condições concorrenciais reflectem-se também no facto de os fabricantes de automóveis tenderem a aumentar significativamente as suas margens de lucro com peças sobressalentes e no facto de as redes autorizadas tenderem a obter maior lucro com a reparação e manutenção dos veículos do que com a venda de carros novos.

4.2.   Para proteger a concorrência e a escolha do consumidor e para assegurar condições de concorrência equitativas no sector das peças sobressalentes e das reparações, a Comissão Europeia publicou, em 2003, o Regulamento (CE) n.o 1400/2002 relativo à isenção por categoria de veículos a motor, que determina as disposições aplicáveis aos intervenientes no mercado e se prevê ter validade até 2010.

A natureza dos regulamentos sobre isenções por categoria (RIC) define acordos verticais isentos da proibição referida no artigo 81.o do Tratado UE, proibindo acordos que restringem a concorrência. Constituem, assim, um «porto seguro» para os intervenientes no mercado. Desde que os seus acordos cumpram o disposto nos regulamentos sobre isenções por categoria, há certeza de que estão a seguir a legislação comunitária em matéria de concorrência.

4.3.   O Regulamento relativo às isenções por categoria no sector automóvel é muito mais detalhado do que o RIC e, devido à sua complexidade, dá azo a problemas de compreensão por parte dos intervenientes no mercado, em particular as PME. A Comissão apercebeu-se desta confusão ao receber muitos pedidos e reclamações de intervenientes no mercado sobre questões que em nada têm a ver com a concorrência. No pós-venda, o Regulamento relativo às isenções por categoria no sector automóvel é a priori mais favorável dado que os acordos, em determinadas condições, têm um grau de cobertura do mercado de até 100 % (no RIC esta percentagem é de apenas 30 %), mas esta generosidade é, em parte, compensada por regras específicas.

Ora, o resultado é que o Regulamento relativo às isenções por categoria no sector automóvel continua a gerar controvérsia, pois os concessionários essencialmente não querem mudar o estado de coisas, mas os fabricantes de automóveis gostariam de ter regras mais simples e menos restritivas. Por outro lado, o sector independente (reparadores independentes e produtores de peças sobressalentes) tende a reclamar uma melhor harmonização da legislação em vigor.

4.4.   Uma melhor harmonização do quadro legislativo em vigor deve incluir:

o regulamento relativo à isenção por categoria;

informação disponível a todos os operadores sobre novas ferramentas e tecnologias utilizadas em novos modelos;

actualização da Directiva 96/96/CE relativa ao controlo técnico;

direitos de propriedade industrial (protecção de desenhos e patentes);

disposições em matéria de responsabilidade;

formação.

4.5.   Todos os intervenientes no mercado reclamam segurança jurídica e gostariam de saber quais as perspectivas para o período pós-2010. A actual incerteza quanto ao teor do futuro RIC está a causar muito mau estar, sobretudo nas PME, nomeadamente no que diz respeito à duração dos contratos e ao volume de investimento necessário para manter todos os operadores actualizados sobre novas tecnologias para veículos e proporcionar-lhes o acesso a peças sobressalentes, tecnologia de informação, novas ferramentas, equipamento e formação.

4.6.   A Comissão está empenhada em reforçar o enquadramento jurídico com o Regulamento Euro 5 (715/2007/CE), que entrou em vigor em Janeiro de 2009 e regula o acesso a toda a informação técnica relativa a veículos homologados recentemente.

4.7.   O CESE considera que, em virtude das actuais condições económicas e sociais, a legislação comunitária deve contribuir para que haja uma concorrência livre e justa, tendo por objectivos o seguinte:

Evitar mudanças inoportunas nestes tempos difíceis de crise;

Obter o justo equilíbrio de todas as regulamentações que visem uma concentração demasiado elevada da distribuição;

Assegurar o quadro adequado para a segurança, o ambiente e a simplificação das regras;

Antecipar os comportamentos anticoncorrenciais devido à nova organização do mercado;

Promover o princípio do «Think Small First» do «Small Business Act» em prol do desenvolvimento e da inovação das PME, e proteger o emprego.

5.   Situação actual do mercado de pós-venda no sector automóvel europeu

O mercado de pós-venda europeu tem sofrido mudanças estruturais significativas, graças a uma nova intervenção reguladora mais activa. Para além disso, o modelo empresarial mais eficaz para os agentes envolvidos em todas as fases do fabrico, comercialização e cadeia de distribuição de pós-venda está a ser redefinido pelas mudanças tecnológicas e de processamento.

5.1.   Manutenção e reparação

As inovações tecnológicas permitem um melhor controlo das emissões de gases e uma segurança e maior segurança e conforto, mas, por outro lado, transformaram a manutenção e a reparação de um veículo em tarefas cada vez mais complexas. Este é um mercado altamente competitivo onde predominam as PME, e o fornecimento de componentes competitivos e de serviços de qualidade é crucial para o emprego e para o crescimento da economia europeia.

5.1.1.   Os fabricantes de ferramentas multimarcas, em particular, precisam de informações específicas (por exemplo, os fabricantes de instrumentos genéricos de diagnóstico necessitam de informação específica para que possam ter a máxima funcionalidade). Sem ferramentas genéricas ou multimarcas, estas pequenas empresas seriam forçadas a adquirir um conjunto de ferramentas para cada marca de veículo que possam vir a reparar. Isso implicaria investimentos que excedem, obviamente, as capacidades financeiras das PME. Para estarem a par do número crescente de sistemas electrónicos que constantemente são instalados nos veículos a motor, os fabricantes de ferramentas precisam de receber dos fabricantes de veículos automóveis informações e dados correctos e fiáveis, caso contrário, os fabricantes de instrumentos de exploração não poderão produzir o software necessário aos reparadores independentes.

5.2.   Peças

A produção e distribuição de peças de marca são asseguradas, essencialmente, pelo fabricante de equipamento de origem ou por um fornecedor por ele subcontratado. No entanto, grande parte das peças, como por exemplo, pneus, rodas, baterias, velas de ignição, filtros diversos, etc., pode ser utilizada em veículos de qualquer marca.

Os fabricantes de pneus, rodas e baterias, que se confrontam actualmente com uma situação de crescente concorrência global, já sofreram mudanças estruturais de grande amplitude. Por isso, recomenda-se um estudo mais aprofundado dos respectivos subsectores.

5.2.1.   Falsificação e cópia de peças

Os fornecedores independentes alternativos estão a ganhar cada vez mais importância no mercado de peças sobressalentes. Não raro, oferecem peças com uma boa relação preço-qualidade e mais ajustadas às necessidades do cliente (por exemplo, nos veículos mais velhos o tempo de vida das peças é menos importante do que um preço acessível). O objectivo não é copiar a peça original, mas oferecer funcionalidade aos clientes.

No entanto, estão constantemente a surgir no mercado cópias ilegais e falsificações de menor qualidade. Nestes casos, trata-se, em última análise, de burla ao cliente, que pode ser sempre evitada através de instrumentos de protecção das patentes, de protecção da propriedade intelectual e da política comercial.

5.2.2.   Indústria do tuning automóvel

O tuning é um subsector da indústria automóvel em franco crescimento.

A indústria do tuning dedica-se a modificar veículos com vista a melhorar o seu desempenho, aspecto e segurança. O tuning pode ser aplicado a todos os componentes de um automóvel, como por exemplo, as rodas, os pneus, a suspensão, o aumento da potência do motor, o interior do carro, a carroçaria, o sistema de escape, etc.

Actualmente, um número significativo de empresas dedicam-se exclusivamente ao tuning e comercializam os seus produtos nos mercados internacionais. De modo geral, estas empresas utilizam ideias e materiais inovadores e desenvolvem novas tendências na área da engenharia, que por vezes são adoptadas pelos fabricantes de automóveis para o fabrico de veículos normais.

A Comissão Europeia deve preparar e criar legislação específica para regulamentar o sector do tuning.

5.3.   Segurança e benefícios sustentáveis para o ambiente

Para garantir que os veículos obedecem às normas comunitárias em matéria de emissão de gases e de segurança, não só quando saem da fábrica novos mas ao longo de toda a sua vida útil, é necessário que sejam sujeitos a inspecções regulares e a manutenções e reparações correctas. No que diz respeito tanto aos modelos acabados de chegar ao mercado como aos mais antigos, os operadores independentes e as oficinas autorizadas desempenham um papel importante para assegurar que os veículos permanecem seguros e cumprem as regras ambientais aplicáveis. Este nível de serviço só poderá ser prestado se os fabricantes de automóveis proporcionarem um acesso contínuo a informações sobre tecnologia, a ferramentas e equipamento multimarcas, a peças sobressalentes e a formação.

6.   Reestruturações profundas no sector pós-venda

6.1.   Todo o sector da indústria automóvel (indústria, comercialização e serviços) foi fortemente atingido pela crise económica e financeira. Os principais efeitos negativos que se fazem sentir são as dificuldades cada vez maiores para as empresas (especialmente as PME) obterem créditos e a quebra vertiginosa nas vendas. Por outro lado, o sector pós-venda automóvel foi influenciado por vários outros factores, incluindo:

Aumento da idade média dos veículos e menos quilómetros percorridos;

Menos reparações devido a maior longevidade dos componentes e a maiores intervalos entre as revisões;

Aumento relativo dos custos de reparação devido à integração nos veículos de peças de alta tecnologia;

Pressão sobre os custos de reparação devido à redução do rendimento dos consumidores e a uma maior sensibilidade aos preços;

O facto de haver cada vez mais electrónica nos automóveis modernos torna os aparelhos mais complexos;

Aumento do número de peças sobressalentes, explosão do número de modelos e de variantes de equipamento;

A reparação e manutenção, a identificação das partes e a concepção de ferramentas tornaram-se mais complexas;

Elevados investimentos em sistemas de informação, ferramentas, peças e formação;

Política dos fabricantes de automóveis para que os clientes celebrem contratos de manutenção.

6.2.   Assim, ocorrem alterações fundamentais que levam a vários níveis de reestruturação, incluindo:

A tendência para uma concentração no mercado devido a fusões e aquisições vai continuar e agravar-se-á;

Redução do número de reparadores e grossistas independentes de peças sobressalentes;

Os pequenos e grandes reparadores e grossistas de peças sobressalentes tendem cada vez mais a associarem-se a grupos/cadeias que oferecem um serviço completo, para poderem fazer face às exigências que a profissão lhes impõe;

Aumento na pressão dos preços dos produtores e distribuidores de peças;

Devido à redução dos lucros das vendas de novos veículos, os fabricantes de automóveis aumentarão as suas actividades no sector pós-venda.

6.3.   Acima de tudo, apesar de ainda ser possível aumentar as substituições de peças em pós-venda, os fornecedores vêem-se cada vez mais solicitados a fornecer produtos inovadores, que melhorem o desempenho ou a segurança dos componentes originais do veículo para, deste modo, fazer aumentar a procura neste sector. Para além disso, os concessionários autorizados pelos fabricantes estão a ter dificuldade em manter a sua quota de mercado, essencialmente por virtude do uso cada vez menor de peças em carros de 0 a 4 anos de idade, que constituem a sua principal clientela.

6.4.   O CESE considera que a reestruturação do sector pós-venda passará pela criação de novas parcerias e de novas formas de relações com os clientes. Devido ao facto de o sector automóvel estar fortemente ligado a outros sectores, desde a indústria de fornecimento de componentes até à comercialização de veículos, qualquer forma de reestruturação que tenha um impacto sério nas PME afectará centenas de milhares de trabalhadores em todos os Estados-Membros. Por conseguinte, o CESE considera que a Comissão deverá acompanhar de perto a evolução das reestruturações do sector pós-venda e velar, se necessário, pela manutenção da concorrência.

7.   Aspectos sociais

7.1.   Formação inicial e contínua

De modo geral, os sistemas de formação inicial e contínua neste sector estão bem desenvolvidos. Tal deve-se, por um lado, às condições impostas pelos fabricantes de veículos e, por outro, ao facto de a rápida evolução técnica implicar uma formação contínua. Em quase nenhum outro sector há tantos trabalhadores a receberem anualmente formação contínua, embora se note diferenças dependendo do tipo e dimensão da empresa. Sobretudo as microempresas (na sua maioria empresas familiares) mostram maiores dificuldades em acompanhar a velocidade de evolução. Pela sua própria estrutura, é frequente a formação orientar-se demasiado pelas necessidades e exigências do local de trabalho ou de uma determinada marca, o que reduz a mobilidade dos trabalhadores e limita as possibilidades de trabalho noutras áreas. O Comité apoia, portanto, os esforços que visam o desenvolvimento de um regime único de certificação ao nível europeu.

7.2.   Saúde e segurança

O carácter penoso das condições de trabalho no sector automóvel nos locais de produção, muitas vezes automatizados e dispondo de importantes meios técnicos, nada tem a ver com o que se passa nas oficinas de reparação, nas quais predominam ainda as tarefas manuais. A repetição dessas tarefas pode levar assaz frequentemente ao aparecimento de dores incapacitantes ou de perturbações músculo-esqueléticas nos trabalhadores. Os desafios demográficos que temos pela frente impõem mudanças inevitáveis na organização do trabalho a fim de preservar a saúde de uma mão-de-obra suficientemente qualificada e de permitir a permanência no serviço até à idade de reforma. Caso contrário, este sector pode vir a confrontar-se com uma falta de trabalhadores com experiência.

Os planos de prevenção dos riscos profissionais e as medidas de adaptação dos postos de trabalho não devem, pois, ter em conta apenas poluentes ou substâncias tóxicas diversas. Devem também proteger os trabalhadores das duras condições de trabalho que as suas tarefas comportam.

O surgimento de novas tecnologias no mercado traz novos riscos: não tardará a haver riscos associados ao trabalho com sistemas de alta voltagem e riscos de explosão relacionados com o hidrogénio (H2) que importa ter em consideração. Isto exige preparação. Actualmente, as possíveis mudanças a serem introduzidas no local de trabalho típico são uma área ainda desconhecida. As várias partes interessadas precisam de sinais claros para começarem a elaborar estratégias adequadas, sejam elas quais forem. Os riscos profissionais da indústria automóvel estão, pois, no centro de um diálogo estabelecido entre os parceiros sociais e para o qual deverão ser previstas disposições que promovam medidas de prevenção e um acompanhamento dos trabalhadores.

O CESE apoia o reforço das medidas e dos meios consagrados pela UE e pelos Estados-Membros às políticas em matéria de higiene, segurança, saúde ou reclassificação dos trabalhadores.

7.3.   Evolução demográfica

O envelhecimento populacional tem consequências para o mercado a jusante do sector automóvel. A idade média da força de trabalho aumentará e os problemas de saúde terão um impacto mais forte nos conceitos básicos da organização do trabalho, nas necessidades de formação e nas condições de trabalho.

7.4.   Remuneração

A remuneração e os salários não são da competência da União Europeia. No entanto, a situação específica do mercado a jusante do sector automóvel justifica a abordagem desta questão. Em quase todos os Estados-Membros, os salários neste sector sofrem uma pressão ainda maior que a exercida sobre o trabalhador médio. Na origem desta pressão estão sobretudo os fabricantes de automóveis. Há uma enorme dependência entre os concessionários/reparadores e os fabricantes de automóveis que concedem concessões. São os fabricantes que decidem sobre investimentos e normas de formação e que também influenciam indirectamente, por exemplo através da fixação de prazos, os preços no consumidor, embora os custos e os riscos económicos recaiam nos concessionários/reparadores. Os parceiros sociais dispõem, por conseguinte, de uma margem de manobra limitada para a negociação colectiva, donde resulta que, neste sector, os salários sejam relativamente baixos. Isto, associado a condições de trabalho difíceis, reduz a atractividade do sector aos olhos dos trabalhadores jovens. É provável que, no futuro, venham a surgir dificuldades de recrutamento.

8.   Desafios e oportunidades

8.1.   Os sectores a jusante enfrentarão grandes desafios, tanto positivos como menos positivos, nos próximos anos. Ainda que o desempenho destes factores evolua, em larga medida, em função dos resultados do sector do fabrico de automóveis, existem áreas importantes onde a competitividade se prende também com outros factores, como por exemplo, as normas de distribuição e vendas, o impacto ambiental, os riscos para a segurança (produtos adicionados), as actividades de reciclagem, os direitos de propriedade individual (falsificação de peças), etc. A inovação deverá por isso desempenhar um papel fundamental em todas estas actividades a jusante.

8.2.   A título de exemplo, vários factores reforçam a concorrência nos sectores dos componentes automóveis, dos concessionários de automóveis e das actividades de reparação: novas normas de distribuição e venda de veículos automóveis novos (regulamento relativo à isenção por categorias) e nova regulamentação europeia para a distribuição, venda e reparação de peças sobressalentes para automóveis, como a nova «regra de reparação» que altera a chamada «Directiva de Desenhos e Modelos» (Directiva 98/71/CE).

8.3.   Em reacção aos desafios políticos, jurídicos e tecnológicos, um grande grupo de operadores do mercado multimarcas e de organizações do sector automóvel uniu-se para defender o direito de efectuarem reparações, bem como o direito dos consumidores a fazerem a manutenção e reparação dos seus veículos numa oficina à sua escolha. O regulamento actualmente em vigor expira em 2010 e a sua renovação eventual é objecto de debates em que se confrontam posições antagónicas (5).

8.4.   As PME são a espinha dorsal da economia e do emprego da União Europeia, representando a quase totalidade das empresas do sector pós-venda automóvel. Por isso, a existência de uma legislação clara e específica é muito importante para assegurar uma concorrência livre e justa no sector pós-venda automóvel (6).

8.5.   Nos tempos actuais de crise, a adopção de medidas de apoio eficazes a curto prazo é uma necessidade para que todo o sector automóvel e os respectivos trabalhadores possam ultrapassar a recessão. A médio e longo prazos, as pequenas e microempresas só permanecerão competitivas se desenvolverem novas ideias e investirem. Como muitas das pequenas empresas não têm condições para o fazer sem ajuda, haverá cada vez mais agrupamentos e cooperações, assim como novas parcerias com os mais diversos intervenientes da sociedade civil, juntamente com a emergência de redes de especialistas independentes ou redes de especialistas nas novas tecnologias (veículos eléctricos e híbridos).

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Fonte: FIGIEFA/WOLK & PARTNER CAR CONSULT GmBH.

(2)  A este respeito, veja-se o parecer do CESE (CCMI/067) (jeszcze nieopublikowana w Dz.U.) de 13 de Maio de 2009.

(3)  A Associação dos Construtores Europeus de Automóveis (ACEA) distingue 3 categorias para o sector dos veículos utilitários: veículos utilitários com um peso inferior a 3,5 t (furgonetas); veículos utilitários de mais de 3,5 t, excepto autocarros e camionetas de mais de 3,5 t; e veículos utilitários pesados de mais de 16 t – excepto autocarros e camionetas – (camiões pesados).

(4)  Relatório da CCMI, de 23 de Novembro de 2007, sobre «O sector automóvel na Europa – situação actual e perspectivas» (relator Gustav Zöhrer; co-relator Manfred Glahe).

(5)  Os promotores da campanha «Direito à reparação» são:

 

AIRC – Association Internationale des Réparateurs en Carosserie (Associação Internacional de Reparadores de Carroçaria);

 

CECRA – Conselho Europeu do Comércio e Reparação Automóvel;

 

EGEA – European Garage Equipment Association (Associação Europeia de Fabricantes e Importadores de Equipamentos para as Oficinas de Automóveis);

 

FIA – Federação Internacional do Automóvel;

 

FIGIEFA – International Federation of Automotive Aftermarket Distributors (Federação Internacional de Distribuidores do Sector Pós-Venda Automóvel).

(6)  Parecer do CESE sobre a Comunicação da Comissão intitulada «Think Small First:Um Small Business Act para a Europa» - COM(2008) 394 final, / JO C 182 de 4.8.2009, p. 30.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Espaços urbanos e violência juvenil (parecer de iniciativa)

(2009/C 317/06)

Relator: José María ZUFIAUR NARVAIZA

Em 10 de Julho de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

Espaços urbanos e violência juvenil.

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 25 de Junho de 2009, sendo relator José María Zufiaur Narvaiza.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 174 votos a favor, 3 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Resumo e recomendações

1.1.   A sociedade europeia actual está preocupada com o fenómeno da violência e delinquência de menores e jovens adultos. Esforça-se, todavia, por promover o desenvolvimento integral dos jovens e encorajar a sua inserção social e profissional. É certo que os fenómenos da violência juvenil têm grande ressonância nos meios de comunicação nacionais, mas importa precisar que, por regra, as estatísticas (1) relativas à delinquência atribuída a menores na Europa não apresentam um aumento significativo, antes se mantêm bastante estáveis. Este parecer de iniciativa visa esclarecer e apresentar recomendações relativas à violência juvenil, e não incriminar a juventude ou reduzi-la à expressão de certos comportamentos desviantes.

1.2.   Historicamente, os sistemas jurídicos dos diversos países europeus desenvolveram os seus modelos próprios de justiça juvenil, o que explica a disparidade de modelos normativos e de respostas à violência praticada por menores e jovens. Com efeito, os sistemas de justiça juvenil em vigor nos Estados-Membros da UE apresentam diferenças consideráveis em aspectos como as políticas de protecção social ou de prevenção, a idade de responsabilidade penal, os procedimentos utilizados, as medidas ou sanções aplicáveis, os recursos disponíveis, etc. Esta diversidade surge, no entanto, em sociedades que manifestam uma clara vontade de construção europeia, mas que foram duramente atingidas pela crise, dispondo de meios ainda mais reduzidos para políticas de inserção de jovens.

1.3.   As recomendações deste parecer assentam em duas linhas condutoras, sendo a primeira a abordagem preventiva a este fenómeno. Com efeito, os comportamentos violentos ou anti-sociais têm muitas vezes origem em questões como a configuração e estruturação urbana ou o empobrecimento e a marginalização das populações. Por outro lado, importa referir que os jovens protagonistas de actos violentos nestes contextos são igualmente vítimas do ambiente que os rodeia. Assim, a reflexão sobre a violência colectiva dos menores e dos jovens e sobre a sua prevenção não pode ter como única resposta a repressão e a sanção dos actos praticados. A segunda linha condutora deste parecer é que recusa abordar este fenómeno de uma perspectiva exclusivamente nacional, sendo clara a interdependência do plano económico, dos valores, dos comportamentos sociais e da comunicação no espaço europeu.

1.4.   É um facto que os fenómenos da violência e da delinquência dos menores existem há bastantes anos nos países europeus, adoptando formas recorrentes. De uma forma geral, estes fenómenos têm sido entendidos como uma patologia social. Actualmente, por outro lado, passaram a ser definidos como elementos de insegurança, conforme é precisado no relatório Peyrefitte (2), que estabelece uma diferença entre crime e receio do crime.

1.5.   Num contexto europeu, onde o tema da violência cometida por menores suscita um interesse particular, o Comité Económico e Social Europeu aprovou, em 15 de Março de 2006, um parecer sobre «A prevenção da delinquência juvenil, as formas de tratamento da mesma e o papel da justiça de menores na União Europeia» (3). Este parecer, que sublinhava a importância da abordagem preventiva, foi retomado pelas instituições europeias (4), servindo igualmente de referência em diversos níveis europeus e internacionais no atinente aos aspectos jurídicos, penais e sociais da delinquência juvenil.

1.6.   O parecer convidava a aprofundar a análise do fenómeno da delinquência juvenil. Nesse sentido, a violência cometida por menores e jovens (incluindo os adolescentes entre os 13 e os 18 anos e os jovens adultos entre os 18 e os 21 ou 25 anos, conforme os países, por vezes ainda sujeitos ao sistema de responsabilidade penal de menores) é um fenómeno que merece cada vez mais atenção nas sociedades europeias. Apesar disso, os fenómenos de violência assumem diversas formas, produzindo-se nos espaços urbanos e no quadro da escola (nomeadamente através de casos de bullying), mas também no quadro familiar, em bandos ou gangues, em eventos desportivos ou através das novas tecnologias de comunicação como a Internet, etc. Todas estas expressões de violência merecem ser analisadas, mas optou-se por restringir este parecer de iniciativa à violência colectiva praticada por jovens nos espaços urbanos.

1.7.   Com efeito, nas duas últimas décadas a questão da violência colectiva é um tema em destaque e os bairros mais marginalizados são observados e estudados por investigadores (sociólogos, etnólogos, geógrafos, juristas, politicólogos, etc.). Os factores que estão na origem dessas desordens urbanas são bem conhecidos: desemprego, precariedade, desestruturação familiar, abandono escolar, insucesso escolar, discriminação, etc. Por outro lado, nos últimos anos, tem havido um recrudescimento da situação e das soluções adoptadas. De facto, as crises exacerbaram os problemas económicos e sociais e causaram a desqualificação das gerações mais jovens em relação à geração dos pais, o que bloqueou o «elevador social» e teve como corolário o aumento do individualismo. Isto conduz a a um sentimento de injustiça e a um fechamento em si mesmo, cuja expressão colectiva se traduz na manifestação mais visível da oposição às autoridades.

1.8.   A expressão «violência colectiva», não tendo definição oficial e jurídica, é muitas vezes utilizada para qualificar episódios multiformes e violentos que se desenrolam em espaços públicos e se traduzem ou em agressões motivadas por questões de discriminação étnica e racial entre comunidades, que podem redundar em conflitos entre bandos rivais, ou pela relação entre a população e as instituições, plasmada nos conflitos entre jovens e forças policiais.

1.9.   Embora nos últimos anos estes fenómenos se tenham sucedido no continente europeu, nomeadamente em França, Grã-Bretanha, Espanha, Países Baixos, Dinamarca, Bélgica ou Grécia, nunca foram considerados ou tidos em conta como um problema global pelos governos nacionais e pelas instituições europeias, mas antes como epifenómenos pontuais e isolados.

1.10.   É por essa razão que este parecer recomenda a coordenação de acções ao nível local, nacional e europeu, exigindo desde logo respostas comunitárias através de programas específicos no quadro das políticas da família, da juventude, da educação e formação, do emprego, da prevenção da delinquência e da coordenação judiciária. Essas respostas concretas devem articular-se com estratégias de renovação urbana, de adaptação dos serviços públicos, de combate a todas as formas de discriminação e ainda de revalorização das relações entre o Estado e os cidadãos por via, nomeadamente, das forças da ordem, da educação cívica, da transmissão de valores éticos e sociais, da utilização dos meios de comunicação social e do apoio aos pais na educação dos filhos.

2.   Características e causas da violência colectiva praticada por menores nos espaços urbanos

2.1.   Proposta de definição: não existe uma definição comum e consensual dos actos de violência colectiva cometida por menores e jovens adultos nos espaços urbanos. Embora a legislação belga desenvolva o conceito de «tumulto» urbano, outras vêem nesses eventos uma série de delitos cometidos por delinquentes conhecidos e identificados. A fim de estabelecer as bases de uma definição mínima e global, o resto do documento servirá para relacionar essa violência com uma concentração no espaço urbano de comportamentos violentos, que são também meio de expressão de certas categorias da população. As motivações dos participantes são diversas: discriminação social, conflitos com as forças da ordem, ódio racial, conflitos religiosos, etc., o que de certa forma destaca as carências e as insuficiências dos serviços sociais que têm como objectivo prevenir este tipo de violência através das suas actividades de protecção social. A definição aqui utilizada descreve tendencialmente actos de violência colectiva em espaços públicos que se traduzem em confrontos com os habitantes pertencentes a um dado grupo étnico ou com as forças policiais, bem como pela destruição aleatória acompanhada de pilhagem, como por exemplo deitar fogo a edifícios públicos ou veículos, etc.

2.2.   Importa observar que o aumento do número de actos violentos (actos de destruição e de vandalismo, ataques e agressões, roubo com violência, violações, etc.) não são exclusivo dos jovens, uma vez que a nossa época é marcada pelo recrudescimento da violência. Ainda assim, a idade dos indivíduos que cometem actos de violência urbana é um factor importante para a compreensão do fenómeno e para eventuais soluções, até porque é relevante a percentagem de menores e de jovens adultos envolvidos. Os dados da polícia revelam que, aquando dos distúrbios de 2005 em França, das 640 pessoas detidas 100 eram menores. Tendo em mente uma abordagem preventiva, importa dar uma atenção particular a soluções sustentáveis e dirigidas às novas gerações, que são o motor da mudança e do desenvolvimento.

2.3.   Estudo e caracterização em curso: cada Estado desenvolve a sua própria metodologia para contabilizar e caracterizar a violência colectiva nos espaços urbanos. Há sistemas complexos, como a escala de Bui-Trong (5), que determinam os graus de intensidade das diversas formas de violência colectiva em função do número de pessoas envolvidas, da sua organização e dos seus objectivos, etc., permitindo conceptualizar o fenómeno. Após vários anos e, de forma mais clara, na sequência dos acontecimentos de 2005, a França desenvolveu os Indicadores de Violência Urbana (INVU), baseados na avaliação dos níveis de violência nos bairros sensíveis a partir de inquéritos quantitativos e qualitativos e do estudo da vitimologia. Esses indicadores, assim como os seus equivalentes nos outros países europeus, são ainda demasiado recentes para dar uma indicação precisa da intensidade da violência urbana, tanto mais que se confrontam problemas relacionados com as fontes e a recolha de dados.

2.4.   Tal como já foi explicado na definição do fenómeno, recorde-se que, embora a expressão da violência colectiva se inscreva num contexto nacional particular, apresenta traços comuns em toda a Europa. Assim, perante os acontecimentos em vários países europeus durante os últimos anos, é possível estabelecer uma tipologia do seu decurso:

Confrontos sociais e políticos: estes actos de violência colectiva ocorrem por reacção a uma situação de discriminação e exclusão social, económica e geográfica, assumindo a forma de uma reacção violenta às forças da ordem ou aos representantes do Estado considerados responsáveis por esses problemas sociais. A dimensão de protesto contra o sistema e contra situações consideradas injustas desencadeia o confronto com as forças de segurança, as instituições públicas que representam o Estado e uma sociedade catalogada como sendo repressiva. A França foi particularmente atingida pelos confrontos sociais, através da crise dita dos subúrbios, onde a ausência de um tecido social misto e várias décadas de políticas urbanísticas sem resultados conduziram à estigmatização dessas zonas urbanas. Essas revoltas de carácter político (6) são caracterizadas por um ciclo de três etapas, nomeadamente o desencadeamento, normalmente ligado a um acontecimento trágico e injusto, a euforia e efeito de grupo e, por fim, a exaustão (7).

Fenómenos de perda de controlo: trata-se de manifestações de massas de natureza política, desportiva ou cultural que degeneram e se traduzem na perda de controlo, não apenas por parte dos organizadores mas também das forças da ordem pública. A violência durante as partidas de futebol ou uma «rave party», ou ainda a perda de controlo numa manifestação pública, são alguns exemplos deste fenómeno. Além do número e da perda de controlo geral, acrescenta-se ainda a participação de indivíduos que têm por objectivo multiplicar a destruição material. A União não deve esquecer que esta violência anárquica leva, em alguns casos, à tentação de actos violentos mais organizados e ainda mais ameaçadores para a democracia.

Conflitos entre bandos violentos: os bandos não são violentos por definição; constituem-se como substitutos da família e do ambiente próximo do jovem, dando-lhe um sentimento de pertença a um grupo, e são, de certa forma, uma resposta concreta às dúvidas da adolescência. No caso preciso dos bandos violentos, este tipo de comportamento desviante caracteriza-se por actividades de natureza criminosa ligadas a grupos de adolescentes ou de jovens adultos que privilegiam a força e a intimidação e que organizam, com uma certa regularidade, confrontos ou actos criminosos violentos. Esses bandos confrontam-se em meio urbano, tanto nas ruas como nos centros comerciais, para controlarem um território ou um comércio ilícito ou as autoridades através dos seus representantes (polícias, seguranças ou vigilantes), como sucede no Norte de Paris ou no Sul de Londres, onde se verificam confrontos regulares entre grupos rivais. Em Espanha, os bandos latino-americanos (chamados «Maras» ou «Pandillas», de que são exemplos os Latin Kings ou os Ñetas) já marcaram a sua presença. O fenómeno dos bandos é para os jovens um meio de protecção mútua num mundo hostil, por oposição aos «outros» da rua ou do bairro vizinho. Hoje em dia estes bandos formam-se entre os mais desfavorecidos da sociedade de certos subúrbios, estando a sua violência ligada a uma sensação de fracasso, a fenómenos de precariedade, etc. Uma solução adaptada aos bandos violentos é essencial, a fim de evitar a sua integração na criminalidade organizada.

Confrontos étnicos e religiosos: este tipo de violência caracteriza-se, em primeiro lugar, pela sua natureza étnica, sendo os principais actores ou alvos provenientes de uma dada comunidade étnica ou similar, ou religiosa. Este tipo de confrontos, nos quais as dimensões migratória e religiosa, dentre uma grande complexidade de factores, desempenham um papel importante, tiveram lugar em numerosos países europeus, como a Grã-Bretanha, Espanha (tumultos de Alcorcon em Outubro de 2007, entre jovens espanhóis e latino-americanos), Itália, os Países Baixos (Outubro de 2007 em Amesterdão), a Dinamarca (Fevereiro de 2008), a Bélgica (Maio de 2008 em Anderlecht), etc.

2.5.   Os episódios violentos nos espaços urbanos resultam de causas múltiplas, mais ou menos presentes simultaneamente conforme o tipo de acontecimento.

A pobreza, a precariedade, o desemprego. Os actos de violência colectiva na Europa aconteceram, essencialmente, nos bairros mais desfavorecidos, sendo fruto da marginalização e da exclusão social. A desestruturação familiar, o desemprego juvenil, a precariedade profissional, bem como a falta de formação e a consequente dificuldade de inserção socioprofissional, tornam esses bairros particularmente sensíveis às evoluções da economia, principalmente em situações de crise financeira como a actual.

O acesso a armas e a substâncias ilícitas. O tráfico de drogas duras na grande maioria das capitais nacionais e regionais europeias, geralmente feito por adultos e não por menores, favorece o surgimento de fenómenos de violência ligados à comercialização ilícita dessas substâncias e à propagação das armas de fogo. As crianças e adolescentes, vítimas de um mundo que os ultrapassa, podem ser o alvo de traficantes que instrumentalizam alguns jovens.

O ordenamento urbano. Os bairros das cidades europeias ditos sensíveis apresentam características comuns e são muitas vezes considerados verdadeiros guetos suburbanos, não correspondendo aos critérios de miscigenação social e de ordenamento urbano actual. Estando no centro (Reino Unido, Bélgica) ou na periferia (França, Alemanha, etc.), estes bairros e edifícios não têm a necessária manutenção e deterioraram-se progressivamente, a um ponto em que se tornam insalubres e perigosos.

A relação com as forças da ordem. Muitas situações de violência colectiva são alimentadas por um ressentimento relativamente a casos entendidos como sendo de perseguição a minorias visíveis ou de abuso da força por parte da polícia (8). O Centro de Análise Estratégica francês refere que a hostilidade dos habitantes contra a presença das forças da ordem nos seus bairros é palpável, tal como a falta de confiança no Estado e nas instituições públicas (9).

Os meios de comunicação social. Os meios de comunicação social têm muitas vezes a tendência para uma focalização negativa, susceptível de estigmatizar os habitantes dos bairros ditos sensíveis e de alimentar a expressão da violência ao darem uma ressonância mediática excessiva a esses fenómenos. Em França, em 2005, a comunicação social cobriu diariamente os acontecimentos, enquanto que na Bélgica e na Alemanha o governo tentou limitar os relatos públicos para evitar novos delitos inspirados nos precedentes.

3.   Modalidades de resposta a um problema transnacional

3.1.   No quadro europeu, sejam eles esporádicos ou continuados, os actos violentos no espaço urbano são particularmente graves, tanto do ponto de vista político (por colocarem em causa a capacidade do Estado para fazer respeitar o pacto social e proteger os cidadãos) como do ponto de vista social (por serem o reflexo de uma fractura social e de problemas de integração). Neste contexto, o Estado deve fornecer respostas claras ao problema da violência colectiva nas cidades. Importa, todavia, ter em conta que essas respostas variam muito de um país para outro, mais repressivas em alguns casos, mais preventivas noutros. Assim, seria necessário realizar um esforço permanente de avaliação, à escala europeia, das políticas públicas que visam responder a este fenómeno e tentar tornar mais eficazes e comparáveis as estatísticas nesta matéria (os dados sobre a delinquência não podem ser analisados unicamente em função do número de queixas apresentadas, mas também da percentagem de situações resolvidas). É necessário desenvolver indicadores comuns, preferindo registos policiais e judiciários disponibilizados ao nível nacional a estudos de vitimização mais ou menos subjectivos.

3.2.   Por regra, as respostas do Estado adoptam as seguintes formas:

Iniciativas de discriminação positiva a favor dos bairros sensíveis, como as zonas educativas prioritárias e de preparação para o primeiro emprego em França ou em Berlim, onde jovens voluntários e agentes da polícia efectuam conjuntamente patrulhas regulares para evitar e prevenir situações que correm o risco de desencadear episódios de violência urbana. Desde a criação destas patrulhas policiais mistas (para o que foi necessário convencer os antigos chefes de bando a colaborar), a criminalidade decresceu 20 % nas zonas de intervenção conjuntas (10).

O reforço da presença policial e da videovigilância nas zonas sensíveis, como escolas ou locais de ocupação de tempos livres, medidas que por si só não resolvem plenamente o problema. Tais medidas poderiam provocar um efeito de estigmatização dos espaços referidos e um sentimento, por parte dos jovens, de controlo permanente e de acção repressiva.

As políticas de renovação urbana, mais ou menos importantes conforme os países: em França, nomeadamente por intermédio da agência para a renovação urbana (11); na Alemanha, por intermédio da renovação urbana concretizada durante a reunificação do país.

3.3.   Por outro lado, uma política de coesão territorial eficaz pode contribuir para evitar a concentração nas zonas urbanas de factores de incubação de atitudes violentas por parte dos jovens, razão pela qual se realizam esforços para renovar e reforçar a natureza residencial do espaço urbano. A requalificação implica uma reflexão a longo prazo sobre as operações de renovação urbana no quadro de um plano estratégico de ordenamento global do território, em concertação com todos os intervenientes, incluindo os jovens. O objectivo é a reintegração dos bairros na cidade e a sua reabilitação, de modo a favorecer o desenvolvimento da população local e promover a função social, económica e cultural desses espaços públicos. O conceito de residencialização, definido como um método específico de requalificação urbana, tem por objectivo regulamentar os problemas específicos das zonas habitáveis e fazer da cidade um espaço de integração e de prevenção, combatendo assim os problemas urbanos actuais: tráfico de droga, movimentos de ocupação, violência e degradação do ambiente. O principal objectivo é evitar a exclusão relativamente ao resto da população, favorecendo a circulação e permitindo a abertura desses bairros à cidade, para reforçar a visibilidade e a integração da população urbana no seu conjunto. Esta renovação urbana deve, todavia, ser acompanhada por estratégias eficazes em termos de educação, formação profissional e acesso ao emprego, sem as quais nenhuma melhoria duradoura será concretizada.

3.4.   A violência juvenil tem as suas raízes numa certa ausência de coesão social, ligada a uma crise da cidadania urbana. O espaço público, cuja principal característica é levar cidadãos muito diferentes a viverem juntos, exige o respeito por regras comuns que visam a protecção das liberdades individuais. Ora as metrópoles confrontam-se com a frágil coabitação de populações com códigos e culturas diversos e, assim, estranhas umas às outras, o que pode levar à fragilização dos laços sociais e de certas formas de solidariedade (12). Impõe-se uma resposta interinstitucional e multifactorial, a fim de concretizar medidas de prevenção eficazes e úteis para todos os intervenientes directos ou indirectos: polícia, justiça, serviços sociais, habitação, emprego ou educação. As autoridades locais têm particular importância neste domínio, exercendo as suas competências, nomeadamente, na definição dos espaços urbanos e dos serviços disponibilizados aos cidadãos.

3.5.   É verdade que, na Europa, a violência urbana dos menores se manifesta em diferentes contextos e graus de intensidade, mas a sua análise e o estudo das soluções a adoptar inscreve-se num contexto jurídico e legal mais vasto, à escala da União Europeia. Actualmente, os estudos e avaliações sobre a prevenção da delinquência juvenil exigem uma cooperação multidisciplinar e interinstitucional das agências governamentais e, a um nível mais prático, dos profissionais de intervenção directa (agentes sociais, polícia, tribunais, contexto profissional, etc.). Os países, regiões e municípios da Europa que viveram episódios de violência colectiva sentem dificuldade em retomar uma situação normal, uma coabitação social e o respeito pelas instituições, à escala de toda a população. Além disso, a violência urbana tem um custo muito elevado de um ponto de vista material mas também, e sobretudo, social e político (13).

3.6.   Num contexto europeu, em que a delinquência cometida por menores se mantém relativamente estável, mas onde a violência dos actos praticados é mais significativa, certos programas locais aplicados nos diferentes países da União Europeia mostram a importância da prevenção e das estratégias sociais e integrais para os jovens em zonas urbanas (14). No caso do programa dos bairros seguros de Birmingham (prémio europeu para a prevenção da delinquência em 2004), os objectivos fundamentais eram a redução das diversas formas de violência e de delinquência, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e o incentivo à participação activa das comunidades na sua própria integração social (15).

3.7.   O reforço de uma sociedade europeia organizada e solidária, graças ao apoio prestado pela União Europeia a projectos inovadores com uma dimensão social e de integração, assegura o reforço da segurança e do desenvolvimento urbano sustentável. A título de exemplo, os programas URBAN são uma iniciativa comunitária do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) em prol do desenvolvimento sustentável das cidades e bairros em crise, propício a um claro aumento da prevenção da violência praticada por menores e da delinquência em geral.

3.8.   De resto, o desenvolvimento da participação dos cidadãos nos processos de decisão local, de intercâmbio de experiências e de boas práticas permite promover o conceito de «governação urbana», definida por uma série de estudos relativos à reorganização e ao aperfeiçoamento dos serviços públicos, concepção e execução de novas estruturas de gestão urbana; a introdução de indicadores estáveis para a avaliação da gestão local; campanhas de sensibilização e de melhoria do acesso à informação dirigidas aos cidadãos, mas sem cair na estigmatização e no miserabilismo.

3.9.   Existem ainda outras iniciativas, como o Pacto para a Juventude, que tem por objectivo melhorar a formação, a mobilidade, a inserção profissional e a inclusão social dos jovens europeus, facilitando simultaneamente a conciliação entre actividade profissional e vida familiar.

3.10.   Habitualmente, a cidadania participativa e activa dos jovens é favorecida pelo vasto trabalho levado a cabo pelas associações que, diariamente, desenvolvem as suas actividades no terreno, desse modo integrando-se no quadro das estratégias europeias, nacionais ou locais para o desenvolvimento e a luta contra a exclusão social.

4.   Propostas para uma política europeia face à violência juvenil nos espaços urbanos

4.1.   As seguintes orientações ou linhas condutoras decorrem do que fica exposto no presente parecer de iniciativa:

são necessárias múltiplas respostas à violência colectiva que envolve actos de delinquência, actos associais ou outras acções anticívicas. Essas respostas devem ser avaliadas e aperfeiçoadas continuamente, reforçando a sua componente educativa e formativa, bem como envolvendo os menores no seu próprio desenvolvimento e na configuração do seu futuro;

as diferentes estratégias preventivas e as alternativas devem ser promovidas por uma política europeia clara e sustentável, baseadas em prioridades definidas ao nível da União Europeia, de modo a contribuírem para a resolução dos problemas de violência por menores nos espaços urbanos e evitando, sempre que possível, a intervenção judicial;

tanto ao nível europeu como nacional, as estruturas sociais para jovens devem merecer um reconhecimento particular. Boa parte dessas instituições, sejam elas associativas ou públicas, desempenham um papel preponderante na vida dos jovens, nomeadamente ao proporem actividades que os ocupam e evitam, consequentemente, que caiam na delinquência. O papel das escolas e das associações deve desde logo merecer uma atenção especial, sendo apoiado em termos de financiamento público;

importa harmonizar os princípios europeus e internacionais relativos à violência e à delinquência dos menores através de normas mínimas, que devem enquadrar-se nas legislações nacionais, e utilizar esses princípios como indicadores que assegurem os direitos dos menores. Tendo em conta o carácter multidisciplinar dos departamentos e órgãos governamentais ligados à gestão do espaço urbano europeu, é necessário lançar iniciativas e criar normas de boas práticas, que possam ser avaliadas e analisadas, por exemplo, por um observatório europeu da justiça juvenil, a fim de dispor de dados estatísticos fiáveis e comparáveis sobre a violência juvenil nos espaços urbanos;

as sanções e medidas impostas pelas jurisdições nacionais devem ter em conta os superiores interesses do adolescente em função da sua idade, da sua maturidade psicológica, das suas condições físicas, do seu desenvolvimento e das suas capacidades (16). Devem ser sempre adaptadas às circunstâncias pessoais (princípio da personalização das medidas);

as instituições europeias devem privilegiar estratégias de renovação urbana, acompanhadas por políticas sociais sustentáveis, sempre na perspectiva de uma melhor distribuição e ordenamento do território, a fim de evitar a exclusão e facilitar a integração urbana das populações mais vulneráveis;

as autoridades devem atribuir recursos suficientes às instituições para poderem proteger e reintegrar os menores, dotando-as de meios e de pessoal adequados para garantir que as intervenções têm uma influência significativa na vida desses menores;

devem ser asseguradas a selecção apropriada e a formação específica, se possível ao nível das normas europeias de referência, dos actores sociais e jurídicos e das forças policiais, com uma actualização constante e de acordo com uma cooperação multi-institucional e multidisciplinar, num contexto de intercâmbios transnacionais, tendo como objectivo, nomeadamente, estabelecer o diálogo e um bom relacionamento entre as forças da ordem e os jovens;

as instituições europeias e os Estados-Membros devem considerar o ano de 2010, proclamado Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social, uma oportunidade para mostrar a sua determinação em dar na luta contra a exclusão social a prioridade à defesa dos direitos dos jovens em conflito com a lei e à prevenção da violência nos espaços urbanos;

as instituições europeias devem criar uma linha de financiamento para proteger os menores contra a exclusão social nos espaços urbanos mais marginalizados, a fim de apoiar projectos inovadores no quadro do reforço da coesão social da sociedade civil e, ao mesmo tempo, favorecer o espírito empresarial e de iniciativa dos jovens;

a aplicação de critérios comuns e de boas práticas deve ter em vista a prevenção, o tratamento e a reabilitação dos menores que cometerem delitos.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Como o mostra, por exemplo, o relatório da Procuradoria-Geral, em Espanha, segundo o qual a delinquência diminuiu quase 2 % em 2007, em comparação com 2006.

(2)  Relatório do Comite d’études sur la violence, la criminalité et la délinquance [Comité de Estudos sobre a violência, a criminalidade e a delinquência], intitulado Réponses a la violence [Respostas à violência], Presse Pocket 1977, p. 41.

(3)  Parecer do CESE de 15 de Março de 2006 sobre «A prevenção da delinquência juvenil, as formas de tratamento da mesma e o papel da justiça de menores na União Europeia»; relator: José María Zufiaur Narvaiza (JO C 110 de 9.5.2006).

(4)  Resolução do Parlamento Europeu de 21 de Junho de 2007 sobre a delinquência juvenil: o papel das mulheres, da família e da sociedade.

http://www.europarl.europa.eu/oeil/DownloadSP.do?id=13705&num_rep=6729&language=fr.

(5)  «Résurgence de la violence en France» [Ressurgimento da violência em França], BUI-TRONG Lucienne, Futuribles, Fevereiro de 1996, pp. 17-18.

(6)  Le Goaziou (V.), Mucchielli (L.) 2006, Quand les banlieues brulent: Retour sur les émeutes de 2005 [Quando os subúrbios ardem. Regresso aos tumultos de 2005], Paris, La Découverte.

(7)  Bachmann (C.), Le guennec (N.), 1997, Autopsie d’une émeute. Histoire exemplaire du soulèvement d’un quartier [Autópsia de um tumulto. História exemplar da revolta de um bairro], Paris, Albin Michel.

(8)  The Politics of Protest. Extra-Parliamentary Politics in Britain since 1970 [A política do protesto. Política extra-parlamentar na Grã-Bretanha desde 1970]. Peter JOYCE. Palgrave MACMILLAN, 2002.

(9)  Centre d'analyse stratégique. Les violences urbaines: une exception française? Enseignements d’une comparaison internationale [A violência urbana: uma excepção francesa? Os ensinamentos de uma comparação internacional], nota de vigilância n.o 31, 23 de Outubro de 2006 (http://www.strategie.gouv.fr/IMG/pdf/NoteExterneDeVeille31.pdf).

(10)  Jeunes et policiers font cause commune à Berlin [Jovens e polícias adoptam uma causa comum em Berlim]. http://www.oijj.org/news_ficha.php?cod=54117&home=SI&idioma=es.

(11)  http://www.anru.fr/.

(12)  «La dynamique de la disqualification sociale» [A dinâmica da desqualificação social], Sciences humaines n.o 28, Maio de 1993.

(13)  No caso de Clichy-sous-Bois, em França, os custos materiais em 2005 totalizaram 150 milhões de euros.

(14)  Prévenir la délinquance en milieu urbain et auprès des jeunes. Recueil international de pratiques inspirantes [Prevenir a delinquência em meio urbano e junto dos jovens. Colectânea internacional de práticas inspiradoras]. Centre international pour la prévention de la criminalité, 2005. (www.crime-prevention-intl.org/publications/pub_113_1.pdf).

(15)  Os resultados finais mostram uma redução média de 29 % no número de delitos cometidos por jovens, contra 12 % noutros domínios comparáveis.

(16)  Cf. a Declaração comum de Valência, do Observatório Internacional para a Justiça Juvenil.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/43


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Proteger as crianças dos abusadores sexuais que viajam para o efeito

(2009/C 317/07)

Relatora: Madi SHARMA

Em 10 de Julho de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do seu Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

Proteger as crianças dos abusadores sexuais que viajam para o efeito.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 25 de Junho de 2009, sendo relatora Madi Sharma.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 157 votos a favor, 2 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações – «Não às viagens para abuso de menores» (Don’t Let Child Abuse Travel) (1)

1.1.   Impõe-se a adopção e aplicação de uma estratégia europeia para proteger as crianças vulneráveis a abusadores sexuais que viajam para o efeito, e essa estratégia deve ser reconhecida como prioridade.

Os abusadores sexuais NÃO PODEM continuar a relevar da jurisdição de tribunais estrangeiros. As condenações em países terceiros nem sempre se traduzem em penas de prisão e os criminosos reincidentes permanecem frequentemente no mesmo país ou deslocam-se a outros países para evitar serem detectados. Isso significa que as autoridades europeias e os governos nacionais não são avisados quando um abusador entra em território europeu, o que aumenta o risco para as crianças europeias.

Por isso mesmo, é necessário adoptar uma abordagem abrangente, centrada nos interesses das crianças, que abarque:

a prevenção dos abusos. Importa investigar os antecedentes dos viajantes culpados de crimes sexuais (2);

a protecção das crianças em risco e das vítimas, incluindo a identificação de crianças vulneráveis (3), com o estabelecimento de linhas telefónicas de ajuda e de informação;

a instauração de processos penais contra os abusadores, através da aplicação do quadro jurídico relevante;

o trabalho em parceria com ONG e outros agentes ainda não envolvidos;

a participação dos jovens e da sociedade civil, de forma a sensibilizar o público.

O CESE apoia as recomendações da Comunicação da Comissão intitulada «Rumo a uma estratégia da UE sobre os direitos da Criança», da Recomendação do Parlamento Europeu (4) e da Convenção do Conselho da Europa (5), que focam a protecção das crianças contra a exploração. No entanto, solicita aos restantes Estados-Membros (6) que assinem e ratifiquem urgentemente o Protocolo do Comité dos Direitos da Criança da ONU (7) e a Convenção do Conselho, para que a Europa possa rever eficazmente a questão do procedimento aplicável a europeus que abusem de crianças enquanto trabalham no estrangeiro ou aí viajam como turistas.

1.2.   As medidas necessárias para estabelecer uma estratégia proactiva eficaz têm de incluir:

parcerias internacionais eficientes, com melhor partilha de informações, incluindo a cooperação entre as forças policiais e o reforço dos meios informáticos à sua disposição para persecução dos abusadores sexuais que viajam para o efeito;

acordos bilaterais de cooperação mais fortes com os países relevantes;

equipas de investigadores que reúnam vários serviços de polícia;

acordos com governos estrangeiros para deportar e acompanhar criminosos condenados; a eventual utilização de injunções relativas a viagens ao estrangeiro (Foreign Travel Orders – FTO), de modo a restringir as viagens de abusadores sexuais que representem riscos sérios;

a utilização de controlos de segurança e de proibições para impedir os abusadores sexuais de trabalharem no estrangeiro (8);

lançamento de uma campanha a nível europeu e, se possível, mundial, de sensibilização do público para a importância de denunciar crimes sexuais. Esta iniciativa deve ser apoiada por uma linha telefónica internacional gratuita que disponha de um sistema de denúncia online em tempo real (9);

envolvimento da sociedade civil e dos parceiros sociais nas iniciativas de sensibilização;

estabelecimento de mecanismos de educação e aconselhamento e de serviços médicos e terapêuticos destinados às vítimas, bem como oferta de formação aos profissionais especializados nesta área.

1.3.   O principal desafio é sensibilizar o público para a dimensão do problema, o que seria possível através da instituição de um projecto a nível europeu: A Europa Contra a Exploração Sexual de Crianças  (10). As instituições comunitárias poderiam liderar o processo, destacando a sua política de viagens éticas (intolerante ao abuso sexual de menores) em todos os formulários de reembolso de despesas de deslocação.

1.4.   O presente parecer não se debruça sobre as questões do tráfico ou rapto, que requerem uma legislação e medidas próprias e devem ser tratadas separadamente.

2.   Contexto

2.1.   O presente parecer estuda a questão das viagens e do abuso sexual de crianças dentro e fora da Europa.

2.2.   A maioria dos que abusam de crianças ou as exploram sexualmente é de origem local, e esse é o caso em todas as partes do mundo. Não obstante, hoje em dia, o abuso sexual de crianças no âmbito de viagens ao estrangeiro faz parte de uma indústria mundial do sexo bem montada e lucrativa.

2.3.   As viagens a preços mais reduzidos sem exigência de vistos e as novas tecnologias permitem que os abusadores visem as crianças mais vulneráveis do mundo, e também da Europa, especialmente nos lugares com as piores condições sociais e de pobreza, destituição e carência emocional. Para além disso, os actos de abuso são frequentemente gravados em formato digital e difundidos à escala mundial. Várias ONG, sendo a ECPAT (11) a mais conhecida, trabalham em conjunto com a polícia e com o sector do turismo e das viagens para proteger estas crianças.

2.4.   O primeiro Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial das Crianças teve lugar em Estocolmo em 1996. Nessa ocasião, 122 países assumiram o compromisso de estabelecer «uma parceria global contra a exploração sexual comercial das crianças». Hoje em dia, conferências locais (12) e internacionais (13) citam e reiteram a existência dos mesmos obstáculos à prevenção eficaz deste flagelo.

2.5.   A nível da UE, também já foram elaborados numerosos relatórios e assumidos diversos compromissos (14). No entanto, e conforme assinala o recente relatório do Parlamento Europeu (15), muitos Estados-Membros ainda não assinaram nem ratificaram estas convenções.

2.6.   Isso significa que, infelizmente, e apesar de alguns excelentes esforços já realizados (16) que levaram à adopção de várias medidas práticas a nível comunitário (17), a Europa não tem conseguido proteger as crianças mais vulneráveis nem prevenir abusos cometidos por cidadãos europeus. Do mesmo modo, não cumpriu os compromissos assumidos em Estocolmo. Só a aplicação prática será eficaz para proteger as crianças nos seus países de origem e no estrangeiro.

2.7.   É impossível avaliar quantas crianças terão sido afectadas por abusadores sexuais que viajam para o efeito, já que a natureza criminosa e dissimulada dos crimes sexuais contra crianças, bem como a vulnerabilidade das vítimas, especialmente das que vivem em condições de pobreza, dificultam muito a recolha de dados. O abuso sexual de crianças faz parte de um fenómeno global de exploração sexual comercial de crianças e inclui:

a compra e venda de crianças para fins de prostituição;

o abuso sexual de menores relacionado com a pedofilia;

a produção de imagens de abuso sexual de crianças e de outras formas de pornografia que envolvem menores.

2.8.   De forma geral, os abusadores viajam para lugares onde julgam que não serão descobertos, frequentemente áreas com baixos níveis de educação, caracterizados por condições de pobreza, ignorância, corrupção, apatia, deficiente aplicação das leis ou fraca política governamental. O abuso de crianças é cometido por pessoas que deliberadamente instituem orfanatos (18), projectos para crianças e escolas em comunidades vulneráveis, tendo como único objectivo alimentar o seu comportamento abusivo e o dos seus cúmplices. Os abusadores reincidentes viajam de país para país para evitar serem descobertos pelos sistemas de detecção de criminosos sexuais. Importa conduzir pesquisas mais aprofundadas sobre a mentalidade subjacente ao abuso sexual de crianças. O investigador Finkelhors identifica quatro condições prévias para o abuso, que variam dependendo dos crimes sexuais específicos cometidos ou não contra crianças (19):

motivação para cometer o abuso;

factores inibidores internos relacionados com um sentido pessoal de ética;

factores inibidores externos;

resistência da vítima.

2.9.   O nível de conhecimento sobre crimes praticados no estrangeiro é baixo, tanto entre os profissionais dedicados à protecção de crianças como entre o público em geral. Os meios de comunicação só referem os casos mais sensacionais e muito pouco se fala do risco que as crianças europeias correm quando os abusadores regressam por fim a casa.

2.10.   O CEOP (20) usa apropriadamente o termo «abusadores sexuais que viajam para o efeito» para descrever as pessoas que viajam para o estrangeiro e, aí, cometem abusos contra crianças. Geralmente, presume-se que, se alguém cometer um crime no estrangeiro, essa pessoa será automaticamente incluída numa lista de abusadores sexuais. No entanto, isso raramente acontece, uma vez que, por vários motivos complexos, podem não existir os registos necessários, a informação pode não ser difundida ou determinados regulamentos sobre protecção de dados podem impedir uma vigilância eficaz.

2.11.   É necessário considerar o turismo sexual numa óptica que ultrapasse o turismo entendido no contexto de«férias». Hoje em dia, muitas empresas deslocalizam os seus serviços, abrem sucursais e conduzem negócios por todo o mundo. É necessário que os empregadores e os sindicatos e organizações de trabalhadores estabeleçam normas claras que afirmem que o abuso sexual de crianças não será tolerado sob nenhuma circunstância.

3.   Responsabilidade global

3.1.   Os governos em todo o mundo têm perante os seus cidadãos a responsabilidade de proteger crianças vulneráveis, onde quer que elas se encontrem. A expansão do turismo nos últimos cinquenta anos faz-se agora acompanhar do aumento dos abusadores sexuais que viajam para o efeito. Com frequência, os principais perpetradores aproveitam o facto de estarem num outro país para ignorar os tabus sociais que habitualmente regem o seu comportamento.

3.2.   O Código Ético Mundial para o Turismo (21) estabelece um enquadramento de referência para o desenvolvimento responsável e sustentável do turismo mundial. Para a Europa, o facto de cidadãos europeus explorarem sexualmente crianças dentro da UE e por todo o mundo deveria constituir motivo de vergonha para toda a Comunidade. Os cidadãos europeus são da responsabilidade da Europa e é absolutamente inaceitável que abusadores sexuais possam ser alvo de processos judiciais nos seus países de origem e, em seguida, autorizados a viajar livremente para outros países sem qualquer vigilância. Assim, a Europa precisa de estudar a dicotomia jurídica que concede liberdade de circulação aos seus cidadãos mas que permite também que os abusadores sexuais viajem sem quaisquer restrições.

3.3.   Existe, a nível internacional, um princípio de justiça que impede que uma pessoa seja condenada duas vezes pelo mesmo crime. Quando um delinquente regressa ao seu país de acolhimento, a mesma sentença deverá continuar a ser cumprida nesse país ou, caso sejam identificadas novas provas, poderá instaurar-se um novo processo. Para isso, a cooperação internacional tem uma importância fundamental. Neste contexto, o Comité aplaude a nova decisão-quadro da Comissão por não ter descurado este assunto (22).

3.4.   É necessário coordenar as actividades, acompanhar e avaliar estatísticas e tecer recomendações práticas e atempadas. Todavia, no território da União, tratando-se de um domínio em que as decisões podem ir até à privação da liberdade e assim afectar as liberdades fundamentais do indivíduo, só os Estados-Membros são competentes para decidir, no respeito das leis que regulam as suas práticas policiais e judiciárias. As ONG europeias e internacionais fazem um excelente trabalho no domínio da protecção das crianças, mas não podem substituir-se aos sistemas policiais ou penais.

A ajuda e cooperação ao desenvolvimento, que se dedicam ao alívio da pobreza (23), à educação e ao desenvolvimento social e da saúde, deverão dar maior apoio à protecção das crianças contra os abusos sexuais. As ONG e os parceiros sociais necessitam de atenção e auxílio no sentido de disponibilizar formação profissional e apoio psicológico e emocional. Com efeito, é essencial melhorar a educação e a formação dos profissionais desta área, bem como para os do sector dos serviços em geral (nomeadamente, profissionais da comunicação social, da indústria do turismo, professores, prestadores de cuidados e polícia), para que se compreendam e eliminem os obstáculos ao intercâmbio de informações. Conforme salienta o relatório da associação dinamarquesa Save the Children  (24), é necessário que as crianças tenham acesso a aconselhamento, especialmente as mais vulneráveis, para que conheçam a situação e saibam lidar com ela. Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, as crianças têm de ser ensinadas a usar correctamente a Internet a fim de serem alertadas para as práticas dos abusadores, que utilizam com grande à vontade esta ferramenta na procura das suas vítimas.

3.5.   Importa igualmente prever serviços de terapia e aconselhamento dos abusadores, de forma a auxiliar a sua reabilitação (25).

4.   Responsabilidade da sociedade civil

4.1.   A sociedade civil europeia tem a responsabilidade de denunciar crimes e de agir sempre que se verifique uma potencial ameaça contra terceiros, – tanto na Europa como no estrangeiro – especialmente em casos de abuso de menores. Estima-se que, hoje em dia, na Europa, entre 10 % e 20 % das crianças são alvos de abusos sexuais durante a infância, sendo que este fenómeno tem vindo a aumentar e a alastrar geograficamente. Alguns cidadãos europeus são abusadores sexuais que viajam dentro e fora da Europa para se dedicarem a estas práticas.

4.2.   Por isso, é necessário desenvolver estratégias conjuntas e outras acções de prevenção e instituição de penas para combater este flagelo. Os empregadores europeus devem entender a luta contra a prostituição e pornografia infantis como uma questão de responsabilidade social das empresas.

4.3.   4,5 % dos 842 milhões (2006) de viajantes são abusadores sexuais e 10% são pedófilos (26). Desde 2003, as agências de viagens podem subscrever o código de conduta para a protecção de crianças da exploração sexual nas viagens e no turismo (27). Actualmente, mais de 600 empresas de mais de 30 países assinaram este código de conduta. No entanto, o abuso sexual de crianças em viagens do abusador não é da exclusiva responsabilidade do sector das viagens. Todos os sectores de actividade têm a responsabilidade de prevenir estas actividades.

4.4.   A Confederação Sindical Internacional (CSI) encoraja os seus membros a estabelecerem estruturas de agentes, comités e grupos de trabalho para apoiar determinadas estratégias. Para ter acesso às bases, a CSI adoptou uma abordagem sectorial e formou importantes parcerias para a aplicação dos acordos-quadro internacionais. Uma vez que a exploração sexual de crianças constitui uma grave violação de direitos laborais e humanos básicos, a questão faz parte integrante do trabalho da confederação em prol do combate às piores formas de trabalho infantil (28). Por esse motivo, os sindicatos continuam a desempenhar um papel no que toca a promover a ratificação das normas internacionais relevantes e a velar por que os governos e os empregadores apliquem efectivamente as políticas e os regulamentos (29). Ao mesmo tempo, trabalham para sensibilizar os seus filiados e o público em geral (30) e para abordar o assunto através de negociações colectivas (31).

4.5.   Na convenção adoptada pelo Comité de Ministros, em 12 de Julho de 2007, o Conselho da Europa afirma que todas as partes encorajarão o sector privado e a sociedade civil a participar na elaboração e aplicação de políticas para a prevenção da exploração e abuso sexual de crianças, bem como a aplicar normas internas, através da auto-regulação ou da co-regulação. Assim sendo, é perfeitamente possível desenvolver um projecto europeu comum.

5.   Medidas específicas

5.1.   O único objectivo de qualquer actividade deverá ser DETER o abuso de crianças e proteger as mais vulneráveis. Se for possível deter o abuso de menores, deixará de haver vítimas. Este deverá ser o objectivo primário e prioritário e todas as políticas deverão centrar-se nos interesses da criança.

5.2.   As instituições da UE podem liderar pelo exemplo, introduzindo a condenação do abuso sexual de menores na sua política de viagens éticas e incluindo essa afirmação em todos os formulários de reembolso de despesas de deslocação.

Apresentam-se de seguida, sumariamente, as medidas e exemplos elaborados mediante consultas à ECPAT (32), uma organização de destaque no domínio dos direitos da criança que promove a protecção das crianças da exploração sexual comercial. A ECPAT trabalha em mais de 70 países, nos mais altos níveis de governo, ao mesmo tempo que estabelece pontes com os profissionais da área e com funcionários que trabalham directamente com crianças, conduzindo pesquisas, oferecendo formação e desenvolvendo competências.

5.3.1.   Controlos de segurança e proibições: actualmente, as escolas em países estrangeiros não dispõem de mecanismos para verificar os antecedentes dos potenciais funcionários, nem a sua adequação ao trabalho com crianças, o que constitui uma enorme lacuna na protecção de menores vulneráveis. Importa instituir mecanismos que permitam o acesso a estas informações por parte das forças policiais ou de organizações internacionais registadas para o efeito.

5.3.2.   Acordos bilaterais de cooperação: as ONG em todo o mundo começam cada vez mais a partilhar informações essenciais sobre abusadores já condenados, o que permite tomar iniciativas rápidas e atempadas. Ironicamente, os governos, limitados pela burocracia e pelas normas de protecção de dados, não conseguem agir com a mesma rapidez, pelo que confiam nas ONG para que colmatem as lacunas da acção policial. A protecção das crianças deveria sempre sobrepor-se às normas de protecção de dados. Os quadros de cooperação geram confiança e conhecimento entre países, o que permite combater os abusos sexuais de forma proactiva. Para ser eficiente, essa cooperação deve transcender a mera formação profissional ou desenvolvimento de competências.

5.3.3.   Importa prever e estabelecer linhas telefónicas internacionais de denúncia e de informação, para evitar que se instale uma cultura de silêncio e inacção. Estes mecanismos devem apoiar a actividade em tempo real. É necessário que haja um sistema integrado de protecção de menores, constituído por órgãos profissionais e prestadores de serviços que trabalhem com as ONG para apoiar a protecção e identificação de vítimas ou de crianças em risco.

5.3.4.   Equipas de investigação conjuntas e autoridades nacionais de polícia: a Europa precisa de agências especializadas, que tenham a protecção de menores como prioridade e que abarquem vários países, dispondo dos recursos adequados para investigar abusadores conhecidos que viajem para o estrangeiro e para recolher provas para outras agências activas fora da UE.

5.3.5.   Acordos para deportar e acompanhar abusadores condenados: não é obrigatório comunicar a outros países eventuais acusações ou condenações de abusadores. Por isso, estes criminosos podem ser condenados num país estrangeiro sem que essa condenação seja conhecida no seu país de origem. As embaixadas ou missões diplomáticas têm a responsabilidade de informar o país de origem, caso saibam da condenação. Uma vez condenados, e depois de cumprida a pena, vários abusadores permanecem no mesmo país ou mudam de país sem regressar a casa, assim evitando que o seu nome seja inscrito numa lista de abusadores sexuais. No caso dos criminosos que são condenados e enviados de volta ao país de origem, há sempre o risco de fugirem, uma vez que essa deportação implica voos de longo curso com escalas. Por isso, são necessários acordos bilaterais de cooperação e agentes de polícia que acompanhem os criminosos durante a deportação.

5.3.6.   Modelo dos planos multi-agências de protecção pública (Multi-Agency Public Protection Arrangements – MAPPA): trata-se de um modelo utilizado no Reino Unido para avaliar e lidar com os abusadores sexuais residentes na comunidade. Este plano reúne vários agentes (justiça criminal, assistência social, habitação e saúde) para minimizar potenciais danos sérios causados ao público e auxiliar a detecção de abusadores reincidentes. O enquadramento abrange quatro funções essenciais, mas, de momento, não cobre os cidadãos britânicos que viagem no estrangeiro:

Identificação dos abusadores;

Partilha da informação relevante para a avaliação de potenciais riscos;

Avaliação do risco e dos potenciais danos sérios;

Gestão do risco.

5.3.7.   Utilização e eficácia de injunções relativas a viagens ao estrangeiroForeign Travel Orders»): os tribunais podem recorrer as estas medidas para proibir certas pessoas de viajar para um país estrangeiro específico ou para qualquer parte do mundo. Essa decisão pode ser tomada nos interesses da protecção de uma criança específica ou para proteger crianças em geral. As injunções são válidas por um período fixo de tempo. Em 2005, o Governo australiano alterou a sua lei relativa aos passaportes, passando a permitir que a polícia solicite o cancelamento do passaporte de abusadores sexuais que representem um risco elevado.

5.4.   Medida muito específica: o projecto europeu A Europa Contra a Exploração Sexual de Crianças – DIGA NÃO!

É possível estabelecer um projecto que reúna todo o trabalho já realizado, que colija as Cartas assinadas e, através da simples divulgação dos factos básicos, que sensibilize o público, pedindo às organizações que se empenhem na luta contra a exploração sexual de crianças. Um «código» ou «Carta» já adoptados globalmente poderiam acompanhar a «declaração de valores» proposta no Anexo I. Esta causa seria muito beneficiada por novas propostas de legislação ou por legislação já aprovada, desde que aplicada eficazmente.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Slogan da campanha da Organização Mundial do Turismo.

(2)  «Save the Children», Dinamarca. Relatório «Sex Offenders without Borders» (Abusadores sexuais sem fronteiras), Maio de 2009.

(3)  Declaração e apelo à acção para prevenir e deter a exploração sexual de crianças e adolescentes, assinada no Rio de Janeiro em Novembro de 2008.

(4)  Recomendação do Parlamento Europeu de 3.2.2009 ao Conselho sobre «A luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil» (2008/2144(INI)).

(5)  «Convenção do Conselho da Europa para a Protecção das Crianças contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual», de 25.10.2007. http://conventions.coe.int/Treaty/EN/treaties/Html/201.htm.

(6)  http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/ChercheSig.asp?NT=201&CM=&DF=&CL=ENG. Estados-Membros que ainda não ratificaram o Protocolo Facultativo do CDC da ONU: Alemanha, Hungria, Irlanda, Luxemburgo, Malta e Reino Unido. Estados-Membros que ainda não assinaram a Convenção do Conselho da Europa: República Checa, Hungria, Letónia, Luxemburgo, Malta, Eslováquia. Só a Grécia ratificou já a convenção.

(7)  «Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil». Adopção em Maio de 2000. Entrada em vigor: Janeiro de 2002 http://www.unhchr.ch/html/menu2/6/crc/treaties/opsc.htm.

(8)  «The End of the Line for Child Exploitation» (Fim da Linha para a Exploração Infantil). Ver relatório da ECPAT de 2006.

(9)  Veja-se a associação australiana «Childwise», que integra a rede ECPAT.

(10)  Ver Anexo 1.

(11)  ECPAT – End Child Prostitution, Child Pornography and the Trafficking of Children for Sexual Purposes (Fim à prostituição infantil, pornografia infantil e ao tráfico de crianças para fins sexuais) – tem um estatuto consultivo especial no Comité Económico e Social da ONU (ECOSOC).

(12)  «When Travelling, Put a Stop to Indifference» (Não fique indiferente ao viajar); Stopchildprostitution.be, «Travelling abusers in Europe» (Abusadores sexuais que viajam para o efeito na Europa), Maio de 2007.

(13)  III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, Novembro de 2008.

(14)  Ver notas de rodapé 4 e 5. Ver também:

http://www.nspcc.org.uk/Inform/policyandpublicaffairs/Europe/Briefings/councilofeurope_wdf51232.pdf e http://www.unhchr.ch/html/menu2/6/crc/treaties/opsc.htm.

(15)  Ver nota de rodapé 4.

(16)  PE 410.671, Janeiro de 2009.

(17)  COM(1996) 547 final; COM(1999) 262 final; Decisão-quadro do Conselho 2000/375/JAI (JO L 138 de 9.6.2000); Decisão-quadro do Conselho 2004/68/JAI (JO L 13 de 20.1.2004) e COM(2009) 135 final.

(18)  Os criminosos utilizam o termo oficial «orfanato» para esconder as suas actividades. Na verdade, tratam-se de lares fundados com o único propósito de permitir o abuso de crianças.

(19)  «Sex Offenders without Borders» (Abusadores sexuais sem fronteiras) – Associação «Save the Children», Dinamarca, Maio de 2009.

(20)  CEOP UK – Child Exploitation and Online Centre (Centro Online sobre Exploração Infantil).

(21)  Adoptado pela resolução A/RES/406(XIII) na 13.a Assembleia Geral da Organização Mundial de Turismo da ONU (OMT) (27 Setembro – 1 de Outubro de 1999).

(22)  COM(2009) 135 final.

(23)  Estudo temático sobre medidas políticas em matéria de pobreza infantil.

(24)  Idem.

(25)  Sarah Macgregor: «Sex offenders treatment programs: effectiveness of prison and community based programs in Australia and New Zealand» (Programas de tratamento de abusadores sexuais: eficácia dos programas prisionais e comunitários na Austrália e Nova Zelândia), in: http://www.indigenousjustice.gov.au/briefs/brief003.pdf; Dario Dosio, Friedemann Pfaefflin, Reinhard Eher (Eds.): «Preventing Sexual Violence Through Effective Sexual Offender Treatment and Public Policy» (Prevenir a violência sexual através de um tratamento eficaz dos abusadores sexuais e de políticas governamentais), 10.a conferência da International Association for the Treatment of Sexual Offenders (IATSO) (Associação Internacional para o Tratamento de Abusadores Sexuais) in: www.iatso.org.

(26)  Fonte: ACPE - Association Contre la Prostitution Enfantine (Associação Contra a Prostituição Infantil).

(27)  Este código foi entabulado em 1998 pela ECPAT Suécia e reconhecido pela UNICET e a OMT. Ver também: www.thecode.org.

(28)  Convenção da OIT n.o 182.

(29)  http://www.ituc-csi.org/IMG/pdf/FINAL_EU_CLS_2009_report__2_.pdf.

(30)  http://www.itfglobal.org/campaigns/traffickingstate.cfm.

(31)  http://www.iiicongressomundial.net/congresso/arquivos/thematic_paper_csr_eng.pdf.

(32)  ECPAT - End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for Sexual Purposes (Fim à prostituição infantil, pornografia infantil e ao tráfico de crianças para fins sexuais).


Anexo I

A Europa contra a Exploração Sexual de Crianças

O abuso sexual de um menor de 18 anos é um CRIME em todo o mundo

As instituições europeias e os parceiros sociais não o aceitarão!

As crianças de todo o mundo têm o direito a crescer em paz, protegidas de todas as formas de exploração sexual, seja ela física ou pela Internet.

Declaração de valores de «nome da organização»:

Contribuímos para o desenvolvimento de um crescimento económico ético e responsável.

Respeitamos e protegemos os Direitos da Criança.

Condenamos a exploração sexual de crianças em todas as suas formas, seja ela física ou pela Internet.

Reservamo-nos o direito de denunciar qualquer pessoa suspeita de ter praticado actividades que tenham levado à perda de dignidade ou ao abuso sexual de um menor de 18 anos.

Os empregados da «nome da organização» estão empenhados em:

aderir aos princípios da empresa referidos acima e em respeitar os direitos fundamentais da protecção das crianças;

contribuir para o crescimento empresarial ético e responsável;

respeitar e proteger os Direitos da Criança;

abster-se de fornecer informações ou materiais que provoquem a eventual exploração sexual de crianças;

informar as autoridades competentes, incluindo a polícia, de qualquer actividade suspeita que possa levar à colocação em risco ou à exploração sexual de uma criança.

Expectativas dos clientes e fornecedores da «nome da organização»:

Aplaudimos e respeitamos as leis mundiais destinadas a proteger as crianças da exploração sexual. Comprometemo-nos a não pactuar com tais práticas, sejam elas físicas ou pela Internet, nem no nosso país de origem nem em viagem de negócios ou lazer.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/49


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O futuro das zonas não urbanas na sociedade do conhecimento

(parecer de iniciativa)

(2009/C 317/08)

Relator: Sergio SANTILLÁN CABEZA

Em 10 de Julho de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

O futuro das zonas não urbanas na sociedade do conhecimento.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 24 de Junho de 2009, tendo sido relator Sérgio Santillán Cabeza.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   A grande diversidade da Europa

1.1.   A UE alberga uma diversidade extraordinariamente rica de territórios, com uma distribuição demográfica sem paralelo. Isso contribui para a qualidade de vida tanto dos habitantes das cidades que vivem perto de zonas rurais como dos residentes destas últimas, que dispõem de um acesso fácil aos serviços urbanos. Este tipo de distribuição é igualmente mais rentável, uma vez que mitiga os problemas das grandes aglomerações urbanas e os seus elevados níveis de utilização de energia e do solo, típicos da expansão urbana, os quais se tornarão cada vez mais prementes com a progressão das alterações climáticas e com as medidas que terão que ser tomadas para as combater (1).

Para distinguir as zonas rurais das zonas não rurais a OCDE estabelece uma distinção entre unidades administrativas locais (UAL de nível 1 ou 2) e regiões (nível NUTS 3). Uma unidade territorial local é considerada rural se a sua densidade populacional for inferior a 150 habitantes/km2. As regiões (NUTS 3) distinguem-se pelo seu índice de ruralidade, ou seja, pela proporção da sua população que reside em unidades territoriais locais rurais.

1.2.1.   Segundo a OCDE há, ainda, três tipos de regiões

As regiões predominantemente rurais: mais de 50 % da população vive em unidades territoriais rurais;

As regiões com uma dimensão rural significativa: entre 15 e 50 % da população vive em unidades territoriais rurais;

As regiões predominantemente urbanas: menos de 15 % da população vive em unidades territoriais rurais.

Mais de 50 % do território da UE-25 é considerado zonas rurais.

1.2.2.   O Eurostat distingue entre três tipos de zonas quanto ao grau de urbanização:

As zonas densamente povoadas: conjunto contíguo com uma população total de pelo menos 50 000 habitantes formado por unidades locais, cada uma com uma densidade populacional superior a 500 habitantes/km2;

As zonas intermédias: conjunto contíguo de unidades locais que não pertencem a zonas densamente povoadas, cada uma com uma densidade populacional de mais de 100 habitantes/km2, com uma população total de pelo menos 50 000 habitantes ou adjacente a uma zona densamente povoada;

As zonas escassamente povoadas: conjunto contíguo de unidades locais que não pertencem nem a uma zona densamente povoada nem a uma zona intermédia (2).

Na maior parte dos Estados-Membros, uma «unidade local» corresponde a um conselho ou município. As zonas escassamente povoadas representam quase 84 % do território total da UE-25 (3).

2.   Zonas urbanas e zonas rurais: uma evolução díspar

2.1.   É universalmente aceite há vários anos que um maior esforço de I&D permitiria à UE enfrentar os desafios da mundialização. Por outro lado, a Estratégia de Lisboa prevê explicitamente o objectivo de aumentar os investimentos em I&D para 3 % do PIB.

2.2.   É necessário analisar mais aprofundadamente o potencial das regiões, que acusam diferenças assinaláveis quanto às características demográficas (ritmo diferente de envelhecimento da população) ou sociológicas (capital humano), aos factores económicos (mobilidade do capital e dos trabalhadores qualificados e, por conseguinte, mobilidade de uma parte dos rendimentos tributáveis) e às estruturas de produção (legado do passado, capacidade de atrair investimentos).

2.3.   Embora seja redutor associar automaticamente as zonas rurais ao declínio e as zonas intermédias à expansão económica (4), em geral as zonas predominantemente rurais (17,9 % da população europeia) e as zonas intermédias (37,8 % da população, ou seja, um total de 55,7 %) encontram-se em situação menos favorável. Além disso, os Estados-Membros em que os rendimentos são menos elevados apresentam diferenças mais marcadas entre zonas urbanas e não urbanas (5).

2.4.   Nos últimos anos foram criados ou desenvolvidos diversos instrumentos para promover a inovação (7.o Programa-Quadro de I&D, Programa-Quadro para a Competitividade e a Inovação [PIC], Jeremie, Iniciativas Tecnológicas Conjuntas, mercados-piloto [lead markets], etc.). Estas iniciativas louváveis contrastam com o desinteresse relativo pelas regiões às quais falta a capacidade de explorar este potencial com probabilidade de êxito.

2.5.   Uma vez que a maior parte da actividade económica se concentra nas cidades, torna-se indispensável promover um maior equilíbrio na evolução da sociedade do conhecimento.

3.   Propostas de reequilíbrio a favor das zonas não urbanas

3.1.   Serviços de interesse geral (SIG) de qualidade para garantir a coesão social e territorial

3.1.1.   Na sua comunicação sobre os SIG (6), a Comissão Europeia comprometeu-se a apresentar «ao Parlamento Europeu uma análise global dos efeitos da “liberalização”, do início do processo até ao presente» e a «analisar a evolução da aplicação do Protocolo, logo que o novo Tratado entre em vigor. Elaborará ainda, de dois em dois anos, um relatório sobre os serviços sociais, que servirá de ferramenta de intercâmbio com as partes interessadas». O CESE considera especialmente importante que a Comissão analise as possíveis repercussões da liberalização para a coesão territorial. Essa análise deverá produzir dados diferenciados em função do carácter urbano ou rural das entidades territoriais e das percepções da sua população.

3.1.2.   O acesso aos cuidados de saúde, reconhecido na Carta dos Direitos Fundamentais (artigo 35.o), pode revelar-se particularmente problemático nas zonas não urbanas devido à falta de pessoal qualificado, de infra-estruturas adequadas e de recursos financeiros. A Comissão deveria encetar um debate com as entidades territoriais e com as organizações patronais e sindicais europeias interessadas a fim de definir formas (acordos entre interlocutores sociais, ajudas estatais, iniciativas comunitárias) de imprimir um novo dinamismo a este sector.

3.2.   Sociedade da informação e sociedade do conhecimento

3.2.1.   Embora ocasionalmente se sobreponham, as noções de sociedade do conhecimento (enquanto ideal ou fase evolutiva da humanidade) e de sociedade da informação (uso generalizado das tecnologias da informação e da comunicação) são distintas. A informação é apenas uma forma de ascender ao conhecimento.

3.2.2.   A educação é um elemento fundamental para a promoção da sociedade do conhecimento. Nas zonas não urbanas, as características demográficas têm geralmente um impacto negativo a este nível (emigração, elevada taxa de dependência, envelhecimento da população, etc.). Todos os anos são encerradas pequenas escolas situadas nas zonas menos dinâmicas por não terem alunos suficientes. Isto pode reforçar a tendência para o êxodo, já que os pais preferirão instalar-se em zonas mais dinâmicas em termos de actividade, criação de emprego, escolas e infra-estruturas de acolhimento disponíveis (7).

3.2.3.   No que se refere à percentagem de adultos com um nível de educação médio ou alto, a UE continua a revelar uma tendência para o esbatimento das diferenças entre as regiões predominantemente rurais ou intermédias e as zonas predominantemente urbanas. Os países do Norte da Europa e alguns dos novos Estados-Membros (FR, NL, FI, IE, BE, PL, CZ, HU) apresentam melhores resultados a este respeito (menos de 10 pontos de diferença), e alguns (UK, DE, AT) têm mesmo níveis superiores de educação nas zonas rurais do que nas zonas urbanas. As maiores disparidades registam-se nos países mediterrânicos (GR, ES, IT, PT).

3.2.4.   A percentagem de adultos que beneficia de educação e formação profissional (aprendizagem ao longo da vida) é relativamente baixa (cerca de 12 % na UE-25) e não há diferenças substanciais entre zonas rurais e urbanas. Alguns países promovem a formação dos adultos (DK, ES, NL, AT, SL, SK, SE, UK), ao passo que outros o fazem de forma menos activa. A tendência é para um aumento mais acentuado da participação dos adultos nas zonas rurais do que nas zonas urbanas (8).

3.2.5.   Ainda que a proximidade incentive a participação dos estudantes das zonas rurais vizinhas, a distância dos centros universitários parece não constituir um entrave ao ingresso no ensino superior, embora possa influenciar a escolha das carreiras.

3.2.6.   A Comissão Europeia assinalou que alguns Estados-Membros não estavam a envidar os esforços necessários para combater o abandono escolar e promover a aprendizagem ao longo da vida com vista a cumprir os objectivos da Estratégia de Lisboa.

3.3.   A aprendizagem electrónica e a importância das ligações de banda larga (9)

3.3.1.   A concentração de elevados níveis de investimento em I&D num número muito reduzido de regiões da UE é um factor de preocupação: 70 % da I&D concentra-se na Alemanha, na França e no Reino Unido. A análise dos dados relativos às despesas com I&D por região revela que 35 regiões têm uma concentração de I&D superior à do objectivo de Lisboa (10).

3.3.2.   O CESE gostaria de recordar que uma condição fundamental para a aplicação das TIC na aprendizagem ao longo da vida, em particular nas zonas rurais e nas pequenas cidades da Comunidade, é o apoio da UE e dos governos dos Estados-Membros às conexões Internet por banda larga (11), que facilitam o acesso aos sistemas de aprendizagem por via electrónica.

3.3.3.   Em Dezembro de 2007, a cobertura de banda larga (DLS) atingia, em média, 98 % da população nas zonas urbanas, ao passo que nas zonas rurais não ia além de 70 % da população rural da UE-27 (12).

3.3.4.   O acesso à banda larga faz parte de uma estratégia mais alargada que deverá conduzir à atribuição do estatuto de serviço de interesse geral à info-acessibilidade (13). Deve ser prestada uma atenção especial ao preço dos serviços, que é muito elevado em certos Estados-Membros.

3.4.   Emprego e localização geográfica

3.4.1.   Actualmente, os problemas de congestionamento afectam 10 % da rede rodoviária europeia, com destaque para as estradas principais que ligam as regiões periféricas residenciais aos centros urbanos que dão emprego à população dessas regiões. Todos os anos, esses problemas consomem 0,5 % do PIB. Para os solucionar, a Comissão poderia tentar, após consulta prévia dos parceiros sociais, encorajar mais energicamente o teletrabalho. Dessa forma, este elemento da flexigurança contribuiria para a coesão territorial, ao favorecer o comércio de proximidade e reduzir o impacto ambiental (14).

3.4.2.   A eficácia da procura de emprego pode diminuir em função da distância ao local de trabalho (medida em tempo de transporte e custos derivados), uma vez que os indivíduos dispõem de menos informações sobre as oportunidades de trabalho longe do seu domicílio (15).

Alojamento, água, electricidade, gás e outros combustíveis, em % dos gastos totais (2005)

 

Operários

Assalariados

Trabalhadores por conta própria

Desempre-gados

Reformados

Outros inactivos

Diferença entre valores mínimos e máximos

Diferença entre a média de inactivos e activos

be Bélgica

26,3

22,5

 

36,3

29,9

23,7

13,8

5,6

dk Dinamarca

27,8

25,6

28,7

 

 

33,1

7,5

5,7

de Alemanha

29,9

27

27,6

35,8

32,5

35,5

8,8

6,4

ie Irlanda

20,3

21,1

22,3

25

30,4

28,3

10,1

6,7

gr Grécia

22,1

22,1

20,6

24,7

29

31,5

10,9

6,8

es Espanha

26,3

28,9

26,9

29,5

35

34,9

8,7

5,8

fr França

25,8

23,2

22

30,9

31,1

33,4

11,4

8,1

it Itália

25,8

27,2

26,6

28,1

34,2

35,3

9,5

6,0

lu Luxemburgo

29,6

27,4

30,9

32,9

34,9

34,2

7,5

4,7

nl Países Baixos

23,6

22,3

24,3

32

32,8

28,8

10,5

7,8

at Áustria

22,2

20,7

21,5

27,1

24,3

23,4

6,4

3,5

pt Portugal

 

 

26,3

27,1

30,6

31,7

5,4

3,5

fi Finlândia

25

23

26,6

34,4

35,6

27,1

12,6

7,5

se Suécia

28,4

27,5

 

32,9

35,5

30,8

8

5,1

uk Reino Unido

27,9

25,4

25,4

39,5

39,7

34,8

14,3

11,8

Fonte: Eurostat; cálculos próprios

3.4.3.   As zonas periféricas podem, contudo, tirar partido do seu isolamento relativo, oferecendo melhores condições de alojamento e uma maior qualidade de vida. Há um enorme potencial por explorar, sobretudo nos países da coesão, uma vez que quando os rendimentos aumentam 1 %, os agregados familiares também aumentam o seu consumo de espaço residencial em 0,7 % ou 0,8 %, uma vez descontado o efeito do preço.

3.4.4.   Cabe mencionar o fenómeno da expansão urbana (urban sprawl), especialmente marcado nos países e regiões com forte densidade populacional e elevado dinamismo económico, ou que tenham beneficiado dos fundos estruturais. No total, entre 1990 e 2000, as superfícies urbanas aumentaram em mais de 8 000 km2, o que corresponde aproximadamente a três vezes o território do Luxemburgo (16). Este facto não deixa de ter as suas consequências, sobretudo para a biodiversidade.

3.5.   O turismo cultural enquanto factor de desenvolvimento

3.5.1.   O turismo representa entre 3 e 8 % do PIB dos Estados-Membros e emprega nove milhões de pessoas na UE. «Além disso, o turismo arrasta também fortemente outros sectores da economia, que vão da indústria, sobretudo os sectores ligados à moda, passando pelos transportes, pelo sector agro-alimentar e pelo comércio, a outras categorias de serviços» (17).

3.5.2.   A promoção do património artístico, os eventos, as exposições e manifestações, a enologia e a gastronomia, o turismo rural, o «cineturismo»e os parques temáticos culturais podem ser importantes fontes de investimentos e de emprego. O CESE remete para as propostas que avançou recentemente para a promoção deste sector.

3.5.3.   Cabe destacar igualmente, nesta matéria, as iniciativas no âmbito da Rede Natura 2000 (18).

4.   As redes de cidades facilitam a difusão das TIC

4.1.   O Tratado de Lisboa prevê uma nova dimensão da coesão económica e social, designadamente a coesão territorial. Uma visão integral do desenvolvimento económico e social só surtirá efeito se for completada por uma vertente de ordenamento territorial, o principal instrumento da coesão territorial, que tenha em conta o impacto das tecnologias da informação e da comunicação.

4.2.   As intervenções públicas devem abarcar todas as zonas geográficas. O meio rural precisa do reforço dos vínculos das pequenas e médias cidades para realizar o novo objectivo da coesão territorial. As redes de pequenas e médias cidades podem e devem contribuir para a coesão territorial, actuando como escalões intermédios na difusão de processos de introdução das TIC nas zonas rurais.

5.   Conclusões e recomendações

5.1.   Não ao fatalismo: as zonas não urbanas têm futuro. Muitas zonas rurais da UE oferecem uma qualidade de vida elevada. Nas zonas rurais ou intermédias em situação desfavorável, a construção de infra-estruturas adequadas, esforços no sentido de melhorar a oferta de ensino, o uso eficaz das TIC, entre outros factores, podem contribuir grandemente para fomentar o empreendedorismo (19), promover o progresso e melhorar a qualidade de vida.

5.2.   Há que reforçar as ligações entre zonas rurais e zonas urbanas. Durante décadas, desenvolvimento urbano e desenvolvimento rural foram vistos como coisas distintas. Tradicionalmente, a política rural centrava-se exclusivamente na produção agrícola. Mas os tempos mudam e, devido a uma maior interacção e comunicação entre campo e cidade, a distinção «clássica» é hoje menos evidente e a fronteira entre campo e cidade menos nítida. Importa, pois, desenvolver uma perspectiva integrada das políticas de desenvolvimento (20).

5.3.   O potencial das TIC nas zonas rurais. Actualmente, há políticas específicas de promoção das TIC no meio rural através dos Fundos Estruturais e do FEADER, mas para colmatar o fosso existente são necessárias medidas mais radicais orientadas para as explorações agrícolas, as pequenas e médias empresas e as microempresas, os jovens, as mulheres (sobretudo para apoiar as empresárias rurais), os idosos e os grupos desfavorecidos (21). As redes de pequenas e médias cidades contribuem para a coesão territorial e para a inovação tecnológica nas zonas rurais.

5.4.   Os fundos estruturais são instrumentos gerais. Uma reflexão aprofundada sobre o futuro destas regiões, numa óptica prospectiva, permitiria orientar melhor os fundos estruturais para maximizar o seu impacto e, quando necessário, propor novas pistas.

5.5.   Participação da sociedade civil. A enorme diversidade da UE-27 torna impossível uma gestão centralizada dos objectivos de desenvolvimento das zonas rurais. Assim, torna-se fundamental que a sociedade civil das comunidades rurais participe na elaboração das políticas que determinarão o seu futuro (22).

5.6.   Indicadores adequados. Como o CESE salientou já, é preciso elaborar um «indicador mais representativo da coesão [que incluísse] para além do PNB variáveis tais como as taxas de emprego e de desemprego, a extensão da protecção social, o grau de acesso aos serviços de interesse geral, etc» (23). Estes indicadores deveriam também ser completados com indicadores referentes à desigualdade de rendimentos (coeficiente de Gini ou intervalo interquartil) e às emissões de CO2 (por habitante ou evolução desde 1990). De modo geral, é imperioso consolidar os instrumentos estatísticos europeus, em particular a nível das NUTS e reforçar as ligações entre o Eurostat e os institutos de estatística nacionais para que possa prestar as mais completas e precisas informações no prazo pretendido (24)  (25).

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Há cerca de 5 000 cidades pequenas e quase 1 000 cidades grandes em toda a Europa, as quais funcionam como pólos de atracção da actividade económica, social e cultural. Esta rede urbana relativamente densa contém muito poucas aglomerações. Na UE, somente 7 % da população vive em cidades de mais de cinco milhões de habitantes, contra 25 % nos EUA, e só cinco cidades da UE se contam entre as 100 maiores do mundo. Cf. o Livro Verde sobre a Coesão Territorial Europeia, COM(2008) 616 final.

(2)  Um conjunto de unidades locais de menos de 100 km2 no total que não atinja a densidade necessária mas que constitua um enclave numa zona densamente povoada ou numa zona intermédia deve ser considerado como fazendo parte dessa zona. Se o conjunto estiver inteiramente rodeado por uma zona densamente povoada e por uma zona intermédia, considera-se que faz parte da zona intermédia.

(3)  Regiões: Anuário de 2006 (dados de 2000-2004, p. 162).

(4)  Entre 1995 e 2004, o crescimento do PIB nas zonas predominantemente rurais foi superior à media em 43 % delas, contra 36 % nas regiões urbanas e 39 % das regiões intermédias.

(5)  Quarto Relatório sobre a Coesão Económica e Social, COM(2007) 273 final.

(6)  Os serviços de interesse geral, incluindo os serviços sociais de interesse geral: um novo compromisso europeu, COM(2007) 725 final.

(7)  O CESE propôs a criação de um fundo demográfico para fazer face a todas estas dificuldades.

(8)  «Delivering Quality Education to Rural Regions», por Elena Saraceno, Innovative Service Delivery: Meeting the Challenges of Rural Regions, Colónia, 3-4 de Abril de 2008.

(9)  Cf. parecer do CESE sobre a «Comunicação da Comissão – Regiões europeias competitivas graças à investigação e à inovação — Contribuição para um maior crescimento e para mais e melhores empregos», JO C 211 de 19.8.2008, p. 1.

(10)  Estas 35 regiões respondem por 46 % das despesas totais em I&D na UE-27, o que equivale ao dobro da sua percentagem do PIB. No extremo superior, as despesas com I&D ascendem a 7 % do PIB na região de Brunsvique (DE) e superam os 4 % em 12 outras regiões. Cf. Quarto Relatório sobre a Coesão, COM(2006) 281 final.

(11)  Acesso à Internet por banda larga: canal de comunicações que opera com ampla capacidade e que facilita um acesso ágil e rápido aos sistemas de informação e de e-learning (fonte: www.elearningeuropa.info).

(12)  Comunicação da Comissão Responder ao desafio da eficiência energética através das tecnologias da informação e das comunicações (TIC), COM(2009) 103 final. A cobertura rural permanece fraca na Eslováquia (39 %), Polónia (43 %), Grécia (50 %) e Letónia (65 %), bem como na Bulgária e na Roménia.

(13)  Cf. parecer do CESE sobre o «Contributo da aprendizagem ao longo da vida baseada nas tecnologias da informação para a competitividade europeia, as mutações industriais e o desenvolvimento do capital social», JO C 318 de 23.12.2006, p. 20.

(14)  Mais de 50 % do consumo de combustível deve-se ao congestionamento da rede rodoviária ou a uma condução inadequada. Estima-se que o impacto ambiental total (poluição atmosférica, ruído e aquecimento do planeta) do sector dos transportes é de 1,1 % (ver a Revisão intercalar do Livro Branco da Comissão de 2001 sobre os Transportes, COM(2006) 314 final, 22.6.2006).

(15)  Y. Zenou, «Les inégalités dans la ville» [As desigualdades na cidade], in Villes et économie, La documentation française, 2004.

(16)  Agência Europeia do Ambiente, Urban Sprawl in Europe: The Ignored Challenge [Expansão urbana na Europa: O desafio ignorado], 2006.

(17)  Ver o parecer de iniciativa do CESE sobre «Turismo e cultura: duas forças ao serviço do crescimento», JO C 110 de 9.5.2006, p. 1.

(18)  Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21.5.1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens.

(19)  Por exemplo, a produção de energias renováveis (como a energia eólica) pode tornar-se numa importante fonte de receitas nas zonas rurais.

(20)  Em Janeiro de 2009, a DG REGIO organizou um seminário sobre a matéria, no qual foram referidos casos de relações bem-sucedidas entre o campo e a cidade. Um exemplo foi o programa operacional Skåne-Blekinge, na Suécia. Ver «Urban-Rural linkages fostering sustainable development in Europe» [Ligações campo-cidade que promovem o desenvolvimento sustentável na Europa], Inforegio.

(21)  Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu - Melhor acesso nas zonas rurais às modernas TIC, COM(2009) 103 final

(22)  Ver o parecer de iniciativa do CESE sobre a «Necessidade de uma acção concertada a nível da UE para reforçar a sociedade civil em zonas rurais, com particular destaque para os novos Estados-Membros»JO C 175 de 28.7.2009, p. 37.

(23)  Ver o parecer de iniciativa do CESE «Para além do PIB - Instrumentos para medir o desenvolvimento sustentável», JO C 100 de 30.4.2009, p. 53.

(24)  Por ocasião do relançamento da Estratégia de Lisboa, em Março de 2005, o Conselho Europeu reafirmou que a Estratégia se inseria no contexto mais vasto do desenvolvimento sustentável, segundo o qual cumpre responder às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras para suprirem também as suas necessidades. O Conselho Europeu reitera a sua fidelidade ao desenvolvimento sustentável enquanto princípio fundamental que norteia todas as políticas e acções da União. Conclusões do Conselho Europeu de Junho de 2005.

(25)  Ver o parecer do CESE sobre o «4.o relatório sobre a coesão económica e social», JO C 120 de 16.5.2008, p. 73.


III Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009

23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/54


455.a REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 E 16 DE JULHO DE 2009

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores

[COM(2008) 614 final – 2008/0196 (COD)]

(2009/C 317/09)

Relator: Bernardo HERNÁNDEZ BATALLER

Co-relator: Jarosław MULEWICZ

Em 6 de Novembro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores

COM(2008) 614 final – 2008/0196 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 22 de Junho de 2009, sendo relator Bernardo Hernández Bataller e co-relator Jarosław Mulewicz).

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 68 votos a favor, com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1.   O CESE recomenda que a proposta sobre direitos dos consumidores apresentada pela Comissão seja reformulada nos termos expostos no presente parecer e, por isso, no que diz respeito à harmonização plena, esta deveria restringir-se à harmonização horizontal para as vendas fora de estabelecimentos comerciais e as vendas à distância, porque são as áreas que mais afectam o comércio transfronteiriço.

Haveria que suprimir os parágrafos da proposta de directiva referentes às cláusulas abusivas e às vendas e garantias de bens por abordarem aspectos que, no estado actual do direito comunitário, não podem ser abrangidos pela harmonização plena.

1.2.1.   A proposta não apresenta inovações nalguns aspectos relevantes, como sejam a assistência pós-venda e as peças sobresselentes, a responsabilidade directa do produtor e as redes de distribuição.

O CESE considera que a existência de definições «comuns» pode contribuir para dar mais certeza e segurança jurídica aos operadores comerciais e aos consumidores. Para tal, a Comissão deverá pôr fim às contradições que, a este respeito, subsistem na proposta.

1.3.1.   Por uma questão de segurança jurídica, o CESE solicita à Comissão que explicite o texto da proposta por forma a ficar claro se as definições estão harmonizadas ou se os Estados-Membros dispõem de margem discricionária para completar estes conceitos.

1.3.2.   O consumidor europeu não pode ser visto exclusivamente numa óptica de mercado interno ou considerado como um agente racional no mercado, consciente e informado, que toma decisões numa pura lógica de concorrência, podendo a sua protecção resumir-se a uma maior e melhor informação.

1.4.   Na opinião do CESE são as deficiências graves sentidas ao nível da resolução dos conflitos e da reparação dos danos que constituem um factor determinante «se não o mais determinante» para a falta de desenvolvimento do comércio transfronteiriço. Ora, a proposta da Comissão omite esta preocupação que o Eurobarómetro reflecte.

2.   Introdução

2.1.   A proposta resulta de um vasto processo de discussão a nível comunitário sobre as possibilidades de unificação das regras em matéria de contratos a partir de um «quadro comum de referência» em matéria contratual, com base no qual a Comissão aprovou uma comunicação sobre direito contratual europeu (1). No atinente à política de protecção dos consumidores, foi debatida a revisão do acervo em matéria de consumo, que abrange os aspectos horizontais (2) e verticais (3) no que se refere às directivas de protecção dos consumidores existentes em matéria contratual.

2.2.   No parecer sobre a revisão do acervo em matéria de consumo (4), o CESE afirmou que a «política dos consumidores é não só parte integrante da estratégia da UE para o mercado interno, mas também um elemento essencial da cidadania». No que respeita à harmonização à escala comunitária, o Comité considera que ela se deve orientar pelo mais elevado e melhor nível de protecção existente nos Estados-Membros.

3.   Síntese da proposta

3.1.   A proposta apresentada pela Comissão tem como antecedente directo o Livro Verde sobre a revisão do acervo relativo à defesa do consumidor, apresentado pela Comissão – COM(2006) 744 final, em 8 de Fevereiro de 2007, que tinha como justificação e objectivo simplificar e completar o quadro legal vigente, sendo que abarca oito directivas relativas à defesa dos consumidores (5). As respostas ao Livro Verde são analisadas no relatório pormenorizado encomendado pela Comissão Europeia, sendo de assinalar que metade das contribuições recebidas provêm do sector profissional (150), repartindo-se a outra metade entre entidades dedicadas à defesa dos consumidores (53), profissionais da justiça e outros (33), autoridades públicas (39) e meio académico (32) (6).

3.2.   A proposta tem cinquenta artigos divididos em sete capítulos: 1) Objecto, definições e âmbito de aplicação (artigos 1.o a 4.o); II) Informação do consumidor (artigos 5.o a 7.o); III) Informação do consumidor e direito de resolução para os contratos celebrados à distância e para os contratos celebrados fora do estabelecimento comercial (artigos 8.o a 20.o); IV) Outros direitos dos consumidores específicos dos contratos de vendas (artigos 21.o a 29.o); V) Direitos dos consumidores referentes às cláusulas contratuais (artigos 30.o a 39.o); VI) Disposições gerais (artigos 40.o a 46.o); VII) Disposições finais (artigos 47.o a 50.o). O documento contém ainda cinco anexos, dois dos quais relativos a cláusulas.

3.3.   A Comissão deseja proceder à revogação integral (ver art. 47.o) das seguintes directivas comunitárias: (i) Directiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais; (ii) Directiva 1993/13/CEE relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores; (iii) Directiva 1997/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância e (iv) Directiva 1999/44/CE relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.

4.   Observações na generalidade

Harmonização total: A proposta da Comissão não recebeu o mesmo acolhimento por parte dos vários actores da sociedade civil organizada.

4.1.1.   As associações de empresas apoiam a proposta por considerar que ela contribui para um melhor funcionamento do mercado interno e pode melhorar a sua competitividade, atenuando as reticências em relação às transacções transfronteiras, ao mesmo tempo que reduz os custos administrativos e os encargos que os comerciantes têm que suportar para se conformarem às novas regras. Esta situação pode afectar especialmente as PME.

4.1.2.   As organizações de consumidores consideram que a proposta colide com os direitos já adquiridos, que fazem parte do acervo comunitário, pelo que qualquer redução de direitos dos consumidores é inadmissível. Em geral, considera-se que a proposta leva a uma redução dos direitos dos consumidores, na medida em que a harmonização total é excessiva e desproporcionada para os fins que a proposta pretende perseguir, além de constituir um obstáculo a futuros desenvolvimentos.

4.1.3.   Para superar as posições divergentes, o Comité propõe:

a)

limitar o âmbito de aplicação da proposta única e exclusivamente às vendas fora de estabelecimentos comerciais e às vendas à distância, porque se trata de campos de aplicação das transacções transfronteiras cujos obstáculos a proposta pretende superar e nos quais a harmonização plena parece ser mais coerente. Excluir-se-ia a harmonização total em relação às cláusulas abusivas e às garantias nas vendas;

b)

estabelecer definições comuns na proposta, mas eliminar contradições;

c)

proceder a outras alterações como sugere o presente parecer.

4.2.   Falta de coerência interna da proposta

4.2.1.   Face à expectativa criada com os inúmeros debates, trabalhos e estudos realizados nos mais de vinte últimos anos sobre o direito contratual europeu, muito antes ou simultaneamente ao Livro Verde e também com o projecto paralelo do Quadro Comum de Referência (7), o CESE considera que a proposta apresentada fica aquém do expectável e do desejável.

4.2.2.   Por um lado, o objectivo de revisão do acervo comunitário identifica oito directivas, ao passo que na proposta de revisão e de integração a Comissão se cinge a quatro. Por outro lado, os trabalhos desenvolvidos no âmbito do QCR pretendiam pôr cobro às incoerências e consolidar as regras do chamado direito contratual europeu num instrumento facultativo, ao serviço dos profissionais, dos consumidores, de quem aplica o direito e dos legisladores.

4.2.3.   Neste contexto, o conteúdo concreto que agora se propõe – ainda que apresente alguns aspectos positivos pois reúne num único texto, encabeçado por um conjunto de definições comuns, normas de quatro directivas – acaba por ser pouco inovador e estruturado, sem preocupações de consolidação, clarificação e aperfeiçoamento que o elevado nível de protecção dos consumidores a que a UE está obrigada exige. Acresce que, deixando para a legislação dos Estados-Membros aspectos essenciais do regime jurídico das directivas modificadas, e preferindo utilizar uma «directiva» em vez de um «regulamento», a proposta nem sequer é coerente com o objectivo que se propõe da harmonização plena, que não realiza adequadamente, antes criando novas incertezas e diferenças de regime nos Estados-Membros.

4.2.4.   O CESE tem tido um papel activo em matéria de defesa dos consumidores emitindo frequentes pareceres de iniciativa para exprimir as suas próprias opiniões e que contêm o seu próprio acervo comunitário nesta matéria, sendo com base neles que agora se examina a proposta apresentada pela Comissão.

4.2.5.   A concretização de um mercado único para as empresas e para os consumidores é um objectivo que o CESE apoia totalmente, pois reconhece que há custos de transacção derivados da aplicação das normas de defesa dos consumidores em cada Estado-Membro, que podem ser um obstáculo a uma oferta mais variada de bens e produtos no mercado interno de que os consumidores poderiam beneficiar. Mas segundo o Eurobarómetro (8), há obstáculos mais importantes, como seja a falta de confiança no comércio electrónico.

4.3.   Obstáculos transfronteiras

A Comissão parece considerar que o principal obstáculo à realização do mercado interno, em especial nas compras transfronteiras, são os custos e reticências dos profissionais, do lado da oferta, e a falta de confiança dos consumidores, do lado da procura. Identifica como causas dos problemas diagnosticados a fragmentação e a diferenciação dos direitos resultantes de uma harmonização mínima.

4.3.1.1.   Se bem que as directivas de harmonização mínima tenham sido a ferramenta mais frequentemente utilizada em direito comunitário na área do consumo, o exemplo da Directiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais mostra que a harmonização total é uma opção reguladora que poderia ser desastrosa para os direitos adquiridos dos consumidores que assim desrespeita em clara violação do artigo 153.o do Tratado (9).

4.4.   Competências a nível da Comunidade

4.4.1.   O CESE recorda que a origem das políticas comunitárias de defesa dos consumidores e de defesa da concorrência são muito diferentes.

4.4.2.   Enquanto o Tratado de Roma consagrava a competência exclusiva da Comunidade em matéria de política de concorrência, omitia-se a protecção do consumidor como objectivo político distinto. Na realidade, ainda que se tenham tomado algumas medidas (10), o enquadramento jurídico desta política comunitária foi uma Resolução do Conselho, ou seja o Programa Preliminar da Comunidade Económica Europeia para uma Política de Protecção e Informação dos Consumidores, que data apenas de 14 de Abril de 1975.

4.4.3.   A adopção de uma política comunitária de defesa dos consumidores é, por conseguinte, o resultado de múltiplas e sistemáticas intervenções de organizações de consumidores que foram impondo aos seus próprios Estados-Membros a adopção deste tipo de políticas de protecção, que a UE acabou também por reconhecer.

4.4.4.   Esta é a razão por que, em matéria de defesa dos consumidores, a Comunidade está dividida entre o dever de assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores e a competência partilhada e subsidiária dos Estados-Membros  (11).

4.4.5.   As políticas de defesa do consumidor foram adoptadas pelos Estados-Membros, assegurando níveis de protecção mais elevados e medidas que foram mantidas também numa óptica de intervenção e de pacificação social.

4.4.6.   O consumidor europeu não pode ser visto exclusivamente numa óptica de mercado interno ou ser considerado como um agente racional no mercado, consciente e informado, que toma as suas decisões numa pura lógica de concorrência, em que a sua protecção se pode resumir a uma maior e melhor informação.

4.4.7.   Como o CESE já teve ocasião de referir, qualquer proposta que pretenda uma harmonização máxima em matéria de defesa dos consumidores deve centrar-se em aspectos muito concretos e ser acompanhada por especiais cautelas para respeitar o elevado nível de protecção dos consumidores garantido pelo Tratado, respeitando o princípio de subsidiariedade, sob pena de retardar e travar o desenvolvimento dos direitos dos consumidores em cada Estado-Membro.

4.5.   Base jurídica

4.5.1.   Do mesmo modo, o CESE questiona a base jurídica apresentada para a directiva, ou seja o artigo 95.o e não o artigo 153.o.

4.5.2.   O CESE pronunciou-se repetidas vezes pela utilização do artigo 153.o do Tratado como base jurídica nas propostas legislativas respeitantes à protecção dos consumidores em vez do artigo 95.o TCE, que é uma norma relativa ao mercado interno. Não obstante, a Comissão utiliza em todas as suas últimas propostas o artigo 95.o do TCE, considerando-o apropriado pelo facto de a proposta de directiva versar sobre matéria do mercado interno.

5.   Observações na especialidade

5.1.   O texto da proposta apresenta-se globalmente complexo, com uso excessivo de remissões (ver, por ex., art. 3.o, n.os 2 e 4; art. 6.o, n.o 9, alínea a); art. 10.o; art. 21.o, n.os 1 e 3; art. 28.o; art. 32.o, n.o 2 e art. 35.o) que dificultam a sua percepção e leitura, recorrendo com frequência a expressões vagas ou indeterminadas que dificultarão a transposição. Acresce que a sistematização nem sempre é compreensível (ver art. 45.o sobre venda forçada e Capítulo VI – Disposições na generalidade). Se persistirem estas incertezas na directiva, será necessário introduzir uma disposição tanto na directiva como na legislação dos Estados-Membros segundo a qual, em caso de litígio devido a interpretações contraditórias, se decida a favor do consumidor enquanto parte mais fraca.

5.2.   Além disso, são praticamente omitidas as normas processuais e sancionadoras, que sendo uma consequência lógica de uma harmonização máxima, continuam a ser remetidas para os Estados-Membros (ver considerando 58 e art. 42.o). Este aspecto é susceptível de gerar incoerências significativas na harmonização. A título de exemplo, referem-se os casos: (i) requisitos de informação (art. 5.o), nos termos do qual os Estados-Membros devem estabelecer o regime de sanções aplicáveis à violação das disposições nacionais, mas através de um fórmula estranha «no âmbito do direito dos contratos», sem explicitar se a fixação de sanções de carácter administrativo ou penal será considerada ou não como violação da directiva; (ii) as consequências de classificação de uma cláusula contratual como abusiva, já que apenas se diz que estas não vinculam o consumidor, deixando aos Estados-Membros a liberdade de utilizar qualquer conceito do direito nacional dos contratos que cumpra os objectivos (ver considerando 54 e art. 37.o) e o regime do direito de retractação.

5.3.   A retractação dos ordenamentos jurídicos nacionais. Este direito, que parece derrogar ao pacta sunt servanda do direito das obrigações, tem natureza jurídica diferente consoante os Estados-Membros, indo da retractação unilateral à resolução e à rescisão que têm efeitos jurídicos diferentes. A Comissão deveria reflectir sobre isto e propor um regime que atenda a este aspecto contratual.

5.4.   Definições e âmbito de aplicação

O CESE considera que a Comissão deverá explicitar se as definições que a proposta contém admitem ou não ulterior desenvolvimento por parte dos Estados-Membros.

5.4.1.   Consumidor (art. 2.o, n.o 1). A definição proposta, que se inscreve na linha da maioria dos textos comunitários, não toma posição quanto à possível extensão do conceito quando a pessoa singular age com fins mistos (12), conceito reconhecido em muitos Estados-Membros (13), ou a determinadas pessoas colectivas. Esta definição estrita de consumidor, interpretada de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e da Directiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais, conjuntamente com a norma do art. 4.o – que proíbe disposições mais rigorosas que tenham por objecto garantir um nível diferente de defesa dos consumidores – impede que se protejam os consumidores vulneráveis, uma categoria de pessoas susceptíveis de celebrar contratos abrangidos pela presente proposta. Cabe assinalar que a própria Directiva 2005/29/CE reconhece (art. 5.o, n.o 3) a existência de consumidores vulneráveis que, também na presente proposta, deveriam ser objecto de uma excepção.

5.4.2.   Comerciante (art. 2.o, n.o 2). A proposta não clarifica a situação das organizações sem fins lucrativos nem dos organismos públicos quando actuam fora do exercício das suas prerrogativas de autoridade pública (iure imperium).

5.4.3.   Bem e produto (art. 2.o, n.o 4 e n.o 12.o). Não se compreende e gera confusão a existência de duas definições diferentes para bem e produto (esta última idêntica à da Directiva 2005/29/CE). Em particular, o caso da electricidade que passará a ser um bem ou um serviço consoante seja causa de responsabilidade extracontratual ou contratual, o que naturalmente não contribui para a coerência do direito comunitário. Excluir a electricidade da directiva é contraditório, pois em muitos Estados-Membros esta directiva aplica-se a acumuladores de electricidade, tais como pilhas ou baterias eléctricas.

5.4.4.   Contratos à distância (art. 2.o, n.o 6). Esta definição, por ser mais vasta do que a que consta da actual directiva sobre vendas à distância, causa problemas. A nova definição requer que se faça um uso exclusivo da comunicação à distância «para a celebração do contrato», pelo que, desta maneira, muitos contratos que não eram contratos à distância passam a sê-lo. Dois exemplos: num primeiro exemplo, o consumidor X entra numa loja e fala de uma possível compra, regressa a casa e, então, confirma a compra por telefone. Não fica claro se é necessário alargar a definição para contemplar este exemplo. No segundo exemplo, o consumidor Y recebe em casa a visita de um vendedor e, durante a visita, faz ao vendedor uma oferta de compra. Faz a oferta verbalmente ou preenchendo uma nota de encomenda. Mais tarde o vendedor comunica ao consumidor, por telefone ou por correio, que aceita a oferta. No segundo exemplo, o contrato parece ser tanto um contrato à distância como um contrato celebrado fora do estabelecimento. Qual dos dois é? O prazo de retractação é de catorze dias a contar da data da celebração do contrato (fora do estabelecimento ou catorze dias a partir da data de execução (contrato à distância)? As definições de «contrato à distância» e «contrato fora do estabelecimento» não se podem sobrepor.

5.4.5.   Estabelecimento comercial (art. 2.o, n.o 9). Trata-se de outra definição cujo alcance real parece pouco perceptível. A interpretação desta definição à luz do considerando 15 suscita uma dúvida, ou seja, as vendas realizadas a bordo de um avião ou de um navio deverão ser consideradas vendas celebradas no estabelecimento comercial ou fora dele?

5.4.6.   Garantia comercial. A proposta retoma do Livro Verde sobre garantias e serviços pós-venda a terminologia «garantia comercial» (ver art. 2.o, n.o 18), mas sem que exista aqui uma dicotomia em relação à garantia legal, a única abrangida pela Directiva 99/44/CE (ver art. 1.o, n.o 2, alínea e). A substituição pode confundir os consumidores sobre o alcance real de um ou de outro tipo de garantia. Deverá esclarecer-se que, em todo o caso, a garantia comercial se baseia no requisito do carácter facultativo para o comerciante, ao passo que a garantia legal é imperativa.

5.4.7.   Intermediário. Tanto a definição de intermediário (art. 2.o, n.o 19) como os requisitos especiais de informação aplicáveis (art. 7.o) são pouco compreensíveis. Com efeito, ou se trata de uma actividade profissional, ficando portanto abrangida pela directiva, ou não e, sendo assim, não há necessidade de regulamentação. Por isso, o CESE sugere uma clarificação.

5.4.8.   Informação do consumidor (art. 5.o). Os requisitos gerais de informação prévia à celebração do contrato deixam aberta a possibilidade de não se prestarem informações (1. «Antes da celebração de qualquer contrato de venda ou de prestação de serviços, o comerciante deve fornecer ao consumidor a seguinte informação, se esta não decorrer do contexto»). O CESE considera que a redacção desta definição suscita muitas dúvidas, provoca grande incerteza e portanto discorda dela.

5.4.9.   No plano do direito internacional privado, também não fica claro que a lei aplicável é o Regulamento «Roma I» (como sugere o n.o 3 do artigo 5.o) ou, em caso de incumprimento da obrigação de informação, o artigo 12.o do Regulamento «Roma II» (considerando 30 do Regulamento «Roma II»).

5.4.10.   Prever (art. 6.o, n.o 2) que as consequências relativas ao incumprimento do dever de informação são as previstas pela legislação nacional aplicável não parece razoável, dará origem a soluções divergentes e, por isso, há que harmonizar.

5.4.11.   Leilões. É preciso clarificar que os leilões forçados realizados pelos poderes públicos ficam de qualquer modo excluídos do âmbito de aplicação da proposta, a qual abrange os conceitos de «leilão» e «hasta pública» quando realizados voluntariamente pelo comerciante.

5.5.   Contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais e contratos à distância

A Directiva 85/577/CEE, uma das primeiras iniciativas legislativas europeias em matéria de defesa do consumidor, revela um reduzido nível de distorções nas transposições nacionais, centradas no uso das opções de exclusão de determinados tipos de contratos (abaixo de determinado valor ou tipo de bem) ou na extensão da protecção aos consumidores possibilitada pela cláusula de harmonização mínima (ver art. 8.o), pelo que a harmonização máxima geralmente prevista não é problemática, antes se revela equilibrada e positiva. A Directiva 85/577/CEE só se aplica quando a visita do comerciante a casa ou ao local de trabalho do consumidor não haja sido solicitada. A proposta de alargar o âmbito de controlo para abranger as visitas solicitadas é aceitável, sempre e quando se alarguem as excepções previstas no n.o 2 do art. 19.o. Nos contratos não abrangidos pelo direito de retractação (como no caso dos contratos à distância) deveriam figurar:

a)

os serviços cuja execução haja começado, com consentimento prévio expresso pelo consumidor, antes do termo do período de retractação, e

b)

o fornecimento de bens confeccionados, de acordo com as especificações do consumidor ou claramente personalizados, ou que possam deteriorar-se ou perecer rapidamente.

5.5.1.1.   Se a primeira destas excepções não for contemplada pelo n.o 2 do artigo 19.o, os prestadores de serviços podem pedir aos consumidores que desejem a realização de um trabalho rápido (por exemplo, pequenas obras na cozinha ou um corte de cabelo em casa) que esperem pelo menos catorze dias. Se a segunda não for contemplada, um comerciante que produza bens à medida (por exemplo instalação de uma cozinha ou confecção de roupa) pode recusar-se a iniciar o trabalho antes do termo do prazo de catorze dias. Ao invés, o consumidor pode desistir do contrato, deixando o comerciante com mercadorias invendáveis.

5.5.2.   No que respeita aos contratos à distância, ainda que uma análise comparativa (14) não tenha revelado grandes divergências na transposição da Directiva 1997/7/CE, constata-se também aqui que os Estados-Membros fizeram uso das opções e da cláusula mínima para instaurar regimes mais favoráveis ao consumidor. Seria positivo prever modalidades de defesa dos consumidores nas vendas à distância com países terceiros.

5.5.3.   Podem distinguir-se, contudo, as potenciais barreiras no mercado interno causadas pelas diferentes listas de isenções ou pelos diferentes requisitos de informação impostos aos profissionais.

5.5.4.   O CESE admite a existência de uma margem de aperfeiçoamento no que respeita ao leque de derrogações, como a inclusão de bens (ou serviços) com valor reduzido (15) ou susceptíveis de serem incluídos por razões de saúde, higiene ou segurança. É especialmente o caso da segurança alimentar (n.o 1, alínea d) do art. 20.o) no qual se deveria fazer uma remissão expressa para o art. 2.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002 (16). No que respeita a derrogação para os bens (e serviços) com valor reduzido, há margem para aumentar significativamente o valor de 60 euros (na Directiva 85/577/CEE).

5.5.5.   Relativamente ao direito de retractação para estes contratos, para o qual a proposta prevê um prazo uniformizado de catorze dias, o CESE considera positiva a clarificação quanto ao cálculo dos prazos. No entanto, como já se referiu, deveria harmonizar-se o conceito e os efeitos deste direito.

5.5.6.   O CESE questiona igualmente a conveniência da regra de responsabilidade do consumidor prevista no n.o 2 do art. 17.o (o consumidor só é responsável pela depreciação dos bens que decorra de uma manipulação que exceda o necessário para verificar a natureza e o funcionamento dos bens), pois entende que a mesma vai originar dúvidas e que os consumidores poderão ver-se confrontados com problemas de ónus da prova.

5.5.7.   Sem prejuízo da necessária melhoria das regras agora propostas, o CESE (17) considera interessante que a harmonização total proposta se cingisse a estas duas directivas, regulamentando os métodos de venda que têm maior potencial na óptica do comércio transfronteiriço.

6.   Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores

Esta questão, actualmente regulada pela Directiva 1993/13/CEE, está concentrada no Capítulo V e anexos II e III, se bem que o CESE considere, de acordo com os estudos da Comissão, que esta matéria não devesse ser tratada na proposta em apreço e, por isso, devesse ser excluída do seu âmbito de aplicação, porquanto na situação actual do direito comunitário, uma harmonização completa na matéria provocará seguramente disfuncionamentos nos ordenamentos jurídicos nacionais dos vários Estados-Membros.

No entanto, se a Comissão não retirar dos contratos celebrados com os consumidores toda a regulamentação sobre cláusulas abusivas, o CESE faz questão de formular as observações que se seguem.

6.1.1.1.   Trata-se, como é sabido, de disposições essenciais do direito dos contratos que, antes da adopção da directiva, estão em parte regulamentadas pelos Estados-Membros.

6.1.1.2.   A análise comparativa da transposição desta directiva mostra que, na sua grande maioria, os Estados-Membros recorreram à cláusula de harmonização mínima (art. 8.), dispondo hoje em dia de regimes mais favoráveis do que os previstos na directiva, sendo esta, precisamente, uma área em que o estado actual de desenvolvimento desaconselha uma harmonização plena (14).

6.1.1.3.   Seria, portanto, de esperar que a proposta apresentada, e que tem por objecto revogar a directiva em vigor, não só igualasse os níveis mais elevados de transposição, mas também clarificasse os diversos pontos ambíguos que dividem a doutrina e a jurisprudência.

6.1.1.4.   É o caso da relação entre o princípio de boa fé e o critério de desequilíbrio das prestações, que aparece claramente no n.o 1 do art. 3.o da actual directiva e mantido praticamente inalterado no n.o 1 do art. 32.o da proposta, no que diz respeito às consequências do incumprimento dos requisitos de transparência definidos no art. 31.o da proposta.

6.1.1.5.   Relativamente ao âmbito de aplicação note-se a introdução de uma restrição em detrimento dos consumidores. Com efeito, enquanto a presente proposta cobre exclusivamente as cláusulas que figuram nos contratos escritos (pré-redigidas, segundo os termos do n.o 1 do art. 30.o), ficando os Estados-Membros obrigados a abster-se de impor requisitos de apresentação sobre a forma como as cláusulas contratuais devem ser expressas ou disponibilizadas ao consumidor, a actual directiva aplica-se igualmente aos contratos verbais (ver art. 5.o da Directiva 93/13/CEE), como é também o caso em alguns Estados-Membros.

6.1.1.6.   Na realidade, o CESE considera que a manutenção do regime actual e a institucionalização de um Comité e de um sistema de registo das cláusulas consideradas abusivas pelas autoridades nacionais são um passo em frente suficiente em matéria de informação sobre as cláusulas abusivas e de grande utilidade tanto para os profissionais, pela consequente redução dos custos de conformidade, como para os consumidores e para quem tem de aplicar o direito.

6.1.1.7.   A matéria das cláusulas abusivas nos contratos aplica-se a todos os contratos celebrados com os consumidores e também, em muitos casos, aos contratos entre profissionais. O CESE considera que a proposta da Comissão terá, neste ponto, consequências negativas em todos os Estados-Membros muito significativas a nível do direito contratual, em geral, e da protecção dos consumidores, em particular.

7.   Alguns aspectos da venda de bens de consumo e das respectivas garantias

7.1.   O CESE considera imprudente a inclusão desta matéria na directiva e solicita que seja retirada da proposta, porque não acrescenta nada a esta intervenção comunitária, nem proporciona um elevado nível de protecção aos consumidores.

7.2.   A Directiva 1999/44/CE permitiu que os Estados-Membros adoptassem medidas de maior protecção dos consumidores, o que levou a divergências entre as legislações nacionais.

7.3.   Neste caso, observa-se a inexistência de qualquer tipo de tendência significativa (18) na transposição, porque todos os Estados-Membros, sem excepção, possuíam já uma regulamentação prévia aplicável aos aspectos dos contratos de compra e venda de bens de consumo regidos pela directiva.

7.4.   Ao tratar a transferência de risco (art. 23.o) a proposta tenta sanar as divergências no que diz respeito ao conceito de entrega e dispõe, por conseguinte, que o profissional passa a responder perante o consumidor a partir do momento em que ocorre a transferência do risco (art. 25.o), o que poderá constituir uma melhoria e um progresso na clarificação.

7.5.   A fixação de um prazo geral de entrega parece incoerente, salvo para determinados tipos de vendas (fora do estabelecimento comercial ou venda à distância), pois é desproporcionada a obrigação, prevista no artigo 22.o da proposta, de o comerciante entregar a mercadoria no prazo máximo de trinta dias a contar da data de celebração do contrato.

7.6.   No entanto, ao ter-se suprimido a possibilidade de os Estados-Membros estabelecerem um prazo de presunção em conformidade com o previsto na actual directiva e fixando agora um prazo único de seis meses, a proposta reduz os direitos dos consumidores, visto que a eles caberá provar a existência dos defeitos que surjam posteriormente.

7.7.   De igual modo, relativamente ao prazo e ao ónus da prova em caso de não conformidade, adoptar como regra o carácter obrigatório da denúncia equivalerá, na prática, a reduzir o prazo de garantia ao prazo para apresentação da queixa em todos os Estados-Membros que não tiverem optado por este mecanismo, como se depreende do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 28.o.

8.   Lacunas processuais

8.1.   A proposta contém no seu articulado uma série de requisitos de carácter processual, tais como o ónus da prova ou a legitimação activa, que deveriam ser definidos com mais precisão para que haja mais coerência na regulamentação processual. Falta uma regulamentação sobre a possibilidade de adoptar medidas cautelares que prevejam ao mesmo tempo uma acção suspensiva e medidas de reparação ou a publicação das sentenças.

8.2.   Quanto às acções colectivas, o CESE remete para o que recentemente afirmou a este propósito (19).

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 241 de 7.10.2002.

(2)  JO C 256 de 27.10.2007.

(3)  JO C 175 de 27.7.2007 e JO C 44 de 16.2.2008.

(4)  Ver nota de pé-de-página n.o 2.

(5)  O processo de revisão está descrito na comunicação O direito europeu dos contratos e a revisão do acervo: o caminho a seguir, COM(2004) 651 final, JO C 14 de 20.1.2005.

(6)  Trabalho preparatório para avaliar o impacto da revisão do acervo de consumo/Relatório Analítico GP, de 6.11.2007, elaborado por GHK/CIVIC Consulting/Bureau Van Dijk, disponível no sítio web da Comissão Europeia.

(7)  Ver COM(2007) 447 final de 25.7.2007, Segundo relatório de progresso sobre o Quadro Comum de Referência; Resolução do Parlamento Europeu de 3 de Setembro de 2008 sobre o Quadro Comum de Referência em matéria de direito europeu dos contratos; Resolução do Conselho 2863 de 18 de Abril de 2008, p. 18.

(8)  Ver Eurobarómetro especial n.o 298 (sobre protecção dos consumidores no mercado interno – 2008), Flash Eurobarómetro n.o 224 (sobre a atitude das empresas em relação às vendas transfronteira e à protecção dos consumidores – 2008); Flash Eurobarómetro n.o 250 (sobre a confiança na sociedade da informação – Maio 2009) e o relatório sobre o comércio electrónico transfronteira na UE (SEC (2009) 283 final de 5.3.2009).

(9)  Como ficou provado no acórdão do TJCE de 23 de Abril de 2009 (processos apensos C-261/07 e C-299/07).

(10)  Exemplo: criação de um serviço de protecção do consumidor, que só em 1989 ganhou autonomia em relação a outras matérias ou de um comité consultivo dos consumidores.

(11)  Competência partilhada na Constituição Europeia, como no art. 169.o do Tratado de Lisboa, ver JO C 115/51 de 9.5.2008.

(12)  Consumidor é uma pessoa singular que age por motivos que não estão relacionados com a sua actividade profissional. Ver projecto de quadro comum de referência (PQCR), Dezembro de 2008.

(13)  Áustria, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Finlândia, Suécia, Espanha e Portugal alargaram o conceito de consumidor.

(14)  Ver Colectânea de Direito do Consumo – Análise comparativa editada por Hans SCHULTE-NOLKE em colaboração com Christian TWINGG-FLESNER e Martin EBERS, Fevereiro de 2008, elaborada para a Comissão Europeia no âmbito do contrato de prestação de serviços n.o 17.020100/04/389299: «Compendium annoté comprenant une analyse comparative de l'acquis communautaire relatif à la consommation.»

(15)  Ver n.o 1 do art. 3.o da Directiva 85/577/CE, opção que foi escolhida por 18 Estados-Membros.

(16)  Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31 de 1.2.2002, p. 1).

(17)  JO C 175 de 27.7.2007 e JO C 162 de 25.6.2008.

(18)  Ver. Colectânea de Direito do Consumo – Análise comparativa editada por Hans SCHULTE-NOLKE em colaboração com Christian TWINGG-FLESNER e Martin EBERS, Fevereiro de 2008, elaborada para a Comissão Europeia no âmbito do contrato de prestação de serviços n.o 17.020100/04/389299: «Compendium annoté comprenant une analyse comparative de l'acquis communautaire relatif à la consommation.»

(19)  JO C 162 de 25.6.2008.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/62


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 2001/83/CE para impedir a introdução, na cadeia de abastecimento legal, de medicamentos falsificados no que diz respeito à sua identidade, história ou origem

[COM(2008) 668 final – 2008/0261 (COD)]

(2009/C 317/10)

Relator: Peter MORGAN

Em 12 de Fevereiro de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 2001/83/CE para impedir a introdução, na cadeia de abastecimento legal, de medicamentos falsificados no que diz respeito à sua identidade, história ou origem

COM(2008) 668 final – 2008/0261 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 22 de Junho de 2009, sendo relator Peter Morgan.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 150 votos a favor e 2 votos contra, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE acolhe favoravelmente a iniciativa da Comissão. A saúde pública é uma questão fundamental para todos os membros do Comité. Contudo, o Comité está consciente de que a proposta de directiva não será, por si só, uma solução eficaz e deve ser encarada como parte de um esforço em várias frentes abrangendo o direito penal, a fiscalização do cumprimento da lei, a protecção dos direitos de propriedade intelectual (DPI), os controlos alfandegários e a cooperação internacional. O Comité exorta os Estados-Membros a reforçarem os mecanismos de imposição da legislação.

1.2.   Importa envidar mais esforços no sentido de harmonizar as designações e as marcas dos medicamentos na UE, bem como o acondicionamento e os códigos de identificação dos medicamentos em toda a União. Há pelo menos dez sistemas de codificação na UE e nenhum deles dá a devida atenção a questões de segurança como o número de lote, a data de fabrico e o prazo de validade. Deve ser introduzida uma norma europeia harmonizada de identificação dos medicamentos que garanta a rastreabilidade em toda a cadeia de distribuição, até ao consumidor final. A harmonização fará progredir o mercado interno ao facilitar a livre circulação segura dos produtos farmacêuticos na UE. Também permitirá autenticar mais rapidamente medicamentos directamente junto dos fabricantes a todo o momento e em qualquer lugar, pelo menos, numa primeira fase, no mercado interno da UE. O que em última análise poderá conduzir a uma iniciativa global.

1.3.   A tecnologia pode proporcionar enormes progressos em termos de códigos, de identificação e de autenticação dos medicamentos. A autenticação e a rastreabilidade são os aspectos centrais. Estas soluções só devem ser utilizadas para os objectivos a que se destinam, privilegiando as verificações directas (sem intermediários) nos registos de referência autenticados dos fabricantes, que são os únicos capacitados a garantir a autenticidade da produção. Há vários sistemas de identificação, nomeadamente por frequência rádio (RFID) e os códigos de barras bidimensionais (DataMatrix). Na Bélgica é utilizado um sistema de registo individual dos acondicionamentos, por código sequencial e código de barras unidimensional, instaurado pelo regime de seguros de doença, a fim de prevenir a fragmentação no regime de um mesmo acondicionamento no âmbito do sistema de pré-pagamento. Contudo, este sistema belga não prevê nem um número de lote nem um prazo de validade. A evolução deste código de barras único (CBU) belga para uma rotulagem DataMatrix permitiria colmatar algumas das lacunas ainda existentes no que diz respeito à rastreabilidade e à autentificação, conforme exigido pelo código comunitário sobre os medicamentos. Embora estas possibilidades técnicas sejam perfeitamente e rapidamente aplicáveis a um custo marginal, a Comissão considera, paradoxalmente, que é demasiado cedo para decidir que código de identificação adoptar e que são necessários mais testes. Porém, quanto mais se adiar a introdução do código de identificação, mais confusa e fragmentária se tornará a situação. Por isso, o CESE propõe a criação de um grupo de trabalho sobre os códigos de identificação, a fim de avaliar a introdução dos processos normalizados existentes, pelo menos, numa primeira fase, no mercado interno da UE. O que em última análise poderá constituir uma oportunidade para assumir a liderança a nível mundial.

1.4.   A ênfase na cadeia de abastecimento legal não basta. Se o problema da venda pela Internet não for resolvido, a saúde pública ficará exposta a riscos cada vez maiores. Há igualmente uma dimensão social a ter em conta, já que os medicamentos ilegais mais baratos vendidos pela Internet podem criar um sistema de saúde a dois níveis. O Comité insta a Comissão a intervir neste domínio.

1.5.   O CESE apela a uma persecução implacável de todos os intervenientes que permitam a introdução na cadeia de abastecimento legal de medicamentos falsificados. As penas devem ser severas, indo de multas à confiscação da empresa prevaricadora. A Comissão deveria emitir orientações a esse respeito para os Estados-Membros.

1.6.   A amplitude e as fontes da contrafacção parecem não ser ainda bem conhecidas. A proposta de directiva deveria incluir medidas destinadas a colmatar essa lacuna nos sistemas de vigilância e supervisão.

1.7.   Tal como a OMS, o CESE preferiria que a directiva falasse de «medicamentos de contrafacção» em vez de «medicamentos falsificados».

1.8.   A complexidade do texto, tantas vezes modificado, torna-o difícil de compreender. O CESE recomenda a publicação do original da parte em questão do texto de base, acompanhado das alterações, para tornar mais acessível a parte especificamente relativa à contrafacção.

2.   Introdução

2.1.   Em Novembro de 2001, a UE apresentou a Directiva 2001/83/CE, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano. Trata-se de um compêndio enciclopédico, que abrange todos os aspectos da matéria. A directiva foi entretanto modificada por um regulamento e cinco novas directivas e tem actualmente 70 páginas, com 130 artigos. Os anexos ocupam mais 44 páginas.

2.2.   O presente parecer diz respeito a outra proposta de directiva de alteração, que visa a introdução na cadeia de abastecimento legal de medicamentos falsificados no que se refere à sua identidade, história ou origem. A directiva em apreço é uma de três novas directivas, propostas em simultâneo para regulamentar diferentes aspectos do código comunitário. No entender do CESE, teria sido melhor, pelo menos para a directiva em apreço, apresentar uma versão da parte em causa da directiva de base, juntamente com as alterações propostas, a fim de proporcionar às partes interessadas um texto sucinto, integrado, coeso e pertinente. O texto actual é complexo e difícil de compreender.

2.3.   Os medicamentos de contrafacção são deliberada e fraudulentamente mal etiquetados no que diz respeito à sua identidade ou origem. A sua qualidade é pouco segura, uma vez que podem não conter quaisquer princípios activos, ou os princípios activos errados ou em doses incorrectas. Em qualquer dos casos, os medicamentos de contrafacção são produzidos em laboratórios clandestinos, sem qualquer controlo.

2.4.   Os medicamentos de contrafacção representam um enorme risco para a saúde pública, violam a legislação comunitária na matéria e prejudicam a indústria farmacêutica da UE. O número de falsificações de medicamentos inovadores e susceptíveis de salvar vidas está a aumentar. Além disso, para aumentar o volume de vendas, esses produtos são postos à disposição do paciente através da cadeia de abastecimento legal.

2.5.   Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a escala do problema varia segundo as regiões:

menos de 1 % na maior parte dos países industrializados e na maior parte da UE;

mais de 20 % em grande parte da ex-União Soviética;

mais de 30 % em partes da Ásia, da África e da América Latina;

mais de 50 % nos sítios de venda ilegais na Internet.

No que toca à Internet, a Comissão afirma que o combate às cadeias de abastecimento ilegais deve ser encarado como um problema distinto, com causas subjacentes diferentes para as quais há que adoptar objectivos e medidas específicos. Esse problema não é referido na directiva em apreço.

2.6.   Segundo a Comissão, as causas subjacentes ao facto de os medicamentos falsificados continuarem a não ser detectados na cadeia de abastecimento legal são múltiplas, mas podem ser sintetizadas nos quatro aspectos seguintes:

Os medicamentos falsificados nem sempre podem ser facilmente distinguidos dos originais devido a problemas de rastreabilidade e identificação;

A cadeia de distribuição tornou-se muito complexa e é apenas «tão forte como o seu elo mais fraco»;

Subsiste insegurança do ponto de vista jurídico quanto ao regime aplicável aos produtos introduzidos na UE, embora, alegadamente, não introduzidos no mercado; e

Mesmo os princípios farmacêuticos activos (API) que são utilizados no processo de fabrico podem ser falsificações dos API originais.

3.   Síntese da proposta de directiva

3.1.   O objectivo da directiva original (2001/83/CE), assim como da proposta de directiva em apreço, é criar um mercado interno viável para os medicamentos na UE e garantir, ao mesmo tempo, um nível elevado de protecção da saúde pública. As principais disposições da proposta de directiva são descritas nos pontos que se seguem. As referências são as alíneas do artigo 1.o da proposta.

Rastreabilidade e identificação

3.2.   Auditorias dos fabricantes de API. (4)

3.3.   Uma base jurídica para a Comissão tornar obrigatórios dispositivos de segurança específicos (tais como o código de identificação ou os selos inamovíveis) nas embalagens de medicamentos sujeitos a receita médica, a fim de possibilitar a identificação, a autenticação e o rastreio desses medicamentos. (6), (8), (9)

3.4.   Proibição, por princípio, de qualquer manipulação (ou seja, remover, modificar abusivamente ou voltar a rotular) dos dispositivos de segurança afixados na embalagem por parte de quaisquer operadores económicos que medeiem entre o fabricante original (normalmente, o titular da marca) e o último interveniente na cadeia de distribuição (habitualmente, o farmacêutico) ou o utilizador final (médico/paciente). Qualquer interveniente da cadeia de distribuição que embale medicamentos terá que dispor de uma autorização de fabrico e será responsável por todos os danos provocados pelos produtos falsificados. (9), (10)

A cadeia de distribuição

3.5.   Certas obrigações para os participantes que não os distribuidores por grosso envolvidos na cadeia de distribuição. Alguns operadores tradicionais, como os corretores ou os leiloeiros, podem estar envolvidos sem manusearem de facto os produtos. (1), (14)

3.6.   Boas práticas complementares de distribuição. (13)

3.7.   Os distribuidores por grosso continuarão a ter que requerer uma autorização. (12), (13), (14)

3.8.   Inspecções obrigatórias aos distribuidores por grosso de medicamentos, para assegurar a fiabilidade dos seus parceiros comerciais. (15)

Insegurança jurídica

3.9.   Supressão da insegurança jurídica relativa à importação de medicamentos para reexportação. (2), (7)

Contrafacção de API originais

3.10.   Verificação pelos fabricantes de que os fornecedores das API cumprem as boas práticas de fabrico. (3), (5), (7)

3.11.   Requisitos reforçados aplicáveis às importações de substâncias farmacêuticas activas de países terceiros, caso não seja possível determinar que o quadro jurídico do país terceiro em causa garante um nível de protecção suficiente da saúde humana relativamente aos produtos exportados para a UE. (4), (16)

Disposições gerais

3.12.   Reforço das normas aplicáveis às inspecções, incluindo maior transparência dos resultados da inspecção através da sua publicação na base de dados da EudraGMP. (12), (15)

3.13.   A supervisão e a aplicação de sanções serão da responsabilidade das autoridades competentes dos Estados-Membros. A Comissão emitirá novas orientações a esse respeito. (16), (17)

4.   Pontos de vista do CESE

4.1.   O CESE acolhe favoravelmente esta iniciativa da Comissão. A saúde pública é uma questão fundamental para o Comité.

4.2.   O Comité recorda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) descreve os medicamentos «falsificados» como medicamentos «de contrafacção». Seria de recomendar que a Comissão usasse a mesma terminologia. «Contrafacção» transmite mais eficazmente a ideia de crime. Segundo a OMS, a contrafacção de medicamentos, desde o fabrico até à venda aos pacientes, constitui um crime hediondo e grave que põe em risco a vida humana e põe em causa a credibilidade dos sistemas de saúde (1).

4.3.   Impedir a introdução na cadeia de distribuição legal de medicamentos de contrafacção exige a colaboração entre parceiros económicos fiáveis e honestos. Para melhorar essa colaboração, a certificação de todos os intervenientes na cadeia deveria tornar-se obrigatória, e os dados deveriam ser publicados numa base de dados acessível a todos.

Rastreabilidade e identificação

4.4.   O CESE considera que a Comissão está a subestimar o problema da rastreabilidade e da identificação. Na ausência de um código de identificação harmonizado os medicamentos falsificados nunca poderão ser facilmente distinguidos dos originais, o que conduz a problemas de rastreabilidade.

4.5.   Importa envidar mais esforços no sentido de harmonizar as designações e as marcas dos medicamentos na UE, bem como o acondicionamento e os códigos de identificação dos medicamentos em toda a União. Há pelo menos dez sistemas de codificação na UE e nenhum deles dá a devida atenção a questões de segurança como o número de lote, a data de fabrico e o prazo de validade. Deve ser introduzida uma norma europeia harmonizada de identificação dos medicamentos que garanta a rastreabilidade em toda a cadeia de distribuição, até ao consumidor final. A harmonização fará progredir o mercado interno ao facilitar a livre circulação segura dos produtos farmacêuticos na UE. Também permitirá autenticar mais rapidamente medicamentos directamente junto dos fabricantes a todo o momento e em qualquer lugar, pelo menos, numa primeira fase, no mercado interno da UE. O que em última análise poderá conduzir a uma iniciativa global.

4.6.   O CESE entende que uma forma de combater a fraude seria tornar mais facilmente identificáveis as embalagens autênticas. O CESE recomenda que a Comissão tome a iniciativa de lançar uma base de dados visual das embalagens dos medicamentos.

4.7.   O texto do ponto 3.4 parece ignorar os distribuidores paralelos. Seria mais claro proibir a manipulação dos dispositivos de segurança nas embalagens por qualquer interveniente que possua uma autorização de fabrico. Os distribuidores paralelos têm que embalar novamente os medicamentos, pelo que não devem poder manipular os dispositivos de segurança de uma forma que possa romper a cadeia de rastreabilidade.

4.8.   A tecnologia pode proporcionar enormes progressos em termos de códigos, de identificação e de autenticação dos medicamentos. A autenticação e a rastreabilidade são os aspectos centrais. Estas soluções só devem ser utilizadas para os objectivos a que se destinam, privilegiando as verificações directas (sem intermediários) nos registos de referência autenticados dos fabricantes, que são os únicos capacitados a garantir a autenticidade da produção. Há vários sistemas de identificação, nomeadamente por frequência rádio (RFID) e os códigos de barras bidimensionais (DataMatrix). Na Bélgica é utilizado um sistema de registo individual dos acondicionamentos, por código sequencial e código de barras unidimensional, instaurado pelo regime de seguros de doença, a fim de prevenir a fragmentação no regime de um mesmo acondicionamento no âmbito do sistema de pré-pagamento. Contudo, este sistema belga não prevê nem um número de lote nem um prazo de validade. A evolução deste código de barras único (CBU) belga para uma rotulagem DataMatrix permitiria colmatar algumas das lacunas ainda existentes no que diz respeito à rastreabilidade e à autentificação, conforme exigido pelo código comunitário sobre os medicamentos. Embora estas possibilidades técnicas sejam perfeitamente e rapidamente aplicáveis a um custo marginal, a Comissão considera, paradoxalmente, que é demasiado cedo para decidir que código de identificação adoptar e que são necessários mais testes. Porém, quanto mais se adiar a introdução do código de identificação, mais confusa e fragmentária se tornará a situação. Por isso, o CESE propõe a criação de um grupo de trabalho sobre os códigos de identificação, a fim de avaliar a introdução dos processos normalizados existentes, pelo menos, numa primeira fase, no mercado interno da UE. O que em última análise poderá constituir uma oportunidade para assumir a liderança a nível mundial.

A cadeia de distribuição

4.9.   Uma vez embalado o medicamento, deve ser considerado um crime reembalá-lo sem a autorização necessária. As embalagens falsas permitem introduzir na cadeia de distribuição legal medicamentos de contrafacção. A embalagem dos medicamentos vendidos por farmácias legais na Internet deve ser objecto de inspecção.

4.10.   O CESE constata que a directiva prevê pesadas multas para a introdução de medicamentos de contrafacção na cadeia de distribuição. No entender do CESE, essas multas devem ser extremamente pesadas, e as empresas prevaricadoras devem ser encerradas.

Insegurança jurídica

4.11.   O CESE reconhece que a proposta de directiva elimina a insegurança jurídica em matéria de importações para reexportação.

Contrafacção de API originais

4.12.   Como afirmado acima, as empresas envolvidas na contrafacção devem ser encerradas.

A cadeia de abastecimento ilegal

4.13.   A introdução de medicamentos de contrafacção através da cadeia de distribuição ilegal não é analisada na directiva em apreço. Contudo, trata-se de um risco grave para a saúde pública, especialmente no caso dos medicamentos vendidos pela Internet. As estatísticas da OMS foram reproduzidas no ponto 2.5. No Reino Unido foi recentemente noticiado que um quarto dos médicos tinha tratado pacientes devido aos efeitos secundários dos medicamentos comprados na Internet. Outros 8 % disseram poder tê-lo feito, mas não tinham a certeza. Uma recente comunicação (2) da Comissão faz referência a um relatório sobre as actividades aduaneiras comunitárias em matéria de contrafacção e pirataria em 2007. Os medicamentos confiscados pelas autoridades aduaneiras aumentaram 628 % entre 2005 e 2007. Incluem não só os produtos destinados a melhorar o estilo de vida, mas também medicamentos para tratamento de doenças mortais.

4.14.   Há que dar mais atenção à Internet. As farmácias em linha só devem ser consideradas legítimas se estiverem registadas e convencionadas em cada Estado-Membro, e o registo deve poder ser consultado numa base de dados acessível ao público como é já o caso das farmácias tradicionais. Apesar da necessidade flagrante de mais cooperação europeia e internacional neste domínio, é cada país que define as suas próprias regras quanto à Internet. Além disso, o comércio a retalho não é da competência da UE, pelo que há poucas possibilidades de intervenção comunitária; estas deveriam ser alargadas neste domínio como já é o caso dos vendedores por grosso e a retalho.

4.15.   As razões que levam os pacientes a procurar medicamentos na Internet em vez de junto dos seus médicos são fáceis de perceber. Um medicamento pode não existir em dado país, o seu preço (sobretudo se de contrafacção) pode ser muito inferior na Internet e pode ser menos embaraçoso adquirir os medicamentos directamente em linha do que passar por uma consulta potencialmente difícil com o médico. Acresce que os pacientes não podem ser perseguidos pelo facto de comprarem medicamentos na Internet.

4.16.   Cada Estado-Membro deveria lançar uma campanha de comunicação para orientar o público para farmácias convencionadas na Internet e afastá-lo dos estabelecimentos criminosos. A campanha deve destacar os riscos para a vida humana dos medicamentos comprados na Internet em sítios não convencionados. Informação deste tipo deve ser afixada em todos os consultórios, farmácias, hospitais e sítios Web autorizados.

4.17.   Devem ser impostas sanções financeiras e penais a qualquer pessoa culpada de envolvimento na contrafacção de medicamentos. Da mesma forma que o sexo é monitorizado na Internet, poderia contemplar-se uma colaboração entre as autoridades competentes (tal como descrito no ponto 4.3) e os diferentes intervenientes (como os fornecedores de Internet, motores de busca, serviços de transporte e companhias de cartões de crédito) para identificar mais facilmente os intervenientes ilegais na contrafacção de medicamentos. Como afirma a Comissão, as directivas são apenas um dos elementos de um esforço concertado e multifacetado de imposição da legislação.

Disposições gerais

4.18.   A amplitude e as fontes da contrafacção parecem não ser ainda bem conhecidas. A proposta de directiva deveria incluir medidas destinadas a colmatar essa lacuna nos sistemas de vigilância e supervisão.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Cf. Relatório IMPACT («International Medical Products Anti-Counterfeiting Taskforce» [Grupo de Trabalho Internacional para o Combate à Contrafacção de Medicamentos]) da OMS, actualizado em Maio de 2008.

(2)  COM(2008) 666 final.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 78/660/CEE, relativa às contas anuais de certas formas de sociedades, no que diz respeito às microentidades

[COM(2009) 83 final – 2009/0035 (COD)]

(2009/C 317/11)

Relator: Antonello PEZZINI

O Conselho decidiu, em 20 de Março de 2009, nos termos do n.o 1 do artigo 44.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do conselho que altera a Directiva 78/660/CEE, relativa às contas anuais de certas formas de sociedades, no que diz respeito às microentidades

COM(2009) 83 final – 2009/0035 (COD).

A Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 22 de Junho de 2009, com base no projecto do relator Antonello Pezzini.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 144 votos a favor, 10 votos contra e 17 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE realça o imperativo de ir ao encontro das necessidades das pequenas e médias empresas e de artesanato para estarem à altura de enfrentar os desafios estruturais imanentes a uma sociedade complexa, mediante a plena aplicação da Carta Europeia das Pequenas Empresas (1), num processo integrado na estratégia de Lisboa.

1.2.   O CESE toma nota da iniciativa da Comissão que prevê a isenção das microentidades dos requisitos contabilísticos e administrativos, frequentemente onerosos e excessivos para empresas com uma tal estrutura e chama a atenção para as posições adoptadas anteriormente nos pareces CESE 1187/2008 (2) e CESE 1506/2008 (3).

1.3.   O CESE considera fundamental que esta iniciativa obedeça aos seguintes princípios:

Obrigatoriedade: todos os Estados são obrigados a introduzir critérios de isenção para as microentidades;

Flexibilidade: deve dar-se aos Estados-Membros a possibilidade de adaptarem os critérios de isenção às exigências colocadas pela sua situação específica, dentro de limites comuns;

Simplicidade: as alterações introduzidas na isenção devem ser de fácil aplicação;

Transparência: importa assegurar em todos os casos uma transparência adequada no mercado interno.

1.4.   O CESE, embora ciente da competência não exclusiva da Comissão nesta matéria, julga aconselhável que, no interesse da integridade do mercado único e da não discriminação entre as partes envolvidas, nas futuras medidas de revisão da quarta e da sétima directivas sobre o direito das sociedades, as simplificações sejam automaticamente aplicáveis a todas as microempresas existentes na UE, segundo critérios claramente definidos por cada um dos Estados-Membros.

1.5.   Neste contexto, o CESE insta à aplicação do princípio orientador «Think Small First» (Pensar primeiro em pequena escala) através de um acordo interinstitucional baseado nas mesmas bases jurídicas do acordo «Legislar» (4) com uma série de compromissos claros e transparentes, a nível comunitário e nacional, para eliminar ou reduzir a carga burocrática e garantir a sua aplicação sistemática aos processos quer legislativos quer executivos, especialmente no caso das pequenas e microempresas.

1.6.   O Comité considera, além disso, oportuno que a Comissão, três anos após a entrada em vigor da presente proposta, ao Parlamento, apresente ao Conselho e ao CESE um relatório, avaliando os efeitos e o funcionamento da isenção a favor das microentidades, em todos os Estados-Membros, e as economias que representa realmente para as microentidades europeias.

2.   Introdução

2.1.   Desde a celebração do Ano Europeu das PME e do Artesanato (5) que redundou na criação da DG XXIII (6) e após uma série de conferências europeias (7), a Comissão Europeia tem vindo a desenvolver esforços notáveis para ir ao encontro das necessidades das pequenas e médias empresas e do artesanato e prepará-las para enfrentar os inúmeros desafios económicos e estruturais. Este assunto foi, aliás, focado em vários pareceres elaborados pelo CESE (8).

2.2.   As pequenas e médias empresas estão frequentemente sujeitas ao cumprimento das normas aplicáveis às grandes empresas. Mas os seus requisitos específicos em termos de contabilidade raramente têm sido analisados, comportando as normas de prestação de informação encargos financeiros consideráveis, para além de entravar a utilização eficaz dos capitais, mais úteis para fins de produção e de emprego.

2.3.   Se, por um lado, em matéria de contabilidade e de auditoria, é fundamental o objectivo de melhorar a qualidade das contas das sociedades de responsabilidade limitada e aumentar a transparência, por outro, os severos requisitos impostos às sociedades em geral revelam-se muitas vezes pesados para as pequenas e microempresas.

2.4.   Tendo justamente isso em consideração, a Comissão aprovou recentemente uma proposta para isentar as pequenas e médias sociedades desses requisitos de prestação de informação e da obrigação imposta às médias empresas (9) de elaborarem contas consolidadas, sobre a qual o CESE já se pronunciou favoravelmente (10).

2.5.   Os elevados custos administrativos decorrentes da legislação comunitária limitam a competitividade das empresas europeias. Além disso, a legislação no âmbito do direito das sociedades comerciais, da contabilidade e da auditoria não tem acompanhado a par e passo a evolução do contexto em que as mesmas operam. Com efeito, as directivas que garantem a qualidade da informação financeira e da auditoria das contas, na UE, implicam encargos administrativos elevados para as empresas, especialmente as de menor dimensão.

2.6.   Segundo cálculos elaborados pela Comissão, que parecem não ser estruturados a nível científico e metodológico, as microentidades potencialmente interessadas em beneficiar da isenção seriam cerca de 5 milhões e quatrocentos mil e os encargos administrativos globais para cumprir os requisitos administrativos e contabilísticos previstos pela directiva ascenderiam a cerca de 6,3 mil milhões ao ano.

2.7.   O CESE realça o compromisso assumido pela Comissão de reduzir em 25 % os encargos administrativos para as empresas (11) que mereceu o apoio incondicional do Comité (12).

2.8.   A seu ver, «devem ser adoptadas as medidas necessárias para assegurar que todos os Estados-Membros apliquem as directivas atempadamente e com qualidade e convencer os governos e legisladores nacionais e regionais a simplificarem a regulamentação nos casos em que a aplicação da legislação comunitária levou a regulamentação desnecessária (“gold plating”)» (13).

3.   Contexto

3.1.   No âmbito da quarta fase do processo de simplificação da legislação relativa ao mercado interno (SLIM), foram actualizadas a primeira e a segunda directivas sobre o direito das sociedades.

3.2.   O Conselho Europeu de 8 e 9 de Março de 2007 salientava já que a redução dos encargos administrativos constitui uma medida importante para estimular a economia europeia, especialmente face à sua incidência nas PME, relevando a necessidade de um forte esforço conjunto da UE a fim de reduzir substancialmente os encargos administrativos.

3.3.   O Conselho Europeu de 13 e 14 de Março de 2008 convidou a Comissão a formular novas propostas legislativas para a redução dos encargos administrativos e aprová-las segundo um procedimento acelerado (14), tendo o direito europeu das sociedades, a contabilidade e a auditoria sido apontados como domínios essenciais de intervenção.

3.4.   A Carta Europeia das Pequenas Empresas (15), apresentada pela Comissão em Junho de 2008 e sobre a qual o CESE se pronunciou oportunamente (16), sublinhava igualmente a necessidade de simplificação em prol das empresas de menor dimensão.

3.5.   De resto, o Plano de Relançamento da Economia Europeia apresentado no fim de Novembro de 2008 indicou como medida fundamental a redução da carga que incide sobre as pequenas e médias empresas (PME) e as microempresas, suprimindo designadamente «o requisito imposto às microempresas de elaborarem contas anuais» (17).

3.6.   Por seu turno, o Parlamento Europeu manifestou-se, na sua resolução de 8 de Dezembro de 2008 (18), a favor da supressão dos requisitos de prestação de informações financeiras por parte das microentidades, com o fito de reforçar a sua competitividade e concretizar o seu potencial de crescimento, convidando a Comissão a apresentar uma proposta legislativa que permitisse aos Estados-Membros excluírem as microentidades do âmbito de aplicação da Directiva 78/660/CEE.

3.7.   No decurso dos últimos vinte, trinta anos, a Directiva 78/660/CE sofreu várias alterações (19).

4.   Síntese da proposta da Comissão

4.1.   A Comissão propõe a introdução da nova categoria de microentidades, já prevista por alguns Estados-Membros, e a sua exclusão do âmbito de aplicação da Quarta Directiva 78/660/CE relativa ao direito das sociedades, libertando-as, assim, do requisito de elaboração de contas anuais. Para beneficiar dessa isenção, as microentidades deveriam responder a dois dos três critérios seguintes:

um máximo de 10 empregados

total do balanço inferior a 500 000 euros e

volume de negócios inferior a 1 000 000 euros.

4.2.   No caso destas empresas de dimensão muito reduzida, são especialmente elevados os custos associados à elaboração de contas anuais. Por outro lado, como são empresas que operam essencialmente a nível local e regional, a sua situação financeira não tem grande interesse.

4.3.   Ao incluir uma isenção nas directivas contabilísticas, dar-se-ia aos Estados-Membros a possibilidade de determinarem as regras a respeitar pelas microentidades.

4.4.   Foi justamente por este motivo que a Comissão decidiu alterar a actual legislação comunitária. No atinente às microentidades foram propostas várias medidas:

dispensar estas empresas do requisito de publicação das suas contas;

a possibilidade de elaborarem, numa base voluntária, contas anuais, submetê-las a auditoria e enviá-las para o registo nacional;

conferir poderes aos Estados-Membros para excluírem as microentidades do âmbito de aplicação da quarta directiva sobre o direito das sociedades.

5.   Observações na generalidade

5.1.   O CESE apoia o propósito da iniciativa da Comissão de isentar as microentidades dos requisitos contabilísticos e administrativos, onerosos e absolutamente desproporcionados relativamente às suas necessidades e às dos principais utilizadores das informações financeiras.

5.2.   O CESE considera prioritário, muito especialmente na actual crise económica cujo impacto se faz sentir com mais incidência nas pequenas empresas de toda a Europa, que as medidas de isenção das microentidades entrem em vigor o mais rapidamente possível segundo um procedimento acelerado (fast track) (20), sem qualquer excepção em todo o Espaço Económico Europeu, se caracterizem pela sua flexibilidade, adequada às situações nacionais existentes, e se apliquem com transparência às pessoas singulares e colectivas europeias.

5.3.   A proposta da Comissão representaria, além disso, um forte incentivo para combater a economia submersa (moonlight economy), conforme foi reiterado várias vezes pelo CESE que «realçou o impacto realmente nefasto do trabalho não declarado nas finanças públicas, tanto a nível das perdas fiscais como sociais» (21) e que era «aconselhável não colocar a fasquia demasiado alta para evitar que o trabalho clandestino se expanda com a velocidade de um rastilho de pólvora» (22)

5.4.   O CESE saúda a proposta de simplificação da Comissão que se visa garantir que o quadro regulamentar contribua para estimular o empreendedorismo e a inovação das pequenas e microempresas tornando-as mais competitivas e permitindo-lhes desfrutar plenamente das potencialidades do mercado interno.

5.5.   O CESE, embora ciente da competência não exclusiva da Comissão nesta matéria e da necessária aplicação do artigo 5.o do Tratado relativo ao princípio da subsidiariedade, considera aconselhável que, no interesse da integridade do mercado único e da não discriminação entre as partes envolvidas, nas futuras medidas de revisão da quarta e da sétima directivas sobre o direito das sociedades, as simplificações para as microentidades não sejam deixadas ao critério dos vários Estados-Membros mas sejam aplicáveis automaticamente a todas as microempresas da União Europeia.

5.6.   O CESE solicita à Comissão, ao Parlamento Europeu e ao Conselho que, na anunciada revisão geral da quarta e sétima directivas sobre o direito das sociedades, seja aplicado o princípio orientador «Think Small First» (Pensar primeiro em pequena escala) através de um acordo interinstitucional baseado nas mesmas bases jurídicas do acordo «Legislar melhor» (23) com uma série de compromissos claros e transparentes, a nível comunitário e nacional, para eliminar ou reduzir os encargos burocráticos.

5.7.   O Comité considera, além disso, oportuno que a Comissão apresente ao Parlamento, ao Conselho e ao CESE um relatório, três anos após a entrada em vigor da presente proposta, avaliando os efeitos e o funcionamento da isenção a favor das microentidades, em todos os Estados-Membros, e as economias que tal representa realmente para as microentidades europeias.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver Conclusões do Conselho Europeu de Lisboa de 2000.

(2)  JO C 27 de 3.2.2009, p. 7.

(3)  JO C 77 de 31.3.2009, p. 37.

(4)  Ver parecer CESE 38/2009 no JO C 182 de 4.8.2009, pag. 30 – (Recomendação n.o 1) – Relator: Malosse e co-relator: Cappelini.

(5)  Em 1983.

(6)  Foi criada primeiro uma Task Force liderada por Edith Cresson que se converteu posteriormente em uma nova DG, a DG XXIII.

(7)  Avignon, 1990; Berlim, 1994; Milão, 1997.

(8)  Entre outros: JO C 161 de 14.6.1993, pag. 6; JO C 388 de 31.12.1994, pag. 14, JO C 295 de 7.10.1996, pag. 6; JO C 56 de 24.2.1997, pag. 7; JO C 89 de 19.3.1997, pag. 27JO C 235 de 27.7.1998, pag. 13; JO C 221 de 7.8.2001, pag. 1; JO C 374 de 3.12.1998, pag. 4; JO C 116 de 20.4.2001, pag. 20.

(9)  COM(2008) 195 final de 18 de Setembro de 2008.

(10)  JO C 77 del 31.3.2009, pag. 37, relator: Cappellini.

(11)  COM(2006) 689, 690 e 691 final de 14 de Novembro de 2006.

(12)  JO C 256 de 27.10.2007, p. 8.

(13)  Ver JO C 256 de 27.10.2007, p. 8, ponto 4.3.6 e ainda JO C 204 de 9.8.2008, p. 9, ponto 6.2.

(14)  Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Bruxelas de 13 e 14 de Março de 2008, ponto 9.

(15)  COM(2008) 394 final de 25 de Junho de 2008.

(16)  JO C 182 de 4.8.2009, pag. 30, relator: Malosse, co-relator: Cappellini.

(17)  Comunicação da Comissão ao Conselho Europeu, Plano de relançamento da economia europeia – COM (2008) 800 de 26 de Novembro de 2008, ponto 4, disponível no sítio web da Comissão:

(18)  Resolução do Parlamento Europeu, de 18 de Dezembro de 2008, sobre o reexame das directivas contabilísticas no que respeita às pequenas e médias empresas, em particular as microentidades, P6_TA(2008)0635.

(19)  Trata-se de mais de uma dezena de alterações: Directiva 83/349/CEE, Directiva 84/569/CEE, Directiva 89/666/CEE, Directiva 90/604/CEE, Directiva 90/605/CEE, Directiva 94/8/CE, Directiva 1999/60/CE, Directiva 2001/65/CE, Directiva 2003/38/CE, Directiva 2003/51/CE, Directiva 2006/43/CE e Directiva 2006/46/CE.

(20)  Fast track: Para obter rapidamente resultados, foram apresentadas pela Comissão três propostas «fast track». A primeira, cujo objectivo era alinhar certas regras dos relatórios de peritos em caso de fusões e cisões a nível nacional com as regras contidas na directiva relativa às fusões transfronteiriças (Directiva 2005/56/CE), foi aprovada pelo Conselho e o Parlamento Europeu em Novembro de 2007 (Directiva 2007/63/CE). Além disso, em Abril de 2008, a Comissão apresentou duas propostas para alterar a primeira e a décima primeira directivas sobre o direito das sociedades e as directivas contabilísticas.

(21)  JO C 101 de 12.4.1999, pag. 30, relator: GIRON.

(22)  JO C 255 de 14.10.2005, p. 61.

(23)  Ver JO C 182 de 4.8.2009, pag. 30 (recomendação n.o 1), relator: Malosse, co-relator: Cappelini. Nomeadamente: Ponto 3.2: «No que respeita ao princípio “Think Small First” (pensar primeiro em pequena escala), o CESE reitera a sua posição anterior (JO C 27 de 3.2.2009, pag. 27) e pede que seja transformado numa norma obrigatória com uma forma (código de conduta, acordo interinstitucional, decisão do Conselho) que permanece por definir mas que se aplicaria ao Parlamento Europeu, à Comissão e ao Conselho. A “pista” de um acordo interinstitucional assente nas mesmas bases jurídicas que o Acordo sobre “Legislar Melhor” […]».


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

O seguinte texto que constava do parecer da secção e obteve pelo menos um quarto dos sufrágios expressos, foi rejeitado em favor de uma alteração adoptada pela assembleia:

«Ponto 2.6.

Segundo cálculos elaborados pela Comissão, as microentidades potencialmente interessadas em beneficiar da isenção seriam cerca de 5 milhões e quatrocentos mil e os encargos administrativos globais para cumprir os requisitos administrativos e contabilísticos previstos pela directiva ascenderiam a cerca de 6,3 mil milhões ao ano.».

Resultado da votação: Alteração adoptada por 89 votos a favor, 40 votos contra e 30 abstenções.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/72


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que adapta à Decisão 1999/468/CE do Conselho certos actos sujeitos ao procedimento previsto no artigo 251.o do Tratado, no que se refere ao procedimento de regulamentação com controlo – Adaptação ao procedimento de regulamentação com controlo – Quinta parte

[COM(2009) 142 final – 2009/0048 (COD)]

(2009/C 317/12)

Relator-geral: Daniel RETUREAU

Em 14 de Maio de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que adapta à Decisão 1999/468/CE do Conselho certos actos sujeitos ao procedimento previsto no artigo 251.o do Tratado, no que se refere ao procedimento de regulamentação com controlo – Adaptação ao procedimento de regulamentação com controlo – Quinta Parte

COM(2009) 142 final – 2009/0048 (COD).

Em 12 de Maio de 2009, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu incumbiu a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo da preparação dos correspondentes trabalhos.

Nos termos do artigo 20.o do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu decidiu na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho) nomear Daniel Retureau relator-geral e adoptou, por 122 votos a favor e 2 votos contra, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1.   O CESE aceita as propostas da Comissão respeitantes ao procedimento de regulamentação com controlo, interrogando-se, embora, sobre a necessidade de ter em conta um procedimento específico sempre que as alterações, sem alterar o objecto ou as finalidades do instrumento, excedam ligeiramente o critério da alteração não essencial e tenham impactos significativos no plano social, económico e da saúde.

1.2.   Considera, contudo, que o controlo é difícil de pôr em prática por razões de organização dos trabalhos parlamentares.

1.3.   O valor acrescentado do novo procedimento não é ainda claro aos olhos dos cidadãos, já que as organizações da sociedade civil envolvidas na regulamentação «supletiva» realizada pela comitologia podem ter dificuldades em seguir as alterações regulamentares sucessivas do instrumento original.

2.   Recapitulação dos procedimentos de adaptação à regulamentação com controlo em 2007 e 2008

2.1.   O procedimento de regulamentação com controlo do Parlamento acelerou-se nos últimos dois anos com a adaptação «omnibus» dos instrumentos jurídicos adoptados no passado utilizando o procedimento de comitologia «normal». Este último procedimento continua a aplicar-se quando os requisitos para a utilização do procedimento com controlo não se encontrem reunidos.

2.2.   A Decisão 2006/512/CE do Conselho, de 17 de Julho de 2006, alterou a Decisão do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (1999/468/CE), em particular, através da inclusão de um artigo 5o-A que institui um novo procedimento de regulamentação com controlo. Este procedimento concede ao Parlamento um direito de controlo sobre as alterações realizadas aos instrumentos legislativos relevantes através do procedimento da comitologia, na medida em que essas alterações não sejam essenciais ou consistam apenas na adição ou supressão de elementos considerados não essenciais.

2.3.   Os procedimentos de comitologia, que permitem o acompanhamento de cada acto legislativo, contarão com uma opção suplementar que reforçará o controlo pelo Parlamento do exercício das competências de execução conferidas à Comissão pelo acto, quando se tratem de actos sujeitos a esta nova opção adoptados por co-decisão e nos termos do artigo 251.o do Tratado ou pelo procedimento Lamfalussy em matéria financeira (1).

Numa declaração conjunta, a Comissão, o Conselho e o Parlamento aprovaram uma lista de actos de base que consideravam urgente adaptar à decisão alterada, a fim de neles introduzir o procedimento de regulamentação com controlo em substituição do procedimento inicial. Esta declaração conjunta reconhece também que os princípios da boa legislação requerem que as competências de execução sejam atribuídas à Comissão sem limites de tempo.

2.4.1.   A Comissão decidiu proceder ao alinhamento dos actos antigos que caem no âmbito de aplicação do novo procedimento através de propostas de regulamentos «omnibus» ou seja, englobando um conjunto de actos, em vez de adoptar um regulamento diferente para cada acto em questão.

2.4.2.   Os três primeiros grupos foram adoptados no final de 2007 e o quarto em 11 de Fevereiro de 2008 (2). A Comissão propôs assim alterar retroactivamente todos os actos que considerava que estavam abrangidos pelo novo procedimento de comitologia com controlo, a fim de o mesmo lhes ser aplicado, e, quando necessário, suprimir os eventuais limites temporais para as competências de execução.

2.5.   Por sua vez o Parlamento, numa resolução de 23 de Setembro 2008, recomendou à Comissão que revisse uma lista de 14 actos que deveriam, em sua opinião, ser sujeitos ao procedimento de regulamentação com controlo em vez do procedimento de comitologia sem controlo originalmente previsto. O presente parecer tem por objecto a resposta e as acções propostas pela Comissão na sequência da resolução.

2.6.   Por outro lado, o Parlamento considera igualmente que as disposições de execução da Decisão 1999/468/CE do Conselho têm sido particularmente insatisfatórias e que, com excepção das disposições do novo procedimento de regulamentação com controlo, continuam a ser particularmente insatisfatórias, devido, entre outros motivos, à forma como a base da dados comitologia tem vindo a funcionar, considerando que os documentos são frequentemente enviados de forma fragmentada, sem uma explicação clara acerca do seu estatuto e, por vezes, sob indicações enganosas, como por exemplo projectos de medidas de execução ainda não votados em sede de comité enviados com a menção «direito de controlo», quando deveriam ser enviados com a menção «direito de informação», o que suscita dúvidas quanto aos prazos a aplicar (3).

3.   Propostas da Comissão

3.1.   Na sua proposta de regulamento indicada no título do parecer, a Comissão propõe que se adaptem ao procedimento de regulamentação com controlo dois dos actos apresentados pelo Parlamento e, em relação aos restantes, fundamenta a sua rejeição em razões jurídicas relativas à natureza dos referidos actos, que não responderiam aos requisitos de aplicação da regulamentação com controlo.

Os actos são os seguintes:

Instrumentos para os quais o alinhamento já tinha sido realizado ou proposto

Directiva 2000/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2000, que altera a Directiva 74/150/CEE do Conselho (4).

Directiva 2001/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho de 2001, que altera a Directiva 92/23/CEE do Conselho (5).

Directiva 2004/3/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que altera a Directiva 70/156/CEE e 80/1268/CEE do Conselho. Segundo a Comissão, estas duas directivas foram automaticamente sujeitas ao PRC (6).

Directiva 2005/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, que altera a Directiva 70/156/CEE do Conselho (7).

Directiva 2006/40/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Maio de 2006, que altera a Directiva 70/156/CEE do Conselho (8).

Directiva 2005/33/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 2005, que altera a Directiva 1999/32/CEE (9).

Instrumentos não abrangidos pela co-decisão

Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho, de 11 de Julho de 2006, que revoga o Regulamento (CE) n.o 1260/1999 (10).

Instrumento adoptado após a entrada em vigor da reforma de 2006

Regulamento (CE) n.o 1905/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro de 2006. Adoptado após 23 de Julho de 2006, já depois portanto da entrada em vigor da reforma que institui o PRCC, este instrumento não deve ser objecto de qualquer adaptação (11).

Instrumentos que não contêm qualquer disposição abrangida pelo PRCC

Directiva 2001/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 2001, que altera a Directiva 95/53/CE do Conselho e as directivas 70/524/CEE, 96/25/CE e 1999/29/CE do Conselho (12).

Directiva 2002/33/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro de 2002, que altera as directivas 90/425/CEE e 92/118/CEE do Conselho (13).

Directiva 2004/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, que revoga certas directivas relativas à higiene dos géneros alimentícios e às regras sanitárias aplicáveis à produção e à comercialização de determinados produtos de origem animal destinados ao consumo humano e altera as Directivas 89/662/CEE e 92/118/CEE do Conselho e a decisão 95/408/CE do Conselho (14).

Decisão n.o 676/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002 (15).

3.3.   Por último, a Comissão reconhece que os seguintes actos de base incluem determinadas disposições que devem ser adaptadas ao PRCC:

Directiva 2000/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril de 2000, que altera a Directiva 64/432/CEE relativa a problemas de fiscalização sanitária em matéria de comércio intracomunitário de animais das espécies bovina e suína (16), e

Regulamento (CE) n.o 1760/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Julho de 2000, que estabelece um regime de identificação e registo de bovinos e relativo à rotulagem da carne de bovino e dos produtos à base de carne de bovino, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 820/97 do Conselho (17).

3.4.   O objectivo da proposta é proceder à adaptação destes dois actos de base ao procedimento de regulamentação com controlo.

4.   Observações do Comité

4.1.   O CESE acompanhou com interesse a introdução de um novo procedimento de comitologia: o procedimento de regulamentação com controlo.

4.2.   O CESE aceita as propostas da Comissão, interrogando-se, embora, sobre a necessidade de ter em conta um procedimento específico sempre que as alterações, sem alterar o objecto ou as finalidades do instrumento, excedam ligeiramente o critério da alteração não essencial e tenham impactos significativos no plano social, económico e da saúde, como no caso do Regulamento REEE.

4.3.   Considera que a comitologia com controlo é um avanço democrático no tocante ao acompanhamento da gestão de certos instrumentos evolutivos, ao permitir que se evitem processos mais pesados, como a revisão, que seria uma sobrecarga inútil para as instituições; ainda que o controlo continue a ser difícil de organizar pelo Parlamento devido à organização dos trabalhos parlamentares.

4.4.   O valor acrescentado do novo procedimento não é ainda claro aos olhos dos cidadãos, já que as organizações da sociedade civil envolvidas na regulamentação «supletiva» realizada pela comitologia podem ter dificuldades em seguir as sucessivas alterações regulamentares do instrumento original.

4.5.   A situação complica-se ainda mais se as alterações regulamentares excederem, de facto, largamente o critério de alteração «não essencial», conceito que continua a ser pouco preciso no tocante a determinadas aplicações, como no caso, por exemplo, da nova regulamentação relativa aos produtos tóxicos nos resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos. Aí se propõe que o aditamento ou a retirada de substâncias tóxicas da lista seja realizado através do procedimento com controlo, mas o Comité, no seu parecer (18) solicitou que, em caso de alteração da lista, as indústrias, os respectivos trabalhadores e as organizações de consumidores fossem consultadas e fosse realizado um estudo de impacto, pois este tipo de alterações são fundamentais no caso específico desta regulamentação.

4.6.   Com esta observação, que pode dizer respeito a determinados casos concretos e ser utilizada na prática sem que seja necessário alterar as regras actuais, o Comité pode aceitar as propostas da Comissão.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  O Artigo 5.o-A da Decisão 1999/468/CE alterada introduz o novo procedimento de regulamentação com controlo (PRCC) no que se refere a medidas de âmbito geral concebidas para alterar elementos não essenciais de um acto de base aprovado ao abrigo do procedimento previsto no artigo 251.o do Tratado, inclusivamente suprimindo alguns desses elementos ou completando o acto mediante o aditamento de novos elementos não essenciais.

(2)  COM(2008) 71 final; COM(2007) 740 final; COM(2007) 741 final; COM(2007) 822 final e COM(2007) 824 final; JO C 224 de 30.8.2008.

(3)  Parlamento Europeu, Comissão de Assuntos Constitucionais, Relatora Monica Frassoni A6-0107/2008. Proposta de decisão, considerando B.

(4)  JO L 173 de 12.7.2000.

(5)  JO L 211 de 4.8.2001.

(6)  JO L 49 de 19.2.2004.

(7)  JO L 310 de 25.11.2005.

(8)  JO L 161 de 14.6.2006.

(9)  JO L 191 de 22.7.2005.

(10)  JO L 210 de 31.7.2006.

(11)  JO L 378 de 27.12.2006.

(12)  JO L 234 de 1.9.2001.

(13)  JO L 315 de 19.11.2002.

(14)  JO L 157 de 30.4.2004.

(15)  JO L 108 de 24.4.2002.

(16)  JO L 105 de 3.5.2000.

(17)  JO L 204 de 11.8.2000.

(18)  COM (2008).809 final e CESE 1032/2009, de 10.6.2009.


23.12.2009   

PT

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C 317/75


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Avaliação intercalar da implementação do plano de acção comunitário sobre biodiversidade

[COM(2008) 864 final]

(2009/C 317/13)

Relator: Lutz RIBBE

Em 16 de Dezembro de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Avaliação intercalar da implementação do plano de acção comunitário sobre biodiversidade

COM(2008) 864 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 18 de Junho de 2009, sendo relator Lutz Ribbe.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 162 votos a favor, 3 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE lamenta fortemente que o objectivo de travar a perda de biodiversidade até 2010 não possa ser alcançado.

1.2.   Constata, porém, com agrado que as Directivas Aves e Habitats permitiram alcançar bons progressos na preservação de alguns habitats e espécies, o que demonstra que a legislação europeia de protecção da natureza funciona quando correctamente aplicada.

1.3.   Estes passos positivos não bastarão, porém, para frear a perda considerável de espécies que tem continuado fora das zonas protegidas devido a práticas económicas perfeitamente legais. O CESE concorda com a Comissão em que a integração das questões relativas à biodiversidade noutras políticas sectoriais é ainda insuficiente.

1.4.   Entretanto, o Comité considera que não são necessários novos objectivos. A Comissão e os Estados-Membros devem, antes, empenhar-se mais no cumprimento do actual objectivo de travar a perda de biodiversidade e restaurar os habitats naturais, formulado já em 2001.

1.5.   Do ponto de vista económico, a protecção da natureza é muitas vezes encarada como um entrave, ou mesmo uma ameaça. O valor económico da biodiversidade ainda não foi reconhecido na prática, e a Comissão deveria esclarecer de que forma pretende resolver este problema (p. ex., no âmbito do debate sobre a internalização dos custos externos).

1.6.   Seria útil divulgar mais activamente exemplos positivos de como o desenvolvimento das economias regionais está intimamente ligado à biodiversidade (como no caso do turismo).

1.7.   A decisão do Conselho de financiar a iniciativa Natura 2000 com dotações dos Fundos Estruturais e do 2.o pilar da PAC revelou-se ineficaz; os Estados-Membros continuam a não dar à protecção da natureza e da biodiversidade a atenção devida nos seus programas sobre a matéria. O CESE defende a criação de uma rubrica orçamental própria para a biodiversidade no período 2014-2020 e a reintrodução dos incentivos nos programas agro-ambientais.

1.8.   Em muitos locais e regiões, como por exemplo nas zonas pantanosas, de montanha ou costeiras, nas áreas de pasto, nas bacias hídricas, etc., a preservação e a recuperação dos espaços naturais contribuem igualmente para a protecção do clima. As políticas da biodiversidade e do clima devem ser mais bem coordenadas, embora haja muitas mais razões para preservar a biodiversidade do que apenas proteger o clima.

1.9.   Para permitir que as espécies se adaptem às novas condições climáticas, os seus habitats terão que ser devidamente interligados. Deveria ser criada uma «Rede Transeuropeia da Natureza».

1.10.   São cada vez mais as superfícies impermeabilizadas devido quer à construção quer ao asfaltamento, o que constitui um grave problema para a protecção da natureza. É necessário reduzir a taxa de ocupação do solo na Europa.

1.11.   A protecção da natureza goza de ampla aceitação junto da sociedade civil, mas os conhecimentos sobre a matéria são ainda muito escassos. O CESE louva a intenção de encorajar mais activamente a investigação das razões da perda de biodiversidade e as medidas necessárias para travar essa perda. Entre essas medidas contam-se campanhas de informação dos consumidores sobre as consequências de determinados processos de produção e a aposta em práticas mais sustentáveis.

2.   A comunicação da Comissão Europeia

2.1.   A comunicação da Comissão chega à conclusão preocupante de que apesar da adopção em 2006 do Plano de Acção em Matéria de Biodiversidade, que previa nada menos do que 160 medidas, «é altamente improvável – com base nos esforços actuais – que seja atingido até 2010 o objectivo global de travagem da perda de biodiversidade na UE. Tal implicará que a Comunidade Europeia e os Estados-Membros da UE assumam compromissos adicionais significativos para os próximos dois anos, para que possamos sequer aproximarmo-nos do nosso objectivo.» O comissário europeu responsável pelo Ambiente, Stavros Dimas, reconheceu entretanto que o objectivo de travar a perda de biodiversidade não seria alcançado até 2010.

2.2.   A perda de biodiversidade a nível global é descrita como «desastrosa». Ciclos naturais estão a ser interrompidos e têm-se registado repercussões gravíssimas a nível económico e social. A Comissão reconhece que a Europa tem a sua quota-parte de responsabilidade pela degradação da situação e recorda que «novas questões, como a expansão do sector agrícola para satisfazer a procura crescente de alimentos e a emergência de saídas de mercado alternativas, como os biocombustíveis, colocam desafios importantes».

2.3.   Embora sejam vários os motivos para o fracasso global da política em matéria de biodiversidade até à data, a Comissão salienta nas conclusões da sua avaliação intercalar que «a integração das questões relativas à biodiversidade noutras políticas sectoriais continua a representar um desafio importante». O aspecto mais flagrante deste balanço intercalar é que nos últimos anos não foram registados quaisquer reais progressos na integração dos interesses da biodiversidade noutras políticas sectoriais.

2.4.   Os resultados do primeiro «exame de saúde» das espécies e dos tipos de habitats protegidos ao abrigo da Directiva Habitats (1) mostram que 50 % das espécies, e possivelmente até 80 % dos tipos dos habitats, cuja conservação é de interesse europeu se encontram num «estado de conservação desfavorável».

2.5.   Todavia, eram de assinalar igualmente os primeiros resultados positivos para algumas das espécies abrangidas pelas Directivas Aves e Habitats. No caso de algumas espécies protegidas, foi mesmo possível inverter a tendência: «não há dúvida que a Directiva contribuiu para a sobrevivência destas espécies, nomeadamente devido à designação das Zonas de Protecção Especial (ZPE)».

2.6.   A Comissão salienta que a Rede Natura 2000 inclui agora mais de 25 000 sítios, cobrindo cerca de 17 % da superfície terrestre total da União Europeia. É sobretudo fora das zonas protegidas que as tendências negativas se mantêm.

2.7.   A Comissão analisa igualmente os resultados preliminares do estudo sobre a economia dos ecossistemas e da biodiversidade (The Economics of Ecosystems and Biodiversity, TEEB (2) – Relatório Sukhdev). O relatório chega à mesma conclusão que o precedente Relatório Stern sobre as alterações climáticas: a biodiversidade deve ser preservada não só por razões éticas e morais, mas também e sobretudo por motivos económicos. «A perda de biodiversidade e de ecossistemas constitui uma ameaça ao funcionamento do planeta, da nossa economia e da sociedade humana. Estima-se que, até 2050, a perda de bem-estar gerada anualmente pela perda de serviços ecossistémicos num cenário de “manutenção do statu quo” será da ordem de 6 % do PIB mundial».

3.   Observações na generalidade

3.1.   A UE reconhece agora pela primeira vez que o objectivo de travar a perda da biodiversidade até 2010, uma das mais importantes promessas feitas pelos chefes de Estado e de governo e pela Comissão no domínio da política ambiental, não poderia ser alcançado.

3.2.   Esta constatação não surpreende o CESE, cujo parecer sobre o plano de acção, embora louvasse a análise crítica da Comissão e reconhecesse a pertinência e a adequação das 160 medidas propostas, exprimira já sérias dúvidas quanto à capacidade de muitos gestores e responsáveis políticos menos familiarizados com as questões da biodiversidade de levarem a sério a questão e envidarem os esforços necessários. Essas dúvidas revelaram ser fundamentadas.

3.3.   As conclusões do CESE sobre o Plano de Acção em Matéria de Biodiversidade continuam, infelizmente, a ser hoje tão actuais como há dois anos, quando foram aprovadas em plenária. Nesse parecer (3), o Comité afirmou textualmente:

O CESE e a Comissão estão de acordo quanto ao essencial: a preservação da biodiversidade é essencial não só por razões éticas ou morais; há também bastantes motivos económicos, nomeadamente um comércio mais expedito e eficaz. Os prejuízos económicos decorrentes do desaparecimento dos serviços ecossistémicos elevam-se já a mais de 100 mil milhões de euros, uma perda que as economias europeias não podem continuar a permitir-se.

A diminuição da biodiversidade na Europa deve-se a uma miríade de decisões das últimas décadas, a maioria das quais perfeitamente legais; a percentagem de espécies perdidas devido a actividades ilegais é ínfima.

Apesar das promessas políticas, a biodiversidade continua a desaparecer, e esse desaparecimento não se deve à falta de soluções. O que falta é a vontade política de pôr em prática medidas de há muito reconhecidas como indispensáveis. A experiência com a rede NATURA 2000 fala por si.

As razões deste fracasso são acertadamente descritas pela Comissão na sua comunicação e incluem «falhas da governação e a incapacidade da economia convencional para reconhecer os valores económicos do capital natural e dos serviços ecossistémicos».

O futuro revelará se este plano de acção resultará finalmente nas necessárias «alterações substanciais a nível de políticas e de práticas» ou se pelo contrário se concretizará a previsão pessimista de muitos ecologistas de que os responsáveis não dêem seguimento às promessas ambiciosas que fazem ao público.

O CESE considera pois particularmente importante dar prioridade ao quarto domínio político («Melhorar a base de conhecimentos») a fim de que tanto cidadãos como políticos possam compreender claramente as consequências das suas acções.

3.4.   Na comunicação em apreço, a Comissão confirma muitos dos problemas já antes detectados e que continuam a contribuir para a perda de biodiversidade. Assim, não é necessário um parecer fundamentalmente novo do CESE. O presente parecer concentrar-se-á sobretudo nos aspectos novos relativamente à situação de há dois anos.

4.   Observações na especialidade

Enquadramento jurídico e gestão

4.1.   A experiência dos últimos anos mostrou que a legislação comunitária em matéria de protecção da natureza pode dar bons resultados quando correctamente aplicada e quando é dada a atenção devida aos interesses dos proprietários (4). Contudo, o CESE constata igualmente que muitos dos sítios da Rede Natura 2000 enfrentam ainda problemas que será preciso solucionar e que «só» 17 % do território da UE estão protegidos pela legislação referida.

4.2.   Com o muito adiado lançamento da Rede Natura 2000, a protecção da natureza na UE entrou numa nova fase. Há que elaborar planos de gestão adequados para os sítios seleccionados. O CESE receia que os recursos humanos e financeiros postos à disposição pelos Estados-Membros para a elaboração e aplicação desses planos não sejam suficientes. Os planos devem ser elaborados em estreita colaboração com todos os grupos sociais interessados; só assim se poderá garantir a sua aceitação.

4.3.   Está ainda em aberto a questão de saber se, dada a enorme pressão exercida nas superfícies, descrita de forma acertada pela Comissão, será possível recuperar uma grande proporção dos biótopos destruídos. O CESE recorda que, na Cimeira de Gotemburgo, os chefes de Estado e de governo se comprometeram não só a travar a perda de biodiversidade até 2010, mas também a restaurar os habitats e os sistemas naturais. O relatório intercalar não faz qualquer referência a esta questão.

4.4.   Com a Rede Natura 2000 só agora a ser terminada, começa-se já a falar da supressão de determinadas zonas ou de parcelas da mesma, na maior parte das vezes para projectos de infra-estrutura, frequentemente co-financiados pela UE. A própria comunicação da Comissão menciona aquele que é seguramente o exemplo mais conhecido, nomeadamente o vale de Rospuda no Nordeste da Polónia. Apesar de o novo governo polaco estar actualmente à procura de alternativas ao traçado da Via Báltica, é claramente manifesto que o conflito entre, por um lado, a protecção da natureza e, por outro, o desenvolvimento económico está longe de estar resolvido.

4.5.   Por conseguinte, não será de admirar que nos próximos anos os serviços da UE se vejam confrontados com uma vaga de processos a requerer derrogações do mesmo tipo. O CESE considera que, actualmente, a Comissão não dispõe dos recursos humanos necessários para poder lidar com este desafio, tanto quanto ao fundo, como do ponto de vista técnico-administrativo.

4.6.   O CESE já referiu no seu parecer sobre o plano de acção sobre a biodiversidade que o desaparecimento de espécies que continua a ocorrer nas nossas paisagens culturais se passa no âmbito das «boas práticas agrícolas» e do que a legislação comunitária define como «boas condições agrícolas e ambientais». Por outras palavras, no âmbito da lei e não devido a infracções da legislação, o que é inaceitável.

4.7.   É precisamente por esta razão que há acesos debates sobre os denominados «critérios de condicionalidade», os quais, aliados às boas condições agrícolas e ambientais e às boas práticas agrícolas, devem assegurar que as questões da biodiversidade sejam tidas em conta. No entanto, quando uma grande parte da perda da biodiversidade ocorre no âmbito da legislação em vigor, é lógico que esses critérios sejam objecto de controvérsia. No seu relatório especial sobre a condicionalidade, também o Tribunal de Contas Europeu fez observações neste sentido. Os Estados-Membros, mas também a Comissão, devem finalmente reagir a esta questão.

4.8.   Há também, com frequência, iniciativas legislativas que, à primeira vista, não parecem ter uma relação directa com a biodiversidade, mas que acabam por estar relacionadas. Para combater a BSE e as EET, o Regulamento (CE) n.o 1774/2002 proibiu o abandono de cadáveres ao ar livre, o que levou a uma grave penúria de alimentos para os animais necrófagos, como os lobos, os ursos e os abutres. Se passamos agora, de repente, a avistar estas aves raras muito longe dos seus escassos territórios, isto não é, de modo algum, um sinal positivo, mas simplesmente prova de que a fome força os animais a percorrem distâncias enormes. Grupos ambientalistas e um deputado espanhol fizeram referência a este estado insatisfatório da legislação comunitária, mas a Comissão levou muito tempo a reagir. Aparentemente, não é feita uma avaliação do impacto na biodiversidade numa fase precoce.

Consequências políticas/Financiamento

4.9.   O conflito entre a exploração económica dos solos e a protecção da natureza e das espécies também ainda não está resolvido, especialmente fora das zonas protegidas. A Comissão refere ter efectuado, no âmbito do exame de saúde da PAC, várias propostas neste sentido, como por exemplo «a disponibilização de financiamento adicional para o desenvolvimento rural, nomeadamente para fins de protecção da biodiversidade, mediante uma transferência crescente de verbas do primeiro para o segundo pilar da PAC (ou seja, a modulação)». Infelizmente, é forçoso constatar que a decisão do Conselho não seguiu por completo estas propostas. É manifesto que os Estados-Membros não acompanham na medida necessária algumas das iniciativas reconhecidas como necessárias pela UE.

4.10.   Assim, um destes problemas por resolver prende-se com o financiamento da Rede Natura 2000, incluindo a compensação por condições específicas. O CESE observa com grande preocupação que as programações correspondentes dos Estados-Membros atribuem muito poucas verbas ao financiamento da Natura 2000, o que acarretará sérios problemas. Defende, por isso, a criação de uma rubrica orçamental própria no período de programação para 2014-2020.

4.11.   Em geral, apela expressamente a um melhor financiamento da protecção do ambiente, com objectivos mais precisos. No seu parecer sobre o plano de acção sobre a biodiversidade, o Comité já referira que:

os pagamentos directos aos agricultores, que perfazem a maior parte do orçamento para a agricultura, não estão orientados para a promoção da biodiversidade, e sim para preparar os agricultores para os desafios dos mercados mundiais;

«enquanto as condições-quadro à escala mundial tornarem impossível uma agricultura extensiva e compatível com a natureza, deviam-se aumentar as taxas de ajuda às medidas agro-ambientais até se conseguir persuadir todos os agricultores da UE a empregar métodos de produção respeitadores do ambiente» (5). Mais uma vez, as acções não correspondem às palavras.

4.12.   À luz da próxima reforma da PAC e do orçamento, apela-se à Comissão que clarifique finalmente esta questão. Os programas agro-ambientais só poderão ter bons resultados se oferecerem também incentivos económicos aos agricultores. A supressão dos incentivos foi um erro que deve ser corrigido. A mensagem política a transmitir aos agricultores (e à sociedade) deve ser a seguinte: Nós, sociedade, consideramos muito importante que o sector agrícola faça mais pela conservação da biodiversidade do que o prescrito pela lei!

4.13.   Nos Estados-Membros, estão a desenrolar-se actualmente os primeiros debates sobre a evolução futura da política agrícola, os quais são igualmente pertinentes para a biodiversidade, tanto ao nível nacional como europeu e global, no contexto de uma maior utilização de energias renováveis e, por conseguinte, também de bioenergias. A Comissão Europeia esclarece que «um desafio importante será garantir que as recomendações apresentadas nas avaliações do impacto na sustentabilidade sejam levadas à prática, bem como melhorar a nossa compreensão sobre o impacto do consumo de bens alimentares e não alimentares da UE (por exemplo, carne, soja, óleo de palma, minérios metálicos) que possa contribuir para a perda de biodiversidade. Tal poderia implicar o estudo de opções políticas que permitam reduzir este impacto.» O CESE exorta a Comissão a iniciar, com determinação, os estudos correspondentes.

4.14.   A reforma da PAC após 2013 revelará, por conseguinte, se se conseguiu dar uma maior protecção à biodiversidade e à sustentabilidade na política agrícola.

Aspectos gerais e económicos

4.15.   O CESE faz notar que com uma protecção coerente da natureza é igualmente possível cumprir simultaneamente os objectivos em matéria de alterações climáticas. Assim, a protecção e a recuperação das zonas pantanosas e húmidas constituem um contributo eficaz para a protecção do clima. O mesmo é válido para a utilização dos terrenos de pastagem na Europa, sob todas as suas diferentes formas (por exemplo, as dehesas na Península Ibérica). Todavia, muitas das utilizações agrícolas necessárias à manutenção destes habitats tornaram-se, nos últimos anos, economicamente cada vez menos interessantes para os agricultores. A biodiversidade não tem qualquer valor de mercado! Os preços não reflectem em que medida um produto foi produzido de modo sustentável com respeito pela natureza. A política comunitária e dos Estados-Membros não deu, até à data, uma resposta adequada a esta questão.

4.16.   Na Alemanha, por exemplo, 15 dos 16 Estados federados pediam, em Maio de 2006, ou seja, exactamente no mesmo mês em que a Comissão publicou o plano de acção sobre a biodiversidade, uma alteração, ou seja um enfraquecimento, das Directivas Natureza da UE. O Estado federado de Hesse, em particular, continua a apelar neste sentido, recorrendo designadamente ao argumento (económico) de que nenhum país industrializado pode dar-se ao luxo de cumprir requisitos tão rigorosos em nome da protecção da natureza. Por conseguinte, para muitos políticos a importância económica da biodiversidade ainda não é uma questão actual.

4.17.   É de notar que a sociedade e o mundo político praticamente não reagem aos números avançados pelo relatório TEEB, segundo os quais a perda da biodiversidade pode equivaler a uma diminuição da prosperidade de até 6 % do PIB mundial, enquanto que no âmbito da actual crise financeira e económica, diminuições do PIB de muito menor dimensão deram origem a reuniões de crise e a planos de relançamento da economia ascendendo a milhares de milhões de euros. Uma das tarefas mais importantes da Comissão será transmitir, juntamente com os valores éticos e morais da biodiversidade, também os valores económicos e trasladá-los para a prática política.

4.18.   Nos Estados-Membros, continua a existir uma forte pressão sobre a biodiversidade: são cada vez mais as superfícies impermeabilizadas devido quer à construção quer ao asfaltamento, o que constitui um grave problema para a protecção da natureza. A taxa de ocupação do solo continua a ser demasiado elevada e a pressão exercida sobre a agricultura aumenta constantemente. Os interesses da protecção da natureza correm o risco de serem relegados para segundo plano.

Sensibilização/Comunicação

4.19.   No capítulo E, ponto 4 (Melhoria do ensino, da sensibilização e da participação do público), a Comissão afirma que «apenas uma minoria de cidadãos da UE se considerava bem informada sobre a questão da perda de biodiversidade». O mesmo se poderá afirmar dos políticos e dos funcionários das administrações. Este é o ponto de partida desfavorável que se deve ter em mente para se poder ter resultados políticos positivos. Quando a Comissão e os Estados-Membros referem estar «a estudar acções prioritárias para uma campanha de comunicação pública a lançar em apoio a campanhas nacionais e outras», podem contar, neste contexto, com o pleno apoio do CESE.

4.20.   Actualmente, já há muitas iniciativas positivas de sensibilização, incluindo nas cidades, onde as pessoas estão frequentemente menos em contacto directo com a natureza. Estas iniciativas merecem maior apoio público. Em Berlim, por exemplo, celebra-se, uma vez por ano o «Grande dia da natureza na cidade», que reúne mais de cem mil pessoas.

4.21.   O Comité considera importante confrontar os cidadãos de modo concreto e directo com o interesse da protecção da natureza. Assim, seria por exemplo útil dar a conhecer in loco os locais e as razões por que determinadas regiões foram designadas Natura 2000, que espécies aí se encontram e como podem ser protegidas e por quem. As pessoas devem viver e apreender a experiência da protecção da natureza no seu sentido mais autêntico. O próprio conceito de biodiversidade é por poucos entendido, pelo que muitas pessoas não sabem o que fazer com ele.

4.22.   O CESE propõe dar aos produtores a possibilidade de aporem rótulos nos seus produtos, quando estes são produzidos através de processos especiais que favorecem a protecção da natureza, para informação dos consumidores.

É indispensável envolver activamente os cidadãos na protecção do ambiente e na preservação da biodiversidade. Não é suficiente que a Comissão lance campanhas de promoção de um estilo de vida mais sustentável; são igualmente necessárias estratégias que proporcionem aos consumidores instrumentos práticos para medir o impacto da sua vida quotidiana e alterar adequadamente os seus hábitos de consumo.

Exemplos de medidas desse tipo seriam:

A introdução nos currículos escolares de aulas com conteúdos práticos sobre a protecção do ambiente e da biodiversidade.

A criação de instrumentos de medição do impacto do consumo de certos alimentos na biodiversidade (com base num «cesto» de produtos seleccionados de consumo diário e de produtos alternativos possíveis), partindo da avaliação metódica do ciclo de vida.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21.5.1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (Directiva Habitats).

(2)  http://ec.europa.eu/environment/nature/biodiversity/economics/pdf/teeb_report.pdf.

(3)  JO C 97 de 28.4.2007, p. 6.

(4)  JO C 97 de 28.4.2007, p. 6.

(5)  «Situação da natureza e da protecção da natureza na Europa», JO C 221 de 7.8.2001, pp. 130-137.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/80


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Estratégia de internalização dos custos externos

[COM(2008) 435 final/2]

(2009/C 317/14)

Relator: Jan SIMONS

Em 8 de Julho de 2008, a Comissão decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu, nos termos do artigo 262.o do Tratado CE, sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Estratégia de internalização dos custos externos

COM(2008) 435 final/2.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 20 de Maio de 2009, sendo relator Jan Simons.

Na sua 455.a reunião plenária, realizada em 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 133 votos a favor, 6 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões

1.1.   O CESE constata que a Comissão não poupou esforços para obter a internalização dos custos externos para todos os modos de transporte. O CESE aprecia esta diligência ciente do grau de dificuldade da empresa, mas considera que há ainda uma série de obstáculos a vencer a nível da aplicação prática e que é sobretudo importante garantir a aceitação geral da sociedade.

1.2.   A internalização dos custos externos deve reduzir a poluição e os danos causados por cada um dos modos de transporte existentes actualmente.

1.3.   O CESE exorta a Comissão a zelar para que, logo desde o início, os transportadores dos países terceiros sejam bem integrados na internalização dos custos externos, para evitar que usufruam de uma situação mais favorável.

1.4.   A situação actual, em que os custos externos não são imputados a cada um dos modos de transporte individualmente – e aos seus utentes –, confere uma vantagem concorrencial aos modos de transporte que geram custos externos elevados. A internalização destes custos permitiria garantir, dentro das suas possibilidades de influência, uma concorrência mais sã. Inversamente, tal significa que essa internalização acabaria com as distorções da concorrência e incentivaria, por seu turno, a uma passagem para modos de transporte mais ecológicos. O CESE considera importante transmitir este princípio com muito mais veemência, pois ele poderia levar também a mudanças estruturais na oferta e na procura de serviços de transporte.

O CESE concorda com a Comissão que é necessário criar um quadro ao nível comunitário, a que, na sua opinião, nenhum dos Estados-Membros se poderá eximir.

1.5.1.   A seu ver, este quadro terá de integrar uma série de condições gerais (por exemplo, o montante das tarifas justificado em função do princípio do nível de vida, diferenciadas no lugar e no tempo, e fixadas segundo uma perspectiva geográfica e não administrativa), tendo em conta dentro de uma determinada margem as tarifas correspondentes à neutralização dos custos externos.

1.5.2.   Caberá depois às autoridades competentes pela tarifação, por exemplo, um Estado-Membro ou uma autarquia, acertar as tarifas dentro da margem atrás referida lançando mão do seu conhecimento detalhado das especificidades locais.

1.6.   O CESE considera que é urgente que a Comissão apresente, mesmo durante a crise que atravessamos, propostas concretas para um quadro europeu desse tipo, a fim de internalizar os custos externos de todos os modos de transporte, quadro esse que deverá ser elaborado e aplicado ulteriormente pelos Estados-Membros em colaboração com a Comissão Europeia. Estas propostas devem contar naturalmente com a adesão do público e dos modos de transporte e partir de uma consciência ambiental. Os pagamentos e as taxas daí decorrentes devem estar relacionados com a utilização e não com a posse de um modo de transporte.

1.7.   Na opinião do CESE, se a internalização dos custos externos passar à prática, as receitas daí resultantes poderiam, no respeito das regras orçamentais nacionais, ser afectadas a medidas destinadas a reduzir, de preferência na raiz, os efeitos externos dos modos de transporte, ou seja, os danos causados ao ambiente ou à saúde pública pelos quais é directamente responsável.

2.   Introdução

2.1.   A questão da internalização dos custos não é nova. Em 1924, o economista inglês Pigou e, mais tarde, em 1960, Coase, apresentaram teorias sobre a forma como os custos dos efeitos externos positivos e negativos poderiam ser também integrados nos mecanismos de mercado através da formação dos preços: segundo Pigou, mediante subsídios e taxas e segundo Coase, mediante direitos de propriedade transaccionáveis, mas sob condições muito estritas (com nenhuns ou escassos custos de transacção, prejuízos mensuráveis e um número limitado de intervenientes).

2.2.   Também no tráfego, isto é, a circulação dirigida dos meios de locomoção em infra-estruturas de transporte, ocorrem igualmente efeitos externos. Se é grande o número de intervenientes, por exemplo, no transporte interior, é preferível a tese de Pigou, uma vez que, quando adaptada aos custos marginais, permite uma afectação eficiente dos recursos.

2.3.   No contexto da Comunidade Europeia, a questão veio a lume já no final dos anos sessenta, mas o estádio em que a ciência se encontrava na época não permitia ainda saber qual a via mais conveniente para aferir e calcular na prática os custos desses efeitos. Nessa altura o objectivo era corrigir as condições de concorrência supostamente desiguais dos modos de transporte.

2.4.   Não se ficou, contudo, de braços cruzados. Basta referir o Livro Verde de 1995 sobre a formação dos preços dos transportes, o Livro Branco de 1998 sobre uma abordagem gradual para um quadro comum de tarifação das infra-estruturas de transportes, o Livro Branco de 2001 sobre a política europeia de transportes no horizonte 2010 e a revisão intercalar do Livro Branco de 2006.

2.5.   Em 2006, instou-se a Comissão (1) a apresentar até 10 de Junho de 2008, após apreciação de todas as opções, incluindo os custos relacionados com o ambiente, o ruído, o congestionamento e a saúde, um modelo de avaliação de todos os custos externos que fosse aceite por todos, transparente e compreensível e servisse de base para o cálculo futuro dos encargos com a infra-estrutura. Este modelo seria acompanhado de uma análise de impacto da internalização dos custos externos inerentes a todos os modos de transporte e de uma estratégia de aplicação gradual do modelo a todos eles.

2.6.   O objectivo era a internalização dos custos externos de todos os modos de transporte para, deste modo, estabelecer o preço ao nível certo e apenas imputar aos utentes os custos reais que originam. Cientes desta questão, os utentes teriam mais consciência das consequências das suas acções e poderiam adaptar o seu comportamento para reduzir os custos externos.

2.7.   O CESE abordou já a questão da internalização dos custos externos em vários pareceres. Refere, por exemplo, no seu parecer de 1996 que «uma imputação incompleta de custos de infra-estrutura e de custos externos – que diferem consoante os modos de transporte – pode originar distorções da concorrência». No seu parecer sobre o Livro Branco de 2001 diz concordar com a Comissão segundo a qual «a acção da Comunidade deve visar a substituição progressiva das taxas que actualmente incidem sobre o sistema de transportes por instrumentos mais eficazes para integrar os custos de infra-estrutura e os custos externos».

2.8.   No seu parecer sobre a avaliação intercalar do Livro Branco de 2001, o CESE afirma partilhar da abordagem – alterada – da Comissão que defende a passagem de uma política de transferência modal para a chamada co-modalidade (2), uma abordagem em que cada modo de transporte deve ser individualmente optimizado e tornar-se mais competitivo, mais sustentável, mais social, mais rentável, mais ecológico e mais seguro.

2.9.   Segundo esta lógica, o CESE pensa que cada modo de transporte (3) deveria suportar a totalidade dos custos a que dá origem.

2.10.   O CESE elaborou ainda pareceres no contexto dos transportes urbanos, nomeadamente sobre o «Livro Verde – Por uma nova cultura de mobilidade urbana» (4) e um parecer exploratório sobre o «Pacote energético no sector dos transportes» (5). Na opinião do CESE, é aduzida aqui uma nova dimensão: o princípio do «utilizador-pagador» converte-se em «poluidor, in casu utilizador-pagador».

2.11.   Na sua essência, a estratégia agora proposta estabelece que o princípio de «tarifação pelo custo marginal social» se deveria aplicar como princípio geral à internalização dos custos externos.

2.12.   Segundo este princípio, o preço do transporte tem de ser igual aos custos suplementares gerados por um utilizador adicional da infra-estrutura em causa. Em princípio, estes custos suplementares deveriam incluir os custos imputados ao utilizador e os custos externos e contribuir para uma utilização eficiente da infra-estrutura, mediante uma relação directa entre a utilização dos dinheiros públicos e os serviços de transporte. A tarifação pelo custo marginal social permitiria, deste modo, a utilização eficiente da infra-estrutura existente (6).

2.13.   Segundo o CESE, a internalização dos custos externos terá inevitavelmente consequências para a sociedade. É, por conseguinte, necessário chamar os parceiros sociais a participarem logo de início no debate para se chegar a um consenso sobre a forma de execução nos vários sectores.

3.   Síntese da Comunicação da Comissão e das Conclusões do Conselho

3.1.   Com o pacote da comunicação de carácter geral «Tornar o transporte mais ecológico», a proposta de alteração da Directiva «Eurovinheta» e a comunicação intitulada «Medidas de redução do ruído ferroviário aplicáveis à frota existente», a Comissão pretende integrar os custos externos (CO2, poluição atmosférica, ruído e congestionamento) no preço dos transportes, para que os utilizadores suportem os custos reais por si gerados.

3.2.   Continuam a ser necessárias outras acções, como uma política que ataque os problemas na raiz, uma política para o mercado interno e incentivos à inovação tecnológica. As receitas obtidas deste modo devem ser canalizadas para a redução dos custos externos, por exemplo, através de investimentos na investigação e na inovação, em infra-estruturas ecológicas e na melhoria dos transportes públicos. Está prevista para 2013 uma avaliação neste contexto.

3.3.   Na reunião de 8 e 9 de Dezembro de 2008, o Conselho já sublinhara a «necessidade de implementar esta estratégia de uma forma gradual, equitativa, eficaz e equilibrada em relação aos diferentes modos de transporte e neutra do ponto de vista tecnológico». Além disso, toma nota do prazo de 2013 proposto pela Comissão para avaliar a implementação da estratégia. O Conselho prossegue afirmando que «é imperativo respeitar estes princípios para assegurar a adesão do público à estratégia de internalização dos custos externos».

4.   Observações na generalidade

4.1.   O CESE considera que a Comissão se tem mantido activa desde 2006. Após consultas públicas e seminários temáticos com as partes interessadas, apresentou uma proposta de quadro comum para a internalização dos custos externos, publicou uma análise de impacto da internalização dos custos externos inerentes a todos os modos de transporte e elaborou uma estratégia de aplicação gradual do modelo a todos eles.

4.2.   Em suma, a Comissão revelou grande dinamismo num período relativamente curto e num dossiê bastante delicado: a internalização dos custos externos. O CESE considera independentemente das conclusões extraídas, muito pertinentes os documentos de trabalho da Comissão SEC(2008)2209, SEC(2008)2208 e SEC(2008)2207. Só é pena constatar que o seu conteúdo, nomeadamente as «melhores soluções» que emergiram da análise realizada, não foi tido em conta na comunicação oficial da Comissão. Na opinião do CESE, convém examinar se os dados de base fornecidos pelo Handbook on estimation of external costs in the transport sector não deveriam ser confirmados mais acuradamente.

4.3.   A Comissão e o Conselho consideram essencial garantir não só a base social de apoio existente em geral, mas também, e muito particularmente, no atinente aos modos de transporte, pois é essa a única forma de lograr um sistema objectivo, aplicável a todas as situações, transparente e compreensível.

4.4.   Na opinião do CESE, é preciso ter em mente uma série de condições fundamentais, como a evolução tecnológica, o impacto social da introdução do sistema, as consequências para as regiões insulares, encravadas e periféricas da Comunidade, o valor do investimento no sector e o contributo para a realização dos objectivos de uma política de transportes sustentável.

4.5.   Tal como a Comissão, o CESE considera essencial canalizar as receitas provenientes da internalização dos custos externos de preferência para medidas que promovam o funcionamento sustentável dos modos de transporte e que, graças à a sua combinação e optimização, produzam um efeito máximo no combate à poluição, ao ruído e aos congestionamentos.

4.6.   Estas receitas deveriam servir para prevenir ou obviar os efeitos externos indesejáveis, por exemplo, através da adopção de medidas para atacar os problemas na raiz ou fazer face aos custos dos cuidados de saúde relacionadas de uma forma directa e evidente com os modos de transporte, ou ainda da criação de sumidouros de CO2.

4.7.   O CESE considera igualmente essencial que as várias componentes dos custos externos sejam conhecidas e reconhecidas relativamente a cada um dos modos de transporte.

4.8.   No tráfego rodoviário, por exemplo, os custos do congestionamento deveriam ser imputados de forma proporcional e equitativa tanto ao transporte de mercadorias como de passageiros.

4.9.   Para garantir o desenvolvimento sustentável dos modos de transporte, o CESE apela a que se preste mais atenção aos aspectos sociais no debate sobre a internalização dos custos externos.

4.10.   O CESE insiste, além disso, que esta internalização não poderá de forma alguma repercutir-se nos rendimentos dos trabalhadores. Os custos externos devem ser imputados aos utilizadores dos vários modos de transporte.

4.11.   O CESE concorda, em princípio, com a filosofia da Comissão de internalizar todos os custos externos (7). Mas apenas se surtirá o efeito desejado se esta filosofia for aplicada na mesma medida a todos os modos de transporte responsáveis por custos externos.

4.12.   A situação actual, em que os custos externos não são imputados a cada um dos modos de transporte individualmente – e aos seus utentes –, confere uma vantagem concorrencial aos modos de transporte que geram custos externos elevados. A internalização destes custos permitiria garantir, dentro das suas possibilidades de influência, uma concorrência mais sã. Inversamente, tal significa que essa internalização acabaria com as distorções da concorrência e incentivaria, por seu turno, a uma passagem para modos de transporte mais ecológicos. O CESE considera importante transmitir este princípio com muito mais veemência, pois ele poderia levar também a mudanças estruturais na oferta e na procura de serviços de transporte.

CESE concorda com a Comissão que é necessário criar um quadro ao nível comunitário.

4.13.1.   Mas, a seu ver, este quadro terá de prever uma série de condições gerais a preencher, dentro de uma certa margem, pelas tarifas a cobrar pela neutralização dos custos externos. Pensa-se aqui, por exemplo, em vários tipos de custos externos, no montante das tarifas justificado no nível de vida, diferenciadas no lugar e no tempo, e fixado segundo uma perspectiva geográfica e não administrativa.

4.13.2.   Caberá depois às autoridades competentes pela tarifação, por exemplo, um Estado-Membro ou uma autarquia, acertar as tarifas dentro da margem atrás referida, lançando mão do conhecimento detalhado que têm das especificidades locais, em que devem ser tidas em conta as diferenças no nível de vida entre as várias regiões.

Nos transportes marítimo e aéreo, a internalização dos custos externos deve ter em conta a realidade da concorrência mundial com que estes transportes se vêem confrontados.

4.13.3.1.   Por uma questão de concorrência, os três sectores «clássicos» do transporte interior – rodoviário, ferroviário e navegação interior – que operam na Europa deveriam estar sujeitos, de um modo equilibrado, a uma mesma estratégia e a uma mesma metodologia que podem, naturalmente, surtir resultados diferentes consoante as características de cada sector.

4.13.3.2.   Uma internalização desta natureza está em consonância com a política de co-modalidade e a política da concorrência e aproxima-nos do objectivo almejado para 1992 (!), ou seja, a conclusão do mercado interno sem fronteiras.

5.   Observações na especialidade

5.1.   A propósito da navegação interior, a Comissão invoca muito acertadamente a Convenção de Mannheim como um quadro regulamentar que convém ter em consideração. Esta Convenção é válida para o Reno, incluindo a parte suíça, e seus afluentes. Tem prioridade por ser anterior aos tratados da União e passou a incluir um terceiro país (8). Esta Convenção proíbe a aplicação de taxas à navegação, que deve ser entendida neste caso por tráfego pelas vias de navegação interior.

5.2.   O CESE, embora ciente da profunda crise mundial que atravessamos, mas simpatizando com a ideia da internalização dos custos externos, em que são tidas em conta sobretudo considerações ambientais, apela a uma actuação firme e decidida.

5.3.   Espera mesmo que, ainda durante este período de crise, se avance no desenvolvimento e no aperfeiçoamento do quadro da internalização dos custos externos, tal como se descreve no ponto 4.13.1 e seguintes. Trata-se, na sua opinião, de uma empresa que é preciso levar a bom termo, graças à cooperação entre as instituições europeias, os Estados-Membros e o mundo empresarial.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver artigo 11.o da Directiva 2006/38/CE.

(2)  COM(2006) 314 final, pontos 1.1 e 9.

(3)  Todos os modos de transporte ao abrigo da legislação europeia, excluindo portanto, por exemplo, veículos militares e outros.

(4)  JO C 224 de 30.8.2009, p. 39.

(5)  JO C 162 de 25.6.2008, p. 52.

(6)  Com base no documento COM(2008) 435 final «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Estratégia de internalização dos custos externos».

(7)  O CESE chama a atenção para o facto de se dever excluir destas disposições o património cultural que circula nas estradas, navega ou voa, ou seja veículos históricos.

(8)  Artigo 307.o do TCE.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/84


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre os benefícios da telemedicina para os doentes, os sistemas de saúde e a sociedade

[COM(2008) 689 final]

(2009/C 317/15)

Relator: Lucien BOUIS

Em 4 de Novembro de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre os benefícios da telemedicina para os doentes, os sistemas de saúde e a sociedade

COM(2008) 689 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 26 de Junho de 2009, sendo relator Lucien Bouis.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 160 votos a favor, com 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Observações e recomendações

1.1.   O CESE acolhe com interesse a comunicação da Comissão que tem por objectivo apoiar e incentivar os Estados-Membros a integrarem a telemedicina nas suas políticas da saúde.

1.2.   O CESE aprova a intenção da Comissão de, no respeito do princípio da subsidiariedade, fomentar a confiança na telemedicina e a sua aceitação, reforçar a clareza jurídica na matéria, resolver os problemas técnicos e facilitar o desenvolvimento do mercado. Os Estados-Membros continuam responsáveis pela sua política de saúde pública e pelo desenvolvimento da telemedicina, em função da sua capacidade de investimento.

1.3.   O CESE tem para si que é preciso melhorar a informação aos responsáveis pela saúde pública, aos profissionais e aos doentes, fornecendo informações baseadas em dados rigorosos e sustentados demonstrando a sua eficácia e rentabilidade.

1.4.   O CESE estará atento a se as actividades de investigação e desenvolvimento oferecem todas as garantias de segurança de utilização, ergonomia simplificada e custos inferiores de aquisição e utilização. Assinala a intenção da Comissão de apoiar um projecto-piloto de telemonitorização em grande escala.

1.5.   O CESE chama a atenção para as dificuldades de desenvolvimento da telemedicina quando, em certas condições claramente definidas, esta contribui para melhorar o sistema de saúde e os seus benefícios para os doentes, os profissionais de saúde e os organismos de segurança social. Considera necessário definir os seus âmbitos de aplicação e atribuir-lhe uma base jurídica sólida.

1.6.   O CESE entende ser preferível manter uma definição simplificada dos actos médicos abrangidos pela telemedicina, de forma a garantir a confidencialidade e um elevado nível de segurança para o doente.

1.7.   O CESE congratula-se com a criação, prevista para 2009, de uma plataforma europeia de assistência aos Estados-Membros para a partilha de informações sobre os enquadramentos jurídicos nacionais.

1.8.   No entender do CESE, o acto médico que utiliza a telemedicina enquanto técnica complementar deve não só respeitar os direitos e as obrigações associados a qualquer acto médico, mas também ter em conta as obrigações ligadas à sua especificidade, tais como a informação sobre os meios técnicos de transmissão de dados e sua segurança.

1.9.   O CESE considera evidente que o acesso à rede de banda larga (1), com a mesma amplitude em cada país, e a conectividade total são condições essenciais para o desenvolvimento da telemedicina. As infra-estruturas digitais nos territórios, sobretudo nas zonas rurais e ultraperiféricas, devem ser reforçadas, a fim de garantir um acesso equitativo dos cidadãos aos cuidados de saúde.

1.10.   O CESE aprova que a Comissão publique um documento de estratégia política com base em normas existentes ou em elaboração, tendo em vista garantir a interoperabilidade, a qualidade e a segurança dos sistemas.

1.11.   O CESE tem para si que, para além dos aspectos técnicos e organizativos, é necessário desenvolver o intercâmbio de boas práticas clínicas no domínio da telemedicina.

1.12.   O CESE congratula-se com a proposta de definir três níveis de acção para os próximos anos.

1.13.   Ao nível dos Estados-Membros, deve ser dada especial atenção à classificação dos actos, aos respectivos custos e às suas taxas de reembolso.

1.14.   No tocante aos países que beneficiarão do apoio da União, há que criar instrumentos de pilotagem e de avaliação dos aspectos técnicos e da eficiência da telemedicina.

1.15.   Dado que as acções serão levadas a cabo pela Comissão, o CESE considera que, para responder aos receios dos utilizadores e reforçar a sua confiança, aquela devia apoiar programas de informação e formação sobre a utilização das novas tecnologias orientados para os profissionais de saúde e o público em geral.

1.16.   O CESE lamenta que a formação dos profissionais da saúde não seja alvo de uma atenção especial, na medida em que é indispensável um projecto estruturado de formação universitária e ao longo da carreira. Essa formação não deve, porém, conduzir à formação de «telemédicos», mas sim à formação de todos os médicos em telemedicina.

1.17.   O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a respeitarem rigorosamente as recomendações da presente comunicação e o calendário de acções proposto.

1.18.   O CESE tem para si que as organizações que representam os doentes, os consumidores e os profissionais de saúde devem participar na definição das modalidades de desenvolvimento destas novas tecnologias. Considera importante participar na análise das diferentes etapas da execução dos compromissos assumidos.

1.19.   No entender do CESE, o desenvolvimento da telemedicina, ao serviço dos doentes, dos sistemas de saúde e da sociedade, deve ser concebido no quadro da evolução geral dos sistemas e das políticas de saúde.

2.   Síntese da comunicação

2.1.   Contexto

2.1.1.   A telemedicina (2) – ou seja, a prestação de serviços de saúde à distância – pode ajudar a melhorar a vida dos doentes e dos profissionais de saúde e resolver os problemas enfrentados pelos sistemas de saúde (envelhecimento da população, aumento das doenças crónicas, apoio ao domicílio, doentes isolados ou com limitações nas suas deslocações, demografia médica, desequilíbrio na repartição territorial dos cuidados de saúde, etc.).

2.1.2.   Para além da melhoria dos cuidados de saúde e da eficiência dos sistemas de saúde, a telemedicina pode contribuir para a economia da UE pelo dinamismo desse sector de actividade (PME, nomeadamente). No entanto, o recurso à telemedicina é ainda reduzido e o mercado mantém-se fragmentado.

2.2.   Abordagem da comunicação

2.2.1.   O objectivo da comunicação é apoiar e incentivar os Estados-Membros a integrarem a telemedicina nas suas políticas de saúde. Para o efeito, identificam-se os obstáculos ao seu recurso, propõem-se soluções para ajudar a ultrapassar essas barreiras e fornecem-se elementos destinados a suscitar o interesse por estes serviços e a aumentar a sua aceitação pela comunidade médica e pelos doentes.

2.2.2.   Dado que os Estados-Membros são os primeiros responsáveis pela organização, financiamento e prestação dos cuidados de saúde e que são os únicos com capacidade para conseguir que a telemedicina seja uma realidade, no pleno respeito do princípio da subsidiariedade, a Comissão define acções a realizar pelos Estados, por ela própria e pelas partes interessadas.

Observações na generalidade

3.1.   O CESE toma nota da definição do âmbito de aplicação da comunicação da Comissão, mas gostaria de sublinhar a necessidade de informatizar os sistemas de registos médicos e a relação estreita entre isso e o desenvolvimento da telemedicina.

O CESE apoia o desenvolvimento da telemedicina para responder ao objectivo principal de garantir a todos um acesso equitativo a cuidados de saúde de qualidade. Chama a atenção para o seu impacto previsível no sistema de saúde e nas práticas dos profissionais de saúde e considera necessário reforçar a vigilância para evitar o mercantilismo.

3.2.1.   Embora o desenvolvimento da telemedicina fomente a generalização das práticas colegiais dos profissionais de saúde e a organização em rede dos cuidados de saúde e contribua para melhorar a qualidade e a acessibilidade aos cuidados de saúde, há, porém, que antecipar e acompanhar essas mudanças com uma análise da organização, hierarquização e delegação de tarefas, bem como com a criação de um protocolo para as práticas.

O CESE aprecia os três níveis de acção propostos e tece alguns comentários sobre os mesmos.

3.3.1.   Criação de confiança nos serviços de telemedicina e aumento da aceitação desses serviços

3.3.1.1.   O CESE tem para si que os responsáveis pela saúde pública, os profissionais e os doentes, bem como as suas respectivas organizações, devem receber mais informações mediante a criação de espaços de debate. Essa obrigação de informar deve basear-se na apresentação da base factual da eficácia da telemedicina. Nessa perspectiva, há que fornecer informações baseadas em dados rigorosos demonstrando a sua eficácia e rentabilidade. Nesse contexto, cabe sublinhar que o desenvolvimento e a sustentabilidade do recurso à telemedicina depende do nível de reembolso dos custos destes serviços e do saldo a cargo do doente.

3.3.1.2.   O CESE chama a atenção para o facto de, no tocante à investigação e ao desenvolvimento, as PME do sector não disporem de suficiente capacidade financeira. Assim, a intervenção do sector público e da parceria público-privado constitui um instrumento de divulgação em grande escala dos sistemas de telemonitorização. No que se refere ao equipamento, o CESE verificará se o seu aperfeiçoamento garantirá a sua segurança, a sua ergonomia simplificada e custos mais baixos de aquisição e utilização. Os desenvolvimentos não podem ficar apenas nas mãos das empresas.

3.3.1.3.   O CESE sublinha que a difusão da telemedicina, nomeadamente da telemonitorização, suscita novas preocupações éticas devido aos efeitos destas técnicas na relação médico-doente. Para que estas técnicas, incapazes de substituir a relação humana, sejam aceites, considera indispensável definir as relações pessoal médico/doente no que se refere aos doentes que necessitam de calor humano e de explicações compreensíveis, exactas e tranquilizadoras.

3.3.1.4.   O CESE considera essencial democratizar a utilização da tecnologia para permitir aos doentes conservarem o controlo sobre a sua vida e as suas opções.

3.3.1.5.   Além disso, o pessoal médico contactado por telefone ou num ecrã deverá ter recebido formação psicológica a fim de tornar mais humana a relação à distância e atenuar a ausência de presença física, presença que até agora estava na base do colóquio singular profissional de saúde/doente.

3.3.1.6.   O CESE refere com interesse a intenção da Comissão de apoiar, através do seu programa Competitividade e Inovação, um projecto-piloto de telemonitorização em grande escala, associando as entidades pagadoras. Sublinha o facto de os Estados-Membros serem responsáveis por avaliarem, até ao final de 2009, as suas necessidades e prioridades na área da telemedicina.

3.3.1.7.   O CESE aprova igualmente o financiamento de programas como o Programa Comum para a Assistência à Autonomia no Domicílio (AAD) (3), levado a cabo nos termos do artigo 169.o do Tratado, e insta os Estados-Membros a participarem no programa.

3.3.2.   Reforçar a clareza jurídica

3.3.2.1.   O CESE assinala que a telemedicina evolui com dificuldade quando, em certas condições claramente definidas, esta contribui para melhorar o sistema de saúde e os seus benefícios para os doentes, os profissionais de saúde e os organismos de segurança social. Constitui uma forma eficaz de optimizar a qualidade dos cuidados de saúde pela rapidez da troca de informações e de melhorar a eficiência do tempo despendido pelo profissional de saúde. O CESE considera necessário definir os seus âmbitos de aplicação e atribuir-lhe uma base jurídica satisfatória.

3.3.2.2.   O CESE entende ser preferível manter uma definição simplificada dos actos médicos abrangidos pela telemedicina, tais como:

a teleconsulta: acto médico realizado em contacto com o doente que interage à distância com o médico, podendo o diagnóstico resultar na prescrição de um tratamento ou de medicamentos;

o telediagnóstico: diagnóstico e/ou terapia determinado sem a presença do doente. Trata-se de uma troca de pontos de vista entre diversos profissionais de saúde que determinam os seus diagnósticos com base em dados constantes do registo médico;

a teleassistência: acto em que um médico ajuda à distância um outro profissional de saúde durante a realização de um acto médico ou cirúrgico. Este termo também é utilizado em situação de emergência para ajudar um profissional de emergência médica.

No tocante a estes actos, é essencial melhorar a clareza jurídica, assegurar o reforço dos sistemas de protecção de dados e garantir a maior segurança possível ao doente, tanto ao nível da recolha como do armazenamento e da utilização dos dados.

3.3.2.3.   Tendo notado que as definições dos actos médicos e respectivas implicações ao nível jurídico e judiciário e o nível do reembolso diferem entre os Estados-Membros, o CESE sublinha que os beneficiários dos cuidados de saúde podem consultar e receber tratamento médico num outro Estado que não o seu, e isso independentemente da forma como esse serviço é prestado (4), o que inclui a telemedicina.

3.3.2.4.   O CESE recorda o seu interesse na criação de sistemas de recurso em caso de danos e na definição de modalidades claras de resolução dos contenciosos, incluindo a nível transnacional, o que deverá conduzir à generalização de um sistema de seguro obrigatório para todos os profissionais.

3.3.2.5.   O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de criar, em 2009, uma plataforma europeia de assistência aos Estados-Membros para a partilha de informações sobre os enquadramentos jurídicos nacionais e eventuais modificações ligadas à telemedicina.

3.3.2.6.   Na opinião do CESE, a telemedicina não pode nem deve substituir o acto médico. Ela é complementar e apresenta limitações devido à ausência de exames clínicos, está sujeita ao respeito dos mesmos direitos e obrigações associados a qualquer acto médico. Deverão também receber especial atenção os seguintes factores:

a qualidade do profissional de saúde deve ser claramente indicada;

o doente deve beneficiar dos conhecimentos médicos mais recentes, independentemente da sua idade, da sua situação financeira e da sua patologia;

o doente deve ser informado sobre o interesse e a abrangência do acto, bem como sobre os meios utilizados;

o doente deve poder dar o seu livre consentimento;

o segredo médico deve ser alvo de contrato de seguro;

as receitas consecutivas devem ser reconhecidas;

as perguntas e as respostas do médico devem ser de fácil compreensão para o doente;

os documentos criados devem ser seguros e incluídos no registo médico;

a continuidade dos cuidados de saúde deve ser garantida;

a qualidade do acto médico deve ser pelo menos equivalente à qualidade do acto tradicional;

a ausência de exame clínico não deve ser compensada por uma multiplicação de exames radiológicos ou biológicos;

uma confidencialidade rigorosa deve ser garantida pelas condições técnicas de transmissão de dados e do seu tratamento pelo pessoal médico e paramédico.

Mais especificamente, a realização de actos de telemedicina deve incluir informações sobre os meios técnicos utilizados para a transmissão de dados.

3.3.3.   Resolução de aspectos técnicos e facilitação do desenvolvimento do mercado

O CESE considera que o acesso à rede de banda larga (1), necessário para garantir um máximo de segurança, e a conectividade total condicionam o desenvolvimento da telemedicina. A confiança dos médicos e dos doentes nesta prática passa, na verdade, pela garantia de segurança das tecnologias aplicadas e pela facilidade na sua utilização.

3.3.3.1.1.   As infra-estruturas digitais nos territórios, sobretudo nas zonas rurais e ultraperiféricas, devem ser consolidadas pois a telemedicina necessita de uma rede eficiente, em especial quando se trata das populações situadas nessas zonas.

3.3.3.1.2.   A inexistência de banda larga implica tempos de resposta inaceitáveis para os profissionais de saúde e impede a transmissão de ficheiros volumosos. A degradação de certas informações pode causar graves riscos médicos.

3.3.3.2.   O CESE concorda com a intenção da Comissão de publicar, em colaboração com os Estados-Membros, um documento de estratégia política tendo em vista garantir a interoperabilidade, a qualidade e a segurança dos sistemas, com base em normas existentes ou em elaboração a nível europeu. O CESE tem para si que, dada a evolução constante das tecnologias em causa, só uma avaliação periódica da fiabilidade dos materiais conseguirá cimentar a confiança.

3.4.   Considera igualmente que, embora o desenvolvimento destas tecnologias seja uma oportunidade para a economia em geral, o impacto no financiamento frágil dos sistemas de saúde merece ser avaliado, sendo desejáveis ajudas comunitárias à investigação e ao desenvolvimento. Na sua opinião, o programa de investigação «TIC e Envelhecimento» (5) devia passar a debruçar-se sobre as características específicas da telemedicina.

4.   Observações na especialidade

A telemedicina não deve ser considerada um domínio que resulta apenas do desenvolvimento do comércio electrónico, mantendo-se um acto médico na sua integridade. Por isso, o CESE congratula-se com a proposta de definir três níveis de acção para os próximos anos.

Ao nível dos Estados-Membros, o CESE frisa que deve ser dada atenção à classificação dos actos e aos respectivos reembolsos. Efectivamente, nem todos os sistemas de seguro integraram a telemedicina enquanto acto médico e mostram-se cautelosos em relação às condições de receitas correspondentes.

4.1.1.1.   Tendo em conta os custos dos investimentos, é patente a necessidade de as instituições e/ou organismos de saúde pública competentes em matéria de política da saúde analisarem as possibilidades de financiamento e determinarem as suas fontes, no quadro da plataforma de intercâmbio entre as diversas partes interessadas. O CESE manifesta-se, porém, inquieto com o risco de as contribuições dos doentes para a cobertura dos seus cuidados de saúde aumentarem consideravelmente a pretexto destas novas disposições.

No tocante aos Estados-Membros que beneficiarão de apoio da UE, o CESE assinala que, tendo em conta a diversidade dos regulamentos nos diferentes países e as práticas e costumes na matéria, conviria publicar, em 2009, a análise de um enquadramento jurídico comunitário a aplicar aos serviços de telemedicina.

4.1.2.1.   Na opinião do CESE, seria desejável que, para além dessa análise, se criassem mecanismos de pilotagem e avaliação com a ajuda da UE. Da mesma forma, dever-se-ia definir objectivos estratégicos e coerentes que garantissem a visibilidade necessária para os decisores. Essa visibilidade envolve uma avaliação médica e económica adaptada aos reptos demográficos e do desenvolvimento dos sistemas de saúde em benefício dos doentes.

No que se refere às acções a levar a cabo pela Comissão, o CESE estima que, para responder aos receios dos utilizadores e ao problema de confiança associado, a Comissão devia apoiar programas pedagógicos destinados a familiarizar os doentes com estas práticas e instrumentos novos, em especial dado que esses doentes são muitas vezes pessoas de idade avançada.

O CESE lamenta que a Comissão não preste uma atenção especial à formação dos profissionais de saúde, a fim de os familiarizar com as novas condições do exercício da sua arte. A continuidade e a coordenação dos cuidados de saúde exigem também um bom domínio dos novos instrumentos de interacção com o doente.

4.1.3.1.1.   O CESE defende que, no domínio da telemedicina e em muitos outros, a formação adaptada a cada categoria de profissionais do sector da saúde deve ser considerada um instrumento importante da mudança. É indispensável um projecto estruturado de formação universitária e ao longo da carreira profissional destinado a optimizar a utilização da telemedicina para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde. Tal implica também a comunicação de informações sustentadas ao público em geral.

4.1.3.1.2.   O CESE chama igualmente a atenção para a natureza interactiva e interprofissional da utilização destas novas tecnologias, que constitui em si um apoio pedagógico favorável à auto-aprendizagem no quadro de um trabalho em parceria a desenvolver.

4.1.4.   O CESE estima ser indispensável que a telemedicina seja considerada uma prática médica de pleno direito e não como uma moda ou um substituto, quer ao nível da investigação tecnológica, de desenvolvimento de equipamentos e programas informáticos, dos aspectos económicos do fornecimento de infra-estruturas e do reembolso das prestações, quer ao nível da aceitação e da confiança na telemedicina. Seria de prever uma harmonização e homologação que facilitasse os intercâmbios entre os profissionais de cuidados de saúde e o envolvimento dos doentes, graças a um ambiente convivial.

5.   Conclusões

5.1.   A evolução cultural que representa a prática da telemedicina exige uma comunicação adaptada, o que poderá fomentar o aparecimento de novas profissões.

5.2.   O CESE entende que o desenvolvimento da telemedicina deve ser concebido no quadro de uma evolução dos sistemas e das políticas de saúde.

5.3.   Os utilizadores do sistema de saúde são incentivados a serem mais activos no que se refere à sua saúde. As suas organizações representativas e as dos profissionais de saúde devem ser envolvidas na definição das modalidades de desenvolvimento e financiamento das novas tecnologias.

5.4.   O CESE considera importante estar envolvido na análise das etapas da execução dos compromissos assumidos: para além do desenvolvimento operacional da telemedicina e dos meios disponibilizados, o mais importante é a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 8.

(2)  A telemedicina engloba uma série de serviços, designadamente a telerradiologia, a telepatologia, a teledermatologia, a teleconsulta, a telemonitorização, a teleoftalmologia, com excepção da telecirurgia. No entanto, na comunicação, os portais de informação no domínio da saúde, os sistemas de registos de saúde electrónicos, a transmissão electrónica de receitas e o encaminhamento electrónico de processos clínicos não são considerados serviços de telemedicina.

(3)  JO C 224 de 20.8.2008.

(4)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 116.

(5)  Abrangido pelo 7.o PQ (sétimo programa-quadro).


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/89


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante aos direitos dos passageiros do transporte marítimo e fluvial e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor

[COM(2008) 816 final – 2008/0246 (COD)]

(2009/C 317/16)

Relator: B. Hernández BATALLER

Co-relator: Jörg RUSCHE

Em 12 de Fevereiro de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 71.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante aos direitos dos passageiros do transporte marítimo e fluvial e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor

(COM(2008) 816 final – 2008/0246 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 26 de Junho de 2009, relator: Bernardo Hernández Bataller, co-relator: Jörg Rusche).

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 65 votos a favor, com 2 abstenções o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE apoia a proposta da Comissão uma vez que a aplicação do regulamento contribui, em linhas gerais, para aprofundar o mercado interno e os direitos dos passageiros, em especial das pessoas portadoras de deficiência.

1.2.   O CESE lamenta, todavia, que a proposta não se detenha, mais especificamente e com mais detalhe, na situação das pessoas com deficiência nem avance com normas mais rigorosas em defesa dos direitos fundamentais e dos direitos económicos dos consumidores.

1.3.   No atinente às pessoas com deficiência, haverá que estabelecer um quadro que garanta consequentemente a acessibilidade dentro das condições sugeridas pelo CESE no presente parecer.

1.4.   Importa ter sempre em conta, em matéria de segurança, as normas mais avançadas previstas pelo quadro regulamentar em vigor ou que os Estados-Membros tencionam aplicar neste âmbito.

1.5.   Outros direitos fundamentais do indivíduo, como o respeito pela vida privada e a protecção de dados, devem ser igualmente objecto de regulamentação específica que reforce as garantias na matéria.

1.6.   Quanto aos direitos económicos dos consumidores, será necessário melhorar vários aspectos da legislação, por exemplo, o reencaminhamento e reembolso, a indemnização do preço do bilhete, informação dos passageiros ou o sistema de reclamações.

2.   Antecedentes

2.1.   O artigo 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (1) estabelece que as políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores. Por seu turno, o artigo 3.o do Tratado CE aponta como uma das acções da Comunidade o reforço da protecção dos consumidores, e o artigo 153.o prevê um mandato para promover os interesses dos consumidores e assegurar-lhes um elevado nível de defesa.

2.2.   A Comissão previa no seu Livro Branco «A política europeia de transportes no horizonte 2010: a hora das opções» (2), o reforço da sua acção no âmbito dos direitos dos passageiros em todos os modos de transporte (3), estabelecendo princípios comuns para todos eles. Constatava igualmente que seria indispensável consolidar uma série de direitos, prevendo, por exemplo, medidas específicas a favor das pessoas com mobilidade reduzida, soluções automáticas e imediatas em caso de interrupção da viagem (atrasos consideráveis, cancelamentos ou recusa de embarque), obrigações de informação aos passageiros, bem como o tratamento das reclamações e meios de recurso.

2.3.   Em 2006, a Comissão Europeia lançou uma consulta pública sobre os direitos dos passageiros dos transportes marítimos, parcialmente dedicada à protecção dos direitos das pessoas com mobilidade reduzida durante as viagens por via marítima ou fluvial. A maioria dos inquiridos manifestou-se a favor de um nível mínimo de protecção comum em matéria de direitos dos passageiros em toda a UE, independentemente do modo de transporte ou do facto de a viagem ser efectuada integralmente num único Estado-Membro ou de cruzar uma fronteira interna ou externa.

2.4.   Por outro lado e a crer nas conclusões gerais de um estudo independente (4), a protecção dos passageiros não é totalmente satisfatória devido, entre outros factores, à falta de uniformização no que respeita ao âmbito e grau de protecção, à inexistência de um conjunto de soluções imediatas e predefinidas em caso de cancelamento e de atraso e à escassez da informação fornecida aos passageiros sobre os direitos que lhes assistem em caso de evento crítico.

2.5.   A avaliação do impacto da proposta incidiu essencialmente nos princípios de indemnização e assistência em caso de cancelamento ou de atraso, nas regras a aplicar em matéria de acessibilidade, de não discriminação e da assistência às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, nas normas de qualidade e obrigação de informação, nas regras para o tratamento de reclamações e no controlo do cumprimento.

3.   Proposta da Comissão

3.1.   O seu objectivo é estabelecer, mediante um regulamento, regras mínimas comuns a aplicar em matéria de não discriminação dos passageiros no que se refere às condições de transporte oferecidas pelos transportadores, de não discriminação e assistência obrigatória às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, das obrigações dos transportadores para com os passageiros em caso de cancelamento ou de atraso, informações mínimas a prestar aos passageiros, de tratamento das reclamações e do controlo da aplicação dos direitos dos passageiros.

3.2.   A proposta aplica-se aos serviços comerciais de transporte de passageiros por via marítima e fluvial, incluindo cruzeiros, entre ou em portos ou locais de embarque/desembarque situados no território de um Estado-Membro ao qual se aplica o Tratado.

3.3.   São contempladas igualmente as obrigações dos transportadores em caso de interrupção da viagem e em matéria de fornecimento de informação, direito de assistência, reencaminhamento e reembolso, indemnização do preço do bilhete e outras medidas a favor dos passageiros.

3.4.   Prevê-se que cada Estado-Membro designe um ou vários organismos independentes incumbidos de adoptar as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros, incluindo a conformidade com as regras de acessibilidade.

4.   Observações na generalidade

O CESE acolhe favoravelmente as regras mínimas comuns contidas na proposta de regulamento, esperando que evoluam futuramente até um nível de protecção mais elevado e mais favorável aos consumidores, em conformidade com o mandato estabelecido no Tratado CE. A Comissão deveria esclarecer expressamente que as excursões turísticas de menos de um dia não entram no âmbito de aplicação da presente proposta.

4.1.1.   Trata-se de uma proposta audaciosa que, em sintonia com as posições mais recentes da Comissão Europeia, coloca os consumidores no centro do funcionamento do mercado interno e os considera como beneficiários últimos da abertura dos mercados nacionais.

4.1.2.   Com efeito, mais do que o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios em defesa dos direitos económicos dos utentes do transporte marítimo e fluvial, intra-estatal e supra-estatal, o regulamento consagra um regime de reconhecimento e de salvaguarda dos direitos dos cidadãos e das pessoas em geral.

4.1.3.   Por outro lado, a proposta completa as legislações de muitos Estados-Membros da UE que ou não se ocupam do problema ou fazem-no de uma forma inconsequente incapaz de assegurar na prática os direitos das pessoas com deficiência ou de idade avançada. Tal afecta actualmente os sistemas de acessibilidade e de informação e de ajuda de embarque para embarcações, bem como a informação prévia que pode ser manifestamente melhorada em vários casos.

4.1.4.   O CESE não está, todavia, de acordo com a possibilidade de os Estados-Membros excluírem do âmbito de aplicação da proposta as prestações ao abrigo de contratos de serviço público, que são justamente os mais utilizados pelos cidadãos e que mais falta fazem às pessoas com deficiência. A Comissão poderia incluir, a seguir às alíneas a) e b) do n.o 1 do artigo 19.o, uma alínea solicitando às autoridades competentes que ponderem a hipótese de criar um sistema de indemnização automática.

Não obstante a regulamentação existente sobre segurança marítima (directivas 1999/35/CE, 98/18/CE e 98/41/CE), o CESE é de opinião que se deve incluir explicitamente no regulamento direito dos passageiros à segurança como um direito específico que lhes é devido.

Neste sentido, infere-se que o conceito de segurança abranja também a acessibilidade, ou seja, que esta seja assegurada não apenas durante a entrada e a saída dos passageiros dos navios, mas também durante toda a duração do trajecto.

Além disso, importa garantir expressamente em todas as embarcações e em todos os trajectos ao abrigo deste regulamento a entrada de animais de assistência que formam uma unidade indissolúvel com a pessoa deficiente e lhes permitem exercer plenamente o seu direito à livre circulação e à mobilidade.

4.1.5.   O CESE exorta a Comissão a adoptar e propor, a nível comunitário, todas as medidas necessárias para que as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida fruam do mesmo direito que todos os demais cidadãos de liberdade de circulação e de escolha e de não discriminação. É fundamental concretizar o «modelo social de deficiência», incluindo a obesidade, para que todas as pessoas possam utilizar os meios de transporte.

4.1.6.   No atinente à base jurídica dos artigos 70.o e 81.o do Tratado, o CESE considera que seria oportuno aduzir o artigo 153.o do Tratado que prevê um elevado nível de defesa dos consumidores nas acções da Comunidade.

4.1.7.   O CESE considera pertinente a utilização do regulamento como instrumento, já que as regras estabelecidas na presente proposta deverão ser uniformes e aplicadas eficazmente em toda a União Europeia, de modo a assegurar, simultaneamente, um nível adequado de protecção para os passageiros do transporte marítimo e condições de concorrência equitativas para os transportadores.

4.1.8.   O CESE partilha do ponto de vista dos legisladores europeus, segundo o qual os mecanismos de co-regulação e auto-regulação «não são aplicáveis quando estão em jogo os direitos fundamentais ou opções políticas importantes, nem nas situações em que as regras devem ser aplicadas uniformemente em todos os Estados-Membros» (5), e considera que, nestes termos, a proposta de regulamento está conforme com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

4.1.9.   Todavia, no que se refere ao capítulo III (Obrigações dos transportadores em caso de interrupção da viagem), o objectivo de garantir que os operadores económicos actuem em condições harmonizadas num mercado único será realizado apenas dentro de certos limites, uma vez que o regulamento atribui aos Estados-Membros uma ampla margem no que se refere aos direitos aplicáveis em caso de cancelamento e de atraso. O relatório a apresentar pela Comissão três anos após a entrada em vigor do regulamento (artigo 30.o) deveria examinar concretamente se uma eventual disparidade das legislações neste âmbito afecta ou não a concorrência ou o bom funcionamento do mercado interno.

4.1.10.   O CESE reconhece que os transportes com um objectivo fundamentalmente turístico, em particular as excursões e visitas turísticas, não sejam abrangidos pelo regulamento. No entanto, deveria ser tido em conta o caso dos passageiros que falham uma correspondência devido a problemas surgidos numa das fases da sua viagem.

O CESE reputa essencial que o bilhete funcione como comprovativo da celebração do contrato de transporte e que as disposições do regulamento sejam consideradas como um direito imperativo e inalienável a favor dos passageiros, tudo isso sem prejuízo do acervo de protecção em vigor, especialmente o relativo às cláusulas abusivas (6) e às práticas comerciais desleais (7).

Haverá que encontrar uma solução específica para derrogar ou modificar eventualmente e de uma forma o mais favorável possível para as pessoas com deficiência a obrigação actual de aplicação quase generalizada de comunicarem aos transportadores dentro de um prazo não inferior a 48 horas a sua intenção de fazer determinado trajecto. É óbvio que este prazo tão rígido imposto às pessoas com deficiência poderá impedir a plena fruição de determinados direitos associados à livre circulação das pessoas, como o direito ao lazer ou o direito a fazer face a qualquer situação de urgência que possa surgir.

O CESE espera que seja permitida uma certa flexibilidade no sistema de notificação para assistência a bordo. Esta maneira de viajar não requer dos passageiros uma reserva antecipada. Deste modo, ao obrigar as pessoas com deficiência a comunicar previamente a sua necessidade de assistência seria violar o direito à igualdade de tratamento. Convém, portanto, distinguir entre trajectos de longa e de curta distância ou especificar o tipo de barco/navio utilizado para o transporte. A Comissão Europeia deveria obrigar os transportadores a confirmarem ao passageiro a recepção da comunicação recebida para que este último possa, no caso de avaria do sistema de transmissão da informação, provar que comunicou efectivamente a sua necessidade de assistência.

4.2.1.   Para fazer valer os direitos consagrados na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, estas pessoas deverão beneficiar do direito a assistência nos portos, e nos locais de embarque/desembarque, bem como a bordo dos navios de passageiros. O CESE concorda plenamente que, para satisfazer todos estes objectivos de inclusão social, a referida assistência deve ser fornecida sem encargos adicionais, em conformidade com as disposições do artigo 26.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que no atinente ao direito de integração das pessoas com deficiência.

4.2.2.   Assim sendo, o CESE considera que as excepções à recusa de embarque às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida devem obedecer a critérios objectivos, não discriminatórios, que sejam transparentes e verificáveis.

4.3.   O CESE considera positivas as disposições do artigo 8.o da proposta de regulamento que prevêem o diálogo e a concertação entre as organizações da sociedade civil organizada e os poderes públicos e segundo as quais cabe aos transportadores, com a participação activa das organizações representativas das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida, estabelecer as regras em matéria de acesso. Quanto às normas de qualidade, estas deveriam ser estabelecidas igualmente em cooperação com as associações representativas dos consumidores, na acepção do artigo 22.o da proposta em apreço, tendo em conta as recomendações da Organização Marítima Internacional e de outros organismos internacionais competentes na matéria.

4.4.   Afigura-se totalmente contrária ao princípio da gratuitidade dos objectivos de inclusão a previsão de uma taxa específica nos termos do n.o 3 do artigo 9.o da proposta, sobretudo por ser uma disposição com carácter unilateral. No entanto, embora a separação das contas decorra naturalmente da transparência mínima exigida, o quadro anual verificado deveria ser disponibilizado às organizações das pessoas com deficiência e das associações dos consumidores. O CESE recomenda, não obstante, que se examine se será de imputar às pequenas e médias empresas a carga que a realização deste cálculo implica.

4.5.   A indemnização no que respeita às cadeiras de rodas e aos equipamentos auxiliares de mobilidade parecem adequar-se aos objectivos de protecção do regulamento, bem como a prescrição de colocar à disposição das pessoas envolvidas um equipamento de substituição. Esta indemnização deve ser integral e abarcar todos os danos e prejuízos causados.

As obrigações dos transportadores em caso de interrupção da viagem, enquanto normas mínimas harmonizadas, afiguram-se razoáveis face à inexistência de legislação adequada. O Comité compreende que se preveja para já, a nível comunitário, uma certa equiparação das normas de protecção dos passageiros do transporte aéreo, mas defende que se procure atingir o mais rapidamente possível um nível de protecção mais elevado.

4.6.1.   A indemnização do preço do bilhete, enquanto sistema de indemnização automática, pode ser um sistema justo desde que funcione com agilidade e eficiência. Deve, porém, evoluir para percentagens mais elevadas nos casos de atraso.

4.6.2.   Seria oportuno aclarar o n.o 4 do artigo 20.o da proposta, segundo o qual as suas disposições não se aplicam se o atraso ou cancelamento se dever a «circunstâncias extraordinárias». Haverá que clarificar esta disposição de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (8), no sentido de que não se aplica a um problema técnico detectado na aeronave de que resulta o cancelamento de um voo, a menos que este problema se relacione com um evento que, pela sua natureza ou origem, não seja inerente ao exercício normal da actividade da transportadora aérea em causa. Além disso, o facto de uma transportadora aérea ter cumprido as regras mínimas de manutenção de uma aeronave não basta, por si só, para provar que essa transportadora tomou todas as «medidas razoáveis» ou oportunas para se eximir à sua obrigação de indemnizar. Neste contexto, importa ter também em conta as especificidades náuticas do serviço de transporte correspondente.

4.6.3.   Seja como for, o artigo 21.o da proposta, segundo o qual nada obsta a que os passageiros interponham recurso junto dos tribunais nacionais para obterem reparação pelos prejuízos decorrentes do cancelamento ou dos atrasos dos serviços de transporte, é consentâneo com o direito fundamental direito a uma tutela judicial efectiva previsto no artigo 47.o da Carta dos Direitos fundamentais da União Europeia.

4.7.   A informação é um aspecto fundamental para os passageiros, pelo que deve ser acessível e acompanhar a evolução tecnológica. A proposta é pertinente neste aspecto.

4.8.   As reclamações, desde que tenham por objecto um prejuízo civil ou comercial, devem ser dirigidas aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo na sequência da Recomendação da Comissão 1998/257/CE de 30 de Março de 1998 ou, pelo menos, às instâncias de resolução extrajudicial que cumpram os princípios da independência, da transparência, do contraditório, da eficácia, da legalidade, da liberdade e da representação.

4.9.   Os organismos nacionais responsáveis pela execução devem ter competência para aplicar plenamente um regime de sanções eficaz, dissuasivo e proporcional que inclua, em todo o caso, a possibilidade de pagamento de uma indemnização aos passageiros afectados pelo simples facto de terem apresentado uma reclamação.

O regulamento deveria incluir a obrigação de uma informação adequada e pertinente, devidamente acessível, sobre as sanções e as reclamações a apresentar pelos passageiros.

4.10.   O CESE partilha da preocupação da Comissão relativamente à aplicação estrita da legislação em vigor sobre a protecção dos dados pessoais (9) e a livre circulação desses dados, de modo a garantir o respeito da privacidade dos passageiros, em conformidade com a Directiva 95/46/CE e a jurisprudência do Tribunal de Justiça, especialmente quando se trate de dados pessoais que podem ser transmitidos a terceiros Estados no contexto de uma prestação de serviços de transporte. As pessoas que fazem parte de um ficheiro devem ser informadas a qualquer momento sobre a sua inclusão e ter a possibilidade de aceder a esse ficheiro e solicitar a rectificação ou a supressão dos dados que lhes dizem respeito.

4.11.   O CESE lembra à Comissão a necessidade de rever a Directiva 90/314/CE para ser mais coerente com a proposta em apreço e outras normas do direito comunitário derivado e, em todo o caso, para

actualizar as definições e esclarecer conceitos tais como «preço com tudo incluído», «viagem organizada» ou «combinação prévia»;

definir com mais precisão a responsabilidade exacta do operador e do agente no caso de não cumprimento ou de cumprimento deficiente do contrato, independentemente de estes terem prestado o serviço em causa directa ou indirectamente;

fixar uma indemnização mais clara e mais completa dos consumidores nos casos em que o organizador cancelar o contrato.

4.12.   O CESE recorda, por último, à Comissão que é preciso mencionar especificamente no regulamento as directivas relativas à navegação marítima e fluvial cujo objectivo é garantir um elevado nível de protecção, em especial das pessoas com mobilidade reduzida e, se necessário, adaptar o seu âmbito de aplicação geográfico.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 303 de 14.12.2007, p. 1.

(2)  COM(2001) 370 final de 12.9.2001.

(3)  Idênticos aos contemplados no Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Fevereiro de 2004 que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos in JO L 46 de 17.2.2004.

(4)  Estudo independente, encomendado pela DG TREN em 2005-2006, intitulado «Analysis and assessment of the level of protection of passenger rights in the EU maritime transport sector» (análise e avaliação do nível de protecção dos direitos dos passageiros no sector dos transportes marítimos da UE).

(5)  Acordo interinstitucional «Legislar melhor» entre o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão (2003/C 321/01), ponto 17.

(6)  Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95 de 21.4.1993, p. 29).

(7)  Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno (JO L 149 de 11.6.2005, p. 22).

(8)  Acórdão de 22 de Dezembro de 2008 – Processo C-549/07 (Friederike Wallentin-Hermann contra Alitalia – Linee Aeree Italiane SpA).

(9)  Direito ao respeito pela vida privada e familiar, artigo 8.o da Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/94


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo

[COM(2008) 852 final – 2008/0247 (COD)]

(2009/C 317/17)

Relator: Dumitru FORNEA

Em 19 de Janeiro de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo

COM(2008) 852 final – 2008/0247 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 26 de Junho de 2009, sendo relator Dumitru Fornea.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 164 votos a favor, 2 votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1.   O CESE aplaude a proposta de regulamento da Comissão, que constitui um avanço no apoio ao estabelecimento de corredores internacionais para o transporte ferroviário de mercadorias e no desenvolvimento deste meio de transporte na Europa.

1.2.   São necessárias acções políticas concretas a nível dos corredores, independentes de qualquer processo legislativo, de forma a mobilizar esforços em torno do desenvolvimento dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias, uma vez que a regulamentação não é, por si só, suficiente para promover esta iniciativa. Como principais prioridades, importa assegurar a existência de investimentos públicos e privados, de forma a aumentar a qualidade geral, eficiência e capacidade das infra-estruturas, e aplicar na sua totalidade, em toda a UE, o primeiro e segundo pacotes ferroviários.

1.3.   É necessária uma coordenação eficaz a alto nível em cada um dos corredores em causa, para que se verifiquem melhorias na infra-estrutura ferroviária. Para isso, é essencial que todos os ministros dos Transportes colaborem no âmbito de um determinado corredor. Depois da concertação intergovernamental, importa que os Estados-Membros definam as condições e assumam compromissos. Nesse sentido, o próprio Comissário dos Transportes deveria assumir um papel mais activo na mobilização dos ministros nacionais implicados em cada um dos corredores, ao abrigo de uma acção política coordenada a nível europeu.

1.4.   O CESE concorda que as reservas antecipadas de capacidades não devem ser obrigatórias, devendo sim ser definidas pelos gestores da infra-estrutura, caso sejam consideradas necessárias. Obrigar os gestores das infra-estruturas a reservar capacidades antecipadamente poderá resultar num desperdício, e não numa optimização das capacidades. Os gestores devem, no entanto, ser capazes de reservar capacidades em qualquer altura.

O CESE considera que os gestores das infra-estruturas devem dispor de flexibilidade para que possam aplicar as regras da prioridade de forma pragmática. Neste ponto, é mais importante minimizar os atrasos em toda a rede do que dar prioridade a um ou outro tipo de tráfego. Na verdade, o necessário é que haja transparência nas regras que os gestores da infra-estrutura transmitem aos operadores a aplicar aos comboios atrasados.

1.5.   Todas as partes envolvidas devem ser obrigatoriamente consultadas ou devem integrar o órgão de administração dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias: isso inclui os gestores das infra-estruturas, as empresas ferroviárias, os representantes dos Estados-Membros, os sindicatos relevantes, os clientes e as organizações ambientalistas. Os operadores ferroviários devem estar amplamente representados no órgão de administração dos corredores, uma vez que estão mais próximos do mercado e que, provavelmente, serão eles a aplicar as decisões tomadas em prol da melhoria dos serviços ou serão eles os mais afectados por essas decisões.

1.6.   A utilização dos balcões únicos não deve ser obrigatória para as empresas ferroviárias, de forma a permitir a concorrência entre as várias instâncias responsáveis pelas infra-estruturas. Importa manter o método tradicional de solicitação de um corredor, através de cada gestor nacional da infra-estrutura ou através de um gestor de infra-estrutura principal. Esta solução deve funcionar pelo menos enquanto recurso de reserva, caso o balcão único falhe.

1.7.   Os candidatos autorizados não devem poder circular em trecho nenhum do corredor se um dos países desse corredor não os autorizar dentro das suas fronteiras. A Comissão deve estudar detalhadamente os assuntos relacionados com os candidatos autorizados, de forma a facultar ao público uma compreensão total das consequências económicas e sociais desta disposição. O CESE não se opõe necessariamente ao conceito de acesso não discriminatório à infra-estrutura mas considera necessário, neste caso particular, que se levem a cabo mais pesquisas e consultas dos governos dos Estados-Membros, dos parceiros nacionais e sociais, dos utentes dos serviços ferroviários e de outras organizações da sociedade civil envolvidas no processo.

1.8.   A pertença à rede RTE-T não deve constituir o único critério para a selecção dos corredores de transporte de mercadorias. Os corredores não devem ser definidos com base numa perspectiva externa, baseada exclusivamente em critérios políticos e geográficos. Importa garantir uma selecção de corredores flexível e atenta às necessidades do mercado. Assim, esta escolha deve basear-se nos objectivos do mercado e deve cobrir os fluxos importantes de tráfego de mercadorias já existentes ou potenciais. Os factores impulsionadores da selecção devem ser o mercado e a análise custos-benefícios.

1.9.   O regulamento deve contemplar a possibilidade de ampliar a selecção para lá da rede RTE-T. Por exemplo, se um trecho exterior à RTE-T for importante para o dinamismo do transporte ferroviário de mercadorias, deve ser possível inseri-lo desde logo no corredor e, posteriormente, na RTE-T.

1.10.   O conceito de terminais estratégicos é contrário à concorrência, já que poderá levar ao reforço da posição forte desses chamados terminais estratégicos em detrimento dos considerados «não estratégicos». Assim, deve ser eliminada do regulamento a referência aos terminais estratégicos, de forma a permitir aos actuais terminais não estratégicos que se desenvolvam e, eventualmente, adquiram um carácter estratégico no futuro.

1.11.   Para os funcionários que trabalham nestes corredores de transporte de mercadorias, a livre circulação das mercadorias não deveria constituir um entrave ao exercício dos seus direitos fundamentais.

2.   Proposta da Comissão

2.1.   A Comissão Europeia empenhou-se em acelerar a criação e organização de uma rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo, baseada em corredores ferroviários internacionais de transporte de mercadorias. Para alcançar este objectivo, a Comissão decidiu apresentar a presente proposta de regulamento, após um extenso processo de consulta pública e de avaliação de opções mediante um estudo de avaliação do impacto. Esse estudo demonstrou que uma abordagem legislativa produziria os melhores resultados económicos, ao passo que uma abordagem em regime voluntário se arriscaria a não alcançar os objectivos propostos.

2.2.   As disposições do regulamento destinam-se principalmente aos agentes económicos pertinentes – os gestores das infra-estruturas e as empresas ferroviárias – e dizem respeito, em particular:

aos procedimentos de selecção dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias;

à administração de todos os corredores;

às características que devem ter os corredores ferroviários de transporte de mercadorias.

2.3.   O regulamento não é aplicável no caso de:

redes locais e regionais autónomas que efectuem serviços de transporte de passageiros em infra-estruturas ferroviárias;

redes reservadas exclusivamente à exploração de serviços urbanos ou suburbanos de transporte de passageiros;

redes regionais utilizadas para serviços regionais de transporte de mercadorias apenas por uma empresa ferroviária que não esteja abrangida pela Directiva 91/440/CEE, até que seja solicitada capacidade nessa rede por outro candidato;

infra-estruturas ferroviárias privadas cuja utilização esteja reservada ao proprietário da infra-estrutura para as suas próprias actividades de transporte de mercadorias (1).

3.   Observações na generalidade

3.1.   O desenvolvimento óptimo de todos os meios de transporte nos Estados-Membros, no respeito pela protecção do ambiente, pela segurança, pela concorrência e pela eficiência energética, é o objectivo da política europeia de transportes, definida na revisão intercalar do Livro Branco da Comissão de 2001 sobre os Transportes – COM(2006) 314.

3.2.   A União Europeia está muito empenhada em reduzir em 20 % as emissões de gases com efeito de estufa até 2020, o que não será possível sem que as emissões do sector dos transportes sejam reduzidas drasticamente. Por isso mesmo, é importante dar grande prioridade aos meios de transporte mais eficientes em termos energéticos e mais ecológicos e, nesse contexto, ninguém discorda de que o transporte ferroviário é ecológico em termos de consumo de energia e de emissões (2).

3.3.   O Comité Económico e Social Europeu já manifestou a sua opinião sobre o conceito de uma rede ferroviária vocacionada para o transporte de mercadorias  (3), pelo que não repetirá no presente parecer as observações na generalidade aplicáveis também à proposta de regulamento relativo à rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo.

3.4.   A situação actual do transporte de mercadorias na União Europeia requer instrumentos legislativos eficientes a nível nacional e europeu, bem como mobilização política no sentido de identificar os fundos necessários para investimento na infra-estrutura ferroviária. Neste contexto, o CESE aplaude a proposta de regulamento da Comissão, que constitui um avanço no apoio ao estabelecimento de corredores internacionais para o transporte ferroviário de mercadorias e no desenvolvimento deste meio de transporte na Europa (4).

3.5.   Potenciais benefícios da criação destes corredores:

meio de transporte respeitador do ambiente – redução geral do impacto ambiental das actividades de transporte na Europa;

redução do número de acidentes ocorridos no sector dos transportes;

a iniciativa cumpre os objectivos de crescimento da Estratégia de Lisboa;

contribuição significativa para a redução do congestionamento nos transportes rodoviários;

incentivo à co-modalidade (via férrea–transporte marítimo–transporte fluvial–estrada);

o estabelecimento de corredores contribuirá para a segurança do aprovisionamento de matérias-primas para as indústrias da UE, graças à utilização de um dos meios mais ecológicos para o transporte de mercadorias de grandes dimensões;

apoio à construção de centros de logística ligados às vias férreas (os terminais logísticos poderão servir cada vez mais como armazéns de distribuição, que, de momento, são essencialmente extensões das instalações de produção);

reforço da coesão económica, social e territorial na União Europeia.

3.6.   Objectivos ambientais para as operações nos corredores de transporte ferroviário de mercadorias:

infra-estrutura e veículos ecológicos para o transporte ferroviário de mercadorias;

baixas emissões específicas;

baixo nível de ruído de funcionamento, devido à construção de muros de protecção contra o ruído e à utilização de tecnologias silenciosas para o material circulante e para a infra-estrutura ferroviária;

100 % de energia eléctrica nos corredores de transporte ferroviário de mercadorias;

aumento da quota das energias renováveis na mistura que alimenta a corrente de tracção.

4.   Observações na especialidade sobre o regulamento proposto

4.1.   Investimentos na infra-estrutura dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias e nos terminais e seus equipamentos

4.1.1.   Nos últimos 10 anos, as políticas europeias têm alcançado progressos no sentido de abrir o mercado, mas os Estados-Membros têm conseguido apenas resultados modestos no que toca à concorrência leal entre vários meios de transporte e aos investimentos efectivos em infra-estruturas modernas interoperáveis.

4.1.2.   A capacidade financeira dos Estados-Membros parece ser insuficiente, comparada com as metas ambiciosas da Comissão. Por isso, as instituições europeias desempenharão um papel importante no que diz respeito a disponibilizar instrumentos de assistência comunitária para desenvolver uma rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo, co-financiando, nomeadamente, a criação de corredores de transporte ferroviário de mercadorias através do orçamento das redes transeuropeias de transportes (RTE-T), do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Coesão, bem como de empréstimos por parte do Banco Europeu de Investimento.

4.1.3.   O CESE considera importante que o regulamento dê maior destaque às necessidades de investimento (e ao respectivo financiamento) (5). Entre 1970 e 2004, a extensão da rede de auto-estradas na Europa a 15 aumentou em 350 %, ao passo que a da rede ferroviária diminuiu em 14 %. Quando há congestionamentos nas estradas, as decisões de melhorar as vias existentes ou de construir infra-estruturas rodoviárias novas não demoram a ser aplicadas. Na opinião do CESE, o transporte ferroviário não conseguirá absorver grandes volumes se não for objecto da mesma política de investimentos que se pratica nos últimos 40 anos para o transporte rodoviário.

4.1.4.   Por isso, não deve descurar-se a necessidade de financiar ligações ferroviárias entre instalações fabris e as redes ferroviárias principais. As ligações rodoviárias entre zonas industriais e a rede rodoviária principal são geralmente financiadas pelos orçamentos públicos. No entanto, na maioria dos países da UE, as ligações ferroviárias entre as instalações fabris e a rede ferroviária principal não beneficiam do mesmo tratamento, já que, geralmente, são financiadas pela empresa que opera as instalações fabris, em conjunto com um operador de transporte ferroviário de mercadorias contratado por essa empresa. O incentivo ao transporte ferroviário de mercadorias requer soluções de investimento tanto a nível nacional como europeu (por exemplo, mediante instrumentos como os sistemas de financiamento público que, de resto, já são utilizados na Alemanha, na Áustria e na Suíça).

4.1.5.   Um dos objectivos da Comissão é fazer valer todos os instrumentos técnicos e legislativos destinados a assegurar o aprovisionamento de matérias-primas para as indústrias europeias. Os corredores ferroviários darão um contributo importante para alcançar este objectivo estratégico e, neste contexto, o tráfego de mercadorias entre a União Europeia e os parceiros orientais tem uma enorme importância. Assim sendo, é fundamental que a UE invista na melhoria da infra-estrutura ferroviária no eixo Este-Oeste, bem com nas necessárias instalações de transbordo. Para além disso, a revisão das RTE-T também contribuirá para a consecução deste objectivo.

4.1.6.   Importa dedicar uma atenção especial aos serviços aduaneiros com vista a simplificar os procedimentos dentro da UE (6), de modo a garantir um tráfego transfronteiriço rápido para o transporte ferroviário de mercadorias. É necessário apoio financeiro europeu para prever um sistema de obrigações aduaneiras baseado no EDI (7) e para assegurar os investimentos necessários nas vias férreas que ainda não disponham de sistemas automáticos de cumprimento das obrigações aduaneiras.

4.1.7.   O CESE considera importante a existência de normas claras relativas a auxílios estatais. Deste modo será mais fácil determinar que apoio financeiro público ao sector ferroviário receberá o apoio dos serviços da Comissão. Ao mesmo tempo, o Comité salienta que o recurso a contratos plurianuais poderia contribuir para um financiamento sustentável da rede ferroviária europeia.

4.1.8.   No que diz respeito ao conceito de «terminais estratégicos», conforme apresentado no artigo 9.o da proposta de regulamento, o CESE destaca que essa ideia poderá reforçar a posição forte dos chamados terminais estratégicos, em detrimento dos considerados não estratégicos.

4.1.9.   Para os funcionários que trabalham nestes corredores de transporte de mercadorias, a livre circulação das mercadorias não deveria constituir um entrave ao exercício dos seus direitos fundamentais.

4.2.   Selecção dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias e administração da rede

4.2.1.   A revisão da política sobre as RTE-T representa uma oportunidade para o sector ferroviário destacar a importância de continuar a desenvolver corredores flexíveis de transporte ferroviário de mercadorias de longo curso enquanto eixo principal da rede de transportes europeia.

4.2.2.   O CESE salienta que os corredores não devem limitar-se exclusivamente às RTE-T (conforme estipulado no n.o 1, alínea a), do artigo 3.o do Capítulo II), nem aos actuais corredores dos Sistemas Europeus de Gestão de Tráfego Ferroviário (ERTMS), uma vez que essa abordagem se arriscaria a excluir linhas que são, ou poderão vir a ser, importantes para o transporte de mercadorias mas que ainda não integram as RTE-T nem são corredores ERTMS. Pelo contrário, as RTE-T deveriam ser adaptadas sempre que são criados novos corredores de transporte ferroviário de mercadorias.

4.2.3.   Importa que todas as partes interessadas sejam consultadas obrigatoriamente ou que integrem o órgão de administração. Isso inclui os sindicatos relevantes, os clientes e as organizações de protecção do ambiente. As empresas ferroviárias devem integrar o organismo de administração ao mesmo nível que os gestores das infra-estruturas, uma vez que são elas as utilizadoras dos corredores, que lhes cabe lidar com os utentes e que estão mais próximas do mercado. Elas serão afectadas pelas decisões do órgão administrador e terão de aplicar várias dessas decisões, sendo, por isso, justo que estejam representadas nessa estrutura.

4.2.4.   É perfeitamente possível fazer representar adequadamente as empresas ferroviárias na estrutura administradora sem por isso a sobrecarregar, por exemplo, integrando-as na qualidade de empresas individuais, grupos de empresas ou uma mistura de ambas. No entanto, só as empresas que realmente utilizam o corredor serão verdadeiramente relevantes para o melhorar.

4.3.   Medidas operacionais

4.3.1.   O CESE considera complicado e delicado debater-se a questão das regras de prioridade (localização do traçado do comboio, reservas de capacidade, prioridade em caso de atrasos) de forma geral para todos os corredores de transporte ferroviário de mercadorias (artigos 11.o, 12.o e 14.o do Capítulo IV). As regras devem ser formuladas de modo a possibilitar uma aplicação pragmática em cada corredor e a garantir que os gestores das infra-estruturas atribuem traçados da forma mais justa e transparente possível.

4.3.2.   As reservas de capacidades não devem ser obrigatórias, devendo sim ser definidas pelos gestores da infra-estrutura, caso sejam consideradas necessárias. Obrigar os gestores das infra-estruturas a reservar capacidades antecipadamente poderá resultar num desperdício de capacidades, em vez de na sua optimização, especialmente quando a circulação dos comboios não é confirmada com vários meses de antecedência.

4.3.3.   Da mesma forma, a alteração das regras de prioridade pode não ser necessária e não aumentará de todo a capacidade. Servirá apenas para transferir a frustração de uma categoria de utentes para outra. De qualquer das formas, a principal regra deverá ser minimizar os atrasos na rede de forma geral e eliminar os congestionamentos o mais rapidamente possível.

4.3.4.   No que toca ao disposto no artigo 10.o do Capítulo IV sobre a utilização do balcão único, o CESE considera que o recurso a essa estrutura deverá ser uma escolha de cada estrutura gestora do corredor, tomada de acordo com os requisitos do mercado ou das empresas ferroviárias que operam nos corredores.

4.3.5.   As empresas ferroviárias devem manter a liberdade de requerer traçados segundo a via que lhes aprouver (seja através de um balcão único ou pela via tradicional). O uso opcional do balcão único dá às empresas ferroviárias a oportunidade de colocar em concorrência diversas entidades gestoras de infra-estruturas (ou seja, o balcão único e os gestores individuais das infra-estruturas que compõem o corredor), o que servirá de incentivo à melhoria dos serviços.

4.3.6.   Pelo contrário, o uso obrigatório do balcão único poderá levar à criação de um grande monopólio de gestão das infra-estruturas no corredor, sem oferecer quaisquer garantias de que esse balcão único prestará efectivamente melhores serviços do que os gestores de infra-estruturas individuais. Para além disso, o método tradicional de «balcão único» não é funcional.

4.3.7.   Autorizar os candidatos (por exemplo, carregadores, transitários, operadores intermodais) a comprar traçados poderá demover as empresas ferroviárias (especialmente as recém-chegadas ao mercado) de investir em maquinistas e em locomotivas, em virtude do alto risco associado à disponibilidade dos traçados. Essa situação pode distorcer a concorrência nos mercados nacionais em desfavor das empresas ferroviárias, afectando também a qualidade dos empregos por elas oferecidos. Os preços poderão aumentar, a capacidade disponível continuaria limitada e poderia gerar-se especulação.

4.3.8.   De qualquer das formas, é um facto que, na União Europeia de hoje em dia, outras empresas que não as ferroviárias (fornecedores de serviços logísticos, comerciantes, produtores) têm grande interesse na utilização crescente do transporte ferroviário (8). Certas empresas ferroviárias europeias já compraram empresas de serviços logísticos, numa tentativa de atrair para o transporte ferroviário mercadorias que, até agora, eram transportadas por estrada. Nestas condições, é possível que, num futuro próximo e através de uma abordagem inovadora e socialmente responsável, os candidatos autorizados desempenhem um papel importante no desenvolvimento dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  N.o 2 do artigo 1.o, COM(2008) 852 final.

(2)  Aproximadamente 80 % do tráfego ferroviário europeu utiliza linhas electrificadas.

(3)  JO C 27 de 3.2.2009, p. 41-44.

(4)  A necessidade de instrumentos legislativos eficazes, de mobilização política e de investimentos foi destacada mais uma vez na audiência sobre Uma rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo organizada pelo CESE em 28.4.2009 em Brno, na República Checa, no âmbito da Presidência checa da União Europeia.

(5)  Segundo um estudo da Comunidade de Caminhos-de-Ferro Europeus (CCFE) sobre os corredores de transporte ferroviário de mercadorias realizado pela consultora McKinsey, investimentos na ordem dos 145 mil milhões de euros até 2020 poderiam aumentar em 72 % a capacidade do transporte ferroviário em seis importantes corredores de transporte de mercadorias baseados em sistemas europeus de gestão de tráfego ferroviário (ERTMS). Isto representa 34 % dos volumes transportados na Europa.

(6)  Desta forma, é importante contar-se, a nível europeu, com uma aplicação eficaz do Regulamento (CE) n.o 1875/2006 da Comissão, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário.

(7)  Intercâmbio electrónico de dados.

(8)  Tomada de posição por escrito do CLECAT, Bruxelas, 19.1.2009.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/99


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante aos direitos dos passageiros no transporte de autocarro e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor

[COM(2008) 817 final – 2008/0237 (COD)]

(2009/C 317/18)

Relatora: Anna Maria DARMANIN

Em 19 de Janeiro de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 71.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante aos direitos dos passageiros no transporte de autocarro e que altera o Regulamento (CE) N.o 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor

COM(2008) 817 final – 2008/0237 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 26 de Junho de 2009, sendo relatora Anna Maria Darmanin.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu aprovou, por 75 votos a favor e 3 votos contra, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão sobre os direitos dos passageiros no transporte de autocarro, dado tratar-se de um meio de transporte muito utilizado que constitui uma alternativa de viagem mais barata para os passageiros.

1.2.   A proposta salienta vários direitos fundamentais reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como a livre de circulação de pessoas, a não discriminação em razão da deficiência e a defesa dos consumidores. O CESE apoia, por conseguinte, no geral a proposta de regulamento da Comissão sugerindo, contudo, algumas melhorias.

1.3.   O CESE manifesta a sua preocupação quanto à necessidade de proceder a algumas clarificações que actualmente podem causar problemas na interpretação do texto, nomeadamente:

Quanto ao ónus da prestação de serviços a pessoas com deficiência, o texto deverá indicar de forma mais compreensível que o principal objectivo da Comissão é reduzir a discriminação no que respeita às informações prestadas aos passageiros (ou a ausência delas) sobre os serviços que estão disponíveis para as pessoas com deficiência.

A responsabilidade do operador em relação à perda de bagagem deverá ser claramente definida e deverá ser criado uma espécie de sistema de registo.

Iniciada a viagem, é muito difícil fornecer informações nas paragens de autocarro, pelo que é necessário assegurar a exequibilidade da obtenção e da difusão de tais informações.

A utilização do termo «terminal» não é apropriada para o transporte por autocarro visto que, na maior parte das vezes, não existem terminais mas apenas paragens e quando existem terminais estes não estão sob a responsabilidade do operador.

1.4.   O CESE nota que o alargamento aos transportes urbanos e suburbanos das disposições sobre os direitos dos passageiros melhoraria a qualidade do serviço e a imagem do sector. Identifica, no entanto, algumas diferenças entre o serviço de transporte urbano e o transporte internacional por autocarro e reconhece que talvez fosse mais prático proceder a uma separação entre os direitos dos passageiros desses dois diferentes modos de transporte e prever direitos dos passageiros específicos para todos os transportes urbanos e suburbanos. Considera portanto que as disposições da proposta de regulamento não se deverão necessariamente aplicar aos transportes urbanos e suburbanos.

1.5.   A formação do pessoal é muito importante para a prestação de serviços às pessoas com deficiência. Por isso, o CESE apoia vivamente a inclusão do artigo 18.o que especifica o tipo de formação a prestar aos condutores de autocarro.

2.   Proposta da Comissão

2.1.   A Comissão iniciou em 2005 o processo de consulta sobre os direitos dos passageiros de autocarros em trajectos internacionais, a que se seguiram numerosas respostas por parte de organizações especializadas, bem como da sociedade civil, de agências nacionais e dos Estados-Membros.

2.2.   A Comissão efectuou igualmente uma avaliação do impacto das opções políticas, nomeadamente:

manter a situação actual,

estabelecer uma protecção mínima,

estabelecer uma protecção máxima,

celebrar acordos voluntários e de auto-regulação.

No seguimento desta avaliação, foi utilizada uma combinação de opções para definir os diversos aspectos de protecção.

2.3.   Essencialmente, a proposta tem como objectivo estabelecer os direitos dos passageiros do transporte em autocarro, de modo a aumentar o interesse por este modo de transporte, reforçar a confiança dos utentes e criar condições de concorrência equitativas entre os transportadores dos vários Estados-Membros e em relação aos outros modos de transporte.

2.4.   Em princípio, a proposta estabelece disposições nos seguintes domínios:

responsabilidade em caso de morte ou de lesões corporais dos passageiros e de perda ou danos nas suas bagagens;

não discriminação em razão da nacionalidade ou do local de residência no que se refere às condições de transporte oferecidas aos passageiros pelas empresas de transporte em autocarro;

assistência para as pessoas com deficiência e para as pessoas com mobilidade reduzida;

obrigações das empresas de transporte em autocarro em caso de cancelamento ou de atraso de uma viagem;

obrigações de informação;

tratamento das reclamações;

regras gerais em matéria de execução das disposições.

3.   Observações na generalidade

3.1.   O CESE acolhe favoravelmente a proposta da Comissão sobre os direitos dos passageiros no transporte de autocarro que actualmente variam consideravelmente entre os Estados-Membros. Considera que são necessárias directrizes para a protecção dos direitos dos utentes deste tipo de transporte, especialmente por este ser em muitos países o domínio menos regulado de todo o sector dos transportes.

3.2.   O CESE regozija-se com a forma como a proposta reforça o princípio da não-discriminação e apoia as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Solicita, no entanto, que o texto da Comissão seja clarificado de forma a diminuir as imprecisões que poderão causar interpretações erróneas.

3.3.   Uma vez que algumas das obrigações provêm da Convenção da Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, os Estados-Membros devem criar um sistema de sanções a aplicar às empresas de transportes sempre que esses direitos forem violados.

3.4.   No que diz respeito aos direitos dos passageiros com deficiência, o Comité considera que a abordagem adequada é a da protecção máxima. Esta assegura que o respeito, a dignidade e os direitos do indivíduo são efectivamente preservados. Todavia, a aplicação das regras propostas suscita alguma apreensão ao Comité, pelo que considera imperativo que as referidas normas sejam postas em prática o mais cedo possível e sejam objecto de um acompanhamento atento.

3.5.   É apropriado que a proposta contenha disposições sobre os serviços de transporte em autocarro. O n.o 2 do artigo 2.o da proposta de regulamento garante um nível equivalente de direitos na União, o que está em conformidade com o princípio da subsidiariedade e tem em consideração a diversidade das situações.

3.6.   No que respeita à responsabilidade das empresas de transporte em autocarro pelos passageiros ou bagagem, deverá ser deixado claro que os níveis de indemnização estabelecidos na proposta não impedem os consumidores lesados de recorrerem aos tribunais, se necessário. Deverá ser estabelecido um sistema de compensações semelhante ao utilizado noutros modos de transporte.

3.7.   O CESE assinala que, frequentemente, são os sectores mais vulneráveis da população que escolhem utilizar este meio de transporte para viagens internacionais, pelo que acolhe com agrado as novas medidas de protecção que a Comissão pretende aplicar.

3.8.   O CESE considera que é necessário elaborar planos de acção para garantir às pessoas com mobilidade reduzida a assistência de que necessitam nas estações, paragens e a bordo dos veículos e que os representantes das pessoas com deficiência e os representantes das empresas de transportes de autocarro deverão desempenhar um papel fundamental neste processo.

3.9.   Ainda que o CESE entenda que a redução dos incómodos para os passageiros deve ser sempre um objectivo prioritário, as considerações no que toca a indemnizações e reembolsos devem levar em conta os seguintes aspectos:

morte ou lesões corporais resultantes da utilização deste meio de transporte;

cancelamento, atrasos ou alteração do percurso;

perda de bens pelo operador; e

falta de informação

3.10.   No entanto, em todas as circunstâncias acima mencionadas é imperativo que fique provada a responsabilidade do operador e que o montante da indemnização a pagar não seja de tal ordem que ponha em risco a actividade da empresa de transporte. Assim, as indemnizações devem ser realistas e pagas num prazo conveniente tanto para o consumidor como para o operador.

3.11.   O processo para obter reparação deverá ser fácil e a regulamentação sobre o local onde o recurso pode ser apresentado deve incluir o Estado-Membro de destino do passageiro, seja ele qual for, e o seu país de residência.

3.12.   O acesso à informação tem uma importância fundamental, pelo que o CESE acolhe favoravelmente a abordagem da protecção máxima seguida neste domínio, especialmente porque a informação é uma ferramenta importante para reduzir os incómodos para os consumidores.

4.   Observações na especificidade

4.1.   Transportes urbanos

4.1.1.   O CESE apoia a proposta da Comissão na medida em que, em termos gerais, a aplicação do regulamento implicará o reforço do mercado interno e dos direitos dos passageiros, especialmente os dos passageiros com deficiência.

O CESE congratula-se pelo facto de os Estados-Membros poderem excluir deste regulamento os transportes urbanos, suburbanos e regionais abrangidos pelo Regulamento (CE) n.o 1370/2007, de 23 de Outubro de 2007.

Crê, contudo, que o nível de protecção dos direitos do consumidor tal como previsto pela proposta de regulamento em apreço implicaria a modificação de um grande número de contratos de prestação de serviços públicos celebrados ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1370/2007. Do mesmo modo, dada a grande diferença que existe entre as condições, infra-estruturas e os equipamentos exigidos aos serviços rodoviários de transportes (abrangidos pelo Regulamento (CE) n.o 1370/2007) e os exigidos para o transporte internacional de passageiros por autocarro, essas duas categorias não são verdadeiramente comparáveis.

O CESE preferiria que os serviços de transporte urbano, suburbano e regional fossem completamente excluídos da proposta em apreço e que os direitos dos utilizadores destes meios de transporte público fossem abordados num regulamento diferente.

4.2.   Acessibilidade

4.2.1.   O CESE lamenta que a proposta não reconheça especificamente e de uma forma mais pormenorizada a situação das pessoas com deficiência ou estabeleça normas mais avançadas para a protecção dos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida; é essencial garantir o acesso destes grupos ao transporte.

A aplicação na prática dos direitos das pessoas com deficiência não implicará novos encargos para as empresas, porquanto a maioria das obrigações previstas no regulamento deriva das disposições de outros instrumentos legislativos comunitários, como a Directiva 2001/85/CE (1), cujo décimo primeiro considerando dispõe que «… é também necessário prever prescrições técnicas que facilitem o acesso das pessoas com mobilidade reduzida aos veículos abrangidos pela directiva, em consonância com a política de transportes e a política social da Comunidade; devem ser feitos todos os esforços para melhorar a acessibilidade desses veículos».

4.2.2.   Por conseguinte, o Comité considera que as novas obrigações para o operador devem ser encaradas como obrigações de serviço público e que deverá ser prevista uma compensação financeira nos termos do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário.

4.2.3.   O objectivo é proporcionar às pessoas com mobilidade reduzida, incluindo às pessoas que sofrem de obesidade, a possibilidade de viajarem em autocarro nas mesmas condições que os restantes utentes. O CESE apoia, pois, a adopção de disposições para prevenir as discriminações e exigir que seja dada assistência em viagem a estes grupos de passageiros em conformidade com as propostas apresentadas, se bem que inadequadamente, no projecto de regulamento. Para esse efeito, o CESE entende que é imperativo que as associações de transportadores e as associações das pessoas com deficiência se reúnam para determinar as acessibilidades nos serviços de transportes.

4.2.4.   A acessibilidade poderá ser recusada por razões válidas, como a segurança rodoviária, mas razões puramente económicas não deverão, por si só, ser justificação para recusar esse serviço. O acesso deverá apenas ser negado por razões objectivas, não discriminatórias e proporcionais ao objectivo, que tenham sido previamente publicadas e interpretadas de forma restritiva, na medida que restringem a liberdade de circulação das pessoas. Estes são direitos inalienáveis, tal como o artigo 5.o da proposta correctamente esclarece.

4.2.5.   O CESE insta a Comissão a dar início ao necessário processo de normalização da produção de cadeiras de rodas e de sistemas de fixação de cadeira de rodas, de forma a que possam ser utilizadas com segurança nos autocarros.

4.2.6.   Apoia iniciativas como a do transporte a pedido, o que frequentemente constitui uma boa alternativa para o transporte de pessoas com deficiência. Para o efeito, o Comité preconiza a inclusão desse serviço nos contratos públicos no domínio dos transportes.

4.2.7.   O capítulo III da proposta proíbe a recusa de acesso e contém disposições sobre o direito a assistência em terminais e a bordo, as condições sob as quais a assistência é prestada, a transmissão de informações e indemnizações por perdas e danos nas cadeiras de rodas e no equipamentos de mobilidade; se bem que adequadas, essas disposições poderão ser ainda melhoradas. O CESE recomenda a atribuição de um prémio aos operadores que vão além do que é exigido e oferecem serviços de transporte verdadeiramente adaptados às pessoas com deficiência.

4.3.   Formação do pessoal

4.3.1.   O CESE considera que a formação é de extrema importância para a prestação de serviços às pessoas com deficiência, pelo que apoia totalmente o artigo 18.o. Além disso, entende que isso constituiria uma excelente oportunidade para uma maior cooperação entre as associações de transportadores e as associações de pessoas com deficiência, dado que estas últimas podem prestar essa formação.

4.4.   Pagamento de indemnização em caso de morte

4.4.1.   O CESE reconhece que actualmente os adiantamentos em matéria de indemnizações a dependentes que perderam um familiar num acidente de transporte podem por vezes demorar demasiado tempo a ser pagos. Contudo, considera, por outro lado, que quinze dias são um período razoável para o pagamento de adiantamentos para as necessidades económicas prementes das famílias das vítimas de acidentes mortais, tendo em consideração os danos sofridos, ou às próprias a vítimas que sofreram danos físicos ou mentais em consequência de um acidente.

4.4.2.   A este propósito, o CESE recomenda que o texto do artigo 8.o seja clarificado de forma a definir os dependentes explicitamente como os menores que perderam o progenitor (ou na sua falta o tutor) de que estavam a cargo.

4.5.   Perda de bagagem

4.5.1.   O CESE reconhece que os direitos dos passageiros devem ser protegidos quando a sua bagagem é roubada ou perdida, tendo, por isso, direito a uma indemnização. As empresas de autocarros deveriam ser responsáveis pelo extravio da bagagem que lhes tenha sido efectivamente confiada. A Comissão deveria portanto esclarecer o disposto no artigo 9.o da proposta para garantir a segurança jurídica, uma vez que a actual redacção não é clara e contém diferentes respostas para várias circunstâncias.

4.5.2.   A este respeito, o CESE precisa que o operador não é obrigado a proceder ao registo de bagagem dos passageiros.

4.5.3.   O CESE considera que também se devem prever disposições especiais para o extravio ou dano do equipamento utilizado por pessoas com deficiência.

4.6.   Informação sobre a interrupção do serviço

4.6.1.   O CESE considera que há que envidar esforços para assegurar que as informações sejam atempadamente transmitidas aos passageiros em caso de atraso ou interrupção da viagem. Entende, no entanto, que, por vezes, essas informações são muito difíceis de transmitir. Por esse motivo, considera que o artigo 21.o é pouco prático e de difícil aplicação dada a natureza das paragens de autocarro e pelo facto de serem em geral desprovidas de pessoal.

4.6.2.   O CESE propõe que se efectuem investimentos, através dos fundos para a investigação e o desenvolvimento da Comissão, no desenvolvimento e na criação de ferramentas TIC para sistemas de informação dos passageiros, que sejam fiáveis, funcionem em tempo real e possam ser instalados sem risco nas paragens de autocarro, bem como no desenvolvimento de sistemas informáticos ligeiros embarcados que permitam a racionalização da gestão da viagem («intelligent transport systems» – ITS).

4.7.   Terminais de autocarros

4.7.1.   A proposta efectua várias referências a terminais nas linhas de autocarro. É relevante notar que esses terminais geralmente não existem e, quando existem, estão situados, na maior parte das vezes, em locais sob a responsabilidade das estações de comboios ou de aeroportos; além disso, na maior parte dos outros casos, não existem terminais, mas apenas paragens de autocarro desprovidas de pessoal.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO L 42 de 13.2.2002, p. 1-102.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/103


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1321/2004 relativo às estruturas de gestão dos programas europeus de radionavegação por satélite

[COM(2009) 139 final – 2009/0047 (COD)]

(2009/C 317/19)

Relator: Thomas MCDONOGH

Em 21 de Abril de 2009, o Conselho Europeu decidiu, nos termos do artigo 156.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1321/2004 relativo às estruturas de gestão dos programas europeus de radionavegação por satélite

COM(2009) 139 final – 2009/0047(COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 26 de Junho de 2009, tendo sido relator Thomas McDonogh.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 174 votos a favor com 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   Apoiamos vivamente as propostas da Comissão, uma vez que a legislação adoptada em 2004 já começava a denotar uma certa desactualização.

1.2.   A segurança dos sistemas é de importância vital, pelo que é preciso fazer tudo para acabar com os hackers.

1.3.   Por uma questão de segurança, haverá que submeter o pessoal aos inquéritos pessoais previstos, uma vez que a estrutura de gestão é constituída por civis. O pessoal também deve compenetrar-se da sua elevada responsabilidade para com os utilizadores finais, a fim de garantir a continuidade e a fiabilidade do serviço.

1.4.   Os custos suportados pelos utilizadores devem ser competitivos em relação a outros sistemas análogos.

1.5.   É fundamental assegurar a independência da União Europeia de outros operadores que poderiam desactivar arbitrariamente os seus sistemas, bem como controlar as actividades dos utilizadores finais, tanto para fins comerciais como militares.

1.6.   Importa explicar em pormenor o programa GALILEO aos cidadãos da UE, uma vez que irá afectar directa ou indirectamente as vidas da maioria deles, desde pilotos e mineiros até agricultores, e com o fito de aproveitar todas as suas potencialidades.

1.7.   O CESE deve ser consultado nas várias fases do processo decisório sobre os progressos na implementação do projecto.

1.8.   O CESE apoia o financiamento dos programas de exploração dos sistemas globais de navegação por satélite (GNSS) que, para terem êxito, devem poder contar com um financiamento plurianual.

1.9.   O papel do CESE terá de ser reconhecido. Tendo os programas de GNSS um impacto directo nos cidadãos, é natural que o CESE seja informado e consultado. Estando o programa GALILEO a ser desenvolvido e controlado por civis, é indispensável haver transparência. A Comissão Europeia deve continuar a consultar o CESE à medida que forem surgindo problemas de monta com a vigilância, os direitos individuais e a privacidade.

2.   Introdução

2.1.   O CESE adoptou já vários pareceres sobre o GALILEO (1).

2.2.   É essencial accionar o mais brevemente possível o programa GALILEO para que a Europa possa dispor de um sistema de radionavegação por satélite idêntico ao dos EUA e não dependa de terceiros para fornecer este tipo de serviço.

2.3.   Isso contribuirá para aumentar a segurança, do ponto de vista nacional, e para garantir mais rendimentos, do ponto de vista comercial, o que, por sua vez, permitirá a sua comercialização e obter uma valiosa fonte de rendimentos.

2.4.   O CESE apoiará plenamente a Comissão na adopção de disposições de tão grande premência.

3.   Observações gerais sobre o programa europeu GNSS

3.1.   É essencial garantir a independência da UE de outros importantes prestadores de serviços de radionavegação por satélite a nível mundial. No entanto, o GALILEO será mais eficaz no mercado mundial e o EGNOS (European Geostationary Navigation Overlay Service) completará outros sistemas e contribuirá para melhorar a qualidade da informação.

3.2.   O programa GALILEO também oferece acesso ao espaço a alguns Estados-Membros que, doutro modo, não seriam envolvidos nas actividades espaciais. Os programas GNSS devem também ser um escaparate das «relações públicas» usado para promover a imagem da UE junto da opinião pública e assegurar o êxito desses programas. São necessárias acções de sensibilização para persuadir os cidadãos das vantagens dos programas europeus GNSS, a fim de tirarem o máximo partido das novas oportunidades que os mesmos oferecem.

3.3.   Os programas europeus GNSS poderão ter um impacto positivo nas demais políticas comunitárias.

3.4.   Convém, por conseguinte, encorajar a investigação neste domínio.

4.   Observações na especialidade

4.1.   O Regulamento (CE) n.o 1321/2004 deve ser alterado explicitamente e com brevidade pelos seguintes motivos:

A situação actual, caracterizada pela coexistência de dois textos que se contradizem em certos pontos – Regulamento (CE) n.o 1321/2004 e Regulamento (CE) n.o 683/2008 –, é insatisfatória de um ponto de vista legal.

O Regulamento (CE) n.o 683/2008 permite à Comissão gerir todas as questões relacionadas com a segurança dos sistemas mas, ao mesmo tempo, confia à Autoridade Supervisora a acreditação da segurança. É preciso esclarecer rapidamente o papel desempenhado exactamente por esta Autoridade neste âmbito.

4.2.   Com a alteração do Regulamento, a Agência Espacial Europeia tem os seguintes objectivos:

acreditação de segurança: para o efeito, inicia e acompanha a aplicação dos procedimentos de segurança e efectua auditorias da segurança dos sistemas europeus GNSS;

contribui para a preparação da comercialização dos sistemas europeus GNSS, incluindo a necessária análise de mercado;

explora o Centro de Segurança Galileo.

4.3.   A avaliação ex ante foi realizada aquando da criação da Agência em 2004.

4.4.   Esta alteração das regras relativas à governação da Agência visa ter em conta os ensinamentos colhidos da sua experiência de gestão, bem como da sua contribuição e do papel que tem vindo a desempenhar ao nível dos programas europeus de radionavegação por satélite.

4.5.   É, portanto, necessário criar um novo quadro para a governação pública. O Regulamento (CE) n.o 683/2008:

prevê a rigorosa repartição de competências entre a Comunidade Europeia, representada pela Comissão, a Autoridade e a Agência Espacial Europeia;

incumbe a Comissão da gestão dos programas;

enumera de forma precisa as missões confiadas à Autoridade.

4.6.   Os Estados-Membros não conseguirão levar a bom termo, individualmente, a criação de estruturas de radionavegação por satélite, uma vez que este objectivo excede as capacidades financeiras e técnicas de cada um deles. A acção a nível comunitário é, por isso, a base mais apropriada para a execução dos programas europeus GNSS (GALILEO e EGNOS).

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 256 de 27.10.2007, p. 73-75.

JO C 256 de 27.10.2007, p. 47.

JO C 324 de 30.12.2006, p. 41-42.

JO C 221 de 8.9.2005, p. 28.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/105


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde sobre a mão-de-obra da União Europeia no sector da saúde

[COM(2008) 725 final]

(2009/C 317/20)

Relator: Arno METZLER

Em 10 de Dezembro de 2008, a Comissão Europeia apresentou uma comunicação ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre o

Livro Verde sobre a mão-de-obra da União Europeia no sector da saúde

COM(2008) 725 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 25 de Junho de 2009, sendo relator Arno Metzler.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 15 de Julho de 2009), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 104 votos a favor, 29 votos contra e 29 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações do Comité

1.1.   O CESE acolhe a proposta de Livro Verde sobre a mão-de-obra da União Europeia no sector da saúde apresentada pela Comissão Europeia. A evolução demográfica e as suas repercussões na mão-de-obra, bem como a carga de trabalho no sector da saúde são descritas pelo Livro Verde.

1.2.   Na opinião do CESE devem ser tomadas medidas para tornar o sector da saúde mais atraente para os jovens, de modo que estes optem mais por profissões ligadas à saúde.

1.3.   O CESE recomenda a criação de capacidades suficientes em pessoal no sector da saúde para fazer face aos cuidados de saúde e reforçar a despistagem, a promoção da saúde e a prevenção.

1.4.   É possível, segundo o CESE, lutar contra o êxodo indesejado do pessoal de saúde para outros países, oferecendo vencimentos mais altos, melhores condições de trabalho e, eventualmente, atribuindo novas responsabilidades. Novas responsabilidades implicam qualificações adequadas, o que tornaria também o sector, de um modo geral, mais atractivo.

1.5.   Os dados estatísticos servem de base a várias decisões, pelo que o seu âmbito no que respeita à mão-de-obra no sector da saúde na UE, sobretudo no domínio da migração e da mobilidade, deve ser melhorado substancialmente.

1.6.   Deve ser fomentada a introdução no sector da saúde de novas tecnologias que aliviem a carga de trabalho do pessoal deste sector, melhorem a qualidade dos serviços prestados e apoiem os doentes. O CESE está ciente de que tal pode levar a um reexame do modo de funcionamento da cadeia de responsabilidades da classe médica.

1.7.   O CESE coloca a tónica no papel importante das normas sociais no que toca a garantir a qualidade dos cuidados prestados e a segurança dos doentes e rejeita terminantemente qualquer tentativa para as minar (não ao nivelamento por baixo).

1.8.   O CESE realça a importância das profissões liberais no sector da saúde, juntamente com o pólo central constituído pelo hospital e os serviços públicos de saúde, pois é sobretudo graças a eles que podem ser assegurados cuidados de saúde ou tratamentos em condições de competência e segurança. Os seus membros receberam formação altamente qualificada, graças ao esforço da sociedade civil nos Estados-Membros em prol do ensino público. Os membros do CESE que representam essa sociedade civil vêem com cautela a intenção da Comissão de incentivar a mão-de-obra no sector da saúde a optar pela situação de actividade liberal. Simultaneamente, o CESE é crítico em relação à tendência de aumento dos falsos independentes, sempre que isso se revele problemático devido ao tipo de actividade (por exemplo, na prestação de cuidados a doentes e a idosos).

1.9.   O CESE encara com preocupação o debate sobre a nova repartição de tarefas no sector da saúde, cujo objectivo é substituir o exercício da medicina por pessoal qualificado por alternativas menos onerosas. O Comité é de opinião que as considerações estruturais sobre a repartição de tarefas dos profissionais de saúde se deveriam nortear pelas carências médicas, pelo nível de qualificação e pelas necessidades dos doentes.

1.10.   O CESE está convicto de que os estabelecimentos de saúde e o seu pessoal constituem serviços de interesse geral e que, por conseguinte, os fundos estruturais deveriam ser aplicados mais na sua formação. O CESE insiste na necessidade absoluta de se assegurar a este pessoal condições que lhes permitam participar em formações contínuas de modo que possam ampliar e aprofundar as suas qualificações, mas também para colmatar a escassez de cuidados em regiões com défices estruturais.

1.11.   O CESE sublinha o papel preponderante dos parceiros sociais e do diálogo social no respeitante à definição das condições de trabalho e de remuneração, bem como à qualificação dos profissionais de saúde.

1.12.   No entender do CESE, as profissões sociais têm um papel importante no bem-estar dos doentes e nos cuidados que lhes são prestados e, consequentemente, um papel notório no sector da saúde.

2.   Síntese do documento da Comissão

2.1.   O Livro Verde deverá servir de base a um debate aprofundado entre as instituições comunitárias, os Estados-Membros e os principais actores económicos e sociais a nível europeu e nacional. Fornece um quadro a partir do qual se poderá ter em conta os requisitos a longo prazo.

2.2.   O Livro Verde centra-se em nove áreas-chave:

Evolução demográfica

Capacidades no sector da saúde

Formação

Gestão da mobilidade e da migração dos trabalhadores no sector da saúde na UE

Migração global de pessoal médico

Dados de apoio à tomada de decisões

Introdução e disseminação das novas tecnologias para melhorar a eficiência e aumentar a qualidade dos cuidados

Reforço do princípio dos profissionais de saúde enquanto empresários

Política de coesão.

2.3.   Contexto

2.3.1.   Os sistemas de saúde da UE têm de fazer face a um aumento constante da procura de serviços de saúde, responder à evolução das necessidades de saúde e estar preparados para enfrentar graves crises em matéria de saúde pública, tudo isto associado a expectativas elevadas quanto à qualidade das prestações de serviços de saúde. Há que reconhecer que se trata de um sector económico intensivo em mão-de-obra, no qual um em cada dez trabalhadores da população activa europeia exerce a sua actividade profissional e em que, em média, 70 % do orçamento dos cuidados de saúde se destina a salários e ordenados.

2.3.2.   O artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia estabelece que «A acção da Comunidade no domínio da saúde pública respeitará plenamente as competências dos Estados-Membros em matéria de organização e prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos» e que a cooperação entre os Estados-Membros será simultaneamente encorajada, de molde a promover a coordenação de estratégias e programas, bem como a comunicação mútua sobre os programas mais bem sucedidos nos vários Estados-Membros.

2.3.3.   A Comissão Europeia apresenta no Livro Verde questões fundamentais sobre os problemas e desafios da prestação de cuidados de saúde a fim de estimular o debate. Estas questões abrangem:

a população em envelhecimento,

as novas tecnologias,

a necessidade de melhorar o acesso aos serviços de saúde,

a qualidade da oferta e, em consequência, os tratamentos cada vez mais onerosos,

os surtos e o potencial aparecimento de doenças epidémicas e

a disponibilidade de prestação de cuidados de saúde de proximidade.

Definição de mão-de-obra: Por mão-de-obra no sector da saúde, entende-se todo o pessoal da saúde que assegura a prestação de tratamentos e cuidados a doentes, a assistência de enfermagem e a assistência e o acompanhamento social, bem como todo aquele que exerce uma actividade especializada neste sector.

2.3.4.   Em todos os Estados-Membros, está actualmente em curso um debate sobre o âmbito e as disponibilidades do potencial de mão-de-obra necessária nas próximas décadas e mais além. Em alguns Estados-Membros, já se sente uma enorme falta de sangue novo e de pessoal especializado, sobretudo nas áreas em que os prestadores de serviços são predominantemente de idade avançada.

2.3.5.   Para além da escassez de mão-de-obra decorrente desta situação, constata-se igualmente o êxodo de pessoal da UE para outros países, como por exemplo os EUA ou a Suíça, em particular nos sectores altamente especializados da saúde.

Dentro da UE, também se regista uma elevada taxa de mobilidade e migração, havendo fluxos migratórios pronunciados entre os vários países.

A migração da mão-de-obra é de interesse vital. A disparidade das remunerações e as diferentes condições de trabalho são as causas desta evolução. A diversidade de sistemas tem um forte impacto nas estruturas de oferta e de qualificações profissionais.

2.3.6.   Com o Livro Verde e através da consulta pública sobre o futuro da mão-de-obra da União Europeia no sector da saúde, a Comissão torna mais visíveis as questões com que se deparam os profissionais de saúde e dá uma imagem mais clara dos desafios futuros. Parte do princípio que os cuidados de saúde são uma necessidade fulcral e elementar de todos os cidadãos da UE. Do mesmo modo, considera que, sem cuidados de saúde adequados, as liberdades fundamentais da Comunidade Europeia podem ser muito rapidamente restringidas.

2.3.7.   Os cuidados de saúde preventivos e a assistência médica têm uma componente económica. O sector da saúde necessita de mão-de-obra qualificada e altamente experiente com qualificações reconhecidas, que constituem um elemento essencial da sociedade do conhecimento.

3.   Observações do CESE sobre as soluções propostas no Livro Verde

3.1.   Soluções propostas pela Comissão Europeia

Em virtude de competências próprias limitadas no domínio da saúde, a Comissão é comedida nas soluções propostas. Por um lado, verifica que a percentagem de mulheres nos profissionais do sector da saúde tem vindo a aumentar nos últimos anos, pelo que propõe uma melhor conciliação entre vida profissional, familiar e privada, para garantir a existência de pessoal especializado e de mão-de-obra no sector da saúde, apresentando para tal as medidas necessárias. Por outro lado, insta a uma estratégia de planeamento sólida e sugere o reforço do investimento na formação em todos os países da Europa, de modo que a mão-de-obra no sector da saúde não seja formada apenas em alguns países e recrutada só noutros, o que poderia levar a uma maior redução das capacidades de formação. A melhoria das oportunidades de qualificação, em particular no domínio da formação contínua e do aperfeiçoamento profissional, melhoraria igualmente a motivação no âmbito do recrutamento e da educação.

3.2.   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com o Livro Verde que considera um amplo documento de debate sobre os grandes desafios com que se confrontam os sistemas de saúde, a saúde pública e a mão-de-obra na Europa. Estimula o debate público no âmbito da Estratégia de Lisboa para promoção de serviços com base no conhecimento. Considera a prestação de cuidados de saúde um conjunto integral.

3.3.   O CESE é da opinião de que o mercado de prestação de serviços de saúde deve ser regido por regras próprias, na medida em que tem impacto directo na saúde da população. Por conseguinte, propõe um debate sobre os problemas que derivam da natureza fragmentada dos cuidados de saúde em alguns países, em especial nos sistemas de saúde que não são directamente controlados pelo Estado, tornando particularmente difícil assegurar normas uniformes para o desenvolvimento das qualificações e da formação contínua.

3.4.   Demografia e promoção de uma mão-de-obra sustentável no sector da saúde

3.4.1.   O CESE sublinha que a percentagem de mulheres que trabalha em profissões do sector da saúde já é maior, prevendo-se que esse número continue a aumentar. Esta situação é comum a todos os tipos de actividade. A igualdade de tratamento é necessária para se alcançarem condições iguais entre homens e mulheres, em conformidade com as directivas sobre a igualdade entre os géneros, e para lograr convencer mais homens a exercerem uma actividade em diferentes domínios do sector da saúde. Algumas das medidas que contribuiriam para tal seriam a conciliação da vida profissional e familiar, o reconhecimento das competências exercidas e do carácter penoso da profissão, bem como o apoio às mulheres que desejem reintegrar o mercado de trabalho após longos períodos a cuidar da família e o apoio à continuação em actividade.

3.4.2.   É pouco surpreendente a influência que boas condições de trabalho, assim como a segurança e saúde no trabalho podem ter nos trabalhadores do sector dos cuidados de saúde. A satisfação e a segurança aumentam o zelo em relação aos doentes. A qualidade do emprego, as medidas de prevenção para o pessoal e o tratamento das tensões particulares sentidas no local de trabalho no domínio da saúde assumem importância fundamental para se garantir um elevado nível de qualidade, a segurança dos doentes e a correspondente segurança nas prestações de saúde. O Livro Verde praticamente não refere estas questões.

3.4.3.   O CESE toma nota da investigação levada a cabo pelos parceiros sociais sobre os regimes de reingresso no mercado de trabalho, considerando que estes podem ter um papel crucial na manutenção e na reinserção de pessoal médico, e especialmente mulheres, na vida activa, e que são cada vez mais importantes para fazer face à falta de mão-de-obra qualificada.

3.4.4.   Na opinião do CESE, alguns Estados-Membros têm de tomar medidas para tornar o sector da saúde mais atraente para os jovens, de modo que estes optem mais por se tornarem profissionais de saúde ou procurem exercer uma actividade neste domínio. Para incitar mais jovens, e também mais homens, a integrarem uma profissão no domínio da saúde, dos cuidados de saúde e da assistência social, há que tornar estes empregos mais atraentes através de melhores condições laborais e salariais ao longo de toda a carreira.

3.5.   Capacidades no sector da saúde

3.5.1.   Uma boa prevenção e promoção da saúde, aliadas a uma gestão da saúde melhorada podem diminuir a necessidade de tratamentos e de cuidados. O CESE recomenda, por conseguinte, que haja capacidades suficientes no sector da saúde para reforçar a despistagem, a promoção da saúde e a prevenção. Para tal, é, no entanto, necessário dispor de medidas com fundamento científico que possam ser financiadas de forma sustentável e generalizada. Segundo o CESE, a par da atenção dada às profissões no sector da saúde, a Comunidade deveria ter também em atenção a promoção da saúde dos próprios profissionais de saúde, para que estes se mantenham saudáveis e eficientes (síndrome de burn out). Há que dar particular atenção à capacidade de trabalho dos trabalhadores em fim de carreira, para que estes possam cada vez mais acreditar que podem trabalhar sem problemas de saúde, e ter em conta o desgaste da sua vida laboral para determinar as condições de reforma.

3.6.   Formação

3.6.1.   O CESE propõe que se examine a questão da fragmentação das estruturas de prestação de serviços no sector da saúde existente em vários países, em particular quando este não é directamente gerido pelo Estado, o que dificulta a adopção de normas uniformes elevadas para as qualificações e para a formação contínua. Considera importante examinar em que medida se pode apoiar da melhor forma estas estruturas fragmentadas, tendo em vista a criação de postos de trabalho. O CESE questiona-se quanto à obrigação da formação contínua e do aperfeiçoamento profissional, à aplicação de normas elevadas, bem como ao aumento de transparência através da certificação e de normas uniformes a nível europeu e respectivo respeito. Interroga-se ainda até que ponto os países foram incentivados a fazer progressos neste domínio.

3.6.2.   O CESE tem algumas reservas quanto à ligação entre a directiva relativa ao reconhecimento de diplomas e uma possível directiva sobre as qualificações no sector da saúde. Questiona-se sobre o modo de articular isto com as directivas especiais para determinadas profissões e de como estas directivas influenciaram a uniformidade das qualificações e dos estudos e da formação na Europa e levaram a condições de trabalho mais uniformes no dia-a-dia.

3.6.3.   O CESE pretende efectuar uma reflexão sobre os custos-benefícios de uma estrutura adequada dos requisitos necessários para actualizar as competências dos prestadores de cuidados de saúde na UE.

3.7.   Gestão da mobilidade e da migração dos trabalhadores no sector da saúde na UE

3.7.1.   O CESE questiona-se quanto ao impacto dos serviços providenciados e a eficácia dos programas de apoio e solicita, por conseguinte, que se revele, com base em dados científicos, em que medida as fronteiras nacionais, mas também linguísticas – e eventualmente as diferenças culturais – na Europa têm um impacto na migração de trabalhadores, especialmente nesta área em que a empatia e os conhecimentos são fundamentais.

3.8.   Migração global de pessoal médico

3.8.1.   Como solicitado no Livro Verde, o recrutamento de trabalhadores no sector da saúde deve obedecer a princípios éticos. Assim, para além da possibilidade de contratar pessoal de outros países, há que encorajar, por exemplo, um número suficiente de jovens do próprio país a enveredar por este sector. A falta de sangue novo no próprio país não deve ser compensada através do aliciamento de trabalhadores de outros países. Perante a grande diversidade de acordos voluntários já existentes e à luz da participação da UE na elaboração do código de conduta da OMS, o CESE solicita que se examine o valor acrescentado de um «código de conduta» da UE, a par do da OMS.

3.8.2.   É igualmente necessário prevenir a fuga de cérebros nos países em desenvolvimento. O recrutamento de profissionais do sector da saúde deveria, na medida do possível, ocorrer num contexto institucionalizado, no qual a mobilidade dos trabalhadores seria apoiada por programas de cooperação bilateral ou multilateral. Isto pode ser alcançado através de investimentos em infra-estruturas de formação no sector da saúde e da melhoria das condições de trabalho. Sem enfrentar os motivos da migração, isto é, as desigualdades gritantes a nível de salário e condições de trabalho, a migração continuará a resultar na escassez de mão-de-obra no sector da saúde nos países em desenvolvimento.

3.9.   Dados de apoio à tomada de decisões

3.9.1.   O CESE apela a que as estatísticas nacionais sejam comparáveis a nível europeu. Um problema consiste, porém, no facto de os profissionais no sector da saúde serem classificados de modo parcialmente diferente nos Estados-Membros. As especificidades nacionais em termos de competências e de designações dos profissionais no sector da saúde não devem ser sacrificadas apenas no intuito de se obterem indicadores uniformes. O CESE propõe a recolha de estatísticas pertinentes sobre as profissões no sector da saúde na Europa, bem como sobre a migração entre países. No atinente à proposta de criação de um observatório da mão-de-obra no sector da saúde, o Comité interroga-se quanto à verdadeira necessidade do mesmo e se organismos já existentes, como o Eurostat e a Fundação de Dublim, não poderão servir os objectivos citados.

3.9.2.   Em geral, os dados deveriam ser melhorados através da criação de um registo de dados. O CESE propõe aliar a monitorização do sector da saúde referida no Livro Verde a outros projectos comunitários, por exemplo a promoção de sistemas de informação de saúde, e melhorar a comunicação dos registos nacionais, quando existam, para todas as profissões.

3.9.3.   Uma vez que na maioria dos Estados-Membros o sector da saúde é organizado ou regulado pelo Estado, o CESE acolhe favoravelmente o apoio da Comissão Europeia, que conduzirá a um melhor planeamento. Propõe, por conseguinte, que a União Europeia disponibilize recursos para a realização de análises sobre a prestação de cuidados de saúde nos Estados-Membros, as quais servirão de base à criação, em todo o território, de uma assistência médica e de cuidados de saúde de proximidade.

3.10.   Introdução e disseminação das novas tecnologias para melhorar a eficiência e aumentar a qualidade dos cuidados

3.10.1.   O CESE propõe que se examine se as novas tecnologias, associadas a novas possibilidades terapêuticas ligadas a redes de comunicação electrónica e susceptíveis de serem aplicadas por toda a parte, mesmo nas zonas mais remotas, podem ser utilizadas no interesse dos trabalhadores, incluindo para fins de autodiagnóstico ou de diagnóstico com a participação do doente. Neste contexto, há que ter em conta a experiência de outros países. A introdução de novas tecnologias pressupõe, no entanto, a sua aceitação pelo pessoal médico, a qual só poderá ser conseguida caso estes sejam envolvidos no desenvolvimento da tecnologia da «saúde em linha» (ehealth), para assegurar assim que as ferramentas electrónicas poderão ser utilizadas de forma simples e segura na prática quotidiana. Para que a introdução das novas tecnologias seja bem sucedida é indispensável que o pessoal médico receba formação adequada sobre a melhor forma de as utilizar. O CESE refere que as novas tecnologias para além de benefícios envolvem sempre riscos, como o respeitante à protecção de dados, que devem ser tidos em conta. A introdução de novas tecnologias deve ser orientada em função dos diferentes sistemas de saúde nacionais. Pode levar a uma adaptação das legislações nacionais sobre a responsabilidade aplicáveis em cada Estado-Membro à classe médica. O Comité questiona-se sobre até que ponto as diferentes medidas e projectos-piloto promovidos pela Comissão Europeia poderão obstar à criação de infra-estruturas nacionais de tecnologias de informação, ou mesmo nivelá-las.

3.11.   O papel dos profissionais de saúde enquanto empresários

3.11.1.   Em alguns países da União Europeia, os profissionais de saúde que têm o seu próprio consultório, pondo, por conseguinte, em prática o princípio do empreendedorismo, desempenham um papel importante na oferta de cuidados de saúde nos Estados-Membros. O Livro Verde reconhece, assim, o papel das profissões liberais no sector da saúde e a função que cumprem a par do sector público. É frequentemente graças a elas que pode ser assegurada a prestação de cuidados de saúde ou tratamentos a pessoas, garantindo competência e segurança. Contudo, o Comité sublinha que, na União, a maior parte dos profissionais liberais do sector da saúde adquiriu as suas qualificações após longos períodos, graças ao esforço da colectividade a favor do ensino público gratuito. A sociedade civil também tem direito de esperar um retorno (preços e custos) e os seus representantes só podem considerar com cautela o desejo manifestado pela Comissão no ponto 6, que parece encorajar o aumento da vertente privada neste elo da cadeia de sistemas de saúde. Simultaneamente, o CESE é crítico em relação à tendência de aumento dos falsos independentes, sempre que isso se revele problemático devido ao tipo de actividade (por exemplo, na prestação de cuidados a doentes e a idosos).

3.12.   Política de coesão

3.12.1.   O CESE preconiza uma maior utilização dos fundos estruturais na formação inicial e contínua dos trabalhadores do sector da saúde. A escassez de profissionais de saúde nas regiões com défices estruturais poderia ser colmatada através, por exemplo, da organização da formação nas regiões que carecem mais urgentemente de pessoal qualificado e do apoio a essa mesma formação. Esta proposta assenta na observação de que os profissionais de saúde se estabelecem prioritariamente nos locais onde se formam. A política de coesão poderia, igualmente, providenciar um quadro de apoio a projectos-piloto que focariam as questões levantadas. O Comité propõe ainda que os recursos dos fundos estruturais comunitários possam ser utilizados para melhorar as infra-estruturas do sector da saúde e, eventualmente, as capacidades de comunicação ou novas normas de tratamento (evidence based medicine – medicina baseada na prova/evidência).

3.12.2.   O CESE encara com preocupação o debate, motivado essencialmente por razões económicas e envolvendo sobretudo gestores e grupos profissionais interessados, sobre a nova repartição de tarefas no sector da saúde, cujo objectivo é substituir o exercício da medicina por pessoal qualificado por alternativas menos onerosas. Uma melhor coordenação, a optimização dos processos e a ligação em rede, associadas a uma flexibilização da repartição de tarefas seriam, em contrapartida, uma melhor solução. Neste contexto, o CESE considera primordial que sejam ministrados cursos de qualificações adequados, a fim de afastar a possibilidade de uma diminuição da qualidade dos cuidados.

3.12.3.   O CESE é de opinião que a correspondência das qualificações e das profissões com as tarefas deve nortear-se pelo seguinte:

1.

carências médicas,

2.

formação, tarefas realizadas e responsabilidades e

3.

necessidades do doente.

3.12.4.   O CESE defende o ponto de vista de que mesmo em tempos de crise financeira, os Estados-Membros devem continuar preparados para financiar de forma suficiente os respectivos sistemas de saúde (gestão financeira), nomeadamente para assegurar recursos humanos em número suficiente para prestar serviços de alta qualidade, bem como para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores neste sector.

3.13.   Parceria social

3.13.1.   O CESE realça o importante papel e a responsabilidade dos parceiros sociais na definição das condições de trabalho da mão-de-obra no sector da saúde e a diversidade bem marcada das profissões neste sector e remete para os trabalhos já realizados neste domínio pelos parceiros sociais.

3.13.2.   A evolução demográfica que leva a uma escassez de sangue novo na mão-de-obra não deve conduzir a uma diminuição do nível das qualificações nem dos salários (nivelamento por baixo). O CESE considera que os Estados-Membros têm a obrigação de assumir a responsabilidade neste domínio.

3.13.3.   O CESE toma nota do lançamento de um diálogo social no sector hospitalar europeu e assinala que o programa de trabalho acordado pelos parceiros sociais corresponde a todos os assuntos debatidos no Livro Verde. Por conseguinte, lamenta que o Livro Verde não inclua nenhuma referência a este processo.

3.13.4.   O CESE sublinha o papel importante do princípio «para trabalho igual, remuneração igual», independentemente do género.

3.13.5.   As condições de trabalho especiais, que requerem uma presença 24 horas por dia, sete dias por semana, carecem de mecanismos especiais de compensação (remuneração por horas extraordinárias e trabalho nocturno, compensação em tempo de descanso) para contrabalançar a elevada pressão exercida sobre a mão-de-obra. Nesse sentido, o CESE é muito crítico em relação ao aumento em muitos Estados-Membros dos incentivos aos falsos independentes e consequente perda de protecção social e laboral.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/110


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros (reformulação)

[COM(2008) 815 final – 2008/0244 (COD)]

(2009/C 317/21)

Relatora: An LE NOUAIL-MARLIÈRE

Em 1 de Abril de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros (reformulação)

COM(2008) 815 final – 2008/0244 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 25 de Junho de 2009, sendo relatora An Le Nouail Marlière.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 154 votos a favor, 2 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1.   Preocupado com o apoio indirecto que um quadro excessivamente restritivo ou pouco acolhedor pode constituir aos regimes mais autoritários e menos democráticos, o Comité aprova a reformulação e a melhoria da directiva sobre as normas de acolhimento, mas reitera algumas recomendações formuladas em pareceres precedentes, mormente na sua resposta ao Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo  (1) e ao respectivo plano de acção (2).

No tocante ao acolhimento dos requerentes de asilo, a proposta de reformulação da directiva deveria promover normas «comuns» em vez de «mínimas» e comportar cláusulas de salvaguarda das normas aplicadas pelos Estados-Membros que mais respeitam os direitos fundamentais dos requerentes de protecção internacional, do estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária, em particular:

a garantia de acesso ao território,

a liberdade de escolha do local onde é efectuado o pedido de asilo e de protecção,

a análise em primeiro lugar do estatuto à luz da convenção e, em segundo lugar, da protecção subsidiária apenas no caso de as condições exigidas no primeiro estatuto não serem preenchidas,

a não repulsão se o requerente corre perigo de vida no seu país de origem ou no último país de trânsito,

o recurso com efeito suspensivo das medidas de expulsão enquanto não houver decisão pelo tribunal competente, a fim de tornar plenamente efectivo este direito de recurso, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (ver ponto 4.8.1 infra),

a protecção especial dos menores ou supostamente menores,

o respeito dos direitos autónomos das pessoas e em particular das mulheres de apresentar um pedido de protecção.

1.2.   O Comité gostaria que, no caso dos menores, se precisasse de forma sistemática que o «interesse superior da criança» deve ser entendido na acepção do n.o 1 do artigo 3.o da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (n.o 1 do artigo 22.o ).

1.3.   A «retenção – detenção» só deve ocorrer em último caso quando se esgotaram as alternativas e nunca sem que haja uma decisão por tribunal competente, respeitando os direitos de defesa, em conformidade com a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

1.4.   As ONG competentes e activas no domínio dos direitos do Homem deveriam ter sempre acesso aos requerentes de protecção e os requerentes devem sempre beneficiar de assistência jurídica e humanitária prestada quer pelos Estados quer por ONG.

1.5.   O Comité encoraja os Estados-Membros a acelerarem as negociações com vista à adopção, através do processo de co-decisão com o Parlamento Europeu, desta reformulação que permitirá à União Europeia melhorar a sua capacidade de enfrentar com dignidade os pedidos que lhe são feitos no sentido de proteger todos aqueles que requerem asilo.

1.6.   O Comité apoia a criação de um gabinete de apoio aos Estados-Membros em matéria de asilo e de protecção internacional desde que este permita acelerar a repartição das obrigações de acolhimento e de protecção entre os Estados-Membros da UE, conferir transparência no domínio do acolhimento dos requerentes de asilo ou de protecção internacional, valorizar a experiência das associações activas no domínio do auxílio e da assistência aos requerentes de asilo e de protecção internacional e melhorar o processo de avaliação de cada pedido.

2.   Introdução e resumo da proposta da Comissão

2.1.   O Sistema Europeu Comum de Asilo está a ser desenvolvido em duas fases diferentes. A primeira fase teve início no Conselho Europeu de Tampere (1999), depois da aprovação do Tratado de Amesterdão, que atribuiu dimensão comunitária às políticas de imigração e asilo. Esta primeira fase concluiu-se no ano de 2005.

2.2.   Nesta primeira fase, avançou-se na elaboração de algumas directivas relativas ao asilo, melhorou-se a cooperação entre os Estados-Membros e actuou-se no que respeita à dimensão externa do asilo.

2.3.   A segunda fase da construção do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) iniciou-se com o estabelecimento do Programa da Haia (aprovado em Novembro de 2004) em que se estabeleceu que em 2010 se alcançariam os objectivos principais do SECA, mediante a adopção de instrumentos e medidas destinados a uma maior harmonização e melhoria das normas de protecção tendo em vista o sistema europeu comum de asilo.

2.4.   Enquanto passo prévio à adopção de novas iniciativas, a Comissão elaborou, em 2007, um Livro Verde  (3) com o objectivo de iniciar um debate entre as várias instituições, Estados-Membros e a sociedade civil (4) e que esteve na base do plano de acção em matéria de asilo adoptado, em seguida, pela Comissão. Este documento definiu um roteiro para os anos seguintes, descrevendo as medidas que a Comissão tencionava adoptar a fim de realizar a segunda fase do SECA.

2.5.   É nesse contexto que se situa a directiva, cuja reformulação a Comissão agora propõe e que foi adoptada pelo Conselho em 27 de Janeiro de 2003 e objecto de parecer do CESE (5).

2.6.   O principal objectivo da presente proposta é garantir elevados padrões de tratamento dos requerentes de asilo, em termos de condições de acolhimento que permitam um nível de vida digno, respeitando o direito internacional. É igualmente necessária uma maior harmonização das normas nacionais que regulam as condições de acolhimento, a fim de limitar o fenómeno dos movimentos secundários dos requerentes de asilo nos vários Estados-Membros, na medida em que estes movimentos são causados pelas diferenças entre as políticas nacionais de acolhimento.

2.7.   A proposta estende o âmbito de aplicação da directiva às pessoas que requerem protecção subsidiária e estabelece que é aplicável a todos os tipos de processos de asilo e a todas as regiões geográficas e instalações que alberguem requerentes de asilo.

A proposta destina-se igualmente a facilitar o acesso ao mercado de trabalho. Dispõe que os requerentes de asilo possam aceder ao emprego decorridos seis meses após a apresentação do pedido de protecção internacional e estabelece que a imposição das condições nacionais do mercado de trabalho não deve restringir o acesso dos requerentes de asilo ao emprego.

2.8.   Para que o benefício das condições materiais de acolhimento possa garantir um nível de vida adequado para a saúde dos requerentes de asilo e garantir a sua subsistência, a proposta obriga os Estados-Membros a terem em conta o nível de assistência social atribuído aos nacionais do país quando concedem apoio financeiro aos requerentes de asilo.

2.9.   A proposta prevê que a retenção só deve ser usada nos casos excepcionais nela enumerados.

2.10.   A proposta garante igualmente que os requerentes de asilo sejam retidos em condições humanas e dignas, respeitando os seus direitos fundamentais e o direito nacional e internacional.

2.11.   A proposta prevê a adopção de medidas nacionais destinadas à identificação imediata das necessidades especiais.

Além disso, a proposta inclui inúmeras salvaguardas destinadas a garantir que as condições de acolhimento sejam especificamente concebidas para suprir as necessidades especiais dos requerentes de asilo.

2.12.   No que se refere à aplicação e melhoria dos sistemas nacionais, a proposta inclui medidas para garantir a continuidade do controlo e reforçar o papel de guardiã da legislação da UE que cabe à Comissão.

3.   Observações na generalidade

3.1.   O Comité aprova a evolução positiva das condições de acolhimento das pessoas que requerem protecção internacional subjacente às propostas da Comissão, bem como a vontade de harmonizar as disposições nacionais e a extensão do âmbito de aplicação à protecção subsidiária. Contudo, recorda a necessidade de se analisar sempre individualmente a situação de cada requerente, incluindo na fase de determinação da responsabilidade do Estado-Membro, com vista à análise exaustiva do pedido e de ponderar a protecção subsidiária apenas no caso de as condições exigidas no primeiro estatuto convencional (refugiado) não serem preenchidas.

3.2.   O Comité apoia o objectivo de garantir um nível de vida digno aos requerentes de protecção e de facilitar a sua integração no país de acolhimento (6), bem como a sua concretização, através do acesso ao mercado de trabalho num prazo máximo de seis meses, sem que as condições nacionais possam limitar indevidamente esse acesso (n.o 2 do artigo 15.o), no respeito absoluto dos direitos fundamentais dos requerentes de asilo ou de protecção internacional como deveriam derivar no direito positivo europeu da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do seu artigo 23.o, n.o 1 (7), do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (artigos 2.o, 9.o, 10.o, 11.o e 12.o), da Convenção da OIT n.o 118 sobre Igualdade de Tratamento dos Nacionais e Não-nacionais em matéria de Previdência Social, da Carta Social Europeia, da Carta dos Direitos Fundamentais e da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados (8). O mesmo se aplica ao nível de assistência social concedido e à diferenciação das condições de alojamento de acordo com as necessidades especiais das pessoas e o conceito alargado das relações familiares do requerente, bem como a necessidade de as ter devidamente em conta na análise do seu requerimento.

3.3.   Quanto aos princípios gerais e às referências internacionais subjacentes ao reconhecimento e à defesa dos direitos fundamentais das pessoas em situação de perigo e quanto à retenção de requerentes de protecção internacional, em aplicação da Convenção de Genebra e, nomeadamente, do seu artigo 26.o sobre a liberdade de circulação e do seu artigo 31.o sobre os refugiados em situação irregular no país de acolhimento (9), como recorda a Comissão na exposição de motivos (§16), ninguém deve ser retido apenas pelo facto de solicitar protecção internacional. A detenção só pode ser usada em caso de necessidade absoluta devidamente justificada e não deve ser considerada como prática aceitável em circunstâncias que não correspondam a uma intenção fraudulenta ou dilatória da parte do requerente.

3.4.   No caso dos menores, o Comité aprova as medidas preconizadas pela directiva para responder às suas necessidades específicas. Apesar disso, assinala que a referência à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989 seria mais precisa se, para além do seu artigo 37.o  (10), se recorresse sistematicamente ao n.o 1 do seu artigo 3.o  (11) e não apenas à noção de «interesse superior da criança» que pode dar lugar a interpretações divergentes.

3.5.   Por último, o Comité mostra-se especialmente atento à introdução sistemática de possibilidades de recurso para os requerentes ou refugiados contra decisões judiciais ou administrativas que os afectem. Assinala, porém, que esse recurso deve ser sistematicamente qualificado de suspensivo para que possa surtir pleno efeito.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Informação (capítulo II – artigo 5.o)

4.1.1.   O Comité recomenda que se inclua a informação «os Estados-Membros informam os membros da família do requerente de asilo sobre a possibilidade de apresentação de um pedido em separado».

4.2.   Retenção e condições da retenção (capítulo II – artigos 8.o a 11.o)

Na opinião do Comité, a regra geral do tratamento dos requerentes de protecção deve inspirar-se no artigo 7.o do projecto de directiva, em que se afirma o princípio da liberdade de circulação das pessoas e que as soluções alternativas à retenção devem ser privilegiadas.

4.2.1.1.   Isto significa que a retenção dos requerentes (artigo 8.o ) não pode nem deve ser usada a não ser em circunstâncias excepcionais, designadamente:

se o pedido de asilo for apresentado após o requerente ter sido notificado de uma medida de afastamento;

no âmbito de um procedimento destinado a determinar o seu direito de entrada no território, em caso de retenção ou colocação numa zona de espera.

4.2.1.2.   O Comité considera que, excepto nestes dois casos, nenhum requerente de asilo pode ser retido e que uma decisão de retenção não pode em circunstância alguma ser justificada pela necessidade de «determinar, comprovar ou verificar a respectiva identidade ou nacionalidade» e muito menos de «determinar os elementos em que se baseia o seu pedido de asilo e que noutras circunstâncias se possam extraviar».

4.2.1.3.   O CESE propõe reformular o n.o 5 do artigo 9.o com a seguinte redacção: «A retenção deve ser examinada oficiosamente por uma autoridade judicial a intervalos razoáveis e a pedido do requerente de asilo, sempre que as circunstâncias o exijam ou que nova informação que fira a legalidade da retenção esteja disponível».

4.2.2.   Na opinião do CESE, as condições de retenção devem assegurar um tratamento humano com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. No atinente às condições da retenção (artigo 10.o ) em instalações especiais diferentes dos estabelecimentos prisionais, parece legítimo que a inserção do requerente num grupo de nacionais de países terceiros que não tenham apresentado pedidos de asilo não se possa efectuar sem o seu consentimento por escrito (n.o 1 do artigo 10.o ).

Além disso, tendo em conta a diversidade de formas de retenção nos diferentes países da União Europeia, devia esclarecer-se que o ACNUR e outras organizações podem comunicar com os requerentes e visitá-los em todas as instalações de retenção (n.o 2 do artigo 10.o ), o mesmo devendo prevalecer no n.o 3 do artigo 10.o

4.2.3.1.   Como refere em relação à proposta de reformulação do Regulamento de Dublim II sobre critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro (12), o Comité defende que a informação descrita no n.o 3 do artigo 10.o deve ser notificada ao requerente de protecção internacional na sua língua ou numa língua que este declara compreender, incluindo por intermédio de intérprete ajuramentado ou de tradução autenticada.

4.2.4.   Para fins de homogeneidade do documento, a expressão «requerentes de protecção internacional» deve ser substituída por «requerentes de asilo» (n.o 4 do artigo 11.o ).

4.2.5.   O CESE congratula-se com a proibição da retenção de menores não acompanhados (n.o 1 do artigo 11.o reformulado) e apoia a confirmação de que as pessoas com necessidades especiais não serão, em princípio, retidas (reformulação do n.o 5 do artigo 11.o).

4.3.   Escolaridade e educação dos menores, emprego e formação profissional (capítulo II – artigos 14.o a 16.o)

O projecto de directiva pretende facilitar e acelerar a integração dos requerentes no seu país de acolhimento. A escolarização e educação dos menores, o acesso a um emprego e a formação profissional contribuem para esse objectivo.

4.3.1.1.   Nesse espírito, o Comité considera que se deve adiar o menos possível a integração dos menores no sistema educativo, que um prazo de «três meses» parece inutilmente longo e seria preferível encurtá-lo para dois meses (n.o 2 do artigo 14.o ).

O Comité aprova a iniciativa da Comissão de permitir aos requerentes de asilo o acesso ao mercado de trabalho num prazo máximo de seis meses, mas tem para si que é necessário reduzir a margem de manobra para a interpretação do n.o 1 do artigo 15.o, precisando que «Os Estados-Membros devem assegurar que os requerentes têm acesso efectivo ao mercado de trabalho (…)», o que pressupõe o acesso aos serviços sociais que acompanham os requerentes de emprego.

4.3.2.1.   O Comité reconhece que as disposições de acolhimento podem ser benéficas tanto para o Estado como para o requerente de asilo, sempre que permitam a este último obter um certo grau de autonomia.

4.3.3.   Em referência ao seu parecer (13) sobre a primeira Directiva relativa ao Acolhimento, o Comité sublinha o facto de que «A formação deve ser facultada ao mais alto grau aos cidadãos dos países terceiros sob a tutela de um Estado-Membro. Esta consideração justifica-se por duas razões. Em primeiro lugar, qualquer formação concedida a estas pessoas terá uma repercussão positiva sobre o desenvolvimento do seu país de origem no caso de regresso. (…) Em segundo lugar, no caso de estas pessoas permanecerem num Estado-Membro, o seu subsequente acesso ao mercado do trabalho será facilitado pela formação recebida.». Na mesma linha, considera necessário limitar a margem de manobra dos Estados-Membros para a interpretação do artigo 16.o, adoptando uma formulação mais directa e mais completa: «Os Estados-Membros autorizam e organizam o acesso dos requerentes de asilo à formação profissional independentemente de estes terem ou não acesso ao mercado de trabalho.».

4.4.   Disposições gerais em matéria de condições materiais de acolhimento e de cuidados de saúde (artigo 17.o)

4.4.1.   O Comité recomenda que seja indicado que as normas continuam a aplicar-se durante os processos de recurso.

4.4.2.   O CESE apoia a reformulação do n.o 5 do artigo 17.o que deverá melhorar as condições materiais de acolhimento nos Estados-Membros em que os actuais montantes são insuficientes.

4.5.   Redução ou retirada do benefício das condições materiais de acolhimento (capítulo III – artigo 20.o)

4.5.1.   O Comité manifesta-se preocupado com uma medida deste tipo se o requerente de asilo «tiver já depositado um pedido no mesmo Estado-Membro». De facto, a prática mostra que a um primeiro pedido pode seguir-se um pedido de reexame justificado pela apresentação de informações complementares sobre a situação do requerente ou entrega de provas suplementares. Assim, seria demasiado penalizador para o requerente ver-se excluído do sistema material de acolhimento. Por conseguinte, o Comité solicita a supressão desta referência (n.o 1, alínea c), do artigo 20.o ).

Esta medida parece contraditória com o espírito subjacente ao projecto de reformulação do regulamento «que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional» (14) e às correcções nele previstas.

4.5.2.   O CESE acolhe favoravelmente as propostas para reduzir as possibilidades de retirar as condições de acolhimento (n.o 2 do artigo 20.o reformulado) e a proposta para reforçar o disposto em matéria de garantia de condições materiais mínimas de acolhimento aos requerentes de asilo (n.o 4 do artigo 20.o reformulado).

4.6.   Disposições relativas a pessoas com necessidades especiais (capítulo IV – artigos 21.o a 24.o)

O Comité gostaria que, no caso dos menores, se precisasse de forma sistemática que o «interesse superior da criança» deve ser entendido na acepção do n.o 1 do artigo 3.o da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (n.o 1 do artigo 22.o ).

4.7.   Vítimas de tortura ou violência (artigo 24.o)

4.7.1.   O Comité preconiza que as vítimas de tortura ou violência e as pessoas que sofram de problemas de saúde física e mental sejam tratadas em meio hospitalar adequado.

4.7.2.   O acesso a centros especializados, se necessário, deve-lhes ser autorizado. O pessoal de saúde, quer se trate de generalistas ou de especialistas, deve ter acesso aos centros de acolhimento ou de retenção e os requerentes de protecção internacional devem poder beneficiar de um diagnóstico e de cuidados específicos prestados por pessoal de saúde competente e reconhecido como competente pelo sistema geral de saúde vigente no país de acolhimento.

4.7.3.   Apesar de a Comissão Europeia não ter proposto alterações ao artigo 13.o que autoriza os Estados-Membros a exigir que os requerentes sejam submetidos a um exame médico, por motivos de saúde pública, o Comité recorda que a despistagem obrigatória do VIH viola vários direitos do Homem, em particular o direito à privacidade (15). A despistagem não deve ser condição de entrada no território nem dos processos de asilo das pessoas que requerem protecção internacional. Em geral, os exames médicos deveriam ser acompanhados de informação adequada na língua que o requerente compreende (ver ponto 4.2.3.1) e fornecer garantias em termos de autorização, aconselhamento e confidencialidade, bem como de seguimento e tratamento médicos adequados.

4.8.   Recursos (capítulo V – artigo 25.o)

4.8.1.   O Comité concorda que os Estados-Membros devem garantir o acesso a assistência jurídica aos requerentes de asilo (n.o 2 do artigo 25.o), mas defende a necessidade de o recurso ter efeito suspensivo (n.o 1 do artigo 25.o ), para não se lhe invalidar o seu carácter operacional (16).

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver parecer do CESE de 12.3.2008 sobre o Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo, de que foi relatora An Le Nouail Marlière, JO C 204 de 9.8.2008.

(2)  Ver parecer do CESE de 25.2.2009 sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Plano de Acção em matéria de Asilo – Uma abordagem integrada da protecção na UE, de que foi relator Luis Miguel Pariza Castaños e co-relatora Ana Bontea (JO C 218 de 11.9.2009).

(3)  COM(2007) 301 final, apresentado em 6 de Junho de 2007.

(4)  O CESE pronunciou-se sobre esta matéria no seu parecer de 12.3.2008 sobre o Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo, de que foi relatora An Le Nouail Marlière, JO C 204 de 9.8.2008.

(5)  Ver parecer do CESE de 28.11.2001 sobre a Proposta de directiva do Conselho que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros, relator: D. Mengozzi, co-relator: L. Pariza Castaños, JO C 48 de 21.2.2002.

(6)  Ver parecer do CESE de 28.11.2001 sobre a Proposta de directiva do Conselho que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros, relator: D. Mengozzi, co-relator: L. Pariza Castaños, JO C 48 de 21.2.2002.

(7)  «Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.»

(8)  1951.

(9)  Convenção de Genebra, artigo 31.o: «Os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais, devido a entrada ou estada irregulares, aos refugiados que, chegando directamente do território onde a sua vida ou liberdade estavam ameaçadas no sentido previsto pelo artigo 1.o, entrem ou se encontrem nos seus territórios sem autorização, desde que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões consideradas válidas para a sua entrada ou presença irregulares».

(10)  O artigo 37.o versa sobre, designadamente, a detenção.

(11)  Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. N.o 1 do artigo 3.o: «Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.»

(12)  Ver página 115 do presente Jornal Oficial.

(13)  Ver parecer do CESE de 28.11.2001 sobre a Proposta de directiva do Conselho que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros, relator: D. Mengozzi, co-relator: L. Pariza Castaños, JO C 48 de 21.2.2002 – Directiva 2003/9/CE.

(14)  COM(2008) 820 final, objecto de parecer do CESE de 16.7.2009 sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida (reformulação), de que foi relatora An Le Nouail Marlière (CESE 443/2009 – SOC/333). Encontra-se na mesma publicação.

(15)  Como estabelecido, por exemplo, no artigo 8.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

(16)  Acórdão Gebremedhin vs. França, TEDH, de 26 de Abril de 2007: Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, 1950, artigos 3.o e 13.o, natureza irreversível dos prejuízos susceptíveis de serem causados em caso de concretização do risco de tortura ou de maus tratos, recurso suspensivo de pleno direito. Pontos 66 e 67: http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?action=html&documentId=816069&portal=hbkm&source=externalbydocnumber&table=F69A27FD8FB86142BF01C1166DEA398649.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/115


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida (reformulação)

[COM(2008) 820 final – 2008/0243 (COD)]

(2009/C 317/22)

Relatora: An LE NOUAIL MARLIÈRE

Em 1 de Abril de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida (Reformulação)

COM(2008) 820 final – 2008/0243 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 25 de Junho de 2009, sendo relatora An Le Nouail Marlière.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 154 votos a favor, 6 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1.   O Comité acolhe favoravelmente a evolução que a Comissão propõe para o chamado Regulamento «Dublim II», de modo a melhorar a eficácia do sistema, assegurar, na aplicação do procedimento, o respeito pelos direitos de todas as pessoas que necessitam de protecção internacional e dar resposta a situações de pressão excepcional das capacidades de acolhimento dos Estados Membros em que não existe um nível adequado de protecção.

1.2.   O CESE aprova e apoia o objectivo de garantir o acesso efectivo ao procedimento de pedido de asilo e a obrigação de o Estado-Membro responsável efectuar uma avaliação exaustiva das necessidades de protecção dos requerentes de asilo transferidos para o seu território.

1.3.   O Comité regista os progressos contidos na proposta da Comissão no sentido de assegurar normas de protecção mais elevadas, nomeadamente através de uma melhor informação aos requerentes de asilo sobre o procedimento de análise do seu pedido, embora com algumas reservas sobre o aspecto linguístico e a língua em que é prestada a informação sobre o estatuto do pedido ou da transferência. Dado que a informação equivale a notificação e comporta direitos de recurso e prazos, o requerente de protecção internacional deveria ser notificado sempre na sua língua ou numa língua que reconhece compreender, inclusivamente por intermédio de intérprete ajuramentado ou tradução legal, e de causídico indicado oficiosamente pelos tribunais ou escolhido pelo requerente.

1.4.   Os requerentes de protecção internacional deveriam beneficiar automaticamente de assistência judiciária gratuita.

1.5.   O Comité aprecia a extensão das cláusulas humanitárias em cláusulas discricionárias mas deseja que o seu âmbito de aplicação seja definido com precisão para evitar que estas cláusulas discricionárias e de soberania se virem contra os interesses do requerente de asilo e diminuam a sua protecção.

1.6.   Recorda a necessidade de se analisar sempre individualmente a situação de cada requerente, incluindo na fase de determinação da responsabilidade do Estado-Membro, com vista à análise exaustiva do pedido, e de considerar a protecção subsidiária apenas no caso de as condições exigidas no primeiro estatuto convencional (refugiado) não estarem reunidas.

1.7.   Recomenda mais uma vez à Comissão e aos Estados-Membros que não utilizem listas de países terceiros ditos seguros enquanto não se estabelecer uma lista comum a todos os Estados-Membros, submetida às ONG que operam na área dos direitos do homem, ao Parlamento Europeu e aos parlamentos nacionais, especialmente na fase de determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido.

1.8.   Lamenta que a detenção dos requerentes de asilo não seja declarada prática inaceitável se não for ordenada por uma autoridade judiciária.

1.9.   Deseja, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que os recursos sejam sistematicamente qualificados de suspensivos de retorno forçado ou pretensamente voluntário.

1.10.   Recomenda que se valorize a experiência das ONG activas na área dos direitos do homem, facultando-lhes o acesso aos requerentes de protecção internacional e dando a estes últimos a possibilidade de serem assistidos, e deixando aos Estados-Membros a possibilidade de utilizarem as suas competências para participarem eventualmente nos programas de formação destinados aos agentes encarregados de analisar os pedidos; recomenda ainda que seja tida em conta a dimensão local, permitindo assim que os municípios e as regiões recorram à ajuda e apoio das ONG competentes.

1.11.   Recomenda aos Estados-Membros que persigam mais activamente os criminosos responsáveis pelo tráfico de seres humanos, que ratifiquem os instrumentos internacionais de luta contra a criminalidade, incluindo os dois Protocolos adicionais à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, que suprimam da sua lista de países terceiros seguros os países que não tenham ratificado esses instrumentos, bem assim a Convenção de Genebra relativa a Estatuto dos Refugiados, e que inclusivamente assegurem a protecção e não persigam as vítimas de tráfico de seres humanos, respeitando melhor os seus direitos à protecção internacional quando pedem asilo e protecção e desde o instante em que os agentes das autoridades públicas têm conhecimentos deste facto; recomenda igualmente que facultem a estes agentes formação consentânea com a sua função.

1.12.   Confidencialidade e gestão dos dados pessoais

O CESE acolhe favoravelmente as propostas que visam uma maior segurança dos dados no Eurodac (COM 2008/825-3), e muito particularmente o facto de os Estados-Membros ficarem obrigados a instaurar um plano de segurança concebido concretamente para proteger os dados, vedar o acesso às pessoas não autorizadas e impedir a leitura, a cópia, a alteração ou o apagamento de dados sem a devida autorização (1). A vulnerabilidade dos requerentes de asilo face aos perigos que possam advir da publicação de dados exige regras de confidencialidade e de segurança muito rigorosas.

O Comité apoia igualmente outras disposições que têm em vista garantir «uma gestão mais eficaz dos apagamentos» para que as informações sensíveis não fiquem na base de dados para além do tempo estritamente necessário, e em especial depois de o interessado ter recebido titulo de estadia ou ordem para deixar o território do Estado-Membro.

1.13.   Protecção dos refugiados nos países terceiros vizinhos da UE

O Comité encoraja a UE a não delegar o tratamento e a análise individual dos casos dos requerentes de asilo em países que não ratificaram a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados (2) ou o seu Protocolo Adicional (3).

2.   Introdução e resumo da proposta da Comissão

2.1.   O Sistema Europeu Comum de Asilo desenvolveu-se em duas fases distintas. A primeira teve início no Conselho Europeu de Tampere (1999), depois da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, que conferiu dimensão comunitária às políticas de imigração e asilo. Esta primeira fase ficou concluída no ano de 2005.

2.2.   Esta primeira fase permitiu que se elaborassem directivas relativas ao asilo e lançou as bases para uma certa cooperação entre os Estados-Membros.

2.3.   A segunda fase da construção do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) iniciou-se com a criação do Programa de Haia (aprovado em Novembro de 2004), que previa para 2010 a realização dos seus principais objectivos, mediante a adopção de instrumentos e medidas no sentido de uma maior harmonização e da melhoria das normas de protecção tendo em vista o sistema europeu comum de asilo.

2.4.   Antes de adoptar novas iniciativas, a Comissão elaborou em 2007 um Livro Verde  (4), apresentado às diferentes instituições europeias, aos Estados-Membros e à sociedade civil (5), e que esteve na base do plano de acção em matéria de asilo adoptado, em seguida, pela Comissão. Esse documento enumera as medidas que a Comissão prevê adoptar para a realização desta segunda fase do SECA.

2.5.   O Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro (a seguir denominado Regulamento de Dublim (6)), para o qual o Comissão propõe agora a reformulação, já foi objecto de um parecer do CESE (7).

2.6.   O principal objectivo desta reformulação é aumentar a eficiência do sistema e garantir níveis mais elevados de protecção às pessoas abrangidas pelo «procedimento de Dublim», que visa essencialmente determinar o Estado-Membro responsável pela análise individual de um pedido de asilo ou de protecção subsidiária, de protecção internacional na acepção da Convenção de Genebra (1965), do Protocolo de Nova Iorque (1967) e das directivas relativas às condições de acolhimento (2003/9/CE do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003) e relativa à qualificação (2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004), actualmente também em processo de reformulação. Simultaneamente, com esta reformulação pretende-se também gerir melhor as situações de pressão extraordinária que as infra-estruturas de acolhimento enfrentam nos Estados-Membros.

2.7.   A proposta mantém os mesmos princípios de base que o actual Regulamento de Dublim, ou seja a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional cabe, em primeira instância, ao Estado-Membro que tenha tido um papel central na entrada e estadia do requerente no território dos Estados-Membros, ressalvadas excepções destinadas a proteger a unidade da família.

2.8.   A proposta mantém o essencial das obrigações recíprocas entre Estados-Membros e as disposições que regem as obrigações dos Estados-Membros em relação aos candidatos a asilo abrangidos pelo procedimento de Dublim, na medida em que tais disposições afectem o desenrolar do procedimento entre os Estados-Membros ou sejam necessárias para garantir a coerência com outros instrumentos em matéria de asilo. Ao introduzirem melhorias nas actuais salvaguardas processuais a fim de garantir um nível mais elevado de protecção, as novas disposições visam unicamente satisfazer melhor as necessidades específicas das pessoas abrangidas pelo procedimento e evitar eventuais lacunas nessa protecção.

Para se conformar com a directiva relativa à «qualificação» (2004/83/CE), a presente proposta de reformulação alarga o âmbito de aplicação do regulamento aos requerentes (e aos beneficiários) de protecção subsidiária, ao passo que o Regulamento (CE) n.o 343/2003 incluía apenas os requerentes de asilo. Também introduz melhorias em algumas disposições com o objectivo de garantir o bom funcionamento do procedimento e do mecanismo de determinação de responsabilidade de cada Estado-Membro, reforçando as salvaguardas jurídicas dos requerentes de protecção internacional e permitindo-lhes uma melhor defesa dos seus direitos.

A proposta dá ainda uma importância acrescida às medidas destinadas a salvaguardar a unidade das famílias e proteger os menores não acompanhados e «outros grupos vulneráveis».

Finalmente, para evitar que o mecanismo de transferência de Dublim venha agravar a situação dos Estados-Membros sujeitos a pressão migratória extraordinária e com capacidades de acolhimento e absorção limitadas, é inserido no regulamento um novo procedimento que permite a suspensão das transferências ao abrigo do Regulamento de Dublim.

3.   Observações na generalidade

3.1.   Esta proposta, que se inscreve num conjunto de medidas anunciadas no plano de acção em matéria de asilo com vista à implementação do SECA (Sistema Europeu Comum de Asilo) (8), faz parte da harmonização desejada pelo Comité e tem em conta as lacunas já postas em evidência durante a consulta do Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo. Porém, é forçoso constatar que não é posto em causa o princípio que prevê que a responsabilidade da análise do pedido de asilo cabe, salvo excepções, ao Estado-Membro que tenha tido um papel central na entrada ou na estadia do requerente de asilo e que a Comissão se propõe modificar mais substancialmente sem estabelecer prazos (resumo da avaliação de impacto SEC(2008) 2962/2963-2, capítulo Acompanhamento e Avaliação, terceiro parágrafo), baseando a determinação da responsabilidade em função do local onde o pedido foi apresentado (COM(2008) 820, Exposição de motivos 2. Consulta das partes interessadas, terceiro parágrafo.

3.2.   O CESE observa que a posição adoptada pela Comissão parece ser aquela que é defendida pela maioria dos Estados-Membros, mas recorda que desde 2001 o Comité tem defendido com firmeza que os requerentes de asilo possam escolher o país onde apresentar o pedido, tendo em conta «as razões culturais e sociais que presidem à escolha do pedido de asilo e que são determinantes para uma integração mais rápida  (9)». Relativamente ao futuro SECA (10), observa que a sua posição é igualmente apoiada por «um elevado número de organizações da sociedade civil» e pelo próprio Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

3.3.   Feita esta reserva sobre o princípio, o Comité concorda que se preveja um novo procedimento a fim de suspender as transferências ao abrigo do Regulamento de Dublim para um Estado-Membro responsável que sofra pressões suplementares.

3.4.   O CESE observa que estas medidas apontam para uma maior garantia jurídica e processual dos direitos fundamentais dos requerentes de asilo.

3.5.   Lamenta, no entanto, que a retenção dos requerentes de asilo não seja declarada prática inaceitável – ressalvados os casos de intenção fraudulenta e manobra dilatória do requerente de asilo, e declarados como tal pelas entidades judiciais – e seja prevista para determinados casos considerados, é certo, «excepcionais», mas segundo critérios que deixam aos Estados-Membros em causa uma margem de apreciação demasiado lata e que obriga os causídicos dos requerentes a recorrer a morosas tramitações procedimentais.

3.6.   O CESE aprova a sistematização do princípio de recurso das decisões e, em particular, das que apontam para «uma transferência», mas considera que os recursos devem ser declarados «suspensivos», de modo a que produzam a plenitude dos seus efeitos de garantia do direito, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Sobre os considerandos

4.1.1.   Sobre a unidade das famílias (12): o tratamento conjunto dos membros de uma mesma família deve não só ter em vista evitar «a separação dos membros de uma família», mas também garantir a reunificação dos núcleos familiares que procuram protecção internacional, respeitando os direitos autónomos de cada requerente, mormente das mulheres.

4.1.2.   O CESE apoia com toda a firmeza a proposta no sentido de que os Estados-Membros podem derrogar aos critérios de responsabilidade, designadamente por razões humanitárias (14).

4.1.3.   O direito de recurso em matéria de transferência para o Estado-Membro responsável (16 e 17) deve ter efeito suspensivo, sob pena de contrariar o objectivo da sua efectividade (11).

4.1.4.   De acordo com a Convenção de Genebra, a retenção dos requerentes de asilo (18) só é possível em «circunstâncias excepcionais». Ao contrário dos considerandos do texto proposto, essas circunstâncias excepcionais não são definidas com precisão. O Comité considera que a possibilidade de retenção só seria de considerar se o requerente apresentar o pedido depois de lhe ter sido notificada uma medida de afastamento.

4.2.   Sobre o objecto e as definições (capítulo I, artigos 1.o e 2.o)

4.2.1.   O Comité questiona-se sobre a pertinência da inclusão da definição de «risco de fuga» (n.o 1, do art. 2.o ), visto que este conceito é utilizado no texto reformulado do novo regulamento para determinar os casos de «detenção-retenção». Como quer que seja, é necessário limitar as «razões baseadas em critérios objectivos definidos pela legislação» que permitam considerar o risco de fuga de pessoas objecto de decisão de transferência, explicitando claramente que estas razões devem ser apreciadas por tribunal competente e respeitados os direitos da defesa, nos termos da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

4.3.   Sobre os princípios gerais e salvaguardas (capítulo II, artigos 3.o a 6.o)

Direito à informação

4.3.1.   O requerente de asilo deve ser informado do direito que tem de «contestar uma decisão de transferência»e de dispor de informação sobre os meios de o pôr em prática e não apenas de ser informado sobre «a possibilidade» de o fazer (n.o 1, alínea e) do art.4.o ).

4.3.2.   O Comité considera que cingir-se a prever que «as informações […] devem ser fornecidas por escrito numa língua que, em princípio, o candidato possa compreender» confere aos representantes das autoridades um poder de apreciação, sem que haja garantias de que os interessados dispõem das competências linguísticas suficientes para tal (n.o 2 do art. 4.o ). Deseja, pois, que se especifique que as informações devem ser fornecidas numa língua que o requerente declara compreender.

Garantias dos menores

4.3.3.   Se «o interesse superior da criança» deve constituir um aspecto fundamental a considerar (n.o 1 do art. 6.o ) é necessário explicitar que isto se faz ao abrigo do n.o 1 do art. 3.o da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, a fim de que este considerando possa ser invocado nos tribunais.

Familiares dependentes (n.o 1 do art. 11.o)

4.3.4.   Para que haja homogeneidade, a expressão «requerentes de protecção internacional» deve ser substituída por «candidato a asilo».

4.3.5.   O facto de o desejo do candidato a asilo dever ser manifestado «por escrito» é de molde a limitar a capacidade de expressão do interessado, o que vai contra o espírito do texto. Seria mais justo indicar que o pedido pode ser feito sob qualquer forma que permita às autoridades registá-lo (por escrito, entrevista, questionário).

Sobre as cláusulas discricionárias (capítulo IV, artigo 17.o)

4.3.6.   O Comité aprova que «qualquer decisão de recusa (do Estado requerido para efeitos de tomada a cargo) do pedido deve indicar os motivos em que se baseou.» (n.o 2, terceiro parágrafo do artigo 17.o ). Entende que deveria ficar explicitado que «na ausência de resposta no termo de um prazo de dois meses, a responsabilidade pela análise do pedido de asilo cabe ao Estado-Membro ao qual o pedido tiver sido apresentado».

Sobre os procedimentos de tomada e retomada a cargo (cap. VI artigos 20.o a 31.o)

4.3.7.   O Comité incita os Estados-Membros a apresentarem com a maior celeridade possível o requerimento de tomada a cargo (n.o 2 do art. 23.o ) e, de qualquer modo, no prazo recomendado pela Comissão (dois meses ao abrigo do Eurodac, três meses nos outros casos).

4.3.8.   A vontade de dar ao requerente informações o mais completas possível e que ele compreenda não se pode satisfazer com uma notificação dada «numa língua que, em princípio, a pessoa em causa possa compreender», (n.o 1, art. 25.o ). Tal como referiu para o n.o 2 do artigo 4.o, o Comité deseja que fique claramente expresso que a notificação deve ser feita numa língua que o requerente declara compreender.

Especificar que o recurso é «suspensivo» (n.o 2 do art. 25.o e n.o 1 do art. 26.o ), tal como já foi solicitado supra em relação aos considerandos 16 e 17).

4.3.9.   Parece contraditório falar de direito de recurso (suspensivo) para o requerente objecto de uma decisão de transferência e, ao mesmo tempo, considerar a hipótese de o interessado não ser autorizado a permanecer no território do Estado-Membro na pendência do resultado do recurso ou revisão (n.o 3 do art. 26.o e n.o 4 do art. 26.o ).

4.3.10.   A fim de apoiar o princípio da Convenção de Genebra segundo o qual nenhum Estado pode manter uma pessoa em regime de retenção pelo simples facto de ter requerido protecção internacional (n.o 1 do art. 27.o ), o Comité sugere que se permutem os números 2 e 3 do artigo 27.o , valorizando assim as soluções alternativas à detenção.

4.3.11.   O Comité entende que só os menores acompanhados podem eventualmente ser mantidos em regime de detenção (n.o 10, art. 27.o).

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver artigo 19.o (COM(2008) 825/3)

(2)  Genebra 1951.

(3)  Nova Iorque 1967.

(4)  COM(2007) 301 final, apresentado em 6 de Junho de 2007.

(5)  O CESE pronunciou-se sobre esta matéria no seu parecer de 12.3.2008 relativo ao Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo, de que foi relatora An Le Nouail Malière, JO C 204 de 9.8.2008.

(6)  Cf. o Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro, JO L 50 de 25.2.2003, p. 1.

(7)  Cf. o parecer do CESE de 20 de Março de 2002 sobre a «Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro», (Relator: Sukhdev Sharma) (JO C 125 de 27.5.2002).

(8)  O CESE não foi consultado sobre alterações introduzidas no Eurodac [COM (2008) 825]. Este Regulamento (CE) n.o 2725/2000 do Conselho, de 11 de Dezembro de 2000, é complementar do Regulamento de Dublim.

(9)  Ver nomeadamente:

Parecer do CESE de 20 de Março de 2002 sobre a Proposta de regulamento do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro (Dublin II) (COM(2001) 447 final), relatora Madi Sharma, (JO C 125 de 27.5.2002, p. 28-31);

Parecer do CESE de 12 de Março de 2008 sobre o Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo (COM(2007) 301 final), relatora An Le Nouail Marlière (JO C 204 de 9.8.2008, p. 77-84).

(10)  Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo, (COM(2007) 301).

(11)  Acórdão Gebremedhin vs. França, TEDH, de 26 de Abril de 2007: Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, 1950, artigos 3.o e 13.o, natureza irreversível dos prejuízos susceptíveis de serem causados em caso de concretização do risco de tortura ou de maus tratos, recurso suspensivo de pleno direito. Números 66 e 67: http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?action=html&documentId=816069&portal=hbkm&source=externalbydocnumber&table=F69A27FD8FB86142BF01C1166DEA398649.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/120


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Conselho relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, taxas, direitos e outras medidas

[COM(2009) 28 final – 2009/0007 (CNS)]

e a

Proposta de directiva do Conselho relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade

[COM(2009) 29 final – 2009/0004 (CNS)]

(2009/C 317/23)

Relator: Sergio SANTILLÁN CABEZA

Em 13 de Fevereiro de 2009, o Conselho da União Europeia decidiu, em conformidade com o artigo 93.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre os documentos seguintes:

Proposta de directiva do Conselho relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, taxas, direitos e outras medidas

(COM(2009) 28 final – 2009/0007 (CNS))

e

Proposta de directiva do Conselho relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (COM(2009) 29 final – 2009/0004 (CNS)).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 24 de Junho de 2009, sendo relator Sergio Santillán Cabeza.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 114 votos a favor, 3 votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE acolhe com satisfação as propostas de directivas sobre assistência mútua em matéria de cobrança de créditos fiscais e cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, porque respondem a uma necessidade urgente. As normas que se substituem, criadas há três décadas, demonstraram a sua ineficácia perante as exigências actuais. O facto de actualmente se recuperar apenas 5 % dos créditos para os quais se solicita assistência exige uma resposta urgente.

1.2.   As propostas da Comissão baseiam-se em propostas, recomendações e estudos formulados na UE, nos Estados-Membros e em fóruns e instituições internacionais, como o G-20 e a OCDE. Também o CESE apoiou sem reservas, em vários pareceres, as propostas de conferir mais eficácia aos sistemas de cooperação entre os Estados-Membros em matéria de tributação (ponto 4.8 do presente parecer).

1.3.   A necessidade de reforma é cada vez mais evidente numa conjuntura como a actual, em que as sociedades devem enfrentar as consequências sociais e económicas da crise económica provocada por práticas financeiras especulativas e fraudulentas descobertas em finais de 2007. Esta crise, que representará durante vários anos um forte encargo para os contribuintes, provocou uma necessidade urgente de adoptar medidas eficazes contra os infractores que actuam através de paraísos fiscais ou que utilizam mecanismos legais para fugir ao pagamento dos impostos.

1.4.   A globalização acentua a necessidade de cooperação entre os Estados-Membros em matéria fiscal. As liberdades fundamentais que constituem a essência do funcionamento da UE não podem servir de pretexto para o incumprimento do dever público de pagar os impostos.

1.5.   Como consequência, a Comissão optou oportunamente por estabelecer uma nova regulamentação nestas matérias, em vez de introduzir reformas parciais nas normas actuais.

1.6.   O CESE apoia o objectivo fundamental das propostas que consiste em criar uma cultura administrativa comunitária e em dotar as administrações de instrumentos adequados que permitem as tecnologias modernas (como os formulários enviados por via electrónica) para conseguir a simplificação e maior rapidez dos procedimentos. Também merecem destaque as medidas previstas para o regime linguístico, que constitui um dos grandes obstáculos para a cooperação em matéria de tributação (ponto 5.1).

1.7.   As obrigações de informação e os seus limites (ponto 5.2) previstos nas propostas estão conformes com as propostas da OCDE e pretendem impedir, com toda a legitimidade na opinião do CESE, a utilização indevida do segredo bancário e de outros procedimentos aparentemente legais para defraudar o fisco.

1.8.   Quanto à participação de funcionários do Estado-Membro requerente nas investigações que se realizam no Estado-Membro requerido, existem precedentes em matéria das normas actualmente em vigor (ponto 5.3). Neste e noutros aspectos, as propostas preservam a soberania dos Estados-Membros (ponto 5.5).

1.9.   As garantias do contribuinte perante o fisco são mantidas no quadro da cooperação entre os Estados-Membros, pois estes têm a possibilidade de impugnar a legalidade das investigações e dos actos que emanam das autoridades fiscais (ponto 5.4).

1.10.   O CESE sugere que a Comissão tenha em consideração, no futuro, a unificação das normas em matéria de tributação (ponto 5.6).

2.   Proposta de directiva do Conselho relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, taxas, direitos e outras medidas (COM(2009) 28 final)

2.1.   Justificação apresentada pela Comissão

2.1.1.   As normas jurídicas em vigor em matéria de assistência mútua (1) caracterizam-se pela sua lentidão e disparidade e pela falta de coordenação e de transparência.

2.1.2.   As autoridades fiscais não têm competência para proceder à cobrança de impostos fora do território dos respectivos Estados-Membros, porque as normas têm carácter nacional. Para tal, devem solicitar a assistência de outro ou de outros Estados-Membros mediante procedimentos que se revelaram ineficazes. Este limite de competências suscita cada vez mais problemas dado o aumento da mobilidade de capitais e pessoas. Assim sendo, a livre circulação, que é um objectivo fundamental da União Europeia, tem neste caso consequências negativas no sentido em que favorece os infractores, sendo, por conseguinte, evidente a necessidade de adoptar novas medidas.

2.1.3.   Para o demonstrar, basta referir o facto de que em 2007, os Estados-Membros receberam 11 794 pedidos de assistência para cobrar créditos fiscais provenientes de outros Estados-Membros. Os montantes efectivamente cobrados, todavia, apenas representam aproximadamente 5 % do total.

2.1.4.   A fraude é especialmente significativa no caso do IVA, tendo dois efeitos que devem ser evitados: falseia as condições da concorrência no mercado interno e reduz as receitas fiscais dos Estados-Membros e da Comunidade (2).

2.2.   Medidas propostas em matéria de cobrança de créditos

2.2.1.   Alargamento do âmbito de aplicação da assistência mútua. À diferença da Directiva 2008/55/CE, que inclui uma lista limitada dos créditos susceptíveis de cobrança, a presente proposta abarca o «conjunto de impostos e direitos cobrados pelas subdivisões territoriais ou administrativas dos Estados-Membros, ou por conta das mesmas, incluindo as autoridades locais», as contribuições sociais de carácter público, «as restituições, as intervenções e outras medidas» relacionadas com o FEAGA (3) e o FEADER (4) e «as contribuições e outros direitos previstos na organização comum de mercado do sector do açúcar» (artigos 1.o e 2.o).

2.2.2.   Melhoria do intercâmbio de informações. Além do intercâmbio espontâneo de informações (artigo 5.o) prevê-se, e isso é muito significativo, a possibilidade para os funcionários de um Estado-Membro de participar activamente nos inquéritos realizados por outros Estados-Membros (artigo 6.o).

2.2.3.   Simplificação do procedimento de notificação de documentos (artigos 7.o e 8.o).

2.2.4.   Maior eficácia das medidas de cobrança e das medidas cautelares (capítulo IV). Estas disposições, que constituem um aspecto importante da proposta, referem-se aos seguintes aspectos:

As normas relativas aos pedidos de cobrança para a sua execução no Estado-Membro requerente (artigos 9.o a 12.o).

O tratamento do crédito: «Tendo em vista a cobrança no Estado-Membro requerido, todos os créditos que sejam objecto de um pedido de cobrança devem ser tratados como créditos do Estado-Membro requerido, salvo disposição em contrário da presente directiva» (artigo 12.o, n.o 1) (5). A cobrança será realizada na moeda do Estado requerido.

Outros aspectos relativos à cobrança: informação do Estado-Membro requerente, transferência dos montantes eventualmente cobrados, juros de mora, pagamento escalonado (artigo 12.o, n.os 2 a 5).

As medidas cautelares para garantir a cobrança dos créditos (artigos 15.o e 16.o).

O limite das obrigações da autoridade requerida (artigo 17.o).

A prescrição dos créditos (artigo 18.o).

As despesas do procedimento (artigo 19.o).

2.2.5.   Uniformidade e simplificação das normas gerais relativas aos pedidos de assistência em matéria de impressos, comunicações, regime linguístico, etc. (artigos 20.o a 23.o).

3.   Proposta de directiva do Conselho relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (COM (2009) 29 final)

3.1.   Justificação apresentada pela Comissão

3.1.1.   Tanto o Grupo de Alto Nível do Conselho em matéria de fraude (6) como a Comissão (7) e os Estados-Membros constataram que não são adequadas as normas relativas à assistência mútua entre as autoridades competentes no âmbito dos impostos directos e dos impostos sobre os prémios de seguros (8). Segundo a Comissão, as graves deficiências da Directiva 77/799/CEE, que produzem estas dificuldades crescentes na correcta determinação das imposições fiscais afectam o funcionamento dos sistemas fiscais e provocam um fenómeno de dupla tributação, que incita à fraude e à evasão fiscais, ao passo que o controlo que pode ser exercido nesta matéria se mantém apenas ao nível nacional (9).

3.1.2.   Como consequência, propõe-se adoptar uma abordagem inovadora que exceda a mera introdução de alterações na directiva em vigor. O novo regime constitui, assim, um quadro jurídico novo e integrado que contempla todos os aspectos fundamentais da cooperação administrativa no âmbito da fiscalidade, reforçando de maneira substancial a capacidade das autoridades para combater a fraude e a evasão fiscal.

3.1.3.   Na medida em que se trata de estabelecer mecanismos eficazes de colaboração entre as autoridades comunitárias e dos Estados-Membros, bem como entre os próprios Estados-Membros, o objectivo fundamental de ambas as propostas é a adopção de regras comuns, no respeito pela plena soberania nacional em matéria fiscal.

3.2.   Medidas propostas para melhorar a cooperação administrativa entre os Estados-Membros

3.2.1.   Alargamento do âmbito de aplicação em termos semelhantes aos da proposta precedente (cobrança de créditos).

3.2.2.   Intercâmbio de informações. Estão previstas três situações de intercâmbio de informações:

Pedido prévio por parte da autoridade requerente (artigos 5.o a 7.o). O pedido de informações pode comportar a realização de «qualquer inquérito administrativo» necessário para obter essas informações.

Intercâmbio automático de informações (artigo 8.o). Trata-se da comunicação sistemática e sem necessidade de pedido prévio, de informações pré-definidas de um Estado-Membro a outro, a intervalos regulares pré-estabelecidos ou à medida que estas informações vão estando disponíveis (artigo 3.o, n.o 4). Todavia, será o procedimento de comitologia previsto no artigo 24.o que determinará, no prazo de dois anos, os aspectos específicos deste intercâmbio de informações.

Intercâmbio espontâneo de informações, quando a autoridade competente de um Estado-Membro o considerar oportuno (artigo 9.o).

3.2.3.   Outras formas de colaboração:

Presença de funcionários da autoridade requerente nos serviços administrativos e participação nos inquéritos administrativos da autoridade requerida (artigo 10.o).

Controlos simultâneos de uma ou mais pessoas em vários territórios (artigo 11.o).

Pedidos de notificação administrativa decidida noutro Estado-Membro (artigo 12.o).

3.2.4.   Aspectos gerais da cooperação administrativa.

Feedback (retroacção) (artigo 13.o). Insiste-se, nomeadamente, na rapidez das respostas.

Intercâmbio de boas práticas e de experiências (artigo 14.o).

Diversos aspectos da cooperação. As autoridades (requerentes ou requeridas) podem transmitir as informações e a documentação que obtenham a outras autoridades e utilizá-la para fins diversos dos inicialmente previstos (artigo 15.o). Outros aspectos contemplados são: as condições às quais estão submetidas as obrigações dos Estados-Membros (artigo 16.o); os limites das obrigações de cooperação (artigo 17.o); a aplicação do princípio de «nação mais favorecida» (artigo 18.o); os formulários e formatos electrónicos (artigo 19.o); e a utilização da Rede Comum de Comunicação (rede CCN, artigo 20.o).

4.   Observações na generalidade

4.1.   O CESE concorda plenamente com a afirmação da Comissão de que «na era da globalização, está a crescer rapidamente a necessidade de os Estados-Membros recorrerem à assistência mútua no âmbito da fiscalidade, nomeadamente da fiscalidade directa. A mobilidade dos contribuintes, o número de transacções transfronteiras e a internacionalização dos instrumentos financeiros conhecem uma evolução considerável, o que torna cada vez mais difícil a correcta determinação das imposições fiscais pelos Estados-Membros, que, por outro lado, não abdicam da soberania nacional para estabelecerem o nível das referidas imposições» (10).

4.2.   As duas propostas partem do pressuposto de que as normas estabelecidas há mais de três décadas (quando a UE apenas tinha nove Estados-Membros) tornaram-se insuficientes em virtude das mudanças verificadas desde então no mercado interno: na segunda metade da década de 70, a livre circulação ainda não era uma realidade e a integração era mínima.

4.3.   Há vários anos que os níveis elevados de fraude e de evasão fiscal na UE são motivo de preocupação. Em 2004, a Comissão apontou para esta questão a propósito dos escândalos provocados pelas práticas irregulares de algumas empresas (11) e sugeriu uma série de medidas para «melhorar a transparência dos sistemas fiscais», propondo a elaboração de «propostas concretas destinadas aos casos de fraude e de evasão fiscal que impliquem estruturas complexas e opacas». Referindo casos concretos (12), a Comissão indicava que estes escândalos tinham «suscitado incerteza nos mercados de capitais, prejudicando toda a economia».

4.4.   Cinco anos mais tarde, constata-se que os factos relatados na comunicação de 2004 são insignificantes em comparação com os que ocorreram nos últimos tempos, e que os prejuízos para a economia também são sensivelmente mais graves.

4.5.   Hoje, esta questão reveste-se de um alcance global como consequência da crise económica e financeira provocada pelas práticas fraudulentas que começaram a vir à luz do dia desde finais de 2007. Um dos objectivos do G-20 é propor a adopção de regras internacionais para dar transparência e fiabilidade às transacções comerciais, combatendo a fraude e a evasão fiscal (13).

4.6.   Os escândalos que surgiram em alguns países da União devido aos mecanismos de evasão de impostos através dos paraísos fiscais (como os casos de fraudes ocorridas no Liechtenstein em detrimento do fisco alemão) provocaram uma rejeição generalizada por parte da população, que reclama medidas mais eficazes para combater a evasão fiscal e a criminalidade financeira.

4.7.   O intercâmbio de informações e a maior facilidade de acesso aos dados para combater a fraude fiscal também constituem um dos objectivos da OCDE (14).

4.8.   Ao longo dos anos, o CESE tem apoiado vigorosamente as medidas de reforço da cooperação, reclamando maiores instrumentos e mecanismos de controlo (15).

4.9.   Em conformidade com todos estes precedentes, o CESE acolhe com satisfação as duas propostas de directiva, na medida em que as mesmas supõem um progresso sensível na via da integração europeia. O cumprimento das obrigações fiscais é um fundamento essencial do funcionamento do Estado social.

5.   Observações na especialidade

5.1.   Criação de uma cultura administrativa comunitária

5.1.1.   Segundo o CESE, o aspecto mais relevante das duas propostas e, em particular, da que trata da cooperação administrativa, é a vontade de criar uma cultura administrativa comunitária, que é fundamental para o combate à fraude, como se salienta na comunicação de 2006 (16).

5.1.2.   Esta decisão, que responde à experiência verificada nas administrações fiscais ao longo do tempo, traduz-se por diferentes aspectos, nomeadamente: a obrigação de criar em cada Estado-Membro um único gabinete fiscal de ligação, podendo também ser criados serviços específicos de ligação em comunicação directa entre si; a possibilidade de designar funcionários competentes autorizados a participar directamente nos inquéritos; o estabelecimento de prazos (que actualmente não existem) para a transmissão das informações; a obrigação de dar um feedback informativo, etc.

5.1.3.   O CESE louva a introdução de formulários normalizados e de formatos electrónicos, que facilitarão sensivelmente a realização dos procedimentos.

5.1.4.   Há que destacar igualmente a simplificação do regime linguístico, que constitui um grande obstáculo para a cooperação e um factor de encarecimento dos procedimentos, bem como a utilização das novas tecnologias neste âmbito, que permitem a tradução automática dos formulários.

5.2.   Limites da cooperação administrativa, segredo bancário, actuação de intermediários e participação no capital

5.2.1.   A cooperação administrativa prevista será sujeita a limitações. O Estado-Membro requerido deverá facilitar as informações solicitadas «sempre que isso não suponha uma carga administrativa desproporcionada» e sempre que o Estado-Membro requerente «tenha esgotado as fontes habituais de informação» que poderia ter utilizado. Em determinados casos, não obstante, o Estado-Membro requerido poderá recusar a petição: a) se as investigações ou a recolha das informações solicitadas infringirem a sua própria legislação; b) se, por razões jurídicas, o Estado-Membro requerente não puder facultar informações equivalentes às solicitadas; c) quando tal suponha a divulgação de um segredo comercial, industrial ou profissional, de um procedimento comercial ou de uma informação cuja divulgação seja contrária ao interesse público (17). O CESE considera que essas limitações são adequadas.

5.2.2.   O Estado-Membro requerido, todavia, não poderá recusar um pedido «pelo simples facto de as informações em causa estarem na posse de uma instituição bancária, de outra instituição financeira, de uma pessoa designada ou actuando com a capacidade de agente ou de fiduciário, ou estarem relacionadas com uma participação no capital de uma pessoa colectiva (18)». Dada a experiência recorrente de fraude fiscal, o CESE aprova este esclarecimento, sem o qual poderiam ver-se gorados os objectivos perseguidos por ambas as propostas para lograr o cumprimento das obrigações fiscais (19).

5.2.3.   Deve destacar-se que as obrigações de informação e os seus limites estão contemplados em termos semelhantes aos da convenção modelo da OCDE (20).

5.3.   Presença de funcionários de outro Estado-Membro

5.3.1.   Tanto a proposta de directiva sobre a cooperação administrativa, como a proposta de directiva sobre a assistência em matéria de cobrança de créditos estabelecem a possibilidade de que funcionários do Estado-Membro requerente estejam presentes nos inquéritos administrativos que se realizam no Estado-Membro requerido. O CESE considera adequada esta forma de cooperação, que está sujeita a duas condições importantes: a existência de um acordo entre a autoridade requerente e a autoridade requerida, e que os funcionários «observem as disposições legislativas, regulamentares e administrativas do Estado-Membro requerido» (21).

5.3.2.   A presença de funcionários de outros Estados-Membros já está prevista no caso dos impostos especiais (22) e do IVA (23), embora no caso vertente as competências sejam mais amplas dado que os funcionários podem exercer os poderes de controlo.

5.4.   Legalidade do instrumento de execução do crédito fiscal

5.4.1.   Suscita especial interesse a questão da legalidade dos procedimentos de investigação que possam realizar as autoridades fiscais. O CESE considera que a proposta de directiva sobre a assistência para a cobrança de créditos aborda a questão de maneira adequada. Em primeiro lugar, há que ter presente que os sistemas previstos, tanto nas duas propostas de directivas que são objecto do presente parecer, como nos casos do IVA e dos impostos especiais, apenas estabelecem procedimentos de cooperação entre os Estados-Membros, que conservam plena soberania para determinar a legalidade dos procedimentos de investigação que realizam no seu território.

5.4.2.   Em conformidade com os princípios gerais, os funcionários devem actuar conforme a lei (24) e os actos administrativos têm presunção de validez. Como consequência, estes devem ser respeitados, salvaguardando o direito do interessado de intentar uma acção nos tribunais de justiça. Em matéria de litígios relativos à cobrança de créditos, é da competência do Estado-Membro que solicita assistência (ou seja, o Estado-Membro requerente) determinar a validez do crédito, do instrumento inicial de execução, do instrumento uniforme e das notificações que o referido Estado-Membro efectua (25).

5.4.3.   Em contrapartida, em caso de litígio sobre as medidas de execução ou as notificações realizadas por este Estado-Membro, compete às instâncias competentes do Estado-Membro requerido determinar a sua validade (26). Em qualquer dos casos, a garantia do contribuinte está assegurada porque, salvo se a lei não prevê a possibilidade mencionada no ponto seguinte, é suspenso o procedimento de execução para a parte do crédito contestada. Está prevista a obrigação dos Estados-Membros de informar sobre as acções intentadas, embora, naturalmente, os interessados também o possam fazer.

5.4.4.   No caso de créditos contestados judicialmente, poder-se-ão adoptar medidas cautelares se o permitir a legislação do Estado-Membro requerido. Além disso, se assim o estabelece a legislação do Estado-Membro requerente, este pode solicitar a cobrança aos tribunais mediante um pedido motivado (27).

5.4.5.   Quanto à legislação penal, deve recordar-se que esta é da competência exclusiva dos Estados-Membros (28).

5.5.   Soberania dos Estados-Membros

5.5.1.   O CESE sublinha que as propostas respeitam plenamente a soberania dos Estados-Membros que, em última análise, no quadro das directivas, aplicam a sua própria legislação e utilizam as suas próprias instituições nos âmbitos das respectivas competências. É aliás o que ilustram, designadamente, os casos a que se referem os pontos 5.3 e 5.4 do presente parecer.

5.5.2.   Isto diz igualmente respeito à divulgação de informações e de documentos recebidos a título da presente directiva, na medida em que se prevê que:

A autoridade (requerente ou requerida) pode transmiti-los a outras autoridades do mesmo Estado-Membro, quando assim o autorizar a legislação desse Estado-Membro. As informações podem ser utilizadas, inclusivamente para outros fins que não os tributários.

A autoridade competente de um Estado-Membro transmite-as, por sua vez, à autoridade competente de um terceiro Estado-Membro «sempre que a referida transmissão respeite as regras e os procedimentos previstos na presente directiva».

Por outro lado, toda a documentação e informações obtidas pela autoridade requerente podem ser utilizadas como elemento de prova nas mesmas condições que as obtidas no seu próprio território (29).

5.5.3.   Contrariamente ao que prevê o acordo da OCDE (30) sobre o intercâmbio de informações em matéria de tributação, não é obrigatória a autorização do Estado-Membro requerido.

5.6.   Conveniência em unificar as normas

5.6.1.   Ambas as propostas de directiva incluem disposições regulamentares com conteúdo idêntico ou semelhante. É disso exemplo, nomeadamente, a notificação de documentos (31). Conforme foi referido, a presença de funcionários de outros Estados está contemplada em duas directivas e dois regulamentos que diferem, todavia, quanto ao âmbito dos poderes previstos.

5.6.2.   O CESE considera que, no futuro, a melhor técnica legislativa consiste em envidar esforços para unificar a legislação fiscal, na medida do possível.

5.7.   Aplicação do novo sistema

5.7.1.   A entrada em vigor do complexo sistema proposto vai exigir um esforço considerável por parte das instituições comunitárias e nacionais. Em primeiro lugar, devido aos prazos: o prazo de transposição estabelecido para as duas directivas (que afectam várias vertentes do ordenamento jurídico) é 31 de Dezembro de 2009, prazo que parece difícil de respeitar. A elaboração, num prazo de dois anos, das normas relativas ao intercâmbio automático de informações vai exigir um trabalho intenso por parte do Comité de Cooperação Administrativa em Matéria Fiscal.

5.7.2.   Em segundo lugar, a adaptação dos sistemas administrativos às novas exigências implicará a atribuição de recursos materiais e humanos adequados às administrações fiscais. É de salientar, em particular, a necessidade de realizar um esforço em matéria de formação dos funcionários, o que, em muitos casos, vai exigir dotações orçamentais adicionais.

5.7.3.   Em todo o caso, o CESE refere que os objectivos das propostas só darão resultados tangíveis na luta contra a fraude e a evasão fiscal se houver uma forte vontade política de empenhar os recursos adequados.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Directiva 76/308/CEE do Conselho, de 15 de Maio de 1976, posteriormente codificada pela Directiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de Maio de 2008.

(2)  Segundo a Comissão: «Em consequência do disposto na Directiva 2000/65/CE, que aboliu a possibilidade de se requerer a designação de representantes em matéria de IVA, e da expansão da fraude ao IVA – nomeadamente a chamada «fraude de carrossel» — 57,50 % da totalidade dos pedidos de cobrança dizem respeito a dívidas de IVA (situação relativa a 2007).» Ver a Comunicação da Comissão sobre uma «Estratégia coordenada para melhorar o combate à fraude ao IVA na União Europeia», COM(2008) 807 final.

(3)  Fundo Europeu Agrícola de Garantia.

(4)  Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural.

(5)  A Directiva 2008/55/CE em vigor prevê uma disposição semelhante (art. 6.o, n.o 2). Segundo esta disposição, o crédito não é do Estado-Membro requerido mas é considerado como tal, ou seja, beneficia de um tratamento semelhante ao que o Estado-Membro requerido concede aos seus próprios créditos.

(6)  Relatório de Maio de 2000 (Documento 8668/00 do Conselho «Fight against tax fraud» (luta contra a fraude fiscal)).

(7)  Ver as comunicações de 2004 (COM(2004) 611 final) e 2006 (COM(2006) 254 final).

(8)  Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977.

(9)  COM(2009) 29 final, p. 2.

(10)  Exposição de motivos, COM(2009) 29 final.

(11)  Comunicação da Comissão sobre «Prevenir e combater as práticas abusivas nos domínios financeiro e das sociedades» (COM (2004) 611 final).

(12)  Recorde-se o caso da Parmalat e Enron, cujos accionistas perderam 67 mil milhões de dólares.

(13)  G-20 Declaração de Washington (15.11.2008): «Apoiando-se no trabalho de organismos competentes como a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), as autoridades fiscais devem continuar os seus esforços com vista a favorecer o intercâmbio de informações fiscais. Devem ser resolvidos os problemas relativos à falta de transparência e à falta de intercâmbio de informações fiscais.»

(14)  Fórum mundial sobre a fiscalidade, no qual também participam países que não pertencem à OCDE. Ver «Tax co-operation: towards a level playing field – 2008 Assessment by the Global Forum on Taxation». OCDE, Agosto de 2008.

(15)  Ver parecer do CESE sobre a «Comunicação da Comissão relativa à necessidade de elaborar uma estratégia coordenada de melhoria da luta contra a fraude fiscal», JO C 161 de 13.7.2007, p. 8. Consta deste parecer uma referência exaustiva à regulamentação comunitária. Além disso, são de referir os pareceres sobre as seguintes propostas:

Proposta de Regulamento (CE) do Conselho relativo à cooperação administrativa no âmbito do imposto sobre o valor acrescentado e Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos, JO C 80 de 3.4.2002, p. 76.

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à cooperação administrativa no âmbito dos impostos especiais e a Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 77/799/CEE do Conselho, relativa à assistência mútua entre as autoridades competentes dos Estados-Membros no âmbito dos impostos directos, de determinados impostos sobre consumos específicos e dos impostos sobre os prémios de seguros, bem como a Directiva 92/12/CEE do Conselho relativa ao regime geral, detenção, circulação e controlos dos produtos objecto de impostos especiais, JO C 112 de 30.4.2004, p. 64.

Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um programa comunitário destinado a melhorar o funcionamento dos sistemas fiscais no mercado interno (Fiscalis 2013), JO C 93 de 27.4.2007, p. 1.

(16)  Inclui uma consideração do grupo eventual do Conselho sobre a fraude fiscal (ver COM(2006) 254, ponto 3.1).

(17)  COM(2009) 29 final, art. 16.o.

(18)  COM(2009) 29 final, art. 17.o, n.o 2.

(19)  Segundo estimativas, na Suíça encontra-se aproximadamente um terço dos 11 biliões (11 000 000 000 000) de dólares de capital pessoal clandestino do mundo. «Swiss banks ban top executive travel. Concern that employees will be detained» (Financial Times, 27.3.2009).

(20)  «Model Convention with respect to taxes on income and capital» (modelo de convenção sobre os impostos sobre o rendimento e o capital), arts. 26.o e 16.o, OCDE, 17 de Julho de 2008.

(21)  COM (2009) 28 final, art. 6.o, n.o 2, e COM(2009) 29 final, art. 10.o, n.o 2.

(22)  Regulamento (CE) n.o 2073/2004 do Conselho, de 16 de Novembro de 2004, relativo à cooperação administrativa no âmbito dos impostos especiais, art. 11.o.

(23)  Regulamento (CE) n.o 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no âmbito do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 218/92, art. 11.o.

(24)  Segundo o Código Europeu de Boa Conduta Administrativa, «o funcionário velará por que as decisões que afectam os direitos ou interesses dos cidadãos tenham uma base jurídica e que o seu conteúdo respeite a legislação» (art. 4.o).

(25)  COM(2009) 28 final, art. 13.o, n.o 1.

(26)  COM(2009) 28 final, art. 13.o, n.o 2.

(27)  «Se o devedor obtiver ganho de causa na acção de impugnação, a autoridade requerente deve proceder ao reembolso de eventuais montantes cobrados, bem como ao pagamento de qualquer compensação devida, em conformidade com a legislação em vigor no Estado-Membro da autoridade requerida.» COM(2009) 28 final, art. 13.o, n.o 4, último parágrafo.

(28)  «… não prejudica o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados-Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna», Tratado da União Europeia, art. 33.o.

(29)  COM(2009) 29 final, art. 15.o, n.os 1, 2 e 3.

(30)  A informação não poderá ser comunicada a nenhuma outra pessoa, entidade, autoridade ou qualquer outra jurisdição sem o expresso consentimento por escrito da autoridade competente da parte requerida (art. 8.o).

(31)  COM(2009) 28 final, arts. 7.o e 8.o; COM(2009) 29 final, art. 12.o.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/126


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Integração regional para o desenvolvimento dos países ACP

[COM(2008) 604 final]

(2009/C 317/24)

Relator: Gérard DANTIN

Co-relator: Luca JAHIER

Em 1 de Outubro de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Integração regional para o desenvolvimento dos países ACP

COM(2008) 604 final.

Incumbida da elaboração dos correspondentes trabalhos do Comité, a Secção Especializada de Relações Externas emitiu parecer em 27 de Maio de 2009, sendo relator Gérard Dantin e co-relator Luca Jahier.

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 132 votos a favor, com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   Como já referido anteriormente, o Comité considera que a integração regional dos países ACP é um dos requisitos para o seu desenvolvimento. O desenvolvimento, por seu turno, contribuirá para uma maior integração, estabelecendo-se assim as condições para um círculo virtuoso.

1.2.   Desta forma, acolhe favoravelmente as análises e as orientações constantes da comunicação em apreço e gostaria que, para além disso, a integração regional constituísse um dos aspectos subjacentes à revisão de 2010 do Acordo de Cotonu.

1.3.   Contudo, o CESE lamenta que a comunicação não proceda a uma análise das dificuldades até agora encontradas e que não defina mais claramente as prioridades a realizar.

1.4.   O Comité sublinha que um certo número de factores contribui de forma incontornável para a evolução da integração regional. A UE pode e deve contribuir de forma importante para cada um deles.

1.5.   A integração regional não pode concretizar-se sem uma estabilidade acrescida dos Estados. A paz e a segurança devem ser uma das prioridades da UE.

1.6.   O desenvolvimento dos países ACP é uma das condições para a sua integração regional, que, por sua vez, fomentará o seu desenvolvimento.

1.7.   Este desenvolvimento depende em especial:

de um redireccionamento do conteúdo do crescimento que leve a uma diversificação da economia, das estruturas de produção e dos sistemas de serviços;

de um desenvolvimento rural e sustentável que garanta a segurança alimentar;

de um desenvolvimento do sector privado, em particular das PME;

de uma boa governação pensada na sua globalidade, nomeadamente no que diz respeito aos direitos humanos e dos trabalhadores, ao Estado de direito, à democracia e à luta contra a corrupção. No que se refere a este último ponto, o Comité mostra-se estupefacto por a corrupção não ser nunca referida na comunicação, gostaria, nomeadamente, que a atribuição dos 1 750 milhões de euros do 10.o FED para o desenvolvimento da integração esteja condicionada à rastreabilidade da sua utilização;

de uma participação real dos intervenientes não estatais, como aconteceu no APE CARFORUM-CE. Desta perspectiva, será necessário promover política e financeiramente as redes sociais profissionais ao nível regional.

1.8.   O Comité gostaria que se iniciasse ou prosseguisse a reflexão sobre os seguintes aspectos:

a pertinência e possibilidade de promover a cooperação regional entre as regiões ultraperiféricas da União e os Estados ou regiões ACP integrados que constituem o seu enquadramento geográfico;

os entraves que poderão constituir os APE temporários do interesse de um Estado individual à celebração de APE regionais e as soluções para tal;

os entraves que poderão também constituir para a integração regional as negociações de APE do interesse de grupos regionais diferentes dos grupos já constituídos;

as eventuais consequências para a integração regional, em especial em África, da natureza e da diversidade dos poderes económicos, que se alteraram e aumentaram nos últimos anos;

o impacto da crise económica e financeira actual.

2.   Introdução

2.1.   Podemos admitir com alguma razoabilidade que a grande tendência do novo milénio será para a concorrência mundial. Perante as oportunidades e os desafios lançados pela globalização, uma das respostas possíveis da parte de todos os Estados, de todos os continentes, é a de integrar regionalmente a sua economia juntamente com a dos países vizinhos, criar blocos económicos regionais mais importantes e mais competitivos (NAFTA, ASEAN, APEC, MERCOSUL, CARIFORUM, etc.), de forma a participar nas mudanças internacionais, não só enquanto Estado, mas também enquanto potência regional.

2.2.   Esta evolução é sobretudo urgente nos países ACP, nomeadamente em África (1), onde os efeitos combinados de diversos factores (economia relativamente pouco desenvolvida, grande pobreza, termos de troca, herança colonial do traçado das fronteiras, má gestão, conflitos muitas vezes endémicos, corrupção, etc.) ainda não lhes permitiram assumir uma posição importante no comércio internacional, apesar da dimensão assaz significativa dos seus mercados e do seu potencial.

2.3.   De facto, o apoio à integração regional constituiu uma das pedras angulares da política de cooperação da União Europeia relativamente aos países ACP. O apoio da Comunidade Europeia à política de integração económica teve origem, em 1969, na Convenção de Yaoundé, com uma definição do conceito de cooperação acompanhada de uma ajuda à parceria. Desde então, a UE, ao longo das diferentes Convenções (Lomé, Cotonu), prosseguiu a sua cooperação, política, técnica e financeira (2). Este tema foi posteriormente desenvolvido e alargado, para além dos países ACP, ao conjunto dos países em desenvolvimento (3). Além disso, recorde-se que, na cimeira UE-África realizada em 8 e 9 de Dezembro de 2007 em Lisboa, um dos oito planos de acção aprovados dizia respeito à «integração regional e infra-estruturas» (4).

2.4.   A comunicação em análise tem por objectivo redefinir o âmbito e o contexto da integração regional, fazer o balanço dos progressos registados e dos desafios a enfrentar. Fixa também os objectivos a realizar e propõe uma estratégia de apoio à sua concretização.

2.5.   O presente parecer, após ter sintetizado e examinado a comunicação, tecerá um certo número de considerações e observações na generalidade e na especialidade. Para isso, basear-se-á no conjunto dos trabalhos que o Comité já realizou, quer nos pareceres anteriores, quer em seminários regionais que organizou, reunindo a sociedade civil organizada de diferentes regiões ACP, quer ainda em conferências que juntaram, em Bruxelas, os intervenientes não estatais de todos os países ACP.

3.   Síntese da comunicação

3.1.   Após ter descrito sucintamente «um contexto em mutação», ter recordado a acção sistemática e de longa data da União Europeia, assim como um certo número de iniciativas políticas recentes em prol da integração regional dos países ACP (programação regional do 10.o Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), negociações intensas dos Acordos de Parceria Económica (APE), etc.), a comunicação propõe-se fazer o balanço, rever a coerência da acção da União Europeia e traçar as vias a seguir utilizando os instrumentos da UE.

3.2.   Para tal, o balanço da acção passada e as perspectivas para o futuro são desenvolvidas em quatro capítulos principais:

Os objectivos principais da integração regional;

As realizações e os desafios da integração regional dos países ACP;

O desenvolvimento da abordagem do apoio da UE, o qual se articula em torno de 5 prioridades:

reforçar as instituições regionais,

criar mercados regionais integrados,

apoiar o desenvolvimento das empresas,

ligar as redes de infra-estruturas regionais,

desenvolver as políticas regionais para o desenvolvimento sustentável;

Tirar o melhor partido dos instrumentos da União Europeia, reforçando o diálogo político a nível global, regional e nacional, apoiando simultaneamente a criação ou o desenvolvimento sistemáticos de fóruns regionais da sociedade civil. Este apoio comunitário reforçado conduz à valorização do 10.o FED.

4.   Observações na generalidade

O Comité Económico e Social Europeu analisou repetidas vezes nos seus trabalhos a questão da integração económica regional dos países ACP.

4.1.1.   Assim, a integração regional constituiu o tema central de três seminários regionais por ele organizados (Yaoundé em Maio de 2003, Ilhas Fiji em Outubro de 2004 e Bamako em Fevereiro de 2006), dando origem a dois pareceres.

4.1.2.   Esta reflexão foi concretizada na Conferência ACP dos Intervenientes Não Estatais reunida em Bruxelas em Junho de 2005. As actas desta assinalavam que a adaptação dos países ACP à abertura ao comércio implicava um reforço da sua integração regional. Havia que acelerar a construção de verdadeiros mercados comuns em África, nas Caraíbas e no Pacífico. Uma melhor organização neste contexto permitiria a esses países defender melhor os seus próprios interesses económicos e sociais face à globalização.

4.1.3.   Mais recentemente, num parecer exploratório elaborado a pedido do Comissário Michel sobre «A estratégia UE-África» (5), o Comité afirmava fundamentalmente que «O desenvolvimento económico da África passa em primeiro lugar pelo aprofundamento do seu mercado interno para que seja capaz de desenvolver um crescimento endógeno que permita estabilizar e integrar este continente na economia mundial. A integração regional e o desenvolvimento do mercado interno são os pilares e os trampolins que permitirão uma abertura positiva da África ao comércio mundial. Deste ponto de vista, o Comité lamenta que, até hoje, não tenham sido concluídas as negociações regionais dos Acordos de Parceria Económica, dos quais um dos objectivos é precisamente a integração económica.»

4.2.   Reforçando as suas reflexões e tomadas de posição anteriores, o Comité Económico e Social Europeu acolhe favoravelmente a comunicação em análise e o conjunto das orientações que ela inclui. Para além disso, considera que a integração regional, dada a sua importância, deve constituir um dos aspectos subjacentes à revisão de 2010 do Acordo de Cotonu, tanto no que se refere à avaliação conjunta dos participantes na parceria como ao reforço e lançamento prioritário do mecanismo para os próximos anos.

4.3.   Contudo, lamenta que a comunicação em apreço não proceda de forma mais completa, ou mesmo exaustiva, a um inventário e a uma análise crítica das dificuldades até agora encontradas e que funcionaram como travão à integração regional. Essa análise teria permitido indicar os escolhos a evitar e teria assim permitido fundamentar, de forma racional, a definição das orientações de cooperações a propor. Da mesma maneira, o Comité estima que a comunicação teria ganho em legibilidade e em facilidade de compreensão se tivesse sido claramente estabelecida uma hierarquização das prioridades, apesar de alguns ajustes necessários na fase de aplicação devido às diferenças de desenvolvimento entre Estados.

4.4.   No contexto das observações na generalidade e na especialidade que se seguem, parece útil salientar um certo número de problemáticas. A comunicação refere algumas delas, por vezes sucintamente, outras nem as refere, mas, segundo o CESE, a sua importância para o aprofundamento da integração regional justifica que sejam salientadas e apresentadas como elementos essenciais, etapas incontornáveis desta construção.

5.   Observações na generalidade e na especialidade

5.1.   Admite-se, de uma forma geral, que um certo número de factores contribui para o êxito da integração regional. Entre estes, figuram o empenho político, a paz e a segurança, o Estado de direito, a democracia, a boa gestão dos assuntos públicos e a estabilidade macroeconómica. Além disso, é necessário um ambiente económico favorável ao funcionamento eficaz dos mercados, uma abertura aos países terceiros, instituições suficientemente sólidas e com um mandato concreto, recursos apropriados, um apoio político, assim como uma vasta participação do sector privado e da sociedade civil.

5.2.   Todavia, para progredir na realização da integração regional, em particular estabelecendo como objectivos os conceitos incluídos na definição alargada proposta no Acordo de Cotonu (6), é indispensável a consideração prioritária dos aspectos desenvolvidos nos pontos que se seguem, que contribuem para o desenvolvimento dos países ACP, pois a verdade é que, se a integração é fonte de desenvolvimento, o desenvolvimento fomenta a integração. A UE deve envidar os esforços possíveis em todos estes pontos.

5.3.   A paz e a segurança – O desenvolvimento, em particular em África, e, portanto, a integração regional, não pode concretizar-se sem uma estabilidade acrescida dos Estados. Ora, muitos países continuam mergulhados em conflitos intermináveis. Durante os últimos dez anos, na Guiné, Libéria e Serra Leoa, países que dispõem de recursos naturais, nomeadamente diamantes e madeira, os conflitos mergulharam a região numa crise grave, que está na origem de um fluxo importante de refugiados. Para já não falar do conflito no Darfur que grassa no Sudão, da «guerra esquecida» no Norte do Uganda, dos massacres no Kivu com o coltan e a guerra étnica como panos de fundo, recordando em parte o genocídio ruandês, da insegurança persistente no Leste e no Norte da República Centro-Africana, da instabilidade no Congo, na Mauritânia, nas Fiji, das «dificuldades» sentidas recentemente no Quénia ou ainda no Zimbabué. Tudo isto constitui um obstáculo inultrapassável à integração regional. Contribuir para uma estabilidade acrescida dos Estados, para a paz, deve ser uma das prioridades da União Europeia, com vista, nomeadamente, a fomentar o desenvolvimento, elemento que, por seu turno, poderá contribuir para uma maior integração.

5.4.   Primeiro os Estados – Se a integração regional é crucial para o desenvolvimento dos países ACP, esta passa também, em primeiro lugar, pelo desenvolvimento de cada um daqueles Estados (7), do grau de complementaridade do nível da sua economia e dos tipos de políticas aplicadas. Com efeito, seria vão pretender integrar o inexistente. Integrar regionalmente os transportes, interligar as infra-estruturas, por exemplo, só pode ser feito se esses equipamentos existirem e forem desenvolvidos nos Estados. Deste ponto de vista, a qualidade da elaboração (com a participação dos intervenientes não estatais) do conteúdo e da execução dos planos indicativos nacionais, e depois regionais, é crucial. Está em causa a responsabilidade da UE, nomeadamente no que respeita à «utilização» dos meios do FED disponibilizados. O Comité propõe igualmente que se preste uma atenção muito especial ao problema do financiamento das medidas de coesão sempre que o apoio é concedido a uma integração económica regional entre países que apresentam estruturas económicas e níveis de desenvolvimento muito diferentes. Caso contrário, a cura podia ser pior que a doença.

5.5.   A corrupção – Esta está presente, sobretudo em África, praticamente a todos os níveis da sociedade, e constitui um obstáculo ao desenvolvimento económico (8). Assim, acaba por ser também um obstáculo à integração regional (9). O Comité mostra-se estupefacto por a corrupção em si não ser nunca referida na comunicação quando a sua eliminação é um dos objectivos da União Africana e é referida com destaque no Acordo de Cotonu (ver artigo 30.o, alínea f)). É certo que as implicações políticas e económicas são grandes, nomeadamente em relação aos Estados africanos, e que a diplomacia também deve desempenhar um papel importante, mas tal nunca será suficiente. Efectivamente, do mesmo modo que a UE, enquanto organização de financiamento, não pode impor aos seus parceiros a escolha das acções a realizar, tem também a obrigação de se assegurar da utilização e atribuição correctas dos fundos de cooperação, na medida em que se trata, acima de tudo, do dinheiro dos contribuintes europeus. Assim sendo, o Comité gostaria, nomeadamente, que a atribuição dos 1 750 milhões de euros do 10.o FED para o desenvolvimento da integração esteja condicionada à rastreabilidade da sua utilização.

5.6.   Redireccionar o conteúdo do crescimento através de uma diversificação da economia, das estruturas de produção e dos sistemas de serviços – A integração económica regional será facilitada por um mercado diversificado e em crescimento. Tal não resultará da simples exploração de recursos naturais ou das produções agrícolas tradicionais e de massa (cana de açúcar, algodão, banana, amendoim, cacau, etc.). Resultará, sim, do desenvolvimento de uma indústria transformadora que confeccione produtos elaborados com um valor acrescentado significativo, o que, a prazo, constitui a melhor forma de evitar a deterioração dos termos de troca, de participar positivamente, desenvolvendo-a na economia regional (8).

5.7.   Garantir a segurança alimentar e o desenvolvimento rural e sustentável – Não existirá integração económica regional se não for assegurada a segurança alimentar do conjunto dos Estados participantes nessa integração (8). Assim, a agricultura, vertente essencial do desenvolvimento sustentável, deve constituir uma prioridade estratégica. Deve aprender com a crise alimentar de 2007 e 2008, bem como com a actual crise alimentar que resulta do acentuado aumento dos preços dos produtos agrícolas e dos preços da energia em 2008. O desenvolvimento progressivo da agricultura, que traz consigo o nascimento e ou o desenvolvimento do sector agro-alimentar e, de forma mais geral, uma nova prioridade para a dimensão rural do desenvolvimento, só poderá ocorrer através da aplicação de uma política agrícola séria, de segurança alimentar e desenvolvimento rural integrado, a nível nacional e regional, de forma estruturada e planeada a curto, médio e longo prazos. Esta política deve beneficiar de prioridade orçamental e financeira no sentido alargado do termo e ser adaptada às imposições próprias de cada país, devendo simultaneamente integrar a abordagem regional. N.o 10.o FED, convém promover um programa prioritário de desenvolvimento agrícola em todos os países ACP, programa esse orientado para a integração regional. Há que romper com o modo de utilização do 9.o FED, em que apenas 4 países ACP dos 78 existentes consideraram a agricultura um sector prioritário, tendo 15 deles optado antes pelo desenvolvimento rural. Por conseguinte, apenas 7 % do 9.o FED foram dedicados ao desenvolvimento sustentável, e 1,1 % às actividades explicitamente ligadas à agricultura. Nesta questão, um envolvimento mais profundo, constante e estruturado dos intervenientes não estatais, dos agricultores e das organizações rurais em particular, do poder local constitui um elemento decisivo para toda a apropriação duradoura das políticas de desenvolvimento.

5.8.   Desenvolver o sector privado – O sector privado, o seu reforço e a sua diversificação revestem-se de uma importância capital para o desenvolvimento sustentável, a criação de empregos dignos e, portanto, para a redução da pobreza. O desenvolvimento do sector privado, em particular das PME industriais (8), alimentando as oportunidades comerciais, é indispensável para uma integração bem sucedida. Para ser positivo, este desenvolvimento deve beneficiar de um reforço da organização das PME ao nível regional, devendo ter-se ao mesmo tempo em conta a valorização dos recursos humanos  (10) no que se refere, claro, à educação e à formação, bem como a questões no âmbito da saúde, designadamente a luta contra o VIH/SIDA (11), o acesso à água potável, acesso fácil aos cuidados de saúde (segurança social), higiene e segurança no trabalho, etc. O Comité congratula-se, pois, com o facto de a Comissão considerar o desenvolvimento das empresas e, nomeadamente das PME, um dos eixos da sua acção de apoio à integração regional. Neste contexto, o diálogo social, a negociação colectiva e o papel dos parceiros sociais representativos são aspectos necessários para um processo eficaz. Há, pois, que promover ao nível regional. No quadro do seu programa de formação PRODIAF (12), a OIT promoveu o desenvolvimento do diálogo social na África ocidental. O Comité gostaria que este exemplo fosse seguido na África de língua inglesa e no Pacífico mediante o desenvolvimento, nomeadamente, e como já realizado na África de língua francesa, do conceito de acordo colectivo regional, algo que já assinalara em várias declarações finais dos seus seminários e conferências.

5.9.   A boa governação – Maus governos, díspares entre os Estados que compõem a região, constituirão um travão à integração, bem como uma desvantagem para os investimentos directos estrangeiros (IDE). A boa governação tem de ser pensada na sua globalidade, nomeadamente no que diz respeito aos direitos humanos, da criança e dos trabalhadores, ao Estado de direito, à democracia e à ausência de corrupção (13). Esta boa governação, para ser eficaz, deve ser acompanhada de associações, sindicatos representativos de empregadores e de trabalhadores sólidos e independentes do poder político.

5.10.   A participação dos intervenientes não estatais (8) – O CESE congratula-se com o facto de a comunicação se propor a «apoiar sistematicamente a criação ou o reforço de fóruns regionais da sociedade civil», a fim de acompanhar a integração regional. Deste ponto de vista, a negociação de um acordo de parceria económica (APE) constitui uma oportunidade. Esta foi aproveitada, de forma notável, no APE CARIFORUM-CE, o qual institucionalizou a participação dos intervenientes não estatais no seguimento da aplicação desse acordo. Por considerar que este princípio, pela partilha dos conhecimentos, contribui para o reforço da construção regional e para a sua apropriação pelos cidadãos, valorizando desta forma a parceria ACP-UE, o Comité solicita à Comissão e aos países ACP com negociações em curso que conservem este princípio em todos os futuros APE regionais. Contudo, para que a vontade expressa tome forma e se consubstancie, para que a sociedade civil participe plena e eficazmente no processo de integração regional, será necessário promover ao nível político e financeiro a criação e ou o reforço das redes socioprofissionais ao nível regional. Efectivamente, a experiência mostra que esta é uma etapa indispensável à organização de um diálogo coerente e eficaz ao nível regional entre os intervenientes não estatais.

A aplicação dessa orientação tem de ter em conta, sob pena de falhar, as dificuldades encontradas neste ponto na aplicação do Acordo de Cotonu, em particular no reforço das capacidades dos intervenientes não estatais, algo necessário face às necessidades e debilidades muitas vezes aparentes nos contextos estatais, sejam nacionais ou regionais.

6.   Observações na especialidade

6.1.   Prossecução da reflexão – O CESE convida a Comissão a avaliar o impacto dos aspectos culturais e étnicos e das fronteiras nos esforços de integração regional e, ainda, as acções possíveis para reduzir tais impactos.

6.2.   Estabelecer cooperações – O Comité solicita à Comissão que promova e ou apoie cooperações regionais de regiões ultraperiféricas da União com os Estados ou regiões ACP integrados que constituem o seu enquadramento geográfico, na perspectiva de uma cooperação baseada nas necessidades de desenvolvimento dos diferentes parceiros e respeitadora dos interesses de cada um deles.

6.3.   Os acordos de parceria económica (APE) e a integração regional – O ponto 4.1.3 recorda que, no seu parecer sobre «A estratégia UE-África», de Setembro de 2008, o Comité lamentava o facto de, até ao presente, não terem sido concluídos acordos de parceria económica regionais (à excepção do CARIFORUM-CE), sendo um dos objectivos precisamente a integração regional. Actualmente, a celebração de APE temporários, que interessam de forma individual a certos Estados, acabaram por substituir, para já, os APE regionais. O Comité considera que essa atitude pode constituir um entrave à conclusão de APE regionais, e, logo, à integração regional, na medida em que, em grande parte, tomou em conta as características individuais de cada Estado em detrimento de uma síntese das características específicas constitutivas da identidade da região. Deve ser consagrada uma atenção especial a esta situação, que tornará delicada a passagem de APE nacionais para APE regionais.

Além disso, o Comité considera necessário avaliar as possíveis consequências para a integração regional das negociações de APE do interesse de grupos regionais diferentes dos grupos já constituídos (14).

6.4.   A presença de novas forças – Em vários países ACP, em especial em África, a natureza e a diversidade dos poderes económicos alteraram-se e aumentaram. Teria sido adequado que, para uma futura política mais eficaz, a comunicação tivesse integrado na sua análise as consequências para a integração regional da omnipresença chinesa, do regresso patente dos EUA, do início da penetração indiana, do Japão e da Coreia. Teria sido útil uma comparação entre a comunicação em apreço e a comunicação intitulada «UE, África e China: Rumo a um diálogo e uma cooperação trilateral» (15), examinada à luz da integração regional.

6.5.   A comunicação foi elaborada muito antes da crise económica mundial ter atingido a dimensão que tem hoje em dia, não tendo, portanto, sido possível integrá-la na sua análise. Segundo o Comité, essa crise comprova, de forma cada vez mais absoluta, a necessidade de uma integração. Todavia, tal como foi observado nos EUA e na Europa, é de temer que o contrário aconteça, que surja uma espécie de autismo por parte dos países, por exemplo, sob a forma de funcionamento autárcico e nacionalismo. É patente que não cabe à União Europeia dirigir a aplicação das opções que serão adoptadas pelos países ACP. Porém, com a aplicação do Acordo de Cotonu e a celebração de acordos de parceria económica regionais, mantendo uma vigilância constante a fim de evitar uma eventual revisão por baixo das dotações inicialmente prometidas pelos Estados-Membros e assegurando-se da execução correcta das decisões do G20 em prol dos países em vias de desenvolvimento, a UE tem um papel fundamental a desempenhar para evitar uma evolução contrária ao desenvolvimento económico dos países ACP. Aquela poderia conduzir ao reforço dos fluxos migratórios, tanto mais que o volume de fundos que transitam da Europa, através da diáspora, para os países ACP, em particular para África (16), corre o risco de diminuir bastante.

O reforço da dimensão regional é, muito provavelmente, uma das únicas formas concretas de os ACP, e de a África em particular, enfrentarem proactivamente a crise financeira e económica actual, tendo em vista participar na futura dinâmica da globalização, garantindo assim uma perspectiva de desenvolvimento.

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Para além da sua dimensão, em relação ao conjunto dos países ACP, a África representa 95 % das ajudas.

(2)  Neste contexto, analisaremos os mecanismos muito claros constantes do Acordo de Cotonu tanto no que se refere aos objectivos (art. 1.o) como à estratégia de cooperação e integração regional (art. 28.o, 29.o e 30.o, ver Anexo I). Estes mecanismos mantêm-se actuais, devem ser propostos novamente e reiniciados.

(3)  Comunicação da Comissão relativa ao apoio da Comissão Europeia aos esforços de integração económica regional dos países em vias de desenvolvimento, COM(1995)219 final de 16.6.1995.

(4)  O objectivo é «apoiar o programa de integração africana, reforçar as capacidades africanas em matéria de regras, normas e controlo de qualidade, pôr em prática a parceria UE-África em matéria de infra-estruturas». Ver, a propósito, o JO C 77 de 31.3.2009, p. 148-156 intitulado «A estratégia UE-África».

(5)  REX/247 – JO C 77 de 31.3.2009, p. 148-156, relator: Gérard Dantin.

(6)  «(…) a integração regional é o processo que consiste em ultrapassar, de comum acordo, os obstáculos políticos, físicos, económicos e sociais que separam os países dos seus vizinhos, e em colaborar na gestão dos recursos partilhados e de bens comuns (…)».

(7)  As análises e as propostas do CESE sobre esta matéria podem ser consultadas no parecer «A estratégia UE-África» – JO C 77 de 31.3.2009, p. 148-156.

(8)  Ibidem 7.

(9)  A título de exemplo, citemos um relatório do Banco Mundial, publicado em Maio de 2008, relativo à Costa do Marfim, que refere que a extorsão de protecção por parte das forças de segurança da Costa do Marfim e as provocações que ocorrem nas barreiras policiais no país constituem obstáculos à livre circulação dos bens e das pessoas. Simultaneamente, essa extorsão de protecção tem um impacto negativo na economia, pois custa aos transportadores, com os seus «pagamentos» e os seus «desvios» ilegais, entre 230 e 363,3 milhões de dólares por ano. O estudo realça que esse montante representa o equivalente a 35 %-50 % das despesas de investimento da nação inscritas no orçamento de 2007.

(10)  Ibidem 7: ponto 7.5 e anexo V.

(11)  Ibidem 7. Em relação a este ponto, é interessante reler o parecer de Bedossa, de Maio de 2006, sobre «Uma prioridade necessária para a África: O ponto de vista da sociedade civil europeia», JO C 195 de 18.8.2006, p. 104-109.

(12)  Programa regional de promoção do diálogo social na África de língua francesa.

(13)  Ibidem 7. Ver também o artigo 30.o do Acordo de Cotonu em vigor.

(14)  A título de exemplo, em África, a SADC conta com 15 Estados-Membros. Sete países negoceiam no quadro da África Meridional, seis no quadro da África Austral e Oriental (África Oriental e Austral, Comunidade da África Oriental e Austral), um no quadro da África Oriental (CAO, Comunidade da África Oriental) e um no quadro da África Central.

(15)  COM(2008) 654 final.

(16)  Ver JO C 120 de 16.5.2008, p. 82-88«Migração e desenvolvimento – Oportunidades e desafios», relator: Sukhdev Sharma.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/132


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Conselho relativa aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura (versão codificada)

[COM(2009) 235 final – 2006/0250 (CNS)]

(2009/C 317/25)

Em 26 de Junho de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 37.o n.o 94.o do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Conselho relativa aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura (versão codificada)

COM(2009) 235 final – 2006/0250 (CNS).

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório, o qual de resto, havia sido já objecto do parecer adoptado, em 15 de Fevereiro de 2007 (1), o Comité na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009, (sessão de 15 de Julho) decidiu por 185 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto, remetendo para a posição defendida no documento mencionado.

Bruxelas, 15 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Directiva do Conselho relativa aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura» (versão codificada)JO C 97 de 28.4.2007, p. 13.