CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 9 de novembro de 2017 ( 1 )

Processo C‑414/16

Vera Egenberger

contra

Evangelisches Werk für Diakonie und Entwicklung e.V.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal de Trabalho, Alemanha)]

«Igualdade de tratamento em matéria de emprego — Artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78/CE — Exigências profissionais essenciais, legítimas e justificadas de organizações cuja ética seja baseada na religião ou em crenças — Diferença de tratamento baseada na religião em matéria de emprego, por parte de uma organização de assistência de uma igreja — Artigo 17.o TFUE — Privilégio eclesiástico de autodeterminação — Fiscalização jurisdicional limitada com base na lei constitucional de um Estado‑Membro que consagra o respeito pelo «conceito próprio» de grupos religiosos — Primado, unidade e efetividade do direito da União em matéria de igualdade de tratamento — Artigos 52.o, n.o 3, e 53.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Ponderação de direitos concorrentes — Efeitos horizontais da Carta»

Índice

 

I. Introdução

 

II. Quadro jurídico

 

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

 

IV. Despacho de reenvio

 

V. Apreciação

 

A. Visão geral

 

B. Observações preliminares

 

1. Atividades das organizações religiosas e âmbito de aplicação do direito da União

 

2. Regras relativas à aplicação da Carta e processo principal

 

3. Fiscalização jurisdicional das relações laborais e das organizações religiosas na Alemanha

 

C. Questão 1

 

1. Restrições à fiscalização jurisdicional das organizações religiosas empregadoras na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

 

2. Artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78

 

(a) Observações introdutórias

 

(b) O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 corrobora as restrições constitucionais impostas pelo Estado‑Membro à fiscalização jurisdicional?

 

(1) Redação

 

(2) Contexto e finalidade

 

(3) Antecedentes

 

3. Artigo 17.o TFUE

 

4. Conclusão relativa à questão 1

 

D. Questão 3

 

E. Questão 2

 

F. Observações finais

 

VI. Respostas às questões prejudiciais

I. Introdução

1.

Na sequência da leitura de um anúncio de emprego publicado em novembro de 2012, Vera Egenberger candidatou‑se, sem sucesso, pelo prazo de 18 meses, a um posto de trabalho na Evangelisches Werk für Diakonie und Entwicklung e.V. (a seguir «demandada»), uma associação de direito privado que prossegue exclusivamente objetivos de utilidade pública, caritativos e religiosos, e que é uma instituição de assistência da Evangelische Kirche in Deutschland (a Igreja Evangélica da Alemanha). O emprego anunciado implicava a elaboração de um relatório relativo ao cumprimento, pela Alemanha, da Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (a seguir «relatório sobre a discriminação racial»). Vera Egenberger (a seguir «demandante») tinha muitos anos de experiência neste domínio e era autora de várias publicações relevantes ( 2 ).

2.

A demandante alega que não foi contratada por não ter religião, o que constituiu uma violação da sua liberdade de convicção, tal como refletida no artigo 10.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), e que foi alvo de discriminação em razão dessa convicção, em violação do artigo 21.o da Carta e dos artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (a seguir «Diretiva 2000/78») ( 3 ).

3.

Uma vez que a argumentação da demandada se baseia no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, o presente litígio refere‑se, no essencial, à questão das restrições legais à diferença de tratamento em razão das crenças no que diz respeito às «atividades profissionais de igrejas e de outras organizações públicas ou privadas cuja ética seja baseada na religião ou em convicções» em conformidade com esta disposição. Porém, esta é também a primeira vez que o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 ( 4 ), suscitando‑se assim questões complexas sobre a interação desta disposição com diversas disposições da Carta, incluindo o artigo 22.o, que estabelece que a «União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística», bem como o artigo 17.o TFUE, que preserva o «estatuto» de que gozam, ao abrigo do direito dos Estados‑Membros, as igrejas e associações ou comunidades religiosas, bem como as organizações filosóficas e não confessionais ( 5 ).

4.

Além disso, afirma‑se que as instituições ligadas à igreja são o segundo maior empregador na Alemanha, ocupando uma posição quase monopolística em algumas regiões e domínios de atividade profissional ( 6 ). Por conseguinte, não será demais frisar o quão delicado é o equilíbrio entre a preservação do direito das organizações religiosas da União Europeia à autonomia e à autodeterminação ( 7 ) (o que constitui o núcleo central dos argumentos da demandada quanto à desigualdade de tratamento em causa) face à necessidade de aplicação eficaz da proibição de discriminação no que diz respeito à religião e às crenças no mercado de trabalho da União, caracterizado pela diversidade étnica e religiosa, quando a igualdade de acesso ao emprego e o desenvolvimento profissional têm uma importância fundamental para todas as pessoas, não só como forma de sustento e de garantir uma vida autónoma, mas também como meio de realização pessoal e de realização do potencial de cada um ( 8 ).

II. Quadro jurídico

A. Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

5.

O artigo 9.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») dispõe:

«1.   Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.

2.   A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem.»

3.   De acordo com o artigo 14.o da CEDH:

«O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.»

B. Tratado da União Europeia

6.

O artigo 4.o, n.o 2, TUE estabelece:

«A União respeita a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, bem como a respetiva identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no que se refere à autonomia local e regional. A União respeita as funções essenciais do Estado, nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a salvaguardar a segurança nacional. Em especial, a segurança nacional continua a ser da exclusiva responsabilidade de cada Estado‑Membro.»

C. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

7.

O artigo 10.o TFUE estipula:

«Na definição e execução das suas políticas e ações, a União tem por objetivo combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.»

8.

O artigo 17.o TFUE dispõe:

«1.   A União respeita e não interfere no estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros.

2.   A União respeita igualmente o estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as organizações filosóficas e não confessionais.

3.   Reconhecendo a sua identidade e o seu contributo específico, a União mantém um diálogo aberto, transparente e regular com as referidas igrejas e organizações.»

D. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

9.

O artigo 10.o da Carta tem a epígrafe «Liberdade de pensamento, de consciência e de religião». O artigo 10.o, n.o 1, dispõe o seguinte:

«Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou coletivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.»

10.

O artigo 22.o da Carta tem a epígrafe «Diversidade cultural, religiosa e linguística» e estabelece:

«A União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística.»

11.

O artigo 52.o, n.o 3, da Carta prevê:

«Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.»

12.

O artigo 53.o da Carta, sob a epígrafe «Nível de proteção», estipula:

«Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União, […] a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, bem como pelas Constituições dos Estados‑Membros.»

E. Diretiva 2000/78

13.

Nos termos do considerando 24 da Diretiva 2000/78:

«A União Europeia, na sua Declaração n.o 11, relativa ao estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais, anexa à ata final do Tratado de Amesterdão, reconhece explicitamente que respeita e não afeta o estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as Igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros, e que respeita igualmente o estatuto das organizações filosóficas e não confessionais. Nesta perspetiva, os Estados‑Membros podem manter ou prever disposições específicas sobre os requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados, suscetíveis de serem exigidos para o exercício de uma atividade profissional nos respetivos territórios.»

14.

Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2000/78, com a epígrafe «Objeto»:

«A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

15.

O artigo 2.o da Diretiva 2000/78 tem a epígrafe «Conceito de discriminação». O seu n.o 1 estabelece o seguinte:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o»

16.

O artigo 2.o, n.o 2, dispõe:

«Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.»

17.

O artigo 4.o da Diretiva 2000/78 tem a epígrafe «Requisitos para o exercício de uma atividade profissional». O primeiro parágrafo do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 estabelece:

«Os Estados‑Membros podem manter na sua legislação nacional em vigor à data de aprovação da presente diretiva, ou prever em futura legislação que retome as práticas nacionais existentes à data de aprovação da presente diretiva, disposições em virtude das quais, no caso das atividades profissionais de igrejas e de outras organizações públicas ou privadas cuja ética seja baseada na religião ou em convicções, uma diferença de tratamento baseada na religião ou nas convicções de uma pessoa não constitua discriminação sempre que, pela natureza dessas atividades ou pelo contexto da sua execução, a religião ou as crenças constituam um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização. Esta diferença de tratamento deve ser exercida no respeito das disposições e dos princípios constitucionais dos Estados‑Membros, bem como dos princípios gerais do direito comunitário, e não pode justificar uma discriminação baseada noutro motivo.»

F. Direito alemão

18.

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Lei constitucional da República Federal da Alemanha, a seguir «GG») estipula:

«(1)   A liberdade de religião e de consciência, bem como a liberdade de professar uma crença religiosa ou uma crença filosófica, são invioláveis.

(2)   É garantida a prática religiosa sem perturbações.»

19.

O artigo 140.o da GG estabelece que os artigos 136.o a139.o e 141.o da Verfassung des Deutschen Reiches (Constituição do Estado Alemão, a seguir «WRV») constituem parte integrante da GG. As disposições pertinentes do artigo 137.o da WRV, preveem o seguinte:

«(1)   O Estado é laico.

(2)   É garantida a liberdade de associação religiosa. […]

(3)   As congregações religiosas regulam e administram os seus assuntos com independência, dentro dos limites da lei geral. A organização das suas estruturas é independente do governo central ou das autoridades locais. […]

(7)   As associações cuja finalidade consiste em propagar uma crença filosófica na comunidade gozarão do mesmo estatuto das congregações religiosas.»

20.

O § 1 da Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz (Lei geral sobre a igualdade de tratamento, a seguir «AGG») estabelece:

«A presente lei tem por objetivo prevenir ou eliminar qualquer discriminação baseada na raça, origem étnica, sexo, religião ou crença, em deficiência, na idade ou na orientação sexual.»

21.

O § 7, n.o 1, da AGG dispõe:

«Os trabalhadores não podem ser alvo de discriminação por nenhum dos fundamentos enumerados no § 1. Esta proibição é igualmente aplicável quando o autor da discriminação se limita a presumira existência de apenas uma das formas de discriminação referidas no § 1» ( 9 ).

22.

O § 9, n.o 1, da AGG estipula:

«(1) Sem prejuízo do disposto no § 8 [da presente lei], as diferenças de tratamento baseadas na religião ou em crenças são igualmente admitidas nos casos de emprego em comunidades religiosas, em instituições nestas filiadas, independentemente da forma jurídica destas, ou em associações cujo objetivo seja estar ao serviço de uma religião ou crenças de uma crença na comunidade, quando, tendo em conta a própria perceção do empregador, tal religião ou crença constituam uma exigência profissional justificada à luz do direito à autonomia ou atendendo à natureza das suas atividades.»

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

23.

O anúncio em causa no processo principal referia o seguinte:

«Pressupomos [que o candidato é] membro de uma igreja evangélica ou de uma igreja pertencente à [Comunidade das Igrejas Cristãs na Alemanha] e se identifica com a missão da diaconia. Por favor, queira indicar a sua confissão religiosa no seu curriculum vitae

24.

As funções discriminadas no mesmo anúncio incluíam a representação da Diaconia da Alemanha no âmbito do projeto, perante o mundo político exterior, o público e as organizações de defesa dos direitos humanos, bem como a cooperação com as autoridades relevantes. Implicavam ainda a prestação de informações à Diaconia da Alemanha e a coordenação do processo de formação da opinião no seio da referida organização.

25.

Conforme acima referido, a demandante, que não pertence a nenhuma comunidade religiosa, candidatou‑se sem sucesso ao emprego anunciado. Por fim, foi admitido um candidato que, relativamente à sua confissão religiosa, indicara pertencer à «Berliner Landeskirche sozialisierter evangelischer Christ».

26.

A demandante intentou uma ação no Arbeitsgericht Berlin (Tribunal Federal de Trabalho, Berlim), pedindo o pagamento de uma indemnização no montante mínimo de 9788,65 EUR. O Arbeitsgericht concluiu que tinha havido uma discriminação da demandante, mas limitou a indemnização ao montante de 1957,73 EUR. Foi interposto recurso para o Landesarbeitsgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Regional de Trabalho, Berlin‑Brandenburg) e depois para o Bunbesarbeitsgericht (Tribunal Federal de Trabalho).

27.

Uma vez que esse órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a interpretação correta do direito da União nas circunstâncias do caso em apreço, submeteu as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o TFUE.

«1)

Deve o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78/CE ser interpretado no sentido de que uma entidade patronal como a demandada no presente processo — ou a Igreja por ela — pode determinar ela própria, de modo vinculativo, se uma determinada religião de um candidato, atenta a natureza da atividade ou o contexto da sua execução, constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da sua ética?

2)

No caso de resposta negativa à primeira questão:

Deve deixar de ser aplicada num litígio como o do caso vertente uma disposição do direito nacional, como, neste caso, o § 9, n.o 1, primeira alternativa, da AGG (Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz — Lei geral sobre a igualdade de tratamento), segundo a qual um tratamento diferente no emprego pelas comunidades religiosas e pelas instituições que tutelam em razão da religião também é permitido quando uma determinada religião, tendo em conta a identidade desta comunidade religiosa à luz do seu direito de autodeterminação, constitui uma exigência profissional justificada?

3)

No caso de resposta negativa à primeira questão, além disso:

Quais os requisitos que devem ser impostos à natureza da atividade e ao contexto da respetiva execução como requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados no âmbito da ética da organização, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78/CE?»

28.

Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pela demandante, pela demandada, pelo Governo da Alemanha e pela Irlanda, e pela Comissão Europeia. Todas as partes, à exceção da Irlanda, participaram na audiência que teve lugar em 18 de julho de 2017.

IV. Despacho de reenvio

29.

Não foi contestado no processo principal que, nos termos das disposições pertinentes da AGG, a Alemanha exerceu a faculdade atribuída pelo primeiro parágrafo do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 de «manter na sua legislação nacional em vigor à data de aprovação da […] diretiva» ou de «prever em futura legislação que retome as práticas nacionais» existentes à mesma data no que respeita às exigências profissionais essenciais, legítimos e justificados ( 10 ). De acordo com o despacho de reenvio, a demandada alega que a tomada em conta da religião no processo de candidatura, evidenciada no anúncio de emprego — em todo o caso, numa interpretação conforme com o direito da União — não é compatível com a proibição de discriminação do § 7, n.o 1, da AGG. O § 9, n.o 1, da AGG não pode justificar esta discriminação. É igualmente relevante que a demandada nem sempre tenha em conta a confissão religiosa para todos os empregos que anuncia e que o emprego anunciado seja financiado por recursos relacionados com projetos de terceiros não ligados a igrejas.

30.

A demandada sustenta que, no caso aqui em apreço, um tratamento diferente em razão da religião é justificado ao abrigo do § 9, n.o 1, da AGG. Segundo as regras da Igreja Evangélica alemã, ser membro de uma igreja cristã é uma condição necessária para constituir uma relação de trabalho. O direito de impor este requisito faz parte do direito de autodeterminação das igrejas constitucionalmente protegido na Alemanha, e decorre do artigo 140.o da GG, conjugado com o artigo 137.o, n.o 3, da WRV. Isto é compatível com o direito da União, em especial na perspetiva do artigo 17.o TFUE. Além disso, a pertença a uma religião, tendo em conta a identidade própria da organização demandada, constitui um requisito profissional justificado pela natureza da atividade em causa.

31.

No que respeita à questão 1, o despacho de reenvio refere que o legislador alemão pretendeu expressamente que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 fosse transposto de modo a manter as disposições legislativas e as práticas nacionais já em vigor; o legislador nacional tomou esta decisão tendo em conta a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional alemão) e mencionou expressamente o artigo 140.o da GG, conjugado com o artigo 137.o, n.o 3, da WRV, no que respeita ao «privilégio da autodeterminação». Consequentemente, nos termos do direito alemão, a fiscalização jurisdicional no contexto do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 está limitada a um controlo da plausibilidade, baseado no ideário de uma religião, definido em função da fé. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se essa interpretação do § 9, n.o 1, da AGG é compatível com o direito da União.

32.

Relativamente à questão 2, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça obriga a uma reflexão sobre a possibilidade de a proibição de discriminação com base na religião conferir um direito subjetivo que impõe a desaplicação das disposições incompatíveis dos Estados‑Membros, mesmo nos litígios entre dois particulares ( 11 ). Porém, ainda não foi decidido se isso se aplica quando um empregador invoca o direito primário da União, como o artigo 17.o TFUE, para justificar as desvantagens fundadas na religião.

33.

Quanto à questão 3, pede‑se a clarificação do modo como os critérios estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a propósito daquilo que o despacho de reenvio designa por conflitos de lealdade relativos a crenças nas relações laborais instituídas podem estar relacionados com a interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78. Esses critérios incluem, em especial, a natureza do posto de trabalho em causa ( 12 ), a proximidade da atividade em causa com a missão de evangelização ( 13 ) e a proteção dos direitos de terceiros (por exemplo, o interesse de uma universidade católica em que o ensino nela ministrado se inspire na doutrina católica) ( 14 ). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem procede, além disso, a um exercício de ponderação dos direitos e interesses concorrentes ( 15 ).

V. Apreciação

A. Visão geral

34.

Iniciarei a minha análise pela abordagem de três questões preliminares.

35.

Primeiramente, verificarei se a resposta às questões prejudiciais exige uma reflexão sobre a possibilidade de a demandada ter ou não exercido uma «atividade económica» quando publicou um anúncio destinado a membros de igrejas cristãs específicas e acabou por selecionar uma pessoa com essas características para elaborar o relatório sobre a discriminação racial e para a representar profissionalmente.

36.

Em segundo lugar, examinarei pormenorizadamente de que modo e por que motivo os artigos 52.o, n.o 3, e 53.o da Carta são fundamentais para a resolução dos problemas jurídicos suscitados no processo principal. O artigo 52.o, n.o 3, da Carta afirma que, na medida em que os direitos nela contidos correspondam aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais, e acrescenta que essa disposição «não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla». A parte do artigo 53.o que reveste maior pertinência respeita à declaração, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Melloni ( 16 ), de que nenhuma disposição «da presente Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União […], bem como pelas Constituições dos Estados‑Membros».

37.

Em terceiro lugar, analisarei em pormenor as incoerências dos elementos ao dispor do Tribunal de Justiça no tocante ao conteúdo preciso da lei alemã, tal como desenvolvida na jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional alemão), relativamente aos limites da fiscalização jurisdicional nos casos em que as organizações religiosas invocam o privilégio da autodeterminação no contexto do direito laboral.

38.

Seguidamente, responderei às questões prejudiciais. Começarei por responder às questões 1 e 3, que essencialmente convidam à interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 à luz do direito primário da União, nomeadamente o artigo 17.o TFUE, e da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

39.

Na resposta à questão 1, verificarei se a referência no artigo 17.o TFUE ao «estatuto» das organizações religiosas ao abrigo do direito dos Estados‑Membros, conjugada com a alusão às disposições e princípios constitucionais dos Estados‑Membros no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78 ( 17 ), são suficientes para dar origem a uma remissão para o direito nacional (e, no processo principal, para a lei alemã) no que respeita ao alcance e à intensidade da fiscalização jurisdicional nos casos em que um trabalhador ou potencial trabalhador ( 18 ) contesta a invocação, por uma organização religiosa, do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 para justificar a desigualdade de tratamento nas relações laborais, em razão da religião ou de crenças.

40.

Recorrerei à análise efetuada na resposta à questão 1 para determinar se os «requisitos» mencionados na questão 3 (que prefiro designar por «fatores» relevantes para efeitos da análise) relativamente à natureza das atividades ou do contexto em que são executadas constituem requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados no âmbito da ética da organização, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

41.

A questão 2, que examinarei em último lugar, respeita às consequências que daí resultarão, em termos de vias de recurso, se a interpretação propugnada das disposições de direito da União pertinentes para a resolução do presente litígio for incompatível com a letra das disposições pertinentes do direito alemão, de tal modo que estas não sejam suscetíveis de interpretação conforme ao direito da União.

42.

Esta questão é suscitada na medida em que o direito fundamental, reconhecido pelo direito da União, de não ser discriminado em razão das crenças encontra expressão concreta numa diretiva da União ( 19 ), e o processo principal respeita a uma situação horizontal em que cada uma das partes no litígio invoca contra a outra essa diretiva; a demandante é uma pessoa singular e a demandada é uma associação de direito privado ( 20 ). A demandante invoca os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2000/78 contra a demandada, que invoca o artigo 4.o, n.o 2, da mesma diretiva contra a demandante. No entanto, o Tribunal de Justiça já declarou de forma constante que uma diretiva, em si mesma e por si só, não pode criar obrigações para um particular, nem pode, enquanto tal, ser contra ele invocada ( 21 ).

43.

A obrigação dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros de apreciarem a compatibilidade da lei nacional com o direito da União está ainda sujeita a outros limites. Assim, a obrigação de o juiz nacional se basear no direito da União quando procede à interpretação e à aplicação das regras pertinentes do direito interno está limitada pelos princípios gerais do direito e não pode servir de fundamento a uma interpretação do direito nacional que seja contra legem ( 22 ).

44.

Consequentemente, esta manifestação da proibição clássica do efeito direto horizontal das diretivas colide com outra regra desenvolvida na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Ou seja, não obstante o direito fundamental de não ser discriminado em razão da idade ter encontrado expressão numa diretiva da União, não deixa de ter efeito direto horizontal na medida em que todas as medidas nacionais incompatíveis com esse direito devem ser desaplicadas, mesmo que sejam medidas contra legem e mesmo em litígios que opõem dois particulares ( 23 ).

45.

Portanto, com a questão 2 o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a proibição da discriminação com base na religião e nas crenças pertence à mesma categoria jurídica da proibição da discriminação em razão da idade, de tal modo que o órgão jurisdicional de reenvio esteja obrigado a desaplicar todas as medidas nacionais que sejam incompatíveis com o direito da União (em especial o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78), independentemente da natureza horizontal do litígio que lhe foi submetido ( 24 ). Além disso, resulta claramente do despacho de reenvio, quando não da redação da própria questão 2, que o órgão jurisdicional de reenvio também pede orientações sobre a pertinência do artigo 17.o TFUE para esta determinação.

B. Observações preliminares

1.   Atividades das organizações religiosas e âmbito de aplicação do direito da União

46.

A religião não figura em nenhum dos três tratados que instituíram a Comunidade Económica Europeia, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço ou a Comunidade Europeia da Energia Atómica. Acresce que, devido aos objetivos, que atualmente podem parecer modestos, do Tratado de Roma, essencialmente vocacionado para a realização da integração económica ( 25 ), a jurisprudência inicial do Tribunal de Justiça determinou, exclusivamente em função de fatores económicos, as circunstâncias em que a participação numa comunidade baseada numa religião ou noutra inspiração espiritual ou filosófica estava abrangida pelo âmbito de aplicação do direito comunitário.

47.

O Tribunal de Justiça concluiu, na sua decisão de 1988 no processo Steymann, que o âmbito de aplicação do direito comunitário só englobava a participação numa comunidade baseada numa religião ou outra inspiração espiritual ou filosófica na medida em que pudesse «ser considerada como uma atividade económica para os efeitos do artigo 2.o do Tratado» ( 26 ), tendo o advogado‑geral G. Slynn observado, nas Conclusões que apresentou no mesmo ano, no processo Humbel e Edel, que as instituições religiosas «empregam pessoal e pagam as despesas de aquecimento e de eletricidade» e «[p]odem igualmente exigir o pagamento de determinados serviços». Todavia, o advogado‑geral G. Slynn sublinhou que «[o] verdadeiro critério consiste em saber se os serviços são prestados no âmbito de uma atividade económica» ( 27 ).

48.

Porém, a dependência da integração económica para fundamentar a competência da União diminuiu com as alterações subsequentes aos Tratados ( 28 ), pelo que o facto de uma organização religiosa exercer ou não uma «atividade económica» não será sempre pertinente para o ramo de direito substantivo da União em causa. Por exemplo, essas organizações combateram as restrições à livre circulação que afetam os seus interesses e que os Estados‑Membros procuraram justificar com base em razões de ordem pública ( 29 ), um exercício que pode acarretar a escolha de políticas que relevem de «considerações éticas e filosóficas» ( 30 ). De acordo com o atual quadro constitucional da União Europeia, tanto as organizações religiosas ( 31 ) como os requerentes individuais ( 32 ) podem invocar a proteção concedida pelo artigo 10.o da Carta para exercer o seu direito à liberdade de religião relativamente aos atos das instituições, organismos, serviços e agências da União ( 33 ) como aos atos dos Estados‑Membros quando implementam o direito da União ( 34 ), independentemente de essas medidas se destinarem à regulação de atividades económicas ou não. O mesmo se aplica aos litígios de natureza horizontal, tal como o que está em causa no processo principal, que implicam a interpretação do direito do Estado‑Membro em conformidade com uma diretiva, na medida em que isso seja possível ( 35 ).

49.

Portanto, não obstante os argumentos aduzidos pelo representante da Comissão na audiência, entendo que é irrelevante, para efeitos das questões prejudiciais suscitadas no processo principal, o facto de a demandada ter ou não exercido uma atividade económica quando publicou um anúncio de emprego para as funções de elaboração do relatório sobre a discriminação racial, dirigido apenas a potenciais candidatos que pertencessem a determinadas confissões religiosas cristãs, e selecionou um candidato pertencente a uma dessas confissões.

50.

A abordagem preconizada pela Comissão pode efetivamente resultar na indevida redução do âmbito de aplicação ratione materiae do artigo 17.o TFUE ao reconhecimento do estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas, associações ou comunidades religiosas, bem como as organizações filosóficas e não confessionais, apenas quando exercem atividades económicas. Em termos mais gerais, pode também diminuir o âmbito de aplicação ratione materiae do direito da União a essas organizações de uma forma incompatível com o paradigma moderno das competências da União, tal como estabelecidas nos Tratados UE e FUE.

51.

Por exemplo, deve uma organização religiosa que constrói um templo de grandes dimensões estar dispensada do cumprimento dos requisitos da Diretiva 2011/92 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente ( 36 ), pelo simples facto de que esse centro não terá nenhuma finalidade comercial e destinar‑se‑á exclusivamente ao culto, de tal modo que se considere que a organização religiosa em causa não está a exercer atividades económicas? Essa questão deve necessariamente ser objeto de resposta negativa ( 37 ).

2.   Regras relativas à aplicação da Carta e processo principal

52.

A Carta deve ser aplicada no processo principal em conformidade com as seguintes regras.

53.

Primeiramente, conforme estabelecido na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as regras do direito derivado da União devem ser interpretadas e aplicadas no respeito dos direitos fundamentais ( 38 ). O Tribunal de Justiça também já considerou que «o direito garantido no artigo 10.o, n.o 1, da mesma corresponde ao direito garantido no artigo 9.o da CEDH e, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, tem o mesmo sentido e o mesmo âmbito que aquele» ( 39 ). O artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa garantir a coerência entre os direitos contidos na Carta e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem afetar a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia ( 40 ). Consequentemente, o direito das comunidades religiosas como a demandada a uma existência autónoma é garantido no «limiar de proteção mínima» ( 41 ) previsto na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Este forum externum da liberdade de religião tem de ser tomado em consideração na interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 e do artigo 17.o TFUE.

54.

Segundo, e ao mesmo tempo, uma vez que o artigo 9.o da CEDH também garante o forum internum da liberdade de religião e de crenças ( 42 ), que abrange a liberdade de não ter religião ( 43 ), a interpretação dos artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2000/78 deve também considerar devidamente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que é pertinente para esta parte do artigo 9.o da CEDH, para determinar se, de acordo com o direito da União, a demandante sofreu uma discriminação ilegal ou foi antes objeto de uma diferença de tratamento justificada ( 44 ). Evidentemente, tanto a demandante como a demandada têm direito a uma ação para fazer valer os respetivos direitos, nos termos do artigo 47.o da Carta ( 45 ).

55.

Isto leva‑me ao terceiro motivo pelo qual Carta é relevante para o processo principal. Está enraizado, tanto na jurisprudência do Tribunal de Justiça como na do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que em caso de colisão ou concorrência de direitos, compete aos órgãos jurisdicionais a tarefa fundamental de proceder a um minucioso exercício de ponderação dos interesses concorrentes em causa ( 46 ). A mesma abordagem tem de ser necessariamente utilizada para dirimir o litígio no processo principal, em que não existe qualquer conflito direto entre um particular e o Estado sobre a proteção dos direitos fundamentais, mas em que o Estado é o garante de direitos concorrentes ( 47 ).

56.

Portanto, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 pode ser visto como a expressão legislativa na União do direito da demandada à autonomia e à autodeterminação, protegido pelos artigos 9.o e 11.o da CEDH, sendo a frase «no âmbito da ética da organização» o elemento central do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 que importa interpretar à luz da jurisprudência pertinente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2000/78 traduzem a expressão legislativa do direito da demandante de não ser alvo de discriminação com base na religião ou nas convicções, tal como protegido pelos artigos 9.o e 14.o da CEDH, sublinhando o artigo 2.o, n.o 5, dessa diretiva (que exorta os Estados‑Membros a manterem em vigor as medidas necessárias, nomeadamente, para a «proteção dos direitos e liberdades de terceiros») a ponderação que deve ser efetuada pelos órgãos jurisdicionais quando confrontados com direitos concorrentes ( 48 ).

57.

Em quarto lugar, há outro elemento do artigo 52.o, n.o 3, da Carta que, conjugado com o texto do artigo 53.o desta, é uma peça essencial da abordagem a utilizar na resposta às questões suscitadas no processo principal. O artigo 52.o, n.o 3, estabelece ainda que esta disposição «não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla», enquanto o artigo 53.o, com a epígrafe «Nível de proteção», dispõe, entre outras coisas, que nenhuma disposição da Carta «deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União […], bem como pelas Constituições dos Estados‑Membros» ( 49 ).

58.

No que respeita à «proteção mais ampla» que a União pode conferir nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, conforme demonstrarei na secção V(C) infra na resposta à questão 1, importa considerar devidamente se o artigo 17.o TFUE e o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 constituem ou não casos em que a União decidiu conferir uma «proteção mais ampla» do que aquela que é garantida pela CEDH, relativamente ao alcance e à intensidade da fiscalização jurisdicional das decisões em que organizações religiosas como a demandada pretendem exercer o seu direito à autonomia e à autodeterminação, enquanto a questão 3 exige que sejam enunciados os fatores a aplicar por um órgão jurisdicional quando pondera o direito de não ser discriminado com base na religião ou nas convicções, protegido pelos artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2000/78 ( 50 ), por um lado, e o direito à autodeterminação e autonomia das organizações religiosas, reconhecido no artigo 4.o, n.o 2, da mesma diretiva, por outro.

59.

Relativamente ao artigo 53.o da Carta, o Tribunal de Justiça concluiu no Acórdão Melloni que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que a aplicação dos padrões de proteção dos direitos fundamentais que decorrem da ordem constitucional de um Estado‑Membro é excluída nos casos em que compromete «o primado, a unidade e a efetividade do direito da União» no território desse Estado ( 51 ).

60.

No entanto, é isso que a demandada pede ao órgão jurisdicional de reenvio, pelo que o comprometimento do impacto da proibição de discriminação em razão das convicções, garantida pelos artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2000/78, bem como pelas regras relativas às vias de recurso que são objeto de ampla e inequívoca formulação nessa diretiva ( 52 ), pareceria necessariamente resultar das limitações impostas pelo direito constitucional alemão, tal como descrito no despacho de reenvio, à intensidade da fiscalização jurisdicional das justificações apresentadas por organizações como a demandada para a desigualdade de tratamento com base na religião ou em crenças no âmbito das relações laborais. Por conseguinte, cumpre decidir se os efeitos conjugados do artigo 17.o TFUE e do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 permitem considerar que este regime é compatível com o direito da União.

3.   Fiscalização jurisdicional das relações laborais e das organizações religiosas na Alemanha

61.

Por último, é importante salientar que foram apresentadas ao Tribunal de Justiça descrições contraditórias sobre o teor da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional alemão) e sobre o alcance das restrições que impõe à fiscalização jurisdicional das organizações religiosas empregadoras, com vista a proteger o direito destas organizações à autodeterminação ao abrigo do artigo 137.o da WRV, em especial o primeiro período do artigo 137.o n.o 3.

62.

Segundo o despacho de reenvio, no contexto de um pedido de indemnização fundado em discriminação num processo de seleção ou de candidatura, o controlo de plausibilidade significa que o critério definido pela igreja não é examinado, mas simplesmente aplicado, na medida em que a entidade patronal eclesiástica tenha alegado de modo plausível que o requisito de emprego de pertença a uma determinada religião é a expressão do ideário da igreja definido em função da fé.

63.

Porém, na audiência, o representante da Alemanha frisou que o Bundesverfassungsgericht não tinha dispensado as igrejas empregadoras de qualquer tipo de fiscalização jurisdicional e contestou, neste aspeto, a análise compreendida no despacho de reenvio ( 53 ). O representante da Alemanha referiu que, na realidade, o Tribunal Constitucional tinha desenvolvido um sistema de fiscalização em duas fases para litígios como o do processo principal ( 54 ).

64.

O representante da Alemanha referiu que o ponto de partida é o de que as igrejas empregadoras podem decidir por si mesmas quais as atividades que requerem a pertença à religião em causa para efeitos de recrutamento, e que o controlo da plausibilidade é efetuado na primeira fase da fiscalização. Nesta fase, os tribunais do trabalho alemães podem avaliar a classificação efetuada pela igreja empregadora, salvo no caso de matérias doutrinais, como a interpretação dos livros sagrados. Depois, na segunda fase, os tribunais do trabalho podem proceder a uma avaliação global em que ponderam os interesses da igreja e a sua liberdade de religião, por um lado, e quaisquer direitos fundamentais concorrentes, por outro ( 55 ).

65.

Não incumbe ao Tribunal de Justiça interpretar as disposições pertinentes do direito dos Estados‑Membros no contexto dos pedidos de decisão prejudicial ( 56 ). O Tribunal de Justiça está condicionado, pela repartição das competências entre os tribunais da União e nacionais, a ter em conta o contexto factual e regulamentar no qual se insere a questão prejudicial, tal como definida pela decisão de reenvio ( 57 ). Uma vez interpretados pelo Tribunal de Justiça os artigos 17.o TFUE e 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, conforme pedido nas questões 1 e 3, caberá ao órgão jurisdicional nacional determinar se o artigo 137.o da WRV e o § 9, n.o 1, da AGG podem ser interpretados em conformidade com o direito da União e, em caso negativo, aplicar a resposta do Tribunal de Justiça à questão 2.

C. Questão 1

66.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 pode ser interpretado no sentido de que um empregador como a demandada no processo principal, ou a igreja por ela, pode determinar ela própria, de modo vinculativo, se a pertença de um candidato a uma determinada religião, atenta a natureza da atividade ou o contexto da sua execução, constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado tendo em conta a ética da demandada.

67.

Começarei por analisar a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que é pertinente para a matéria das limitações à fiscalização jurisdicional nos casos de concurso entre o direito das organizações religiosas à autonomia, tal como protegido pelos artigos 9.o e 11.o da CEDH, e qualquer outro direito igualmente protegido pela CEDH, como o direito à privacidade consagrado no artigo 8.o Seguidamente, analisarei o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, para determinar se proporciona uma proteção mais ampla do direito das organizações religiosas à autonomia e à autodeterminação, na aceção do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, no que respeita ao alcance e à intensidade da fiscalização jurisdicional dessas organizações quando invocam esse direito nas relações laborais. Em terceiro lugar, e para o mesmo fim, analisarei o artigo 17.o TFUE.

1.   Restrições à fiscalização jurisdicional das organizações religiosas empregadoras na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

68.

Em meu entender, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não corrobora uma restrição da fiscalização jurisdicional com a amplitude descrita na primeira questão.

69.

Nas decisões em que a fiscalização jurisdicional da alegada violação de um direito protegido pela CEDH foi limitada nos termos da legislação de uma das partes contratantes por razões relacionadas com a autonomia das organizações religiosas, seja uma disposição constitucional ou outra, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já confirmou que os parâmetros de fiscalização jurisdicional estabelecidos por um Estado contratante devem, ainda assim, ser suficientes para determinar se outros direitos protegidos pela CEDH foram respeitados. O exercício de ponderação que deve ser efetuado a este propósito não depende de o litígio respeitar ao recrutamento ou ao despedimento, distinção que também não é feita no artigo 3.o da Diretiva 2000/78, que delimita o âmbito de aplicação da diretiva.

70.

Por exemplo, Fernández Martínez c. Espanha ( 58 ) respeitava à defesa do direito à vida privada e familiar, consagrado no artigo 8.o da CEDH, por um professor da disciplina de religião católica no ensino secundário, que há sete anos era trabalhador assalariado de uma entidade pública espanhola e cujo contrato não foi renovado quando foi tornada pública a sua condição pessoal de sacerdote casado. Num processo em que estava em causa a abordagem do Tribunal Constitucional espanhol à fiscalização jurisdicional no âmbito do direito fundamental à liberdade de religião da Igreja Católica na sua dimensão coletiva ou comunitária, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem concluiu o seguinte, num parágrafo intitulado «Limites à autonomia [das organizações religiosas]»:

«A mera alegação por uma comunidade religiosa de que existe uma ameaça efetiva ou potencial à sua autonomia não é suficiente para que se considere que uma ingerência nos direitos dos seus membros ao respeito da vida privada ou familiar é compatível com o artigo 8.o da convenção. Além disso, a comunidade religiosa em causa deve ainda demonstrar, à luz das circunstâncias do caso concreto, a probabilidade e a gravidade do risco alegado e ainda que a impugnada ingerência no direito ao respeito da vida privada não excede o necessário para eliminar esse risco nem serve qualquer outro fim alheio ao exercício da autonomia da comunidade religiosa. Tão‑pouco deve afetar a própria substância do direito à vida privada e familiar. Os órgãos jurisdicionais nacionais têm de assegurar que estas condições sejam satisfeitas, através de um exame aprofundado das circunstâncias do caso e de um minucioso exercício de ponderação dos interesses em causa» ( 59 ).

71.

Por conseguinte, partilho o entendimento de que, caso uma comunidade ou organização religiosa não demonstre de forma convincente que a ingerência do Estado (que, no processo principal, revestiria a forma da aplicação jurisdicional da legislação da União em matéria de igualdade de tratamento) representa uma verdadeira ameaça para a sua autonomia, essa organização não pode exigir que o Estado se abstenha de regular, através da sua lei nacional, as suas atividades relevantes da organização. Neste aspeto, as comunidades religiosas não podem eximir‑se à jurisdição do Estado ( 60 ).

72.

Com efeito, no Acórdão Schüth c. Alemanha ( 61 ), em que tanto o § 9, n.o 1, da AGG como o artigo 137.o da WRV eram pertinentes para o litígio em apreço, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem concluiu que a Alemanha não tinha cumprido as suas obrigações positivas em matéria do direito a uma vida privada e familiar consagrado no artigo 8.o da CEDH relativamente a um organista e diretor de coro da igreja paroquial católica de Saint Lambertus, em Essen, que foi demitido por ter tido uma relação extramatrimonial da qual resultou um filho. Concluiu‑se que a Alemanha tinha violado o artigo 8.o da CEDH em virtude da qualidade da fiscalização jurisdicional efetuada pelo Tribunal de Trabalho nacional.

73.

No Acórdão Schüth, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que a fundamentação do tribunal nacional de recurso para questões de trabalho no tocante às conclusões a extrair da conduta do requerente era muito sucinta ( 62 ) e que não tinha sido efetuada uma ponderação entre os interesses da igreja empregadora e o direito do requerente ao respeito pela sua vida privada e familiar garantido pelo artigo 8.o da CEDH ( 63 ).

74.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem referiu que o tribunal de recurso para questões de trabalho não tinha examinado a questão da proximidade entre a atividade do requerente e a missão de evangelização da igreja, tendo aparentemente reproduzido a posição da igreja empregadora nesta matéria, sem qualquer outra análise. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem concluiu que, não obstante ser verdade que, nos termos da CEDH, um empregador cuja ética seja baseada na religião ou numa crença filosófica pode impor determinados deveres de lealdade aos seus trabalhadores, a decisão de despedimento fundada na violação de tais deveres não pode ser sujeita, em nome do direito do empregador à autonomia, apenas a uma fiscalização jurisdicional limitada, exercida pelo Tribunal de Trabalho competente na ordem interna, sem ter em conta a natureza do posto de trabalho em causa e sem uma adequada ponderação dos interesses em presença, em conformidade com o princípio da proporcionalidade ( 64 ).

75.

Consequentemente, o artigo 8.o da CEDH tinha sido violado, em virtude do incumprimento pela Alemanha da sua obrigação positiva acima referida.

2.   Artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78

(a)   Observações introdutórias

76.

A este propósito, gostaria de fazer duas observações prévias.

77.

Primeiro, a situação no processo principal diz respeito a discriminação direta em razão das crenças da demandante, ou do facto de esta não professar uma religião. Existe discriminação direta sempre que, devido às suas convicções, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável ( 65 ). Portanto, existe discriminação direta quando uma medida alegadamente discriminatória está «indissociavelmente relacionada com o motivo para a diferença de tratamento em questão» ( 66 ).

78.

Por conseguinte, ao contrário de processos recentes em que foi pedido ao Tribunal de Justiça para avaliar uma relação de concorrência horizontal entre a liberdade de religião, no contexto da discriminação indireta, e outro direito fundamental, a saber, a liberdade de empresa ( 67 ), a demandada não pode invocar o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), ponto i), da Diretiva 2000/78 como justificação da desigualdade de tratamento. Esta disposição estabelece que se considera que não existe discriminação indireta se a disposição, critério ou prática relevante for objetivamente justificado por um objetivo legítimo e se os meios utilizados para o alcançar forem adequados e necessários. Uma vez que no processo principal está em causa a discriminação direta, as únicas justificações que a demandante pode invocar são as previstas na Diretiva 2000/78 ( 68 ). As justificações pertinentes para o processo principal são as dos artigos 4.o, n.o 2, e 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78 ( 69 ), tal como interpretados à luz do direito primário da União, particularmente o artigo 17.o TFUE e o artigo 47.o da Carta ( 70 ).

79.

Em segundo lugar, embora admitindo que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, tal como os artigos 4.o, n.o 1, e 2.o, n.o 5, da mesma diretiva, constitui uma derrogação ao princípio da não discriminação que deve ser objeto de interpretação estrita ( 71 ), a jurisprudência do Tribunal de Justiça acerca da interpretação do texto do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 não pode ser aplicada à interpretação do texto do artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva. Esta última disposição é uma regra especial que foi adotada para regular o caso específico das circunstâncias em que as organizações religiosas abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o da Diretiva 2000/78 podem legalmente aplicar uma desigualdade de tratamento. Daí resultou a adoção de uma disposição que guarda poucas semelhanças com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 e, consequentemente, uma jurisprudência que não se presta a orientar a interpretação do texto do artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva.

80.

Por exemplo, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 não faz referência a «características» relacionadas com as convicções religiosas, ao passo que a ênfase nas «características» tem revestido uma importância fundamental para a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 ( 72 ). O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 refere os requisitos «essencia[is] e determinante[s]» para o exercício de uma atividade profissional e sujeita expressamente a limitação da diferença de tratamento com os fundamentos enumerados no artigo 1.o da Diretiva 2000/78 à legitimidade dos objetivos e à proporcionalidade dos requisitos. O artigo 4.o, n.o 2, porém, menciona o «requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização» sem fazer qualquer referência direta ao princípio da proporcionalidade [ver, adiante, secção V(D)].

(b)   O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 corrobora as restrições constitucionais impostas pelo Estado‑Membro à fiscalização jurisdicional?

(1) Redação

81.

Reconheço que o artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78 remete para o direito dos Estados‑Membros em dois aspetos ( 73 ). Primeiro, refere‑se à manutenção e à adoção de legislação que retome as práticas nacionais existentes à data de aprovação da Diretiva 2000/78.

82.

Não obstante esta referência englobar tanto o artigo 137.o da WRV como o § 9, n.o 1, da AGG, não posso aceitar que isto signifique que a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht que interpreta estas medidas tenha ficado congelada à data da adoção da Diretiva 2000/78. Tal interpretação seria incompatível com a redação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, que se circunscreve à legislação, e com a obrigação de os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros alterarem, sendo caso disso, a jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva ( 74 ).

83.

Segundo, o artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78 dispõe que a diferença de tratamento prevista nessa disposição deve ser exercida no respeito das disposições e dos princípios constitucionais dos Estados‑Membros (ver também o artigo 52.o, n.o 4, da Carta), no tocante às tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros ( 75 ). Todavia, a redação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 não chega a apoiar a contração do papel dos órgãos jurisdicionais na fiscalização da invocação dessa disposição por uma organização religiosa, especialmente tendo em conta que essa disposição não contém uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros «para determinar o seu sentido e o seu alcance» ( 76 ). Como tal, a limitação prevista no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser objeto de uma interpretação autónoma, que tem de ser conciliada com o contexto dessa disposição e com o objetivo prosseguido pela Diretiva 2000/78 ( 77 ).

(2) Contexto e finalidade

84.

Além disso, o artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78 é revelador da tarefa dos órgãos jurisdicionais de procederem a um exercício de ponderação que deve ser realizado à luz da circunstância de o objetivo dessa diretiva, conforme estabelecido no seu considerando 37, ser a criação, na União, de «um campo de ação no que se refere à igualdade no emprego e na atividade profissional», com o devido respeito pelo «estatuto» das organizações religiosas ao abrigo do direito nacional, conforme desenvolvido no considerando 24 da Diretiva 2000/78 e no artigo 17.o TFUE [ver secção V(C)(3), infra].

(3) Antecedentes

85.

Por último, não identifiquei nos atos preparatórios do artigo 4.o, n.o 2, nada que corrobore a tese de que o direito constitucional dos Estados‑Membros desempenha um papel com o alcance alegado pela demandada. Por exemplo, não existe qualquer proposta concreta nem, muito menos, qualquer acordo no sentido da contração de quaisquer das disposições da Diretiva 2000/78 que visam garantir a rigorosa aplicação judicial da Diretiva 2000/78 ( 78 ), por deferência para com as regras em matéria de fiscalização jurisdicional estabelecidas no direito constitucional nacional ( 79 ). Não existe qualquer indicação de que as importantes regras relativas ao ónus da prova contidas no artigo 10.o da Diretiva 2000/78 não se devam aplicar quando está em causa o artigo 4.o, n.o 2, da mesma diretiva ( 80 ). Não há qualquer sugestão quanto à adoção de regras especiais como as que se aplicam nos termos do artigo 15.o da Diretiva 2000/78 em relação à Irlanda do Norte e à discriminação baseada na religião, ou do artigo 6.o quanto à justificação das diferenças de tratamento com base na idade, ou do artigo 3.o, n.o 4, quanto à exclusão, do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, da discriminação baseada numa deficiência ou na idade no que se refere às forças armadas ( 81 ).

86.

No entanto, reconheço que, no processo de elaboração, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 foi objeto de numerosas alterações ( 82 ), em muito semelhantes à discórdia acerca do artigo 17.o TFUE que se fez sentir durante a convenção que culminou na adoção do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa ( 83 ) [ver também a parte V(C)(3), infra]. Daqui é possível retirar a conclusão de que os Estados‑Membros gozam de uma ampla margem de apreciação ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 no que respeita às atividades profissionais para as quais a religião ou as crenças, em razão da natureza dessas atividades ou do contexto da execução destas ( 84 ), constituem requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados, mas sempre sujeitos à interpretação dessa disposição pelo Tribunal de Justiça. Contudo, nada mais consigo extrair dos atos preparatórios, tendo em conta que estes refletem as difíceis negociações que acabaram por conduzir à adoção de um texto de compromisso, em parte devido à discordância sobre o teor do artigo 4.o, n.o 2 da Diretiva 2000/78 ( 85 ).

87.

Por conseguinte, concluo que o próprio artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 estabelece, no seu primeiro parágrafo, os parâmetros da regra em matéria de fiscalização jurisdicional que deve ser exercida quando é contestada a alegação de uma organização religiosa de que uma desigualdade de tratamento em razão das crenças não constitui uma discriminação ilegal. Ou seja, dada a natureza das atividades em causa ou o contexto da sua execução, a religião ou as crenças de uma pessoa constituem um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização? Identificarei os requisitos desta disposição na minha resposta à questão 3.

3.   Artigo 17.o TFUE

88.

A interpretação de um texto do direito derivado da União deve ser feita, na medida do possível, no sentido da sua conformidade com as disposições dos Tratados e os princípios gerais do direito da União ( 86 ). Portanto, o artigo 17.o, n.os 1 e 2, TFUE é diretamente pertinente para a interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78. No entanto, no meu entender, o impacto do artigo 17.o TFUE no tecido constitucional da União é mais ténue do que alega a demandada.

89.

A arquitetura constitucional mais ampla da União e, em especial, a profundidade do seu compromisso de defesa dos direitos fundamentais obstam a uma interpretação do artigo 17.o, n.o 1, TFUE segundo a qual a União respeita e «não interfere» no «estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros» em todas e quaisquer circunstâncias, e especialmente se o estatuto atribuído a essas organizações ao abrigo da lei do Estado‑Membro não garantir a proteção dos seus direitos fundamentais.

90.

Este entendimento está em conformidade com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça. Para interpretar uma disposição do direito da União, devem ser tidos em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra ( 87 ).

91.

Com efeito, o nível mínimo de proteção garantido pelo artigo 52.o, n.o 3, da Carta por remissão para a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no tocante ao direito das organizações religiosas à autonomia e à autodeterminação tem uma consequência de fundamental importância para a interpretação do artigo 17.o TFUE. Não obstante o artigo 17.o, n.o 1, TFUE estipular que a União «respeita e não interfere no estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros», isso não pode significar que as regras relativas à proteção da autonomia das igrejas e de outras organizações religiosas que foram estabelecidas sob os auspícios dos artigos 9.o e 11.o da CEDH [e que serão analisadas em pormenor na secção V(D), infra] possam simplesmente ser afastadas em caso de diminuição, perante a lei de um Estado‑Membro, do estatuto das igrejas, das associações e comunidades religiosas ou das organizações filosóficas e não confessionais, ainda que a letra do artigo 17.o, n.os 1 e 2, TFUE, lido isoladamente, possa sugerir que seja assim.

92.

Nesse caso, tanto o Tribunal de Justiça como os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro, por força das obrigações que para eles resultam do artigo 47.o da Carta e em virtude do artigo 19.o TUE e do dever que impõe aos Estados‑Membros de estabelecerem «as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União» ( 88 ), estariam obrigados, dentro do âmbito de aplicação do direito da União, a continuar a garantir a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, consagrada no artigo 10.o da Carta, bem como a liberdade de associação, nos termos do artigo 12.o da Carta ( 89 ), em conformidade com os direitos fundamentais garantidos pelo direito da União e com o nível de proteção previsto na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em relação à autonomia das organizações religiosas. Conforme referido nas observações escritas da Comissão, «numa União de direito, cabe aos seus tribunais zelar pelo respeito» do direito da União ( 90 ).

93.

Por outras palavras, seria um erro, em meu entender, interpretar o artigo 17.o, n.os 1 e 2, TFUE como uma espécie de meta princípio de direito constitucional ( 91 ) que vincula a União ao respeito do estatuto das igrejas, associações e comunidades religiosas, e organizações filosóficas e não confessionais ao abrigo da lei do Estado‑Membro, sejam quais forem as circunstâncias. Essa abordagem seria incompatível com outras disposições de direito primário da União, como o mecanismo previsto no artigo 7.o TUE para lidar com «um risco manifesto de violação grave […] por parte de um Estado‑Membro» dos valores, referidos no artigo 2.o TUE, em que a União se funda. Importa igualmente ter em conta o artigo 10.o TFUE e os objetivos da União na definição e execução das suas políticas e ações, e os artigos 22.o e 47.o da Carta, o primeiro defendendo o pluralismo e os segundos refletindo o princípio geral do direito a uma proteção jurisdicional efetiva em caso de violação dos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União. Esta regra foi pela primeira vez incorporada no corpus dos direitos fundamentais da União através de um litígio relativo à violação da legislação da UE sobre a igualdade de tratamento ( 92 ).

94.

Aceito que possa ser alegado que o artigo 5.o TUE e a sua referência à «subsidiariedade» corroboram a existência de uma competência exclusiva dos Estados‑Membros no tocante ao alcance e à intensidade da fiscalização jurisdicional dos atos das organizações religiosas que são discriminatórios em razão da religião e das crenças no âmbito das relações laborais, e que o artigo 4.o, n.o 2, TUE sublinha a obrigação da União Europeia de respeitar a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas suas estruturas políticas e constitucionais fundamentais.

95.

Porém, também concordo que, apesar de o artigo 17.o TFUE completar e concretizar o artigo 4.o, n.o 2, TUE ( 93 ), esta última disposição «não permite, por si só, concluir que certas matérias ou áreas de atividade estariam totalmente excluídas do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78. Pelo contrário, a aplicação desta diretiva não deve prejudicar a identidade nacional dos Estados‑Membros. Portanto, a identidade nacional não limita o âmbito de aplicação da diretiva enquanto tal, devendo antes ser tida devidamente em consideração na interpretação do princípio da igualdade de tratamento que a mesma prevê e dos motivos que justifiquem eventuais diferenças de tratamento» ( 94 ). A proteção inerente ao artigo 4.o, n.o 2, TUE abrange matérias como a divisão de competências entre os órgãos de governo dos Estados‑Membros, como os Länder ( 95 ).

96.

Por conseguinte, a formulação das disposições de direito primário contidas nos Tratados não é suficientemente imperativa para pôr de lado o exercício de ponderação efetuado tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como pelo Tribunal de Justiça em caso de concurso de direitos fundamentais ( 96 ), ou para excluir a competência da União relativamente à tutela jurisdicional da proibição da discriminação com base na religião, nos casos em que uma organização religiosa invoca o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 ( 97 ).

97.

Os objetivos do artigo 17.o TFUE, tal como identificados com base na sua génese ( 98 ), tão‑pouco corroboram diretamente esse entendimento. O texto do artigo 17.o TFUE foi discutido na convenção da qual resultou o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa ( 99 ), na qual alegadamente a pressão vigorosa no sentido da inclusão no texto de uma referência à herança religiosa e, em especial, cristã da Europa ( 100 ) foi reprimida com igual vigor por grupos seculares e Estados‑Membros com uma forte separação entre a Igreja e o Estado ( 101 ). A tensão resultante reflete‑se no facto de a referência ao «impulso espiritual», proposta durante a convenção (e, em todo o caso, contestada por alguns grupos religiosos, por não referir expressamente o Cristianismo), não ter sido incluída na versão final do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa ( 102 ). Finalmente, o texto da Declaração n.o 11 que tinha sido anexada ao Tratado de Amesterdão ( 103 ) (a mesma revisão que alargou os poderes da União para combater a descriminação com base, designadamente, na religião e nas convicções) ( 104 ) foi adotado nos n.os 1 e 2 do artigo 17.o TFUE ( 105 ), e o artigo 17.o, n.o 3, TFUE foi aditado para estruturar um diálogo já em curso entre as instituições da União e as comunidades da fé e da religião ( 106 ). Com efeito, o preâmbulo do Tratado UE inspira‑se num conjunto de fontes do «património cultural, religioso e humanista».

98.

É flagrante a inexistência de qualquer indício revelador de que o artigo 17.o TFUE encerre qualquer intenção de prever uma espécie de transferência por atacado, para o direito do Estado‑Membro, da fiscalização jurisdicional da justificação da desigualdade de tratamento em razão da religião ou das convicções, nos casos em que essa desigualdade de tratamento procede de organizações religiosas abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o da Diretiva 2000/78. Pelo contrário, interpreto o artigo 17.o TFUE no sentido da sua maior proximidade ao artigo 5.o, n.o 2, TUE, que, conforme referido nas observações escritas da demandada, destina‑se a colocar o estatuto das igrejas no âmbito da competência exclusiva dos Estados‑Membros.

99.

Por conseguinte, o sentido do artigo 17.o, n.os 1 e 2, TFUE é o de que os Estados‑Membros dispõem de um poder de apreciação absoluto para determinar o modelo que preside às suas relações com as organizações e comunidades religiosas, e de que a União tem a obrigação de se manter numa posição neutra nesta matéria ( 107 ). Portanto, a interpretação do «estatuto» ao abrigo do direito nacional, nos termos do artigo 17.o TFUE, é coerente com o âmbito de aplicação da obrigação de direito da União contida no artigo 4.o, n.o 2, TUE, de respeito pelas estruturas políticas e constitucionais fundamentais dos Estados‑Membros ( 108 ).

100.

Em conclusão, o artigo 17.o TFUE demonstra que os imperativos constitucionais da União refletem aquilo que um académico designou por «pluralismo axiológico». Nestes termos, os conflitos entre direitos concorrentes (ou as abordagens a esses conflitos) são considerados normais e são dirimidos através da ponderação dos elementos conflituosos, e não através da atribuição de prioridade a uns sobre outros, de forma hierárquica ( 109 ). Isto está refletido no artigo 2.o, TUE, no artigo 22.o da Carta, e no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

4.   Conclusão relativa à questão 1

101.

Por conseguinte, proponho a seguinte resposta à questão 1:

O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma entidade patronal como a demandada no presente processo, ou Igreja em nome da demandada, não pode determinar ela própria, de modo vinculativo, se uma determinada religião de um candidato, atenta a natureza da atividade ou o contexto da sua execução, constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado tendo em conta a ética da entidade patronal/igreja.

D. Questão 3

102.

Nem todos os atos estão protegidos pela ordem jurídica, pelo simples facto de terem sido realizados invocando uma qualquer crença religiosa ( 110 ). Com a questão 3, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta quais são os requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados no âmbito da ética da organização, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

103.

Conforme decorre da análise precedente relativa à resposta à questão 1, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 estabelece o equilíbrio entre, por um lado, o direito das organizações religiosas à autonomia e à autodeterminação (forum externum) e, por outro, o direito dos trabalhadores e potenciais trabalhadores ao forum internum da liberdade de crença se a não serem objeto de discriminação em razão dessas convicções.

104.

Além de estabelecer os alicerces para a resposta à questão 1, esta análise identificou os seguintes fatores (ou requisitos, como são designados na questão 3) que são pertinentes para determinar se os requisitos profissionais relativos à religião ou às crenças, dada a natureza da atividade e o contexto da respetiva execução, são essenciais, legítimos e justificados tendo em conta a ética da organização:

(i)

o direito das organizações religiosas à autonomia e à autodeterminação é um direito fundamental reconhecido e protegido pelo direito da União, tal como refletido nos artigos 10.o e 12.o da Carta. O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 e, em especial, a sua referência à «ética» das organizações religiosas, deve ser interpretado em conformidade com este direito fundamental;

(ii)

o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 atribui aos Estados‑Membros uma margem de apreciação ampla mas não ilimitada no que respeita às atividades profissionais para as quais a religião ou as crenças constituem requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados devido à natureza dessas atividades ou ao contexto da execução destas ( 111 );

(iii)

a referência a «disposições e […] princípios constitucionais dos Estados‑Membros» no primeiro parágrafo do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, quando interpretado à luz do artigo 17.o, n.o 1, TFUE, significa que esta diretiva deve ser aplicada de forma a que o modelo selecionado por cada Estado‑Membro para reger as relações entre as igrejas e organizações ou comunidades religiosas e o Estado seja respeitado e não posto em causa ( 112 ).

105.

Uma vez que os artigos 10.o e 12.o da Carta «correspondem» aos artigos 9.o e 11.o da CEDH, o direito das organizações religiosas à autodeterminação e à autonomia, na aceção do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, abrange, pelo menos, a seguinte proteção ao abrigo do direito da União.

106.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já declarou que, salvo casos muito excecionais, o direito à liberdade de religião garantido na CEDH exclui qualquer margem de apreciação do Estado para determinar se as crenças religiosas ou os meios utilizados para expressar essas crenças forem legítimos ( 113 ). O direito de uma comunidade religiosa a uma existência autónoma está no cerne das garantias do artigo 9.o da CEDH, que é igualmente indispensável numa sociedade democrática pluralista ( 114 ). A ingerência do Estado na organização interna das igrejas é proibida pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ( 115 ) e a determinação da filiação religiosa de uma comunidade religiosa é uma tarefa que compete exclusivamente às suas mais altas instâncias espirituais e não ao Estado ( 116 ). Se a organização da vida da comunidade não fosse protegida pelo artigo 9.o, todos os restantes aspetos da liberdade de religião dos particulares se tornariam vulneráveis ( 117 ).

107.

O Estado não pode obrigar uma comunidade religiosa a admitir novos membros ou a excluir membros já existentes ( 118 ). Tão‑pouco pode obrigar uma comunidade religiosa a confiar a alguém a realização de uma tarefa específica de caráter religioso ( 119 ). O respeito pela autonomia das comunidades religiosas reconhecido pelo Estado implica, em especial, que o Estado deve aceitar o direito dessas comunidades a reagir, em conformidade com as suas próprias regras e interesses, a quaisquer movimentos dissidentes no seu seio que sejam suscetíveis de ameaçar a sua coesão, imagem ou unidade ( 120 ). Só os motivos mais graves e imperiosos podem eventualmente justificar a intervenção do Estado ( 121 ), que tem o direito de verificar, por exemplo, se um movimento ou associação prossegue, ostensivamente para fins religiosos, atividades que são prejudiciais para a população ou para a segurança pública ( 122 ). Geralmente, a proteção conferida pelo artigo 9.o da CEDH depende apenas da adesão dos membros da organização religiosa a pontos de vista que encerrem um determinado nível de coerência, seriedade, coesão e relevância ( 123 ).

108.

Quando está em causa a organização da comunidade religiosa, o artigo 9.o deve ser interpretado à luz do artigo 11.o, que protege as associações da ingerência injustificada do Estado ( 124 ). Neste sentido, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já declarou reiteradamente que a liberdade de religião acarreta a liberdade de cada um manifestar a sua religião «no círculo daqueles que comungam da mesma fé» ( 125 ).

109.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem salientado com frequência o papel do Estado como organizador neutro e imparcial da profissão das várias religiões, sustentando que esse papel promove a ordem pública, a harmonia religiosa e a tolerância numa sociedade democrática ( 126 ). As tentativas do Estado de atuar como árbitro entre as comunidades religiosas e as várias fações dissidentes que existam ou surjam no seio dessas comunidades pode pôr em risco a autonomia das igrejas em causa ( 127 ). A ingerência estatal arbitrária numa disputa interna pela liderança de uma igreja e, consequentemente, na organização interna dessa igreja já foi considerada desproporcionada e contrária ao artigo 9.o da CEDH ( 128 ).

110.

Dito isto, discordo das alegações da demandada no sentido de que a proibição de as autoridades estatais fiscalizarem a legitimidade das crenças religiosas ou interferirem na organização interna dos órgãos religiosos significa necessariamente que estes últimos são também as únicas entidades, com exceção dos órgãos jurisdicionais, que podem decidir se um requisito profissional é essencial, legítimo e justificado, tendo em conta a natureza das atividades e o contexto da sua execução, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78. Pelo contrário, aceito os argumentos contidos nas observações escritas da Irlanda e aduzidos pela Comissão na audiência, no sentido de que a ética de uma organização religiosa é subjetiva e totalmente independente e distinta das atividades inerentes à sua continuidade, que constituem uma matéria objetiva que deve ser objeto de controlo jurisdicional. Por outras palavras, a demandada misturou dois conceitos diferentes. Apesar de a fiscalização jurisdicional da ética da igreja dever ser limitada, conforme demonstram a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e, diga‑se, as tradições constitucionais dos Estados‑Membros ( 129 ), isso não significa que um tribunal de um Estado‑Membro esteja dispensado de apreciar as atividades em questão, tendo em conta a ética (cuja fiscalização é quase impossível) de uma organização religiosa, para determinar se a desigualdade de tratamento em razão das crenças é essencial, legítima e justificada.

111.

Três outros fatores devem ser tidos em conta quando o órgão jurisdicional de reenvio decide se a adesão à fé cristã constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado de um emprego que implica a elaboração de um relatório sobre a discriminação racial e que inclui a representação pública e profissional da demandada e a coordenação do processo de formação da opinião no seio daquela organização ( 130 ):

(iv)

o termo «justificado» utilizado no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 exige que se analise se as exigências profissionais que implicam uma discriminação direta em razão da religião ou das crenças são adequadas à proteção do direito da demandada à autonomia e à autodeterminação, no sentido de que são adequados para alcançar esse objetivo;

(v)

os termos «essenciais, legítimos» impõem a análise da proximidade das atividades em causa à missão evangélica da demandada ( 131 );

(vi)

Em conformidade com o requisito, previsto no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, de que a diferença de tratamento seja se processe de acordo com os «princípios gerais do direito» e com a abordagem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem à interpretação do artigo 9.o, n.o 2, da CEDH para determinar se o exercício do direito de uma organização religiosa à autodeterminação e à autonomia produz efeitos desproporcionados em relação a outros direitos protegidos pela CEDH ( 132 ), o impacto, em termos de proporcionalidade, no objetivo legítimo de preservar o efeito útil da proibição, nos termos da Diretiva 2000/78, da discriminação baseada na religião ou nas crenças deve ser ponderado com o direito da demandada à autonomia e à autodeterminação ( 133 ), tendo devidamente em conta que o artigo 3.o dessa diretiva não estabelece qualquer distinção entre o recrutamento e o despedimento ( 134 ).

112.

Os pontos (iv) e (v) merecem ser desenvolvidos.

113.

As regras relativas à interpretação das medidas da União foram explicadas pormenorizadamente nos n.os 81 a 85 supra. Quanto ao ponto v), no meu entender é determinante que os atos preparatórios compreendam uma alteração, proposta pela delegação do Luxemburgo, do termo «necessário» para o termo «justificado», à luz da proposta do Reino Unido de substituição do termo «necessário» pelos termos «adequado» ou «pertinente» ( 135 ). Na minha perspetiva, isto representa uma evolução no sentido da aceitação, pelo legislador da União, através do emprego da palavra «justificado», da aplicação do primeiro ramo do princípio geral da proporcionalidade, o que implica a consideração da adequação da medida em causa à prossecução de um objetivo legítimo ( 136 ).

114.

Quanto ao ponto (v), cheguei a esta conclusão por referência ao contexto do termo «essencial, legítimo», dada a sua ligação tanto à «ética da organização» como à «natureza» das atividades relevantes ou ao «contexto da sua execução». Além disso, existe uma discrepância entre as versões linguísticas. O termo «genuíno» está refletido nas versões linguísticas sueca («verkligt»), maltesa («ġenwin»), letã («īstu»), finlandesa («todellinen»), dinamarquesa («regulært»), croata («stvarni») e húngara («valódi»), ao passo que a versão francesa faz referência a «essentielle, légitime», terminologia que também está refletida nas versões linguísticas espanhola («esencial»), italiana («essenziale»), portuguesa («essencial»), romena («esențială»), neerlandesa («wezenlijke»), alemã («wesentliche»), estónia («oluline»), búlgara («основно»), eslovaca («základnú»), checa («podstatný»), polaca («podstawowy»), eslovena («bistveno») e grega («ουσιώδης»). Por seu turno, pode dizer‑se que a versão lituana emprega um termo equivalente a «comum», «usual» ou «habitual» («įprastas»).

115.

De acordo com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, em caso de diferenças entre as versões linguísticas sejam diferentes, a disposição em causa deve ser interpretada em função do contexto e da finalidade da regulamentação da qual constitui um elemento ( 137 ). Uma vez que o termo «essencial, legítimo», dadas as discrepâncias linguísticas, não «[pode] ser interpretado de forma clara e uniforme ( 138 ), concluo que, de acordo com uma abordagem sistemática e com o objetivo inerente ao artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 de preservação da autonomia e da autodeterminação das organizações religiosas ( 139 ), a proximidade entre as atividades profissionais em causa e a missão de evangelização das organizações religiosas é crucial para essa determinação. Isto está refletido no direito da União através do emprego dos termos «essencial, legítimo» no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

116.

Por conseguinte, proponho a seguinte resposta à questão 3:

«Nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, ao apreciar os requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados, dada a natureza das atividades ou o contexto da execução destas, atendendo à ética da organização, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta o seguinte:

(i)

o direito das organizações religiosas à autonomia e à autodeterminação é um direito fundamental reconhecido e protegido pelo direito da União, tal como refletido nos artigos 10.o e 12.o da Carta. O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 e, em especial, a referência desta à «ética» das organizações religiosas, deve ser interpretado em conformidade com este direito fundamental;

(ii)

o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 atribui aos Estados‑Membros uma margem de apreciação ampla mas não ilimitada no que respeita às atividades profissionais para as quais a religião ou as crenças constituem requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados devido à natureza dessas atividades ou ao contexto da execução destas;

(iii)

a referência às «disposições e […] princípios constitucionais dos Estados‑Membros» no primeiro parágrafo do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, quando interpretado à luz do artigo 17.o, n.o 1, TFUE, significa que esta diretiva deve ser aplicada de forma a que o modelo selecionado por cada Estado‑Membro para reger as relações entre as igrejas e organizações ou comunidades religiosas e o Estado seja respeitado e não comprometido;

(iv)

o termo «justificado» utilizado no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 exige que se analise se as exigências profissionais que implicam uma discriminação direta em razão da religião ou das crenças são adequadas à proteção do direito da demandada à autonomia e à autodeterminação, no sentido de que são adequados para alcançar esse objetivo;

(v)

os termos «essenciais, legítimos» impõem a análise da proximidade das atividades em causa à missão evangélica da demandada;

(vi)

Em conformidade com o requisito, no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, de que a diferença de tratamento seja exercida de acordo com os «princípios gerais do direito» e com a abordagem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem à interpretação do artigo 9.o, n.o 2, da CEDH para determinar se o exercício do direito de uma organização religiosa à autodeterminação e à autonomia produz efeitos desproporcionados em relação a outros direitos protegidos pela CEDH, o impacto, em termos de proporcionalidade, no objetivo legítimo de assegurar o efeito útil da proibição, nos termos da Diretiva 2000/78, da discriminação baseada na religião ou nas crenças deve ser ponderado com o direito da demandada à autonomia e à autodeterminação, tendo devidamente em conta que o artigo 3.o dessa diretiva não estabelece qualquer distinção entre o recrutamento e o despedimento.

E. Questão 2

117.

A questão 2 aborda a circunstância excecional em que um princípio geral de direito da União, como o direito à igualdade de tratamento em razão das crenças ( 140 ), é concretizado numa diretiva (no caso vertente, a Diretiva 2000/78), mas o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro não pode interpretar a lei nacional em conformidade com a diretiva porque isso acarretaria uma interpretação da lei nacional contra legem, que é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça em litígios de natureza horizontal entre dois particulares ( 141 ). Caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua que não é possível interpretar no processo principal o artigo 137.o, n.o 3, da WRV e o § 9, n.o 1, da AGG em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 e com o artigo 17.o TFUE, tal como interpretados pela jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, deve a aplicação do artigo 137.o, n.o 3, da WRV e do § 9, n.o 1, da AGG ser afastada?

118.

Ao aplicarem o direito nacional, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a interpretá‑lo são obrigados a tomar em consideração o conjunto das regras desse direito e a aplicar os métodos de interpretação reconhecidos por este, de modo a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para alcançar o resultado por ela prosseguido e dar, assim, cumprimento ao artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE ( 142 ). Conforme já referi, isto inclui a obrigação de alterar a sua jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva ( 143 ).

119.

Todavia, cheguei à conclusão de que a proibição da discriminação baseada na religião ou nas convicções, tal como refletida no artigo 21.o da Carta, não constitui um direito subjetivo de aplicação horizontal entre particulares em circunstâncias nas quais se encontre em concorrência com o direito das organizações religiosas à autonomia e à autodeterminação e as disposições legais do Estado‑Membro não podem ser interpretadas em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 ( 144 ). Se for este o resultado quando o processo principal for devolvido ao órgão jurisdicional de reenvio, a via de recurso à disposição da demandante ao abrigo do direito da União será a instauração de uma ação de responsabilidade civil contra a Alemanha ( 145 ).

120.

Chego a esta conclusão pelas seguintes razões.

121.

Em primeiro lugar, conforme discutido acima, por força do artigo 17.o, n.os 1 e 2, TFUE, compete exclusivamente aos Estados‑Membros determinar o modelo que pretendem aplicar às relações entre a Igreja e o Estado. Se, nesse âmbito, as modalidades legislativas não respeitarem as obrigações paralelas do Estado‑Membro por força do direito da União quanto à necessidade de preservar o efeito útil da Diretiva 2000/78, caberá a esse Estado‑Membro assumir a responsabilidade pelos danos verificados.

122.

Em segundo lugar, conforme salientado nas observações escritas da Irlanda, não seria conforme com a margem ampla de apreciação dos Estados‑Membros que é inerente ao artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 relativamente à determinação do que constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado, em virtude da natureza das atividade ou do contexto da sua execução, que a proibição da discriminação baseada na religião tivesse efeito direto horizontal.

123.

Em terceiro lugar, conforme também referido nas observações escritas da Irlanda, ao contrário de outros fundamentos de discriminação enumerados no artigo 19.o TFUE, não existe suficiente consenso entre as tradições constitucionais nacionais quanto às circunstâncias em que as diferenças de tratamento em razão da religião podem ser consideradas essenciais, legítimas e justificadas. Com efeito, a própria adoção do artigo 17.o TFUE e do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 assim o demonstra.

124.

Por conseguinte, proponho a seguinte resposta à questão 2:

Nas circunstâncias do processo principal, não é necessário afastar a aplicação de uma disposição do direito nacional, como, no caso presente, o § 9, n.o 1, primeira alternativa, da AGG, segundo a qual uma diferença de tratamento baseada na religião no contexto de emprego em organismos religiosos e nas organizações nestes filiadas é igualmente legal quando a adesão a uma religião específica, em conformidade com a própria conceção do organismo religioso, tendo em conta o seu direito de autodeterminação, constitui uma exigência profissional justificada se for impossível interpretar aquela disposição em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

F. Observações finais

125.

O § 9 da AGG é uma disposição problemática que tem suscitado críticas junto da Comissão das Nações Unidas relevante quanto à sua conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial ( 146 ). Esta disposição foi, em tempos, objeto de uma ação por incumprimento instaurada pela Comissão contra a Alemanha ( 147 ) e já foi questionada por um organismo estatal alemão responsável pela fiscalização do cumprimento da legislação contra a discriminação nesse Estado‑Membro ( 148 ).

126.

Resulta do facto de as organizações religiosas na Alemanha empregarem entre 1,2 e 1,4 milhões de pessoas ( 149 ) que existe um considerável envolvimento das igrejas e suas associadas na esfera pública nesse Estado‑Membro ( 150 ). Todavia, entendo que as tensões criadas por esta situação, conforme o processo principal exemplifica, foram tidas em conta com a adoção do artigo 17.o TFUE, do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, e do reconhecimento do direito das organizações religiosas à autonomia e à autodeterminação como um direito fundamental protegido pelo direito da União, através dos efeitos combinados dos artigos 10.o, 12.o e 52.o, n.o 3, da Carta.

VI. Respostas às questões prejudiciais

127.

Por conseguinte, proponho as seguintes respostas às questões prejudiciais do Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal de Trabalho, Alemanha):

1)

O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma entidade patronal como a demandada no presente processo, ou Igreja em nome da demandada, não pode determinar ela própria, de modo vinculativo, se uma determinada religião de um candidato, atenta a natureza da atividade ou o contexto da execução desta, constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado tendo em conta a ética da entidade patronal/igreja.

2)

Nas circunstâncias do processo principal, não é necessário afastar a aplicação de uma disposição do direito nacional, como, no caso presente, o § 9, n.o 1, primeira alternativa, da AGG (Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz, Lei geral sobre a igualdade de tratamento), segundo a qual uma diferença de tratamento baseada na religião no contexto de emprego em organismos religiosos e nas organizações nestes filiadas é igualmente legal quando a adesão a uma religião específica, em conformidade com a própria conceção do organismo religioso, tendo em conta o seu direito de autodeterminação, constitui uma exigência profissional justificada se for impossível interpretar aquela disposição em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

3)

Nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, ao apreciar se determinadas atividades estão sujeitas a requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados, dada a natureza dessas atividades ou o contexto da execução destas, atendendo à ética da organização, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta o seguinte:

(i)

o direito das organizações religiosas à autonomia e à autodeterminação constitui um direito fundamental reconhecido e protegido pelo direito da União, tal como refletido nos artigos 10.o e 12.o da Carta. O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 e, em especial, a sua referência à «ética» das organizações religiosas, deve ser interpretado em conformidade com este direito fundamental;

(ii)

o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 atribui aos Estados‑Membros uma margem de apreciação ampla mas não ilimitada no que respeita às atividades em relação às quais são impostos requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados, devido à natureza dessas atividades ou ao contexto da execução destas;

(iii)

a referência a «disposições e […] princípios constitucionais dos Estados‑Membros» no primeiro parágrafo do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, quando interpretado à luz do artigo 17.o, n.o 1, TFUE, significa que esta diretiva deve ser aplicada de forma a que o modelo selecionado por cada Estado‑Membro para reger as relações entre as igrejas e organizações ou comunidades religiosas e o Estado seja respeitado e não posto em causa;

(iv)

o termo «justificado» utilizado no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 exige que se analise se as exigências profissionais que implicam uma discriminação direta em razão da religião ou das crenças são adequadas à proteção do direito da demandada à autonomia e à autodeterminação, no sentido de que são adequados para alcançar esse objetivo;

(v)

os termos «essenciais, legítimos» impõem a análise da proximidade das atividades em causa à missão de evangelização da demandada;

(vi)

Em conformidade com o requisito, no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, de que a diferença de tratamento seja exercida de acordo com os «princípios gerais do direito» e com a abordagem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem à interpretação do artigo 9.o, n.o 2, da CEDH para determinar se o exercício do direito de uma organização religiosa à autodeterminação e à autonomia produz efeitos desproporcionados em relação a outros direitos protegidos pela CEDH, o impacto, em termos de proporcionalidade, no objetivo legítimo de preservar o efeito útil da proibição, nos termos da Diretiva 2000/78, da discriminação baseada na religião ou nas crenças deve ser ponderado com o direito da demandada à autonomia e à autodeterminação, tendo devidamente em conta que o artigo 3.o dessa diretiva não estabelece qualquer distinção entre o recrutamento e o despedimento.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Observações escritas da demandante.

( 3 ) JO 2002, L 303, p. 16. O processo principal respeita às «condições de acesso ao emprego […], incluindo os critérios de seleção e as condições de contratação», nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78.

( 4 ) O Tribunal de Justiça teve ocasião de interpretar o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 nos Acórdãos de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2017:204, de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371; de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573; de 12 de janeiro de 2010, Wolf, C‑229/08, EU:C:2010:3; e de 15 de novembro de 2016, Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873.

( 5 ) Robbers, G., Religion and Law in Germany, segunda edição, Wolters Kluwer, 2013; Zucca, L. e Ungureanu, C., Law, State and Religion in the New Europe, Cambridge University Press, 2012; Doe, N., Law and Religion in Europe: a Comparative Introduction, Oxford University Press, 2011; McCrea, R., Religion and the Public Order of the European Union, Oxford University Press, 2010; Lustean, L. N. e Madeley, J.T.S. (EE.), Religion, Politics and Law in the European Union, Routledge, 2010; de Charentenay, P., «Les relations entre l’Union européenne et les religions», Revue du Marché commun et de l’Union européenne, 465 (2003), p. 904; Massignon, B., «Les relations entre les institutions religieuses et l’Union européenne: un laboratoire de gestion et de la pluralité religieuses et philisophique?»in Armogathe, J.‑R. e Willaime, J.‑P. (EE.), Les mutations contemporaines du religieux, Brepols, 2003, p. 25.

( 6 ) Relatório paralelo ao Relatório 19.o‑22.o apresentado pela República Federal da Alemanha ao Comité da ONU para a eliminação de todas as formas de discriminação racial (2015), p 42. O relatório está disponível em http://www.institut‑fuer‑menschenrechte.de/fileadmin/user_upload/PDF‑Dateien/Pakte_Konventionen/ICERD/icerd_state_report_germany_19‑22_2013_parallel_FMR_Diakonie_2015_en.pdf. Este é o relatório sobre a discriminação racial elaborado pela demandada.

( 7 ) Na Alemanha, o direito à autodeterminação estende‑se tanto às associações religiosas como às suas associadas. n.o 91, BVerfG, 22 de outubro de 2014, 2 BvR 661/12.

( 8 ) V. Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2016:553, n.o 71, citando o n.o 11 das Conclusões do advogado‑geral P. Maduro no processo Coleman, C‑303/06, EU:C:2008:61. também considerando 9 da Diretiva 2000/78.

( 9 ) O § 6, n.o 1, segundo parágrafo, da AGG estabelece, designadamente, que os candidatos a emprego são considerados trabalhadores para efeitos do § 7.

( 10 ) Ainda que a data de publicação da AGG seja de 14 de agosto de 2006 (v. BGB1. I, p. 1897) e a data da entrada em vigor da Diretiva 2000/78 seja 2 de dezembro de 2000, de acordo com a proposta do Governo alemão de promulgação da AGG, esta reflete as práticas nacionais existentes à data da entrada em vigor da Diretiva 2000/78. V. Deutscher Bundestag Drucksache 16/1780, 8 de junho de 2006, p. 35.

( 11 ) V. Acórdãos de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 36 e jurisprudência referida; e de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci, C‑555/07, EU:C:2010:21, n.o 51.

( 12 ) TEDH, 12 de junho de 2014, Fernández Martínez c Espanha, CE:ECHR:2014:0612JUD005603007, § 131; TEDH, 23 de setembro de 2010, Obst c. Alemanha, CE:ECHR:2010:0923JUD000042503, §§ 48 a 51; e TEDH, 23 de setembro de 2010, Schüth c. Alemanha, CE:ECHR:2010:0923JUD000162003, § 69.

( 13 ) TEDH, de 23 de setembro de 2010, Schüth c. Alemanha, CE:ECHR:2010:0923JUD000162003, § 69. V. igualmente, quanto à credibilidade da igreja tanto na opinião pública como entre os próprios clientes das suas instituições, TEDH, 3 de fevereiro de 2011, Siebenhaar c. Alemanha, CE:ECHR:2011:0203JUD001813602, § 46; e, quanto à questão da importância do cargo ocupado, TEDH, 23 de setembro de 2010, Obst c. Alemanha, CE:ECHR:2010:0923JUD000042503, § 51.

( 14 ) TEDH, 20 de outubro de 2009, Lombardi Vallauri c. Itália, CE:ECHR:2009:1020JUD003912805, § 41.

( 15 ) TEDH, 23 de setembro de 2010, Schüth c. Alemanha, CE:ECHR:2010:0923JUD000162003, § 69.

( 16 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 59. V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:564, n.os 157 e 158 (acórdão pendente).

( 17 ) Uma vez que o processo principal respeita às crenças da demandante e não à sua conduta, o requisito de «atitude de boa‑fé e de lealdade perante a ética da organização» (o itálico é meu) estabelecido no segundo período do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 não é pertinente para esse processo.

( 18 ) O artigo 3.o da Diretiva 2000/78 engloba, designadamente, tanto o recrutamento [artigo 3.o, n.o 1, alínea a)] como o despedimento [artigo 3.o, n.o 1, alínea c)].

( 19 ) Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 35. Uma vez que as regras relativas à aplicação das diretivas no Estado‑Membro são irrelevantes quando um direito fundamental que é objeto de aplicação horizontal está refletido num artigo de um Tratado, a situação jurídica é mais evidente. V., por exemplo, Acórdãos de 12 de dezembro de 1974, Walrave e Koch, C‑36/74, EU:C:1974:140; de 15 de junho de 1978, Defrenne, C‑149/77, EU:C:1978:130; e de 6 de junho de 2000, Angonese, C‑281/98, EU:C:2000:296.V., em geral, Tridimas, T., «Horizontal effect of general principles: bold rulings and fine distinctions»in Bernitz, U., Groussot, X., e Schulyok, F. General Principles of EU Law and European Private Law, Wolters Kluwer, 2013, p. 213.

( 20 ) Nada nos autos do processo sugere que a demandada tenha sido encarregada da realização de uma tarefa de serviço público e tenha, para esse efeito, sido dotada de poderes exorbitantes pelo Governo Alemão, ou que a demandada seja uma pessoa jurídica de direito público, caso em que seria «equiparad[a] ao Estado» e estaria sujeita à doutrina do efeito direto no tocante à Diretiva 2000/78. V. Acórdão de 10 de outubro de 2017, Farrell, C‑413/15, EU:C:2017:745, n.o 34.

( 21 ) V., mais recentemente, Acórdão Farrell, ibidem, n.o 31 e jurisprudência referida. V. igualmente, em especial, Acórdãos de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 37; de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale, C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 36; de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci, C‑555/07, EU:C:2010:21, n.o 46; e de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 108.

( 22 ) Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 32 e jurisprudência referida. Conferir Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Farrell, C‑413/15, EU:C:2017:492, n.o 150, em que a advogada‑geral convidou o Tribunal de Justiça a reexaminar e a analisar as justificações apresentadas no Acórdão de 14 de julho de 1994, Faccini Dori, C‑91/92, EU:C:1994:292, para rejeitar o efeito direto horizontal das diretivas.

( 23 ) Para uma discussão aprofundada sobre os limites dos efeitos horizontais das diretivas, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo DI, C‑441/14, EU:C:2015:776.

( 24 ) No n.o 62 das Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2016:553, é sugerido que o princípio da não discriminação em razão da religião, tal como a proibição da discriminação em razão da idade, é um princípio geral de direito que encontra expressão na Diretiva 2000/78. Nas Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo CHEZ Razpredelenie Bulgaria, C‑83/14, EU:C:2015:170, sustenta‑se que o princípio da não discriminação em razão da raça e da origem étnica, que é concretizado na Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO 2000, L 180, p. 22) goza do mesmo estatuto, pelo menos nas relações jurídicas que «[se caracterizam] por um desequilíbrio estrutural entre as partes».

( 25 ) Ver artigo 2.o do Tratado CEE. Esta disposição passou a ser o artigo 2.o CE e deve ser confrontada com a lista de competências que agora consta do artigo 3.o TUE, que «incide sobre objetivos não económicos em muito maior medida do que o Tratado CE». V. Lenaerts, K., e van Nuffel, P. European Union Law, Sweet e Maxwell, 2011, p. 107.

( 26 ) Acórdão de 5 de outubro de 1988, Steymann, 196/87, EU:C:1988:475, n.o 9. V., igualmente, Acórdão de 23 de outubro de 1986, van Roosmalen, 300/84, EU:C:1986:402.

( 27 ) Humbel e Edel, 263/86, EU:C:1988:151 a pp. 5379. A mesma abordagem se aplica à participação em associações desportivas ou estabelecimentos de ensino. V. recentes Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:135, n.o 32 e jurisprudência referida.

( 28 ) Para uma descrição, V., por exemplo, Konstadinides, T., Division of Powers in European Union Law, Wolters Kluwer, 2009, especialmente capítulo 1, e a p. 12. Lenaerts e Nuffel, op. cit., pp. 106 a 111.

( 29 ) Por exemplo, Acórdão de 14 de março de 2000, Église de scientologie, C‑54/99, EU:C:2000:124. Para uma crítica da ausência de discussão sobre a liberdade religiosa neste processo, v. McCrea, op. cit., pp. 188 a 190. V., igualmente, Acórdão de 4 de dezembro de 1974, Van Duyn, 41/74, EU:C:1974:133.

( 30 ) Conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo Society for the Protection of Unborn Children Ireland, C‑159/90, EU:C:1991:249, n.o 26. Por exemplo, Acórdão de 24 de março de 1994, Schindler, C‑275/92, EU:C:1994:119, n.o 60.

( 31 ) Liga van Moskeeën en Islamitische Organisaties Provincie Antwerpen e o., C‑426/16 (pendente).

( 32 ) Acórdãos de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2017:204 e G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203. V. ainda processo IR, C‑68/17 (pendente).

( 33 ) Por exemplo, Acórdão de 27 de outubro de 1976, Prais/Conselho, 130/75, EU:C:1976:142.

( 34 ) Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, e de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 50.

( 35 ) Propugnada no Acórdão de 13 de novembro de 1990, Marleasing, C‑106/89, EU:C:1990:395. V. n.os 42 a 44, supra.

( 36 ) JO 2012 L 26, p. 1.

( 37 ) Neste aspeto, o problema analisado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, é diferente do problema em causa no casotente. Naquele processo, o facto de a organização religiosa requerente exercer «atividades religiosas» foi essencial para determinar se a isenção fiscal que reclamava do Governo espanhol constituía auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça naquele domínio substantivo do direito. V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:135, n.os 36 a 60.

( 38 ) Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 60.

( 39 ) Acórdãos de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2017:204, n.o 29, e G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 27. V., igualmente, anotação ad artigo 10.o da Carta (JO 2007, C 303, p. 17).

( 40 ) Acórdão de 28 de julho de 2016, JZ, C‑294/16 PPU, EU:C:2016:610, n.o 50 e jurisprudência referida. V., igualmente, artigo 6.o, n.o 1, TUE.

( 41 ) Acórdão de 15 de março de 2017, Al Chodor, C‑528/15, EU:C:2017:213, n.o 37.

( 42 ) Acórdão de 14 de março de 2017, GS4 Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 28.

( 43 ) V., por exemplo, TEDH, 6 de abril de 2017, Klein e o./Alemanha, CE:ECHR:2017:0406JUD001013811, § 77 e jurisprudência referida. Está pendente neste processo um pedido de remessa para a Grande Secção.

( 44 ) Ver Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo GS4 Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 25. A abordagem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem às limitações justificadas nos termos do artigo 9.o, n.o 2, da CEDH implica considerar se a medida impugnada é «necessária numa sociedade democrática». Ao fazê‑lo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem determina se as razões apresentadas para justificar a diferença de tratamento baseada na religião ou nas crenças são pertinentes e suficientes, e se são proporcionadas ao objetivo legítimo prosseguido, o que compreende um exercício de ponderação dos direitos como interesses de terceiros em face da conduta contestada. V. n.o 47 das Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2016:553, citando TEDH, 15 de fevereiro de 2001, Dahlab/Suíça, CE:ECHR:2001:0215DEC004239398.

( 45 ) V., igualmente, artigo 19.o, n.o 2, TUE. De acordo com as anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17), o primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta baseia‑se no artigo 13.o da CEDH, não obstante a proteção ser mais alargada no direito da União. O segundo parágrafo do artigo 47.o corresponde ao n.o 1 do artigo 6.o da CEDH. Para análises pormenorizadas e recentes, v. Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:2, e Prechal, S. «The Court of Justice and Effective Judicial Protection: What has the Charter Changed?»in Paulussen, C., Takács, T., Lazic, V. e Van Rompuy, B. (EE.), Fundamental Rights in International and European Law: Public and Private Law Perspective, Springer, Berlim, 2016, p. 143. O Tribunal de Justiça reafirmou recentemente que as características das vias de recurso previstas numa diretiva «devem, assim, ser determinadas em conformidade com o artigo 47.o da Carta». V. Acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 60 e jurisprudência referida. V., também, TEDH, 20 de outubro de 2009, Lombardi Vallauri/Itália, CE:ECHR:2009:1020JUD003912805, n.os 66 a 72.

( 46 ) Observe‑se especialmente a análise centrada na ponderação de direitos concorrentes que resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça, de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203. V.,também, por exemplo, Acórdão de 14 de outubro de 2004, Omega, C‑36/02, EU:C:2004:614. No Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, v. n.os 68 a 75, infra.

( 47 ) Jellinek, G. System der subjektiven őffentlichen Rechte, Mohr Siebeck, 1905, p. 125.

( 48 ) V., a este respeito, nomeadamente, Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge, C‑447/09, EU:C:2011:573, n.os 52 a 64.

( 49 ) V., igualmente, artigo 52.o, n.o 4, da Carta.

( 50 ) Nos n.os 60 a 67 das suas Conclusões no processo Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2016: 553, a advogada‑geral E. Sharpston afirma que a não discriminação direta em razão da religião goza de uma proteção mais forte ao abrigo do direito da União do que ao abrigo da CEDH.

( 51 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 60. V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:563, n.o 157 (acórdão pendente).

( 52 ) V. capítulo II da Diretiva 2000/78, intitulado «Vias de recurso e execução», que compreende, entre outros, o artigo 9.o, relativo à defesa dos direitos, e o artigo 10.o, relativo ao ónus da prova. São também relevantes duas disposições contidas no capítulo IV, com a epígrafe «Disposições finais», a saber, o artigo 16.o, relativo ao cumprimento, e o artigo 17.o, relativo às sanções. V., igualmente, considerandos 30 a 32, e 35 da Diretiva 2000/78. O Tribunal de Justiça já declarou, no contexto desta diretiva, que qualquer pessoa que se considere lesada pela não aplicação do princípio da igualdade de tratamento, no que lhe diz respeito, «[pode] fazer valer os seus direitos através da via judicial». V. Acórdão de 19 de abril de 2012, Meister, C‑415/10, EU:C:2012:217, n.o 38.

( 53 ) O Acórdão do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) de 22 de outubro de 2014, 2 BvR 661/12, em especial, o seu n.o 125, foi considerado pertinente nesta matéria.

( 54 ) O despacho de reenvio refere o processo de fiscalização jurisdicional em duas fases como uma forma de fiscalização da legalidade que o Bundesverfassungsgericht desenvolveu no contexto dos despedimentos e da discriminação com base na religião e nas convicções, mas que ainda não decidiu se deve aplicar‑se ao recrutamento.

( 55 ) Um exercício de ponderação é também evidente em TEDH, 3 de fevereiro de 2011, Siebenhaar/Alemanha, CE:ECHR:2011:0203JUD001813602; v., em especial, n.os 42 a 47, e em TEDH, 23 de setembro de 2010, Obst/Alemanha, CE:ECHR:2010:0923JUD000042503. Os argumentos de Robbers, op. cit., a p. 136, são consentâneos com os do representante da Alemanha na audiência; Robbers cita os Acórdãos BVerfG de 25 de março de 1980, BVerfG 53, 366, 400 e segs.; B VerfG de 13 de dezembro de 1983, BVerfGE 66,1,22; BVerfG de 4 de junho de 1985, B VfGE 70, 138, 167; BVerfG de 14 de maio de 1986, BVerfGE 72,278, 289. V., igualmente, Freiherr, von Campenhaussen, A. e de Wall, H., Staatskirchenrecht (4.a edição, Munique, CH Beck 2006), pp. 107 a 111.

( 56 ) Acórdão de 13 de junho de 2013, Kostov, C‑62/12, EU:C:2013:391, n.o 24.

( 57 ) Ibidem, n.o 25 e jurisprudência referida.

( 58 ) TEDH, 12 de junho de 2014, CE:ECHR:2014:0612JUD005603007.

( 59 ) Ibidem n.o 132 (o itálico é meu) e jurisprudência referida.

( 60 ) TEDH, 1 de dezembro de 2015, Károly Nagy c. Hungria, CE:ECHR:2015:1201JUD005666509, § 15 das declarações conjuntas de votos de vencido dos juízes Sajó, Vučinić e Kūris. Em 14 de setembro de 2017, a petição neste processo foi declarada inadmissível pela Grande Secção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por razões factuais que não são pertinentes para o processo principal. V. CE:ECHR:2017:0914JUD005666509.

( 61 ) TEDH, 23 de setembro de 2010, CE:ECHR:2010:0923JUD000162003.

( 62 ) Ibidem, n.o 66.

( 63 ) Ibidem, n.o 67.

( 64 ) Ibidem, n.o 69.

( 65 ) Artigo 2.o, n.o 2, alínea a), em conjugação com o artigo 1.o da Diretiva 2000/78.

( 66 ) N.o 44 das Conclusões da advogada‑geral J. Kokott, no processo G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2016:382, e acórdãos referidos na nota 25 dessas conclusões. O Tribunal de Justiça concluiu que tinha havido discriminação direta no contexto das declarações públicas de uma entidade patronal no âmbito de um recrutamento no seu Acórdão de 10 de julho de 2008, Feryn, C‑54/07, EU:C:2008:397.

( 67 ) Acórdãos de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, e Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2017:204.

( 68 ) Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2016:553, n.o 63. V., igualmente, Acórdão de 18 de novembro de 2010, Kleist, C‑356/09, EU:C:2010:703, n.os 41 e 42.

( 69 ) O artigo 52.o, n.o 1, da Carta não é aplicável ao processo principal, porque alargaria o leque de justificações da discriminação direta em razão da religião e das crenças para além das que estão previstas na Diretiva 2000/78, a saber, nos artigos 2.o, n.o 5, e 4.o, n.o 2. Isto seria incompatível com o artigo 53.o da Carta, que estabelece que nenhuma disposição «da Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos […] pelo direito da União».

( 70 ) Portanto, não é necessário considerar, como alegou a Irlanda nas suas observações escritas, se o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 proporciona uma justificação válida tanto para a discriminação direta como para a discriminação indireta em razão da religião e das convicções relativamente às «atividades profissionais de […] organizações […] cuja ética seja baseada na religião ou em convicções».

( 71 ) V., por exemplo, Acórdãos de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 72, em relação ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 e n.o 56, em relação ao artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78; e de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.o 47, em relação ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.V., em geral, Acórdão de 11 de janeiro de 2000, Kreil, C‑285/98, EU:C:2000:2, n.o 20 e jurisprudência referida, no sentido de que as derrogações aos direitos individuais estabelecidos em diretivas relativas à igualdade de tratamento devem ser objeto de interpretação estrita.

( 72 ) Conforme sublinhado no n.o 68 das Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo GS4 Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2016:382, e nos acórdãos referidos na nota 35 das conclusões.

( 73 ) Relativamente aos princípios da interpretação das medidas da União Europeia, minhas Conclusões no processo Pinckernelle, C‑535/15, EU:C:2016:996, n.os 34 a 70.

( 74 ) Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 33 e jurisprudência referida.

( 75 ) O itálico é meu.

( 76 ) Acórdão de 1 de dezembro de 2016, Daouidi, C‑395/15, EU:C:2016:917, n.o 50 e jurisprudência referida.

( 77 ) Ibidem.

( 78 ) V. nota 52, supra.

( 79 ) Uma proposta da Alemanha no sentido de que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 incluísse uma referência às igrejas que gozam de proteção especial ao abrigo da Constituição alemã não foi adotada. V. Conselho da União Europeia, Resultados dos trabalhos do grupo das questões sociais, de 18 de julho de 2000, 10254/00 (27 de julho de 2000), SOC 250 JAI 77, p. 14, nota 19.

( 80 ) Quanto à inversão do ónus da prova em detrimento da demandada depois de um órgão jurisdicional do Estado‑Membro concluir que existe uma presunção de discriminação, v., por exemplo, Acórdão de 18 de dezembro de 2014, FOA, C‑354/13, EU:C:2014:2463, n.o 63.

( 81 ) V. Acórdão de 3 de junho de 2010, Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid, C‑484/08, EU:C:2010:309, n.o 40, em que o Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), não podia ser interpretado no sentido de impedir os Estados‑Membros de adotarem regras mais estritas do que as previstas na própria diretiva, desde que visassem garantir um nível de proteção mais elevado dos consumidores.

( 82 ) Para um registo das propostas e contrapropostas apreciadas pelo Conselho, v. http://www.consilium.europa.eu/register/en/content/int/?lang=EN&typ=ADV. Dossiê interinstitucional: 1999/0225 (CNS). Não obstante o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 não fazer parte da proposta legislativa inicial da Comissão [COM (1999) 0565 final, JO 2000, C 177E, p. 42], desde que foi proposto foi objeto de nove projetos de redação e de numerosas reservas de análise e propostas de alterações. Porém, todos os projetos de redação previam atividades profissionais relacionadas com atividades religiosas. No entanto, conferir relatório do Parlamento Europeu sobre a proposta da Comissão, A5‑0264/2000, de 21 de setembro de 2000, a p. 24. «O propósito desta alteração é alargar o texto, de forma a abarcar as atividades “sociais ”mais abrangentes das organizações religiosas, limitando‑as por sua vez ao pessoal diretamente responsável pela orientação ideológica (excetuando‑se, por exemplo, rececionistas ou porteiros). Clarifica igualmente que esta exceção só se aplicará às crenças religiosas e não, por exemplo, à orientação sexual».

( 83 ) Assinado em Roma em 29 de outubro de 2004 (JO 2004, C 310, p. 1).

( 84 ) V., por analogia, Acórdão de 12 de outubro de 2010, Ingeniørforeningen i Danmark, C‑499/08, EU:C:2010:600, n.o 33 e jurisprudência referida, em que o Tribunal de Justiça observou, no contexto de um litígio relativo a discriminação em razão da idade, que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação na escolha das medidas suscetíveis de realizar os seus objetivos em matéria de política social e de emprego, mas que essa margem de apreciação não pode ter por efeito esvaziar da sua substância a aplicação do princípio da não discriminação em razão da idade.

( 85 ) Projeto de ata (publicado em 1 de fevereiro de 2001) da 2296.a reunião do Conselho (Emprego e Política Social) realizada no Luxemburgo em 17 de outubro de 2000, 12458/00, PV/CONS 61 SOC 363, p. 4, e comunicado de imprensa de 17 de outubro de 2000 relativo à 2296.a reunião do Conselho, 12125/00 (Press 378).

( 86 ) Acórdão de 1 de abril de 2004, Borgmann, C‑1/02, EU:C:2004:202, n.o 30.

( 87 ) Acórdão de 27 de abril de 2017, Pinkernelle, C‑535/15, EU:C:2017:315, n.o 31 e jurisprudência referida.

( 88 ) O Tribunal de Justiça afirmou recentemente que a «obrigação imposta aos Estados‑Membros no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE de estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União» corresponde ao artigo 47.o da Carta. V. n.o 70 das Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani, C‑403/16, EU:C:2017:659 (acórdão pendente), citando o Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 44.

( 89 ) A disposição paralela do artigo 12.o da Carta é o artigo 11.o da CEDH. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já declarou que, quando está em causa a organização de uma comunidade religiosa, o artigo 9.o da CEDH deve ser interpretado à luz do artigo 11.o da CEDH, relativo à liberdade de associação. V., por exemplo, TEDH, 9 de julho de 2013, Sindicatul «Păstorul cel Bun»/Roménia, CE:ECHR:2013:0709JUD000233009, n.o 136.

( 90 ) TEDH, 21 de setembro de 2016, Comissão/Espanha, C‑140/15 P, EU:C:2016:708, n.o 117.

( 91 ) V. «Introduction» de Larry Alexander in Alexander, L. (E.) Constitutionalism: Philosophical Foundations (Cambridge University Press, 1998), p. 1, e a sua análise, a pp. 2 a 4, sobre a distinção entre a metaconstituição, cujos elementos estão relativamente definidos (por exemplo, a separação de poderes) e a constituição simbólica, cujo conteúdo pode variar sem alteração da metaconstituição.

( 92 ) Acórdão de 15 de maio de 1986, Johnston, 222/84, EU:C:1986:206.V., mais recentemente, por exemplo, Acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting 04, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 59.

( 93 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:135, n.o 31.

( 94 ) V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo GS4 Security Solutions, C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 32 e jurisprudência referida. V., em geral, acerca do artigo 4.o, n.o 2, TUE, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Remondis, C‑51/15, EU:C:2016:985, n.o 40; e de 2 de junho de 2016, Bogendorff von Wolffersdorff, C‑438/14, EU:C:2016:401, n.o 73 e jurisprudência referida.

( 95 ) Acórdão de 12 de junho de 2014, Digibet, C‑156/13, EU:C:2014:1756, n.o 34.

( 96 ) V. n.os 55, 56 e 68 a 75, supra.

( 97 ) V., por analogia, n.o 16 do Acórdão de 11 de janeiro de 2000, Kreil, C‑285/98, EU:C:2000:2. Não foi possível «deduzir» dos artigos dos Tratados em causa «que existe uma reserva geral, inerente ao Tratado, que exclua do âmbito de aplicação do direito comunitário todas as medidas tomadas por razões de segurança pública».

( 98 ) V., por exemplo, Acórdão de 27 de outubro de 2016, Comissão/Alemanha, C‑220/15, EU:C:2016:815, n.o 39. Para uma discussão pormenorizada da génese do artigo 17.o TFUE e das partes relevantes do preâmbulo do TUE,V., por exemplo, McCrea, op. cit., pp. 53 a 74, e Oanta, G.A., «The Status of Churches and Philosophical and Non‑Confessional Organizations within the Framework of the European Union Reform», Lex et Scientia International Journal, Bucareste (Roménia), n.o XV, vol. 2, 2008, p. 121.

( 99 ) O artigo 17.o era o artigo I‑52.o do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (JO 2004, C 310, p. 1).

( 100 ) V. «Exortação apostólica pós‑sinodal “Ecclesia in Europa” do Santo Padre João Paulo II aos bispos, aos presbíteros e diáconos, aos consagrados e consagradas e a todos os fiéis leigos sobre Jesus Cristo, vivo na sua Igreja, fonte de esperança para a Europa», 28 de junho de 2003. Citada em COMECE, The Treaty Establishing a Constitution for Europe: Elements for an Evaluation, 11 de março de 2005, disponível em http://www.comece.eu/dl/pmnrJKJOmKkJqx4KJK/20050311PUBCONV_EN.pdf, p. 3.

( 101 ) McCrea, op. cit., p. 54. Durante a Conferência intergovernamental de 1996, a delegação alemã alegadamente propôs, sem sucesso, o seguinte artigo: «A União entende que a situação constitucional das comunidades religiosas nos Estados‑Membros constitui simultaneamente uma expressão da identidade dos Estados‑Membros e da sua cultura, fazendo parte do seu património jurídico comum». V. Oanta, op. cit., p. 123.

( 102 ) JO 2003, C 169, p. 1.

( 103 ) Declaração n.o 11 anexada à Ata Final da Conferência Intergovernamental que aprovou o Tratado de Amesterdão celebrado em 2 de outubro de 1997 (JO 1997, C 340, p. 133).

( 104 ) O artigo 13.o CE foi adotado na revisão de Amesterdão. Atual artigo 19.o TUE.

( 105 ) Documento de trabalho da Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, Presidência da CIG, 23 de julho de 2007, CIG 1/07, p. 49.

( 106 ) Ibidem, v., por exemplo, Houston, K. «The Logic of Structured Dialogue between Religious Associations and the Institutions of the European Union»in Leustean, L.N. e Madeley, J.T.S. (EE.) Religion, Politics and Law in the European Union (Routledge, 2010), p. 201; Mudrov, S. A., «The European Union and Christian Churches: The patterns of interaction», Discussion Paper, Europa‑Kolleg Hamburg, Institute for European Integration, n.o 3/14.

( 107 ) Oanta, op. cit., p. 127. Um estudo identifica nada menos do que cinco modelos de gestão das relações entre a Igreja e o Estado. V. Mancini, S., e Rosenfeld, M., «Unveiling the limits of tolerance; comparing the treatment of majority and minority religious symbols in the public sphere»in Zucca e Ungureanu, op. cit., 160 a 162.

( 108 ) N.o 95, supra.

( 109 ) McCrea, op. cit., pp. 60 e 61, citando Bengoetxea, J., MacCormick, N. e Moral Soriano, L., «Integration and Integrity in the Legal Reasoning of the European Court of Justice»in de Búrca, G. e Weiler, J.H.H. (EE.), The European Court of Justice (Oxford University Press, 2001), p. 64.

( 110 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo GS4 Security Solutions, C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 37, citando os Acórdãos do TEDH, de 10 de novembro de 2005, Leyla Şahin/Turquia, CE:ECHR:2005:1110JUD004477498, de 1 de julho de 2014, S.A.S./França, CE:ECHR:2014:0701JUD004383511, e de 26 de novembro de 2015, Ebrahimian/França, CE:ECHR:2015:1126JUD006484611.

( 111 ) N.o 86, supra.

( 112 ) N.o 99, supra.

( 113 ) Por exemplo, TEDH, 8 de abril de 2014, Magyar Keresztény Mennonita Egyház e o./Hungria, CE:ECHR:2014:0408JUD007094511, n.o 76 e jurisprudência referida. Por exemplo, a promoção de uma ideologia desumana estaria em gritante contradição com os valores fundamentais da União consagrados no artigo 2.o TUE. V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo GS4 Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 89.

( 114 ) TEDH, 26 de abril de 2016, İzzettin Doğan e o./Turquia, CE:ECHR:2016:0426JUD006264910, n.o 93 e jurisprudência referida.

( 115 ) TEDH, 16 de setembro de 2010, Sínodo Sagrado da Igreja Ortodoxa da Bulgária (Metropolitan Inokentiy) e o./Bulgária, ECLI:CE:ECHR:2010:0916JUD000041203, n.o 26.

( 116 ) TEDH, 26 de abril de 2016, İzzettin Doğan e o./Turquia, CE:ECHR:2016:0426JUD006264910, n.os 110 e 121 e jurisprudência referida.

( 117 ) TEDH, 9 de julho de 2013, Sindicatul “Păstorul cel Bun”/Roménia, CE:ECHR:2013:0709JUD000233009, n.o 136.

( 118 ) Ibidem, n.o 137.

( 119 ) TEDH, 12 de junho de 2014, Fernández Martínez/Espanha, CE:ECHR:2014:0612JUD005603007, n.o 129 e jurisprudência referida.

( 120 ) Ibidem, n.o 128.

( 121 ) TEDH, 26 de abril de 2016, İzzettin Doğan e o./Turquia, CE:ECHR:2016:0426JUD006264910, n.o 110.

( 122 ) TEDH, 13 de dezembro de 2001, Igreja Metropolitana de Bessarabie e o./Moldávia, CE:ECHR:2001:1213JUD004570199, n.o 113.

( 123 ) TEDH, 15 de janeiro de 2013, Eweida e o./Reino Unido, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010, n.o 81.

( 124 ) TEDH, 9 de julho de 2013, Sindicatul “Păstorul cel Bun”/Roménia, CE:ECHR:2013:0709JUD000233009, n.o 136.

( 125 ) TEDH, 31 de julho de 2008, Religionsgemeinschaft der Zeugen Jehovas e o./Áustria, CE:ECHR:2008:0731JUD004082598, n.o 61.

( 126 ) TEDH, 26 de abril de 2016, İzzettin Doğan e o./Turquia CE:ECHR:2016:0426JUD006264910, n.o 107 e jurisprudência referida.

( 127 ) TEDH, 9 de julho de 2013, Sindicatul “Păstorul cel Bun”/Roménia, CE:ECHR:2013:0709JUD000233009, n.os 165 e 166.

( 128 ) TEDH, 22 de janeiro de 2009, Sínodo Sagrado da Igreja Ortodoxa da Bulgária (Metropolitan Inokentiy) e o./Bulgária, CE:ECHR:2009:0122JUD000041203.

( 129 ) Para um estudo abrangente dos Estados‑Membros, v. Doe, op. cit., capítulo 5, pp. 114 a 138. A p. 120, o autor afirma que, a este respeito, a jurisprudência do Konstitutsionen sad (Tribunal Constitucional búlgaro) é emblemática, e cita: «Não é admissível a ingerência do Estado e do governo na organização interna da vida das comunidades e instituições religiosas, bem como nas suas manifestações públicas, salvo quando essa ingerência se funda na Constituição.» V. Decisão n.o 5, 11 de junho de 1992, Processo n.o 11/92, SG n.o 49, 16 de junho de 1992.

( 130 ) N.o 24, supra.

( 131 ) V., por exemplo, TEDH, 23 de setembro de 2010, Schüth/Alemanha, CE:ECHR:2010:0923JUD000162003, n.o 69. Esta «proximidade» é também inerente à avaliação da credibilidade da igreja junto do público e dos clientes das suas próprias instituições, TEDH, 3 de fevereiro de 2011, Siebenhaar/Alemanha, CE:ECHR:2011:0203JUD001813602, n.o 46, e à avaliação da importância do cargo ocupado, TEDH, 23 de setembro de 2010, Obst/Alemanha, CE:ECHR:2010:0923JUD000042503, n.o 51. A identificação dos requisites profissionais aplicáveis às atividades que são próprias da missão evangélica das organizações religiosas também é pertinente para assegurar a legitimidade.

( 132 ) V., designadamente, TEDH, 4 de outubro de 2016, Travaš/Croácia, CE:ECHR:2016:1004JUD007558113, n.o 109 e jurisprudência referida.

( 133 ) V., no mesmo sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2000, Kreil, C‑285/98, EU:C:2000:2, n.o 23.

( 134 ) N.o 69, supra.

( 135 ) V. Aditamento de alteração 12269/00 SOC 344 JAI 112, Conselho da União Europeia, SOC 345 JAI 113, de 12 de outubro de 2000, p. 2.

( 136 ) Por exemplo, Acórdão de 26 de junho de 1997, Familiapress, EU:C:1997:325, C‑368/95, n.o 28

( 137 ) Acórdão de 21 de setembro de 2016, Comissão/Espanha, C‑140/15 P, EU:C:2016:708, n.o 80.

( 138 ) Acórdão de 15 de maio de 2014, Timmel, C‑359/12, EU:C:2014:325, n.o 62.

( 139 ) N.os 106 a 109, supra.

( 140 ) O artigo 6.o, n.o 3, TUE confirma, designadamente, que os direitos fundamentais garantidos pela CEDH constituem princípios gerais de direito da União. Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, JN, C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 45.

( 141 ) A demandada é uma entidade de direito privado e a demandante é um particular. V. n.os 41 a 45, supra.

( 142 ) Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 31 e jurisprudência referida.

( 143 ) Ibidem, n.o 33.

( 144 ) A advogada‑geral J. Kokott sugeriu que o efeito horizontal da proibição da discriminação baseada na origem étnica e na raça pode variar em função das circunstâncias em que esse direito é invocado. V. nota 24, supra.

( 145 ) Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale, C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 50 e jurisprudência referida.

( 146 ) CERD/C/DEU/C0/19‑22, 30 de junho de 2015, 86.a sessão, n.o 15. V. igualmente relatório sobre a discriminação racial, p. 43.

( 147 ) Em 29 de outubro de 2009, a Comissão Europeia enviou à Alemanha um parecer fundamentado sobre esta matéria. V. IP/09/1620. V. europa.eu/rapid/press‑release_IP‑09‑1620_en.htm. O processo foi posteriormente arquivado.

( 148 ) Zweiter Gemeinsamer Bericht der Antidiskriminierungsstelle des Bundes und der in ihrem Zuständigkeitsbereich betroffenen Beauftragten der Bundesregierung und des Deutschen Bundestages, 13 de agosto de 2013, Bundestags‑Drucksache (publicação do Bundestag), 17/14400.

( 149 ) Ibidem.

( 150 ) McColgan, A. «Religion and (in)equality in the European framework» in Zucca e Ungereanu, op. cit., p. 215 a p. 230. Relativamente às complexidades suscitadas quando «a esfera pública e a privada colidem» no domínio da religião, v. Mancine e Rosenfeld, op. cit., p. 162. Um comentador defendeu que os Acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2017: 204 e G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, são reveladores da relutância quanto ao regresso da religião à sociedade civil. V. Robin‑Olivier, S., «Neutraliser la religion dans l'entreprise?: arrêts G4S Secure Solutions et Bougnaoui» (TJUE, 14 de março de 2017, C‑157/15 e C‑188/15) RTDEur, 2 (2017), p. 229.