ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de maio de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Estado de direito — Independência judicial — Artigo 19.o, n.o 1, TUE — Mecanismo de cooperação e de verificação — Objetivos de referência subscritos pela Roménia — Luta contra a corrupção — Investigação das infrações cometidas no âmbito do sistema judicial — Recursos da nomeação de procuradores competentes para conduzir essas investigações — Legitimidade ativa das associações profissionais de magistrados»

No processo C‑53/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Piteşti (Tribunal de Recurso de Pitești, Roménia), por Decisão de 31 de janeiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de fevereiro de 2023, no processo

Asociația «Forumul Judecătorilor Din România»,

Asociaţia «Mişcarea pentru Apărarea Statutului Procurorilor»

contra

Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie — Procurorul General al României,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, T. von Danwitz, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România», por D. Călin e L. Zaharia,

em representação do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie — Procurorul General al României, por A.‑F. Florenţa, na qualidade de agente,

em representação do Governo Romeno, por L.‑E. Baţagoi, E. Gane e L. Ghiţă, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann, I. V. Rogalski e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de fevereiro de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, do artigo 4.o, n.o 3, e do artigo 19.o, n.o 1, TUE, dos artigos 12.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do anexo IX do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2005, L 157, p. 203), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007, bem como da Decisão 2006/928/CE da Comissão, de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada (JO 2006, L 354, p. 56).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e a Asociația «Mișcarea pentru Apărarea Statutului Procurorilor» ao Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie — Procurorul General al României (Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça — Procurador‑Geral da Roménia) (a seguir «Procurador‑Geral») a respeito da legalidade de um despacho que nomeia vários procuradores para o Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casala ie (Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia) (a seguir «PICCJ»).

Quadro jurídico

3

O artigo 8.o, n.o 1 bis da Legea contenciosului administrativ nr. 554/2004 (Lei n.o 554/2004 relativa ao Processo Administrativo) (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 1154, de 7 de dezembro de 2004), dispõe:

«As pessoas singulares e coletivas de direito privado não podem apresentar pedidos através dos quais invoquem a defesa de um interesse legítimo público apenas a título subsidiário, quando o dano causado ao interesse legítimo público decorra logicamente de uma violação de um direito subjetivo ou de um interesse legítimo privado.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

4

Em 5 de agosto de 2022, as recorrentes no processo principal, na sua qualidade de associação profissional de magistrados, interpuseram na Curtea de Apel Piteşti (Tribunal de Recurso de Pitești, Roménia), órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de anulação parcial de um despacho de nomeação para o PICCJ de procuradores que serão responsáveis pelo exercício de ações penais nos processos de corrupção da competência da Direcția Națională Anticorupție (Direção Nacional Anticorrupção, Roménia) e relativos a juízes e procuradores.

5

Em apoio do seu recurso, as recorrentes no processo principal alegam, em substância, que a legislação nacional que fundamenta esse decreto é contrária a diversas disposições do direito da União, pelo que deveria ter sido afastada pelo Procurador‑Geral. A referida legislação extinguiu a Secția pentru investigarea infracțiunilor din justiție (Secção competente para investigar as infrações cometidas no âmbito do sistema judicial) no quadro do PICCJ e atribuiu competência exclusiva para o exercício de ações penais relativamente às infrações cometidas pelos juízes e procuradores a procuradores especificamente nomeados pelo Procurador‑Geral, sob proposta da assembleia plenária do Consiliul Superior al Magistraturii (Conselho Superior da Magistratura, Roménia), por um período de quatro anos.

6

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, em primeiro lugar, que, em aplicação das regras processuais romenas, conforme interpretadas pela Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia), deve declarar inadmissível o recurso de anulação no processo principal.

7

A este respeito, refere que, embora a legislação romena reconheça o direito de impugnar um ato administrativo a qualquer pessoa cujo interesse legítimo tenha sido lesado, resulta dessa legislação que as entidades de direito privado só podem invocar um interesse público na medida em que a violação desse interesse decorra logicamente de uma violação de um direito subjetivo ou de um interesse legítimo privado. Ora, no que respeita às associações, a jurisprudência do Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça) subordina a admissibilidade de um recurso como o que está em causa no processo principal à existência de um nexo direto entre o ato administrativo sujeito à fiscalização da legalidade e a finalidade direta bem como os objetivos prosseguidos pela associação recorrente. Com base nesta jurisprudência, a Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça) considerou, em vários acórdãos, que as associações profissionais de magistrados não tinham interesse em agir contra decisões relativas à nomeação de magistrados.

8

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, no entanto, que as recorrentes no processo principal procuram obter uma tutela jurisdicional efetiva num domínio abrangido pelo direito da União. Por conseguinte, considera que é necessário determinar se a interpretação das normas processuais nacionais adotada pela Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça) é contrária ao artigo 2.o e ao artigo 19.o, n.o 1, TUE, em conjugação com os artigos 12.o e 47.o da Carta.

9

Salienta, nomeadamente, a este respeito, que o Tribunal de Justiça reconheceu legitimidade ativa às associações de proteção do ambiente e se pronunciou sobre pedidos de decisão prejudicial apresentados em processos principais instaurados por associações profissionais de magistrados.

10

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade com o direito da União, designadamente com o artigo 19.o, n.o 1, TUE e com os compromissos assumidos pela Roménia em matéria de luta contra a corrupção, da nova legislação adotada por este Estado‑Membro no que respeita ao exercício de ações penais relativamente às infrações cometidas pelos juízes e procuradores.

11

Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel Piteşti (Tribunal de Recurso de Piteşti) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

O artigo 2.o e o artigo 19.o TUE, n.o 1, segundo parágrafo, em conjugação com os artigos 12.o e 47.o [da] [Carta], opõem‑se a que sejam impostos limites à interposição de certos recursos contenciosos pelas associações profissionais dos magistrados — que têm por objeto promover e proteger a independência dos juízes e do Estado de direito e salvaguardar o estatuto da profissão — impondo o requisito de que deve existir um interesse legítimo privado que tenha sido excessivamente limitado, com base numa decisão vinculativa da Înalta Curte de Casație și Justiție (Supremo Tribunal de Cassação e Justiça), seguida pela prática nacional em processos semelhantes àquele em que a presente questão é formulada, que exige uma ligação direta entre o ato administrativo objeto de fiscalização da legalidade pelos órgãos jurisdicionais e a finalidade direta e o objeto das associações profissionais dos magistrados, previstos nos respetivos estatutos, nos casos em que as associações pretendem obter a proteção jurisdicional efetiva em matérias regidas pelo direito da União, de acordo com a finalidade e os objetos estatutários gerais?

2.

Tendo em conta a resposta à primeira questão, o artigo 2.o, o artigo 4.o, n.o 3, e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o anexo IX do [Ato relativo às condições de adesão da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos tratados em que se funda a União Europeia] e a Decisão [2006/928] opõem‑se a uma regulamentação nacional que limita a competência da Direção Nacional Anticorrupção, atribuindo competência exclusiva para investigar os crimes de corrupção (em sentido lato) cometidos por juízes e procuradores a determinados procuradores especialmente designados para o efeito (pelo [Procurador‑Geral], sob proposta da Assembleia Plenária do Conselho Superior da Magistratura) no âmbito do [PICCJ] e, respetivamente, do Ministério Público junto dos tribunais de recurso, sendo estes últimos igualmente competentes para as outras categorias de crimes cometidos por juízes e procuradores?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

12

O Procurador‑Geral contesta a competência do Tribunal de Justiça e a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Sustenta, antes de mais, que as questões prejudiciais têm caráter hipotético e incidem exclusivamente sobre o direito nacional. Em seguida, alega que, uma vez que as recorrentes no processo principal não invocam nenhum direito pessoal protegido pelo direito da União, a situação no processo principal não está abrangida pelo âmbito de aplicação deste direito. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça não tem competência para interpretar as disposições da Carta a que estas questões se referem. Por último, o pedido de decisão prejudicial solicita ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a legalidade de medidas de direito nacional, o que também excede a sua competência.

13

O Governo Romeno considera que a primeira questão é inadmissível. Alega que o órgão jurisdicional de reenvio não explica claramente a situação factual em causa no processo principal e não indica de que modo, nem com que fundamento, o direito de acesso a um tribunal é negado às recorrentes no processo principal. Em especial, resulta da decisão de reenvio que o recurso interposto pelas recorrentes no processo principal preenche os requisitos de admissibilidade estabelecidos no direito romeno, o que priva de qualquer interesse a primeira questão. Assim, considera que o órgão jurisdicional de reenvio está, quando muito, confrontado com uma dificuldade de interpretação do direito nacional.

14

A este propósito, no que respeita à competência do Tribunal de Justiça para responder às questões prejudiciais, importa recordar que o sistema de cooperação instituído pelo artigo 267.o TFUE se baseia numa clara separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça. No âmbito de um processo instaurado ao abrigo deste artigo, a interpretação das disposições nacionais cabe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros e não ao Tribunal de Justiça, e não incumbe a este último pronunciar‑se sobre a compatibilidade de normas de direito interno com as disposições do direito da União. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe permitam apreciar a compatibilidade de normas de direito interno com a regulamentação da União [Acórdão de 10 de março de 2022, Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Cobertura extensa de seguro de doença), C‑247/20, EU:C:2022:177, n.o 47 e jurisprudência referida].

15

No caso em apreço, por um lado, resulta dos termos das questões prejudiciais que estas têm diretamente por objeto a interpretação de disposições do direito da União. Nestas condições, não se pode considerar que as referidas questões se reportam à interpretação de disposições de direito nacional.

16

Por outro lado, embora as referidas questões visem obter do Tribunal de Justiça elementos de interpretação do direito da União que permitam apreciar a compatibilidade de certas legislações nacionais com esse direito, não é menos verdade que pedem ao Tribunal de Justiça que ele mesmo se pronuncie sobre essa compatibilidade.

17

Em segundo lugar, no que respeita ao argumento formulado pelo Procurador‑Geral segundo o qual a situação em causa no processo principal não está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, o Tribunal de Justiça já declarou que uma legislação nacional que instituiu e regula a organização de uma secção do Ministério Público romeno responsável pela investigação das infrações cometidas no âmbito do sistema judiciário e competente para o exercício de ações penais contra magistrados está abrangida pelo âmbito de aplicação da Decisão 2006/928 e deve, consequentemente, respeitar as exigências decorrentes do direito da União, em especial do artigo 2.o e do artigo 19.o, n.o 1, TUE [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um Tribunal Constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 57 e jurisprudência referida].

18

Embora não decorra diretamente dessa declaração que o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE conferem direitos individuais às recorrentes no processo principal, a posição do Procurador‑Geral segundo a qual tal não se verifica prende‑se, como salientou o advogado‑geral no n.o 21 das suas conclusões, com questões de mérito que não são suscetíveis de afetar a competência do Tribunal de Justiça para responder às questões submetidas.

19

Com efeito, a primeira questão visa precisamente determinar se o direito da União, concretamente o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE, impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais que declarem a admissibilidade de um recurso de anulação interposto por uma associação profissional de magistrados, através do qual esta contesta a compatibilidade com esse direito de nomeações de magistrados para uma secção do Ministério Público romeno competente para o exercício de ações penais contra magistrados.

20

Por conseguinte, sem que seja necessário apreciar a aplicabilidade, numa situação como a que está em causa no processo principal, de todas as disposições de direito da União referidas nas questões prejudiciais, há que declarar que a competência do Tribunal de Justiça não pode ser excluída pelo facto de a situação em causa no processo principal não estar abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

21

No que respeita à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob sua própria responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional, nomeadamente, se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou quando o problema for hipotético [Acórdão de 9 de novembro de 2023, Odbor azylové a migrační politiky MV (Âmbito de aplicação da Diretiva Regresso), C‑257/22, EU:C:2023:852, n.o 28 e jurisprudência referida).

22

Por outro lado, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, a necessidade de se chegar a uma interpretação ou a uma apreciação de validade do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este respeite escrupulosamente as exigências de conteúdo de um pedido de decisão prejudicial e que figurem expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo, presumindo‑se que o órgão jurisdicional de reenvio delas tem conhecimento. Estes requisitos são, aliás, recordados nas Recomendações do Tribunal de Justiça à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1) (Acórdão de 13 de julho de 2023, Azienda Ospedale‑Università di Padova, C‑765/21, EU:C:2023:566, n.o 30 e jurisprudência referida).

23

Assim, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Além disso, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que levaram o juiz nacional a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça [Acórdão de 25 de maio de 2023, Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Warszawie (IVA — Aquisição simulada), C‑114/22, EU:C:2023:430, n.o 22 e jurisprudência referida).

24

No caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial compreende todos os elementos necessários para permitir ao Tribunal de Justiça responder às questões submetidas.

25

No que respeita, em especial, à primeira questão, resulta de uma leitura conjunta do referido pedido e dos próprios termos dessa questão que o órgão jurisdicional de reenvio considera que, em caso de resposta negativa à referida questão, será levado a adotar a interpretação da legislação nacional pertinente que decorre da jurisprudência da Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça), e, por conseguinte, a julgar inadmissível o recurso em causa no processo principal.

26

Daqui resulta que esse órgão jurisdicional expôs, no pedido de decisão prejudicial, tanto o quadro factual e regulamentar em que se insere a primeira questão como as razões pelas quais considera necessário submetê‑la ao Tribunal de Justiça, razões que permitem, aliás, concluir que esta questão tem utilidade para decidir o litígio no processo principal.

27

Além disso, resulta do mesmo pedido que, em caso de resposta afirmativa à referida questão, o órgão jurisdicional de reenvio, a fim de apreciar a argumentação apresentada pelas recorrentes no processo principal, será chamado a examinar a compatibilidade com o direito da União da legislação nacional a que respeita a segunda questão.

28

Por conseguinte, as questões prejudiciais não podem ser consideradas hipotéticas.

29

Tendo em conta o que precede, há que declarar que o Tribunal de Justiça é competente para responder ao pedido de decisão prejudicial e que as questões submetidas são admissíveis.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE, em conjugação com os artigos 12.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, ao subordinar à existência de um interesse legítimo privado a admissibilidade de um recurso de anulação da nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra magistrados, exclui, na prática, que tal recurso possa ser interposto por associações profissionais de magistrados a fim de defender o princípio da independência dos juízes.

31

Na medida em que o Governo Romeno alega, em apoio da resposta que propõe que seja dada à primeira questão, que, contrariamente ao que indica o órgão jurisdicional de reenvio, a aplicação da legislação nacional em causa no processo principal não conduz necessariamente à declaração da inadmissibilidade do recurso em causa no processo principal, há que recordar que incumbe ao Tribunal de Justiça tomar em consideração, no quadro da repartição das competências entre os tribunais da União e os tribunais nacionais, o contexto factual e legislativo em que se inserem as questões prejudiciais, tal como definido na decisão de reenvio. Assim, o exame de um pedido de decisão prejudicial não pode ser realizado à luz da interpretação do direito nacional invocada pelo governo de um Estado‑Membro [Acórdão de 15 de abril de 2021, État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência), C‑194/19, EU:C:2021:270, n.o 26 e jurisprudência referida].

32

Ora, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que a interpretação da legislação romena pertinente adotada pela Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça) leva necessariamente a que seja julgado inadmissível um recurso como o que está em causa no processo principal, uma vez que uma associação profissional de magistrados não pode invocar um interesse legítimo privado suscetível de justificar a sua legitimidade ativa para efeitos desse recurso, razão pela qual a primeira questão respeita a essa interpretação da referida legislação.

33

A interpretação das normas processuais do direito romeno defendida pelo Governo Romeno não pode, por conseguinte, ser acolhida pelo Tribunal de Justiça para efeitos do presente processo prejudicial.

34

Após as especificações precedentes, importa sublinhar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito afirmado no artigo 2.o TUE, confia aos tribunais nacionais e ao Tribunal de Justiça o ónus de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a proteção jurisdicional que este direito confere aos particulares [Acórdãos de 18 de maio de 2021, Asociația Forumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 188, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um Tribunal Constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 39].

35

A própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o respeito pelo direito da União é inerente ao Estado de direito. Para esse efeito, como enunciado no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, cabe aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. O princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, a que se refere o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, constitui um princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado nos artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, aos quais corresponde o artigo 47.o da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.o 219 e jurisprudência referida).

36

Neste contexto, incumbe, em princípio, aos Estados‑Membros, em especial, determinar a qualidade e o interesse de um litigante em agir judicialmente, sem, todavia, prejudicar o direito a uma proteção jurisdicional efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2007, Unibet, C‑409/05, EU:C:2007:163, n.o 42 e jurisprudência referida).

37

A este respeito, as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de março de 2007, Unibet, C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 43 e jurisprudência referida, e de 24 de outubro de 2018, XC e o., C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 22).

38

No que respeita ao princípio da equivalência, segundo as indicações que figuram no pedido de decisão prejudicial, a legislação nacional em causa no processo principal parece aplicar‑se da mesma maneira às ações previstas para a proteção dos direitos conferidos pelo direito da União e às ações semelhantes de natureza interna. Em especial, não parece, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o interesse em agir das entidades de direito privado e, nomeadamente, das associações, seja examinado de forma diferente consoante estas pretendam invocar um interesse público baseado no direito da União, como o princípio da independência dos juízes, ou um interesse público decorrente do direito nacional.

39

No que respeita ao princípio da efetividade, resulta do referido pedido que, como indicado no n.o 7 do presente acórdão, esta legislação nacional permite a qualquer pessoa que demonstre um interesse legítimo privado impugnar um ato administrativo como o despacho em causa no processo principal, designadamente invocando uma violação de um interesse público daí decorrente. Nestas condições, parece que a tutela jurisdicional efetiva é assegurada pelo direito das partes em causa, nomeadamente juízes e procuradores afetados por uma medida nacional que lhes diz respeito, de invocar o respeito das exigências do artigo 19.o, n.o 1, TUE, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

40

É certo que, como sublinha o referido órgão jurisdicional, o Tribunal de Justiça já declarou que os Estados‑Membros estão obrigados, em determinados casos, a autorizar associações representativas a agir judicialmente para proteger o ambiente ou lutar contra discriminações (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation, C‑664/15, EU:C:2017:289, n.o 58), e de 23 de abril de 2020, Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI, C‑507/18, EU:C:2020:289, n.o 60).

41

No entanto, por um lado, estas declarações do Tribunal de Justiça decorrem de direitos processuais especificamente conferidos a associações representativas pela Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1), ou por atos de direito derivado como a Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

42

Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, mesmo nos domínios referidos no n.o 40 do presente acórdão, os Estados‑Membros, quando essa convenção ou esses atos não imponham especificamente o reconhecimento da legitimidade para agir judicialmente a associações representativas, continuam a ser livres de conferir ou não essa legitimidade a tais associações. Além disso, na hipótese de os Estados‑Membros entenderem, nesse âmbito, reconhecer a referida qualidade a associações representativas, compete‑lhes definir tanto o alcance das ações judiciais que estas podem instaurar como as condições a que a propositura dessas ações está subordinada no respeito do direito a um recurso efetivo [v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2008, Feryn, C‑54/07, EU:C:2008:397, n.o 27; de 23 de abril de 2020, Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI, C‑507/18, EU:C:2020:289, n.os 62 a 64, e de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor), C‑873/19, EU:C:2022:857, n.os 63 e 65 e jurisprudência referida].

43

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 38 das suas conclusões, nenhuma disposição do direito da União impõe aos Estados‑Membros que garantam às associações profissionais de magistrados direitos processuais que lhes permitam impugnar uma alegada incompatibilidade com o direito da União de uma disposição ou medida nacional relacionada com o estatuto dos juízes.

44

Por conseguinte, não se pode deduzir da obrigação, mencionada no n.o 35 do presente acórdão, de estabelecer um sistema de vias de recurso e de processos que garanta aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União que os Estados‑Membros estão obrigados, de maneira geral, a garantir a essas associações o direito de interpor um recurso baseado em tal incompatibilidade com o direito da União.

45

O facto de o Tribunal de Justiça ter respondido a pedidos de decisão prejudicial que lhe foram submetidos em processos que as associações profissionais de magistrados submeteram ao órgão jurisdicional de reenvio não é suscetível de pôr em causa esta apreciação, uma vez que não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se, no âmbito de um processo prejudicial, sobre a admissibilidade dos recursos interpostos no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 26 e jurisprudência referida).

46

A tomada em consideração do artigo 12.o da Carta, a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio, não pode justificar uma solução diferente, uma vez que este se limita a consagrar a liberdade de associação, sem no entanto exigir que as associações estejam necessariamente autorizadas a agir judicialmente para defender um objetivo de interesse geral.

47

O mesmo se diga da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao princípio da independência judicial. A este propósito, no que respeita, mais especificamente, à possibilidade de interpor recurso das decisões relativas à nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra magistrados, importa recordar que, para dar cumprimento ao artigo 19.o, n.o 1, TUE, todos os Estados‑Membros devem assegurar que as instâncias que, enquanto «órgãos jurisdicionais» no sentido definido pelo direito da União, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União, satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva [Acórdãos de 18 de maio de 2021, Asociala Forumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 191, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um Tribunal Constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 40].

48

Ora, para garantir que as instâncias que podem ser chamadas a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União possam assegurar a tutela jurisdicional efetiva exigida por essa disposição, é fundamental que seja preservada a sua independência, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que menciona o acesso a um tribunal «independente» entre as exigências ligadas ao direito fundamental a um recurso efetivo (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociația Forumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 194 e jurisprudência referida).

49

A exigência de independência dos tribunais que decorre do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, requer que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar sujeita a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a nenhuma entidade e sem receber ordens ou instruções de nenhuma proveniência, estando assim protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. O segundo aspeto, de natureza interna, está relacionado com o conceito de «imparcialidade» e é relativo à equidistância em relação às partes em litígio e aos respetivos interesses no que diz respeito ao objeto do litígio. Este último aspeto requer o respeito da objetividade e a inexistência de qualquer interesse na solução do litígio além da estrita aplicação do direito [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um Tribunal Constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 41 e jurisprudência referida].

50

Importa salientar que as normas que excluem a possibilidade de as associações profissionais de magistrados interporem recurso das decisões relativas à nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra magistrados não são suscetíveis de prejudicar diretamente essas exigências, uma vez que essas normas não são suscetíveis, enquanto tais, de entravar a capacidade dos juízes para exercerem as suas funções de maneira autónoma e imparcial.

51

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as garantias de independência e de imparcialidade exigidas pelo direito da União pressupõem a existência de regras que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto [Acórdãos de 18 de maio de 2021, Asociația Forumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 196, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um Tribunal Constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 82].

52

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em determinadas circunstâncias, os Estados‑Membros estão obrigados, a fim de garantir a observância da exigência de independência dos juízes, a estabelecer determinadas vias de recurso que permitam fiscalizar a regularidade de medidas nacionais que tenham consequências na carreira dos juízes ou na composição dos órgãos jurisdicionais nacionais.

53

Assim, antes de mais, esta exigência impõe, segundo jurisprudência constante, que o regime disciplinar apresente as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização do mesmo enquanto sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. A este respeito, a adoção de regras que definam a intervenção de uma instância independente em conformidade com um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta, designadamente os direitos de defesa, e que consagrem a possibilidade de impugnar judicialmente as decisões dos órgãos disciplinares, constitui um conjunto de garantias essenciais para efeitos da preservação da independência do poder judicial (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociala Forumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 198 e jurisprudência referida).

54

Do mesmo modo, as medidas de transferência não consensuais, adotadas fora do âmbito do regime disciplinar, devem poder ser impugnadas judicialmente, em conformidade com um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 118].

55

Em seguida, o Tribunal de Justiça considerou que o direito fundamental a um processo equitativo e, em especial, as garantias de acesso a um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei que caracterizam esse direito fundamental implicam, nomeadamente, que qualquer órgão jurisdicional tem a obrigação de verificar se, pela sua composição, constitui esse tribunal quando surja uma dúvida séria sobre esse aspeto, uma vez que essa verificação é necessária à confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar aos particulares [Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), C‑204/21, EU:C:2023:442, n.o 129].

56

Por último, num contexto marcado por reformas gerais do sistema judicial que limitam a independência dos juízes, a falta de garantias suficientes de um órgão chamado a propor a nomeação dos juízes pode tornar necessária a existência da possibilidade de os candidatos não selecionados interporem um recurso judicial, mesmo que limitado, para contribuir para a preservação do processo de nomeação dos juízes em causa de influências diretas ou indiretas e evitar, in fine, que possam surgir dúvidas legítimas, no espírito dos litigantes, quanto à independência dos juízes designados em resultado desse processo [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal Recursos), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 136].

57

Neste contexto, importa recordar, no que respeita à nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra os magistrados, que os Estados‑Membros estão obrigados, a fim de, nomeadamente, evitar a ocorrência de tais dúvidas, a garantir, de maneira geral, que a ação desses procuradores será enquadrada por regras efetivas plenamente respeitadoras da exigência de independência dos juízes. As regras adotadas para esse efeito devem, à semelhança das relativas à responsabilidade disciplinar dos juízes, prever as garantias necessárias para assegurar que os processos penais não possam ser utilizados como sistema de controlo político da atividade dos referidos juízes e garantir plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociala Forumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 213).

58

Dado que, primeiro, os Estados‑Membros estão obrigados a adotar e a aplicar essas regras, segundo, as associações profissionais de magistrados não são diretamente afetadas pela nomeação de procuradores, incluindo quando estes últimos forem competentes para o exercício de ações penais contra os magistrados, e, terceiro, resulta das considerações tecidas nos n.os 43 a 46 do presente acórdão que o direito da União não impõe, de maneira geral, o reconhecimento de direitos processuais específicos a tais associações, não se pode considerar que o simples facto de uma legislação nacional não autorizar as associações profissionais de magistrados a interpor recurso de anulação de decisões relativas à nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra magistrados baste para gerar, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas sobre a independência dos juízes.

59

Resulta dos elementos precedentes que a exigência de independência dos juízes não pode, de maneira geral, ser interpretada no sentido de que obriga os Estados‑Membros a autorizar as associações profissionais de magistrados a interpor tais recursos.

60

Por outro lado, também não se pode inferir do artigo 47.o da Carta um direito das associações profissionais de magistrados judiciais de litigar contra medidas como as que estão em causa no processo principal.

61

Com efeito, o reconhecimento do direito a um recurso efetivo, num determinado caso, pressupõe que a pessoa que o invoca se baseie em direitos ou liberdades garantidos pelo direito da União ou que essa pessoa seja objeto de procedimentos que constituam uma aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um Tribunal Constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 34].

62

Ora, não resulta da decisão de reenvio que as recorrentes no processo principal invoquem um direito de que estejam investidas ao abrigo de uma disposição do direito da União, nem que sejam objeto de um procedimento que constitua uma aplicação do direito da União.

63

Na medida em que estas recorrentes pretendem basear o seu recurso no artigo 19.o, n.o 1, TUE, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que não se pode considerar que uma associação que alega, perante um órgão jurisdicional nacional, a incompatibilidade com a referida disposição de uma legislação nacional relativa à nomeação de magistrados, por esse simples facto, invoca uma violação de um direito de que esteja investida ao abrigo de uma disposição do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 44 e 45).

64

Tendo em conta todas estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE, em conjugação com os artigos 12.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, ao subordinar à existência de um interesse legítimo privado a admissibilidade de um recurso de anulação da nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra magistrados, exclui, na prática, que tal recurso possa ser interposto por associações profissionais de magistrados a fim de defender o princípio da independência dos juízes.

Quanto à segunda questão

65

Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

66

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE, em conjugação com os artigos 12.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, ao subordinar à existência de um interesse legítimo privado a admissibilidade de um recurso de anulação da nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra magistrados, exclui, na prática, que tal recurso possa ser interposto por associações profissionais de magistrados a fim de defender o princípio da independência dos juízes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.