ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de abril de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Restrições verticais da concorrência — Artigo 101.o, n.os 1 e 2, TFUE — Princípio da efetividade — Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Artigo 2.o — Diretiva 2014/104/UE — Artigo 9.o, n.o 1 — Efeito vinculativo das decisões definitivas das autoridades nacionais da concorrência que declaram uma infração às normas do direito da concorrência — Aplicação temporal e material — Ações de indemnização e de declaração de nulidade a título das infrações às disposições do direito da concorrência da União»

No processo C‑25/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Madrid (Tribunal de Comércio n.o 2 de Madrid, Espanha), por Decisão de 30 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de janeiro de 2021, no processo

ZA,

AZ,

BX,

CV,

DU,

ET

contra

Repsol Comercial de Productos Petrolíferos SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, P. G. Xuereb, A. Kumin, N. Wahl e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretária: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de maio de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de ZA, AZ, BX, CV, DU e ET, por A. Hernández Pardo, I. Sobrepera Millet e L. Ruiz Ezquerra, abogados,

em representação da Repsol Comercial de Productos Petrolíferos SA, por M. P. Arévalo Nieto, Á. Requeijo Pascua e M. Villarrubia García, abogados,

em representação do Governo Espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por F. Jimeno Fernández e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o, n.o 2, TFUE e do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe ZA, AZ, BX, CV, DU e ET (a seguir, considerados em conjunto, «herdeiros de KN») à Repsol Comercial de Productos Petrolíferos, SA (a seguir «Repsol»), a respeito de ações intentadas pelos herdeiros de KN em cujo âmbito foi pedida a declaração de nulidade dos contratos celebrados entre estes e a Repsol, bem como uma indemnização a título dos danos alegadamente causados por esses contratos.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1/2003

3

O artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, com a epígrafe «Ónus da prova», estabelece:

«Em todos os processos nacionais e comunitários de aplicação dos artigos [101.o e 102.o TFUE], o ónus da prova de uma violação do n.o 1 do artigo [101.o] ou do artigo [102.o TFUE] incumbe à parte ou à autoridade que alega tal violação. Incumbe à empresa ou associação de empresas que invoca o benefício do disposto no n.o 3 do artigo [101.o TFUE] o ónus da prova do preenchimento das condições nele previstas.»

Diretiva 2014/104/UE

4

O considerando 34 da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1), enuncia:

«Assegurar a aplicação efetiva e coerente dos artigos 101.o e 102.o [TFUE] pela Comissão [Europeia] e pelas autoridades nacionais da concorrência requer uma abordagem comum em toda a União [Europeia] sobre o efeito que as decisões definitivas das autoridades da concorrência nacionais em matéria de infração terão nas subsequentes ações de indemnização. Tais decisões apenas são adotadas depois de a Comissão ter sido informada da decisão prevista ou, na sua ausência, de qualquer documento que indique a linha de ação proposta por força do artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003, e se a Comissão não tiver privado a autoridade nacional da concorrência da sua competência dando início à tramitação nos termos do artigo 11.o, n.o 6, desse regulamento. A Comissão deverá assegurar a aplicação coerente do direito da concorrência da União, facultando orientações às autoridades nacionais da concorrência tanto a nível bilateral como no âmbito da Rede Europeia da Concorrência. A fim de reforçar a segurança jurídica, evitar incoerências na aplicação dos artigos 101.o e 102.o [TFUE], aumentar a efetividade e a eficácia processual das ações de indemnização e promover o funcionamento do mercado interno para as empresas e os consumidores, a declaração de uma infração ao artigo 101.o ou 102.o [TFUE] numa decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência ou de um tribunal de recurso não deverá ser novamente pleiteada nas ações de indemnização subsequentes. Por isso, a referida infração declarada deverá considerar‑se irrefutavelmente estabelecida nas ações de indemnização intentadas no Estado‑Membro da autoridade nacional da concorrência ou no tribunal de recurso relativas a essa infração. No entanto, o efeito da declaração só deverá abranger a natureza da infração e o seu âmbito material, pessoal, temporal e territorial, tal como determinado pela autoridade da concorrência ou pelo tribunal de recurso no exercício da sua competência. Caso, por decisão, se tenha declarado uma infração às disposições do direito nacional da concorrência em casos em que sejam aplicados no mesmo processo e em paralelo o direito da concorrência nacional e da União, a infração também deverá considerar‑se irrefutavelmente estabelecida.»

5

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», dispõe:

«1.   A presente diretiva estabelece certas regras necessárias para assegurar que quem sofra danos causados por uma infração ao direito da concorrência por uma empresa ou associação de empresas possa exercer efetivamente o direito a pedir a reparação integral desses danos por essa empresa ou associação. A presente diretiva estabelece regras que fomentam a concorrência não falseada no mercado interno e eliminam os obstáculos ao seu bom funcionamento, assegurando uma proteção equivalente em toda a União para as pessoas que sofram tais danos.

2.   A presente diretiva estabelece regras para a articulação entre a aplicação das regras de concorrência pelas autoridades da concorrência e a aplicação dessas regras em ações de indemnização perante os tribunais nacionais.»

6

O artigo 9.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Efeito das decisões nacionais», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que uma infração ao direito da concorrência declarada por decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência ou por um tribunal de recurso seja considerada irrefutavelmente estabelecida para efeitos de ação de indemnização intentada nos seus tribunais nacionais ao abrigo do artigo 101.o ou do artigo 102.o do [TFUE] ou do direito nacional da concorrência.

2.   Os Estados‑Membros asseguram que, caso as decisões definitivas a que se refere o n.o 1 sejam proferidas noutro Estado‑Membro, essas decisões possam ser apresentadas nos seus tribunais nacionais, de acordo com o seu direito nacional, pelo menos como elemento de prova prima facie de uma infração ao direito da concorrência e, conforme apropriado, possam ser avaliadas juntamente com quaisquer outros elementos aduzidos pelas partes.

3.   O presente artigo não prejudica os direitos e obrigações dos tribunais nacionais nos termos do artigo 267.o [TFUE]».

7

O artigo 21.o desta mesma diretiva, sob a epígrafe «Transposição», tem, no seu n.o 1, a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 27 de dezembro de 2016. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

Quando os Estados‑Membros adotarem essas medidas, estas incluem uma referência à presente diretiva ou são acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. As modalidades dessa referência são estabelecidas pelos Estados‑Membros.»

8

O artigo 22.o desta diretiva, sob a epígrafe «Aplicação no tempo», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente.

2.   Os Estados‑Membros asseguram que quaisquer disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o, que não as referidas no n.o 1, não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.»

Direito espanhol

9

Nos termos do artigo 75.o, n.o 1, da Ley 15/2007 de Defensa de la Competencia (Lei 15/2007 relativa à Defesa da Concorrência), de 3 de julho de 2007 (BOE n.o 159, de 4 de julho de 2007, p. 28848), conforme alterada pelo Real Decreto‑ley 9/2017, por el que se transponen Diretivas de la Unión Europea en los ámbitos financiero, mercantil y sanitario, y sobre el desplazamiento de trajadores (Real Decreto‑Lei 9/2017, que Transpõe Diretivas da União Europeia nos Domínios Financeiro, Comercial e da Saúde, bem como sobre o Destacamento de Trabalhadores), de 26 de maio de 2017 (BOE n.o 126, de 27 de maio de 2017, p. 42820), prevê:

«Uma infração ao direito da concorrência declarada por decisão definitiva de uma autoridade da concorrência espanhola ou por um tribunal de recurso espanhol considera‑se irrefutavelmente estabelecida para efeitos de uma ação de indemnização intentada num tribunal espanhol.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Os herdeiros de KN são os proprietários de uma estação de serviço construída por KN. No período que correu entre o ano de 1987 e o ano de 2009, KN ou os herdeiros de KN, por um lado, e a Repsol, por outro, celebraram vários contratos exclusivos de fornecimento de combustível.

11

Resulta da decisão de reenvio que os dois primeiros contratos celebrados em 1 de julho de 1987 e em 1 de fevereiro de 1996 eram «contratos de revenda», sendo a propriedade do combustível entregue pela Repsol transferida para KN ou para os herdeiros de KN a partir do momento em que o combustível era transferido para a cuba da estação de serviço em causa. Nestes contratos previa‑se que a remuneração do operador da estação de serviço era constituída por uma comissão que este último podia aplicar sobre o preço de venda ao público dos combustíveis recomendado pela Repsol.

12

Em 27 de abril de 1999, a Asociación de Propietarios de Estaciones de Servicio y Unidades de Suministro de Andalucía (Associação dos Proprietários de Estações de Serviço e de Unidades de Abastecimento da Andaluzia, Espanha) apresentou às autoridades competentes uma queixa contra várias sociedades de refinação, entre as quais figurava a Repsol, por violação do direito da concorrência nacional e comunitário.

13

Por Decisão de 11 de julho de 2001 (a seguir «Decisão de 2001»), o Tribunal de Defensa de la Competencia (Tribunal de Defesa da Concorrência, Espanha) declarou que, ao ter fixado, no âmbito das suas relações contratuais com algumas estações de serviço espanholas, os preços de venda ao público dos combustíveis, a Repsol violou as regras do direito da concorrência. Este tribunal ordenou à Repsol que pusesse termo a essa infração.

14

Esta decisão, cuja validade foi questionada pela Repsol, foi confirmada por um Acórdão da Audiencia Nacional (Audiência Nacional, Espanha) de 11 de julho de 2007. Este último acórdão foi objeto de um recurso interposto pela Repsol no Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), que, por Acórdão de 17 de novembro de 2010, lhe negou provimento. Por conseguinte, a Decisão de 2001 tornou‑se definitiva.

15

Em 22 de fevereiro de 2001, 22 de fevereiro de 2006 e 17 de julho de 2009, os herdeiros de KN celebraram três outros contratos com a Repsol. Estes últimos, que também eram contratos de revenda, continham uma obrigação de abastecimento exclusivo em benefício desta sociedade.

16

Na sequência de uma investigação levada a cabo pela Comisión Nacional de la Competencia (Comissão Nacional da Concorrência, Espanha), esta autoridade adotou, em 30 de julho de 2009, uma decisão (a seguir «Decisão de 2009») através da qual puniu determinadas sociedades de refinação, entre as quais figurava a Repsol, por terem fixado indiretamente o preço de venda ao público dos combustíveis praticado pelas estações de serviço em causa. A referida autoridade declarou que a Repsol tinha violado o artigo 81.o, n.o 1, CE (atual artigo 101.o, n.o 1, TFUE) e o artigo 1.o da Ley 16/1989 de Defensa de la Competencia (Lei 16/1989 relativa à Concorrência), de 17 de julho de 1989 (BOE n.o 170, de 18 de julho de 1989, p. 22747).

17

A Decisão de 2009, que foi objeto de recurso de anulação, foi confirmada por Acórdãos do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) de 22 de maio e 2 de junho de 2015 e adquiriu caráter definitivo.

18

No âmbito de um procedimento de vigilância, a Comissão Nacional da Concorrência proferiu três decisões nas quais declarou que a Repsol continuou a violar as regras do direito da concorrência até 2019.

19

Nestas condições, ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE, os herdeiros de KN, na sequência das Decisões de 2001 e de 2009, intentaram no Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Madrid (Tribunal de Comércio n.o 2 de Madrid, Espanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio, por um lado, uma ação de declaração de nulidade dos contratos celebrados com a Repsol, com o fundamento de que, em violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, esta sociedade fixou o preço de venda ao público dos combustíveis em causa, e, por outro, uma ação de indemnização para reparação do dano alegadamente causado por esses contratos. Para provar a existência da infração em causa, os herdeiros de KN baseiam‑se, no âmbito dessas ações, nas Decisões de 2001 e de 2009.

20

O órgão jurisdicional de reenvio recorda, primeiro, que, nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, o ónus da prova da violação do artigo 101.o TFUE incumbe à parte que a alega.

21

Segundo, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, em princípio, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, no âmbito de uma ação de indemnização intentada na sequência de uma decisão de uma autoridade nacional da concorrência que se tornou definitiva, a parte demandante em causa pode satisfazer o ónus da prova que lhe incumbe relativamente à existência de uma infração através da demonstração de que essa decisão incide precisamente sobre a relação contratual em causa.

22

Ora, segundo a jurisprudência nacional, no âmbito de uma ação de declaração de nulidade intentada ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE, como aquela que foi intentada pelos herdeiros de KN, não é conferido efeito vinculativo a uma decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência se não for provado que a infração declarada nessa decisão e a pretensa infração objeto dessa ação são as mesmas e que foi a parte demandante e não outra pessoa que foi a vítima dessa infração.

23

Assim, é necessário efetuar uma análise individual da relação contratual que é objeto do litígio e provar que foi precisamente o recorrente, que é operador de uma estação de serviço, e não outra pessoa, que foi vítima da prática de fixação dos preços.

24

O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que, segundo a jurisprudência nacional, quando, nomeadamente, a infração declarada numa decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência e a infração que é objeto de uma ação de declaração de nulidade intentada ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE não coincidem, tal decisão não constitui sequer um indício da existência de uma infração às regras da concorrência.

25

Por conseguinte, no caso em apreço, para obter uma decisão que declare a nulidade dos contratos em causa no processo principal, os herdeiros de KN devem apresentar novamente naquele órgão jurisdicional as provas que foram apresentadas no âmbito do dossiê administrativo que foi examinado pelas autoridades nacionais da concorrência.

26

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que negar qualquer efeito vinculativo às decisões definitivas da autoridade nacional da concorrência teria por consequência manter em vigor contratos que violam o artigo 101.o TFUE.

27

Segundo o mesmo órgão jurisdicional, se os herdeiros de KN conseguirem provar que estes contratos correspondem no plano temporal e territorial às práticas punidas pelas autoridades nacionais da concorrência nas suas decisões definitivas, bem como ao tipo de contratos examinados por essas autoridades, haverá que considerar que cumpriram o ónus da prova que lhes incumbe por força do artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003 e, por conseguinte, que conseguiram provar a existência da infração ao artigo 101.o TFUE que é objeto das suas ações.

28

Nestas condições, o Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Madrid (Tribunal de Comércio n.o 2 de Madrid) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Se o demandante demonstrar que a sua relação contratual de fornecimento exclusivo sob insígnia (em regime de comissão ou de venda firme com preço de referência — revenda com desconto) com a REPSOL cabe no âmbito territorial e temporal analisado pela autoridade nacional da concorrência, deve entender‑se que a relação contratual era abrangida pela Decisão do Tribunal de Defensa de la Competencia (Tribunal da Concorrência […]) de 11 de julho de 2001 (processo n.o 490/00 REPSOL) e/ou pela Decisão da [CNC] de 30 de julho de 2009 (processo n.o 652/07 REPSOL/CEPSA/BP), considerando‑se preenchidos, por força dessas decisões, os requisitos do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003, no que diz respeito ao ónus da prova da infração?

2)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, e uma vez demonstrado no caso concreto que a relação contratual é abrangida pela Decisão do Tribunal de Defensa de la Competencia (Tribunal da Concorrência […]) de 11 de julho de 2001 (processo n.o 490/00 REPSOL) e/ou pela Decisão da Comisión Nacional de la Competencia (Comissão Nacional da Concorrência) de 30 de julho de 2009 (processo n.o 652/07 REPSOL/CEPSA/BP), deve a consequência necessária ser a declaração de nulidade do acordo, em conformidade com o artigo 101.o, n.o 2, TFUE?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

Observações preliminares

29

O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se à Diretiva 2014/104, nomeadamente ao seu artigo 9.o, n.o 1. Ora, esta disposição só pode ser pertinente para a resolução do litígio no processo principal se este litígio estiver abrangido pelo seu âmbito de aplicação material e temporal.

30

A este respeito, no que se refere ao âmbito de aplicação material do artigo 9.o da Diretiva 2014/104, há que salientar, como resulta do título desta diretiva e do seu artigo 1.o, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», que a referida diretiva estabelece determinadas regras que regem as ações de indemnização intentadas ao nível nacional respeitantes a infrações às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União.

31

Daqui resulta que o âmbito de aplicação material da Diretiva 2014/104, incluindo o do seu artigo 9.o, está limitado apenas às ações de indemnização intentadas a título de infrações às regras da concorrência e que, por conseguinte, não abrange outros tipos de ações que tenham por objeto infrações às disposições do direito da concorrência, como, por exemplo, as ações de declaração de nulidade intentadas ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE.

32

Daqui resulta que a ação de declaração de nulidade intentada pelos herdeiros de KN ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE não está abrangida pelo âmbito de aplicação material da Diretiva 2014/104.

33

No que respeita à aplicabilidade temporal do artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva à ação de indemnização intentada pelos herdeiros de KN, há que recordar que, para determinar a aplicabilidade temporal das disposições da referida diretiva, há que determinar, em primeiro lugar, se a disposição em causa constitui ou não uma disposição substantiva (Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 38).

34

No caso de o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 ser qualificado de «disposição substantiva» e uma vez que, no caso em apreço, é facto assente que esta diretiva foi transposta para o direito espanhol cinco meses depois de ter expirado o prazo de transposição previsto no seu artigo 21.o, visto que o Real Decreto‑Lei 9/2017 que transpôs a referida diretiva entrou em vigor em 27 de maio de 2017, há que verificar, em segundo lugar, se a situação em causa no processo principal, não podendo ser qualificada de nova, se constituiu antes do termo do prazo de transposição desta mesma diretiva, a saber, 27 de dezembro de 2016, ou, se continuou a produzir os seus efeitos depois de este prazo ter expirado (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.os 42 e 48).

35

Ao invés, se esta disposição for qualificada de «disposição processual», é aplicável à situação jurídica em causa na data em que entrou em vigor (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Jumbocarry Trading,C‑39/20, EU:C:2021:435, n.o 28).

36

No que respeita, em primeiro lugar, à natureza substantiva ou não do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, há que recordar que, nos termos desta disposição, os Estados‑Membros asseguram que uma infração ao direito da concorrência declarada por decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência ou por um tribunal de recurso seja considerada irrefutavelmente estabelecida para efeitos de ação de indemnização intentada nos seus tribunais nacionais ao abrigo do artigo 101.o ou do artigo 102.o TFUE ou do direito nacional da concorrência.

37

Resulta da redação da referida disposição que esta confere, em substância, às decisões definitivas de uma autoridade nacional da concorrência ou, sendo caso disso, às decisões de uma instância de recurso que declaram infrações ao direito da concorrência um efeito vinculativo para efeitos das ações de indemnização intentadas nos órgãos jurisdicionais do mesmo Estado‑Membro que aquele em que esta autoridade exerce as suas competências.

38

Em especial, o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 estabelece uma presunção inilidível relativa à existência de uma infração ao direito da concorrência.

39

Ora, uma vez que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a existência de uma infração ao direito da concorrência, a existência de um dano causado por esta infração, o nexo de causalidade entre esses danos e a referida infração, bem como a identidade do autor da mesma infração fazem parte dos elementos indispensáveis de que o lesado deve dispor para intentar uma ação de indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 60), há que considerar que o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 versa sobre a existência de um dos elementos constitutivos da responsabilidade civil a título das infrações às regras do direito da concorrência e deve, por conseguinte, conforme o advogado‑geral assinalou, em substância, no n.o 64 das suas conclusões, qualificar‑se como norma substantiva.

40

Por conseguinte, há que considerar que o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 reveste natureza substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva.

41

Como resulta do n.o 34 do presente acórdão, para determinar a aplicabilidade temporal do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, há que verificar, em segundo lugar, se a situação em causa no processo principal foi constituída antes de ter expirado o prazo de transposição desta diretiva ou se continuou a produzir efeitos depois de este prazo ter expirado.

42

Para tal, há que tomar em consideração a natureza e o mecanismo de funcionamento do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.os 49 e 100).

43

Como resulta do n.o 38 do presente acórdão, esta disposição estabelece uma presunção segundo a qual se considera que uma infração ao direito da concorrência declarada numa decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência ou numa decisão de uma instância de recurso está inilidivelmente provada para efeitos de uma ação de indemnização a título de uma infração ao direito da concorrência, intentada na sequência de tais decisões, num órgão jurisdicional do mesmo Estado‑Membro que aquele em que essa autoridade e essa instância de recurso exercem as suas competências.

44

Uma vez que o facto identificado pelo legislador da União para permitir considerar que a infração em causa está provada de forma inilidível para efeitos da ação de indemnização em questão é a data em que a decisão em causa se tornou definitiva, há que verificar se essa data antecede a data em que expirou o prazo de transposição da Diretiva 2014/104, uma vez que esta última não foi transposta para o direito espanhol nesse prazo.

45

No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, por um lado, que a Decisão de 2001 se tornou definitiva na sequência do Acórdão de 17 de novembro de 2010 do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal). Por outro lado, a Decisão de 2009 tornou‑se definitiva na sequência dos Acórdãos do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) de 22 de maio e de 2 de junho de 2015. Assim, estas decisões tornaram‑se definitivas antes da data em que terminou o prazo de transposição da Diretiva 2014/104. Daqui resulta que as situações em causa no processo principal estão consolidadas.

46

Consequentemente, atendendo ao artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, há que considerar que o artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva não é aplicável ratione temporis a ações de indemnização intentadas depois de as autoridades nacionais da concorrência terem tomado decisões que se tornaram definitivas antes de terminar o prazo de transposição da referida diretiva.

47

Nestas condições, no caso em apreço, há que examinar a regulamentação nacional, nos termos em que é interpretada pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, especialmente à luz do artigo 101.o TFUE, conforme aplicado pelo artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003.

Quanto ao mérito

48

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE, conforme implementado pelo artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003 e lido em conjugação com o princípio da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que uma infração ao direito da concorrência declarada numa decisão de uma autoridade nacional da concorrência, que foi objeto de um recurso de anulação interposto nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes mas que se tornou definitiva depois de ter sido confirmada por esses órgãos jurisdicionais, se considera provada, no âmbito tanto de uma ação de declaração de nulidade intentada ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE como de uma ação de indemnização por uma infração ao artigo 101.o TFUE, pelo demandante até prova em contrário, transferindo‑se assim o ónus da prova definido neste artigo 2.o para o demandado, desde que o âmbito temporal e territorial da pretensa infração que é objeto destas ações coincida com o da infração que foi declarada na referida decisão.

49

Segundo jurisprudência assente, da mesma forma que cria encargos para os particulares, o direito da União também se destina a criar direitos que entram no património jurídico desses particulares. Estes direitos nascem não apenas quando são atribuídos expressamente pelos Tratados, mas também em consequência de obrigações que estes impõem de forma bem definida tanto aos particulares como aos Estados‑Membros e às instituições da União (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Stichting Cartel Compensation e Equilib Netherlands, C‑819/19, EU:C:2021:904, n.o 47 e jurisprudência referida).

50

Há que recordar que os artigos 101.o, n.o 1, TFUE e 102.o TFUE produzem efeitos diretos nas relações entre os particulares e criam direitos na esfera jurídica dos sujeitos de direito, que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (Acórdão de 14 de março de 2019, Skanska Industrial Solutions e o., C‑724/17, EU:C:2019:204, n.o 24).

51

A plena eficácia destas disposições e, em particular, o efeito útil das proibições nelas enunciadas seriam postos em causa se uma pessoa não pudesse pedir a reparação do dano que lhe foi causado por um contrato ou por um comportamento suscetível de restringir ou de falsear o jogo da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de março de 2019, Skanska Industrial Solutions e o., C‑724/17, EU:C:2019:204, n.o 25 e de 28 de março de 2019, Cogeco Communications,C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 39).

52

Com efeito, as ações de indemnização por violação das regras de concorrência da União intentadas nos órgãos jurisdicionais nacionais asseguram a plena eficácia do artigo 101.o TFUE, nomeadamente, o efeito útil da proibição enunciada no seu n.o 1, e reforçam assim o caráter operacional das regras de concorrência da União, uma vez que são suscetíveis de desencorajar os acordos ou as práticas, frequentemente dissimulados, suscetíveis de restringir ou de falsear o jogo da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Stichting Cartel Compensation e Equilib Netherlands, C‑819/19, EU:C:2021:904, n.o 50 e jurisprudência referida).

53

Conforme o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 82 das suas conclusões, sucede o mesmo com as ações de declaração de nulidade intentadas ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE.

54

Com efeito, qualquer pessoa tem direito de invocar em juízo a violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e, por conseguinte, de invocar a nulidade de um acordo ou de uma decisão proibidos por esta disposição, prevista no artigo 101.o, n.o 2, TFUE, bem como de pedir a reparação do dano sofrido quando exista um nexo de causalidade entre o referido dano e esse contrato ou essa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Stichting Cartel Compensation e Equilib Netherlands, C‑819/19, EU:C:2021:904, n.o 49 e jurisprudência referida).

55

Como resulta de jurisprudência constante, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, encarregados de aplicar, no âmbito das suas competências, as disposições do direito da União, garantir não apenas o pleno efeito destas disposições, como também proteger os direitos que as mesmas conferem aos particulares. É a esses órgãos jurisdicionais que está confiada a tarefa de assegurar a proteção jurídica que decorre, para os sujeitos de direito, do efeito direto das disposições do direito da União (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Stichting Cartel Compensation e Equilib Netherlands, C‑819/19, EU:C:2021:904, n.o 52 e jurisprudência referida).

56

Neste contexto, há que recordar que, em conformidade com o artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, em todos os processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, independentemente de os processos em causa serem processos nacionais ou da União, o ónus da prova de uma violação do artigo 101.o, n.o 1, ou do artigo 102.o TFUE incumbe à parte ou à autoridade que a alega.

57

Embora o artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003 regule expressamente o ónus da prova, incluindo em situações nas quais as ações de declaração de nulidade ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE e/ou as ações de indemnização por infração ao direito da concorrência são intentadas na sequência de uma decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência, como as que estão em causa no processo principal, não deixa de ser certo que o Regulamento n.o 1/2003 não contém disposições relativas aos efeitos dessas decisões no âmbito destes dois tipos de ações.

58

Ora, não havendo regulamentação da União na matéria, aplicável ratione materiae ou ratione temporis, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades de exercício do direito de requerer a declaração da nulidade de acordos ou de decisões ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE, bem como do direito à reparação do dano resultante de uma infração ao artigo 101.o TFUE, incluindo as relativas aos efeitos vinculativos das decisões definitivas das autoridades nacionais da concorrência no âmbito desses tipos de ações, desde que os princípios da equivalência e da efetividade sejam respeitados (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 42).

59

Assim, as regras aplicáveis às ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que resultam para os sujeitos de direitos do efeito direto do direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que dizem respeito a ações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 43).

60

Em especial, as modalidades visadas no n.o 58 do presente acórdão não devem prejudicar a aplicação efetiva dos artigos 101.o e 102.o TFUE e devem ser adaptadas às especificidades dos processos abrangidos pelo direito da concorrência, para as quais, em princípio, é necessário realizar uma análise factual e económica complexa (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.os 44, 46 e 47).

61

Ora, conforme o advogado‑geral salientou nos n.os 91 e 92 das suas conclusões, o exercício do direito à indemnização a título de violações do artigo 101.o TFUE tornar‑se‑ia excessivamente difícil se não fosse reconhecido às decisões definitivas de uma autoridade da concorrência o menor efeito no âmbito das ações cíveis de indemnização ou das ações de declaração de nulidade de acordos ou de decisões proibidos por força deste artigo.

62

Assim, para garantir a aplicação efetiva dos artigos 101.o e 102.o TFUE, nomeadamente no âmbito de ações de declaração de nulidade intentadas ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE e de ações de indemnização por infração às regras da concorrência intentadas na sequência de uma decisão de uma autoridade nacional da concorrência que foi objeto de um recurso de anulação interposto nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes mas que se tornou definitiva depois de ter sido confirmada por esses órgãos jurisdicionais e que já não pode ser objeto de recurso a interpor através das vias ordinárias, há que considerar que, especialmente no âmbito dos processos relativos a semelhantes ações que são intentadas num órgão jurisdicional do mesmo Estado‑Membro no qual essa autoridade exerce as suas competências, a declaração de uma infração ao direito da concorrência pela referida autoridade faz prova da existência dessa infração até prova em contrário, que incumbe à recorrida apresentar, desde que a sua natureza e o seu âmbito material, pessoal, temporal e territorial correspondam aos da infração declarada nessa decisão.

63

Nestas condições, há que considerar que, para efeitos de tais processos, a existência de uma infração ao direito da concorrência da União declarada em semelhante decisão se entende estar provada pela demandante até prova em contrário, transferindo‑se assim o ónus da prova definido no artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003 para a demandada, desde que a natureza e o âmbito material, pessoal, temporal e territorial das pretensas infrações que são objeto das ações intentadas pelo demandante correspondam aos da infração declarada na referida decisão.

64

Além disso, quando o autor, a natureza, a qualificação jurídica, a duração e o âmbito territorial da infração declarada neste tipo de decisão e na infração que é objeto da ação em causa só coincidam parcialmente, as constatações que figuram nessa decisão não são necessariamente desprovidas de qualquer pertinência, antes constituindo um indício da existência dos factos a que se referem essas constatações, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 97 das suas conclusões.

65

No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os herdeiros de KN provaram que a sua situação está abrangida pelo âmbito de aplicação das Decisões de 2001 e 2009 e, especialmente, que a natureza e o âmbito material, pessoal, temporal e territorial das pretensas infrações objeto da sua ação de declaração de nulidade e da sua ação de indemnização intentadas na sequência dessas decisões definitivas correspondem à natureza e ao âmbito das infrações que foram declaradas nessas decisões.

66

Se assim não for e se as infrações declaradas nas referidas decisões só coincidirem de forma limitada com as infrações alegadas no âmbito das ações intentadas pelos herdeiros de KN, essas mesmas decisões podem ser invocadas como indícios da existência dos factos a que se referem as constatações que figuram nessas decisões.

67

Atendendo às considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 101.o TFUE, conforme é implementado pelo artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003 e lido em conjugação com o princípio da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que uma infração ao direito da concorrência declarada numa decisão de uma autoridade nacional da concorrência, que foi objeto de um recurso de anulação interposto nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes mas que se tornou definitiva depois de ter sido confirmada por esses órgãos jurisdicionais, se considera provada, no âmbito tanto de uma ação de declaração de nulidade intentada ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE como de uma ação de indemnização por uma infração ao artigo 101.o TFUE, pelo demandante até prova em contrário, transferindo‑se assim o ónus da prova definido neste artigo 2.o para o demandado, desde que a natureza da pretensa infração objeto dessas ações, bem como o seu âmbito material, pessoal, temporal e territorial coincidam com os da infração que foi declarada na referida decisão.

Quanto à segunda questão

68

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se um demandante provar a existência de uma infração a este artigo que é objeto da sua ação de declaração de nulidade intentada ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE, bem como da sua ação de indemnização intentada para efeitos da reparação do dano sofrido devido a essa infração, os acordos abrangidos por essas ações que violem o artigo 101.o TFUE são integralmente nulos de pleno direito.

69

A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 101.o, n.o 2, TFUE, são nulos os acordos ou as decisões proibidos pelo presente artigo.

70

Esta nulidade, que pode ser invocada por todos, impõe‑se ao juiz a partir do momento em que os requisitos de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE estejam preenchidos e quando o acordo em causa não possa justificar a concessão de uma isenção ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE. Uma vez que a nulidade visada no artigo 101.o, n.o 2, TFUE reveste caráter absoluto, um acordo nulo nos termos desta disposição não produz efeitos nas relações entre os contratantes e não é oponível a terceiros. Além disso, tal nulidade é suscetível de afetar todos os efeitos, passados ou futuros, do acordo ou da decisão em causa (Acórdão de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 22).

71

A nulidade prevista no artigo 101.o, n.o 2, TFUE visa apenas as estipulações contratuais que sejam incompatíveis com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. As consequências desta nulidade para todos os outros elementos do acordo não são abrangidas pelo direito da União. Estas consequências devem ser apreciadas pelo órgão jurisdicional nacional à luz do direito do Estado‑Membro a que este último pertence (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 1983, Société de vente de ciments et bétons de l’Est, 319/82, EU:C:1983:374, n.o 12).

72

Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar, à luz do direito nacional aplicável, o âmbito e as consequências, para o conjunto das relações contratuais, de uma eventual declaração de nulidade de algumas cláusulas contratuais ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 18 de dezembro de 1986, VAG France, 10/86, EU:C:1986:502, n.o 15).

73

Assim, a nulidade prevista no artigo 101.o, n.o 2, TFUE só se aplica aos elementos do acordo que estejam proibidos pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE. O acordo no seu conjunto só estará ferido de nulidade quando esses elementos não pareçam ser separáveis do próprio acordo (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, EU:C:1991:91, n.o 40).

74

Atendendo às considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se um demandante provar a existência de uma infração a este artigo que é objeto da sua ação de declaração de nulidade intentada ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE e da sua ação de indemnização intentada a título desta infração, o juiz nacional deve retirar dessa existência todas as consequências e dela deduzir, nomeadamente, nos termos do artigo 101.o, n.o 2, TFUE, a nulidade de todas as estipulações contratuais incompatíveis com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, sendo que a integralidade do acordo em causa só fica ferida dessa nulidade se esses elementos não forem separáveis do próprio acordo.

Quanto às despesas

75

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 101.o TFUE, conforme implementado pelo artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] e lido em conjugação com o princípio da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que uma infração ao direito da concorrência declarada numa decisão de uma autoridade nacional da concorrência, que foi objeto de um recurso de anulação interposto nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes mas que se tornou definitiva depois de ter sido confirmada por esses órgãos jurisdicionais, se considera provada, no âmbito tanto de uma ação de declaração de nulidade intentada ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE como de uma ação de indemnização por uma infração ao artigo 101.o TFUE, pelo demandante até prova em contrário, transferindo‑se assim o ónus da prova definido neste artigo 2.o para o demandado, desde que a natureza da pretensa infração objeto dessas ações, bem como o seu âmbito material, pessoal, temporal e territorial coincidam com os da infração que foi declarada na referida decisão.

 

2)

O artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se um demandante provar a existência de uma infração a este artigo que é objeto da sua ação de declaração de nulidade intentada ao abrigo do artigo 101.o, n.o 2, TFUE e da sua ação de indemnização intentada a título desta infração, o juiz nacional deve retirar dessa existência todas as consequências e dela deduzir, nomeadamente, nos termos do artigo 101.o, n.o 2, TFUE, a nulidade de todas as estipulações contratuais incompatíveis com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, sendo que a integralidade do acordo em causa só fica ferido dessa nulidade se esses elementos não forem separáveis do próprio acordo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.