CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 16 de março de 2021 ( 1 )

Processo C‑28/20

Airhelp Ltd

contra

Scandinavian Airlines System SAS

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Attunda tingsrätt (Tribunal de Primeira Instância de Attunda, Suécia)]

«Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Regras comuns em matéria de indemnização e de assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque ou de cancelamento ou atraso considerável de um voo — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 5.o, n.o 3 — Artigo 7.o, n.o 1 — Direito a indemnização — Isenção — Conceito de “circunstâncias extraordinárias” — Greve convocada por um sindicato e previamente anunciada — Conceito de “medidas razoáveis” para obviar a uma circunstância extraordinária ou às consequências dessa circunstância»

Índice

 

I. Introdução

 

II. Quadro jurídico

 

A. Direito da União

 

B. Direito sueco

 

III. Matéria de facto, tramitação do processo principal e questões prejudiciais

 

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

 

V. Análise jurídica

 

A. Observações preliminares

 

B. Quanto à primeira questão prejudicial

 

1. A greve enquanto circunstância suscetível de ser qualificada de «extraordinária»

 

2. Análise do caráter «extraordinário» do ponto de vista dos critérios estabelecidos pela jurisprudência

 

a) A greve não constitui um evento inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea

 

1) Distinção entre os fatores «internos» e «externos» que têm incidência sobre as atividades da transportadora aérea

 

2) Aplicação por analogia da jurisprudência relativa a aspetos técnicos ao domínio da gestão do pessoal

 

3) Os princípios decorrentes do Acórdão Krüsemann não são aplicáveis ao caso em apreço

 

b) A transportadora aérea não tem controlo sobre a greve provocada por um sindicato de trabalhadores

 

1) Os princípios decorrentes do Acórdão Krüsemann não são aplicáveis à situação em causa no processo principal

 

2) Quanto aos interesses respetivos dos parceiros sociais e dos consumidores protegidos pela Carta, bem como à necessidade de uma ponderação

 

i) Observações de caráter geral

 

ii) Síntese da jurisprudência relativa à resolução de conflitos de interesses de nível constitucional

 

— Equilíbrio entre os direitos fundamentais e as liberdades fundamentais do mercado interno

 

— Equilíbrio entre os direitos fundamentais

 

3) Tomada em consideração das conclusões retiradas da ponderação de interesses na interpretação do Regulamento n.o 261/2004

 

c) Conclusão intercalar

 

d) Quanto à pertinência da «licitude» de uma greve e da existência de um pré‑aviso para qualificar uma circunstância de «extraordinária»

 

3. Critérios para determinar as «medidas razoáveis» que qualquer transportadora aérea deve tomar

 

a) O conceito de «medidas razoáveis» segundo a jurisprudência

 

b) Observações relativas à repartição de competências entre o juiz nacional e o juiz da União

 

c) Elementos de interpretação a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio

 

1) As medidas razoáveis devem evitar o cancelamento ou o atraso considerável de um voo

 

2) A transportadora aérea deve explorar todas as possibilidades legais para defender os seus interesses e os dos passageiros

 

3) A transportadora aérea deve prever uma reserva de tempo para obviar a eventuais imprevistos

 

4) A transportadora aérea deve ter em conta o pré‑aviso que antecedeu a greve convocada pelo sindicato

 

5) A transportadora aérea deve organizar os seus recursos materiais e humanos para garantir a continuidade das suas operações

 

6) A transportadora deve facilitar o acesso a voos noutras companhias que não sejam afetadas pela greve

 

4. Resposta à primeira questão prejudicial

 

C. Quanto à segunda questão prejudicial

 

D. Quanto à terceira questão prejudicial

 

VI. Conclusão

I. Introdução

1.

No presente processo, que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, o Attunda tingsrätt (Tribunal de Primeira Instância de Attunda, Suécia) submete ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais relativas à interpretação do conceito de «circunstâncias extraordinárias» previsto no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 ( 2 ).

2.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe S., passageiro aéreo, à Scandinavian Airlines System Denmark — Norway — Sweden (a seguir «SAS»), uma transportadora aérea, a respeito da recusa desta última de indemnizar esse passageiro na sequência do cancelamento do seu voo. A SAS alega, a este respeito, «circunstâncias extraordinárias» na aceção da disposição acima referida, associadas a uma greve do seu pessoal, organizada na sequência de uma convocação de um sindicato, com vista a reivindicar melhores condições de trabalho. A SAS considera, por conseguinte, que deve ser isentada da obrigação de pagar a indemnização prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004.

3.

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a questão de saber se uma greve na situação descrita no número anterior pode ser considerada uma «circunstância extraordinária» que isenta a transportadora aérea da sua responsabilidade para com os passageiros, não só no que respeita ao pagamento de uma indemnização como também no que respeita à adoção de medidas adequadas para atenuar o impacto da greve. O presente processo oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de desenvolver a sua jurisprudência relativa à interpretação do Regulamento n.o 261/2004 e, sobretudo, de esclarecer o contexto em que se inscreve o seu Acórdão de 17 de abril de 2018, Krüsemann ( 3 ) que, embora diga também respeito tanto à qualificação de «circunstância extraordinária» de uma greve que afeta as operações de uma transportadora aérea — qualificação rejeitada, aliás, pelo Tribunal de Justiça — apresenta diferenças significativas ao nível do quadro factual comparado com o do presente processo, que são suscetíveis de justificar uma apreciação jurídica diferente.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

4.

Os considerandos 1, 2 e 12 a 15 do Regulamento n.o 261/2004 enunciam:

«(1)

A ação da [União] no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

(2)

As recusas de embarque e o cancelamento ou atraso considerável dos voos causam sérios transtornos e inconvenientes aos passageiros.

[…]

(12)

Os transtornos e inconvenientes causados aos passageiros pelo cancelamento dos voos deverão igualmente ser reduzidos. Para esse efeito, as transportadoras aéreas deverão ser persuadidas a informar os passageiros sobre os cancelamentos antes da hora programada de partida e, além disso, a oferecer‑lhes um reencaminhamento razoável, por forma a permitir‑lhes tomar outras disposições. Caso assim não procedam, as transportadoras aéreas deverão indemnizar os passageiros, a menos que o cancelamento se tenha ficado a dever a circunstâncias excecionais que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

(13)

Os passageiros cujos voos sejam cancelados deverão poder ser reembolsados do pagamento dos seus bilhetes ou ser reencaminhados em condições satisfatórias e deverão receber assistência adequada enquanto aguardam um voo posterior.

(14)

Tal como ao abrigo da Convenção de Montreal, as obrigações a que estão sujeitas as transportadoras aéreas operadoras deverão ser limitadas ou eliminadas nos casos em que a ocorrência tenha sido causada por circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Essas circunstâncias podem sobrevir, em especial, em caso de instabilidade política, condições meteorológicas incompatíveis com a realização do voo em causa, riscos de segurança, falhas inesperadas para a segurança do voo e greves que afetem o funcionamento da transportadora aérea.

(15)

Considerar‑se‑á que existem circunstâncias extraordinárias sempre que o impacto de uma decisão de gestão do tráfego aéreo, relativa a uma determinada aeronave num determinado dia provoque um atraso considerável, um atraso de uma noite ou o cancelamento de um ou mais voos dessa aeronave, não obstante a transportadora aérea em questão ter efetuado todos os esforços razoáveis para evitar atrasos ou cancelamentos.»

5.

O artigo 2.o deste regulamento, intitulado «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)

“Transportadora aérea operadora”, uma transportadora aérea que opera ou pretende operar um voo ao abrigo de um contrato com um passageiro, ou em nome de uma pessoa coletiva ou singular que tenha contrato com esse passageiro;

[…]

l)

“Cancelamento”, a não realização de um voo que anteriormente estava programado e em que, pelo menos, um lugar foi reservado.»

6.

Nos termos do artigo 5.o do referido regulamento, intitulado «Cancelamento»:

«1.   Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

a)

Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8.o; e

b)

Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.o 1 e do n.o 2 do artigo 9.o, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.o 1 do artigo 9.o; e

c)

Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se:

i)

tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou

ii)

tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou

iii)

tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.

2.   Ao informar os passageiros do cancelamento, devem ser prestados esclarecimentos sobre eventuais transportes alternativos.

3.   A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.o, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

4.   O ónus da prova relativamente à questão de saber se e quando foi o passageiro informado do cancelamento, recai sobre a transportadora aérea operadora.»

7.

Resulta do artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, intitulado «Direito a indemnização»:

«1.   Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)

250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;

b)

400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros;

c)

600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

Na determinação da distância a considerar, deve tomar‑se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.

2.   Quando for oferecido aos passageiros reencaminhamento para o seu destino final num voo alternativo nos termos do artigo 8.o, cuja hora de chegada não exceda a hora programada de chegada do voo originalmente reservado:

a)

Em duas horas, no caso de quaisquer voos até 1500 quilómetros; ou

b)

Em três horas, no caso de quaisquer voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e no de quaisquer outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros; ou

c)

Em quatro horas, no caso de quaisquer voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b),

a transportadora aérea operadora pode reduzir a indemnização fixada no n.o 1 em 50 %.

3.   A indemnização referida no n.o 1 deve ser paga em numerário, através de transferência bancária eletrónica, de ordens de pagamento bancário, de cheques bancários ou, com o acordo escrito do passageiro, através de vales de viagem e/ou outros serviços.

4.   As distâncias referidas nos n.os 1 e 2 devem ser medidas pelo método da rota ortodrómica.»

8.

O artigo 8.o deste regulamento, intitulado «Direito a reembolso ou reencaminhamento», dispõe:

«1.   Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:

a)

O reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.o 3 do artigo 7.o, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efetuadas, e para a parte ou partes da viagem já efetuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, cumulativamente, nos casos em que se justifique,

Um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;

b)

O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou

c)

O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.

[…]

3.   Sempre que uma cidade ou região for servida por vários aeroportos e uma transportadora aérea operadora oferecer aos passageiros um voo para um aeroporto alternativo em relação àquele para o qual tinha sido feita a reserva, a transportadora aérea operadora deve suportar o custo da transferência do passageiro desse aeroporto alternativo para o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, ou para outro destino próximo acordado com o passageiro.»

9.

O artigo 9.o do referido regulamento, que se refere ao «[d]ireito a assistência», prevê:

«1.   Em caso de remissão para o presente artigo, devem ser oferecidos a título gratuito aos passageiros:

a)

Refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera;

b)

Alojamento em hotel:

caso se torne necessária a estadia por uma ou mais noites, ou

caso se torne necessária uma estadia adicional à prevista pelo passageiro;

c)

Transporte entre o aeroporto e o local de alojamento (hotel ou outro).

2.   Além disso, devem ser oferecidas aos passageiros, a título gratuito, duas chamadas telefónicas, telexes, mensagens via fax ou mensagens por correio eletrónico.

3.   Ao aplicar o presente artigo, a transportadora aérea operadora deve prestar especial atenção às necessidades das pessoas com mobilidade reduzida e de quaisquer acompanhantes seus, bem como às necessidades das crianças não acompanhadas.»

B. Direito sueco

10.

O artigo 45.o da lagen (1976:580) om medbestämmande i arbetslivet (Lei n.o 580 de 1976, sobre a Participação dos Trabalhadores nas Decisões Negociadas), dispõe, nomeadamente:

«Quando uma organização patronal, um empregador ou uma organização de trabalhadores pretenda iniciar uma ação coletiva ou ampliar o âmbito de aplicação de uma ação em curso, deve notificar, por escrito, a parte contrária e o Medlingsinstitutet [(Instituto Nacional de Mediação, Suécia)], mediante um pré‑aviso de, pelo menos, sete dias úteis. Por “dia útil” entende‑se qualquer dia da semana, com exceção de sábado, de domingo e dos feriados, bem como a véspera do dia de S. João, a véspera de Natal e o dia 31 de dezembro. O prazo é calculado a partir da hora do dia em que a ação coletiva tem início.»

III. Matéria de facto, tramitação do processo principal e questões prejudiciais

11.

Como resulta da fundamentação do pedido de decisão prejudicial, as circunstâncias factuais a seguir descritas estão na origem do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio. O passageiro S. tinha reservado um lugar num voo de Malmö (Suécia) para Estocolmo (Suécia) na SAS. Esse voo devia ter‑se realizado em 29 de abril de 2019, mas foi cancelado no próprio dia devido a uma greve dos pilotos da SAS na Noruega, na Suécia e na Dinamarca. A greve dos pilotos tinha como pano de fundo a denúncia, por parte das organizações de trabalhadores na Suécia, Noruega e Dinamarca representantes dos pilotos da SAS, da convenção coletiva anterior celebrada com a SAS, e que apenas expiraria em 2020. As negociações tendentes à celebração de uma nova convenção prolongavam‑se desde março de 2019. A greve dos pilotos durou sete dias — de 26 de abril de 2019 a 2 de maio de 2019 — e levou a SAS a cancelar mais de 4000 voos, o que afetou cerca de 380000 passageiros, entre os quais o passageiro S. Não lhe foi oferecido um reencaminhamento que tivesse limitado o atraso a menos de três horas. Mediante acordo, o passageiro S. cedeu o seu eventual direito a indemnização à Airhelp Ltd.

12.

A Airhelp pediu ao órgão jurisdicional de reenvio, a saber, o Attunda tingsrätt (Tribunal de Primeira Instância de Attunda), que ordenasse à SAS o pagamento da indemnização de 250 euros prevista no artigo 5.o, n.o 3, conjugado com o artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, acrescida dos juros de mora a contar de 10 de setembro de 2019 e até ser efetuado o pagamento.

13.

A SAS contestou o pedido da Airhelp com fundamento em que a greve dos pilotos constituía, na sua opinião, uma «circunstância extraordinária» que não poderia ter sido evitada mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Por conseguinte, a SAS não era obrigada a pagar a indemnização pedida.

14.

Segundo a SAS, as negociações fracassaram devido, por um lado, à exigência formulada pelos sindicatos de pilotos, de aumentar os salários destes em 13 %, ao longo de três anos, em vez dos 6,5 % previstos para o mesmo período pela convenção coletiva anterior, e, por outro, às suas reivindicações relativas aos horários de trabalho dos pilotos.

15.

Em 25 de abril de 2019, o Instituto Nacional de Mediação tinha apresentado às partes uma «recomendação» que propunha um aumento anual dos salários de 2,3 %. A SAS, que aprovou a recomendação, observa que o projeto de aumento dos salários do mediador estava em linha com o que é designado como a «marca», a saber, a percentagem de evolução dos salários que foi acordada pelas indústrias exportadoras para ser aplicada ao mercado de trabalho sueco, ao passo que os sindicatos dos pilotos reclamavam uma evolução dos salários muito superior à referida «marca». Ora, o modelo sueco do mercado de trabalho parte do princípio de que a marca tem natureza normativa para a fixação dos salários para a globalidade do mercado de trabalho sueco a fim de manter a competitividade sueca e de estabilizar as negociações das convenções coletivas.

16.

Os sindicatos de pilotos, por seu lado, rejeitaram esta recomendação, antes de iniciarem, em 26 de abril de 2019, as ações coletivas previamente anunciadas.

17.

Este conflito social prolongou‑se até à noite de 2 de maio de 2019, data em que foi celebrada uma nova convenção coletiva de três anos. Esta nova convenção cobre um período de três anos, até 2022, e prevê, nomeadamente, que os salários dos pilotos aumentarão 3,5 % em 2019, 3 % em 2020 e 4 % em 2021. No total, os salários aumentarão 10,5 % ao longo de três anos.

18.

A SAS sustenta que a greve dos pilotos constitui uma «circunstância extraordinária» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, na medida em que não é inerente ao exercício normal da sua atividade e que escapa ao seu controlo efetivo. Com efeito, uma decisão de greve simultânea de quatro organizações sindicais não se enquadra no exercício normal da atividade da SAS, que consiste em prestar serviços de transporte aéreo. Além disso, as greves são muito raras no mercado de trabalho sueco, e a greve em causa no processo principal, que afetou, em princípio, a totalidade dos pilotos da SAS, foi uma das maiores greves jamais registada na indústria do transporte aéreo. A SAS não podia, portanto, reorganizar as suas atividades de modo a poder assegurar os voos previstos. Por outro lado, sendo a greve dos pilotos lícita, a SAS não podia ter‑lhes ordenado que retomassem o trabalho. Deste modo, a greve dos pilotos escapava ao seu controlo efetivo.

19.

Além disso, a solução do Acórdão Krüsemann, segundo a qual uma greve sem aviso prévio é inerente ao exercício normal da atividade de uma transportadora aérea, não é transponível para o processo principal. Com efeito, a greve dos pilotos não foi motivada por uma medida tomada pela SAS, tal como não constituiu uma resposta espontânea do pessoal a uma medida que fizesse parte das medidas normais de gestão da SAS.

20.

Por último, na medida em que, em conformidade com os requisitos do direito sueco, só recebeu o pré‑aviso de greve uma semana antes do início desta, a SAS não podia, em qualquer caso, evitar a obrigação de indemnização prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), i), e no artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004, uma vez que resulta da primeira destas disposições que uma transportadora aérea só pode evitar o pagamento dessa indemnização se o cancelamento de um voo ocorrer pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida.

21.

A greve dos pilotos que afetou a SAS e que causou o cancelamento do voo em causa no processo principal constitui, portanto, uma «circunstância extraordinária» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do regulamento, na medida em que se trata de um acontecimento que, pela sua natureza e origem, não é inerente ao exercício normal da atividade da SAS e que escapa ao controlo efetivo desta última.

22.

A Airhelp, por seu lado, contestou que a greve em causa no processo principal pudesse ser considerada uma «circunstância extraordinária» na aceção da referida disposição. A celebração de convenções coletivas inscreve‑se, com efeito, no curso normal dos negócios de uma companhia aérea e podem surgir conflitos sociais nessa ocasião.

23.

Estava previsto que, por um lado, a SAS e, por outro, as associações de pilotos sueca, dinamarquesa e norueguesa celebrassem uma convenção coletiva sobre os salários e as condições gerais de trabalho dos comandantes de bordo e dos copilotos. Contudo, durante as negociações dessa convenção, as partes tinham a possibilidade de recorrer a ações coletivas, como a greve ou o lock‑out. A celebração da convenção coletiva pelos parceiros sociais implica uma paz social obrigatória durante o período de aplicação da mesma, pelo que uma greve realizada durante a paz social é ilegal ou selvagem.

24.

No passado, conflitos entre a SAS e diferentes grupos de pessoal conduziram, por diversas vezes, a ações coletivas dos trabalhadores relativas às condições de remuneração e à melhoria das condições de trabalho, mas também ao facto de os trabalhadores pretenderem exercer influência sobre o local de trabalho. No conflito social de 2012, a SAS encontrava‑se à beira da insolvência. Tendo acionistas maioritários condicionado a concessão de prestações suplementares à SAS a obrigações estritas em matéria de poupanças, os trabalhadores da SAS tinham então sido forçados, em pleno período de aplicação da convenção coletiva, a aceitar uma redução dos salários para não perderem o seu emprego. Ficou assim previsto que os pilotos trabalhariam mais e perderiam um mês de salário por ano.

25.

As decisões tomadas pela SAS em 2012 constituem uma razão subjacente importante no que respeita à greve dos pilotos de 2019, uma vez que, devido às dificuldades financeiras da companhia aérea, desencadearam uma forte deterioração das remunerações e das condições de trabalho dos pilotos. Ora, tendo a SAS recuperado economicamente em 2019, era absolutamente previsível e razoável que os pilotos pedissem aumentos de salários e uma melhoria das suas condições de trabalho aquando das novas negociações da convenção. Os pilotos consideraram que o nível de remuneração na SAS era inferior ao nível do mercado, ao passo que a SAS considerou que as pretensões salariais daqueles eram excessivas.

26.

A greve em causa no processo principal era, por conseguinte, inerente ao exercício normal da atividade da SAS e enquadrava‑se no controlo efetivo desta. Não podia, portanto, ser considerada uma «circunstância extraordinária» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, tanto mais que esta disposição é de interpretação estrita.

27.

Atendendo ao caráter inédito da questão de saber se o conceito de «circunstâncias extraordinárias», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, abrange uma greve que foi anunciada por organizações de trabalhadores na sequência de um pré‑aviso e iniciada licitamente, o Attunda tingsrätt (Tribunal de Primeira Instância de Attunda) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)

Uma greve dos pilotos de aeronaves, trabalhadores de uma transportadora aérea e indispensáveis [à] realização de um voo, constitui uma “circunstância extraordinária na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, na medida em que a greve não foi iniciada na sequência de uma medida tomada ou comunicada pela transportadora aérea, mas foi anunciada por organizações de trabalhadores na sequência de um pré‑aviso e iniciada licitamente, em conformidade com o direito nacional, enquanto ação coletiva destinada a pressionar a referida transportadora aérea a aumentar os salários, conceder benefícios ou alterar as condições de trabalho com vista a satisfazer as exigências das organizações de trabalhadores?

2)

O caráter razoável dos pedidos das organizações de trabalhadores e, em particular, o facto de o aumento dos salários pedido ser claramente mais elevado do que os aumentos dos salários geralmente aplicados nos mercados de trabalho nacionais pertinentes têm incidência na resposta à primeira questão?

3)

O facto de a transportadora aérea, com a intenção de evitar uma greve, aceitar uma proposta de conciliação apresentada por um organismo nacional responsável pela mediação dos conflitos coletivos, ao passo que as organizações de trabalhadores não aceitam essa proposta, tem incidência na resposta à primeira questão?»

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

28.

A decisão de reenvio, com data de 16 de janeiro de 2020, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de janeiro de 2020.

29.

As partes no processo principal, os Governos dinamarquês e espanhol, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas dentro do prazo fixado pelo artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

30.

Na audiência de 16 de dezembro de 2020, foram apresentadas observações pelos mandatários ad litem das partes no processo principal, dos Governos dinamarquês, francês, espanhol e alemão, bem como da Comissão.

V. Análise jurídica

A. Observações preliminares

31.

O transporte aéreo de passageiros constitui um setor importante da economia da União Europeia. Várias companhias aéreas que dominam atualmente este setor à escala internacional foram fundadas nos Estados‑Membros e tornaram‑se assim, de algum modo, emblemas do espírito empresarial europeu. Ao assegurar o transporte de passageiros para os vários cantos do mundo, estas companhias aéreas contribuem para a aproximação das pessoas e facilitam as trocas comerciais e culturais. Isto explica por que é que quem depende de um transporte aéreo fiável considere, na maioria das vezes, que as greves são perturbações desagradáveis suscetíveis de implicar consequências graves para os passageiros e para as próprias companhias aéreas. Este ponto de vista pode, contudo, fazer esquecer que as greves podem ser motivadas por razões, em princípio, legítimas, a saber, o desejo dos trabalhadores de melhorarem as suas condições de trabalho. Por outro lado, é evidente que os interesses da companhia aérea que, enquanto empregadora, suporta em última análise o risco empresarial, não podem ser descurados. Todas estas considerações destacam o facto de que, geralmente, vários interesses entram em conflito numa greve. Neutralizar o conflito de modo a permitir tomar em devida conta os interesses de todas as partes constitui, portanto, um verdadeiro desafio.

32.

No presente processo, o Tribunal de Justiça não é chamado a resolver o diferendo entre a SAS e os seus empregados, uma vez que este já foi resolvido internamente através da sua autonomia negocial. Incumbe ao Tribunal de Justiça interpretar o Regulamento n.o 261/2004 de modo a proteger suficientemente os consumidores em caso de greve do pessoal, tendo simultaneamente em conta o facto de a ordem jurídica da União reconhecer a liberdade de associação no domínio sindical e o direito à negociação e à ação coletiva, estando estes direitos fundamentais consagrados, respetivamente, no artigo 12.o e no artigo 28.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Com efeito, sendo a proteção do consumidor o objetivo legislativo deste regulamento, o Tribunal de Justiça deverá fornecer critérios claros que permitam determinar com segurança quais são as categorias de greves suscetíveis de ser qualificadas de «circunstâncias extraordinárias» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 e de isentar a transportadora aérea, sendo caso disso, da sua obrigação de pagar uma indemnização aos passageiros em razão das consequências que daí resultem. O facto de os órgãos jurisdicionais nacionais terem entendido esta questão de forma heterogénea ( 4 ) demonstra a necessidade de o Tribunal de Justiça prestar esclarecimentos. Esse grau de segurança jurídica acrescida seria igualmente benéfico para os parceiros sociais.

33.

O Tribunal de Justiça deu um primeiro passo com o Acórdão Krüsemann, já referido na introdução das presentes conclusões ( 5 ). No entanto, tendo em conta as circunstâncias específicas desse processo, a saber, o início de uma «greve sem aviso prévio», organizada pelos próprios trabalhadores (e não por um sindicato) como reação ao «anúncio surpresa», por parte da transportadora aérea, de uma reestruturação da empresa, este acórdão não me parece suscetível de responder a todas as questões jurídicas que venham a surgir. Por conseguinte, há que desenvolver uma jurisprudência mais ampla, que estabeleça princípios gerais, da qual o Acórdão Krüsemann, tendo em conta a sua especificidade, poderia certamente fazer parte.

34.

Pelo contrário, parece‑me que não se pode retirar nenhuma conclusão útil para a resolução do presente processo do Acórdão Finnair ( 6 ), em que o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se uma recusa de embarque podia ser justificada por uma reorganização dos voos ocorrida na sequência de «circunstâncias extraordinárias». Devo observar que, com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio se referia a uma greve do pessoal do aeroporto no ponto de partida do voo em questão. O Tribunal de Justiça retomou a apreciação do órgão jurisdicional na sua fundamentação e não excluiu provavelmente que a greve pudesse constituir tal circunstância, sem, todavia, a examinar em pormenor ( 7 ). É certo que se poderia ver aí uma confirmação tácita, por parte do Tribunal de Justiça, da apreciação feita pelo órgão jurisdicional de reenvio. Mas o Tribunal de Justiça pode também ter, deliberadamente, evitado tomar posição sobre uma questão jurídica que não estava verdadeiramente no cerne do processo. Em qualquer caso, seria preferível que o Tribunal de Justiça se pronunciasse expressamente sobre uma questão que reveste tal importância para o transporte aéreo. Atendendo à ambiguidade que afeta a interpretação deste acórdão, inclino‑me no sentido de não o incluir no meu raciocínio como indício do estado atual da jurisprudência.

35.

Antes de iniciar a análise das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça, há que recordar sucintamente as etapas da análise jurídica a efetuar para determinar se uma transportadora aérea pode ser isentada da obrigação de pagar uma indemnização nos termos do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, na sequência do cancelamento ou do atraso considerável de um voo. Em primeiro lugar, é necessário demonstrar a existência de uma «circunstância extraordinária» através dos critérios desenvolvidos na jurisprudência. Devo recordar, todavia, que, mesmo que este requisito estivesse preenchido no caso em apreço, a transportadora só poderia ser isentada se pudesse demonstrar que tinha tomado todas as «medidas razoáveis» para evitar as consequências desta circunstância. Neste contexto, observo uma conexão entre as questões prejudiciais e as referidas etapas da análise jurídica. Enquanto estas questões dizem respeito, do ponto de vista formal, à qualificação de uma situação como «circunstância extraordinária», certos aspetos podem revelar‑se pertinentes sobretudo no âmbito do exame das «medidas razoáveis» que a transportadora aérea é obrigada a tomar. As questões prejudiciais serão a seguir examinadas pela ordem em que foram submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B. Quanto à primeira questão prejudicial

1.   A greve enquanto circunstância suscetível de ser qualificada de «extraordinária»

36.

Como se referiu na introdução das presentes conclusões ( 8 ), o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se uma greve na situação descrita na primeira questão prejudicial pode ser considerada uma «circunstância extraordinária» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004. Estando esta questão jurídica no cerne do presente processo, é nela que a minha análise se centrará.

37.

A este respeito, devo recordar antes de mais que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para a interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 9 ). Embora o Regulamento n.o 261/2004 não defina expressamente o conceito de «circunstância extraordinária», o legislador da União indicou que tal circunstância pode verificar‑se perante acontecimentos como os previstos no considerando 14 deste regulamento. Neste contexto, há que constatar que este considerando menciona, nomeadamente, «greves que afetem o funcionamento da transportadora aérea» ( 10 ). Uma vez que os considerandos de um ato jurídico, embora não tenham valor jurídico independente, podem constituir auxílios de interpretação que permitam deduzir a vontade do legislador ( 11 ), esta menção da greve parece‑me particularmente pertinente para efeitos da resposta a dar à primeira questão.

38.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que as circunstâncias suscetíveis de ser qualificadas de extraordinárias, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, «[estão] relacionadas com um evento que, à semelhança dos enumerados no décimo quarto considerando desse regulamento, não seja inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa e que, devido à sua natureza ou à sua origem, escape ao controlo efetivo desta última» ( 12 ). O Tribunal de Justiça precisou, é certo, que as circunstâncias visadas neste considerando não eram necessária e automaticamente causas de isenção da obrigação de indemnização ( 13 ). A redação do considerando 14 sugere, com efeito, que as greves podem constituir tais circunstâncias sem que esta conclusão se imponha, contudo, em todas as situações ( 14 ). Por conseguinte, há que examinar a possibilidade de tal qualificação caso a caso, recorrendo a critérios determinados.

2.   Análise do caráter «extraordinário» do ponto de vista dos critérios estabelecidos pela jurisprudência

39.

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a verificação de dois requisitos cumulativos permite considerar que as circunstâncias que rodeiam determinados eventos podem ser qualificadas de extraordinárias. O primeiro requisito é o de que o evento que lhes diz respeito não seja inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa. O segundo requisito é o de que o evento escape ao controlo efetivo da transportadora aérea em causa devido à sua natureza ou à sua origem ( 15 ).

40.

Como será exposto na análise que se segue, estes requisitos estão preenchidos no caso de uma greve organizada por um sindicato, como no processo principal. A decisão de desencadear uma greve é tomada pelos representantes sindicais dos trabalhadores no âmbito da sua autonomia de negociação coletiva e situa‑se, por conseguinte, fora das estruturas decisórias da companhia aérea em causa. Ainda que a greve faça parte da vida económica de qualquer empresa, esta última não exerce nenhum controlo sobre as decisões tomadas por um sindicato. Daqui decorre que a transportadora aérea não tem geralmente nenhuma influência juridicamente significativa sobre o facto de uma greve se realizar ou não, mesmo quando se trata do seu próprio pessoal.

a)   A greve não constitui um evento inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea

41.

No que respeita ao primeiro critério, resulta da jurisprudência que «a origem» do evento que causou o cancelamento ou o atraso do voo deve ser tomada em consideração na apreciação. Como algumas partes interessadas indicaram nas suas observações, há que distinguir os eventos cuja origem é «interna» daqueles cuja origem é «externa» ao transporte aéreo. Em conformidade com esta abordagem, só os eventos cuja origem é «interna» podem ser considerados «intrinsecamente ligados» ao exercício das atividades da transportadora aérea.

1) Distinção entre os fatores «internos» e «externos» que têm incidência sobre as atividades da transportadora aérea

42.

Na sua jurisprudência relativa às falhas técnicas que afetam o funcionamento de uma aeronave, o Tribunal de Justiça estabeleceu uma distinção clara entre os fatores «internos» e «externos» com incidência sobre a atividade da transportadora aérea, sem, todavia, se servir expressamente desta terminologia. É uma das razões pelas quais proponho a utilização desta abordagem para resolver a problemática em causa. Para melhor explicar a pertinência de tal distinção, importa começar por recapitular sucintamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça neste domínio, destacando os ensinamentos que daí se podem retirar.

43.

No Acórdão Wallentin‑Herrmann ( 16 ), o Tribunal de Justiça recusou isentar a transportadora aérea da sua responsabilidade para com os passageiros com fundamento em que a resolução de um problema técnico originado por uma falha na manutenção de um aparelho era inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea. No seu raciocínio, o Tribunal de Justiça baseou‑se na observação de que as transportadoras aéreas, no exercício da sua atividade, eram habitualmente confrontadas com diversos problemas técnicos, atendendo às condições específicas em que é efetuado o transporte aéreo bem como ao grau de sofisticação tecnológica das aeronaves. O Tribunal de Justiça salientou que era precisamente para evitar esses problemas, e prevenir incidentes que pusessem em causa a segurança dos voos, que esses aparelhos eram sujeitos a inspeções regulares particularmente rigorosas, que faziam parte das condições correntes de exploração das empresas de transporte aéreo. Assim, o Tribunal de Justiça concluiu que a ocorrência de problemas técnicos que afetavam o funcionamento de uma aeronave não era abrangida pelo conceito de «circunstância extraordinária», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 ( 17 ).

44.

Esta jurisprudência foi reiterada no Acórdão van der Lans ( 18 ), que respeitava à questão de saber se uma avaria provocada pela falha prematura de determinadas peças de uma aeronave constituía tal circunstância. O Tribunal de Justiça respondeu em sentido negativo, precisando que essa avaria permanecia intrinsecamente associada ao sistema de funcionamento muito complexo do aparelho, que a transportadora aérea explora em condições, designadamente meteorológicas, muitas vezes difíceis, ou mesmo extremas, entendendo‑se, por outro lado, que nenhuma peça de uma aeronave era inalterável. O Tribunal de Justiça concluiu que tal incidente era inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea, sendo essa transportadora confrontada, regularmente, com esse tipo de problemas técnicos ( 19 ).

45.

Inclino‑me para a uma interpretação da jurisprudência acima referida no sentido de que a transportadora aérea tem a responsabilidade de assegurar a manutenção e o bom funcionamento dos seus aparelhos a fim de cumprir devidamente as suas obrigações contratuais para com os passageiros. Por outras palavras, a transportadora aérea não pode invocar problemas técnicos, que deve identificar e resolver no âmbito da gestão habitual da empresa, com o objetivo de se subtrair às referidas obrigações.

46.

Dito isto, gostaria de chamar a atenção para o facto de, nos acórdãos acima referidos, o Tribunal de Justiça não ter excluído que os problemas técnicos possam eventualmente ser qualificados de «circunstâncias extraordinárias», desde que resultem de eventos que não sejam inerentes ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa e que escapem ao controlo efetivo desta última. Segundo o Tribunal de Justiça, é o que sucede, por exemplo, se o construtor dos aparelhos da frota da transportadora aérea em causa ou uma autoridade competente revelar, quando esses aparelhos já estão ao serviço, que os mesmos têm um defeito de fabrico oculto que afeta a segurança dos voos. O mesmo vale para os danos causados às aeronaves por atos de sabotagem ou de terrorismo ( 20 ).

47.

Na minha opinião, esta reserva da jurisprudência do Tribunal de Justiça equivale a reconhecer que, mesmo no que respeita a falhas técnicas, existem fatores «externos» pelos quais a transportadora aérea não pode ser considerada responsável, sob pena de se lhe pedir para fazer o impossível para evitar este tipo de eventos suscetíveis de afetar as suas operações ( 21 ). Com efeito, visto que, na maioria das vezes, a transportadora aérea não tem conhecimento dos defeitos de fabrico ocultos ou dos atos de terceiros que visem entravar as suas atividades, que se limitam antes à gestão quotidiana da empresa, não parece justo impor‑lhe uma obrigação quase ilimitada de evitar qualquer problema técnico suscetível de ter incidência sobre o funcionamento das aeronaves.

48.

O raciocínio exposto no número anterior encontra‑se, aliás, na base de uma jurisprudência desenvolvida posteriormente pelo Tribunal de Justiça, segundo a qual, quando a falha em causa tem origem exclusiva no embate com um objeto «estranho», essa falha não pode ser considerada intrinsecamente ligada ao sistema de funcionamento do aparelho.

49.

Era esse o caso no processo que deu origem ao Acórdão Pešková e Peška ( 22 ), que respeitava ao dano de uma aeronave provocado pela colisão entre esta e uma ave, bem como no processo que deu origem ao Acórdão Germanwings ( 23 ), relativo ao dano causado a um pneu por um detrito móvel, presente na pista do aeroporto. Por uma questão de exaustividade, há que referir igualmente o Acórdão Moens ( 24 ), proferido mais recentemente, que tinha por objeto a qualificação como «circunstância extraordinária» da presença de gasolina, que não provinha de uma aeronave da transportadora que efetuou esse voo, numa pista de um aeroporto que levou ao encerramento desta e, consequentemente, ao atraso considerável de um voo. Nos acórdãos acima referidos, o Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que as circunstâncias em causa não eram inerentes, pela sua natureza ou pela sua origem, ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em questão.

50.

A análise de jurisprudência precedente confirma, assim, a tese acima defendida ( 25 ), segundo a qual o Tribunal de Justiça tende a estabelecer uma distinção entre fatores «internos» e «externos» de todas as circunstâncias que tenham por efeito entravar as atividades da transportadora aérea, sendo apenas os pertencentes à última categoria suscetíveis de ser qualificados de «extraordinários».

2) Aplicação por analogia da jurisprudência relativa a aspetos técnicos ao domínio da gestão do pessoal

51.

Uma vez que esta distinção não se restringe necessariamente ao domínio técnico, deve ser alargada ao domínio da gestão do pessoal, aplicando‑a por analogia aos eventos suscetíveis de terem impacto sobre este último. Em última análise, a transportadora aérea, enquanto empresa, depende não só das suas aeronaves mas também do seu pessoal. Com efeito, o pessoal de uma companhia aérea é essencial para assegurar o seu funcionamento na medida em que se encarrega de todo um leque de tarefas, incluindo a navegação da aeronave, a manutenção da segurança dos passageiros bem como o serviço a bordo ( 26 ). Os recursos materiais e humanos constituem, assim, elementos indissociáveis de qualquer empresa que opere no setor do transporte aéreo de passageiros.

52.

Parece lógico, portanto, impor à transportadora aérea a responsabilidade de organizar o seu pessoal e de atribuir as tarefas de modo a que possa garantir a continuidade das operações apesar da ocorrência de incidentes perturbadores, tais como a ausência de certos membros do seu pessoal, associada a férias anuais ou a baixa por doença, reguladas, aliás, pelo direito da União ( 27 ), pela legislação social nacional e por convenções coletivas de trabalho. Na medida em que esses incidentes puramente «internos» apenas dizem respeito à organização dos recursos materiais e humanos de uma empresa, pela qual esta é exclusivamente responsável, afigura‑se lógico considerá‑los intrinsecamente ligados ao seu funcionamento. Por conseguinte, merecem ser qualificados de incidentes «inerentes» à atividade de uma transportadora aérea, tal como de qualquer outra empresa.

53.

Todavia, a situação é diferente quando o pessoal reage a fatores «externos» que escapam ao controlo da transportadora aérea. É o caso de uma ação de greve convocada por um sindicato de trabalhadores. Enquanto associações de pessoas cujo objetivo é a defesa dos interesses profissionais comuns, os sindicatos escapam, pela sua formação, à influência dos empregadores no plano estrutural. Com efeito, os sindicatos não fazem parte da estrutura decisória da empresa nem do sistema de exploração ou de funcionamento da empresa. Na medida em que um sindicato exprime reivindicações salariais, exortando o pessoal a parar o trabalho a fim de forçar o empregador a aceitar essas reivindicações, as suas atividades devem ser consideradas um fator «externo» suscetível de perturbar significativamente o funcionamento da transportadora aérea. Esta conclusão é válida independentemente do facto de a ordem jurídica da União reconhecer a liberdade de associação no domínio sindical, bem como o direito à negociação e às ações coletivas, incluindo a greve, aos quais voltarei mais adiante no âmbito da minha análise.

54.

O caso em apreço é um bom exemplo da extensão da perturbação que uma transportadora aérea pode sofrer nas suas operações na sequência de ações coletivas organizadas por sindicatos. Resulta dos autos que a greve em causa é descrita como sendo de grande envergadura, uma vez que nela participaram as organizações de trabalhadores na Suécia, na Noruega e na Dinamarca. Com efeito, a transportadora aérea foi simultaneamente afetada por ações coletivas nos três países em que exerce a maior parte da sua atividade económica. Além disso, há que observar que a greve foi convocada pelos sindicatos que representam os pilotos das aeronaves, ou seja, um setor do pessoal que o órgão jurisdicional de reenvio descreve, com razão, como «indispensável [à] operação de um voo». A greve durou sete dias, pelo que a transportadora aérea teve de anular mais de 4000 voos, o que afetou cerca de 380000 passageiros. Segundo os cálculos da SAS que esta transmitiu ao Tribunal de Justiça, se cada um dos passageiros tivesse direito à indemnização de base fixa prevista no artigo 7.o, isso implicaria um custo de cerca de 117000000 euros. A ameaça de uma greve prolongada poderia ter implicado prejuízos ainda mais importantes. Estas constatações demonstram que a cessação das operações provocada por uma greve sindical se distingue consideravelmente, em termos de qualidade e de extensão, da situação habitual em que alguns membros do pessoal se ausentam do trabalho devido a férias anuais ou a baixa por doença. Por conseguinte, considero que a greve deve ser tratada de forma diferente no plano jurídico.

3) Os princípios decorrentes do Acórdão Krüsemann não são aplicáveis ao caso em apreço

55.

O Acórdão Krüsemann, em que o Tribunal de Justiça declarou que uma greve sem aviso prévio não constituía uma «circunstância extraordinária», não infirma esta apreciação, dado que esse acórdão se restringe às circunstâncias desse caso concreto. Com efeito, importa chamar a atenção para o facto de o Tribunal de Justiça ter considerado nessa ocasião que a origem da greve era «interna», a saber, o anúncio da reestruturação da empresa, e que não tinha havido participação dos sindicatos ou de representantes do pessoal.

56.

Mais concretamente, o Tribunal de Justiça constatou, em primeiro lugar, que a transportadora aérea tinha comunicado o seu plano de reestruturação ao pessoal através de um «anúncio surpresa» e, em segundo lugar, que a greve não tinha sido organizada pelos representantes do pessoal, mas pelos próprios trabalhadores, que tinham apresentado baixa por doença. Resulta da análise dos fundamentos deste acórdão que a qualificação da greve como «inerente» ao exercício normal da atividade da transportadora aérea era manifestamente justificada pelas circunstâncias específicas do processo. Em especial, no n.o 42 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça inclui uma referência às «condições referidas nos n.os 38 e 39» ( 28 ), que se limitam a resumir os elementos factuais do processo principal. O contexto específico, nomeadamente a medida de gestão adotada pela transportadora e suscetível de implicar uma degradação das condições de trabalho dos trabalhadores, permite explicar a razão pela qual o Tribunal de Justiça foi levado a concluir de forma tão categórica que «no exercício da sua atividade, é possível as transportadoras aéreas serem habitualmente confrontadas com divergências ou mesmo conflitos com os membros do seu pessoal ou com parte dele».

57.

Pelo contrário, parece‑me que não pode ser retirada nenhuma conclusão quanto à qualificação de uma greve convocada subitamente, devido a um desacordo entre um sindicato e um empregador, como é o caso do presente processo. Não há indícios de que a SAS tenha anunciado ou adotado qualquer medida suscetível de provocar uma rejeição por parte do pessoal. A greve em causa parece antes ter tido uma motivação mais geral. Resulta dos autos que os sindicatos decidiram convocar a greve em 2019 perante o fracasso, ou progresso insuficiente, das negociações com o empregador. A este respeito, há que salientar que os sindicatos denunciaram prematuramente a convenção coletiva celebrada com a SAS, abrindo assim o caminho a negociações coletivas, com todos os riscos que tal abordagem comporta. Com efeito, a entrada em negociações não é uma garantia de sucesso das reivindicações. Trata‑se antes de se chegar a um acordo com a parte contrária. Assim, a cronologia dos acontecimentos que conduziram à greve parece ter começado com a denúncia da referida convenção coletiva por iniciativa dos próprios sindicatos e o manifesto fracasso dos seus esforços para obter concessões salariais por parte do empregador. Pelo contrário, a referência que a Airhelp faz ao acordo celebrado com a SAS em 2012 pela Airhelp — ou seja, sete anos antes dos acontecimentos pertinentes para efeitos da análise do presente processo —, em que os sindicatos aceitaram cortes salariais a fim de assegurar a sobrevivência desta companhia aérea ( 29 ), parece‑me demasiado vaga para poder estabelecer um nexo direto de causalidade com a ocorrência da greve.

58.

De igual modo, o facto de, no presente processo, não ser o próprio pessoal, mas antes uma associação independente da empresa que perturba o funcionamento da transportadora aérea através do absentismo do pessoal, exclui qualquer aplicação ao caso em apreço dos princípios desenvolvidos no Acórdão Krüsemann. Por conseguinte, há que considerar que a greve desencadeada pelo sindicato, sem que se possa censurar o que quer que seja à entidade patronal, é um fator «externo» às atividades da transportadora aérea.

59.

Parece‑me que o alcance do Acórdão Krüsemann deve ser limitado, tanto quanto possível, às circunstâncias específicas que lhe deram origem, caso contrário o considerando 14 do Regulamento n.o 261/2004 ficaria esvaziado da sua substância. Observo que este considerando não deixa dúvidas quando qualifica uma greve como suscetível de constituir uma «circunstância extraordinária». Independentemente do seu caráter a priori indicativo, bem como do facto de ser evidentemente necessário apreciar, caso a caso, se as circunstâncias previstas nesse considerando preenchem os dois requisitos cumulativos acima recordados ( 30 ), a menção da greve deve ser entendida como um forte indício por parte do legislador da União a favor dessa qualificação ( 31 ).

60.

No que respeita à evolução futura da jurisprudência, e abstraindo do caso em apreço, afigura‑se oportuno, ao apreciar o caráter inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea de uma greve, estabelecer uma distinção entre os fatores perturbadores puramente «internos» e os fatores «externos».

61.

Por um lado, certas greves têm origem num conflito interno da própria empresa, como era o caso do processo que deu origem ao Acórdão Krüsemann. Por outro lado, existem greves que são suscetíveis de ter incidência sobre o funcionamento da transportadora aérea, mesmo que, pela sua natureza e origem, não estejam ligadas à gestão da empresa, antes dependendo da vontade de uma entidade terceira, por exemplo, uma greve dos controladores aéreos, dos fornecedores de combustível, do pessoal de assistência em terra ou, em geral, de uma greve política que abranja vários serviços públicos em todo o território de um Estado‑Membro ( 32 ). Nesta hipótese, seria decerto desproporcionado impor à transportadora aérea a obrigação de zelarem por que as suas atividades não sejam perturbadas e de assegurarem o transporte dos passageiros a qualquer preço. Tal compromisso seria, em certos casos, quase impossível de cumprir.

62.

Isto é tanto mais verdade quanto o tipo de greves mencionado no número anterior se caracteriza pelo facto de afetar principalmente as condições gerais que regem a atividade económica da transportadora aérea, sobre as quais esta última não tem, geralmente, nenhuma influência. Por conseguinte, afigura‑se adequado não considerar este tipo de greves como um evento «inerente» ao exercício normal da atividade da transportadora aérea.

63.

Daqui resulta que uma greve provocada pelo sindicato do pessoal de uma transportadora aérea, em condições como as do processo principal, não pode ser considerada um evento «inerente» às atividades desta última.

b)   A transportadora aérea não tem controlo sobre a greve provocada por um sindicato de trabalhadores

64.

Como foi anteriormente referido, a transportadora aérea não tem nenhum controlo sobre as atividades ou sobre o poder decisório de um sindicato. Este último não faz parte da estrutura da empresa e o empregador também não participa no processo decisório interno do sindicato. Trata‑se de duas entidades distintas que, além disso, nem sempre representam os mesmos interesses no plano social. Dito isto, é natural que um sindicato exerça a sua função de defesa dos trabalhadores de forma independente e sem ingerência do empregador. Inversamente, o sindicato pode influenciar o funcionamento de uma empresa de forma decisiva, exortando os trabalhadores que representa a cessarem o trabalho a fim de forçar a empresa a acolher as suas exigências. Partindo do princípio de que a greve é «legal», o empregador não pode utilizar os meios que decorrem do direito do trabalho e do direito processual para a impedir. Uma vez que a greve iniciada pelo sindicato constitui um fator «externo» sobre o qual a transportadora aérea não tem nenhuma influência, parece coerente concluir que a mesma escapa ao seu controlo efetivo.

65.

Apresentarei, nos números que se seguem, alguns argumentos em apoio da tese segundo a qual uma greve, como a descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio na primeira questão prejudicial, não constitui um evento «controlável». Começarei ( 33 ) por expor as razões que me levam a considerar que os princípios decorrentes do Acórdão Krüsemann não são aplicáveis à situação em causa no processo principal. Nesse âmbito, aproveitarei a oportunidade para submeter o critério da «responsabilidade» pelo desencadeamento da greve, utilizado pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão, a uma análise crítica a respeito da sua utilidade. Em seguida, explicarei o papel dos sindicatos dos trabalhadores e o dos empregadores no âmbito do chamado «diálogo social», com o objetivo de demonstrar que estes, longe de se encontrarem numa relação de subordinação, são, na realidade, parceiros iguais, o que exclui a possibilidade de considerar que o empregador pode influenciar unilateralmente a evolução da greve e que, por conseguinte, tem o seu controlo efetivo. Para este efeito, começarei por recordar as disposições da Carta que protegem os seus interesses respetivos para propor, numa segunda etapa, uma ponderação dos interesses em causa ao nível do direito primário ( 34 ). Recorrendo a alguns exemplos retirados da jurisprudência, ilustrarei o modo pelo qual o Tribunal de Justiça resolveu conflitos de interesses de nível constitucional na ordem jurídica da União ( 35 ). O objetivo dessa ponderação é alcançar uma interpretação do Regulamento n.o 261/2004 que seja conforme com os direitos fundamentais, permitindo conciliar os interesses em jogo. Concluirei com algumas orientações relativas à interpretação do referido regulamento e, nomeadamente, do conceito de «circunstância extraordinária» ( 36 ). A minha conclusão intercalar — antes de me debruçar sobre a pertinência de outros aspetos associados à greve — será a de que os dois critérios desenvolvidos pela jurisprudência para caracterizar uma «circunstância extraordinária», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, conforme interpretada à luz do considerando 14 deste regulamento, estão preenchidos no caso em apreço ( 37 ).

1) Os princípios decorrentes do Acórdão Krüsemann não são aplicáveis à situação em causa no processo principal

66.

As conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão Krüsemann não me parecem transponíveis para a situação em causa no processo principal porque estão associadas às circunstâncias específicas do referido processo. Como já foi referido, o Tribunal de Justiça declarou nesse acórdão que a greve sem aviso prévio estava parcialmente sob o «controlo efetivo» da companhia aérea, uma vez que tinha origem numa decisão da referida transportadora aérea. Para uma melhor compreensão desse acórdão, é igualmente pertinente o facto de o Tribunal de Justiça ter salientado que a referida greve sem aviso prévio tinha cessado na sequência de um acordo que a transportadora aérea tinha celebrado com os representantes dos trabalhadores. Por conseguinte, é possível deduzir destas constatações que o Tribunal de Justiça considerou aparentemente que existia uma relação entre, por um lado, a medida anunciada pela companhia aérea e, por outro, a rápida resolução do conflito, eventualmente através da revogação da referida medida.

67.

Ora, há que observar que, no caso em apreço, a greve não foi de forma alguma uma reação a uma qualquer medida relevante de gestão da empresa. Pelo contrário, tendo em conta as considerações atrás expressas ( 38 ) e não havendo indicação em contrário, deve presumir‑se que apenas estavam na origem da greve as reivindicações salariais dos trabalhadores. Por conseguinte, a transportadora aérea não pode ser considerada exclusivamente «responsável», devido ao seu comportamento, pelo desencadeamento da greve. Daqui resulta que os princípios estabelecidos no Acórdão Krüsemann não são aplicáveis no presente processo.

68.

Dito isto, devo confessar que sinto algum desconforto perante este critério de «responsabilidade» pelo desencadeamento de uma greve — que parece estar na base do raciocínio do Tribunal de Justiça no Acórdão Krüsemann ( 39 ) — e, nomeadamente, quanto ao facto de dever ser aplicado ao caso em apreço a fim de tornar o sindicato, ou a transportadora aérea,«responsável» pela situação. Na medida em que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhuma informação sobre as condições de trabalho dos trabalhadores da SAS, parece‑me inadequado apreciar se reivindicações salariais por parte do sindicato eram ou não justificadas. Além disso, essa qualificação depende do ponto de vista dos parceiros sociais bem como do contexto socioeconómico em cada Estado‑Membro. Como explicarei seguidamente em pormenor, incumbe, pelo contrário, aos parceiros sociais negociar e fixar livremente, sem intervenção do Estado ou das instituições, os salários e as condições de trabalho no âmbito da sua autonomia de negociação salarial ( 40 ).

69.

Além destas considerações, observo que o referido critério de «responsabilidade» é suscetível de ter uma utilidade bastante limitada na prática. Não se deve esquecer que o contexto socioeconómico num Estado‑Membro pode também evoluir de forma autónoma em detrimento das condições de trabalho, mesmo sem a intervenção do empregador, na sequência, por exemplo, de uma inflação com impacto sobre o poder de compra dos cidadãos ou de um aumento do custo de vida ligado a outros fatores. Nesse caso, a entidade patronal não pode razoavelmente ser responsabilizada pela degradação da situação dos trabalhadores. Isto demonstra que o referido critério não é adequado para ser aplicado a todas as situações concebíveis. Na minha opinião, é o que se passa, nomeadamente, em circunstâncias como as do processo principal, em que não é possível identificar uma razão única para o recurso à greve.

2) Quanto aos interesses respetivos dos parceiros sociais e dos consumidores protegidos pela Carta, bem como à necessidade de uma ponderação

i) Observações de caráter geral

70.

Importa salientar, antes de mais, que o diálogo entre parceiros sociais é reconhecido, por força do artigo 151.o TFUE, como um dos objetivos da União. «[A]firma o seu lugar central e único na governação democrática» da Europa ( 41 ). Neste contexto, o artigo 152.o, n.o 1, TFUE consagra o princípio da autonomia dos parceiros sociais, ao prever que a União «reconhece e promove o papel dos parceiros sociais ao nível da União, tendo em conta a diversidade dos sistemas nacionais» e que «facilita o diálogo entre os parceiros sociais, no respeito pela sua autonomia» ( 42 ).

71.

Na medida em que os parceiros sociais beneficiam da mesma maneira da referida autonomia de negociação salarial e se encontram, assim, em pé de igualdade, não se pode pressupor seriamente que a transportadora aérea tem o «controlo» da situação porque teria podido ceder integralmente às reivindicações salariais a fim de evitar cessações de trabalho. Tal como não se pode esperar que o pessoal renuncie a uma greve legalmente permitida, uma vez que isso representaria então uma renúncia a exigências que, em seu entender, são justificadas, não se pode exigir que a transportadora aérea reaja às cessações de trabalho cedendo sem hesitação a todas as reivindicações dos trabalhadores a fim de evitar pedidos de indemnização por parte dos passageiros.

72.

A este respeito, importa recordar que os interesses dos parceiros sociais são, em princípio, protegidos de modo equivalente pela ordem jurídica da União, ou seja, sem que esta reconheça uma posição de proeminência a qualquer um deles. Com efeito, os trabalhadores e os seus representantes sindicais podem invocar a liberdade de associação, o direito à negociação e às ações coletivas, incluindo a greve, sendo todos eles direitos fundamentais garantidos pelo artigo 12.o, n.o 1, e do artigo 28.o da Carta, ao passo que os empregadores podem reivindicar o direito à negociação e a liberdade de empresa, estando esta última consagrada no artigo 16.o da Carta, a fim de defenderem os seus interesses respetivos. Admitir que uma das partes é obrigada a renunciar aos seus interesses equivaleria a violar a substância destes direitos.

73.

Enquanto parceiros sociais, partilham a responsabilidade de chegar a acordo através de negociações. Esta abordagem tem vantagens incontestáveis relativamente a outras medidas que o advogado‑geral F. G. Jacobs resumiu de forma sucinta e precisa nas Conclusões que apresentou nos processos Albany ( 43 ). Na sua opinião, «a negociação coletiva entre parceiros sociais permite evitar conflitos laborais onerosos, reduz os custos inerentes aos compromissos graças a um processo de negociação coletiva regido por determinadas regras e aumenta a previsibilidade e transparência. Um certo equilíbrio no poder de negociação de ambos os lados favorece a adoção de soluções equilibradas para cada um dos parceiros e para a sociedade em geral». Aliás, na medida em que os consumidores veem os seus interesses comprometidos pelas greves do pessoal com efeitos perturbadores para o transporte de passageiros, beneficiam igualmente se um acordo for alcançado o mais rapidamente possível através de um compromisso. Os seus interesses merecem, portanto, ser tomados em devida conta pelos parceiros sociais.

74.

As observações precedentes demonstram que, no processo principal, estão em jogo interesses opostos — pelo menos quanto a alguns aspetos. Uma vez que estes interesses são protegidos pelos direitos fundamentais consagrados na Carta e são, assim, de nível constitucional, devem ser ponderados a fim de resolver o conflito de modo efetivo ( 44 ). A necessidade desta abordagem resulta do facto de, frequentemente, os direitos fundamentais não poderem ser garantidos sem restrições, nomeadamente quando entram em conflito com outros interesses legítimos protegidos pelo direito da União, como resulta das disposições pertinentes da Carta. Em primeiro lugar, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta prevê que o exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado se as restrições «forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros» ( 45 ). Em segundo lugar, o próprio artigo 28.o da Carta subordina o recurso à greve ao respeito do «direito da União, o que inclui outros direitos garantidos pela Carta. Daqui decorre que o direito à greve poderia ser limitado a fim de proteger a liberdade de empresa, já referida, que também não é, de resto, uma prerrogativa absoluta ( 46 ), bem como os interesses dos consumidores, previstos no artigo 38.o da Carta.

75.

As conclusões a retirar de uma ponderação devem ser tomadas em conta na interpretação do Regulamento n.o 261/2004. Recordo que, segundo jurisprudência constante ( 47 ), o direito da União, incluindo o direito derivado, deve ser interpretado à luz dos direitos fundamentais consagrados na Carta. O objetivo dessa ponderação é alcançar uma interpretação do Regulamento n.o 261/2004 que seja conforme com os direitos fundamentais na medida em que conciliará os interesses respetivos. O princípio da unidade da ordem jurídica da União exige igualmente que se evitem incoerências na apreciação global dos interesses legítimos em jogo.

76.

A síntese da jurisprudência que se segue visa ilustrar a forma pela qual o Tribunal de Justiça resolveu conflitos de interesses de nível constitucional na ordem jurídica da União. Mencionarei, a título de exemplo, os conflitos entre direitos fundamentais e liberdades fundamentais do mercado interno, mas também entre os próprios direitos fundamentais. Abstraindo da terminologia aplicável, as situações que apresentarei têm em comum o facto de oporem direitos sociais a direitos económicos, tal como no processo principal. Esta síntese da jurisprudência será seguida de algumas reflexões sobre a interpretação do Regulamento n.o 261/2004.

ii) Síntese da jurisprudência relativa à resolução de conflitos de interesses de nível constitucional

– Equilíbrio entre os direitos fundamentais e as liberdades fundamentais do mercado interno

77.

A abordagem proposta faz lembrar a seguida no processo que deu origem ao Acórdão The International Transport Workers’ Federation e The Finnish Seamen’s Union ( 48 ), em que o Tribunal de Justiça foi levado a conciliar o direito de ação coletiva, incluindo o direito à greve, com a liberdade de estabelecimento. Recordo que o referido processo tinha por objeto um reenvio prejudicial relativo à interpretação do artigo 43.o CE (atual artigo 49.o TFUE). Mais precisamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretendia saber, em substância, se uma empresa privada podia opor essa liberdade fundamental à ação coletiva contra ela desencadeada por um sindicato. No referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, depois de ter salientado o caráter fundamental do direito à greve na ordem jurídica da União, que o mesmo não era suscetível de escapar ao âmbito de aplicação das liberdades fundamentais do mercado interno ( 49 ). Seguidamente, depois de ter concluído que as ações coletivas em causa constituíam restrições à liberdade de estabelecimento, o Tribunal de Justiça examinou se eram também justificadas ( 50 ). Importa salientar que o Tribunal de Justiça reconheceu que o direito de desencadear uma ação coletiva que tivesse por objetivo a proteção dos trabalhadores constituía um interesse legítimo suscetível de justificar, em princípio, uma restrição a uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado ( 51 ).

78.

Todavia, o Tribunal de Justiça não deixou de recordar que a Comunidade comportava não só um mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados‑Membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais, mas igualmente uma política social. O Tribunal de Justiça concluiu, assim, que, dado que a Comunidade tem não só uma finalidade económica mas igualmente uma finalidade social, os direitos que resultam das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais deviam ser ajustados aos objetivos prosseguidos pela política social, entre os quais figurava, designadamente, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua igualização no progresso, uma proteção social adequada e o diálogo social ( 52 ). Baseando‑se numa ponderação dos interesses divergentes, o Tribunal de Justiça forneceu depois ao juiz nacional indicações relativas à interpretação do artigo 43.o CE, a fim de lhe permitir decidir do litígio que lhe tinha sido submetido.

– Equilíbrio entre os direitos fundamentais

79.

Os Acórdãos Scarlet Extended ( 53 ) e SABAM ( 54 ) parecem‑me igualmente pertinentes, tendo em conta a problemática do presente processo. Nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre o equilíbrio a estabelecer entre a proteção do direito de propriedade intelectual, que faz parte do direito fundamental de propriedade consagrado no artigo 17.o da Carta, e a proteção da liberdade de empresa, já referida. Estes processos tinham origem em litígios que opunham, por um lado, uma sociedade de gestão que representava autores, compositores e editores de obras musicais e, por outro, empresas que exploravam uma plataforma de rede social em linha, bem como um fornecedor de acesso à Internet. Mais concretamente, a demandante no processo principal tinha pedido aos órgãos jurisdicionais nacionais que condenassem as demandadas a fazer cessar as violações dos direitos de autor. Os órgãos jurisdicionais nacionais tinham seguidamente apresentado pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça para determinar se o direito da União permitia aos Estados‑Membros autorizar um juiz nacional a dirigir uma injunção de cessação às demandadas e a ordenar‑lhes a instalação de um sistema de filtragem capaz de identificar ficheiros eletrónicos que contivessem obras musicais, cinematográficas ou audiovisuais sobre as quais a demandante alegava ser titular de direitos de propriedade intelectual, com o objetivo de bloquear a disponibilização ao público das referidas obras em violação dos direitos de autor.

80.

Embora o Tribunal de Justiça tenha, desde logo, salientado a importância do direito de propriedade intelectual, sugeriu claramente que não decorria de forma alguma dessa disposição nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça que tal direito «seja intangível e que a sua proteção deva, portanto, ser assegurada de forma absoluta» ( 55 ). Pelo contrário, o Tribunal de Justiça indicou que a proteção deste direito «dev[ia] ser ponderada conjuntamente com a de outros direitos fundamentais» ( 56 ). O Tribunal de Justiça pediu às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais que assegurassem um «justo equilíbrio» entre a proteção do direito de propriedade intelectual, de que gozavam os titulares de direitos de autor, e a da liberdade de empresa de que beneficiavam as demandadas nos termos do artigo 16.o da Carta ( 57 ) ( 58 ). O Tribunal de Justiça concluiu que a intimação de instalação do sistema de filtragem controvertido não respeitava a exigência de assegurar tal equilíbrio entre os direitos fundamentais, baseando‑se numa série de argumentos que podem ser interpretados como orientações interpretativas para os órgãos jurisdicionais nacionais. Mais concretamente, o Tribunal de Justiça criticou os efeitos de tal sistema de filtragem, na medida em que era suscetível de afetar o direito dos utilizadores à proteção dos seus dados pessoais bem como a sua liberdade de receber ou enviar informações, direitos que são protegidos pelos artigos 8.o e 11.o da Carta ( 59 ). Além disso, sustenta que essa intimação implicaria uma violação caracterizada da liberdade de empresa das demandadas, uma vez que as obrigaria a instalar um sistema informático complexo, oneroso, permanente e exclusivamente a expensas suas ( 60 ). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o direito da União, «[interpretado] à luz dos requisitos decorrentes da proteção dos direitos fundamentais aplicáveis» aos casos concretos, devia ser interpretado no sentido de que se opunha a uma intimação às demandadas de instalação de um sistema de filtragem ( 61 ).

81.

Por último, importa referir o Acórdão McDonagh ( 62 ), proferido no mesmo domínio jurídico que o caso em apreço, em que o Tribunal de Justiça examinou se o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 9.o do Regulamento n.o 261/2004, que impõem à transportadora aérea a obrigação de prestar assistência aos passageiros cujo voo tenha sido cancelado, eram compatíveis com os artigos 16.o e 17.o da Carta, que garantem, respetivamente, a liberdade de empresa e o direito de propriedade. O Tribunal de Justiça observou, em primeiro lugar, que a liberdade de empresa e o direito de propriedade não eram prerrogativas absolutas, mas deviam ser tomados em consideração relativamente à sua função na sociedade ( 63 ). O Tribunal de Justiça referiu que o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admitia, em certas condições, a introdução de restrições ao exercício de direitos nela consagrados ( 64 ). Recordou que, «quando vários direitos protegidos pela ordem jurídica da União se confrontam, essa apreciação deve efetuar‑se no respeito da conciliação necessária das exigências ligadas à proteção desses diferentes direitos e de um justo equilíbrio entre os mesmos» ( 65 ). O Tribunal de Justiça observou, com razão, que os artigos 16.o e 17.o da Carta não eram os únicos direitos fundamentais a tomar em conta no âmbito de uma ponderação, acrescentando o artigo 38.o desta, que, à semelhança do artigo 169.o TFUE, visava assegurar, na política da União, um nível elevado de proteção dos consumidores, incluindo os passageiros dos transportes aéreos ( 66 ). O Tribunal de Justiça declarou, assim, que o «artig[o] 5.o, n.o 1, alínea b), e [o artigo] 9.o do Regulamento n.o 261/2004 [deviam] ser considerados conformes com a exigência que visa conciliar os diferentes direitos fundamentais em presença e estabelecer um justo equilíbrio entre os mesmos» ( 67 ). O Tribunal de Justiça concluiu pela conformidade das disposições acima referidas com os artigos 16.o e 17.o da Carta.

3) Tomada em consideração das conclusões retiradas da ponderação de interesses na interpretação do Regulamento n.o 261/2004

82.

Atendendo ao que precede, considero que a interpretação do Regulamento n.o 261/2004 a efetuar no caso em apreço deve zelar por manter o equilíbrio de forças entre os parceiros sociais. Mais concretamente, deve permitir aos trabalhadores recorrer às ações coletivas sem exigir, contudo, que a transportadora aérea sofra inconvenientes intoleráveis suscetíveis de ameaçar a existência da empresa. Parece‑me evidente que tal resultado não seria do interesse de ninguém. Com base nestas observações de caráter geral, apresentarei seguidamente algumas orientações que ajudarão o Tribunal de Justiça a proceder à necessária ponderação que influenciará a interpretação do Regulamento n.o 261/2004.

83.

Sou sensível ao argumento avançado por algumas das partes interessadas no âmbito do presente processo, segundo o qual se deveria admitir que a transportadora aérea possa invocar uma «circunstância extraordinária» em caso de greve do seu próprio pessoal quando tenta, tal como os trabalhadores, fazer valer os seus interesses no âmbito de negociações. A este respeito, recordo que o objetivo do Regulamento n.o 261/2004 é a proteção do consumidor, como resulta do seu considerando 1. Com a adoção do Regulamento n.o 261/2004, o legislador pretendeu equilibrar os interesses dos passageiros aéreos e os das transportadoras aéreas ( 68 ). Pelo contrário, não pretendeu proteger o direito dos trabalhadores a recorrer, em caso de conflito de interesses, a ações coletivas, incluindo a greve, para a defesa dos seus interesses.

84.

Conceder um direito a indemnização aos passageiros em caso de cancelamento ou atraso considerável de um voo, quando este tenha sido provocado no âmbito de uma greve dos trabalhadores, cria o risco de esse direito à indemnização ser «instrumentalizado» para efeitos de movimentos sociais. Com efeito, os trabalhadores teriam a possibilidade de provocar um grande número de pedidos de indemnização por parte de passageiros contra a transportadora aérea, de exercer, assim, uma pressão adicional sobre a direção da empresa e de causar um grave prejuízo económico a esta última que, sem a possibilidade de isenção, seria, em princípio, obrigada a pagar indemnizações em caso de cancelamento ou de atrasos consideráveis. Isto implicaria um encargo financeiro considerável para as transportadoras aéreas ( 69 ).

85.

Neste contexto, gostaria de chamar a atenção para o facto de ser geralmente concedido a uma transportadora aérea um tratamento menos favorável em comparação com outros agentes económicos que se encontram em circunstâncias semelhantes. Como algumas das partes interessadas indicaram na audiência, o Regulamento n.o 261/2004 impõe‑lhe uma obrigação de indemnização quase «automática», ao passo que outros agentes económicos podem, em princípio, invocar disposições e cláusulas exoneratórias previstas, respetivamente, nas legislações nacionais em matéria de ressarcimento de danos e nos próprios contratos, a fim de se oporem validamente a pedidos de indemnização ( 70 ). Uma vez que esta desigualdade de tratamento parece dificilmente compreensível, coloca‑se a questão de saber se é necessário contemplar uma interpretação «retificativa» do Regulamento n.o 261/2004 de modo a prever uma possibilidade de isenção para a transportadora aérea.

86.

Por força do artigo 13.o do Regulamento n.o 261/2004, quando uma transportadora aérea operadora tiver pago uma indemnização ou tiver cumprido outras obrigações que por força do referido regulamento lhe incumbam, nenhuma disposição deste último pode ser interpretada como limitando o seu direito de exigir indemnização pelos danos a qualquer pessoa, incluindo a terceiros, nos termos do direito nacional aplicável. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esta indemnização é suscetível de atenuar, se não mesmo de eliminar, o encargo financeiro suportado pela transportadora ( 71 ). Duvido, contudo, que as perdas financeiras decorrentes de uma eventual obrigação de pagar uma indemnização aos passageiros em caso de greve possam ser compensadas por um direito hipotético da transportadora aérea a pedir o ressarcimento a terceiros com base nesta disposição ( 72 ). Sob reserva do que poderia prever o direito nacional aplicável num caso concreto, esse pedido de ressarcimento teria muito provavelmente de ser dirigido à pessoa — singular ou coletiva — considerada causadora do dano. Contudo, não se pode excluir que tal pedido se revele infrutífero no caso de uma greve «legal», ou seja, relativamente a uma ação coletiva iniciada contra o empregador em conformidade com o direito nacional em matéria social e laboral ( 73 ). Por conseguinte, na medida em que essa opção não parece viável sem exceções, considero que não é suscetível de atenuar o dano provocado pela greve e de satisfazer, assim, os interesses da transportadora aérea.

87.

Embora seja verdade que o direito às ações coletivas foi concebido com o objetivo de ajudar os trabalhadores a afirmarem os seus interesses relativamente ao empregador e que o eventual reconhecimento pelo Tribunal de Justiça de um direito dos passageiros a obter uma indemnização em caso de greve do pessoal da transportadora aérea contribuiria para atingir esse objetivo, parece‑me que uma interpretação do Regulamento n.o 261/2004 nesse sentido iria além do que é necessário para proteger os trabalhadores. Duvido muito que o resultado descrito nos números anteriores, a saber, a deslocação do equilíbrio de forças de modo desproporcionado a favor dos trabalhadores, tenha sido previsto pelo legislador da União.

88.

A proteção conferida pelo artigo 16.o da Carta abrange a liberdade de exercer uma atividade económica ou comercial, a liberdade contratual e a livre concorrência, como decorre das explicações relativas a este mesmo artigo, que devem, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, ser tomadas em consideração para a interpretação desta ( 74 ). A transportadora aérea, na qualidade de empregadora, tem o direito de defender os seus interesses e de exigir a resolução de qualquer litígio com o pessoal através de negociações. Além disso, uma vez que suporta o risco financeiro, a transportadora aérea tem o direito de adotar as medidas de gestão que considere adequadas para assegurar a sobrevivência da empresa. Tem igualmente o direito de ser protegida contra qualquer perturbação por parte de terceiros, incluindo o eventual abuso de um direito ( 75 ), suscetível de colocar em perigo a sua existência ( 76 ). Ora, o resultado descrito nos números anteriores teria precisamente por consequência negar de facto ao empregador o direito à defesa efetiva dos seus interesses, uma vez que a alternativa ao facto de ceder às reivindicações do pessoal seria aceitar o risco de insolvência da empresa, o que me parece incompatível com as garantias dos direitos fundamentais previstas na Carta.

89.

Também não me parece necessário que, para atingir o objetivo legislativo do Regulamento n.o 261/2004, haja que reconhecer um direito à indemnização dos passageiros em todos os casos de greve. A salvaguarda deste interesse é já assegurada pelo facto de os passageiros afetados por um cancelamento ou atraso considerável dos seus voos na sequência de uma greve dos trabalhadores continuarem a ter direito a um reembolso ou a um reencaminhamento, nos termos do artigo 8.o, bem como a assistência por força do artigo 9.o do Regulamento n.o 261/2004. Isto demonstra que há meios proporcionados que permitem proteger o consumidor, tendo simultaneamente em conta o interesse legítimo dos trabalhadores e dos empregadores em negociar e celebrar convenções coletivas.

90.

Resulta do que precede que uma greve provocada por um sindicato nas condições descritas nas presentes conclusões escapa ao «controlo» de uma transportadora aérea. A companhia aérea, enquanto empregadora, tem o direito e a responsabilidade de negociar um acordo com os trabalhadores no âmbito da autonomia de negociação salarial de que gozam os parceiros sociais. Em contrapartida, não pode ser considerada exclusivamente responsável pelas consequências decorrentes das ações coletivas do pessoal.

c)   Conclusão intercalar

91.

O meu exame dos factos leva‑me a concluir que os dois critérios desenvolvidos pela jurisprudência para caracterizar uma «circunstância extraordinária», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, conforme interpretada à luz do considerando 14 deste regulamento, estão preenchidos no caso em apreço.

92.

Por conseguinte, há que considerar, como conclusão intercalar, que uma greve organizada mediante convocação por um sindicato, no âmbito do exercício do direito de greve, pelo pessoal da companhia aérea, com vista a reivindicar melhores condições de trabalho — quando a referida greve não é desencadeada por uma decisão prévia da empresa, mas pelas reivindicações dos trabalhadores —é abrangida pelo conceito de «circunstâncias extraordinárias» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004.

d)   Quanto à pertinência da «licitude» de uma greve e da existência de um pré‑aviso para qualificar uma circunstância de «extraordinária»

93.

Como já foi referido nas presentes conclusões, o facto de a greve ser «legal», ou seja, de a ação coletiva ter sido iniciada pelo sindicato em conformidade com as regras nacionais em matéria de direito do trabalho, pode ter uma certa incidência sobre a margem de manobra de que dispõe o empregador que se encontre nessa situação ( 77 ). O mesmo se pode dizer da questão de saber se a greve foi anunciada na sequência de um «pré‑aviso», sendo este aspeto, aliás, igualmente regulado pelo direito nacional. Estes dois aspetos estão intimamente ligados e devem, portanto, ser examinados conjuntamente à luz da sua pertinência para o exame da questão de saber se os passageiros aéreos têm direito a indemnização.

94.

Antes de mais, gostaria de salientar que, contrariamente ao que sugere o órgão jurisdicional de reenvio com a sua questão prejudicial, não me parece adequado, do ponto de vista jurídico, analisar estes aspetos na perspetiva do «controlo efetivo» de uma circunstância, como critério pertinente para a qualificar de «extraordinário», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004. Considero mais adequado analisá‑los na perspetiva das «medidas razoáveis» que a transportadora é obrigada a tomar para evitar as consequências tipicamente associadas à ocorrência de uma «circunstância extraordinária», a saber, o cancelamento ou o atraso considerável de um voo ( 78 ). Várias razões, que passo a expor, militam a favor de um exame dos referidos aspetos nesta fase da análise jurídica.

95.

Em primeiro lugar, é pacífico que estes aspetos são exclusivamente do âmbito do direito nacional. Por outras palavras, é o direito nacional que determina os requisitos regulamentares a que estes devem obedecer e, em última análise, se uma greve é ou não «legal». Partilho da opinião do Tribunal de Justiça, conforme resulta dos fundamentos do Acórdão Krüsemann, segundo a qual distinguir entre greves legais e ilegais, com base no direito nacional aplicável, para determinar se as mesmas devem ser qualificadas de «circunstâncias extraordinárias», teria como consequência fazer depender o direito a indemnização de passageiros da legislação social própria de cada Estado‑Membro, prejudicando, assim, os objetivos do Regulamento n.o 261/2004, visados nos seus considerandos 1 e 4, de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros e condições equivalentes de exercício das atividades de transportadora aérea no território da União ( 79 ). Por conseguinte, a eventual «licitude» de uma greve não deve ser considerada um critério decisivo para determinar se esta constitui uma «circunstância extraordinária».

96.

Em segundo lugar, estabelecer uma distinção em função da «licitude» de uma greve equivaleria a pôr em causa as considerações subjacentes à análise efetuada nas presentes conclusões, das quais resulta que uma greve, conforme descrita na primeira questão prejudicial, escapa ao «controlo efetivo» da transportadora aérea pelo facto de a sua origem e a sua subsequente evolução não dependerem unicamente da vontade do empregador, mas também das intenções do sindicato dos trabalhadores, que, como expliquei em pormenor, constitui uma entidade autónoma sobre a qual o empregador não tem nenhuma influência ( 80 ). Precisamente por estas razões, não se pode excluir que o sindicato decida eventualmente recorrer à greve, independentemente da questão de saber se tal abordagem é ou não conforme com as regras nacionais em matéria de direito do trabalho. Isto aplica‑se, em particular, ao cumprimento de um pré‑aviso. Devo observar que, nesse caso, a eventual ilegalidade das ações coletivas iniciadas por um sindicato apenas permitiria ao empregador pedir aos tribunais competentes que ordenassem a sua cessação. Todavia, na medida em que tal processo exige tempo, não se pode excluir o risco de uma decisão judicial só ser tomada depois de o empregador já ter sofrido um enorme prejuízo económico. Estas considerações demonstram claramente, na minha opinião, que a «licitude» de uma greve não constitui, por si só, um critério adequado para determinar o caráter «extraordinário» de um incidente.

97.

Em terceiro lugar, considero que a resposta à questão de saber se uma greve organizada na sequência de uma convocação de um sindicato de trabalhadores deve ser qualificada de «circunstância extraordinária» reveste tal importância do ponto de vista da segurança jurídica que não deve ser deixada ao acaso. Ora, seria precisamente isso que aconteceria se fosse necessário verificar, em cada caso, se tinham sido cumpridas as exigências do direito nacional quanto à forma de organizar devidamente uma greve dos trabalhadores de uma companhia aérea. A consequência seria uma abordagem extremamente casuística, ou mesmo aleatória, que quase não se distinguiria da prática jurisdicional atual. Por razões associadas à previsibilidade da jurisprudência e com o objetivo de fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio critérios de apreciação claros e simples, proponho ao Tribunal de Justiça que reconheça, de maneira geral, que uma greve, conforme descrita na primeira questão prejudicial, constitui uma «circunstância extraordinária» e que os fatores que caracterizam o litígio no processo principal, como a conformidade com as regras nacionais em matéria de direito do trabalho que prescrevem, nomeadamente, o cumprimento de um pré‑aviso, só são suscetíveis de desempenhar um papel no âmbito da apreciação da questão de saber se a transportadora aérea tomou «medidas razoáveis».

98.

Tal abordagem no que respeita à aplicação do Regulamento n.o 261/2004 teria a vantagem de simplificar a análise e de permitir ao juiz nacional apreciar as circunstâncias do caso concreto. Além disso, não implicaria nenhuma desvantagem para os passageiros aéreos, uma vez que nem todas as «circunstâncias extraordinárias» são exoneratórias. Com efeito, essa qualificação da greve não excluiria a priori o direito a indemnização dos passageiros afetados, antes permitindo tomar em conta vários aspetos pertinentes, nomeadamente, a licitude da greve e o cumprimento de um pré‑aviso, e chegar, assim, a uma conclusão mais matizada.

3.   Critérios para determinar as «medidas razoáveis» que qualquer transportadora aérea deve tomar

a)   O conceito de «medidas razoáveis» segundo a jurisprudência

99.

Atendendo às considerações precedentes, há que determinar quais são as medidas ditas «razoáveis» que a transportadora aérea deve tomar para evitar as consequências de uma greve como a que está em causa no processo principal. Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a pertinência de certos elementos factuais, mais concretamente o facto de a greve lhe ter sido comunicada respeitando o prazo de pré‑aviso imposto pelo direito nacional. Estes elementos devem, portanto, ser examinados individualmente à luz dos critérios desenvolvidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

100.

Como já referi nas minhas observações preliminares ( 81 ), resulta desta jurisprudência que, em caso de ocorrência de uma «circunstância extraordinária», a transportadora aérea operadora apenas se exime à sua obrigação de indemnização prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 se puder provar que adotou as medidas adaptadas à situação, mobilizando todos os recursos humanos, materiais e financeiros de que dispunha, a fim de evitar que essa circunstância levasse ao cancelamento ou ao atraso considerável do voo em causa, sem que, todavia, lhe possa ser exigido que aceite sacrifícios insuportáveis face às capacidades da sua empresa no momento relevante ( 82 ).

101.

Deste modo, o Tribunal de Justiça adotou um conceito flexível e individualizado de «medida razoável», deixando ao órgão jurisdicional nacional a tarefa de apreciar se, nas circunstâncias do caso concreto, se podia considerar que a transportadora aérea tinha tomado as medidas adaptadas à situação ( 83 ), mas indicou que só devem ser tidas em consideração as medidas que lhe podem efetivamente incumbir, excetuando as que são da competência de terceiros ( 84 ).

102.

Devo constatar que, não obstante o caráter flexível e individualizado desta abordagem, a jurisprudência acima referida impõe, no interesse da proteção dos consumidores, requisitos de isenção particularmente estritos, que obrigam a transportadora aérea a fazer tudo o que for objetivamente possível com os recursos disponíveis para evitar o cancelamento ou o atraso considerável de um voo. Além disso, não se deve esquecer que a obrigação de transporte implica que o passageiro chegue o mais rapidamente possível ao seu destino final e não apenas ao local de ligação ( 85 ). Por conseguinte, a transportadora aérea não pode validamente alegar que «cumpriu parcialmente» esta obrigação.

103.

É tendo presentes os critérios acima referidos que importa determinar quais as implicações da exigência de tomar todas as «medidas razoáveis» para evitar o cancelamento de um voo na sequência de uma greve do pessoal da transportadora aérea num contexto como o examinado no caso em apreço.

b)   Observações relativas à repartição de competências entre o juiz nacional e o juiz da União

104.

Antes de proceder ao exame destes aspetos, devo recordar que o papel do Tribunal de Justiça no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE se limita a esclarecer o alcance do conceito de «medidas razoáveis». Com efeito, compete ao Tribunal de Justiça fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos de interpretação e as orientações necessárias para que este possa proceder ele próprio a uma apreciação jurídica dos factos e aplicar as disposições do Regulamento n.o 261/2004 em conformidade com a interpretação obtida. O respeito pela repartição das competências entre o juiz nacional e o juiz da União é crucial para garantir o bom funcionamento do sistema jurisdicional instituído pelos Tratados ( 86 ).

105.

A fim de permitir ao Tribunal de Justiça a exercer a sua competência, o órgão jurisdicional de reenvio deverá recolher minuciosamente os factos, permitindo assim ao Tribunal de Justiça compreender o que está em jogo no litígio a decidir. Neste contexto, não se pode subestimar a responsabilidade que o órgão jurisdicional de reenvio deve assumir no que respeita ao apuramento dos factos, dado que não se pode excluir a existência de aspetos pertinentes a tomar em consideração na análise desta questão prejudicial, que escapem ao conhecimento do Tribunal de Justiça por falta de informações necessárias, por exemplo, no que respeita aos recursos logísticos, técnicos e financeiros à disposição da transportadora aérea. O grau de precisão das orientações que o Tribunal de Justiça fornecerá ao órgão jurisdicional de reenvio dependerá, em larga medida, das informações recolhidas.

c)   Elementos de interpretação a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio

106.

Os elementos de interpretação que se seguem visam fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as orientações necessárias para poder proceder ele próprio à apreciação dos factos de maneira seletiva e eficaz.

1) As medidas razoáveis devem evitar o cancelamento ou o atraso considerável de um voo

107.

Antes de mais, há que observar que as medidas razoáveis que incumbem à transportadora aérea por força do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 devem destinar‑se a evitar aos passageiros as consequências adversas típicas e, por conseguinte, previsíveis, de uma «circunstância extraordinária», a saber, o cancelamento ou o atraso considerável do voo em causa. Por conseguinte, tendo em conta a conclusão intercalar adotada, segundo a qual uma greve, conforme descrita na questão prejudicial, deve ser qualificada de «circunstância extraordinária» ( 87 ), o órgão jurisdicional de reenvio não é necessariamente obrigado a verificar se a própria ocorrência da greve poderia ter sido evitada pela transportadora aérea. Esta conclusão parece‑me lógica, dado que, afinal, é inerente ao conceito de «circunstância extraordinária» que a mesma não possa ser prevista pelas partes em questão.

2) A transportadora aérea deve explorar todas as possibilidades legais para defender os seus interesses e os dos passageiros

108.

Justifica‑se, todavia, uma apreciação mais matizada caso se verifique que a greve é ilegal porque não respeita os requisitos do direito nacional em matéria social e laboral. O aspeto da «licitude» de uma greve, suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode efetivamente revestir uma certa importância quando se trate de determinar as «medidas razoáveis» que a transportadora aérea é obrigada a tomar ( 88 ). Considero que a responsabilidade da transportadora aérea deveria incluir a obrigação de explorar todas as possibilidades legais de defender os seus interesses e, indiretamente, os dos passageiros, incluindo o recurso aos tribunais competentes para a resolução de litígios em matéria de direito do trabalho. O objetivo dessa diligência seria o de pedir aos tribunais competentes que declarassem a ilegalidade das ações coletivas e, eventualmente, que ordenassem a sua cessação ( 89 ).

109.

A este respeito, devo salientar que o artigo 28.o da Carta só protege o direito dos trabalhadores a ações coletivas «de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais». Esta precisão tem por objeto definir o âmbito de aplicação do direito fundamental. Contudo, o artigo 28.o da Carta não faz, em si, nenhuma declaração sobre aspetos cruciais, tais como os requisitos que uma greve legal deve preencher, deixando ao direito para o qual remete o cuidado de os especificar ( 90 ). O artigo 52.o, n.o 6, da Carta, nos termos do qual «[a]s legislações e práticas nacionais devem ser plenamente tidas em conta tal como precisado na presente Carta» deve ser interpretado no mesmo sentido ( 91 ).

110.

Importa observar que as competências legislativas da União nos domínios abrangidos pelo referido âmbito de aplicação são muito limitadas. Com efeito, o artigo 153.o, n.o 1, alínea f), TFUE dispõe que o Parlamento e o Conselho podem adotar, por meio de diretivas, «prescrições mínimas em matéria de representação e defesa coletiva dos interesses dos trabalhadores e das entidades patronais» ( 92 ). Todavia, decorre do artigo 153.o, n.o 5, TFUE que esta disposição não é aplicável «às remunerações, ao direito sindical, ao direito de greve e ao direito de lock‑out» ( 93 ). Daqui resulta que a União não tem competência legislativa que lhe permita adotar regras relativas ao exercício do direito de greve ( 94 ). Aliás, é por esta razão que certas diretivas que fazem referência às negociações e ações coletivas se abstêm de regulamentar elas próprias esses aspetos. Apesar deste facto, não se pode certamente excluir que o Tribunal de Justiça venha no futuro a definir, por via jurisprudencial, a essência deste direito com base nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros ( 95 ).

111.

Na falta de disposições pertinentes a nível do direito da União, é o direito nacional que é aplicável. A remissão para as «legislações e práticas nacionais» deve ser interpretada como uma subordinação a uma condição de legalidade, determinada pelo direito nacional. Por conseguinte, é possível concluir que os trabalhadores não podem invocar validamente o direito consagrado no artigo 28.o da Carta se violarem as regras que regem o recurso às ações coletivas. Sem dúvida que a liberdade de empresa da transportadora aérea, protegida pelo artigo 16.o da Carta, deve prevalecer em caso de conflito. Dito isto, incumbe à transportadora aérea fazer valer os seus direitos utilizando as vias de recurso disponíveis. Por seu turno, os Estados‑Membros devem prever as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva dos parceiros sociais em caso de conflito, conforme exigido pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e pelo artigo 47.o da Carta.

3) A transportadora aérea deve prever uma reserva de tempo para obviar a eventuais imprevistos

112.

Por outro lado, há que ter em conta o facto de que, quanto mais longo for o período que decorre entre a ocorrência que constitui uma «circunstância extraordinária» e a hora de partida ou chegada de um voo suscetível de ser afetado pela ocorrência, maior é a margem de manobra da transportadora aérea. Por outras palavras, se dispuser de tempo suficiente, a transportadora aérea pode normalmente recorrer a várias soluções para encaminhar o passageiro em causa para o seu destino final. Em contrapartida, estas soluções serão muito limitadas, ou mesmo praticamente inexistentes, se não tiver tempo ( 96 ). Conclui‑se que a transportadora aérea deve prever uma reserva de tempo adequada para obviar a eventuais imprevistos.

113.

Com efeito, o Tribunal de Justiça recordou, no Acórdão Eglītis e Ratnieks ( 97 ), que uma transportadora aérea razoável se caracteriza pela planificação dos seus recursos em tempo útil, a fim de dispor de uma reserva de tempo para poder prever outras soluções. Um planeamento minucioso e racional das rotas pela transportadora aérea é, portanto, essencial para prevenir os transtornos e inconvenientes causados aos passageiros pelo cancelamento de voos e atrasos consideráveis, em conformidade com o objetivo previsto no considerando 12 do Regulamento n.o 261/2004.

4) A transportadora aérea deve ter em conta o pré‑aviso que antecedeu a greve convocada pelo sindicato

114.

Os argumentos que acabo de apresentar em apoio da necessidade de prever uma reserva de tempo adequada para obviar aos eventuais imprevistos são igualmente pertinentes num contexto como o do processo principal, em que o sindicato convocou a greve respeitando o prazo de pré‑aviso previsto pela legislação nacional ( 98 ). Tendo em conta a importância que o Tribunal de Justiça atribui à previsão de uma reserva de tempo, parece‑me que seria irresponsável, por parte da transportadora aérea, não aproveitar esse tempo adicional para explorar todas as possibilidades com o objetivo de atenuar o impacto da greve sobre as suas atividades. Isto é particularmente verdade numa situação como a que está em causa no processo principal, em que as associações dos pilotos tinham apresentado um pré‑aviso em 2 de abril de 2019, em que anunciavam uma greve a partir de 26 de abril de 2019. A SAS dispunha, portanto, de várias semanas — ou seja, de um prazo superior ao prazo mínimo (de pelo menos sete dias úteis) previsto pela legislação sueca — para tomar as medidas necessárias. Por conseguinte, há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio que a transportadora é obrigada a ter em conta no seu planeamento o facto de o exercício do direito de greve lhe ter sido anunciado respeitando o prazo de pré‑aviso imposto pela legislação nacional.

115.

Por uma questão de exaustividade, há que observar que a questão relativa à aplicabilidade das isenções previstas no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004 se pode colocar em certos casos. Resulta desta disposição que, em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a uma indemnização em conformidade com o artigo 7.o do referido regulamento, «salvo se […] tiverem sido informados do cancelamento» com uma antecedência que pode variar entre duas semanas e menos de sete dias antes da hora programada de partida. Em função da situação em causa, esta exigência poderia eventualmente levar a uma sobreposição do âmbito de aplicação das referidas disposições, a saber, nos casos em que a legislação nacional preveja que a convocação da greve deve respeitar um prazo de pré‑aviso determinado.

116.

Considero, todavia, que esta possibilidade não é, por si só, suscetível de pôr em causa a aplicabilidade das disposições que conferem direito a uma indemnização, a saber, o artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, que são objeto do presente pedido de decisão prejudicial. Além disso, na medida em que a SAS não alega ter recorrido às isenções enumeradas no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento para não ter de pagar indemnizações aos passageiros, esta problemática parece‑me puramente hipotética e, portanto, irrelevante para efeitos da análise do presente processo.

5) A transportadora aérea deve organizar os seus recursos materiais e humanos para garantir a continuidade das suas operações

117.

Já foi explicado nas presentes conclusões ( 99 ) que a transportadora aérea depende de recursos materiais e humanos para assegurar o funcionamento da empresa. É aplicando por analogia a jurisprudência relativa ao direito a receber uma indemnização em caso de falha técnica da aeronave que proponho impor à transportadora aérea a responsabilidade de organizar o seu pessoal e de atribuir as tarefas de modo a que possa garantir a continuidade das operações apesar da ocorrência de incidentes perturbadores. Esta abordagem está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que exige expressamente que a transportadora aérea «mobiliz[e] todos os recursos humanos, materiais e financeiros de que disp[õe], a fim de evitar que esta conduz[a] ao cancelamento ou ao atraso considerável do voo em causa» ( 100 ). Isto exige, evidentemente, um esforço de reorganização do pessoal. Assim, tal como a transportadora aérea é obrigada a assegurar que haja pessoal suficiente para substituir as ausências associadas a férias anuais ou a baixas por doença ( 101 ), parece‑me coerente exigir que a transportadora aérea disponha, tanto quanto possível, de pessoal adequado para desempenhar, se necessário, as tarefas dos colegas grevistas.

118.

A este respeito, importa observar que a referência, na questão prejudicial, ao facto de a greve dizer respeito aos «pilotos de aeronaves trabalhadores da transportadora aérea», bem como à circunstância de a greve ter sido iniciada licitamente «em conformidade com o direito nacional», suscita dois aspetos suscetíveis de limitar consideravelmente a margem de manobra do empregador no momento da adoção de medidas de reorganização do pessoal e que o órgão jurisdicional de reenvio deverá tomar em conta no âmbito da sua apreciação dos factos. Trata‑se de limitações de natureza factual e regulamentar.

119.

No que respeita às limitações factuais, há que observar que os pilotos de aeronaves exercem uma função central na área do transporte aéreo de passageiros, uma vez que a mesma requer um elevado sentido de responsabilidade e um domínio perfeito dos aspetos técnicos ligados à operação dos aviões. É por esta razão que os pilotos estão sujeitos a uma formação específica e avançada, seguida de treino periódico. É com razão, portanto, que o órgão jurisdicional de reenvio considera que são «indispensáveis [à] realização de um voo». Tendo em conta o facto de os pilotos de aeronaves não poderem ser utilmente substituídos por outros membros da tripulação que exercem funções distintas, parece‑me razoável exigir que a transportadora aérea assegure, tanto quanto possível, uma continuidade operacional. Por conseguinte, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar se, no caso em apreço, essa continuidade operacional estava garantida e em que medida.

120.

Do ponto de vista regulamentar, há que salientar que a circunstância de a legislação nacional proibir a empresa de contratar pessoal para substituir os grevistas pode ser pertinente para a análise. Devo recordar que a jurisprudência não qualifica de «razoáveis» as medidas suscetíveis de constituir um «sacrifício insuportável face às capacidades da empresa», referindo‑se manifestamente às que são suportáveis a nível pessoal, técnico e económico. Embora o Tribunal de Justiça ainda não se tenha pronunciado explicitamente sobre a questão de saber se este conceito inclui igualmente medidas legalmente admissíveis, não tenho a menor dúvida de que se deve responder em sentido afirmativo. O direito da União não pode exigir que a transportadora viole deliberadamente o direito nacional, tanto mais que o artigo 28.o da Carta garante aos trabalhadores o direito de recorrerem a ações coletivas «de acordo com as legislações e práticas nacionais», como já referi. Por conseguinte, na medida em que esta disposição remete para o direito nacional e que este especifica o alcance do direito de greve ( 102 ), fixando limites aos poderes do empregador, este último é obrigado a respeitá‑los.

121.

Daqui resulta que a circunstância de o direito nacional proibir eventualmente a contratação de pessoal para substituir os grevistas constitui uma circunstância que reveste particular importância e deve, portanto, ser tida em conta no âmbito da avaliação das «medidas razoáveis» que a transportadora aérea deveria potencialmente ter tomado.

6) A transportadora deve facilitar o acesso a voos noutras companhias que não sejam afetadas pela greve

122.

A responsabilidade da transportadora aérea para com os passageiros não cessa quando há uma greve. Pelo contrário, é obrigada a facilitar o acesso dos passageiros a voos noutras companhias que não sejam afetadas pela greve, assunto sobre o qual o Acórdão Transportes Aéreos Portugueses ( 103 ) dá preciosas indicações. Devo recordar que o Tribunal de Justiça indicou que, «em caso de ocorrência de uma circunstância extraordinária, a transportadora aérea que pretenda eximir‑se à sua obrigação de indemnização dos passageiros […] não pode, em princípio, limitar‑se a oferecer aos passageiros em causa o reencaminhamento para o seu destino final no próximo voo operado pela própria e com chegada ao destino no dia seguinte ao inicialmente previsto para a sua chegada» ( 104 ).

123.

O Tribunal de Justiça considerou nesse acórdão que «a diligência exigida a essa transportadora aérea a fim de lhe permitir eximir‑se à sua obrigação de indemnização pressupõe que ela mobilize todos os recursos à sua disposição para assegurar um reencaminhamento razoável, satisfatório e na primeira oportunidade, entre os quais se inclui a procura de outros voos diretos ou indiretos eventualmente operados por outras transportadoras aéreas que sejam membros ou não da mesma aliança aérea e com chegada num horário menos tardio que o voo seguinte da transportadora aérea em causa» ( 105 ).

124.

Segundo o Tribunal de Justiça, «só se não houver nenhum lugar disponível noutro voo direto ou indireto que permita ao passageiro em causa chegar ao seu destino final num horário menos tardio que o voo seguinte da transportadora aérea em causa ou se a realização desse reencaminhamento constituir para essa transportadora aérea um sacrifício insuportável face às capacidades da sua empresa no momento relevante é que se deve considerar que a referida transportadora aérea mobilizou todos os recursos de que dispunha ao reencaminhar o passageiro em causa para o voo seguinte por ela operado» ( 106 ).

125.

Resulta do acórdão referido que a transportadora é, em princípio, obrigada a prever igualmente a possibilidade de assegurar um reencaminhamento em voos diretos ou indiretos eventualmente operados por outras transportadoras aéreas, desde que a realização desse reencaminhamento não constitua um «sacrifício insuportável» para essa transportadora aérea face às capacidades da sua empresa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

4.   Resposta à primeira questão prejudicial

126.

À luz de todos estes elementos, há que responder à primeira questão que uma greve dos pilotos de aeronaves, trabalhadores de uma transportadora aérea e indispensáveis à realização de um voo, de uma dimensão como a que está em causa no processo principal ( 107 ), deve ser considerada uma «circunstância extraordinária» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, quando tenha sido anunciada por organizações de trabalhadores na sequência de um pré‑aviso e iniciada licitamente, em conformidade com o direito nacional, enquanto ação coletiva destinada a pressionar a referida transportadora aérea a aumentar os salários, conceder benefícios ou alterar as condições de trabalho com vista a satisfazer as exigências das organizações de trabalhadores.

127.

Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, a transportadora aérea tem a obrigação de tomar medidas razoáveis para evitar o cancelamento ou o atraso considerável de um voo. Em particular, deve explorar todas as possibilidades legais para defender os seus interesses e os dos passageiros, prever uma reserva de tempo suficiente para obviar aos eventuais imprevistos, tomar em conta o pré‑aviso que precedeu a greve convocada pelo sindicato, organizar os seus recursos materiais e humanos a fim de garantir uma continuidade das operações e facilitar o acesso a voos noutras companhias que não sejam afetadas pela greve.

C. Quanto à segunda questão prejudicial

128.

Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que precise, para efeitos da apreciação da questão de saber se uma greve constitui uma «circunstância extraordinária» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, a importância que deve ser atribuída, sendo caso disso, ao caráter razoável dos pedidos das organizações de trabalhadores e, em particular, ao facto de o aumento dos salários pedido ser claramente mais elevado do que os aumentos dos salários geralmente aplicados nos mercados de trabalho nacionais pertinentes.

129.

À luz da resposta que proponho que seja dada à primeira questão prejudicial, considero que já não é necessário examinar a segunda questão prejudicial. Por conseguinte, as observações que se seguem são mencionadas apenas por razões de exaustividade e de clareza.

130.

Gostaria de assinalar, antes de mais, que partilho plenamente da opinião expressa pelas partes no processo principal, segundo a qual não compete ao Tribunal de Justiça examinar o mérito da questão de saber se um pedido é ou não «razoável». É de temer que, se o Tribunal de Justiça ou um órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer de um litígio relativo à aplicação do Regulamento n.o 261/2004 tivesse de apreciar as posições respetivas dos parceiros sociais, correria o risco de se imiscuir nas negociações destes, o que equivaleria a pôr em causa o princípio da autonomia de negociação salarial. Ora, como foi explicado nas presentes conclusões, esta autonomia implica que incumbe aos parceiros sociais negociar e fixar livremente, sem a intervenção do Estado ou das instituições, os salários e as condições de trabalho. Por uma questão de exaustividade, gostaria de chamar a atenção para o facto de que, em qualquer caso, o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos suficientes para se poder pronunciar com conhecimento de causa sobre esta questão ( 108 ).

131.

Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que se abstenha de responder a esta questão prejudicial. O Tribunal de Justiça evitará, assim, tomar posição a favor de qualquer uma das partes, com o risco de pôr em causa a autonomia dos parceiros sociais em matéria de negociação coletiva.

D. Quanto à terceira questão prejudicial

132.

A terceira questão prejudicial visa determinar, para efeitos da apreciação do conceito de «circunstância extraordinária» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, a importância que deve ser atribuída, sendo caso disso, ao facto de a transportadora aérea, com a intenção de evitar uma greve, aceitar uma proposta de conciliação apresentada por um organismo nacional responsável pela mediação dos conflitos coletivos, ao passo que as organizações de trabalhadores não aceitam essa proposta.

133.

Tendo em conta a resposta proposta para a primeira questão prejudicial, não vejo necessidade de examinar a terceira questão prejudicial. Será, todavia, abordada no âmbito da minha análise, por uma questão de exaustividade e de clareza.

134.

A este respeito, há que observar, antes de mais, que a utilidade dos diversos mecanismos de resolução de litígios, incluindo a mediação, não pode ser sobrestimada. Estes mecanismos constituem meios adequados que permitem aos parceiros sociais chegar a um acordo que tenha em conta os seus interesses ( 109 ). Na minha opinião, não há dúvida de que o recurso à mediação deve, em primeiro lugar, ser entendido como um gesto de boa vontade que demonstra um empenho sincero em encontrar um compromisso duradouro.

135.

Feita esta precisão, considero que, na medida em que a ordem jurídica da União reconhece expressamente o direito dos parceiros sociais a resolverem livremente os seus diferendos através de negociações e em pé de igualdade ( 110 ), seria incoerente exigir que se sirvam de um mecanismo de resolução de litígios determinado. Pelo contrário, a sua autonomia abrange a escolha da via apropriada para chegarem a um acordo e aceitarem (ou rejeitarem) uma proposta de conciliação, em função dos seus interesses respetivos. Por conseguinte, não podem ser criticados por prosseguirem esses interesses pela forma que melhor lhes convier.

136.

É precisamente esta ampla margem de manobra que explica, entre outros fatores, que a greve se torne um acontecimento que escapa ao «controlo efetivo» dos parceiros sociais, cada um considerado individualmente, como já foi explicado no âmbito do exame dos critérios relativos ao conceito de «circunstância extraordinária» ( 111 ). Na medida em que cada parceiro social é livre de rejeitar uma proposta de acordo (e, sendo caso disso, de apresentar uma contraproposta), não é razoável afirmar que uma greve, enquanto expressão da existência de um profundo desacordo, constitua um acontecimento «controlável» para a transportadora aérea.

137.

Por outro lado, devo destacar, neste contexto, uma certa semelhança com o objeto da segunda questão prejudicial, uma vez que a questão em causa visa, manifestamente, pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, em substância, sobre o caráter «razoável» da posição negocial das partes. Ora, pelas razões que já expus no âmbito do exame da segunda questão prejudicial, o Tribunal de Justiça deve abster‑se de tomar posição a favor de qualquer uma das partes.

138.

Caso o Tribunal de Justiça decida, contudo, responder a esta questão prejudicial, gostaria de expressar as minhas reservas quanto a uma eventual abordagem que consistisse em convidar o órgão jurisdicional de reenvio a aplicar critérios associados à atitude ou ao comportamento dos parceiros sociais antes e durante a greve ( 112 ). Parece‑me que este tipo de critérios é, pelo contrário, suscetível de se tornar um fator adicional de incerteza para a prática jurisdicional, na medida em que esses critérios abririam a porta a uma casuística cuja evolução é difícil de prever. Com efeito, na medida em que a atitude ou o comportamento dos parceiros sociais pode variar consideravelmente de um processo para outro, em função dos aspetos em jogo, é de recear que a resolução de um dado litígio se torne imprevisível.

139.

Caso o Tribunal de Justiça venha a considerar pertinentes estes critérios, temo, por outro lado, que um órgão jurisdicional cível chamado a decidir um litígio como o do caso em apreço se veja inevitavelmente confrontado com questões sensíveis em matéria de direito do trabalho que escapam à sua competência. Dito isto, se o litígio fosse submetido a um órgão jurisdicional nacional especializado em direito do trabalho, haveria o risco de esse órgão jurisdicional apreciar as circunstâncias do processo de maneira diferente do órgão jurisdicional cível. Ora, tudo isto seria precisamente contrário ao objetivo que o Tribunal de Justiça deve prosseguir, a saber, a determinação de critérios objetivos capazes de promover a segurança jurídica e de evitar decisões judiciais discordantes ( 113 ). Na medida em que o presente processo respeita unicamente à interpretação do Regulamento n.o 261/2004, deve evitar‑se a importação de considerações que se enquadram numa área do direito distinta, a saber, o direito do trabalho.

140.

As observações precedentes são tanto mais pertinentes quanto o Regulamento n.o 261/2004, enquanto ato da União, exige uma interpretação autónoma para assegurar a sua aplicação uniforme em todos os Estados‑Membros. Uma vez que, em primeiro lugar, vários aspetos associados ao direito do trabalho e suscitados no âmbito do presente processo são da competência do legislador nacional ( 114 ), podendo, por essa razão, diferir significativamente entre os Estados‑Membros, e, em segundo lugar, as disposições aplicáveis deste regulamento não comportam nenhuma remissão para o direito nacional, não vejo por que razão estes aspetos devem ser utilizados como critérios de interpretação do conceito de «circunstância extraordinária».

141.

Pelas razões acima expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que não responda à terceira questão prejudicial.

VI. Conclusão

142.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Attunda tingsrätt (Tribunal de Primeira Instância de Attunda, Suécia):

Uma greve dos pilotos de aeronaves, trabalhadores de uma transportadora aérea e indispensáveis à realização de um voo, de uma dimensão como a que está em causa no processo principal, deve ser considerada uma «circunstância extraordinária» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, quando tenha sido anunciada por organizações de trabalhadores na sequência de um pré‑aviso e iniciada licitamente, em conformidade com o direito nacional, enquanto ação coletiva destinada a pressionar a referida transportadora aérea a aumentar os salários, conceder benefícios ou alterar as condições de trabalho com vista a satisfazer as exigências das organizações de trabalhadores.

Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, a transportadora aérea tem a obrigação de tomar medidas razoáveis para evitar o cancelamento ou o atraso considerável de um voo. Em particular, deve explorar todas as possibilidades legais para defender os seus interesses e os dos passageiros, prever uma reserva de tempo suficiente para obviar aos eventuais imprevistos, tomar em conta o pré‑aviso que precedeu a greve convocada pelo sindicato, organizar os seus recursos materiais e humanos a fim de garantir uma continuidade das operações e facilitar o acesso a voos noutras companhias que não sejam afetadas pela greve.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2004, L 46, p. 1.

( 3 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Krüsemann e o. (C‑195/17, C‑197/17 a C‑203/17, C‑226/17, C‑228/17, C‑254/17, C‑274/17, C‑275/17, C‑278/17 a C‑286/17 e C‑290/17 a C‑292/17, EU:C:2018:258).

( 4 ) V., a favor de uma qualificação de «circunstância extraordinária» de uma greve do pessoal de uma companhia aérea: Alemanha (Acórdão do Supremo Tribunal Federal de 21 de agosto de 2012, processo X ZR 138/11); Reino Unido (Acórdão do West County Tribunal de Londres de 17 de abril de 2009, processo Rigby v. Iberia [2009] 4 WLUK 299); Polónia (Acórdão do Tribunal Regional de Varsóvia de 5 de abril de 2017, XXIII Ga 1889/16 e XXIII Gz 1360/16); República Checa (Acórdão do Tribunal de Praga de 20 de novembro de 2019, n.o 18 Co 300/2019). Contra essa qualificação: França (Acórdão do Tribunal de Cassação de 24 de setembro de 2009, processos 08‑18.177 e 08‑18.178); Países Baixos (Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de Roterdão de 2 de junho de 2017, processo 5277790); Itália (Acórdão do Julgado de Paz de Trieste de 17 de setembro de 2012, processo 668/2012). É certo que esta lista não é exaustiva, mas permite desde já apreciar a diversidade das decisões judiciais.

( 5 ) V. n.o 3 das presentes conclusões.

( 6 ) Acórdão de 4 de outubro de 2012, Finnair (C‑22/11, EU:C:2012:604).

( 7 ) V. Acórdão de 4 de outubro de 2012, Finnair (C‑22/11, EU:C:2012:604, n.os 33, 37, 38 e 40), e Conclusões do advogado‑geral Y. Bot nesse processo (EU:C:2012:223, n.os 49 e 55).

( 8 ) V. n.o 3 das presentes conclusões.

( 9 ) Acórdãos de 5 de setembro de 2019, Verein für Konsumenteninformation (C‑28/18, EU:C:2019:673, n.o 25); de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 45); e de 17 de abril de 2018 (Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 44).

( 10 ) O sublinhado é meu.

( 11 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M Szpunar nos processos apensos X e Visser (C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2017:397, n.o 132).

( 12 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Wallentin‑Hermann (C‑549/07, EU:C:2008:771, n.o 23). O sublinhado é meu.

( 13 ) Acórdão Krüsemann, n.o 34.

( 14 ) Acórdão de 17 de setembro de 2015, van der Lans (C‑257/14, EU:C:2015:618, n.o 42).

( 15 ) Acórdãos de 11 de junho de 2020, Transportes Aéreos Portugueses (C‑74/19, EU:C:2020:460, n.o 37); de 12 de março de 2020, Finnair (C‑832/18, EU:C:2020:204, n.o 38); e de 4 de abril de 2019, Germanwings, C‑501/17, EU:C:2019:288, n.o 20).

( 16 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2008 (C‑549/07, EU:C:2008:771).

( 17 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Wallentin‑Hermann (C‑549/07, EU:C:2008:771, n.os 24 e 25).

( 18 ) Acórdão de 17 de setembro de 2015 (C‑257/14, EU:C:2015:618).

( 19 ) Acórdão de 17 de setembro de 2015, van der Lans (C‑257/14, EU:C:2015:618, n.os 41 e 42).

( 20 ) Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Wallentin‑Hermann (C‑549/07, EU:C:2008:771, n.o 26), e de 17 de setembro de 2015, van der Lans (C‑257/14, EU:C:2015:618, n.o 38).

( 21 ) Todavia, o princípio segundo o qual «ninguém está obrigado ao impossível» («impossibilium nulla obligatio est») faz parte dos princípios gerais do direito da União (v. Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 79, e de 3 de março de 2016, Daimler, C‑179/15, EU:C:2016:134, n.o 42).

( 22 ) Acórdão de 4 de maio de 2017 (C‑315/15, EU:C:2017:342).

( 23 ) Acórdão de 4 de abril de 2019 (C‑501/17, EU:C:2019:288).

( 24 ) Acórdão de 26 de junho de 2019 (C‑159/18, EU:C:2019:535).

( 25 ) V. n.o 42 das presentes conclusões.

( 26 ) V., a este respeito, o Regulamento (UE) 2018/1139 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2018, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil que cria a Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação, altera os Regulamentos (CE) n.o 2111/2005, (CE) n.o 1008/2008, (UE) n.o 996/2010 e (UE) n.o 376/2014 e as Diretivas 2014/30/UE e 2014/53/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, e revoga os Regulamentos (CE) n.o 552/2004 e (CE) n.o 216/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CEE) n.o 3922/91 do Conselho (JO 2018, L 212, p. 1), que estabelece, nomeadamente, requisitos essenciais relativos à tripulação de voo (anexo IV) e às operações aéreas (anexo V). Resulta destas disposições que a tripulação de voo deve ter um nível de competência profissional suficiente (tanto no plano teórico como prático), bem como a aptidão médica para desempenhar as suas funções de forma satisfatória.

( 27 ) V., nomeadamente, Diretiva 2000/79/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, respeitante à aplicação do acordo europeu sobre a organização do tempo de trabalho do pessoal móvel da aviação civil, celebrado pela Associação das Companhias Aéreas Europeias (AEA), a Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF), a Associação Europeia do Pessoal Navegante (ECA), a Associação das Companhias Aéreas das Regiões da Europa (ERA) e a Associação Internacional de Chárteres Aéreos (AICA) (JO 2000, L 302, p. 57), que estabelece limitações e normas mínimas, incluindo disposições relativas a férias anuais remuneradas, bem como o Regulamento (UE) n.o 83/2014 da Comissão, de 29 de janeiro de 2014, que altera o Regulamento (UE) n.o 965/2012, que estabelece os requisitos técnicos e os procedimentos administrativos para as operações aéreas, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 216/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 28, p. 17), que estabelece as regras a cumprir pelos operadores de transportes aéreos comerciais e pelas respetivas tripulações no que respeita às limitações dos tempos de voo e de serviço e aos requisitos de repouso aplicáveis aos tripulantes.

( 28 ) O sublinhado é meu.

( 29 ) V. n.os 24 e 25 das presentes conclusões.

( 30 ) V. n.os 35 e 39 das presentes conclusões.

( 31 ) V. n.o 38 das presentes conclusões.

( 32 ) Nas suas Conclusões no processo Finnair (C‑22/11, EU:C:2012:223, n.os 53 e 55), relativas a uma greve do pessoal do aeroporto, o advogado‑geral Y. Bot indicou que a greve não pode ser imputada à transportadora aérea pelo facto de esta última não ter nenhum controlo sobre esse acontecimento. Por outro lado, há que observar que a proposta de regulamento da Comissão, de 13 de março de 2013, com vista à alteração do Regulamento n.o 261/2004 [COM(2013) 130 final], contém uma lista não exaustiva de circunstâncias consideradas «extraordinárias» que menciona, nomeadamente, «conflitos laborais […] nas empresas que prestam serviços essenciais, designadamente os aeroportos e prestadores de serviços de navegação aérea», o que parece sustentar a interpretação defendida. Dito isto, observo que os «conflitos laborais na transportadora aérea operadora», ou seja, uma situação como a do caso em apreço, são equiparados a essas hipóteses.

( 33 ) V. n.os 66 a 69 das presentes conclusões.

( 34 ) V. n.os 70 a 76 das presentes conclusões.

( 35 ) V. n.os 77 a 81 das presentes conclusões.

( 36 ) V. n.os 82 a 92 das presentes conclusões.

( 37 ) V. n.o 92 das presentes conclusões.

( 38 ) V. n.o 57 das presentes conclusões.

( 39 ) V., neste sentido, Herrmann, C., «Entschädigung der Fluggäste bei wildem Streik — das TUIfly des EuGH vom 17.4.2018», Reise‑Recht aktuell: Zeitschrift für das Tourismusrecht, 2018, p. 102, e Croon, J./Callaghan, J. A, «“Wild Cat” Ruling by the European Court of Justice», Zeitschrift für Luft‑ und Weltraumrecht, 2018, n.o 4, p. 601, que pressupõem que o raciocínio do Tribunal de Justiça parte da premissa de que a transportadora aérea deve sofrer as consequências dos seus atos, dado que é normalmente obrigada a suportar o risco económico associado à gestão da empresa.

( 40 ) V. n.o 74 das minhas Conclusões no processo EPSO/Comissão, C‑928/19 P, EU:C:2021:38.

( 41 ) Comunicação da Comissão, intitulada «O diálogo social europeu, força de modernização e de mudança» [COM(2002) 341 final de 26 de junho de 2002, p. 6].

( 42 ) Esta disposição é aplicável à União e, por intermédio do artigo 13.o TUE, a todas as instituições. O sublinhado é meu.

( 43 ) C‑67/96, C‑115/97 e C‑219/97, EU:C:1999:28, n.o 181.

( 44 ) Segundo Hesse, K., Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, Heidelberg 1999, p. 28, ponto 72, «os interesses legítimos protegidos pelo direito constitucional devem ser ponderados entre si, para que cada um se torne realidade. Devem ser impostos limites aos referidos interesses para que possam atingir a máxima eficácia». V., igualmente, Alexy, R., «Constitutional Rights and Proportionality», Journal for constitutional theory and philosophy of law, 2014, n.o 22, p. 51, que considera que certos direitos fundamentais constituem «princípios que devem ser ponderados para que possam ser realizados, tanto quanto possível, tendo em conta as possibilidades jurídicas e factuais».

( 45 ) O sublinhado é meu.

( 46 ) Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich (C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 45).

( 47 ) V. Acórdãos de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 68); de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics (C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 69); de 11 de setembro de 2014, A (C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.o 51); e de 25 de maio de 2016, Meroni (C‑559/14, EU:C:2016:349, n.o 45).

( 48 ) Acórdão de 11 de dezembro de 2007 (C‑438/05, EU:C:2007:772).

( 49 ) Acórdão de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, EU:C:2007:772, n.o 47).

( 50 ) Acórdão de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, EU:C:2007:772, n.o 74).

( 51 ) Acórdão de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, EU:C:2007:772, n.o 77).

( 52 ) Acórdão de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, EU:C:2007:772, n.os 78 e 79).

( 53 ) Acórdão de 24 de novembro de 2011 (C‑70/10, EU:C:2011:771).

( 54 ) Acórdão de 16 de fevereiro de 2012 (C‑360/10, EU:C:2012:85).

( 55 ) Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 43), e de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 41).

( 56 ) Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 44), e de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 42).

( 57 ) Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 46), e de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.os 43 e 44).

( 58 ) Everson, M., e Correia Gonçalves, R., The EU Charter of Fundamental Rights — A Commentary (Peers, Hervey, Kenner, Ward), Oxford, 2014, art. 16, p. 455, ponto 16.40, sublinham a importância destes acórdãos pelo facto de imporem aos órgãos jurisdicionais nacionais a obrigação de ponderarem o direito de propriedade com a liberdade de empresa, o que tem como consequência transformar a liberdade de empresa numa obrigação privada ou num direito subjetivo.

( 59 ) Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 50), e de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 48).

( 60 ) Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 48), e de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 46).

( 61 ) Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 54), e de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 52).

( 62 ) Acórdão de 31 de janeiro de 2013 (C‑12/11, EU:C:2013:43).

( 63 ) Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 60).

( 64 ) Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 61).

( 65 ) Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 62).

( 66 ) Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 63).

( 67 ) Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 64). O sublinhado é meu.

( 68 ) V. Acórdãos de 11 de junho de 2020, Transportes Aéreos Portugueses (C‑74/19, EU:C:2020:460, n.o 52); de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 67); e de 23 de outubro de 2012, Nelson e o. (C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.o 39).

( 69 ) V., neste sentido, Kučko, M., «The decision in TUIfly: are the Ryanair Strikes to be seen as extraordinary circumstances?», Air and Space Law, 06/2019, vol. 44, n.o 3, p. 334, que afirma que, ainda que tal resultado reforçasse os direitos dos passageiros, não seria desejável para as companhias porque poderia conceder uma vantagem injusta aos sindicatos. A perspetiva de pagar uma indemnização aos passageiros, além de ter de suportar os prejuízos acumulados durante o período de greve, seria suscetível de obrigar as companhias aéreas a ceder a qualquer pedido (ainda que irrazoável) dos sindicatos; Flöthmann, M., «Verbraucherschutz: Ausgleichszahlungen nach Flugausfall trotz wilden Streiks des Flugpersonals», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 2018, p. 461, que vê o risco de isso encorajar os trabalhadores a iniciarem ações coletivas contra as transportadoras aéreas com o objetivo de as obrigar a aceder às suas exigências.

( 70 ) Algumas das partes interessadas recordaram que o direito nacional subordina o direito ao ressarcimento dos danos a uma condição de «culpa» («intenção» ou «negligência») relativamente ao prejuízo causado. Alegaram igualmente que um agente económico poderia, em princípio, invocar cláusulas de exoneração contidas no contrato ou renegociá‑lo com o seu parceiro comercial, ao abrigo da sua autonomia contratual.

( 71 ) Acórdãos de 4 de maio de 2017, Pešková e Peška (C‑315/15, EU:C:2017:342, n.o 36); de 17 de setembro de 2015, van der Lans (C‑257/14, EU:C:2015:618, n.o 46); e de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 68).

( 72 ) V. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Finnair (C‑22/11, EU:C:2012:223, n.o 56), em que essa solução foi proposta. Todavia, importa observar, em primeiro lugar, que o referido processo se distingue do caso em apreço pelo facto de dizer respeito a uma greve do pessoal do aeroporto (e não do pessoal da transportadora aérea, por iniciativa de um sindicato) e, em segundo lugar, que o advogado‑geral se limitou a afirmar que tal direito podia, em princípio, existir, em conformidade com o direito nacional aplicável.

( 73 ) V., neste sentido, Wendeling‑Schröder, «Schadensersatz drittbetroffener Unternehmen bei Streiks?», Arbeit und Recht, 03/2017, vol. 65, n.o 3, p. 96, e Unterschütz, J., «Strike and Remedies for Unlawful Strikes in the Legal System of Poland, Hungary, and Slovakia», International Journal of Comparative Labour Law and Industrial Relations, 2014, vol. 30, n.o 3, p. 335, que explicam, relativamente ao direito alemão, polaco, húngaro e eslovaco, que o direito ao ressarcimento só existe na sequência de greves ilegais ou de atos ilegais por ocasião de uma greve.

( 74 ) Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich (C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 42).

( 75 ) V., neste sentido, Gernigon, B., Odero, A., e Guido, H., ILO principles concerning the right to strike, Genebra, 2000, p. 42, que indicam que o direito à greve não é um direito absoluto e que o seu exercício deve estar em conformidade com outros direitos fundamentais dos cidadãos e dos empregadores. As legislações nacionais preveem geralmente sanções para tais abusos, que podem variar, em função da respetiva gravidade das consequências, entre o despedimento e diferentes tipos de sanções financeiras ou penais.

( 76 ) V., neste sentido, Everson, M., e Correia Gonçalves, R., The EU Charter of Fundamental RightsA Commentary (Peers, Hervey, Kenner, Ward), Oxford 2014, art. 16, p. 459, ponto 16.52, que chamam a atenção para o facto de a liberdade de empresa estar intimamente associada ao direito de propriedade e ao direito de trabalhar, com a consequência de que deve ser considerada um «direito existencial».

( 77 ) V. n.os 64 e 86 das presentes conclusões.

( 78 ) V. n.os 108 a 111 (quanto à licitude de uma greve) e n.os 114 a 116 (quanto à necessidade de tomar em conta o pré‑aviso que precedeu a greve) das presentes conclusões.

( 79 ) Acórdão Krüsemann e o., n.o 47).

( 80 ) V. n.os 40 e 64 das presentes conclusões.

( 81 ) V. n.o 35 das presentes conclusões.

( 82 ) Acórdão de 11 de junho de 2020, Transportes Aéreos Portugueses (C‑74/19, EU:C:2020:460, n.o 57).

( 83 ) Acórdãos de 26 de junho de 2019, Moens (C‑159/18, EU:C:2019:535, n.o 27), e de 4 de maio de 2017, Pešková e Peška (C‑315/15, EU:C:2017:342, n.o 30).

( 84 ) Acórdãos de 26 de junho de 2019, Moens (C‑159/18, EU:C:2019:535, n.o 27), e de 4 de maio de 2017, Pešková e Peška (C‑315/15, EU:C:2017:342, n.o 43).

( 85 ) V. Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Folkerts (C‑11/11, EU:C:2013:106, n.os 35 e 47).

( 86 ) V. n.os 67 e 68 das minhas Conclusões no processo Transportes Aéreos Portugueses (C‑74/19, EU:C:2020:135).

( 87 ) V. n.o 92 das presentes conclusões.

( 88 ) V. n.o 94 das presentes conclusões.

( 89 ) V., neste sentido, Jarec, W., «Eindeutiges und Widersprüchliches im Urteil des EuGH in der Rs Krüsemann ua/TUIfly», Ecolex, 2019, n.o 1, p. 102.

( 90 ) V. Krebber, S., EUV/AEUV. Das Verfassungsrecht der Europäischen Union mit Europäischer Grundrechtecharta. Kommentar (Calliess/Ruffert), 4. Auflage, Art. 28 GRCh, p. 2903, ponto 3.

( 91 ) V., neste sentido, Barnard, C., The EU Charter of Fundamental RightsA Commentary (Peers, Hervey, Kenner, Ward), Oxford, 2014, Art. 28, p. 792, ponto 28.57.

( 92 ) O sublinhado é meu.

( 93 ) O sublinhado é meu.

( 94 ) V., neste sentido, Lembke, U., Europäisches Unionsrecht Kommentar (Hans von der Groeben/Jürgen Schwarze/Armin Hatje), 7. Aufl., 2015, Band 1, Art. 28 GRCh, p. 682, ponto 15.

( 95 ) V., a este respeito, Krebber, S., EUV/AEUV. Das Verfassungsrecht der Europäischen Union mit Europäischer Grundrechtecharta. Kommentar (Calliess/Ruffert), 4. Auflage, Art. 28 GRCh, p. 2903, ponto 8.

( 96 ) V., a este respeito, as minhas Conclusões de 27 de fevereiro de 2020 no processo Transportes Aéreos Portugueses (C‑74/19, EU:C:2020:135, n.o 72).

( 97 ) Acórdão de 12 de maio de 2011 (C‑294/10, EU:C:2011:303, n.o 28).

( 98 ) V. n.o 93 das presentes conclusões.

( 99 ) V. n.o 51 das presentes conclusões.

( 100 ) Acórdão de 4 de abril de 2019, Germanwings (C‑501/17, EU:C:2019:288, n.o 19 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

( 101 ) V., neste sentido, Flöthmann, M., «Verbraucherschutz: Ausgleichszahlungen nach Flugausfall trotz wilden Streiks des Flugpersonals», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 2018, p. 461, segundo o qual se pode esperar que uma transportadora aérea disponha de pessoal suficiente para assegurar as suas operações.

( 102 ) V. n.o 111 das presentes conclusões.

( 103 ) Acórdão de 11 de junho de 2020, Transportes Aéreos Portugueses (C‑74/19, EU:C:2020:460). O sublinhado é meu.

( 104 ) Acórdão de 11 de junho de 2020 (C‑74/19, EU:C:2020:460, n.o 58). O sublinhado é meu.

( 105 ) Acórdão de 11 de junho de 2020, Transportes Aéreos Portugueses (C‑74/19, EU:C:2020:460, n.o 59).

( 106 ) Acórdão de 11 de junho de 2020, Transportes Aéreos Portugueses (C‑74/19, EU:C:2020:460, n.o 60).

( 107 ) V. n.o 54 das presentes conclusões.

( 108 ) V. n.o 68 das presentes conclusões.

( 109 ) García, A., Romero Pender, E., Medina, F., e Euwema, M., «Mediation in Collective Labor Conflicts», Industrial Relations & Conflict Management, 2019, pp. 5 e 10, explicam que os conflitos coletivos de trabalho fazem inevitavelmente parte da vida numa sociedade. As tensões entre os interesses e os direitos dos empregados, da direção e dos proprietários, enquanto acionistas ou agentes públicos, podem facilmente atingir níveis destrutivos. Por esta razão, as sociedades desenvolvem quadros jurídicos para resolver esses conflitos. Um dos meios de resolução de diferendos é a mediação, que pode ser definida como qualquer assistência por terceiros às partes, para as ajudar a evitar a escalada do conflito, a pôr‑lhe fim e a encontrar soluções negociadas.

( 110 ) V. n.o 71 das presentes conclusões.

( 111 ) V. n.o 90 das presentes conclusões.

( 112 ) Critérios como o «caráter construtivo e aberto ao diálogo» dos parceiros sociais ou a «aceitação do recurso a um mediador».

( 113 ) V. n.o 32 das presentes conclusões.

( 114 ) V. n.o 93 das presentes conclusões.