CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 11 de fevereiro de 2021 ( 1 )

Processo C‑535/19

A

interveniente:

Latvijas Republikas Veselības ministrija

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia)]

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Direito de livre circulação e de livre residência no território dos Estados‑Membros — Cidadão da União economicamente inativo que deixa o seu Estado‑Membro de origem para se instalar no Estado‑Membro de acolhimento para reagrupamento familiar — Recusa de inscrição no regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento e de tomada a cargo das prestações de cuidados de saúde pública — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 7.o, n.o 1, alínea b) — Condição de dispor de uma “cobertura extensa de seguro de doença” — Conceito de “sobrecarga não razoável” — Artigo 24.o — Direito à igualdade de tratamento — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 3.o, n.o 1, alínea a) — Conceito de “prestações por doença” — Artigo 4.o e artigo 11.o, n.o 3, alínea e) — Alcance — Laço real de integração no Estado‑Membro de acolhimento — Consequências»

I. Introdução

1.

O presente processo tem por objeto o direito de um cidadão da União, economicamente inativo, que exerceu o seu direito de livre circulação ao mudar‑se para um Estado‑Membro para efeitos de reagrupamento familiar, de ser inscrito na segurança social deste último e de beneficiar de prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado.

2.

Este processo suscita mais uma vez a questão da interação entre a Diretiva 2004/38/CE ( 2 ) e o Regulamento n.o 883/2004/CE ( 3 ), mas num contexto diferente. Em três processos anteriores ( 4 ), os cidadãos da União em causa não preenchiam as condições fixadas pela Diretiva 2004/38 para beneficiarem de um direito de residência legal no Estado‑Membro de acolhimento, a saber, dispor de recursos suficientes e de uma cobertura extensa de seguro de doença. Não dispunham desses recursos e um deles tinha entrado no território do Estado‑Membro de acolhimento para fins qualificados de «turismo social» com o único objetivo de aí beneficiarem de prestações sociais. O Tribunal de Justiça concluiu daí que podia ser recusada a esses cidadãos da União a concessão de prestações sociais no Estado‑Membro de acolhimento em igualdade com os nacionais dado que nele não tinham residido legalmente durante cinco anos e adquirido um direito de residência permanente.

3.

No presente processo, o cidadão da União preenche, pelo contrário, as duas condições exigidas, pelo que se coloca a questão de saber se daí resulta que tem direito à igualdade de tratamento em relação aos nacionais do Estado‑Membro de acolhimento no que respeita ao acesso aos cuidados de saúde financiados pelo Estado.

4.

Será que, em nome da preservação do equilíbrio financeiro do seu regime de segurança social, o Estado‑Membro de acolhimento pode, no entanto, recusar‑lhe a inscrição e prestar‑lhe esses cuidados de saúde em igualdade com os seus próprios nacionais com base na condição de dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença?

5.

Esta é a questão principal submetida pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia) no âmbito de um litígio que opõe um cidadão italiano ao Latvijas Republikas Veselības ministrija (Ministério da Saúde da República da Letónia, a seguir «Ministério da Saúde letão»). Trata‑se de uma questão de significativa importância tanto para os Estados‑Membros como para os cidadãos da União.

6.

Na sequência de uma análise da Diretiva 2004/38 e do Regulamento n.o 883/2004, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, proporei a este último que declare que não pode ser sistematicamente recusada a um cidadão da União economicamente inativo, mas que cumpre os requisitos enunciados no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, que deslocou o centro de todos os seus interesses para um Estado‑Membro de acolhimento e que apresenta um laço de integração efetiva com este Estado, a inscrição na segurança social desse Estado‑Membro e o benefício de prestação de cuidados de saúde a cargo do Estado, nas mesmas condições que os nacionais, pelo facto de não ter aí um emprego ou uma atividade independente.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Regulamento n.o 883/2004

7.

O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 prevê:

«O presente regulamento aplica‑se aos nacionais de um Estado‑Membro, aos apátridas e refugiados residentes num Estado‑Membro que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou mais Estados‑Membros, bem como aos seus familiares e sobreviventes.»

8.

O artigo 3.o deste regulamento, com a epígrafe «Âmbito de aplicação material», dispõe, nos seus n.os 1 e 5:

«1.   O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

a)

Prestações por doença;

[…]

5.   O presente regulamento não se aplica:

a)

à assistência social e médica;

[…]»

9.

Nos termos do artigo 4.o do referido regulamento, com a epígrafe «Igualdade de tratamento»:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro.»

10.

Nos termos do artigo 11.o deste mesmo regulamento:

«1.   As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente título.

[…]

3.   Sem prejuízo dos artigos 12.o a 16.o:

a)

A pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado‑Membro;

[…]

e)

Outra pessoa à qual não sejam aplicáveis as alíneas a) a d) está sujeita à legislação do Estado‑Membro de residência, sem prejuízo de outras disposições do presente regulamento que lhe garantam prestações ao abrigo da legislação de um ou mais outros Estados‑Membros.

[…]»

2. Diretiva n.o 2004/38

11.

A Diretiva 2004/38 revogou, nomeadamente, as Diretivas 90/365/CEE ( 5 ), 90/366/CEE ( 6 ) e 90/364/CEE ( 7 ) que diziam respeito aos direitos de residência, designadamente de pensionistas, estudantes e outras pessoas inativas.

12.

Os considerandos 9 e 10 desta diretiva enunciam:

«(9)

Os cidadãos da União deverão ter o direito de residir no Estado‑Membro de acolhimento por período não superior a três meses sem estarem sujeitos a quaisquer condições ou formalidades além das de possuir um bilhete de identidade ou passaporte válido, sem prejuízo de um tratamento mais favorável aplicável às pessoas à procura de emprego, conforme reconhecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

(10)

As pessoas que exercerem o seu direito de residência não deverão, contudo, tornar‑se uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período inicial de residência. Em consequência, o direito de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias por períodos superiores a três meses deverá estar sujeito a condições.»

13.

O artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)

Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)

Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)

Esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional e

disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)

Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).»

14.

Em conformidade com o artigo 14.o, n.os 1, 2 e 4, da mesma diretiva:

«1.   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se refere o artigo 6.o, desde que não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

2.   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

[…]

4.   Em derrogação dos n.os 1 e 2 e sem prejuízo do disposto no Capítulo VI, em caso algum pode ser tomada uma medida de afastamento contra cidadãos da União ou membros das suas famílias se:

[…]

b)

Os cidadãos da União entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento para procurar emprego. Neste caso, os cidadãos da União e os membros das suas famílias não podem ser afastados enquanto os cidadãos da União comprovarem que continuam a procurar emprego e que têm hipóteses genuínas de serem contratados.»

15.

O artigo 24.o da Diretiva 2004/38, com a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

«1.   Sob reserva das disposições específicas previstas expressamente no Tratado e no direito secundário, todos os cidadãos da União que, nos termos da presente diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado. O benefício desse direito é extensível aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e tenham direito de residência ou direito de residência permanente.

2.   Em derrogação do n.o 1, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.o 4 do artigo 14.o, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.»

B.   Direito letão

16.

O artigo 17.o da Ārstniecības likums (Lei Relativa aos Tratamentos Médicos), na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal, dispunha que:

«1.   Os tratamentos médicos financiados pelo orçamento geral do Estado e pelos recursos do beneficiário dos tratamentos, segundo as modalidades definidas em Conselho de Ministros, são dispensados às seguintes pessoas:

1)

aos nacionais letões;

2)

aos não cidadãos da Letónia;

3)

aos nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia, dos Estados do Espaço Económico Europeu e da Confederação Suíça, que residam na Letónia em razão de um emprego ou do exercício de uma atividade independente, bem como aos membros da sua família;

4)

aos estrangeiros autorizados a residir de modo permanente na Letónia;

[…]

3.   Os cônjuges de nacionais letões e de não cidadãos da Letónia e que são titulares de uma autorização de residência por tempo limitado na Letónia têm o direito, segundo as modalidades definidas em Conselho de Ministros, de beneficiar gratuitamente de tratamentos obstétricos financiados pelo orçamento geral do Estado e pelos recursos dos beneficiários dos tratamentos.

[…]

5.   As pessoas que não são mencionadas nos n.os 1, 3 e 4 do presente artigo recebem tratamentos médicos mediante pagamento.»

17.

Nos termos do artigo 7.o da Veselības aprūpes finansēšanas likums (Lei Relativa ao Financiamento dos Cuidados de Saúde) na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal:

«Todas as pessoas têm direito a receber assistência médica de urgência. O Conselho de Ministros estabelece as respetivas modalidades.»

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

18.

No final de 2015, A, nacional italiano, deixou a Itália para se instalar na Letónia para se juntar à esposa, de nacionalidade letã, e aos seus dois filhos menores, de nacionalidades letã e italiana.

19.

Antes da sua partida, A estava inscrito num registo de nacionais italianos que se instalam fora de Itália por um período mínimo de doze meses. As pessoas inscritas nesse registo estão privadas da possibilidade de beneficiar, em Itália, de tratamentos médicos assegurados por este Estado.

20.

Em 22 de janeiro de 2016, A requereu ao Serviço Nacional de Saúde letão a sua inscrição no registo dos beneficiários de uma cobertura pública de doença que dava direito a cuidados de saúde financiados pela República da Letónia, ou seja, requereu a sua inscrição no sistema de segurança social letão, e que fosse emitido um cartão europeu de seguro de doença ( 8 ).

21.

Por Decisão de 17 de fevereiro de 2016, este Serviço Nacional de Saúde indeferiu esses pedidos.

22.

Esta decisão foi validada por Decisão de 8 de julho de 2016, do Ministério da Saúde letão, com o fundamento de que A não era trabalhador dependente nem trabalhador independente na Letónia, mas que residia nesse país com base num certificado de registo de cidadão da União. Como foi confirmado na audiência no Tribunal de Justiça, o recorrente só encontrou um primeiro emprego na Letónia a partir de 4 de janeiro de 2018. Por isso, não entra na categoria das pessoas referidas no artigo 17.o, n.os 1, 3 ou 4, da Lei Relativa aos Tratamentos Médicos que podem beneficiar de uma cobertura pública de doença, que dá direito a cuidados de saúde financiados pelo Estado. O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que os cidadãos da União como A só podem beneficiar de cuidados obstétricos e de assistência médica de urgência financiados pelo Estado. Quanto ao resto, podem receber cuidados de saúde abrangidos pelo regime de saúde pública, mas devem pagá‑los pelos seus próprios meios.

23.

O recorrente interpôs recurso dessa decisão para o administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia). Este último negou provimento ao recurso considerando, em substância, que, embora A tenha residido legalmente na Letónia em conformidade com os requisitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 e possa, por conseguinte, invocar o princípio da não discriminação enunciado no artigo 24.o, n.o 1, desta diretiva, se podia justificar uma diferença de tratamento, uma vez que se baseava em considerações objetivas e prosseguia o objetivo legítimo de proteger as finanças públicas. Essa diferença de tratamento também era proporcionada na medida em que A tinha direito a assistência médica de urgência, os prémios de um seguro de doença privado não eram elevados e, no fim de apenas cinco anos, podia obter um direito de residência permanente que lhe permitia beneficiar dos cuidados de saúde a cargo do Estado.

24.

Por Acórdão de 5 de janeiro de 2018, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional, Letónia) negou provimento ao recurso interposto dessa sentença.

25.

O Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal), chamado a pronunciar‑se em sede de recurso do Acórdão de 5 de janeiro de 2018, considera que é necessária uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça para resolver o litígio no processo principal.

26.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a Lei Relativa aos Tratamentos Médicos transpõe o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38. Embora esse órgão jurisdicional não manifeste nenhuma dúvida quanto à aplicabilidade desta diretiva, questiona‑se, em contrapartida, quanto à aplicabilidade do Regulamento n.o 883/2004. Com efeito, o referido órgão jurisdicional considera necessário determinar se os cuidados de saúde dispensados pelo Estado, como os prestados na Letónia, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 883/2004. O órgão jurisdicional de reenvio coloca esta questão tendo em conta, em primeiro lugar, o financiamento do regime de segurança social letão, que, em 2016, era suportado principalmente pelos impostos e, em segundo lugar, a exclusão da «assistência social e médica» do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 por força do artigo 3.o, n.o 5, deste regulamento. Esse órgão jurisdicional esclarece que o acesso aos cuidados de saúde financiados pelo Estado é concedido segundo critérios objetivos e que o sistema letão pode ser descrito como um sistema público de seguro de doença obrigatório.

27.

Na hipótese de o Regulamento n.o 883/2004 ser aplicável, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o artigo 11.o, n.o 3, alínea e), deste regulamento, segundo o qual a lei aplicável é a do Estado‑Membro de residência do interessado, obsta a que seja recusada ao requerente a inscrição no sistema de saúde financiado pelo Estado tanto na Itália como na Letónia, ficando assim globalmente privado de acesso a essa proteção.

28.

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta o seu receio de que o princípio da não discriminação consagrado no artigo 18.o TFUE, e especificado no artigo 24.o da Diretiva 2004/38 e no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, não tenha sido respeitado. Parece‑lhe que a regulamentação letã impõe aos cidadãos da União economicamente inativos uma restrição desproporcionada ao acesso ao sistema público de seguro de doença obrigatório.

29.

Este órgão jurisdicional considera que há que apreciar a situação concreta do recorrente. Sublinha, nomeadamente, que A se mudou para a Letónia para se juntar à sua família, que esteve empregado em Itália, procurou trabalho na Letónia e que, neste último Estado‑Membro, tem dois filhos menores com dupla nacionalidade letã e italiana. Na sua opinião, estes elementos militam a favor da existência de laços pessoais estreitos do recorrente com a República da Letónia, que não permitem excluí‑lo automaticamente da inscrição no seu sistema de saúde público.

30.

Assim sendo, o referido órgão jurisdicional reconhece que um cidadão da União só pode reclamar uma igualdade de tratamento com os nacionais do Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 se a sua residência no território desse Estado‑Membro de acolhimento respeitar as condições desta diretiva. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que A cumpre as condições de residência enunciadas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva, uma vez que dispõe de recursos suficientes e de uma cobertura extensa de seguro de doença na Letónia, sublinhando que foi excluído do benefício de uma cobertura pública de doença que dá direito a cuidados de saúde financiados pelo Estado. Assim, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se o facto de um cidadão da União dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença, que constitui uma das condições de legalidade da residência previstas pela Diretiva 2004/38, pode justificar a recusa de inscrição no sistema de saúde pública.

31.

Nestas condições, o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve considerar‑se que os cuidados de saúde públicos estão incluídos nas “prestações por doença” na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, podem os Estados‑Membros, ao abrigo do artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 24.o da Diretiva 2004/38, a fim de evitar pedidos desproporcionados de prestações sociais previstas para garantir a prestação de cuidados de saúde, recusar essas prestações, que são concedidas aos seus nacionais e aos membros da família de um cidadão da União que tenha o estatuto de trabalhador que se encontrem na mesma situação, aos cidadãos da União que, nesse momento, não tenham o estatuto de trabalhador?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, podem os Estados‑Membros, ao abrigo dos artigos 18.o e 21.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do artigo 24.o da Diretiva 2004/38, a fim de evitar pedidos desproporcionados de prestações sociais previstas para garantir a prestação de cuidados de saúde, recusar essas prestações, que são concedidas aos seus nacionais e aos membros da família de um cidadão da União que tenha o estatuto de trabalhador que se encontrem na mesma situação, aos cidadãos da União que, nesse momento, não tenham o estatuto de trabalhador?

4)

É conforme com o artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento (CE) n.o 883/2004 uma situação em que é recusado a um cidadão da União Europeia, que exerce o seu direito à livre circulação, o direito a receber serviços de prestação de cuidados de saúde públicos a cargo do Estado em todos os Estados‑Membros envolvidos no caso em apreço?

5)

É conforme com os artigos 18.o, 20.o, n.o 1, e 21.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia uma situação em que é recusado a um cidadão da União Europeia, que exerce o seu direito à livre circulação, o direito a receber serviços de prestação de cuidados de saúde públicos a cargo do Estado em todos os Estados‑Membros envolvidos no caso em apreço?

6)

Deve a legalidade da residência, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, ser entendida no sentido de que confere a uma pessoa o direito a aceder ao regime de segurança social e também no sentido de que pode constituir um motivo para excluir essa pessoa da segurança social? Em especial, no caso em apreço, deve considerar‑se que o facto de o requerente dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença, que constitui uma das condições prévias para a legalidade da residência em conformidade com a Diretiva 2004/38, pode justificar a recusa em incluí‑lo no sistema de prestação de cuidados de saúde a cargo do Estado?»

32.

O pedido de decisão prejudicial, de 9 de julho de 2019, deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de julho de 2019.

33.

Foram apresentadas observações escritas pelo Governo letão e espanhol, pelo Ministério da Saúde letão, e pela Comissão Europeia. As mesmas partes e interessados e A estiveram representados na audiência de alegações realizada em 28 de setembro de 2020.

IV. Análise

A.   Quanto à primeira questão prejudicial

34.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os cuidados de saúde pública como os que são concedidos nos termos do artigo 17.o da Lei Relativa aos Tratamentos Médicos estão abrangidos pelo conceito de «prestações por doença» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004.

35.

O órgão jurisdicional de reenvio indica que tem dúvidas a este respeito devido à redação do artigo 3.o, n.o 5, do Regulamento n.o 883/2004, que exclui do âmbito de aplicação deste último a «assistência social e médica».

36.

À semelhança de todas as partes que se pronunciaram quanto à primeira questão, considero que esta deve receber uma resposta afirmativa.

37.

O problema da distinção entre as prestações de segurança social abrangidas pelo Regulamento n.o 883/2004 e a «assistência social e médica» dele excluída colocou‑se muito cedo, a partir do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 ( 9 ), que precedeu o Regulamento n.o 883/2004 e que continha esta distinção ( 10 ).

38.

Começo por recordar que esta distinção assenta essencialmente nos elementos constitutivos de cada prestação, designadamente as suas finalidades e as suas condições de concessão, e não no facto de uma prestação ser ou não qualificada por uma legislação nacional de prestação de segurança social ( 11 ).

39.

Em seguida, sublinho que, segundo jurisprudência constante, para que uma prestação não seja abrangida pela «assistência social e médica» na aceção do artigo 3.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, mas constitua uma prestação de segurança social abrangida por este regulamento, devem estar cumpridas duas condições cumulativas. Por um lado, é preciso que a prestação seja concedida aos beneficiários, independentemente de qualquer apreciação individual discricionária das necessidades pessoais, com base numa situação legalmente definida e, por outro, que se refira a um dos riscos expressamente enumerados no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 ( 12 ).

40.

Quanto à primeira condição, o órgão jurisdicional de reenvio refere que os tratamentos médicos são garantidos a todas as pessoas que residam na Letónia e que se enquadrem numa das categorias definidas objetivamente pela Lei Relativa aos Tratamentos Médicos para serem inscritas no registo dos beneficiários de cuidados de saúde, sem que nenhuma outra circunstância pessoal seja tida em conta.

41.

Parece‑me que estas características permitem considerar que a primeira condição está cumprida.

42.

Acrescento que o modo como as prestações de cuidados de saúde são financiadas ( 13 ) é irrelevante para a qualificação como prestação de segurança social na aceção deste regulamento ( 14 ).

43.

Quanto à segunda condição, esta exige que se verifique se os cuidados de saúde, como os previstos na Lei Relativa aos Tratamentos Médicos, se reportam a um dos riscos mencionados no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, no caso em apreço, às «prestações por doença» que constam da alínea a) desta disposição.

44.

Embora as «prestações por doença» não estejam definidas no Regulamento n.o 883/2004, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se a este respeito, declarando, nomeadamente, que são abrangidas por este conceito prestações que têm por finalidade essencial a cura do doente ( 15 ).

45.

Ora, resulta claramente da decisão de reenvio e do próprio título da lei letã em causa no processo principal que os cuidados de saúde em causa no processo principal são tratamentos médicos e, portanto, cuidados destinados a curar doenças.

46.

Por conseguinte, considero que os cuidados de saúde pública, como os que estão em causa no processo principal, se referem ao risco de doença mencionado no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 e que a segunda condição está igualmente cumprida.

47.

Nestas condições, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão que prestações de cuidados de saúde pública, como as que estão em causa no processo principal, que são concedidas aos beneficiários, independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, com base numa situação legalmente definida, não se enquadram no conceito de «assistência social e médica» na aceção do artigo 3.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, mas no de «prestações por doença» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

48.

Tendo em conta a resposta proposta à primeira questão, considero que não há que responder à terceira questão, que só é submetida na hipótese de prestações como as que estão em causa no processo principal não estarem abrangidas pelo Regulamento n.o 883/2004.

49.

Proponho examinar a segunda questão relacionada com a quinta e a sexta, depois de ter examinado a quarta questão.

B.   Quanto à quarta questão prejudicial

50.

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que exclui do direito de beneficiar de prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado, um cidadão da União, como A, que exerce o seu direito à liberdade de circulação ao deixar o seu Estado‑Membro de origem para se instalar noutro Estado‑Membro, pelo facto de o referido cidadão não ter um emprego ou uma atividade independente no seu território.

51.

A este respeito, sublinho antes de mais que o artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 883/2004 enuncia unicamente uma «regra de conflito» que visa determinar a legislação nacional aplicável às prestações de segurança social enumeradas no artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, neste caso prestações por doença ( 16 ). As pessoas economicamente inativas, como A, que não se enquadram em nenhuma das alíneas a) a d) deste artigo 11.o, n.o 3, são abrangidas pelo âmbito de aplicação da alínea e) desta disposição, que constitui uma categoria residual, e estão sujeitas à legislação do Estado‑Membro de residência. Num caso como o do processo principal, é pacífico que a lei aplicável a A, que reside na Letónia, é a lei letã.

52.

Este artigo 11.o, n.o 3, alínea e), como o Regulamento n.o 883/2004 no seu conjunto, visa assim evitar a aplicação simultânea de várias legislações nacionais e impedir que as pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação sejam privadas de proteção em matéria de segurança social, por falta de legislação que lhes seja aplicável ( 17 ).

53.

Em contrapartida, esta disposição não harmoniza as condições de concessão das prestações em matéria de segurança social, como as prestações de cuidados de saúde. Estas enquadram‑se na responsabilidade dos Estados‑Membros, que continuam a ter competência para definir a sua política de saúde em conformidade com o artigo 168.o, n.o 7, TFUE, organizar os seus sistemas de segurança social e determinar, nas suas legislações nacionais, as condições de concessão e, portanto, de recusa das prestações em matéria de segurança social ( 18 ).

54.

Ao determinar estas condições, os Estados‑Membros devem, todavia, respeitar o direito da União, nomeadamente o direito primário e o princípio da igualdade de tratamento inscrito, nomeadamente, no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, sendo que, no entanto, o seu conteúdo não está previsto no artigo 11.o, n.o 3, alínea e), deste regulamento. A questão de saber se condições como as previstas pela regulamentação nacional em causa no processo principal são conformes com o Tratado FUE e com os atos de direito derivado é objeto da segunda, quinta e sexta questões, que examino nas secções seguintes.

55.

Proponho responder à quarta questão que o artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que apenas permite determinar a legislação aplicável às prestações por doença, como as que estão em causa no processo principal, e que não tem por objeto as condições substantivas que conferem direito a essas prestações. Esta disposição não permite, por si só, apreciar a conformidade com o direito da União de uma regulamentação nacional que exclui um cidadão da União que exerceu o seu direito à liberdade de circulação ao deixar o seu Estado‑Membro de origem para se instalar num outro Estado‑Membro, do direito a beneficiar de prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado, pelo facto de não ter um emprego ou uma atividade independente no território deste último.

C.   Quanto à segunda, quinta e sexta questões prejudiciais

56.

Sublinho, a título preliminar, que, de acordo com a decisão de reenvio, quando A deixou o seu Estado‑Membro de origem, sem limite temporal, já aí não trabalhava nem estava inscrito no seu sistema de segurança social. Embora tenha procurado emprego no Estado‑Membro de acolhimento, não entrou nele principalmente para esse fim, mas com o objetivo de se juntar à mulher e aos seus filhos. Por conseguinte, não foi como trabalhador que constituiu a base do seu direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento. Além disso, ainda que também pudesse ser abrangido pelas disposições do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38, relativo aos cidadãos da União que permanecem no Estado‑Membro de acolhimento além de três meses após a sua entrada nesse Estado para aí procurar emprego, resulta dessa decisão que foi enquanto pessoa economicamente inativa que residia no Estado‑Membro de acolhimento no momento em que apresentou o seu pedido de inscrição na segurança social e que o seu direito de residência se baseava no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), e no artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva ( 19 ).

57.

Por conseguinte, considero que, com a sua segunda, quinta e sexta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 24.o da Diretiva 2004/38, lidos em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), e com o artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que, para evitar uma sobrecarga não razoável no equilíbrio do seu regime de segurança social, autorizam os Estados‑Membros, na sua qualidade de Estado‑Membro de acolhimento, a recusar a inscrição no seu sistema de segurança social e assim permitir que beneficiem de prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado, a cidadãos da União que, quando apresentam o seu pedido de inscrição, estão economicamente inativos mas que preenchem os requisitos enunciados no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva, quando os seus próprios nacionais, na mesma situação, têm direito a essas prestações.

58.

Para responder a esta questão, vou examinar os ensinamentos da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça sobre a interação entre a Diretiva 2004/38 e o Regulamento n.o 883/2004, em relação com a condição de dispor de recursos suficientes, antes de aplicar estes ensinamentos à condição de dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença. No âmbito da análise desta segunda condição, demonstrarei que um elemento essencial da análise diz respeito à questão de saber se a inscrição na segurança social do Estado‑Membro de acolhimento cria uma sobrecarga não razoável para o seu equilíbrio financeiro.

1. Ensinamentos da jurisprudência recente

59.

Conforme resulta da sua redação, o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, com a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe que, em princípio, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro. Estas prestações compreendem, em especial, as prestações por doença referidas no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

60.

Quanto ao artigo 24.o da Diretiva 2004/38, também com a epígrafe «Igualdade de tratamento», este prevê, no seu n.o 1, que os cidadãos da União que exerceram o seu direito de livre circulação e residem num Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado. Este direito é exercido sem prejuízo das disposições específicas expressamente previstas no Tratado e no direito derivado.

61.

Estas duas disposições são a expressão, em domínios específicos como o das prestações de segurança social e o da cidadania, do princípio da não discriminação consagrado de forma genérica no artigo 18.o TFUE ( 20 ).

62.

Relativamente ao artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça declarou que, no que respeita ao acesso a prestações sociais, como um pedido de rendimento mínimo, que constitui uma prestação social de caráter não contributivo na aceção do artigo 70.o do Regulamento n.o 883/2004, um cidadão da União só pode reclamar uma igualdade de tratamento em relação aos nacionais do Estado‑Membro de acolhimento se a sua residência no território desse Estado respeitar as condições da Diretiva 2004/38 ( 21 ). No caso de uma residência por mais de três meses, mas inferior a cinco anos, de um cidadão da União economicamente inativo, essas condições são precisadas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b) desta diretiva e preveem que esse cidadão deve dispor de recursos suficientes e de uma cobertura extensa de seguro de doença ( 22 ). Em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, da referida diretiva, o direito de residência só se mantém se o cidadão da União continuar a preencher essas condições ( 23 ). Estas condições têm como finalidade evitar que esse cidadão da União se torne uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento ( 24 ).

63.

O Tribunal de Justiça esclareceu assim a existência de um nexo entre o direito à igualdade de tratamento por força do artigo 24.o da Diretiva 2004/38, o qual pode estar sujeito ao respeito dos artigos 7.o e 14.o desta diretiva, e o direito a prestações sociais nos termos do Regulamento n.o 883/2004. O direito a estas prestações em igualdade com os nacionais do Estado‑Membro de acolhimento pode, assim, depender da existência de um direito de residência legal no Estado‑Membro de acolhimento de acordo com as condições especificadas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva e da manutenção do cumprimento dessas condições ao longo de toda a residência, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, desta mesma diretiva.

64.

O Tribunal de Justiça concluiu daí que o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da mesma diretiva não se opõe a uma regulamentação que exclui do benefício de certas prestações previstas pelo Regulamento n.o 883/2004 os cidadãos de outros Estados‑Membros que não residam legalmente, ao abrigo da referida diretiva, no Estado‑Membro de acolhimento ( 25 ). O Tribunal de Justiça esclareceu que esta mesma conclusão se impõe no que respeita à interpretação do artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 ( 26 ).

65.

Estas considerações, que têm origem no Acórdão Brey ( 27 ), foram confirmadas nos Acórdãos posteriores Alimanovic ( 28 ), García‑Nieto e o. ( 29 ) e Comissão/Reino Unido ( 30 ).

66.

No Acórdão García‑Nieto, o Tribunal de Justiça precisou que para determinar se podem ser recusadas prestações de assistência social a um cidadão da União, há que verificar, antes de mais, se o princípio da igualdade de tratamento recordado no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 é aplicável e, portanto, se a residência no território do Estado‑Membro de acolhimento é legal na aceção desta diretiva ( 31 ). Depois, há que verificar se, contudo, a situação do interessado não se enquadra no âmbito de aplicação da derrogação visada no n.o 2 desse artigo 24.o ( 32 ). Com efeito, ao abrigo desta derrogação, o direito à igualdade de tratamento em relação aos nacionais pode ser recusado em três situações, a saber, durante os primeiros três meses de residência no Estado‑Membro de acolhimento, durante um período eventualmente superior a esses três meses, correspondente à procura de emprego em conformidade com o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva e, relativamente a um pedido de ajuda de subsistência para estudos para determinados estudantes, enquanto estes não adquirem o direito de residência permanente nesse Estado‑Membro.

67.

Na sequência destes acórdãos, podia subsistir uma dúvida quanto à questão de saber se as considerações do Tribunal de Justiça relativas à relação entre o artigo 24.o da Diretiva 2004/38 e o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 apenas diziam respeito às prestações sociais de caráter contributivo, como o rendimento mínimo, ou se se aplicavam às prestações de segurança social abrangidas por este regulamento. O Acórdão Comissão/Reino Unido esclarece que estas considerações se aplicam de igual forma a prestações de segurança social ( 33 ).

68.

Deduzo desta jurisprudência que as condições especificadas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 se aplicam igualmente a todas as prestações de segurança social e, nomeadamente, às prestações abrangidas pelo primeiro ramo da segurança social referido no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, a saber, às prestações por doença.

69.

A questão que se coloca no presente processo é a de saber se, uma vez preenchidas essas condições, o cidadão da União beneficia de igualdade de tratamento em relação aos nacionais do Estado‑Membro de acolhimento em matéria de direito a prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado.

70.

Sublinho que A preenche as duas condições do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38. Resulta da decisão de reenvio ( 34 ) e é pacífico entre as partes que, quando apresentou o seu pedido de inscrição na segurança social letã para beneficiar dessas prestações, A dispunha de recursos suficientes e de uma cobertura extensa de seguro de doença. No que respeita a esta última condição, ficou esclarecido na audiência no Tribunal de Justiça que a tinha subscrito numa companhia de seguros privada. Por outro lado, é pacífico que continuou a preencher sempre estas duas condições, após o seu pedido de inscrição na segurança social do Estado‑Membro de acolhimento. Por conseguinte, este cidadão da União devia, em princípio, beneficiar da igualdade de tratamento em relação aos nacionais, por força do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, uma vez que não se enquadra em nenhum dos três casos referidos no n.o 2 desta disposição e, portanto, devia poder estar inscrito na segurança social do Estado‑Membro de acolhimento nas mesmas condições que os seus nacionais ( 35 ). Isto implica que possa não só ter acesso às prestações de cuidados de saúde abrangidas pelo regime de saúde pública, mas também que essas prestações sejam suportadas pelo Estado nas mesmas condições que as aplicáveis aos nacionais ( 36 ).

71.

No entanto, a lógica exposta no número anterior não é evidente como atestam as observações dos Governos letão e espanhol e da Comissão.

72.

O Governo letão sublinha que a condição de dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença não foi incluída por acaso, mas que prossegue um objetivo determinado. Tal como o requisito de recursos suficientes tem como objetivo que uma pessoa possa, por si própria, prover às suas necessidades durante a sua residência por mais de três meses noutro Estado‑Membro e que este último não tenha de lhe conceder prestações de assistência social sob a forma de um mínimo vital, o requisito de uma cobertura extensa de seguro de doença também tem como objetivo que a pessoa que não tenha um emprego ou uma atividade independente cubra ela própria as suas despesas de saúde e que o Estado‑Membro em causa não tenha de suportar tais despesas. Do ponto de vista deste governo, não é admissível que uma pessoa invoque a igualdade de tratamento enunciada no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 para beneficiar das prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado, quando, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, deve ter uma cobertura extensa de seguro de doença para obter o direito de residir legalmente no Estado‑Membro de acolhimento mais de três meses.

73.

A Comissão considera de forma análoga, referindo‑se ao Acórdão Dano ( 37 ), que a recusa do Estado‑Membro de acolhimento em permitir o acesso de um cidadão da União, como A, ao seu regime de segurança social, em igualdade com os seus próprios nacionais residentes no seu território, é apenas uma consequência inevitável da Diretiva 2004/38, no caso em apreço, da condição de possuir uma cobertura extensa de seguro de doença, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva.

74.

O Governo espanhol apoia a posição do Governo letão e da Comissão.

75.

Se resumir as suas posições, estes últimos consideram que, uma vez que as condições de dispor de recursos suficientes e de uma cobertura extensa de seguro de doença devem ser cumpridas para ter direito à igualdade de tratamento nos termos do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, conjugado com os artigos 7.o e 14.o desta diretiva, este direito só pode ser invocado para a concessão de prestações diferentes das que permitem preencher essas condições, sob pena de as privar do seu sentido.

76.

Por outras palavras, o direito à igualdade de tratamento não pode, segundo estes governos e a Comissão, incidir sobre a concessão de um rendimento mínimo ou sobre a inscrição no regime de saúde pública do Estado‑Membro de acolhimento, os quais permitem precisamente satisfazer os requisitos estabelecidos pelo artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38.

77.

Compreendo este raciocínio. Considero, como irei demonstrar, que o requisito enunciado no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 de dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença tem como objetivo, com efeito, evitar que um cidadão da União economicamente inativo se torne numa sobrecarga não razoável para o Estado‑Membro de acolhimento antes de ter adquirido um direito de residência permanente em conformidade com o artigo 16.o desta diretiva, ou seja, no termo dos cinco primeiros anos de residência. Considero, com efeito que, durante este período, o Estado‑Membro de acolhimento tem, em princípio, o direito de exigir que o cidadão da União subscreva, por sua conta, um seguro de doença que cubra as suas despesas de saúde no Estado‑Membro de acolhimento ( 38 ). Por conseguinte, na grande maioria dos casos, esse Estado‑Membro tem, na minha opinião, o direito de recusar que esse cidadão seja inscrito no seu regime de segurança social.

78.

Todavia, a questão que o Tribunal de Justiça deve decidir no caso em apreço é a de saber se um Estado‑Membro pode «em todas as circunstâncias e de forma automática» ( 39 ) recusar inscrever um cidadão da União economicamente inativo no seu regime de segurança social nas mesmas condições que os seus próprios nacionais. Sublinho que, mesmo para os nacionais, os cuidados de saúde pública a cargo do Estado não são em geral «gratuitos». Os nacionais contribuem para tal quer através de contribuições, quer através de impostos, de acordo com o modo de financiamento da segurança social estabelecido por cada Estado‑Membro.

79.

Esta problemática coloca‑se muito especialmente quando se trata de um cidadão da União que, embora respondendo às condições enunciadas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, deixou permanentemente o seu Estado‑Membro de origem, onde, por isso, deixou de estar inscrito na segurança social e que, para efeitos de reagrupamento familiar, se instalou noutro Estado‑Membro para o qual deslocou o centro de todos os seus interesses familiares, pessoais e profissionais.

80.

A este propósito, considero que há que adotar uma interpretação mais mitigada do que a proposta quer pelos Governos letão e espanhol quer pela Comissão, como nos sugere o Acórdão Jobcenter Krefeld, relativo à condição de dispor de recursos suficientes. Tal abordagem impõe‑se ainda mais, na minha opinião, no que respeita à condição de dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença. Vou demonstrar que a recusa sistemática de conceder aos nacionais dos outros Estados‑Membros economicamente inativos prestações de cuidados de saúde pública, nas mesmas condições que aos nacionais, antes de adquirirem um direito de residência permanente, no termo de cinco anos de residência no território do Estado‑Membro de acolhimento, não encontra apoio na redação dos artigos 7.o, 14.o e 24.o da Diretiva 2004/38 e que é contrária ao objetivo de livre circulação do cidadão da União e ao próprio conceito de «cidadania da União».

2. Quanto ao conceito de «cobertura extensa de seguro de doença» à luz da redação e do contexto do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38

81.

A condição de dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença consta do artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva 2004/38.

82.

Antes de mais, saliento que a Diretiva 2004/38, nomeadamente os seus artigos 7.o, 14.o e 24.o, não prevê expressamente que um Estado‑Membro pode recusar a inscrição de um cidadão da União no seu regime de segurança social e, portanto, conceder‑lhe uma cobertura pública de doença, pelo facto de estar economicamente inativo no período de residência entre três meses e cinco anos desde a sua chegada a esse Estado‑Membro.

83.

Especificamente, a derrogação constante do artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 não prevê esse limite ao direito à igualdade de tratamento. Recordo que, enquanto derrogação a uma liberdade fundamental, esta disposição deve, segundo o Tribunal de Justiça, ser interpretada de forma restrita. Além disso, o Tribunal de Justiça precisou o seu alcance no seu recente Acórdão Jobcenter Krefeld ( 40 ) ao sublinhar, primeiro, que a referida disposição só é aplicável às situações referidas no artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 e, portanto, apenas aos cidadãos da União cujo direito de residência se baseia na própria diretiva ( 41 ). Segundo, relativamente à aplicação da derrogação a um requerente de emprego, a derrogação visa as pessoas que dispõem de um direito de residência baseado unicamente no artigo 14.o, n.o 4, alínea b) da Diretiva 2004/38 ( 42 ).

84.

Daqui resulta que um cidadão da União, como A, titular de um direito de residência com base no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), e no artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, e não apenas no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva, não está abrangido pela derrogação prevista no artigo 24.o, n.o 2, da referida diretiva ( 43 ).

85.

Em seguida, observo que, contrariamente à redação deste artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, que impõe ao cidadão da União a condição de dispor de recursos suficientes «a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência ( 44 )», o legislador da União não estabeleceu essa relação entre a condição de dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença e a existência dessa sobrecarga. Assim, o legislador considerou que a falta de recursos suficientes pode constituir uma sobrecarga suscetível de justificar a recusa de conceder prestações sociais em igualdade com os nacionais ( 45 ). Em contrapartida, relativamente à cobertura extensa de seguro de doença, a preocupação do legislador era evitar que o cidadão da União residente num Estado‑Membro de acolhimento se torne para este não uma simples sobrecarga, mas uma sobrecarga não razoável ( 46 ).

86.

Examinarei o conceito de «sobrecarga não razoável» a partir do n.o 92 das presentes conclusões. Sublinho simplesmente nesta fase que a qualificação de «não razoável» constitui uma diferença sensível.

87.

Por último, relativamente ao alcance do conceito de «cobertura extensa de seguro de doença», sublinho que este não está definido na Diretiva 2004/38.

88.

Segundo a linguagem corrente, o termo «seguro» refere‑se a um «contrato através do qual uma seguradora garante ao segurado, mediante um prémio ou uma contribuição, o pagamento de uma quantia convencionada em caso de realização de um risco determinado» ( 47 ). No caso em apreço, o seguro de doença visa cobrir os riscos em matéria de cuidados de saúde. A expressão «cobertura extensa» refere‑se ao alcance dos riscos que devem ser cobertos no Estado‑Membro de acolhimento.

89.

Porém, a Diretiva 2004/38 não contém nenhum esclarecimento sobre o alcance destes termos. Especificamente, não refere se o seguro de doença deve ser privado ou público. Os governos que intervieram no presente processo e a Comissão partiram da premissa de que o seguro em causa é um seguro privado. Mas isso não resulta da redação da disposição. Também não se refere se o seguro deve ser fornecido por um organismo ou por uma empresa do Estado‑Membro de acolhimento ou se pode provir de outro Estado‑Membro, nomeadamente do Estado‑Membro de origem do cidadão da União.

90.

O Acórdão Baumbast e R ( 48 ) e as Orientações da Comissão relativas à aplicação da Diretiva 2004/38 ( 49 ) trazem alguns esclarecimentos a este respeito. Resulta desse acórdão que o cidadão da União em causa, que reclamava um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento para o qual tinha exercido a sua liberdade de circulação, neste caso o Reino Unido, dispunha de um seguro de doença completo no seu Estado‑Membro de origem, a Alemanha, concedido pelo seu regime de segurança social ( 50 ).

91.

Por conseguinte, o tipo de seguro não parece determinante. O que importa é dispor de uma cobertura de doença ( 51 ).

92.

O contexto da Diretiva 2004/38 traz, por outro lado, um esclarecimento suplementar. Saliento que, segundo o considerando 10 desta diretiva, as condições que constam do artigo 7.o da referida diretiva visam, nomeadamente, evitar que os cidadãos da União em causa se tornem uma «sobrecarga não razoável» para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento ( 52 ).

93.

A génese da disposição e as orientações relativas à aplicação da Diretiva 2004/38 também evidenciam a importância de os Estados‑Membros evitarem que o cidadão da União economicamente inativo se torne uma sobrecarga dessa natureza.

94.

Com efeito, esta preocupação de natureza económica já constava das três diretivas de 1990 que precederam a Diretiva 2004/38 ( 53 ), nomeadamente a Diretiva 90/364, e dava seguimento ao relatório do comité ad hoc«Europa dos cidadãos» chamado «relatório Adonnino» de 1985 ( 54 ). Este último tinha sugerido prever, além da condição de dispor de recursos suficientes, a de dispor de uma «cobertura adequada dos riscos de doença» a fim de facilitar a adoção do projeto de Diretiva 90/364 prevendo um direito de residência para os cidadãos da União economicamente inativos ( 55 ).

95.

As orientações relativas à aplicação da Diretiva 2004/38 indicam que «[e]m princípio, qualquer seguro, privado ou público, obtido no Estado‑Membro de acolhimento ou noutro Estado, é aceitável, desde que a sua cobertura seja completa e não dê origem a uma sobrecarga para as finanças públicas do Estado‑Membro de acolhimento ( 56 )».

96.

Observo, aliás, que no seu projeto de revisão do Regulamento n.o 883/2004, com vista a ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Comissão propôs que o cidadão da União tivesse acesso ao sistema de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento, se aí residisse de forma habitual, contribuindo de forma proporcionada para um regime de seguro de doença ( 57 ).

97.

Decorre das considerações que precedem que a cobertura extensa de seguro de doença pode ser privada ou pública e resultar de uma inscrição no regime de segurança social de um Estado‑Membro, designadamente do Estado‑Membro de origem do cidadão da União, como no processo que deu origem ao Acórdão Baumbast, mas também do Estado‑Membro de acolhimento ( 58 ). Na falta de esclarecimentos na Diretiva 2004/38 quanto ao conceito de «cobertura extensa de seguro de doença», considero que a condição de dispor de uma cobertura extensa de seguro de doença deve ser entendida como a obrigação de dispor de uma cobertura extensa em matéria de cuidados de saúde, qualquer que seja a sua origem e o eventual modo de inscrição. A menção de uma «cobertura extensa de seguro de doença» enquanto condição de residência legal de um cidadão da União em conformidade com a Diretiva 2004/38 não pode, em meu entender, por si só, obstar à existência de um direito do cidadão da União economicamente inativo de estar inscrito no regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento. É ainda necessário que essa inscrição crie uma «sobrecarga não razoável» para o equilíbrio financeiro do Estado‑Membro de acolhimento.

98.

Ora, como demonstrarei em seguida, esta consequência não é automática.

3. Quanto ao conceito de «sobrecarga não razoável»

99.

No Acórdão Baumbast, o Tribunal de Justiça salientou que o direito de livre circulação e de residência foi alargado pelo Tratado FUE a qualquer cidadão da União que tenha ou não uma atividade económica, recordando muito embora que este direito está sujeito às limitações e às condições previstas pelos tratados e pelas disposições adotadas para a sua aplicação ( 59 ). O Tribunal de Justiça explicou que essas limitações se inspiram na ideia de que o exercício do direito de residência dos cidadãos da União pode ser subordinado aos «interesses legítimos» dos Estados‑Membros, entre os quais consta o de que os beneficiários desse direito não constituam uma «sobrecarga não razoável para as finanças públicas do Estado‑Membro de acolhimento» ( 60 ).

100.

O Tribunal de Justiça acrescentou que a aplicação dessas limitações e condições deve ser feita respeitando os limites impostos pelo direito da União e em conformidade com o princípio da proporcionalidade. ( 61 ).

101.

A este respeito, observo que o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2004/38 prevê que o recurso ao regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento por parte de um cidadão da União não deve ter como consequência automática uma medida de afastamento. Esta disposição reflete a apreciação do Tribunal de Justiça no Acórdão Grzelczyk ( 62 ) segundo a qual o simples facto de um estudante pedir para beneficiar de um rendimento mínimo no Estado‑Membro de acolhimento não pode conduzir automaticamente à perda do seu direito de residência e ao indeferimento da concessão da prestação social pedida ( 63 ). Daqui deduzo que a concessão de tal prestação social nem sempre constitui uma sobrecarga não razoável.

102.

Quando é que uma sobrecarga se torna não razoável?

103.

O conceito de «sobrecarga não razoável» foi aplicado nomeadamente nos Acórdãos García‑Nieto, Alimanovic e Dano e precisado no Acórdão Jobcenter Krefeld [secção a)]. Foi também objeto de um exame no âmbito de processos em que a situação do cidadão da União apresentava um laço de integração com o Estado‑Membro de acolhimento [secção b)]. Embora os processos que estão na base dos acórdãos referidos na secção a) não se prestassem a um exame individual da situação dos cidadãos em causa, tal exame é necessário num processo como o principal [secção c)].

a) Quanto ao conceito de «sobrecarga não razoável» na aceção dos Acórdãos García‑Nieto, Alimanovic e Dano, conforme precisado no Acórdão Jobcenter Krefeld

104.

No Acórdão Jobcenter Krefeld, o Tribunal de Justiça teve o cuidado de explicitar que uma pessoa como o recorrente no processo que deu origem a esse acórdão não constituía uma sobrecarga não razoável para o sistema de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento, distinguindo a sua situação da de J. García‑Nieto, de N. Alimanovic e de E. Dano, a saber, os cidadãos da União respetivamente em causa nos acórdãos do mesmo nome.

105.

Contrariamente a J. García‑Nieto, o cidadão da União em causa no processo que esteve na base do Acórdão Jobcenter Krefeld, pai de família e antigo trabalhador no Estado‑Membro de acolhimento, não reclamava uma prestação social para os seus três primeiros meses de residência no território desse Estado.

106.

Contrariamente a N. Alimanovic, esse cidadão da União também não pretendia essa prestação ao abrigo de um direito de residência por um período superior a esses três primeiros meses, baseado unicamente na sua procura de emprego no Estado‑Membro de acolhimento, uma vez que detinha um direito de residência autónomo com base no artigo 10.o do Regulamento n.o 492/2011.

107.

Por último, contrariamente a E. Dano, o referido cidadão da União não tinha entrado no território do Estado‑Membro de acolhimento sem emprego nem recursos suficientes unicamente para aí beneficiar das prestações de assistência social concedidas por este último aos seus próprios nacionais.

108.

Por conseguinte, e apesar de pedir uma prestação de subsistência, o cidadão da União em causa não devia ser considerado uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento ( 64 ).

109.

Estas considerações são pertinentes para um cidadão da União como A, uma vez que a sua situação também se distingue claramente das de J. García Nieto, de N. Alimanovic e de E. Dano.

110.

Com efeito, o seu pedido não diz respeito aos três primeiros meses da sua entrada no Estado‑Membro de acolhimento, mas a um período posterior a estes. O seu direito de residência não se baseia unicamente numa procura de emprego no Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38, uma vez que é pacífico que reside legalmente no Estado‑Membro de acolhimento com base no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva. Por último, contrariamente a E. Dano, A não entrou no território do Estado‑Membro de acolhimento para obter prestações de assistência social desse Estado‑Membro ou cuidados de saúde gratuitos. Enquanto E. Dano nunca tinha trabalhado e não procurava um emprego no Estado‑Membro de acolhimento, A já trabalhou em Itália e procurou emprego na Letónia ( 65 ).

111.

Considero que estas constatações permitem afastar o risco de um cidadão da União como A constituir uma sobrecarga não razoável na aceção dos três casos anteriormente analisados pelo Tribunal de Justiça.

112.

Por outro lado, longe de se comportar como «turista social», expressão utilizada para caracterizar o comportamento de E. Dano, A teceu laços particulares com o Estado‑Membro de acolhimento, os quais, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, têm consequências no conceito de «sobrecarga não razoável». Examiná‑los‑ei na próxima secção.

b) Quanto ao conceito de «sobrecarga não razoável» examinado à luz do laço de integração com o Estado‑Membro de acolhimento

113.

O Tribunal de Justiça foi chamado a examinar a incidência que o laço de integração de um cidadão da União economicamente inativo podia ter com um Estado‑Membro de acolhimento no direito desse cidadão a prestações de assistência social nos mesmos termos que os nacionais. A jurisprudência do Tribunal de Justiça desenvolveu‑se, nomeadamente, no âmbito de processos relativos a estudantes economicamente inativos que prosseguem os seus estudos no Estado‑Membro de acolhimento ( 66 ).

114.

Assim, no Acórdão Bidar ( 67 ), o Tribunal de Justiça apreciou a questão de saber se a concessão de ajudas financeiras a estudantes sob a forma de bolsas de subsistência destinadas a ajudá‑los nas suas despesas quotidianas podia constituir um encargo excessivo suscetível de ter consequências no nível global da ajuda que podia ser concedida por esse Estado.

115.

O Tribunal de Justiça declarou nesse acórdão que, para evitar tal efeito, é legítimo que um Estado‑Membro só conceda tal ajuda aos estudantes que demonstrarem um certo grau de integração na sociedade desse Estado ( 68 ). Considerou pertinente o facto de o cidadão da União ter criado um laço real com a sociedade desse Estado residindo aí legalmente e aí fazendo uma parte significativa dos seus estudos secundários. O Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional que impede esse cidadão de prosseguir os seus estudos universitários no Estado‑Membro de acolhimento nas mesmas condições que os nacionais, em matéria de ajudas financeiras, sem ter em conta o seu grau de integração real na sociedade desse Estado, não é justificada pelo objetivo legítimo que essa legislação pretende prosseguir ( 69 ).

116.

Todavia, no Acórdão Förster ( 70 ), posterior ao Acórdão Bidar, o Tribunal de Justiça declarou, baseando‑se nos termos da Diretiva 2004/38, que um Estado‑Membro pode considerar legítimo não conceder essa ajuda de subsistência a estudantes provenientes de outros Estados‑Membros que residam no seu território para efeitos dos seus estudos, enquanto não tiverem residido cinco anos no seu território. Mas sublinho que a Diretiva 2004/38 contém uma disposição expressa nesse sentido no seu artigo 24.o, n.o 2.

117.

Por conseguinte, na falta de uma disposição expressa que permita derrogar ao direito à igualdade de tratamento em caso de pedido de inscrição na segurança social do Estado‑Membro de acolhimento, considero que a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de laço real de integração na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento e de conceito de «sobrecarga não razoável» é pertinente no âmbito do presente processo ( 71 ).

118.

Este laço real de integração no Estado‑Membro de acolhimento, que deve ser demonstrado, pode assentar num conjunto de indícios como o contexto familiar e o enraizamento da família nesse Estado‑Membro ( 72 ), a existência de laços sociais ou económicos ( 73 ) ou de laços pessoais, como o casamento com um nacional desse Estado‑Membro e a residência habitual no território deste último ( 74 ) ou, ainda, do emprego nesse território de membros da família de que depende o cidadão da União ( 75 ).

119.

Recordo que o laço real de integração não deve ser fixado de maneira uniforme, mas deve ser estabelecido em função de elementos constitutivos da prestação em causa, nomeadamente da sua estrutura e da sua finalidade ( 76 ). No que respeita à inscrição na segurança social, os Estados‑Membros podem, na minha opinião, considerar que o laço real de integração caracterizado nomeadamente pela residência habitual do interessado no Estado‑Membro de acolhimento só fica demonstrado depois de um período razoável de residência nesse Estado‑Membro, desde que não ultrapasse o que é necessário para assegurar que o interessado transferiu o centro dos seus interesses para este último ( 77 ).

120.

Ora, no caso de um cidadão da União como A, recordo que é pacífico que o mesmo deixou o seu Estado‑Membro de origem, a Itália, para se instalar, sem limite temporal, junto da mulher e dos seus filhos menores na Letónia e que, segundo os próprios termos do órgão jurisdicional de reenvio, deslocou o «centro dos seus interesses» para esse Estado‑Membro com o qual estabeleceu «laços pessoais estreitos». Afigura‑se assim, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que apresenta um laço de integração real com a sociedade desse Estado‑Membro.

121.

Assim sendo, as consequências a retirar da existência desse laço de integração devem ainda ser apreciadas tendo em conta o facto de o setor da saúde pública apresentar especificidades reconhecidas no Tratado FUE e que se encontram refletidas na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Este Tribunal declarou de forma constante que a proteção da saúde pública figura entre as razões imperiosas de interesse geral que podem, ao abrigo do artigo 52.o TFUE, justificar restrições à liberdade de estabelecimento ( 78 ) e à livre prestação de serviços ( 79 ). O mesmo se aplica relativamente à liberdade de circulação e de residência de um cidadão da União ao abrigo do artigo 27.o da Diretiva 2004/38. Esta derrogação abrange mais concretamente dois objetivos, o de manter um serviço médico ou hospitalar de qualidade, equilibrado e acessível a todos, e o de evitar um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social ( 80 ).

122.

À luz destas considerações, entendo que, desde que um cidadão da União economicamente inativo, que apresente um laço real de integração no Estado‑Membro de acolhimento e disponha de recursos suficientes, contribua financeiramente para o regime de segurança social desse Estado‑Membro em igualdade com os nacionais, quer através de contribuições, quando o sistema assentar num mecanismo de seguro, quer pelos impostos, se se tratar de um sistema nacional de saúde como o que estava em vigor na Letónia em 2016 ( 81 ), a sua inscrição nesse sistema, nas mesmas condições que os nacionais, não deve, em princípio, criar um risco de prejuízo grave para o seu equilíbrio financeiro, ou mesmo uma sobrecarga não razoável. Todavia, compete a cada Estado‑Membro proceder a essa verificação.

123.

Com efeito, não se pode excluir que um cidadão da União economicamente inativo que se encontre na mesma situação que um nacional do Estado‑Membro de acolhimento não seja obrigado ao pagamento de impostos ou de contribuições para a segurança social ou que o seja apenas de forma simbólica. Considero que, neste caso, se se verificar que a inscrição do cidadão da União, nas mesmas condições que os nacionais, é suscetível de criar um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do Estado‑Membro de acolhimento, este não é obrigado a conceder um tratamento igual a esse cidadão. Todavia, a existência desse risco deve ser verificada com base em dados objetivos, circunstanciados e quantificados ( 82 ).

124.

Nestas circunstâncias, considero que não há nada que se oponha a que seja implementado um sistema de contribuições adicionais pelo Estado‑Membro de acolhimento ou, de outra forma, tratando‑se de um sistema nacional de saúde baseado nos impostos, a que esse Estado‑Membro peça ao cidadão da União que mantenha a sua cobertura extensa de seguro de doença privado em contrapartida da sua inscrição ( 83 ).

125.

Considero, assim, à luz da análise que precede, que o cidadão da União economicamente inativo que disponha de recursos suficientes e apresente um laço real de integração no Estado‑Membro de acolhimento pode, sendo caso disso, beneficiar da inscrição na segurança social desse Estado‑Membro, mesmo antes de ter encontrado um emprego ou uma atividade independente nesse Estado‑Membro ou de aí ter adquirido um direito de residência permanente em conformidade com o artigo 16.o da Diretiva 2004/38 ( 84 ).

126.

Daqui resulta que a recusa automática e em todas as circunstâncias de inscrever um cidadão da União como A no regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento e de permitir que este beneficie das prestações de cuidados de saúde pública nas mesmas condições que os nacionais não é, na minha opinião, conforme com o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), e com o artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva.

127.

Esta conclusão não é posta em causa pela circunstância de a situação desse cidadão da União exigir um exame individual para verificar se está bem integrado no Estado‑Membro de acolhimento.

c) Quanto à necessidade de um exame individual da situação do cidadão da União para determinar se o mesmo constitui uma sobrecarga não razoável

128.

Recordo que o exame casuístico da situação do cidadão da União, para determinar se pode ter direito a uma prestação social em igualdade com os nacionais, deve ser efetuado em numerosas situações para que não seja violado o seu direito à liberdade de circulação e de residência. É designadamente o caso de um estudante, como R. Grzelczyk, que requereu um mínimo para viver e em relação a quem importa verificar se a necessidade é temporária ( 85 ). É também o caso de um cidadão da União, como Baumbast, cujo exame da situação exige que se verifiquem diferentes parâmetros, entre os quais o de saber se tinha estado anteriormente a cargo do Estado‑Membro de acolhimento.

129.

Nos Acórdãos Alimanovic e García‑Nieto, o Tribunal de Justiça declarou efetivamente que o tipo de processos na base desses acórdãos e do Acórdão Dano não se prestava a um exame individual da situação dos interessados para verificar se constituíam uma sobrecarga não razoável ( 86 ). O Tribunal de Justiça sublinhou que a ajuda concedida a um único requerente dificilmente pode ser qualificada de «sobrecarga não razoável» para um Estado‑Membro, na aceção do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, e que era forçosamente necessário ter em conta o somatório da totalidade dos pedidos individuais que lhe viriam a ser apresentados ( 87 ).

130.

Resulta implicitamente destas considerações que, tomadas no seu conjunto, as situações que estão na base deste tipo de processos devem ser vistas como uma sobrecarga não razoável e que os Estados‑Membros em causa não são obrigados a conceder as prestações sociais requeridas.

131.

Assim, não é determinante o facto de a situação de cada uma dessas pessoas, considerada individualmente, não constituir uma sobrecarga não razoável. Se a sua situação corresponde a um dos casos expressamente referidos pelo legislador designadamente no artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, como nos processos que estão na base dos Acórdãos García‑Nieto e Alimanovic, ou diz respeito a uma pessoa que, à semelhança de E. Dano, exerceu a sua liberdade de circulação com o único objetivo de beneficiar das prestações sociais do Estado‑Membro de acolhimento, esses pedidos devem ser considerados suscetíveis de gerar uma sobrecarga não razoável para o equilíbrio financeiro do Estado‑Membro de acolhimento, não estando este último obrigado a deferi‑lo.

132.

Em contrapartida, no que respeita à situação de uma pessoa que, como A, não se enquadra nesses casos, entendo que se impõe a abordagem inversa. Deve ser efetuado um exame da situação individual do interessado para garantir que está bem integrado no Estado‑Membro de acolhimento, em especial, que aí «reside habitualmente» na aceção do Regulamento n.o 883/2004 e, portanto, que pode ser inscrito no seu regime de segurança social nas mesmas condições que os nacionais, desde que não se enquadre na situação referida nos n.os 123 e 124 das presentes conclusões. Os elementos pertinentes incluem, nomeadamente, os enumerados no artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 987/2009 ( 88 ), como a sua situação familiar, o caráter permanente da sua habitação, o Estado‑Membro no qual deve residir para efeitos de impostos ou ainda as razões que levaram esse cidadão a deslocar‑se.

133.

A análise que precede, relativa ao conceito de «sobrecarga não razoável», é aplicável da mesma maneira no âmbito da interpretação do Regulamento n.o 883/2004.

4. Quanto às consequências a retirar do conceito de «sobrecarga não razoável» para a interpretação do Regulamento n.o 883/2004

134.

Como resulta da decisão de reenvio, os órgãos jurisdicionais da Letónia consideraram que era aplicável a lei do Estado‑Membro de residência, neste caso a lei letã, por força do artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 883/2004.

135.

Esta lei pode definir o alcance das prestações por doença cobertas pelo Estado‑Membro e as condições a preencher para ter direito a essas prestações. Como indiquei no n.o 53 das presentes conclusões, os Estados‑Membros são competentes para organizar o seu regime de segurança social e, portanto, para definir o alcance das prestações oferecidas e as condições de aquisição do direito a essas prestações. Daqui resulta que a deslocação do cidadão da União pode, consoante os casos, ser mais ou menos vantajosa ou desvantajosa para ele, de acordo com a conjugação das regulamentações nacionais aplicáveis por força do Regulamento n.o 883/2004 ( 89 ).

136.

Todavia, o problema no presente processo não é saber se podem ser concedidas ao cidadão da União que exerceu a sua liberdade de circulação prestações menos amplas do que as de que teria podido beneficiar no seu Estado‑Membro de origem, mas se lhe pode ser recusado o benefício de qualquer prestação de cuidados de saúde a cargo do Estado com exceção dos cuidados urgentes e dos cuidados obstétricos.

137.

Assim, como recordei no n.o 52 das presentes conclusões, o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 883/2004, em particular pelo seu artigo 11.o, n.o 3, alínea e), é, nomeadamente, evitar que pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento sejam privadas de proteção em matéria de segurança social pelo facto de nenhuma legislação lhes ser aplicável ( 90 ).

138.

Num caso como o de A, o cidadão da União já não está inscrito no seu Estado‑Membro de origem porque cessou a sua atividade profissional nesse Estado‑Membro e transferiu a sua residência para outro Estado‑Membro ( 91 ). A designação da lei do Estado‑Membro de residência visa, em princípio, evitar que seja privado de qualquer inscrição ( 92 ).

139.

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, numa situação que é regida pelo artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 883/2004 e, por conseguinte, pela lei do Estado‑Membro de residência do interessado, a aplicação desta lei não pode ser posta em causa pela circunstância de alguns Estados‑Membros subordinarem a inscrição do interessado no regime de segurança social nacional à condição de este exercer uma atividade por conta de outrem no seu território, de modo que, se o interessado não preenche essa condição, pode não ser inscrito num regime de segurança social e ser privado de proteção social ( 93 ).

140.

O Tribunal de Justiça esclareceu que, embora caiba à legislação de cada Estado‑Membro determinar as condições de existência do direito de inscrição num regime de segurança social, ao fixá‑las, os Estados‑Membros são, todavia, obrigados a respeitar as disposições do direito da União. Em conformidade com jurisprudência constante, as condições da existência do direito de inscrição num regime de segurança social não podem ter por efeito excluir do âmbito de aplicação da legislação em causa as pessoas às quais, nos termos do Regulamento n.o 883/2004, essa legislação é aplicável ( 94 ).

141.

A este respeito, para determinar se as condições previstas por uma legislação nacional, como a Lei Relativa aos Tratamentos Médicos, são conformes com o Regulamento n.o 883/2004, importa, atendendo à relação entre o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 24.o da Diretiva 2004/38, ter em conta a interpretação do artigo 24.o dessa diretiva, e, nomeadamente, o resultado a que cheguei nos n.os 125 e 126 das presentes conclusões.

142.

Daqui decorre que a condição de ter um emprego ou uma atividade independente no território do Estado‑Membro de acolhimento, como a prevista pela Lei Relativa aos Tratamentos Médicos, imposta unicamente aos nacionais dos outros Estados‑Membros, e isto, em quaisquer circunstâncias, enquanto não tiverem adquirido um direito de residência permanente no Estado‑Membro de acolhimento, também não é conforme com o direito à igualdade de tratamento previsto no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004.

143.

Além disso, constato que esta diferença de tratamento não corresponde ao objetivo do Regulamento n.o 883/2004 de facilitar a livre circulação de todos os cidadãos da União. Com efeito, contrariamente ao precedente Regulamento n.o 1408/71, que apenas dizia respeito aos trabalhadores assalariados e não assalariados, bem como aos membros das suas famílias, o Regulamento n.o 883/2004 passou a ser aplicável a todos os cidadãos da União, incluindo às pessoas economicamente inativas e, consequentemente, desempregadas ( 95 ).

144.

Resulta da análise precedente que a lei do Estado‑Membro de acolhimento não pode, automaticamente e em quaisquer circunstâncias, negar a um cidadão da União, que deslocou o centro dos seus interesses para o território desse Estado‑Membro e que apresenta um laço real de integração com este, o direito à inscrição pelo simples facto de não ter um emprego ou uma atividade independente no seu território.

145.

No que respeita, em especial, a um cidadão da União, como A, que se desloca para outro Estado‑Membro para efeitos de reagrupamento familiar, considerar que perde quaisquer direitos à segurança social em matéria de saúde enquanto não tiver aí vivido cinco anos ou não tiver aí encontrado um emprego ou uma atividade independente não está em conformidade, na minha opinião, com o direito à liberdade de circulação do cidadão da União garantido no artigo 21.o TFUE e concretizado pela Diretiva 2004/38 e pelo Regulamento n.o 883/2004 nem com o próprio conceito de cidadania da União.

5. Quanto ao objetivo de livre circulação do cidadão da União

146.

O direito à liberdade de circulação traduz‑se na possibilidade de o cidadão da União se deslocar temporariamente para outro Estado‑Membro diferente do seu Estado‑Membro de origem para efeitos de trabalho, de estudos ou de lazer. Mas este direito compreende também o de se instalar noutro Estado‑Membro sem limite temporal e de aí construir a sua vida. Esta última opção, inerente à liberdade de circulação, implica a possibilidade de se integrar plenamente na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento, aí sendo tratado como os seus próprios nacionais.

147.

Se o cidadão da União, como A, demonstrar a contento das autoridades do Estado‑Membro de acolhimento que deslocou o centro dos seus interesses para este último, de modo que apresenta um laço real de integração no território desse Estado, a sua liberdade de circulação seria violada, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, se não pudesse ser inscrito na segurança social do Estado‑Membro de acolhimento nas mesmas condições que os seus nacionais ( 96 ).

148.

Recordo que o direito à segurança social é um princípio fundamental inscrito no artigo 34.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tal como o direito à proteção da saúde, inscrito no seu artigo 35.o

149.

Assim, a impossibilidade de ser inscrito, quando o cidadão da União deixa de estar abrangido pelo regime de segurança social do seu Estado‑Membro de origem, devido precisamente à sua opção de vida de deixar este último, instalando‑se a longo prazo noutro Estado‑Membro, é suscetível de privar o interessado de uma proteção fundamental.

150.

Na sua decisão de reenvio, o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal) sublinha que «seria inadmissível que uma pessoa fosse assim excluída do sistema de segurança social de todos os Estados‑Membros da União em causa» pelo simples facto de ter exercido o seu direito à liberdade de circulação. Partilho deste ponto de vista e considero que esta exclusão constitui uma violação ao essencial do estatuto de cidadão da União, que se tornou no estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros ( 97 ).

151.

À semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, considero que essa exclusão do regime de segurança social não é conforme com o objetivo da União de assegurar a livre circulação de pessoas no território da União e de consolidar a integração europeia ( 98 ) através de uma solidariedade acrescida entre Estados‑Membros ( 99 ).

152.

A circunstância de, apesar da sua contribuição financeira para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento, o cidadão da União economicamente inativo beneficiar de um sistema criado por esse Estado‑Membro principalmente para os seus próprios nacionais e baseado num mecanismo de solidariedade previsto para estes últimos não pode infirmar esta análise.

153.

Sublinho que o direito da União assenta em valores de solidariedade que foram ainda reforçados a partir da criação de uma cidadania europeia e que são especialmente aplicáveis num caso como o do processo principal.

154.

Considero, assim, que negar sistematicamente a uma pessoa como A a possibilidade de se inscrever na segurança social do Estado‑Membro de acolhimento pelo facto de, quando apresenta o seu pedido de inscrição, se encontrar sem emprego não é corroborada nem pela redação da Diretiva 2004/38 nem do Regulamento n.o 883/2004 e não responde ao objetivo de livre circulação garantido por estes dois textos de direito derivado nem ao dos autores dos Tratados inscrito, nomeadamente, no artigo 21.o TFUE.

155.

Tendo em conta todas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que o artigo 21.o TFUE, o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 24.o da Diretiva 2004/38, lidos em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), e com o artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, relativamente a um cidadão da União economicamente inativo que cumpre as condições enunciadas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva e que, tendo deslocado o centro de todos os seus interesses para um Estado‑Membro de acolhimento, demonstra ter um laço real de integração com este, autoriza que esse Estado recuse de forma automática e em quaisquer circunstâncias a inscrição do referido cidadão no seu regime de segurança social e que este beneficie de prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado nas mesmas condições que os nacionais, pelo facto de não ter um emprego ou uma atividade independente no seu território.

V. Conclusão

156.

Tendo em conta as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia) do seguinte modo:

1)

Prestações de cuidados de saúde pública, como as que estão em causa no processo principal, que são concedidas aos beneficiários, independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, com base numa situação legalmente definida, não se enquadram no conceito de «assistência social e médica» na aceção do artigo 3.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1372/2013 da Comissão, de 19 de dezembro de 2013, mas no de «prestações por doença» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

2)

O artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1372/2013, apenas permite determinar a legislação aplicável às prestações por doença, como as que estão em causa no processo principal, e não tem por objeto as condições substantivas que conferem direito a essas prestações. Esta disposição não permite, por si só, apreciar a conformidade com o direito da União de uma regulamentação nacional que exclui um cidadão da União que exerceu o seu direito à liberdade de circulação ao deixar o seu Estado‑Membro de origem para se instalar num outro Estado‑Membro, do direito a beneficiar de prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado, pelo facto de não ter um emprego ou uma atividade independente no território deste último.

3)

O artigo 21.o TFUE, o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1372/2013, e o artigo 24.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, lidos em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b) e com o artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, relativamente a um cidadão da União economicamente inativo que cumpre as condições enunciadas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva e que, tendo deslocado o centro de todos os seus interesses para um Estado‑Membro de acolhimento, demonstra ter um laço real de integração com este, autoriza que esse Estado recuse de forma automática e em quaisquer circunstâncias a inscrição do referido cidadão no seu regime de segurança social e que este beneficie de prestações de cuidados de saúde a cargo do Estado nas mesmas condições que os nacionais, pelo facto de não ter um emprego ou uma atividade independente no seu território.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77, e retificações JO 2004, L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34).

( 3 ) Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1) e retificação (JO 2004, L 200, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1372/2013 da Comissão, de 19 de dezembro de 2013 (JO 2013, L 346, p. 27) (a seguir «Regulamento n.o 883/2004»)

( 4 ) V. Acórdãos de 11 de novembro de 2014, Dano (C‑333/13, a seguir «Acórdão Dano, EU:C:2014:2358); de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, a seguir «Acórdão Alimanovic, EU:C:2015:597) e de 25 de fevereiro de 2016, García‑Nieto e o. (C‑299/14, a seguir «Acórdão Garcia‑Nieto, EU:C:2016:114).

( 5 ) Diretiva do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência dos trabalhadores assalariados e não assalariados que cessaram a sua atividade profissional (JO 1990, L 180, p. 28).

( 6 ) Diretiva do Conselho de 28 de junho de 1990 relativa ao direito de residência dos estudantes (JO 1990, L 180, p. 30).

( 7 ) Diretiva do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO 1990, L 180, p. 26).

( 8 ) Este cartão permite ao seu titular beneficiar dos cuidados de saúde pública aquando de uma residência temporária num dos 27 Estados‑Membros da União, na Islândia, no Liechtenstein, na Noruega ou na Suíça, nas mesmas condições e com a mesma tarifa que as pessoas seguradas nesses países.

( 9 ) Regulamento do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2).

( 10 ) V. Acórdão de 27 de março de 1985, Hoeckx (249/83, EU:C:1985:139, n.o 10).

( 11 ) V., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 1992, Hughes (C‑78/91, EU:C:1992:331, n.o 14).

( 12 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 27 de novembro de 1997, Meints (C‑57/96, EU:C:1997:564, n.o 24) e de 25 de julho de 2018, A (Assistência a uma pessoa deficiente) (C‑679/16, EU:C:2018:601, n.o 32 e jurisprudência referida).

( 13 ) O órgão jurisdicional de reenvio explica que, a partir de 2018, estas prestações são financiadas tanto por contribuições obrigatórias como pelos impostos.

( 14 ) V. Acórdão de 16 de julho de 1992, Hughes (C‑78/91, EU:C:1992:331, n.o 21).

( 15 ) V., no âmbito do Regulamento n.o 1408/71, Acórdão de 16 de novembro de 1972, Heinze (14/72, EU:C:1972:98, n.o 8).

( 16 ) V. Acórdão de 14 de junho de 2016, Comissão/Reino Unido (C‑308/14, a seguir «Acórdão Comissão/Reino Unido, EU:C:2016:436, n.o 63) e considerandos 3 e 4 do Regulamento n.o 883/2004.

( 17 ) V. Acórdãos de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565, n.o 40) e n.o 64 do Acórdão Comissão/Reino Unido, bem como considerando 15 do Regulamento n.o 883/2004.

( 18 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 10 de março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, EU:C:2009:141, n.o 29 e jurisprudência referida); e de 16 de julho de 2009, von Chamier‑Glisczinski (C‑208/07, EU:C:2009:455, n.o 63).

( 19 ) Quanto à diferença entre o artigo 14.o, n.o 4, alínea b) e o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, v. nota de rodapé 43 das presentes conclusões.

( 20 ) V., neste sentido, Acórdão Dano, n.o 61 e Acórdão de 6 de outubro de 2020, Jobcenter Krefeld (C‑181/19, a seguir «Acórdão Jobcenter Krefeld, EU:C:2020:794, n.o 60).

( 21 ) V. Acórdão Dano, n.o 69.

( 22 ) V., nomeadamente, n.os 71 e 73 do Acórdão Dano; Acórdãos de 30 de junho de 2016, NA (C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 76), e de 2 de outubro de 2019, Bajratari (C‑93/18, EU:C:2019:809, n.o 29).

( 23 ) V. Acórdão Dano, n.o 71.

( 24 ) V. Acórdão Dano, n.o 71.

( 25 ) V. Acórdão Dano, n.o 82.

( 26 ) V. Acórdão Dano, n.o 83.

( 27 ) Acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565).V., em particular, n.os 44 e 47 desse acórdão no qual o Tribunal de Justiça estabelece um nexo entre o direito a prestações sociais ao abrigo do Regulamento n.o 883/2004 e a legalidade da residência no Estado‑Membro de acolhimento que pode ser sujeito ao cumprimento das condições previstas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38.

( 28 ) Acórdão Alimanovic, n.o 69.

( 29 ) Acórdão García‑Nieto, n.o 38.

( 30 ) Acórdão Comissão/Reino Unido, n.o 68.

( 31 ) V., neste sentido, Acórdão García‑Nieto, n.o 40. Sublinho que E. Dano residia legalmente no Estado‑Membro de acolhimento, de acordo com a sua legislação. Aliás, tinha aí obtido um certificado de residência sem limite temporal (v. n.o 36 do Acórdão Dano). Em contrapartida, na medida em que não dispunha de recursos suficientes na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, não residia aí legalmente na aceção desta diretiva.

( 32 ) V., neste sentido, n.o 43 do Acórdão García‑Nieto.

( 33 ) No processo que deu origem a este acórdão, a Comissão alegou que a Diretiva 2004/38 não era aplicável às prestações da segurança social (v. n.os 44 e 46 do acórdão). Depois de ter esclarecido que as prestações em causa, a saber abonos de família, eram efetivamente prestações de segurança social (n.o 61 do acórdão), o Tribunal de Justiça aplicou‑lhes a diretiva (v. n.os 66 e 68 do acórdão) e negou provimento ao recurso destinado a declarar que o Reino Unido não tinha cumprido as suas obrigações ao sujeitar a concessão dessas prestações à condição de residência legal no seu território.

( 34 ) V. n.os 3.7 e 20, 2.o parágrafo, do despacho de reenvio.

( 35 ) V., também, n.o 84 das presentes conclusões.

( 36 ) V., por comparação, n.o 22 das presentes conclusões.

( 37 ) N.o 77 do acórdão.

( 38 ) Recordo que a livre circulação de cidadãos da União economicamente inativos pode ser limitada pelo direito derivado em conformidade com o artigo 21.o TFUE, que prevê que «[q]ualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação».

( 39 ) V. Acórdão Jobcenter Krefeld, n.o 79, de onde são retirados estes termos.

( 40 ) V. n.o 60 e segs. desse acórdão. Diz respeito a um cidadão da União economicamente inativo quando apresentou um pedido de prestações de subsistência para si próprio e para os seus filhos no Estado‑Membro de acolhimento onde tinha anteriormente trabalhado. Tendo perdido a sua qualificação de trabalhador, mas estando à procura de um novo emprego nesse Estado‑Membro, estava abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38. Além disso, beneficiava de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento com base no artigo 10.o do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO 2011, L 141, p. 1), devido à escolarização dos seus filhos nesse Estado e, portanto, do direito à igualdade de tratamento em matéria de assistência social com os nacionais deste último.

( 41 ) V. Acórdão Jobcenter Krefeld, n.o 65.

( 42 ) V. Acórdão Jobcenter Krefeld, n.os 69 e 70.

( 43 ) Sublinho que, enquanto o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 visa as pessoas que residem no Estado‑Membro de acolhimento além dos três primeiros meses após a sua chegada para aí procurar emprego e não têm direito às prestações de assistência social desse Estado‑Membro devido à aplicação da derrogação que consta do seu artigo 24.o, n.o 2, o seu artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva visa outras pessoas que têm um direito de residência com base no artigo 7.o da referida diretiva e continuam a preencher as condições desta última disposição e que, portanto, têm em princípio direito à igualdade de tratamento com os nacionais, nos termos do artigo 24.o, n.o 1, da mesma diretiva.

( 44 ) Sublinhado meu.

( 45 ) V., neste sentido, Acórdão Dano, n.o 77.

( 46 ) V., neste sentido, Acórdão Dano, n.o 71.

( 47 ) Definição retirada do dicionário Le Robert.

( 48 ) Acórdão de 17 de setembro de 2002 (C‑413/99, a seguir «Acórdão Baumbast, EU:C:2002:493) respeitante à Diretiva 90/364, que precedeu a Diretiva 2004/38 e que continha uma obrigação de seguro de doença similar.

( 49 ) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre orientações para assegurar uma transposição e aplicação mais adequadas da Diretiva 2004/38 [COM (2009) 313 final] (a seguir «orientações para a aplicação da Diretiva 2004/38»).

( 50 ) V., neste sentido, Acórdão Baumbast, n.o 89, e Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Baumbast (C‑413/99, EU:C:2001:385, n.o 116). Esta consideração é, aliás, apoiada pelas orientações mencionadas na nota anterior, segundo as quais o seguro de doença pode resultar da inscrição do cidadão da União no regime de segurança social do Estado‑Membro de origem. A Comissão dá o exemplo de titulares de rendas ou de pensões que tinham direito a cuidados médicos ao abrigo da legislação do Estado‑Membro que lhes paga a pensão ou a renda. Esta instituição refere também o caso em que a legislação do Estado‑Membro de origem abrange as prestações de cuidados de saúde de um estudante que se desloca para outro Estado‑Membro para os seus estudos, sem, no entanto, transferir para aí a sua residência na aceção do Regulamento n.o 1408/71, atualmente o Regulamento n.o 883/2004.

( 51 ) A obrigação de estar coberto por um seguro de doença consta em duas outras disposições da Diretiva 2004/38, no seu artigo 12.o, n.o 2, e no seu artigo 13.o, n.o 2. A obrigação está formulada de forma um pouco mais estrita, no sentido de que impõe aos interessados que disponham de uma «cobertura extensa» de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, mas, como no artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), desta diretiva, a redação é neutra quanto ao modo de cobertura.

( 52 ) Este considerando reflete o quarto considerando da Diretiva 90/364. V., também, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja (C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866, n.o 40).

( 53 ) V. n.o 11 das presentes conclusões.

( 54 ) Relatório Adonnino endereçado ao Conselho Europeu de Bruxelas de 29 e 30 de março de 1985 (Boletim das Comunidades Europeias, Suplemento n.o 7/85, pp. 9 e 10). Este relatório elaborou uma série de propostas, a pedido dos Chefes de Estado e de Governo a fim de aumentar os direitos dos cidadãos da União, nomeadamente o direito de residência. V., também, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral A. La Pergola no processo e Kaba (C‑356/98, EU:C:1999:470, nota de rodapé 123) que se referem ao citado relatório.

( 55 ) V. proposta de Diretiva do Conselho relativa ao direito de residência [COM (89) 275 final (JO 1989, C 191, p. 5)]. Saliento que a primeira proposta sobre o direito de residência generalizado remonta ao fim dos anos 70. Nela não estava mencionada a condição de titularidade de um seguro de doença. V. proposta de diretiva do Conselho relativa ao direito de residência dos nacionais dos Estados‑Membros no território de outro Estado‑Membro apresentada pela Comissão ao Conselho em 31 de julho de 1979 (JO 1979, C 207, p. 14).

( 56 ) Sublinhado meu (cf. n.o 2.3.2 destas orientações). Acrescento que estas últimas não são juridicamente vinculativas, mas podem constituir uma fonte de interpretação.

( 57 ) V. Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2016, que altera o Regulamento n.o 883/2004 e o Regulamento (CE) n.o 987/2009 que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 [COM (2016) 815 final], especificamente, artigo 1.o, n.o 3, desta proposta.

( 58 ) Observo que, na audiência deste processo, em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça relativa à possibilidade de uma inscrição voluntária na segurança social do Estado‑Membro de acolhimento, a Comissão referiu que, embora o Estado‑Membro de acolhimento preveja a possibilidade de aceder ao seu sistema de saúde pública através de uma contribuição, mais do que simbólica, esta via deve ser seguida para que o cidadão da União não ativo que exerceu o seu direito à liberdade de circulação não seja obrigado a subscrever um seguro privado.

( 59 ) V., neste sentido, Acórdão Baumbast, n.os 81 a 85. V., também, nota de rodapé 38 das presentes conclusões.

( 60 ) V. Acórdão Baumbast, n.o 90.

( 61 ) V. Acórdão Baumbast, n.o 91.

( 62 ) Acórdão de 20 de setembro de 2001 (C‑184/99, a seguir «Acórdão Grzelczyk, EU:C:2001:458).

( 63 ) V., neste sentido, Acórdão Grzelczyk, n.os 44 e 45.

( 64 ) Todavia, recordo, como exponho na nota de rodapé 40 das presentes conclusões, que esta pessoa obtinha o seu direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo do Regulamento n.o 492/2011, pelo facto de aí ter trabalhado anteriormente e de os seus filhos estarem aí escolarizados.

( 65 ) Como referi no n.o 22 das presentes conclusões, encontrou um emprego na Letónia em 2018. Refiro que esta circunstância em nada altera o seu interesse em agir e, portanto, a admissibilidade das questões prejudiciais, que, aliás, não foi alegada. O próprio órgão jurisdicional de reenvio sublinha, por um lado, que a decisão de indeferimento da inscrição pode estar ferida de ilegalidade, desencadeando o direito de agir. Por outro lado, caso seja posto termo à relação jurídica de trabalho, uma declaração de ilegalidade evitará que o autor dessa decisão adote uma decisão semelhante a seu respeito (v, por analogia, Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.os 61, 63 e 64).

( 66 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 11 de julho de 2002, D’Hoop (C‑224/98, EU:C:2002:432); de 15 de março de 2005, Bidar (C‑209/03, a seguir «Acórdão Bidar, EU:C:2005:169); de 23 de outubro de 2007, Morgan e Bucher (C‑11/06 e C‑12/06, EU:C:2007:626); de 18 de novembro de 2008, Förster (C‑158/07, EU:C:2008:630); de 25 de outubro de 2012, Prete (C‑367/11, EU:C:2012:668); de 18 de julho de 2013, Prinz e Seeberger (C‑523/11 e C‑585/11, EU:C:2013:524); de 24 de outubro de 2013, Thiele Meneses (C‑220/12, EU:C:2013:683); de 26 de fevereiro de 2015, Martens (C‑359/13, EU:C:2015:118) e de 25 de julho de 2018, A (Assistência para uma pessoa com deficiência) (C‑679/16, EU:C:2018:601).

( 67 ) N.o 56 deste acórdão.

( 68 ) V. Acórdão Bidar, n.o 57.

( 69 ) V. Acórdão Bidar, n.os 61 e 63.

( 70 ) Acórdão de 18 de novembro de 2008 (C‑158/07, EU:C:2008:630).

( 71 ) Sublinho que, no Acórdão de 25 de julho de 2018, A (Assistência a uma pessoa deficiente) (C‑679/16, EU:C:2018:601, n.os 69 a 71), o Tribunal de Justiça declarou que a existência de um elo real e suficiente com o Estado‑Membro em causa visa garantir o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social, permitindo a este último assegurar‑se de que o encargo económico associado ao pagamento dessa prestação não se torna excessivo.

( 72 ) V. Acórdão de 21 de julho de 2011, Stewart (C‑503/09, EU:C:2011:500, n.o 100).

( 73 ) V., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2013, Thiele Meneses (C‑220/12, EU:C:2013:683, n.o 38).

( 74 ) V. Acórdão de 25 de outubro de 2012, Prete (C‑367/11, EU:C:2012:668), n.o 50).

( 75 ) V. Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Martens (C‑359/13, EU:C:2015:118, n.o 41).

( 76 ) V. Acórdão de 4 de outubro de 2012, Comissão/Áustria (C‑75/11, EU:C:2012:605, n.o 63).

( 77 ) V., neste sentido, por analogia, Acórdão de 23 de março de 2004, Collins (C‑138/02, EU:C:2004:172, n.os 70 e 73).

( 78 ) V., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, EU:C:2009:141, n.o 46).

( 79 ) V., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 1998, Kohll (C‑158/96, EU:C:1998:171, n.o 45).

( 80 ) V. Acórdãos de 10 de março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, EU:C:2009:141, n.o 47), e de 16 de maio de 2006, Watts (C‑372/04, EU:C:2006:325, n.os 103 e 104 e jurisprudência referida).

( 81 ) V., no que respeita aos diferentes modos de financiamento dos regimes de segurança social dos Estados‑Membros, Mantu S., Minderhoud P., «Exploring the Links between Residence and Social Rights for economically inative EU Citizens», European Journal of Migration and Law, 2019, vol. 21, n.o 3, pp. 313‑337, nomeadamente n.o 2.3.

( 82 ) V., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de abril de 2010, Bressol e o. (C‑73/08, EU:C:2010:181, n.o 71).

( 83 ) Neste caso, nada impede os Estados‑Membros de preverem na sua legislação uma disposição que obrigue as companhias de seguros a incluir nos seus contratos uma cláusula destinada a obter o reembolso direto do Estado das despesas de saúde efetuadas com o cidadão da União, para evitar que este se torne uma sobrecarga não razoável. Por outro lado, quando estabelecem o nível de contribuições adicionais ou a obrigação de manter uma cobertura extensa de seguro de doença privado, os Estados‑Membros devem, todavia, assegurar, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que esse cidadão possa cumprir esses requisitos e, portanto, que os montantes exigidos não tornem impossível ou excessivamente difícil o seu cumprimento.

( 84 ) Daqui decorre que não se pode excluir que esse cidadão da União, que inicialmente subscreveu uma cobertura extensa de seguro de doença privado, a fim de preencher as condições do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, possa, sem prejuízo da situação descrita no n.o 124 das presentes conclusões, pôr termo a esse seguro, uma vez que a inscrição na segurança social do Estado‑Membro de acolhimento o substitui.

( 85 ) V., neste sentido, Acórdão Grzelczyk, n.o 44.

( 86 ) V., neste sentido, Acórdãos García‑Nieto, n.o 46 e Alimanovic, n.o 62.

( 87 ) V. Acórdão García‑Nieto, n.o 50. O Tribunal de Justiça salientou, assim, que a Diretiva 2004/38, ao estabelecer um sistema gradual de manutenção do estatuto de trabalhador que visa perenizar o direito de residência e o acesso às prestações sociais, toma em consideração diferentes fatores que caracterizam a situação individual de cada requerente de uma prestação social (v. Acórdãos García‑Nieto, n.o 47, e Alimanovic, n.o 60).

( 88 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 (JO 2009, L 284, p. 1). V. igualmente os elementos referidos no n.o 118 das presentes conclusões.

( 89 ) V., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2009, von Chamier‑Glisczinski (C‑208/07, EU:C:2009:455, n.o 85). Pode mesmo acontecer que essa deslocação se traduza na perda total, durante um período, de determinados direitos, nomeadamente em matéria de pensões. No entanto, observo que nesse caso o Tribunal de Justiça sublinhou no Acórdão de 19 de setembro de 2019, van den Berg e o. (C‑95/18 e C‑96/18, EU:C:2019:767, n.o 65), que era particularmente indicado, para evitar tal perda, que os Estados‑Membros recorressem à possibilidade que lhes dá o Regulamento n.o 883/2004 de prever de comum acordo exceções ao princípio da unicidade da legislação aplicável.

( 90 ) V. Acórdão de 8 de maio de 2019, Inspecteur van de Belastingdienst (C‑631/17, EU:C:2019:381, n.os 38 e 39).

( 91 ) V. Acórdão de 5 de março de 2020, Pensionsversicherungsanstalt (prestação para reabilitação) (C‑135/19, EU:C:2020:177, n.o 52).

( 92 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Inspecteur van de Belastingdienst (C‑631/17, EU:C:2019:381, n.os 38, 39 e 42).

( 93 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Inspecteur van de Belastingdienst (C‑631/17, EU:C:2019:381, n.os 42 e 43).

( 94 ) V. Acórdão de 8 de maio de 2019, Inspecteur van de Belastingdienst (C‑631/17, EU:C:2019:381, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida).

( 95 ) V., neste sentido, considerando 42 do Regulamento n.o 883/2004.

( 96 ) Sem prejuízo da situação referida nos n.os 123 e 124 das presentes conclusões.

( 97 ) V. Acórdão Grzelczyk, n.o 31.

( 98 ) V. Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 61), no qual o Tribunal de Justiça sublinhou o objetivo dos Tratados de criar «uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus».

( 99 ) V. considerando 6 TUE.