CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 28 de maio de 2020 ( 1 )

Processo C‑367/19

Tax‑Fin‑Lex d.o.o.

contra

Ministrstvo za notranje zadeve,

sendo interveniente

LEXPERA d.o.o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Državna revizijska komisija za revizijo postopkov oddaje javnih naročil (Comissão nacional de revisão dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos, Eslovénia)]

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos de serviços — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 2.o, n.o 1, ponto 5 — Qualificação de “contrato público” — Conceito de “contrato a título oneroso” — Proposta de um proponente no montante de zero euros — Apreciação do caráter oneroso da operação — Inexistência de contrapartida pecuniária a cargo da autoridade adjudicante — Rejeição da proposta — Base jurídica — Artigo 69.o — Proposta anormalmente baixa»

I. Introdução

1.

Zero é (um número) anormalmente baixo?

2.

Deixando de lado as discussões apaixonadas que a natureza do número zero pode ter suscitado no campo das matemáticas ( 2 ), é provável que tal questão, colocada sob a perspetiva jurídica a um leigo, o leve a lançar aos juristas aqueles olhares estupefactos a que estes estão tão habituados quando tentam explicar o seu ofício. É possível que o leigo observe, não sem sarcasmo, que apenas os juristas são capazes de dissertar sobre nada (literalmente) ao longo de várias páginas.

3.

Não deixa de ser verdade que, em matéria de contratos públicos, como nas matemáticas, zero parece ser um número peculiar, difícil de colocar em grelhas de análise existentes. Um proponente que propõe bens ou serviços ao preço nominal de zero euros faz uma proposta anormalmente baixa? Ou exclui‑se automaticamente do âmbito do direito dos contratos públicos ao inscrever o número mágico «0» na sua proposta em vez de outra quantia nominal substancialmente inferior aos custos reais do mercado (como, por exemplo, 1,5 ou 101 euros), com base no raciocínio de que, ao contrário de todos os outros números naturais, «0» não pode figurar num contrato público?

4.

Em resumo, é este o problema em causa no presente processo. No âmbito do procedimento de adjudicação de um contrato público de serviços iniciado pelo Ministrstvo za notranje zadeve (Ministério do Interior, Eslovénia), a empresa Tax‑Fin‑Lex d.o.o. formulou uma proposta no montante de zero euros para efeitos da prestação de um dos serviços visados. O Ministério do Interior rejeitou esta proposta com o fundamento de que a mesma não permitia a celebração de um «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24/UE ( 3 ), nem, por conseguinte, a submissão às regras de contratação pública. Em contrapartida, a Tax‑Fin‑Lex d.o.o. alega que a operação através da qual se compromete a prestar o serviço pelo montante de zero euros seria efetuada «a título oneroso» na aceção desta disposição. Com efeito, em seu entender, a execução do contrato permitir‑lhe‑ia beneficiar de uma vantagem económica, devido às referências que poderia apresentar posteriormente para efeitos da adjudicação de novos contratos públicos.

II. Quadro jurídico

5.

A Diretiva 2014/24 estabelece regras que permitem coordenar os procedimentos nacionais de adjudicação de contratos públicos que ultrapassem um determinado valor, para que estes sejam conformes aos princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, bem como aos princípios deles decorrentes, como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, da proporcionalidade e da transparência. Visa igualmente garantir uma concorrência efetiva na adjudicação de contratos públicos.

6.

Em especial, os considerandos 4 e 103 da Diretiva 2014/24 enunciam:

«(4)

As formas cada vez mais diversificadas de ação pública tornaram necessário definir de forma mais clara o próprio conceito de contratação; essa clarificação não deverá contudo alargar o âmbito de aplicação da presente diretiva em relação ao da Diretiva 2004/18/CE [ ( 4 )]. As regras da União em matéria de contratação pública não pretendem abranger todas as formas de despesa pública, mas apenas a aquisição de obras, fornecimentos ou serviços, a título oneroso, por contratação pública. Importa especificar que essa aquisição de obras, fornecimentos ou serviços deverá ficar sujeita à aplicação da presente diretiva, quer seja efetuada por compra, locação financeira ou outras formas contratuais.

O conceito de aquisição deverá ser entendido em sentido lato, abrangendo a obtenção do benefício das obras, fornecimentos ou serviços em questão […]

[…]

(103)

As propostas que se revelem anormalmente baixas em relação à prestação em causa podem ser baseadas em pressupostos ou práticas incorretos do ponto de vista técnico, económico ou jurídico. Se o proponente não conseguir dar uma explicação válida, a autoridade adjudicante deverá ter o direito de excluir a proposta. Essa exclusão deverá ser obrigatória nos casos em que a autoridade adjudicante tenha determinado que o preço ou custos propostos anormalmente baixos resultam do incumprimento do Direito da União, ou direito nacional compatível com ela, nos domínios do direito social, laboral ou ambiental, ou de disposições internacionais em matéria de direito do trabalho.»

7.

No quadro do Título I da Diretiva 2014/24, intitulado «Âmbito de aplicação, definições e princípios gerais», o artigo 1.o, n.os 1 e 2, dispõe:

«1.   A presente diretiva estabelece as regras aplicáveis aos procedimentos de contratação adotados por autoridades adjudicantes relativamente a contratos públicos e a concursos de conceção cujo valor estimado não seja inferior aos limiares definidos no artigo 4.o

2.   Na aceção da presente diretiva, entende‑se por “contratação pública” a aquisição, mediante contrato público, de […] serviços por uma ou mais autoridades adjudicantes a operadores económicos selecionados pelas mesmas, independentemente de […] os serviços se destinarem ou não a uma finalidade de interesse público.»

8.

O artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 define os «contratos públicos» como «contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais autoridades adjudicantes, que tenham por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços».

9.

O artigo 18.o desta diretiva estabelece os «[p]rincípios da contratação». Precisa o seguinte:

«1.   As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não‑discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera‑se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.

2.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, ao executarem os contratos públicos, os operadores económicos respeitem as obrigações aplicáveis em matéria ambiental, social e laboral estabelecidas pelo direito da União, por legislação nacional, por convenções coletivas ou pelas disposições de direito internacional em matéria ambiental, social e laboral constantes do anexo X.»

10.

O artigo 69.o da Diretiva 2014/24 é, por sua vez, consagrado às «[p]ropostas anormalmente baixas». Está inserido no Título II, capítulo III, secção 3, desta diretiva, a qual se intitula «Seleção dos participantes e adjudicação dos contratos». Este artigo dispõe:

«1.   As autoridades adjudicantes exigem que os operadores económicos expliquem os preços ou custos indicados na proposta, sempre que estes se revelem anormalmente baixos para as obras, fornecimentos ou serviços a prestar.

2.   As explicações mencionadas no n.o 1 referem‑se, designadamente:

a)

Aos dados económicos do processo de fabrico, dos serviços prestados ou do método de construção;

b)

Às soluções técnicas escolhidas ou a quaisquer condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha para o fornecimento dos produtos ou para a prestação dos serviços ou para a execução das obras;

c)

À originalidade das obras, fornecimentos ou serviços propostos pelo proponente;

d)

Ao cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 18.o, n.o 2;

e)

Ao cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 71.o;

f)

À possibilidade de obtenção de um auxílio estatal pelo proponente.

3.   A autoridade adjudicante avalia as informações prestadas consultando o proponente. Só pode excluir a proposta no caso de os meios de prova fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos preços ou custos propostos, tendo em conta os elementos a que se refere o n.o 2.

As autoridades adjudicantes excluem a proposta caso determinem que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações aplicáveis a que se refere o artigo 18.o, n.o 2.

[…]»

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

11.

Em 7 de junho de 2018, o ministère de l’Intérieur (Ministério do Interior) (autoridade adjudicante) deu início a um procedimento de adjudicação de um contrato público de serviços relativos ao acesso a um sistema de informação jurídica por um período de 24 meses. Este contrato é composto por dois lotes. O Ministério do Interior estimou o valor deste contrato em 39959,01 euros.

12.

No que diz respeito ao primeiro lote, relativo ao acesso a um sistema de informação jurídica, apenas dois operadores económicos estabelecidos em Liubliana (Eslovénia) e especializados no domínio da informação jurídica apresentaram propostas nos prazos fixados: a Tax‑Fin‑Lex d.o.o. (a recorrente) e a LEXPERA d.o.o. (a interveniente).

13.

A recorrente propôs prestar este serviço pelo montante de zero euros.

14.

Por Decisão de 11 de janeiro de 2019, o Ministério do Interior adjudicou o contrato público composto pelo primeiro lote à interveniente e rejeitou a proposta apresentada pela recorrente com o fundamento de que esta proposta violava as regras de contratação pública.

15.

A recorrente apresentou um pedido de revisão desta decisão. No âmbito da fase preliminar à revisão, o Ministério do Interior indeferiu este pedido em 5 de fevereiro de 2019. Em 11 de fevereiro de 2019, remeteu o processo à Državna revizijska komisija za revizijo postopkov oddaje javnih naročil (Comissão nacional de revisão dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos, Eslovénia), órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, para se pronunciar sobre a legalidade da referida decisão.

16.

A recorrente alega que uma proposta como a que está em causa é admissível. Afirma que, no âmbito da adjudicação de um contrato público, o proponente tem o direito de definir livremente o preço proposto e, por conseguinte, de oferecer um serviço gratuitamente. Isto não significa, no entanto, que a recorrente seria privada de uma contrapartida pela execução do contrato público em causa. Com efeito, considera que a celebração do contrato lhe proporcionaria uma vantagem que consistiria no acesso a um novo mercado e a novos utilizadores.

17.

O Ministério do Interior alega, em contrapartida, que o conceito de «contrato público» constante do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 não pode abranger um contrato através do qual o operador económico propôs fornecer o serviço gratuitamente à autoridade adjudicante. Considera que a vantagem que o operador económico retira da obtenção do contrato, nomeadamente, o potencial acesso a um novo mercado e referências, não constitui uma contrapartida pela execução de um contrato público. Com efeito, afirma que tal vantagem representa um valor acrescentado para todos os operadores económicos que, no entanto, não é possível expressar em termos monetários e, assim, faturar à autoridade adjudicante. Por conseguinte, o Ministério do Interior considera que uma operação em que o serviço seria fornecido a título gratuito não pode conduzir à celebração de um contrato a título oneroso.

18.

No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o Ministério do Interior examinou esta proposta à luz das disposições relativas às propostas anormalmente baixas. Não obstante, não rejeitou esta proposta com o fundamento de que era anormalmente baixa ou contrária aos princípios que regem a adjudicação de contratos públicos, mas apenas com o fundamento de que se tratava de uma proposta no montante de zero euros.

19.

O órgão jurisdicional de reenvio manifesta as suas dúvidas quanto à interpretação do conceito de «contrato a título oneroso» que figura na definição de «contratos públicos» no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24. Salienta, antes de mais, que um dos elementos essenciais do conceito de «contratos públicos» referido nesta disposição é o caráter oneroso do contrato celebrado entre a autoridade adjudicante e o operador económico. Precisa, a este respeito, que o conceito de «contratos públicos» é relevante não apenas antes da celebração de um contrato, uma vez que impõe à autoridade adjudicante o dever de respeitar as regras definidas no âmbito da Diretiva 2014/24, mas igualmente após a celebração deste a fim de apreciar se o contrato foi efetivamente celebrado em conformidade com as referidas regras.

20.

O órgão jurisdicional de reenvio questiona, em seguida, se e, sendo caso disso, em que medida um contrato, através do qual o operador económico se compromete a fornecer gratuitamente à autoridade adjudicante o serviço referido no anúncio de concurso sem outra vantagem que não seja aceder a um novo mercado e obter referências, pode ser qualificado de «contrato a título oneroso» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24. Este órgão jurisdicional admite que a obtenção de um contrato público e a concessão de referências podem representar, em si mesmas, uma vantagem para o referido operador. Esta vantagem não é quantificável, de um ponto de vista económico, no momento da adjudicação do contrato; não obstante, pode constituir uma vantagem económica futura ligada à execução do contrato.

21.

Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio reconhece igualmente que, numa situação em que a autoridade adjudicante não remunera o operador económico pelo fornecimento do serviço, é possível que o contrato celebrado não seja um contrato de execução de um contrato público, uma vez que se trata de um contrato celebrado a título gratuito, que assume a forma, por exemplo, de uma doação. Por último, questiona, nestas circunstâncias, se o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 pode constituir o fundamento jurídico de uma decisão de rejeição da proposta apresentada pelo operador económico.

22.

Neste contexto, a Državna revizijska komisija za revizijo postopkov oddaje javnih naročil (Comissão nacional de revisão dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)

Existe “onerosidade da relação contratual”, enquanto elemento de um contrato público na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24, quando a entidade adjudicante não está obrigada a uma contrapartida, mas, através da execução do contrato público, o operador económico obtém acesso a um novo mercado e referências?

2)

Pode ou deve o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 ser interpretado no sentido de que constitui um fundamento para rejeitar uma proposta com o preço de 0 (zero) euros?»

23.

A recorrente, o Ministério do Interior, o Governo austríaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

IV. Análise

24.

As presentes conclusões são estruturadas da seguinte forma. Começarei pela admissibilidade do presente reenvio (A). Posteriormente, examinarei o alcance do conceito de «contrato a título oneroso» referido no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 e, sobretudo, o conceito conexo de «contrapartida» (B). Por último, abordarei a questão de saber se uma proposta num montante de zero euros pode ser sempre qualificada de «proposta anormalmente baixa» para ser examinada e, sendo caso disso, rejeitada à luz do disposto no artigo 69.o desta diretiva (C).

A.   Quanto à admissibilidade

25.

A admissibilidade do pedido de decisão prejudicial não suscita, em meu entender, qualquer dificuldade.

26.

No que respeita, em primeiro lugar, à competência da Državna revizijska komisija za revizijo postopkov oddaje javnih naročil (Comissão nacional de revisão dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos) para apresentar um pedido de decisão prejudicial, recordo que o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão de 8 de junho de 2017, Medisanus ( 5 ), que esta cumpre os critérios para ser considerada um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE ( 6 ).

27.

No que se refere, em segundo lugar, ao montante do contrato em causa no processo principal, é verdade que este é inferior ao limiar de 144000 euros previsto no artigo 4.o, alínea b), da Diretiva 2014/24, aplicável aos contratos públicos de serviços adjudicados pelas autoridades públicas centrais.

28.

Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, na transposição das disposições desta diretiva para o direito nacional, o legislador esloveno decidiu que o conceito de «contrato público» que figura no artigo 2.o, n.o 1, ponto 1, do Zakon o javnem naročanju (Lei Relativa aos Contratos Públicos) ( 7 ), de 30 de maio de 2015, era aplicável de forma direta e incondicional aos contratos cujo valor é inferior ao limiar definido no artigo 4.o da Diretiva 2014/24, excluídos, em princípio, do âmbito de aplicação desta última.

29.

Em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, designada Dzodzi, justifica‑se a interpretação das disposições de um ato da União em situações que não estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação deste a fim de assegurar um tratamento idêntico às situações abrangidas pelo direito nacional e às situações regidas pelo direito da União, quando estas disposições se tornaram direta e incondicionalmente aplicáveis a tais situações por força do direito nacional ( 8 ).

30.

No caso em apreço, as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que não são contestadas por nenhuma das partes que apresentou observações, confirmam que o legislador nacional decidiu alargar o âmbito de aplicação das regras da União em matéria de contratos públicos aos contratos públicos de baixo valor a fim de garantir, precisamente, que as situações abrangidas pelo direito nacional e as situações regidas pelo direito da União estão sujeitas às mesmas regras. Deste modo, a lógica subjacente ao Acórdão Dzodzi parece ser plenamente aplicável no presente processo.

31.

Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça pode responder às questões prejudiciais que lhe são submetidas.

B.   Contrato «a título oneroso»?

32.

O órgão jurisdicional de reenvio convida, em substância, o Tribunal de Justiça a precisar o âmbito de aplicação material da Diretiva 2014/24. É pedido ao Tribunal de Justiça para determinar se e, sendo caso disso, em que medida uma operação através da qual um proponente se compromete a prestar o serviço por um montante de zero euros é suscetível de conduzir à celebração de um contrato «a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, desta diretiva, e, assim, de ser qualificado de «contrato público de serviços». A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «só um contrato celebrado a título oneroso pode constituir um contrato público abrangido pela Diretiva 2004/18» ( 9 ).

33.

Para responder à primeira questão prejudicial, há que determinar se o conceito de «contrato a título oneroso» é suscetível de abranger uma operação através da qual um proponente formula uma proposta num montante de zero euros, de acordo com uma interpretação literal, sistemática e teleológica. Importa igualmente examinar se a jurisprudência do Tribunal de Justiça permite, a este respeito, esclarecer o debate precisando as características essenciais de tal contrato.

1. «Contrato a título oneroso» na aceção das disposições da Diretiva 2014/24

34.

O teor literal do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 não é suficiente para oferecer uma interpretação clara do conceito de «contrato a título oneroso». O nível textual já evidencia a multiplicidade de leituras e significados possíveis da expressão «a título oneroso».

35.

Por um lado, determinadas versões linguísticas remetem para a condição de onerosidade ( 10 ). O raciocínio subjacente consiste, simplesmente, no facto de que deve ser dada alguma coisa em troca. Por outro lado, outras versões linguísticas afiguram‑se mais restritivas: esta coisa que deve ser dada em troca pela autoridade adjudicante parece assumir uma natureza especificamente pecuniária ( 11 ), ou seja, em dinheiro. Afigura‑se ainda que outras versões linguísticas, por sua vez, assumem uma posição intermédia ( 12 ).

36.

Contudo, talvez não deva ser dada aqui demasiada importância à letra da Diretiva 2014/24, na medida em que algumas versões linguísticas desta diretiva utilizam efetivamente termos diferentes para traduzir o conceito de «contrato a título oneroso», consoante este figure nos considerandos 4 e 70 ou no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da referida diretiva.

37.

Infelizmente, os argumentos intra‑sistémicos (no que respeita à Diretiva 2014/24) também não são de grande utilidade. No artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, o legislador da União precisou que «entende‑se por “contratação pública” a aquisição, mediante contrato público, de […] serviços por uma ou mais autoridades adjudicantes a operadores económicos selecionados pelas mesmas, independentemente de […] os serviços se destinarem ou não a uma finalidade de interesse público» ( 13 ).

38.

Esta disposição deve ser lida à luz do considerando 4 da Diretiva 2014/24, no qual o legislador da União estabeleceu que «[a]s regras da União em matéria de contratação pública não pretendem abranger todas as formas de despesa pública, mas apenas a aquisição de […] serviços, a título oneroso, por contratação pública» ( 14 ). Além disto, este legislador acrescentou que «essa aquisição de […] serviços deverá ficar sujeita à aplicação [desta] diretiva, quer seja efetuada por compra, locação financeira ou outras formas contratuais». É essencial assinalar aqui que o conceito de «aquisição» deve, segundo o legislador da União, «ser entendido em sentido lato, abrangendo a obtenção do benefício […] [dos] serviços em questão».

39.

Embora o objetivo principal do direito dos contratos públicos deva ser regulamentar a aquisição de bens ou serviços pelas autoridades públicas, a economia e a finalidade da Diretiva 2014/24 não permitem realmente determinar as características da condição de onerosidade a que o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, desta diretiva faz referência. O conceito de «aquisição» é suficientemente amplo para ser agnóstico quanto às modalidades desta aquisição, sendo que o essencial é os bens ou serviços serem obtidos em definitivo pelas autoridades adjudicantes. Ora, os bens e os serviços podem ser legalmente adquiridos de diversas formas.

40.

Assim, uma simples leitura literal e sistémica não é suficiente para compreender o significado de «contrato a título oneroso» e, nomeadamente, o conceito fundamental de «contrapartida» subjacente ao próprio conceito de contrato: qual é concretamente a natureza da contrapartida que deve ser fornecida pela autoridade adjudicante para que o contrato público possa ser considerado válido?

2. Interpretação jurisprudencial do conceito de «contrato a título oneroso»

41.

O Tribunal de Justiça declara que, em conformidade com o sentido jurídico comum do conceito de «contrato a título oneroso» utilizado para efeitos da definição de contratos públicos, estes termos designam um contrato através do qual cada uma das partes se compromete a realizar uma prestação em contrapartida de outra ( 15 ). A existência de uma «contrapartida» ou de uma «contraprestação» a cargo da autoridade adjudicante e, portanto, de uma relação sinalagmática constituem para o Tribunal de Justiça elementos determinantes a fim de apreciar a existência de um contrato celebrado a título oneroso ( 16 ).

42.

Esta jurisprudência insere‑se na linha defendida pelo Tribunal de Justiça noutros domínios do direito, nomeadamente em matéria de operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA). Assim, no Acórdão de 18 de janeiro de 2017, SAWP ( 17 ), o Tribunal de Justiça recordou que uma prestação de serviços só é efetuada a título oneroso, na aceção da Diretiva 2006/112/CE ( 18 ), se existir entre o prestador de serviços e o beneficiário uma relação jurídica no decurso da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição do prestador de serviços o contravalor efetivo do serviço prestado ao beneficiário ( 19 ). O Tribunal de Justiça declarou que «esse é o caso se existir nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efetiva de um serviço individualizável prestado no âmbito dessa relação jurídica» ( 20 ).

43.

Não obstante, é necessário reconhecer que duas linhas jurisprudenciais coexistem quanto à natureza da contrapartida exigida para satisfazer a condição de onerosidade. Estas duas linhas refletem, em certa medida, as divergências literais do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 ( 21 ).

44.

A primeira linha privilegia uma interpretação estrita do critério oneroso do contrato, que exige o pagamento de uma remuneração ou de um valor em dinheiro pela autoridade adjudicante.

45.

Assim, no Acórdão de 13 de julho de 2017, Malpensa Logistica Europa ( 22 ), o Tribunal de Justiça afastou a qualificação de «contrato de prestação de serviços», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/17, e a aplicação das regras respetivas a um contrato através do qual a entidade gestora do aeroporto de Milão Malpensa (Itália) não tinha adquirido o serviço fornecido pelo prestador mediante remuneração ( 23 ). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça referiu expressamente a abordagem defendida pela Comissão, segundo a qual o caráter oneroso da relação contratual resultante de um contrato de prestação de serviços significava claramente que este devia incluir uma remuneração paga diretamente pela autoridade adjudicante a fim de «adquirir» um serviço diretamente a um prestador.

46.

A segunda linha jurisprudencial tende a defender, em contrapartida, uma interpretação mais ampla da condição de onerosidade na aceção de «contrapartida» ( 24 ) ou de «contraprestação» ( 25 ). Trata‑se da corrente maioritária, igualmente partilhada pela Comissão no seu livro verde sobre as parcerias público‑privadas e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões, de 30 de abril de 2004 ( 26 ).

47.

Segundo esta linha jurisprudencial, o conceito de «onerosidade» não implica necessariamente o pagamento de uma quantia em dinheiro pela autoridade adjudicante. Assim, o Tribunal de Justiça considera que podem ser celebrados a título oneroso e ser abrangidos pela qualificação de «contratos públicos» os contratos nos quais a prestação é retribuída através de outras formas de contrapartidas, como o reembolso das despesas realizadas para fornecer o serviço acordado ou ainda a isenção de taxas. Isto sucede igualmente mesmo quando as contrapartidas pagas não permitem compensar os custos suportados pelo proponente ( 27 ).

48.

A este respeito, há dois acórdãos particularmente ilustrativos.

49.

Assim, no Acórdão de 12 de julho de 2001, Ordine degli Architetti e o. ( 28 ), o Tribunal de Justiça declarou que a apreciação dos elementos que compõem a definição do conceito de «empreitadas de obras públicas», na aceção da Diretiva 93/37/CEE ( 29 ), devia ser efetuada de forma a garantir o efeito útil deste texto e, em especial, a promover uma concorrência efetiva pela publicidade dos anúncios de concursos ( 30 ). Assim, reconheceu o caráter oneroso do contrato e a qualificação de «empreitada de obras públicas» numa situação em que o operador económico, titular do alvará de construção, realiza a obra mediante a isenção da contribuição para as despesas de equipamento que a legislação nacional lhe impõe. No caso em apreço, o Tribunal de Justiça declarou que se devia considerar que o elemento relativo ao caráter oneroso do contrato estava verificado na medida em que, ao realizar as obras em causa, o operador económico liquidava uma dívida com o mesmo valor, que era constituída a favor da comuna ( 31 ).

50.

No Acórdão de 18 de outubro de 2018, IBA Molecular Italy ( 32 ), o Tribunal de Justiça declarou igualmente que «um contrato que prevê uma troca de prestações está abrangido pelo conceito de contrato público, mesmo quando a remuneração prevista se limite [ao] reembolso parcial dos custos suportados para fornecer o serviço acordado» ( 33 ). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que um contrato através do qual um operador económico se compromete a fabricar e a fornecer um produto a diferentes administrações em contrapartida de um financiamento integralmente afeto à realização desse objetivo, estava abrangido pelo conceito de «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18, e isto «ainda que os custos de produção e de distribuição desse produto não sejam inteiramente compensados por essa subvenção ou pelas despesas de envio que podem ser faturadas às referidas administrações» ( 34 ).

51.

Importa observar que foi esta mesma abordagem que o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona defendeu nas conclusões que apresentou no processo Informatikgesellschaft für Software‑Entwicklung ( 35 ). Com efeito, este processo coloca, nomeadamente, a questão de saber se a disponibilização de um software acordada por escrito entre duas autoridades adjudicantes tem um caráter oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24, quando a entidade que recebe o software não tem de pagar o preço nem compensar os custos deste, mas está obrigada, em princípio, a colocar gratuitamente à disposição da outra parte os desenvolvimentos e adaptações subsequentes deste software.

52.

Nessas conclusões, o advogado‑geral considerou que a condição de onerosidade está satisfeita. Por um lado, salientou que a contrapartida, a saber, as adaptações e os desenvolvimentos futuros do software, tem um valor económico. Por outro, considerou que esta contrapartida constitui um compromisso exigível, uma vez que é indispensável para o fornecimento do serviço público que incumbe às referidas entidades ( 36 ).

3. Conceito extensivo de «contrapartida» e seus limites

53.

Aquela que, em meu entender, é a corrente dominante da jurisprudência (corrente que subscrevo plenamente) pode ser resumida da seguinte forma.

54.

Em primeiro lugar, a natureza da contrapartida, inerente à condição de onerosidade, que é concedida pela autoridade adjudicante pode assumir formas distintas de um preço pago em dinheiro. Assim, não tem necessariamente de existir uma transferência de uma quantia em dinheiro. Outros tipos de pagamento, incluindo de natureza não monetária, são possíveis.

55.

Em segundo lugar, a contrapartida deve apresentar um determinado valor económico sem dever, contudo, corresponder exatamente ao valor dos bens ou serviços fornecidos. Por conseguinte, a autoridade adjudicante e o proponente podem chegar a acordo sobre a possibilidade de efetuarem o pagamento sob diferentes formas, desde que estas tenham um valor económico claro.

56.

Em terceiro lugar, a natureza e o conteúdo da contrapartida que a autoridade adjudicante deve pagar devem resultar do contrato enquanto obrigação jurídica direta e executória decorrente deste contrato. É neste quadro que compreendo a referência do Tribunal de Justiça e do advogado‑geral P. Mengozzi à natureza sinalagmática do contrato público que se traduz na criação de obrigações juridicamente vinculativas de caráter sinalagmático para as duas partes no contrato ( 37 ).

57.

De igual modo, a fim de determinar se o contrato inclui uma contrapartida (e, por conseguinte, se a condição de onerosidade prevista no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 está satisfeita), considero que o ponto central da análise não é a quantia exata em dinheiro inscrita no contrato. Ao invés, trata‑se de saber se, com base neste contrato, as duas partes contratantes estão presas numa relação de obrigações jurídicas que cada uma pode executar em relação à outra e no âmbito das quais a autoridade adjudicante fornece, no mínimo, uma contrapartida clara e precisa de natureza económica.

58.

Tal abordagem desloca, propositadamente, os termos da discussão da natureza exata da «contrapartida» exigida para a questão mais ampla da definição do conteúdo preciso das obrigações recíprocas que incumbem a cada uma das partes. Apesar de ser possível o conceito de «contrapartida» variar bastante de um país para outro na Europa ( 38 ), afigura‑se que existe um amplo consenso quanto ao facto de a formação do contrato exigir que as partes cheguem a acordo de forma suficientemente precisa quanto aos termos do contrato, o que pressupõe a clareza dos direitos e obrigações mútuos de cada uma para que o contrato possa ser executado ( 39 ). Visto de um determinado ângulo, esta discussão remonta ao direito romano originário e à distinção de base, ainda em vigor nos sistemas jurídicos de direito civil, entre relações jurídicas sinalagmáticas (por exemplo, os contratos) e unilaterais (por exemplo, as doações e liberalidades).

59.

Assim, um contrato a título oneroso é, antes de mais, um contrato sinalagmático que implica que as partes se comprometem mutuamente a efetuar prestações precisas e recíprocas. A natureza destas prestações deve ser determinada desde a formação do contrato. As referidas prestações devem ser executórias com base neste contrato. Por outro lado, a contrapartida exigível é mais flexível. Não deve necessariamente consistir numa compensação de natureza monetária. O que conta é que esta contrapartida seja clara, precisa e executória com base no contrato subscrito.

4. Aplicação ao caso em apreço

60.

Contrariamente aos processos mencionados na jurisprudência referida nas presentes conclusões, deve ser observado a título preliminar que, no caso em apreço, não existe um contrato celebrado entre a autoridade adjudicante e o proponente, uma vez que o processo foi apresentado ao órgão jurisdicional nacional na fase em que a proposta formulada pelo proponente foi rejeitada. Nesta fase do processo, não existem, assim, disposições contratuais que demonstrem eventualmente a existência de uma contrapartida a cargo da autoridade adjudicante, seja de que forma for.

61.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deve responder à questão de saber se, numa situação em que a proposta do proponente implica a inexistência de qualquer remuneração direta do serviço pela autoridade adjudicante, a vantagem que o proponente pode esperar obter com a própria adjudicação do contrato pode constituir uma «contrapartida» suscetível de permitir a celebração de um contrato a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24.

62.

Atendendo às circunstâncias factuais do presente processo, conforme foram apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não vislumbro em que é que tal contrapartida pode efetivamente consistir, mesmo adotando a aceção muito ampla deste conceito tal como seguida na secção anterior. No âmbito do presente processo, podem ser tidas em conta três potenciais vantagens: antes de mais, desenvolver uma experiência relevante; em seguida, obter referências para futuros contratos; por último, criar reputação para futuros concursos que a mesma autoridade adjudicante possa lançar em relação a outros lotes.

63.

Em primeiro lugar, adquirir uma experiência relevante é certamente importante para os novos operadores ou pequenas e médias empresas que se pretendam desenvolver. No entanto, não se trata claramente de uma contrapartida que a autoridade adjudicante fornece em troca. É um simples facto jurídico que decorre da adjudicação do contrato.

64.

Em segundo lugar, é igualmente inquestionável que a obtenção de referências pode constituir uma vantagem. Estas referências podem desempenhar um papel estratégico na adjudicação futura de contratos públicos. No entanto, há que constatar que a concessão de referências não é suficiente para estabelecer o caráter sinalagmático do contrato previsto. Com efeito, não constitui uma obrigação a cargo da autoridade adjudicante, pelo que não constitui uma contrapartida exigível a esta última. Esta vantagem é uma condição cuja realização é aleatória e incerta, uma vez que as referências que a empresa poderá invocar no futuro dependem, na realidade, de circunstâncias factuais ligadas à boa execução do contrato. Por conseguinte, não existe qualquer garantia quanto às referências que o proponente poderá invocar. Trata‑se de uma mera especulação sobre o contrato.

65.

Em terceiro lugar, a decisão de reenvio refere que, no caso em apreço, o contrato era composto por dois lotes ( 40 ). O concurso em causa apenas dizia respeito ao primeiro lote. Não foi apresentada qualquer informação suplementar quanto à eventual relação entre o primeiro e o segundo lote. Contudo, é difícil conceber que tal situação desempenhe um papel na definição da contrapartida na aceção da obrigação jurídica que a autoridade adjudicante teria para com o proponente no que se refere aos dois lotes. Não é certamente desejável nem aceitar nem promover uma política, explícita ou implícita, através da qual uma empresa apresenta uma proposta largamente inferior aos custos, incluindo no montante de zero euros, no âmbito de um lote com a expectativa de repercutir posteriormente estes custos na adjudicação de um segundo lote que compõe o contrato.

66.

Em resumo, nenhum dos três cenários que correspondem às «vantagens» potenciais suscetíveis de ser obtidas a título da contrapartida recebida por um proponente que propõe fornecer determinados serviços gratuitamente está abrangido pelo conceito de «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24. Em nenhuma destas hipóteses existe uma contrapartida cuja execução pudesse ser legalmente exigida à autoridade adjudicante no âmbito do contrato. O denominador comum a estas vantagens resume‑se ao facto de todas serem uma aposta no futuro.

67.

Em conclusão, é possível acrescentar que este último elemento factual permite distinguir claramente o presente processo da abordagem ainda mais flexível da contrapartida e da onerosidade que foi adotada, por exemplo, pelo advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona nas conclusões que apresentou no processo Informatikgesellschaft für Software‑Entwicklung ( 41 ). Com efeito, em especial num setor mais dinâmico como o do desenvolvimento de software, é possível admitir um determinado número de contrapartidas bastante incomuns. Assim, o primeiro software poderia ser fornecido gratuitamente, ao contrário dos seus desenvolvimentos futuros; a autoridade adjudicante pode efetuar um pagamento em espécie transmitindo os seus próprios dados em troca, para que o programador possa utilizá‑los em aplicações posteriores; a autoridade adjudicante pode prometer fornecer um retorno de informações periodicamente, permitindo assim ao programador aperfeiçoar o seu produto e aumentar a comercialização, etc. Todas estas situações poderiam dar origem à celebração de contratos a título oneroso, uma vez que estas obrigações resultam claramente do acordo celebrado com a autoridade adjudicante e definem uma contrapartida juridicamente executória, mesmo que, com efeito, nem sempre seja fácil colocar um preço em cada contrapartida concreta.

68.

Pelo contrário, no presente processo, nenhuma contrapartida distinta que incumba à autoridade adjudicante resulta de uma obrigação clara e executória decorrente do contrato cuja celebração está prevista. A primeira «vantagem» é simplesmente um facto jurídico automático. A segunda é puramente especulativa e incerta. Quanto à terceira, se fosse sequer considerada, seria altamente problemática. Por conseguinte, na falta de contrapartida a cargo da autoridade adjudicante, o futuro contrato não pode ser qualificado de «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24.

C.   Uma proposta no montante de zero euros é uma proposta anormalmente baixa?

69.

A segunda questão prejudicial, por sua vez, exige que se determine a base jurídica que fundamenta a rejeição de uma proposta, como a que está em causa, no montante de zero euros.

70.

Embora o órgão jurisdicional de reenvio concentre a sua questão nas disposições previstas no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24, recordo, não obstante, que, de acordo com as indicações que fornece, o Ministério do Interior examinou a proposta em causa à luz das disposições consagradas às «propostas anormalmente baixas», previstas no artigo 69.o desta diretiva. Contudo, não rejeitou a proposta da recorrente por ser anormalmente baixa ou por não permitir responder às exigências e às obrigações enunciadas no anúncio de concurso, mas por ser uma proposta no montante de zero euros.

71.

Assim, a segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio é de natureza processual: se uma autoridade adjudicante recebe uma proposta que propõe zero euros na caixa de seleção «preço» (i) a autoridade adjudicante deve automaticamente rejeitar a proposta diretamente com base no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24, na medida em que nenhuma proposta deste tipo pode alguma vez conduzir à celebração de um contrato público válido; ou (ii) tal proposta deve também ser examinada em conformidade com o procedimento relativo às propostas anormalmente baixas, previsto no artigo 69.o da Diretiva 2014/24?

72.

Tendo em conta a resposta proposta à primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio (a contrapartida exigível no âmbito de um contrato público não implica necessariamente uma transferência direta de dinheiro, mas pode ser uma contrapartida em espécie desde que apresente, pelo menos, um certo valor económico), a resposta lógica à segunda questão prejudicial é a seguinte (ii): uma proposta que propõe um preço nominal de zero euros deve também ser tratada como uma proposta anormalmente baixa.

73.

Em primeiro lugar, o procedimento previsto no artigo 69.o da Diretiva 2014/24 é relativo às etapas da proposta e da negociação. Neste artigo, o legislador da União exige, com efeito, que a autoridade adjudicante ofereça ao proponente a possibilidade de explicar o montante da sua proposta e de justificar a seriedade da mesma. Exige, em seguida, que a autoridade adjudicante tenha em conta não apenas as justificações fornecidas, nomeadamente as que fazem referência à economia da prestação, às soluções técnicas adotadas ou ainda às condições excecionalmente favoráveis de que este proponente dispõe para fornecer o serviço previsto ( 42 ), mas igualmente todos os elementos relevantes no que diz respeito à prestação em causa e às obrigações associadas à sua realização ( 43 ).

74.

Assim, a menos que a natureza do contrato ou a própria proposta indiquem sem ambiguidade que não pode haver outra contrapartida concebível e que, em seguida, é inútil permitir ao proponente fornecer explicações sobre a sua proposta, não se pode excluir que o contrato futuro possa, em definitivo, ser um contrato «a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24.

75.

Neste contexto, importa recordar o paradoxo do gato de Schrödinger. Enquanto a caixa não estiver aberta e o seu conteúdo não for examinado, não se pode excluir que o gato que se encontra no interior esteja vivo. De igual modo, enquanto a autoridade adjudicante não oferecer ao proponente, com fundamento no artigo 69.o da Diretiva 2014/24, a oportunidade de explicar a lógica e a estrutura que preside à sua proposta, não se pode excluir que a proposta em questão possa dar origem à celebração de um contrato público, sem prejuízo, em última análise, de uma rejeição da proposta pela autoridade adjudicante. Contudo, tal rejeição não se pode basear pura e simplesmente no facto de uma proposta nominal de zero euros não cumprir a condição de onerosidade prevista no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, desta diretiva.

76.

Em segundo lugar, há que constatar que a Diretiva 2014/24 não define o conceito de «proposta anormalmente baixa» nem precisa o montante numérico que esta abrange ( 44 ). Os termos utilizados pelo legislador da União são gerais, tendo o Tribunal de Justiça empregado igualmente os termos «modicidade do preço proposto» ( 45 ).

77.

No entanto, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este se opõe à instauração de um critério de exclusão matemática. O Tribunal de Justiça tende a favorecer uma concorrência efetiva em conformidade com os objetivos das regras de contratação pública. No Acórdão de 22 de junho de 1989, Costanzo ( 46 ), o Tribunal de Justiça declarou que um critério de exclusão matemática privava os proponentes que tinham apresentado propostas particularmente baixas a possibilidade de provarem que as mesmas eram sérias e era, por conseguinte, contrário ao objetivo da Diretiva 71/305/CEE ( 47 ), que era o de favorecer o desenvolvimento de uma concorrência efetiva em matéria de contratos públicos.

78.

Tendo em conta estes elementos, afigura‑se assim que nada se opõe a que o conceito de «proposta anormalmente baixa» possa incluir uma proposta num montante de zero euros. É certo que um montante de «zero euros» se assemelha a um tipo de barreira psicológica. Não obstante, em termos económicos, nada justifica que se distinga de uma proposta num montante de 10 euros ou de 100 euros, a partir do momento em que todas estas propostas se situam abaixo dos custos do mercado.

79.

Em terceiro e último lugar, não há qualquer dúvida de que um determinado número de argumentos suplementares poderia pugnar a favor de uma recusa de examinar propostas de zero euros. Com efeito, permitir tais propostas poderia ser contrário ao objetivo de transparência em matéria de fundos públicos e do combate à corrupção: os custos reais e os pagamentos posteriores seriam simplesmente deslocados e dissimulados noutras transações paralelas. De igual modo, embora tal diligência se afigure, à primeira vista, benéfica para os orçamentos públicos, um contrato público celebrado por um preço nominal de zero euros poderia, em definitivo, revelar‑se bastante dispendioso e difícil de executar para a autoridade adjudicante e, assim, conduzir a um aumento dos custos em vez de a um pagamento puro e simples do preço adequado desde o início. Além disso, uma prática de preços predatórios patrocinada pelas autoridades adjudicantes poderia provocar algumas preocupações no âmbito do direito da concorrência.

80.

Em todo o caso, independentemente da legitimidade destas preocupações, os mesmos argumentos poderiam ser utilizados no sentido oposto, ou seja, a favor do exame de tais propostas ( 48 ). Mas, sobretudo, todos estes argumentos poderiam ser utilizados mesmo contra qualquer exame de propostas anormalmente baixas. Considerações idênticas às que foram esboçadas no número anterior das presentes conclusões são aplicáveis indistintamente a qualquer proposta anormalmente baixa: seria o caso, por exemplo, para um contrato avaliado em 150000 euros, de uma proposta de 1000 euros, de 101 euros ou de 1 euro simbólico. Mesmo que todas estas propostas sejam bastante inferiores aos custos reais, a autoridade adjudicadora não pode rejeitá‑las automaticamente. Deve examiná‑las seguindo o processo especificamente previsto para o efeito no artigo 69.o da Diretiva 2014/24.

81.

Se tal opção legislativa foi efetuada pelo legislador da União no âmbito do direito dos contratos públicos após ter ponderado todas as vantagens e inconvenientes inerentes às propostas anormalmente baixas, não encontro qualquer argumento lógico que permita excluir as propostas de zero euros de tal regime. Assim, estas devem ser tratadas da mesma forma. Deste modo, caso o Tribunal de Justiça aceite a minha proposta relativa à primeira questão (um «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24, não exige necessariamente o pagamento de uma quantia em dinheiro, mas pode implicar uma contrapartida em espécie a cargo da autoridade adjudicante), então o montante da quantia nominal indicado na proposta de contrato não é determinante.

82.

Por conseguinte, considero que é efetivamente através do prisma das condições enunciadas no artigo 69.o da Diretiva 2014/24 que a autoridade adjudicante deve examinar uma proposta num montante de zero euros para, se for caso disso, rejeitá‑la com o fundamento, nomeadamente, de que não pode conduzir à celebração de um contrato a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, desta diretiva, devido ao facto de nenhuma contrapartida de natureza económica ser fornecida pela autoridade adjudicante no âmbito de um procedimento de concurso público.

V. Conclusão

83.

Proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões prejudiciais submetidas pela Državna revizijska komisija za revizijo postopkov oddaje javnih naročil (Comissão nacional de revisão dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos, Eslovénia):

1)

O conceito de «contrato a título oneroso» referido no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017, deve ser interpretado no sentido de que não permite qualificar como «contrato público de serviços» uma operação através da qual o proponente propõe à autoridade adjudicante prestar o serviço por um montante de zero euros, na medida em que as partes no contrato não acordem uma contrapartida de valor económico a cargo da autoridade adjudicante.

2)

Uma proposta com o preço de zero euros deve ser examinada em conformidade com o disposto no artigo 69.o da Diretiva 2014/24, conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365, relativo às propostas anormalmente baixas, eventualmente após terem sido obtidas do proponente informações suplementares quanto à natureza exata da contrapartida de valor económico a cargo da autoridade adjudicante. Tal proposta deve ser rejeitada no caso de não permitir, no âmbito de um procedimento de concurso público, a celebração de um «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, desta diretiva.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Para uma introdução acessível (diminuta em cálculos e rica em história cultural), v., por exemplo, Kaplan, R., The Nothing that Is: A Natural History of Zero, Oxford University Press, Oxford, 1999.

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 337, p. 19) (a seguir «Diretiva 2014/24»).

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114, e retificação JO 2004, L 351, p. 44).

( 5 ) C‑296/15, EU:C:2017:431.

( 6 ) V. n.o 38 deste acórdão.

( 7 ) Uradni list RS, n.o 91/15.

( 8 ) V. Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, a seguir «Acórdão Dzodzi», n.os 36 a 42), assim como, mais recentemente, de 14 de fevereiro de 2019, CCC — Consorzio Cooperative Costruzioni (C‑710/17, não publicado, EU:C:2019:116, n.o 22 e jurisprudência referida), e de 24 de outubro de 2019, Belgische Staat (C‑469/18 e C‑470/18, EU:C:2019:895, n.os 22 e 23 e jurisprudência referida).

( 9 ) V. Acórdãos de 25 de março de 2010, Helmut Müller (C‑451/08, EU:C:2010:168, n.o 47), e de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985, n.o 43). Recordo que a Diretiva 2014/24 revogou a Diretiva 2004/18.

( 10 ) Nomeadamente, as versões nas línguas espanhola («oneroso»), francesa («à titre onéreux»), italiana («a titolo oneroso»), portuguesa («a título oneroso») e romena («cu titlu oneros»).

( 11 ) Nomeadamente, as versões nas línguas inglesa («for pecuniary interest») e croata («financijski interes»).

( 12 ) Como as versões nas línguas checa e eslovaca (nas quais o conceito de «úplatné smlouvy» ou os termos «odplatné zmluvy» significam sobretudo pagamento enquanto contrapartida, mas podem também ser interpretados no sentido de que incluem contrapartidas não pecuniárias) ou ainda a versão em língua sueca que utiliza a expressão «kontrakt med ekonomiska villkor», que remete para o valor económico do contrato.

( 13 ) Sublinhado nosso.

( 14 ) Sublinhado nosso.

( 15 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Auroux e o. (C‑220/05, EU:C:2007:31, n.o 45), e de 18 de outubro de 2018, IBA Molecular Italy (C‑606/17, EU:C:2018:843, n.o 28).

( 16 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985, n.o 43 e jurisprudência referida), a propósito da interpretação do conceito de «contrato público» referido no artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18.

( 17 ) C‑37/16, EU:C:2017:22.

( 18 ) Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

( 19 ) V. Acórdão de 18 de janeiro de 2017, SAWP (C‑37/16, EU:C:2017:22, n.o 25 e jurisprudência referida).

( 20 ) Acórdão de 18 de janeiro de 2017, SAWP (C‑37/16, EU:C:2017:22, n.o 26 e jurisprudência referida).

( 21 ) V. n.o 35 das presentes conclusões.

( 22 ) C‑701/15, EU:C:2017:545. Este acórdão diz respeito à interpretação do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1). Nos termos deste artigo, os «[c]ontratos de fornecimento, de empreitada de obras e de serviços» são «contratos a título oneroso, celebrados por escrito».

( 23 ) V., n.o 29 deste acórdão.

( 24 ) V., a este respeito, Acórdãos de 25 de março de 2010, Helmut Müller (C‑451/08, EU:C:2010:168, n.os 47 a 52), e de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985, n.o 43).

( 25 ) Acórdão de 12 de julho de 2001, Ordine degli Architetti e o. (C‑399/98, EU:C:2001:401, n.os 77 a 86).

( 26 ) COM (2004) 327 final. No n.o 10 deste livro verde, a Comissão refere que «o caráter oneroso do contrato em causa não implica obrigatoriamente o pagamento direto de um preço pelo parceiro público, mas pode decorrer de qualquer outra forma de contrapartida económica recebida pelo parceiro privado».

( 27 ) V. considerações expostas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 25 de março de 2010, Helmut Müller (C‑451/08, EU:C:2010:168), nos termos dos quais um contrato de compra e venda de um terreno pode constituir um contrato público de empreitada de obras públicas, mesmo que, além da cessão do referido terreno, a autoridade adjudicante não forneça qualquer contrapartida ao cocontratante.

( 28 ) C‑399/98, EU:C:2001:401.

( 29 ) Diretiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO 1993, L 199, p. 54).

( 30 ) N.o 52 deste acórdão.

( 31 ) Importa observar que o Tribunal de Justiça não seguiu a abordagem defendida pelo advogado‑geral P. Léger nas conclusões que apresentou no processo Ordine degli Architetti e o. (C‑399/98, EU:C:2000:671), nas quais este considerou que o critério de onerosidade não estava satisfeito.

( 32 ) C‑606/17, EU:C:2018:843.

( 33 ) N.o 29 deste acórdão e jurisprudência referida. Sublinhado nosso. V., igualmente, Acórdãos de 19 de dezembro de 2012, Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o. (C‑159/11, EU:C:2012:817, n.o 29); de 13 de junho de 2013, Piepenbrock (C‑386/11, EU:C:2013:385, n.o 31), e de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.o 5 «Spezzino» e o. (C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.o 37).

( 34 ) N.o 31 do referido acórdão. Sublinhado nosso.

( 35 ) C‑796/18, EU:C:2020:47.

( 36 ) V., a este respeito, os desenvolvimentos que figuram nos n.os 52 a 63 destas conclusões.

( 37 ) V. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:985, n.o 43), que seguiu as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo Remondis (C‑51/15, EU:C:2016:504, n.o 36). V. nota da página 16 das presentes conclusões.

( 38 ) O que demonstra que os regimes jurídicos dos contratos se caracterizam por uma diversidade considerável, v., nomeadamente, Kötz, H., «Comparative Contract Law» em Reimann, M., e Zimmermann, R., The Oxford Handbook of Comparative Law, 2.a ed., Oxford University Press, Oxford, 2019, pp. 902 a 932, em particular pp. 910 a 912, ou Chloros, A., G., «The Doctrine of Consideration and the Reform of the Law of Contract: A Comparative Analysis», International and Comparative Law Quarterly, British Institute of International and Comparative Law, Londres, 1968, vol. 17, n.o 1, pp. 137 a 166.

( 39 ) V., nomeadamente, artigos 2:101 (Conditions for the Conclusion of a Contract) e 2:103 (Sufficient Agreement) dos «Principles of European Contract Law» (Princípios do direito europeu do contrato) (v., Lando, O., e Beale, H., Principles of European contract law, Parts I and II, Kluwer Law International, Haia, 2000); ou artigos II.—I:101(I) (definição do contrato) e III.—I:102(4) (sobre o caráter recíproco das obrigações) do Draft Common Frame of Reference (projeto de quadro comum de referência) (v., von Bar, C., e o., Principles, Definitions and Model Rules of European Private Law, draft Common Frame of Reference: outline edition, Sellier European Law Publishers, Munique, 2009). V., neste sentido, igualmente, Projet de cadre commun de référence. Terminologie contractuelle commune, Société de législation comparée, collection «Droit comparé et européen», Paris, 2008, vol. 6, p. 25, realizado pela Association Henry Capitant des amis de la culture juridique française e pela Société de législation comparée.

( 40 ) V. n.o 11 das presentes conclusões.

( 41 ) C‑796/18, EU:C:2020:47. V. n.os 51 e 52 das presentes conclusões.

( 42 ) Estas justificações são enunciadas no artigo 69.o, n.o 2, da Diretiva 2014/24.

( 43 ) V. Acórdão de 16 de maio de 2019, Transtec/Comissão (T‑228/18, EU:T:2019:336, n.o 69 e jurisprudência referida).

( 44 ) No Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Data Medical Service (C‑568/13, EU:C:2014:2466), o Tribunal de Justiça recordou, assim, que cabe aos Estados‑Membros e, em especial, às autoridades adjudicantes determinar o modo de cálculo de um limiar de anomalia constitutivo de uma «proposta anormalmente baixa» (n.o 49 e jurisprudência referida).

( 45 ) V., a este respeito, Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Data Medical Service (C‑568/13, EU:C:2014:2466, n.o 46).

( 46 ) 103/88, EU:C:1989:256, n.o 18.

( 47 ) Diretiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO 1971, L 185, p. 5).

( 48 ) Nomeadamente, no que diz respeito à concorrência, é possível afirmar que estas regras são, na realidade, favoráveis à concorrência: é provável que as pequenas e médias empresas, assim como as start‑up tenham custos fixos menos elevados e possam integrar margens nulas relativamente a um determinado contrato. Em tais circunstâncias, as propostas de zero euros podem revelar‑se concorrenciais, na medida em que permitem a estas pequenas empresas entrar no mercado.