JULIANE KOKOTT
apresentadas em 14 de julho de 2022 ( 1 )
Processo C‑176/19 P
Comissão Europeia
contra
Servier SAS,
Servier Laboratories Ltd,
Les Laboratoires Servier SAS
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Abuso de posição dominante — Mercado do perindopril, medicamento para o tratamento de doenças cardiovasculares — Acordos de resolução amigável de litígios em matéria de patentes celebrados entre um laboratório de medicamentos originais titular de patentes e sociedades de medicamentos genéricos — Acordo de resolução amigável associado a um acordo de licença — Restrição de concorrência por objeto — Restrição de concorrência por efeito — Definição do mercado relevante»
Índice
I. Introdução |
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II. Antecedentes do litígio |
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A. Matéria de facto |
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1. Operadores em causa no presente processo |
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2. Produto e patentes em causa |
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a) Perindopril da Servier |
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b) Perindopril da Krka |
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3. Litígios relativos ao perindopril e lançamento de versões genéricas |
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a) Litígios no IEP |
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b) Litígios nos órgãos jurisdicionais nacionais |
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4. Litígios e acordos entre a Servier e a Krka |
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B. Decisão controvertida |
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C. Acórdão recorrido |
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III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes |
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IV. Apreciação |
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A. Quanto ao presente recurso |
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1. Quanto ao artigo 101.o TFUE |
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a) Quanto à restrição da concorrência por objeto (primeiro a sexto fundamentos de recurso) |
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1) Análise do objeto dos acordos Krka na decisão controvertida e no acórdão recorrido |
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i) Decisão controvertida |
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ii) Acórdão recorrido |
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2) Fundamentos de recurso relativos ao objeto dos acordos Krka |
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i) Quanto à pressão concorrencial exercida pela Krka sobre a Servier (primeiro fundamento de recurso) |
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— Quanto à admissibilidade e ao caráter operante do fundamento |
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— Quanto ao mérito |
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— Conclusão intercalar |
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ii) Quanto à licença como incentivo para a Krka aceitar as restrições da resolução amigável (segundo fundamento de recurso) |
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— Quanto à licença como contrapartida do compromisso de não concorrência |
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— Quanto ao caráter incentivador da licença |
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— Quanto à quantificação do valor transferido para a Krka através da licença |
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— Conclusão intercalar |
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iii) Quanto à aplicação do conceito de restrição da concorrência por objeto (terceiro fundamento de recurso) |
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— Quanto à inexistência de repartição «estanque» dos mercados |
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— Quanto às intenções das partes e às suas convicções quanto à validade da patente 947 |
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— Quanto ao duopólio de facto estabelecido pela licença |
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— Quanto a uma declaração da Lupin |
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— Quanto às Orientações de 2004 relativas aos acordos de transferência de tecnologia e ao Regulamento n.o 772/2004 relativo à aplicação do n.o 3 do artigo [101.o TFUE] a categorias de acordos de transferência de tecnologia |
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— Conclusão intercalar |
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iv) Quanto à intenção das partes (quarto fundamento de recurso) |
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— Quanto à tomada em consideração da intenção das partes |
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— Quanto à aplicação dos princípios relativos à produção de prova |
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— Quanto à credibilidade das provas em função da sua data de elaboração |
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— Quanto ao valor probatório de declarações posteriores |
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— Conclusão intercalar |
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v) Quanto à tomada em consideração dos efeitos pró‑concorrenciais da licença (quinto fundamento de recurso) |
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vi) Quanto ao acordo de cessão e de licença Krka (sexto fundamento de recurso) |
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3) Conclusão sobre o objeto dos acordos Krka |
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b) Quanto à restrição da concorrência por efeito (sétimo fundamento de recurso) |
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1) Análise dos efeitos dos acordos Krka na decisão controvertida e no acórdão recorrido |
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i) Decisão controvertida |
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ii) Acórdão recorrido |
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2) Fundamento de recurso relativo aos efeitos dos acordos Krka |
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i) Quanto à análise contrafactual |
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ii) Quanto ao momento a tomar em conta para a análise contrafactual |
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iii) Quanto à falta de pertinência da distinção entre acordos implementados e acordos não implementados |
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3) Conclusão sobre os efeitos dos acordos Krka |
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c) Conclusão sobre a existência de uma infração nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE no que respeita aos acordos Krka |
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2. Quanto ao artigo 102.o TFUE |
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a) Constatações relativas ao artigo 102.o TFUE na decisão controvertida e no acórdão recorrido |
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1) Decisão controvertida |
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2) Acórdão recorrido |
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b) Fundamentos de recurso relativos ao artigo 102.o TFUE |
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1) Quanto à posição do preço na determinação do mercado relevante dos produtos acabados (oitavo fundamento de recurso) |
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i) Quanto aos fatores ligados aos preços na determinação do mercado relevante (primeira e segunda partes do oitavo fundamento de recurso) |
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ii) Quanto à insensibilidade aos preços dos médicos prescritores (terceira e quarta partes do oitavo fundamento de recurso) |
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iii) Quanto à concorrência exercida pelos genéricos do perindopril (quinta e sexta partes do oitavo fundamento de recurso) |
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iv) Conclusão intercalar |
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2) Quanto à tomada em consideração da substituibilidade terapêutica na determinação do mercado relevante dos produtos acabados (nono fundamento de recurso) |
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i) Quanto ao papel da substituibilidade terapêutica na determinação do mercado relevante dos produtos acabados (primeira parte do nono fundamento de recurso) |
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ii) Quanto à tomada em consideração ou à análise de um certo número de elementos de prova (segunda a sexta partes do nono fundamento de recurso) |
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iii) Conclusão intercalar |
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3) Quanto à inadmissibilidade de certos anexos apresentados em primeira instância (décimo fundamento de recurso) |
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4) Quanto ao mercado relevante da tecnologia (décimo primeiro fundamento de recurso) |
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c) Conclusão quanto aos fundamentos de recurso relativos ao artigo 102.o TFUE |
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B. Quanto ao recurso no Tribunal Geral |
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V. Quanto às despesas |
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VI. Conclusão |
I. Introdução
1. |
Tal como o processo paralelo Servier/Comissão (C‑201/19 P), no qual também apresentamos as nossas conclusões hoje, o presente processo inscreve‑se na esteira dos processos Generics (UK) e o. ( 2 ) e Lundbeck/Comissão ( 3 ), nos quais o Tribunal de Justiça definiu os critérios para que se possa considerar que um acordo de resolução amigável de um litígio que opõe o titular de uma patente farmacêutica a um fabricante de medicamentos genéricos é contrário ao direito da concorrência da União. |
2. |
O pano de fundo do presente processo, do processo Servier/Comissão, e dos outros sete recursos que compõem este grupo de nove recursos interpostos de oito acórdãos do Tribunal Geral ( 4 ), é constituído por vários acordos de resolução amigável de litígios em matéria de patentes celebrados pelo fabricante de medicamentos originais Servier com sociedades de genéricos. |
3. |
Como nos processos Generics (UK) e o. e Lundbeck/Comissão, estes acordos surgiram numa situação em que a patente sobre a substância ativa do medicamento em causa, neste caso o perindopril, já tinha passado para o domínio público, apesar de a Servier ainda deter patentes ditas «secundárias» sobre determinados processos de fabrico deste medicamento. |
4. |
Em substância, os acordos controvertidos fizeram com que as sociedades de genéricos, que pretendiam entrar no mercado com versões genéricas do referido medicamento, se comprometessem a adiar a sua entrada em contrapartida de transferências de valor por parte da Servier. |
5. |
Na decisão controvertida ( 5 ), a Comissão considerou, por um lado, que os acordos em causa, celebrados pela Servier com a Niche/Unichem, com a Matrix, com a Teva, com a Krka e com a Lupin, constituíam restrições da concorrência por objeto e por efeito e, por conseguinte, infrações ao artigo 101.o TFUE. |
6. |
Por outro lado, considerou que a sua celebração, conjuntamente com outros comportamentos como a aquisição de tecnologias para o fabrico do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) do perindopril, constituía, por parte da Servier, uma estratégia destinada a atrasar a entrada das sociedades de genéricos do perindopril no mercado deste medicamento, no qual a Servier detinha uma posição dominante. Por conseguinte, a Comissão puniu este comportamento como abuso de posição dominante nos termos do artigo 102.o TFUE. |
7. |
No acórdão recorrido, bem como nos seus outros acórdãos no grupo de processos em causa, o Tribunal Geral confirmou a análise da Comissão no que respeita ao caráter de restrições da concorrência por objeto dos quatro acordos celebrados pela Servier com a Niche/Unichem, com a Matrix, com a Teva e com a Lupin. Estas conclusões do Tribunal Geral são impugnadas pela Servier no processo Servier/Comissão bem como por estas sociedades de genéricos nos seus recursos respetivos interpostos dos acórdãos do Tribunal Geral que lhes dizem respeito. |
8. |
Em contrapartida, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida no que respeita à qualificação dos acordos celebrados pela Servier com a Krka como restrição da concorrência por objeto e por efeito, bem como no que respeita à declaração de existência de abuso de posição dominante por parte da Servier, pelo facto de a Comissão ter cometido erros na definição do mercado relevante. |
9. |
A Comissão impugna estas anulações no presente processo bem como no processo Comissão/Krka (C‑151/19 P). Estes processos colocam questões inéditas relativas à qualificação de restrição da concorrência por objeto de um acordo de licença celebrado concomitantemente com um acordo de resolução amigável de um litígio relativo a uma patente, à qualificação desse conjunto de acordos como restrição da concorrência por efeito e à definição do mercado relevante no domínio farmacêutico. |
II. Antecedentes do litígio
A. Matéria de facto
10. |
O Tribunal Geral expôs os antecedentes do litígio nos n.os 1 a 73 do acórdão recorrido que podem, para efeitos do presente processo de recurso, ser resumidos da seguinte forma. |
1. Operadores em causa no presente processo
11. |
O grupo Servier, formado, nomeadamente, pela Servier SAS, a sua sociedade‑mãe com sede em França, pela Laboratoires Servier SAS e pela Servier Laboratories Ltd (a seguir, conjuntamente, «Servier»), reúne sociedades farmacêuticas a nível mundial. A Laboratoires Servier é uma sociedade farmacêutica francesa especializada no desenvolvimento de medicamentos originais, nomeadamente para o tratamento de doenças cardiovasculares ( 6 ). A Biogaran é uma filial a 100 % da Laboratoires Servier encarregada dos genéricos ( 7 ). |
12. |
O grupo farmacêutico Krka, registado na Eslovénia e especializado no desenvolvimento, na produção e na comercialização de medicamentos genéricos, inclui a sociedade‑mãe, a Krka Tovarna Zdravil d.d., e várias filiais na Eslovénia e noutros países (a seguir «Krka») ( 8 ). |
2. Produto e patentes em causa
a) Perindopril da Servier
13. |
A Servier desenvolveu o perindopril, medicamento indicado na medicina cardiovascular, principalmente destinado a combater a hipertensão e a insuficiência cardíaca. O IFA do perindopril apresenta‑se sob a forma de sal. O sal utilizado inicialmente era a erbumina (ou tert‑butilamina), que apresenta uma forma cristalina devido ao processo utilizado pela Servier para a sua síntese ( 9 ). |
14. |
A patente EP0049658 relativa à molécula do perindopril foi depositada no Instituto Europeu de Patentes (IEP) em 29 de setembro de 1981. Esta patente devia expirar em 29 de setembro de 2001, mas a sua proteção foi prolongada em vários Estados‑Membros da União Europeia, entre os quais o Reino Unido, até 22 de junho de 2003 ( 10 ). Em França, a proteção da referida patente foi prolongada até 22 de março de 2005 e, em Itália, até 13 de fevereiro de 2009 ( 11 ). A autorização de introdução no mercado (AIM) para comprimidos de perindopril erbumina (2 e 4 mg) para o tratamento da hipertensão arterial foi concedida entre 1988 e 1989 na Europa ( 12 ). |
15. |
Após o depósito da patente de molécula, a Servier depositou várias patentes de processo relativas ao fabrico do perindopril no IEP. As patentes objeto do presente processo são, nomeadamente, as patentes EP0308339, EP0308340 e EP0308341 (a seguir, respetivamente, «patente 339», «patente 340» e «patente 341»), depositadas em 1988 e que deviam expirar em 2008, bem como, e sobretudo, a patente EP1296947 (dita «patente alfa», a seguir «patente 947»), depositada em 2001. A patente 947 abrangia a forma cristalina alfa do perindopril erbumina e os métodos para o fabricar e foi concedida em 4 de fevereiro de 2004 ( 13 ). |
16. |
A Servier apresentou igualmente pedidos de patentes nacionais em vários Estados‑Membros da União, por exemplo na Bulgária, na República Checa, na Estónia, na Hungria, na Polónia e na Eslováquia. Foram assim concedidas patentes em 16 de maio de 2006 na Bulgária, em 17 de agosto de 2006 na Hungria, em 23 de janeiro de 2007 na República Checa, em 23 de abril de 2007 na Eslováquia e em 24 de março de 2010 na Polónia. Estas patentes correspondiam, em substância, às patentes depositadas no IEP ( 14 ). |
17. |
A partir de 2002, a Servier desenvolveu um perindopril de segunda geração, fabricado a partir de um novo sal, a arginina, para o qual apresentou um pedido de patente (EP1354873B) em 17 de fevereiro de 2003. Esta patente foi concedida em 17 de julho de 2004, com termo fixado em17 de fevereiro de 2023. A introdução do perindopril arginina nos mercados da União iniciou‑se em 2006. Este produto é uma versão genérica bioequivalente do produto de primeira geração, mas vende‑se sob dosagens diferentes devido ao peso molecular diferente do novo sal ( 15 ). O perindopril arginina obteve uma AIM em França em 2004 e foi seguidamente autorizado pelo procedimento de reconhecimento mútuo noutros Estados‑Membros ( 16 ). |
b) Perindopril da Krka
18. |
A Krka iniciou o seu próprio desenvolvimento do perindopril a partir de 2003. Durante o período 2005‑2006, recebeu AIM para vários mercados da União e lançou o perindopril no mercado em vários Estados‑Membros da Europa central e oriental, entre os quais a Polónia e a Hungria. Durante esse período, preparava igualmente a sua introdução no mercado noutros Estados‑Membros, entre os quais a França, o Reino Unido e os Países Baixos, quer sozinha quer em cooperação com outras sociedades ( 17 ). |
3. Litígios relativos ao perindopril e lançamento de versões genéricas
19. |
Entre 2003 e 2009, a Servier foi parte num conjunto de litígios relativos ao perindopril, tanto no IEP como em órgãos jurisdicionais nacionais. Tratava‑se essencialmente de pedidos de injunção e de processos relativos à patente 947, instaurados em diferentes Estados‑Membros e que opunham a Servier a uma série de sociedades de genéricos que preparavam o lançamento de uma versão genérica do perindopril ( 18 ). |
a) Litígios no IEP
20. |
Em primeiro lugar, em 2004, dez sociedades de genéricos, entre as quais a Krka, deduziram oposição à patente 947 no IEP, com vista à obtenção da sua revogação integral, invocando fundamentos relativos à falta de novidade e de atividade inventiva e ao caráter insuficiente da descrição da invenção ( 19 ). |
21. |
Em 27 de julho de 2006, a Divisão de Oposição do IEP confirmou a validade da patente 947, na sequência de pequenas alterações das reivindicações iniciais da Servier (a seguir «Decisão do IEP de 27 de julho de 2006»). Nove sociedades interpuseram recurso desta decisão, mas a Krka e a Lupin comunicaram que retiravam os seus recursos em 11 de janeiro e 5 de fevereiro de 2007, respetivamente, na sequência de acordos com a Servier. Por Decisão de 6 de maio de 2009, a Câmara de Recurso Técnica do IEP anulou a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e revogou a patente 947 (a seguir «Decisão do IEP de 6 de maio de 2009»). O pedido de revisão desta decisão, apresentado pela Servier, foi indeferido em 19 de março de 2010 ( 20 ). |
b) Litígios nos órgãos jurisdicionais nacionais
22. |
A validade da patente 947 foi igualmente contestada pelas sociedades de genéricos nos órgãos jurisdicionais de alguns Estados‑Membros e a Servier apresentou pedidos de injunções provisórias, que por vezes foram acolhidos ( 21 ). Contudo, a maior parte destes litígios terminou antes de ser proferida uma decisão definitiva sobre a validade da patente 947 em razão de acordos de resolução amigável celebrados entre a Servier e as sociedades de genéricos. |
23. |
No entanto, dois litígios entre a Servier e a Apotex, a única sociedade de genéricos parte num litígio com a Servier no Reino Unido com a qual a Servier não celebrou um acordo de resolução amigável, não foram interrompidos e subsequentemente conduziram à invalidação da patente 947. |
24. |
Assim, por um lado, em 1 de agosto de 2006, a Servier intentou uma ação de contrafação da patente 947 contra a Apotex, que tinha lançado uma versão genérica do perindopril «de risco» no mercado do Reino Unido, num órgão jurisdicional do Reino Unido e obteve uma injunção provisória em 8 de agosto de 2006. Todavia, na sequência de um pedido reconvencional de anulação da referida patente apresentado pela Apotex, a patente 947 foi anulada em 6 de julho de 2007, a injunção foi levantada e a Apotex entrou no mercado com o perindopril genérico, o que abriu o mercado aos genéricos no Reino Unido. Em 9 de maio de 2008, a decisão de invalidação da patente 947 foi confirmada em sede de recurso ( 22 ). |
25. |
Por outro lado, em 13 de novembro de 2007, a Katwijk Farma, uma filial da Apotex, apresentou num órgão jurisdicional neerlandês um pedido de anulação da parte neerlandesa da patente 947 e lançou, em 13 de dezembro de 2007, o seu perindopril genérico, sendo que o pedido de injunção provisória da Servier foi indeferido. Em 11 de junho de 2008, a justiça neerlandesa anulou a patente 947 para os Países Baixos na sequência de uma ação judicial concomitante intentada pela Pharmachemia, uma filial da Teva ( 23 ). |
26. |
A partir de maio de 2008, a Sandoz, outra sociedade de genéricos, lançou o seu perindopril genérico em vários Estados‑Membros ( 24 ). |
4. Litígios e acordos entre a Servier e a Krka
27. |
Entre 2005 e 2007, a Servier celebrou acordos de resolução amigável com as sociedades de genéricos Niche/Unichem, Matrix, Teva, Krka e Lupin. Os acordos a que o presente recurso diz respeito são os celebrados pela Servier com a Krka. |
28. |
Em 30 de maio de 2006, a Servier apresentou um pedido de injunção provisória na Hungria destinado a proibir a comercialização de uma versão genérica do perindopril introduzido no mercado pela Krka, com fundamento na violação da patente 947. Este pedido foi indeferido em 13 de outubro de 2006 ( 25 ). |
29. |
No Reino Unido, a Servier intentou, em 28 de julho de 2006, uma ação de contrafação da patente 340 contra a Krka. Em 2 de agosto de 2006, a Servier intentou igualmente uma ação de contrafação da patente 947 contra a Krka, bem como um pedido de injunção provisória. Em 1 de setembro de 2006, a Krka apresentou um pedido reconvencional de anulação da patente 947 e um pedido de processo sumário (application for summary judgment). Em 8 de setembro de 2006, a Krka apresentou outro pedido reconvencional de anulação da patente 340. |
30. |
Em 3 de outubro de 2006, a High Court of Justice (England Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal das Patentes)], deferiu o pedido de injunção provisória da Servier e indeferiu o pedido de processo sumário (application for summary judgment) apresentado pela Krka em 1 de setembro de 2006, relativo à invalidação da patente 947, ordenando a realização de um julgamento quanto ao mérito. Em 1 de dezembro de 2006, a instância em curso foi extinta na sequência da resolução amigável entre as partes, tendo a injunção provisória sido levantada ( 26 ). |
31. |
A Servier e a Krka assinaram um acordo de resolução amigável (a seguir «acordo de resolução amigável Krka») e um acordo de licença (a seguir «acordo de licença Krka») em 27 de outubro de 2006, completado por um aditamento celebrado em 2 de novembro de 2006. Além disso, estas partes celebraram um acordo de cessão e de licença (a seguir «acordo de cessão e de licença Krka») em 5 de janeiro de 2007 (a seguir, conjuntamente, «acordos Krka»). |
32. |
No acordo de resolução amigável Krka, previa‑se que a patente 947 abrangia igualmente as patentes nacionais equivalentes. Em virtude deste acordo de resolução amigável, em vigor até à expiração ou à revogação das patentes 947 ou 340, a Krka obrigou‑se a renunciar a qualquer pretensão relativa à patente 947 em todo o mundo e à patente 340 no Reino Unido e a não contestar futuramente nenhuma destas duas patentes em todo o mundo. Além disso, a Krka e as suas filiais não estavam autorizadas a lançar ou a comercializar uma versão genérica do perindopril que violasse a patente 947 durante o período de validade desta última e no país em que ainda era válida, salvo autorização expressa da Servier. De igual modo, a Krka não podia fornecer a nenhum terceiro uma versão genérica do perindopril que violasse a patente 947, sem a autorização expressa da Servier. Em contrapartida, a Servier obrigava‑se a desistir dos processos pendentes em todo o mundo contra a Krka baseados na contrafação das patentes 947 e 340, incluindo os seus pedidos de injunções provisórias ( 27 ). |
33. |
Em virtude do acordo de licença Krka, celebrado por um período correspondente à validade da patente 947, a Servier concedeu à Krka uma licença «exclusiva» e irrevogável sobre a patente 947, com vista a utilizar, produzir, vender, propor para venda, promover e importar os seus próprios produtos que contêm a forma cristalina alfa da erbumina na República Checa, na Letónia, na Lituânia, na Hungria, na Polónia, na Eslovénia e na Eslováquia. |
34. |
Em contrapartida da licença, a Krka estava obrigada a pagar à Servier royalties de 3 % do montante líquido das suas vendas em todos estes territórios. A Servier estava autorizada, nestes mesmos Estados, a utilizar direta ou indiretamente (ou seja, para uma das suas filiais ou para um único terceiro por país) a patente 947 ( 28 ). |
35. |
No momento da celebração dos acordos, as equivalentes nacionais da patente 947 não tinham ainda tinham sido concedidas à Servier em alguns destes sete mercados ao passo que a Krka já neles comercializava o seu produto ( 29 ). |
36. |
Em virtude do acordo de cessão e de licença Krka, a Krka transferiu dois pedidos de patentes para a Servier, um relativo a um processo de síntese do perindopril (WO 2005 113500) e o outro relativo à preparação de formulações de perindopril (WO 2005 094793). A tecnologia protegida por estes pedidos de patentes era utilizada para a produção do perindopril da Krka. A Krka comprometeu‑se a não contestar a validade das patentes que seriam concedidas com base nos pedidos em causa. Em contrapartida desta cessão, a Servier pagou à Krka um montante de 15 milhões de euros para cada um dos pedidos em causa. A Servier concedeu igualmente à Krka uma licença não exclusiva, irrevogável, intransmissível e isenta de taxas, sem direito de concessão de sublicenças (exceto às suas filiais), sobre os pedidos ou as patentes que daí resultavam, não estando esta licença limitada no tempo, no espaço ou nas utilizações que dela podiam ser feitas ( 30 ). |
B. Decisão controvertida
37. |
Na decisão controvertida, adotada em 9 de julho de 2014 ( 31 ), a Comissão considerou que a Servier tinha infringido, por um lado, o artigo 101.o TFUE, ao participar em quatro acordos de resolução amigável em matéria de patentes contra pagamento compensatório com a Niche/Unichem, a Matrix, a Teva e a Lupin, e em três acordos, que constituíam uma infração única e continuada, com a Krka. |
38. |
Por outro lado, a Comissão considerou que a Servier tinha infringido o artigo 102.o TFUE ao elaborar e implementar, através, nomeadamente, de aquisição de tecnologia e desses acordos de resolução amigável, uma estratégia de exclusão que abrangia o mercado das formulações de perindopril em França, nos Países Baixos, na Polónia e no Reino Unido e o mercado da tecnologia do IFA do perindopril ( 32 ). |
39. |
A Comissão considerou que a Servier e a Krka tinham infringido o artigo 101.o TFUE nos 18/20 Estados‑Membros ( 33 ) em que a Krka se obrigou, através do acordo de resolução amigável Krka, a deixar de fazer concorrência à Servier com os seus produtos existentes em troca de uma licença nos sete outros Estados‑Membros. Estes acordos tinham, assim, por objeto dividir e distribuir os mercados da União entre estes dois operadores. A Comissão constatou igualmente que os acordos Krka tinham constituído uma restrição da concorrência por efeito e examinou a este respeito os efeitos dos referidos acordos nos mercados da França, dos Países Baixos e do Reino Unido ( 34 ). A Comissão não constatou infrações nos sete Estados‑Membros para os quais a licença tinha sido concedida ( 35 ). |
40. |
Além disso, a Comissão considerou que a Servier e a Krka tinham infringido o artigo 101.o TFUE na medida em que a Krka tinha deixado de fazer concorrência enquanto fonte existente de tecnologia de perindopril ao transferir a sua tecnologia para a Servier contra o pagamento de um montante total de 30 milhões de euros ( 36 ). |
41. |
A Comissão aplicou à Servier coimas por estas infrações aos artigos 101.o e 102.o TFUE ( 37 ). |
C. Acórdão recorrido
42. |
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de setembro de 2014, a Servier interpôs recurso da decisão controvertida. No Tribunal Geral, os pedidos da Servier foram apoiados pela European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA). |
43. |
Com o acórdão recorrido, em primeiro lugar, o Tribunal Geral, decidindo em secção alargada, anulou 1) o artigo 4.o da decisão controvertida (que declarava uma infração pela Servier ao artigo 101.o TFUE a título dos acordos com a Krka); 2) o artigo 6.o da decisão controvertida (que declarava a infração pela Servier ao artigo 102.o TFUE), e 3) o artigo 7.o, n.o 4, alínea b), e n.o 6, da decisão controvertida (que aplicava as coimas à Servier por estas duas infrações). |
44. |
Em segundo lugar, o Tribunal Geral 4) reduziu o montante da coima aplicada à Servier a título do acordo com a Matrix, referido no artigo 2.o da decisão controvertida, pelo artigo 7.o, n.o 2, alínea b), da referida decisão. Em terceiro lugar, 5), negou provimento ao recurso quanto ao restante e, em quarto lugar, 6) e 7), condenou a Servier, a Comissão e a EFPIA a suportarem as suas próprias despesas. |
III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes
45. |
Por petição de 22 de fevereiro de 2019, a Comissão interpôs recurso do acórdão recorrido. |
46. |
Paralelamente, a Comissão interpôs igualmente recurso do acórdão do Tribunal Geral no processo Krka/Comissão, ao passo que a Servier e os outros destinatários da decisão controvertida, que foram vencidos no Tribunal Geral, recorreram da negação de provimento aos recursos que tinham interposto da referida decisão ( 38 ). |
47. |
Por requerimento de 22 de maio de 2019, o Reino Unido pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. A intervenção foi admitida por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2019. |
48. |
A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:
|
49. |
O Reino Unido pede ao Tribunal de Justiça que se digne:
|
50. |
A Servier pede ao Tribunal de Justiça que se digne:
|
51. |
A EFPIA pede ao Tribunal de Justiça que se digne:
|
52. |
Em 13 de setembro de 2021, o Tribunal de Justiça convidou as partes a apresentarem as suas observações sobre o Acórdão Generics (UK) e o. bem como sobre os Acórdãos do grupo Lundbeck/Comissão ( 39 ). |
53. |
Em 20 e 21 de outubro de 2021, numa audiência comum, foram ouvidas as observações das partes dos nove recursos interpostos contra os oito acórdãos do Tribunal Geral relativos à decisão controvertida, bem como as suas respostas às perguntas do Tribunal de Justiça. |
IV. Apreciação
A. Quanto ao presente recurso
54. |
A Comissão invoca onze fundamentos de recurso, sendo que os sete primeiros dizem respeito às considerações do Tribunal Geral relativas à apreciação dos acordos Krka à luz do artigo 101.o TFUE (1), ao passo que os quatro últimos dizem respeito às considerações do Tribunal Geral relativas à definição do mercado relevante para efeitos da aplicação do artigo 102.o TFUE (2) ( 40 ). |
1. Quanto ao artigo 101.o TFUE
55. |
Com os seus primeiro a sexto fundamentos de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao considerar que os acordos Krka não constituíam uma restrição da concorrência por objeto (a). Com o seu sétimo fundamento de recurso, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu igualmente um erro de direito ao considerar que a Comissão também não tinha demonstrado que esses acordos constituíam uma restrição da concorrência por efeito (b). |
a) Quanto à restrição da concorrência por objeto (primeiro a sexto fundamentos de recurso)
56. |
Antes de examinar os fundamentos de recurso da Comissão relativos à análise pelo Tribunal Geral do objeto anticoncorrencial dos acordos Krka (2), é útil resumir de que modo este objeto foi analisado pela Comissão na decisão controvertida e pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido (1). |
1) Análise do objeto dos acordos Krka na decisão controvertida e no acórdão recorrido
i) Decisão controvertida
57. |
Na secção 5.5 (considerandos 1670 a 1812 da decisão controvertida), a Comissão examinou os três acordos celebrados entre a Servier e a Krka e considerou que constituíam uma atividade única e continuada que tinha por objeto restringir a concorrência mediante a repartição dos mercados do perindopril na União entre estes dois operadores ( 41 ). |
58. |
Segundo a Comissão, por um lado, o acordo de resolução amigável Krka e o acordo de licença Krka tinham por objeto a repartição e a distribuição dos mercados da União entre a Servier e a Krka da seguinte forma: o acordo de licença Krka autorizava a Krka a continuar a comercializar ou a lançar o perindopril genérico no âmbito de um duopólio de facto com a Servier em sete Estados‑Membros que representavam os mercados principais da Krka. Esta autorização era uma recompensa pelo compromisso da Krka, assumido ao abrigo do acordo de resolução amigável Krka, de se abster de fazer concorrência à Servier nos restantes 18/20 mercados da União ( 42 ). A Comissão considerou, portanto, que o acordo de licença constituía o incentivo oferecido pela Servier à Krka para que esta última aceitasse as restrições acordadas no acordo de resolução amigável ( 43 ). |
59. |
Por outro lado, a Comissão constatou que o acordo de cessão e de licença Krka, celebrado dois meses após os acordos de resolução amigável e de licença Krka, tinha permitido reforçar a posição concorrencial da Servier e da Krka que resultava da repartição de mercados estabelecida pelo conjunto destes acordos, impedindo a Krka de ceder a sua tecnologia concorrente para a produção de perindopril a outras sociedades de genéricos. Na medida em que o pagamento do montante de 30 milhões de euros no âmbito deste acordo não estava relacionado com os rendimentos esperados ou realizados pela Servier através da exploração comercial da tecnologia cedida pela Krka, este pagamento foi analisado pela Comissão como uma partilha da renda gerada pela repartição dos mercados entre a Servier e a Krka ( 44 ). |
ii) Acórdão recorrido
60. |
O Tribunal Geral começou por indicar, nos n.os 255 a 274 do acórdão recorrido, as condições em que considerava que a inserção de cláusulas de não contestação de patentes e de não comercialização de produtos genéricos nos acordos de resolução amigável de litígios em matéria de patentes é anticoncorrencial. Segundo o Tribunal Geral, é esse o caso se a inserção de tais cláusulas nesse acordo não se basear no reconhecimento pelas partes da validade da patente e do caráter contrafeito dos produtos genéricos em causa, mas antes num pagamento compensatório significativo e injustificado por parte do titular da patente a favor da sociedade de genéricos, o que a incentiva a sujeitar‑se às referidas cláusulas. O Tribunal Geral declarou (n.o 271 do acórdão recorrido) que, perante tal incentivo, os acordos em causa devem ser encarados como acordos de exclusão do mercado, nos quais quem permanece indemniza quem sai. |
61. |
Em segundo lugar, o Tribunal Geral explicou, nos n.os 797 a 810 do acórdão recorrido, que, quando um acordo comercial comum é associado a um acordo de resolução amigável de um litígio relativo a uma patente que inclui cláusulas de não contestação e de não comercialização, esse esquema contratual deve ser qualificado de anticoncorrencial se o valor transferido pelo titular da patente para a sociedade de genéricos pelo acordo comercial exceder o valor do bem cedido por esta no âmbito desse acordo. Por outras palavras, esse esquema contratual deve ser qualificado de anticoncorrencial se o acordo comercial comum associado ao acordo de resolução amigável servir, na realidade, para dissimular uma transferência de valor do titular da patente para a sociedade de genéricos, que não tem outra contrapartida senão o compromisso desta última de não fazer concorrência. |
62. |
Em terceiro lugar, nos n.os 943 a 1032 do acórdão recorrido, no contexto da apreciação do nono fundamento apresentado pela Servier em primeira instância, relativo à inexistência de uma restrição da concorrência por objeto no que respeita aos acordos Krka, o Tribunal Geral apreciou especificamente a hipótese de uma associação de um acordo de resolução amigável e de um acordo de licença, que se verifica no caso em apreço com a associação dos acordos de resolução amigável e de licença Krka. |
63. |
Segundo o Tribunal Geral, nessa hipótese, as considerações acima resumidas no n.o 61, relativas à associação de um acordo de resolução amigável e de um acordo comercial comum, não são válidas. O motivo, segundo o Tribunal Geral, é que a associação de um acordo de resolução amigável a um acordo de licença constitui um meio adequado para pôr termo ao litígio que permite a entrada da sociedade de genéricos no mercado e que satisfaz as pretensões de ambas as partes. Além disso, a presença, num acordo de resolução amigável, de cláusulas de não comercialização e de não contestação é legítima quando este acordo se baseia no reconhecimento da validade da patente pelas partes. Ora, um acordo de licença, que só teria sentido quando a licença fosse efetivamente explorada, baseia‑se precisamente no reconhecimento da validade da patente pelas partes (n.os 943 a 947 do acórdão recorrido). |
64. |
Para demonstrar que um acordo de licença associado a um acordo de resolução amigável oculta, na realidade, um pagamento compensatório do titular da patente a favor da sociedade de genéricos, a Comissão teria portanto de demonstrar que a remuneração paga pela referida sociedade ao referido titular no âmbito deste acordo de licença é anormalmente baixa (n.os 948 e 952 do acórdão recorrido). |
65. |
Além disso, o objeto anticoncorrencial das cláusulas de não comercialização e de não contestação do acordo de resolução amigável é atenuado pelo efeito pró‑concorrencial do acordo de licença, que favorece a entrada da sociedade de genéricos no mercado (n.os 953 a 956 do acórdão recorrido). |
66. |
Por conseguinte, perante um verdadeiro litígio que opõe judicialmente as partes em causa e um acordo de licença que surge em ligação direta com a resolução amigável desse litígio, a associação deste acordo ao acordo de resolução amigável não constitui um indício sério de existência de um pagamento compensatório. Em tal hipótese, a Comissão deveria demonstrar, com base noutros indícios, que o acordo de licença não constitui uma transação celebrada em condições normais de mercado e oculta, assim, um pagamento compensatório, pelo que o conjunto de contratos deveria ser qualificado de restrição da concorrência por objeto (n.o 963 do acórdão recorrido). |
67. |
Foi à luz destes critérios que o Tribunal Geral examinou, nos n.os 964 a 1032 do acórdão recorrido, os acordos de resolução amigável e de licença Krka, tendo chegado finalmente à conclusão de que a Comissão não tinha demonstrado que estes acordos tinham um objeto anticoncorrencial. O Tribunal Geral baseou esta conclusão, essencialmente, nas seguintes considerações:
|
68. |
Por último, em quarto lugar, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1041 a 1060 do acórdão recorrido, que também era errada a qualificação do acordo de cessão e de licença Krka como restrição da concorrência por objeto, porque assentava no pressuposto errado de uma repartição dos mercados estabelecida pelos acordos de resolução amigável e de licença Krka. |
2) Fundamentos de recurso relativos ao objeto dos acordos Krka
69. |
Segundo a Comissão, as considerações do Tribunal Geral acima resumidas nos n.os 62 a 68 enfermam de vários erros de direito. |
70. |
Com o seu primeiro fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando se baseou no alegado reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka no âmbito da sua análise do objeto dos acordos Krka, sem examinar o fundamento apresentado em primeira instância relativo à concorrência potencial entre a Krka e a Servier (i). |
71. |
Com o seu segundo fundamento de recurso, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu erros na sua análise quando considerou que a licença não constituía um incentivo para que a Krka aceitasse as restrições do acordo de resolução amigável Krka (ii). |
72. |
Com o seu terceiro fundamento de recurso, a Comissão afirma que o Tribunal Geral aplicou erradamente o conceito de restrição da concorrência por objeto, nomeadamente, ao concluir que não existia repartição dos mercados entre a Servier e a Krka pelo facto de essa repartição não ser «estanque», ao desvirtuar as provas quanto às convicções das partes ou ainda ao considerar que o duopólio estabelecido resultava de escolhas posteriores dessas partes e não dos acordos (iii). |
73. |
Com o seu quarto fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na sua análise das provas documentais relativas à intenção das partes (iv). |
74. |
Com o seu quinto fundamento de recurso, a Comissão considera que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao tomar em consideração os efeitos pró‑concorrenciais da licença (v). |
75. |
Com o seu sexto fundamento de recurso, a Comissão sustenta que o acórdão recorrido padece de um erro de direito ao recusar reconhecer caráter anticoncorrencial ao acordo de cessão e de licença Krka (vi). |
i) Quanto à pressão concorrencial exercida pela Krka sobre a Servier (primeiro fundamento de recurso)
76. |
Com o seu primeiro fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito e desvirtuou provas ao concluir, após uma fundamentação insuficiente, que a Krka já não constituía, de facto, uma fonte de pressão concorrencial sobre a Servier no momento da celebração dos acordos Krka. |
– Quanto à admissibilidade e ao caráter operante do fundamento
77. |
A título preliminar, há que julgar improcedentes as objeções da Servier segundo as quais este fundamento de recurso é simultaneamente inadmissível e inoperante. |
78. |
Em primeiro lugar, contrariamente ao que a Servier alega, a Comissão indica precisamente os números do acórdão recorrido visados pelas suas alegações. |
79. |
Em segundo lugar, a Comissão também não procura, como sustenta a Servier, levar o Tribunal de Justiça a proceder a uma nova apreciação dos factos. A Comissão alega que o Tribunal Geral não respeitou as regras que regem o ónus e a produção de prova no direito da União, e que desvirtuou elementos de prova e viciou as suas explicações a este respeito por falta de fundamentação. Ora, tais erros podem ser invocados no Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Além disso, as críticas da Comissão dizem respeito à qualificação jurídica dos factos examinados pelo Tribunal Geral e às consequências jurídicas que aquele retirou deles, o que se inscreve igualmente no âmbito da fiscalização do Tribunal de Justiça no contexto de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral ( 46 ). |
80. |
Em terceiro lugar, também não pode ser acolhida a argumentação da Servier segundo a qual este fundamento de recurso é inoperante. |
81. |
Segundo a Servier, o facto de o Tribunal Geral não ter examinado a existência de potencial concorrência entre a Servier e a Krka não é suscetível de pôr em causa as conclusões do acórdão recorrido a respeito da inexistência de uma restrição da concorrência por objeto, que se baseiam em fundamentos diferentes da qualificação da Krka como concorrente potencial da Servier. |
82. |
Esta objeção da Servier reflete a consideração do Tribunal Geral, exposta no n.o 1234 do acórdão recorrido, segundo a qual o facto de o próprio Tribunal Geral ter declarado que os acordos Krka não constituíam, segundo a sua própria análise, nem uma restrição da concorrência por objeto nem uma restrição da concorrência por efeito, tornava supérflua a apreciação do fundamento relativo à concorrência potencial entre a Servier e a Krka. |
83. |
Ora, contrariamente ao que parece sugerir o referido número e contrariamente ao que alega a Servier, o Tribunal Geral não rejeitou a qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por objeto (nem a qualificação dos referidos acordos como restrição da concorrência por efeito ( 47 )) por motivos alheios à qualificação da Krka como concorrente potencial da Servier. |
84. |
Como resulta do resumo do raciocínio do Tribunal Geral que figura nos n.os 60, 63 e 67, supra, o Tribunal Geral baseou‑se no alegado reconhecimento pela Krka da validade da patente 947 para rejeitar a qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por objeto. O Tribunal Geral considerou, em substância, que, contrariamente ao constatado pela Comissão (n.o 58, supra), a Krka aceitou não fazer concorrência à Servier nos 18/20 mercados da União abrangidos pela resolução amigável, não pelo facto de a Servier lhe ter proposto a licença nos outros sete mercados, mas sim porque acreditava na validade da patente 947. |
85. |
Segundo o Tribunal Geral, um acordo de resolução amigável de um litígio relativo a uma patente que inclua cláusulas de não contestação e de não comercialização só deve ser qualificado de restrição da concorrência por objeto se não se basear no reconhecimento da validade da patente pelas partes, mas num incentivo pago pelo titular da patente à sociedade de genéricos (n.os 262 a 265 do acórdão recorrido). |
86. |
Por conseguinte, o alegado reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka constituiu — conjuntamente com o alegado caráter não incentivador da transferência de valor a favor da Krka representada pelo acordo de licença Krka ( 48 ) — o leitmotiv do raciocínio do Tribunal Geral na sua análise do objeto anticoncorrencial dos acordos Krka (n.os 970, 971, 999, 1000, 1010 a 1012 e 1026 a 1028 do acórdão recorrido). |
87. |
Ora, no âmbito do seu primeiro fundamento de recurso, a Comissão alega precisamente que o Tribunal Geral não se podia pronunciar sobre o reconhecimento pela Krka da validade da patente 947 sem examinar a questão prévia da existência de uma potencial concorrência entre a Krka e a Servier. Com efeito, em apoio da tese segundo a qual a Krka era um concorrente potencial da Servier, a Comissão alegadamente apresentou provas, ignoradas pelo Tribunal Geral, que demonstravam que a Krka não estava, precisamente, convencida da validade desta patente. Além disso, a Comissão alega que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova apresentados pela Comissão, escolhendo‑os de forma seletiva, tendo neles baseado a sua convicção quanto ao alegado reconhecimento da validade da referida patente pela Krka e apresentado explicações alternativas manifestamente erradas na interpretação dos referidos elementos. |
88. |
Resulta desta argumentação que a Comissão não alega apenas que o Tribunal Geral devia ter examinado se a Servier e a Krka eram concorrentes potenciais no momento da celebração dos acordos Krka, mas também, e sobretudo, que o Tribunal Geral baseou a sua análise quanto ao objeto anticoncorrencial destes acordos numa apreciação parcial, ou mesmo seletiva, e numa desvirtuação dos elementos dos autos. |
89. |
Não há dúvidas de que essa alegação é pertinente para efeitos da apreciação do caráter fundado da conclusão do Tribunal Geral no sentido de que os acordos Krka não são contrários à concorrência, uma vez que, a ser procedente, tal alegação poderia revelar o caráter erróneo da referida conclusão e implicar a anulação do acórdão recorrido ( 49 ). |
90. |
Daqui resulta que a exceção de inadmissibilidade relativa ao alegado caráter inoperante do primeiro fundamento de recurso deve ser julgada improcedente. |
– Quanto ao mérito
91. |
Segundo a Comissão, o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando considerou, nomeadamente nos n.os 970, 1026, 1028, 1154 e 1162 do acórdão recorrido, que a Krka reconhecia a validade da patente 947 e que as diligências que empreendeu na sequência da Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 ( 50 ) não demonstravam que, apesar desta decisão, a mesma estava determinada a prosseguir os seus esforços para entrar no mercado. |
92. |
A título preliminar, é útil recordar que a questão da existência de uma infração às regras da concorrência apenas pode ser apreciada corretamente se os indícios invocados pela decisão controvertida forem considerados não isoladamente, mas no seu conjunto, tendo em conta as características do mercado dos produtos em causa ( 51 ). O âmbito da fiscalização de legalidade prevista no artigo 263.o TFUE abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE cuja fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, é assegurada pelo Tribunal Geral à luz dos fundamentos invocados pelas partes ( 52 ). |
93. |
Seguidamente, importa recordar que, no direito da União, o princípio que prevalece é o da livre produção de prova e o único critério para apreciar as provas apresentadas reside na sua credibilidade ( 53 ). Para satisfazer o ónus da prova que lhe incumbe, a Comissão deve reunir provas suficientemente precisas e concordantes para basear a firme convicção da ocorrência da infração alegada ( 54 ). |
94. |
Porém, cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem necessariamente de satisfazer esses critérios relativamente a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, satisfaça essa exigência ( 55 ). Os elementos de prova de que a Comissão dispõe devem poder ser completados por deduções e a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial pode ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência ( 56 ). |
95. |
Se a Comissão se basear na suposição de que os factos apurados só podem ser explicados por um comportamento anticoncorrencial, não pode ser declarada a infração quando as empresas implicadas apresentem uma argumentação que dê uma explicação diferente dos factos apurados pela Comissão e que permita assim substituir por outra explicação plausível dos factos a explicação da Comissão ( 57 ). |
96. |
Por último, existe desvirtuação das provas quando, sem recorrer a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigura manifestamente errada ( 58 ), por o Tribunal Geral ter manifestamente ultrapassado os limites de uma apreciação razoável desses elementos de prova ( 59 ). |
97. |
Contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou no n.o 1016 do acórdão recorrido, estes princípios, e especialmente os resumidos no n.o 94, supra, não se aplicam apenas quando a Comissão deva deduzir a própria existência de um cartel ou de contactos anticoncorrenciais de elementos de prova fragmentados e esparsos. Estes princípios são igualmente pertinentes numa situação como a do caso em apreço, em que a Comissão pôde dispor do conteúdo dos acordos em causa ( 60 ). |
98. |
Em tal situação, não se trata certamente de reconstruir o próprio conteúdo desses acordos através de deduções. A resposta à questão de saber se esse conteúdo tinha por objeto uma repartição ilegítima do mercado deve todavia ser deduzida, não só do referido conteúdo, mas também do contexto dos acordos e, se for caso disso, da intenção das partes ( 61 ). Ora, para a interpretação destes elementos de contexto, os princípios acima referidos mantêm toda a sua pertinência. |
99. |
No caso em apreço, a Comissão examinou tais elementos de contexto para determinar se a Krka era um concorrente potencial da Servier antes da celebração dos acordos Krka. A este respeito, a Comissão expôs, nos considerandos 1680 a 1700 da decisão controvertida, que a Krka era, de longe, o primeiro concorrente genérico a desafiar a posição concorrencial da Servier para o fornecimento de perindopril, que a Servier e a Krka já eram concorrentes efetivos para o fornecimento de perindopril na República Checa, na Hungria, na Lituânia, na Polónia e na Eslovénia, e que a Krka era um concorrente potencial nos outros mercados da União, uma vez que, em primeiro lugar, o seu produto estava pronto para ser lançado nesses mercados, que, em segundo lugar, as barreiras em matéria de patentes não eram inultrapassáveis, que, em terceiro lugar, tinha um certo número de parceiros de cooperação para vários mercados e que, em quarto lugar, estava a esforçar‑se por entrar nesses mercados. |
100. |
No que respeita, mais especificamente, à apreciação pela Krka da validade das patentes da Servier, a Comissão constatou, por um lado, que uma série de provas documentais anteriores à Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 comprovavam que a Krka estava convencida do ganho de causa na sua ação de declaração de nulidade (considerando 1685 da decisão controvertida). |
101. |
Por outro lado, a Comissão considerou que a alegação da Krka segundo a qual a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 a tinha levado a cessar os seus esforços para a comercialização do perindopril erbumina na forma alfa não podia ser acolhida e que os elementos apresentados pela Krka a este respeito não eram convincentes à luz de um certo número de elementos de prova que demonstravam que a Krka não aceitava a referida decisão e continuava determinada a entrar no mercado com o seu produto (considerandos 1686 a 1691 da decisão controvertida). |
102. |
A Comissão alega que, se o Tribunal Geral tivesse tido em conta as provas e o raciocínio que figuram nos considerandos da decisão controvertida resumidos nos n.os 99 a 101, supra, não teria podido concluir, nos n.os 971, 1010, 1011 e 1017 do acórdão recorrido, que a Krka reconhecia a validade da patente 947 e que estava desmotivada para prosseguir os seus esforços para entrar no mercado na sequência da Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e da injunção provisória de 3 de outubro de 2006 proferida no Reino Unido contra a Krka ( 62 ). |
103. |
O Tribunal Geral limitou‑se a indicar, nos n.os 970 e 1154 do acórdão recorrido, que «existiam, no momento da conclusão dos acordos de resolução amigável e de licença, indícios concordantes que podem deixar as partes pensar que a patente 947 era válida» e a remeter, a este respeito, para os n.os 967 e 968 do referido acórdão. Nestes números, resumiu certos factos relativos ao processo de oposição à patente 947 no IEP e ao contencioso entre a Krka e a Servier nos órgãos jurisdicionais ingleses ( 63 ). |
104. |
Todavia, destes factos, o Tribunal Geral só teve em conta a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e a injunção provisória proferida contra a Krka pela High Court of Justice (England Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal das Patentes)] em 3 de outubro de 2006. Deste modo, o Tribunal Geral não tomou em conta os seguintes elementos, apresentados pela Comissão no âmbito do presente recurso, que são pertinentes para a apreciação pela Krka da validade da patente 947 nas vésperas da assinatura dos acordos de resolução amigável e de licença Krka em 27 de outubro de 2006:
|
105. |
O Tribunal Geral não explicou as razões pelas quais não teve em conta estes elementos, nem, a fortiori, de que modo, em seu entender, os referidos elementos eram compatíveis com a constatação do alegado reconhecimento pela Krka da validade da patente na sequência da Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e da injunção provisória proferida pelo juiz britânico em 3 de outubro de 2006. |
106. |
Em primeiro lugar, o Tribunal Geral não apresentou nenhum elemento que infirmasse a afirmação da Comissão segundo a qual não existia nenhum documento contemporâneo dos acordos que indicasse que as referidas decisão e injunção provisória tinham alterado a perceção da patente 947 por parte da Krka. |
107. |
A Comissão admitiu, nos considerandos 1688 e 1690 da decisão controvertida, que a Krka já não estava, é certo, completamente convencida da sua posição contenciosa na sequência da Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e que esta decisão e as injunções proferidas no Reino Unido contra a Krka e a Apotex ( 68 ) tinham certamente influenciado a avaliação pela Krka da situação em matéria de patentes. No entanto, segundo a análise da Comissão, a Krka estava longe de deixar de insistir na invalidade da patente 947, tendo ainda a vantagem do apoio dos seus parceiros. Nada obstava a uma possibilidade real e concreta de a Krka invalidar a patente 947 num julgamento quanto ao mérito. |
108. |
Como a Comissão afirma, os elementos atrás referidos no n.o 104 confirmam esta análise, ao passo que a posição contrária do Tribunal Geral não é suportada pelos elementos dos autos. |
109. |
Em segundo lugar, nos n.os 1010 e 1011 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral baseou‑se numa resposta da Krka a um pedido de informações da Comissão, que figura no considerando 913 da decisão controvertida, em que a Krka tinha afirmado, nomeadamente, que «a obtenção de uma licença e a retirada das oposições eram consideradas a melhor opção para a Krka nesse momento» e que, «segundo todos os outros cenários, um lançamento não podia ocorrer antes de pelo menos dois anos a contar de julho de 2006, e mesmo após tal período, um lançamento não estava garantido (risco de que a patente 947 seja mantida, riscos de desenvolvimento da forma não alfa)». O Tribunal Geral constatou que este extrato «confirma[va] a constatação segundo a qual a Krka considerava qualquer manutenção ou qualquer entrada imediata nos sete Estados‑Membros abrangida pelo acordo de licença como sendo, na falta deste acordo, impossível devido à patente 947». |
110. |
Ora, ao atribuir a uma declaração feita pela Krka durante o processo na Comissão mais peso do que a elementos de prova que atestavam as convicções da Krka antes da celebração dos acordos Krka, o Tribunal Geral violou os princípios que regem a produção de prova perante o juiz da União. Segundo estes princípios, as declarações posteriores, efetuadas para efeitos do processo na Comissão, têm um valor probatório inferior ao dos elementos de prova e dos documentos contemporâneos do comportamento anticoncorrencial em causa, que foram elaborados in tempore non suspecto e em relação direta com os factos em causa ( 69 ). |
111. |
Em terceiro lugar, na mesma ordem de ideias, é difícil compreender de que modo a afirmação da Krka, feita durante o inquérito da Comissão e referida no considerando 1738 da decisão controvertida, segundo a qual «o custo de oportunidade de não celebrar o acordo de resolução amigável Krka teria sido equivalente a “em 3 anos muito mais de 10 milhões de euros” de lucros perdidos» podia constituir, como o Tribunal Geral indicou no n.o 1000 do acórdão recorrido, «um indício adicional do facto de que considerava que a patente 947 era válida». Estes lucros correspondiam aos previstos para uma entrada ou manutenção nos sete mercados abrangidos pelo acordo de licença Krka e, portanto, a uma estimativa do valor comercial da licença. |
112. |
No entanto, a Comissão tem razão quando alega que, do facto de a Krka ter assim estimado o valor da licença durante o processo na Comissão, não é possível deduzir, à semelhança do que fez o Tribunal Geral, que, no momento da conclusão dos acordos Krka, a Krka considerava que a patente 947 era válida. O Tribunal Geral parece inferir esta interpretação da ideia de que esta declaração da Krka significava que estava convencida, no momento da celebração dos acordos, de que ia perder este montante se não obtivesse uma licença da Servier porque não poderia entrar ou manter‑se nos referidos mercados sem essa licença. |
113. |
Ora, como indica a Comissão, não há nenhum indício que corrobore tal interpretação e, pelo contrário, existem indícios sérios que demonstram que a Krka teria permanecido nos mercados abrangidos pela licença na falta de acordos com a Servier, nomeadamente o facto de a Krka ter continuado a vender o seu produto na Hungria após a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e de se ter defendido com sucesso contra o pedido de injunção provisória da Servier na Hungria (considerando 1675 da decisão controvertida). |
114. |
Em quarto lugar, também não é compreensível por que razão o Tribunal Geral atribuiu uma importância primordial à injunção obtida pela Servier contra a Krka perante o juiz britânico em 3 de outubro de 2006, mas nem sequer referiu, na parte em causa do acórdão recorrido, consagrada ao objeto dos acordos Krka, que um pedido semelhante de injunção pela Servier contra a Krka tinha sido indeferido na Hungria em 13 de outubro de 2006 ( 70 ). |
115. |
No n.o 1155 do acórdão recorrido, na parte consagrada aos efeitos dos acordos Krka, o Tribunal Geral afastou este elemento por se tratar de um processo que não dizia respeito a um dos países nos quais a Comissão tinha constatado uma restrição da concorrência por efeito [a França, os Países Baixos e o Reino Unido (v. n.o 39, supra)]. Ora, este argumento não é pertinente para explicar a razão pela qual esse sucesso contencioso da Krka não teria influenciado a sua perceção da validade da patente 947 e da sua posição contenciosa relativa a esta patente, quando, segundo o Tribunal Geral, a injunção obtida pela Servier no Reino Unido teria tido um efeito tão determinante sobre a perceção da Krka. Como a Comissão explicou, com a ajuda de exemplos, nos considerandos 1690 e 1697 da decisão controvertida, uma contestação bem‑sucedida numa instância podia conduzir a uma série de contestações noutras instâncias. Isto é confirmado pelos processos conduzidos pela Apotex e pela sua filial neerlandesa, acima descritos nos n.os 23 a 25. |
116. |
Por outro lado, a indicação do Tribunal Geral, que figura no n.o 968 do acórdão recorrido, na sua versão em língua francesa que faz fé, segundo a qual, com o Despacho de 3 de outubro de 2006, o juiz britânico «deferiu o pedido de injunção provisória da Servier e indeferiu o pedido apresentado pela Krka em 1 de setembro de 2006», é enganosa. Neste número, o Tribunal Geral menciona apenas o facto de, em 1 de setembro de 2006, a Krka ter apresentado um pedido reconvencional de anulação da patente 947, o que sugere que foi este pedido a ser indeferido em 3 de outubro de 2006. Isto não corresponde, contudo, à realidade. O Tribunal Geral não especifica no referido número que a Krka apresentou igualmente, em 1 de setembro de 2006, um pedido de tramitação em processo sumário. Ora, foi apenas este pedido de tramitação em processo sumário que foi indeferido pelo juiz britânico no seu Despacho de 3 de outubro de 2006, por considerar que o exame da patente necessitava de um julgamento quanto ao mérito. Em contrapartida, o juiz não indeferiu de modo nenhum, nessa fase, o pedido reconvencional de anulação da patente 947 apresentado pela Krka, que continuou pendente até à extinção da instância na sequência do acordo de resolução amigável Krka (n.o 23 do acórdão recorrido e considerandos 904 e 1689 da decisão controvertida). Como a Comissão indicou nos seus articulados e na audiência no presente processo de recurso, o juiz tinha recomendado que o exame da patente quanto ao mérito fosse efetuado rapidamente e ordenou a tramitação acelerada, devendo o processo começar em 21 de fevereiro de 2007. |
117. |
Em quinto lugar, como a Comissão precisa, a interpretação avançada pelo Tribunal Geral segundo a qual a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e a injunção provisória concedida à Servier contra a Krka pelo juiz britânico em 3 de outubro de 2006 foram elementos determinantes para convencer a Krka da validade da patente 947 e da desistência dos seus esforços para entrar no mercado de forma independente está em contradição com outras afirmações do Tribunal Geral. |
118. |
Assim, nos n.os 366 a 370 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral explicou que essas injunções, devido ao seu caráter provisório, não impediam uma concorrência potencial de se desenvolver, que mesmo decisões quanto ao mérito tinham caráter provisório enquanto as vias de recurso não estivessem esgotadas, e que uma decisão que confirmava a validade de uma patente, como a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 (além de também ainda ser suscetível de recurso e ter, de resto, sido posteriormente anulada ( 71 )), não prejudicava de modo nenhum o caráter contrafeito ou não dos produtos genéricos que, segundo o seu titular, violavam a referida patente. |
119. |
Em sexto lugar, as explicações alternativas apresentadas pelo Tribunal Geral para justificar que os elementos que teve em conta na sua análise não infirmavam a constatação do alegado reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka não convencem. |
120. |
O Tribunal Geral considerou, nos n.os 1026 e 1162 do acórdão recorrido, que a circunstância de a Krka continuar a contestar as patentes da Servier e a comercializar o seu produto mesmo quando a validade da patente 947 tinha sido confirmada pela Divisão de Oposição do IEP não constitu[ía] um elemento determinante para concluir pela existência de uma restrição de concorrência por objeto, uma vez que tal manutenção, pela Krka, da pressão concorrencial exercida sobre a Servier pode ser explicada pela vontade da Krka, apesar dos riscos processuais que antecipava, de reforçar a sua posição nas negociações que poderia iniciar com a Servier com vista a chegar a um acordo de resolução amigável. |
121. |
Ora, a Comissão tem razão quando alega que, ao concluir desta forma, o Tribunal Geral procedeu a uma apreciação manifestamente errada do elemento factual correspondente à circunstância de a Krka ter continuado a contestar a patente 947 após a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006, sem ter em conta o conjunto de indícios já referido reunido pela Comissão e sem o confrontar com a plausibilidade da sua explicação alternativa. |
122. |
No entanto, à luz dos elementos de prova reunidos pela Comissão, resumidos no n.o 104, supra, nada permite sustentar a convicção do Tribunal Geral de que a Krka estava convencida da validade da patente 947 e só continuou a impugnar judicialmente a sua validade para melhorar a sua posição negocial com a Servier, sendo que o Tribunal Geral não apresenta nenhum indício do qual podia ter inferido esta interpretação. |
123. |
Além disso, como a Comissão acertadamente observa, o próprio Tribunal Geral entrou em contradição quando explicou, por um lado, nos n.os 963 e 965 a 968 do acórdão recorrido, que os litígios entre a Servier e a Krka eram verdadeiros, considerando simultaneamente, por outro lado, no n.o 1026 do acórdão recorrido, que a prossecução destes litígios pela Krka era apenas uma postura estratégica para melhorar a sua posição nas suas negociações com a Servier tendo em vista o acordo de resolução amigável. |
124. |
Em sétimo lugar, foi também após uma explicação não convincente que o Tribunal Geral afastou a objeção da Comissão, que figura nos considerandos 1747 a 1756 da decisão controvertida e foi recordada pela Comissão no âmbito do presente recurso, de que os conteúdos dos acordos de resolução amigável e de licença Krka não refletiam as posições e os riscos em matéria de patentes nos países abrangidos por estes acordos. A equivalente nacional da patente 947 não tinha sido concedida na Polónia, na República Checa e na Eslováquia ( 72 ), mas a Servier quis conceder uma licença para estes países. Segundo a Comissão, isto demonstra que o objeto desses acordos não era atingir um compromisso baseado nos méritos dessa patente, mas dividir e repartir os mercados apenas no interesse económico das partes. Os acordos não se basearam, assim «em diferenças de riscos em matéria de patentes para a Krka, mas em zonas de interesse económico, uma vez que a Letónia e a Eslováquia fazem parte dos mercados‑chave da Krka». |
125. |
O Tribunal Geral não teve em conta esta objeção e limitou‑se a abordar esta temática nos n.os 1007 a 1009 e 1027 do acórdão recorrido, em que considerou que o acordo de licença Krka teve um efeito favorável na concorrência nestes sete mercados, embora as equivalentes nacionais da patente 947 ainda não tivessem sido concedidas em alguns dos referidos mercados, pelo que a Krka não necessitava de uma licença para entrar nos mesmos. Segundo o Tribunal Geral, a licença teve, no entanto, o efeito benéfico de evitar à Krka um risco de um posterior contencioso, na hipótese de as patentes virem a ser concedidas à Servier nestes mercados. Ora, esta argumentação é insuficiente não só para demonstrar alegados efeitos pró‑concorrenciais da licença ( 73 ) mas também para infirmar a interpretação da Comissão segundo a qual os acordos Krka não se baseavam na perceção pelas partes dos riscos em matéria de patentes nos diferentes mercados em causa. |
126. |
Por último, em oitavo lugar, não pode ser aceite a consideração do Tribunal Geral, que figura, em substância, nos n.os 943 a 947, 963, 965 a 972, 1030 e 1157 do acórdão recorrido, segundo a qual a própria celebração do acordo de licença Krka confirmava que a Krka reconhecia a validade da patente 947. |
127. |
O Tribunal Geral fundamentou esta conclusão, nos n.os 947, 1030 e 1157 do acórdão recorrido, indicando que a celebração de um acordo de licença, que, para qualquer licenciado, apenas tem razão de ser se a licença for efetivamente explorada, tem como fundamento o reconhecimento pelas partes da validade da patente. Ora, do facto de um acordo de licença se fundar, em princípio ou como regra geral, no reconhecimento da patente subjacente, deduzir que, num caso concreto, as partes em tal acordo reconhecem forçosamente a validade da patente em causa, assemelha‑se a um raciocínio circular. Além disso, a aplicação do direito da concorrência da União ficaria gravemente comprometida se as partes em acordos anticoncorrenciais pudessem subtrair‑se à aplicação do artigo 101.o TFUE dando simplesmente uma determinada forma a esses acordos ( 74 ). |
128. |
Uma vez que a forma que um acordo reveste não pode ser decisiva, incumbe por conseguinte, como resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 92 a 96, ao abrigo das regras pertinentes em matéria de produção de prova, à Comissão e ao juiz da União basearem‑se num conjunto de provas pertinentes, convergentes e convincentes para demonstrar que, no caso concreto, o acordo em causa deve ser qualificado de restrição da concorrência por objeto. |
129. |
Ora, no caso em apreço, contrariamente ao que indicou o Tribunal Geral nos n.os 1018, 1019 e 1025 do acórdão recorrido, resulta do exame precedente que a Comissão tinha efetivamente reunido esse conjunto de indícios para demonstrar que, à data da celebração dos acordos de resolução amigável e de licença Krka, a Krka não estava convencida da validade da patente 947 e estava, pelo contrário, determinada a prosseguir a sua contestação e a tentar entrar ou manter‑se no mercado apesar desta patente. O Tribunal Geral sustentou erradamente, nos referidos números, que as provas reunidas pela Comissão eram fragmentadas e ambíguas, sem ter examinado todas as referidas provas e tendo procedido a uma apreciação manifestamente errada das provas por ele examinadas, escolhidas de forma seletiva. |
– Conclusão intercalar
130. |
Nestas condições, a Comissão tem razão ao sustentar que o Tribunal Geral violou os princípios que regem a produção de prova e a sua fiscalização jurisdicional no direito da União. Como foi recordado, segundo estes princípios, a apreciação das provas deve ser global e coerente e a sua fiscalização deve abranger todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE ( 75 ). |
131. |
No caso em apreço, o Tribunal Geral procedeu a uma apreciação manifestamente seletiva dos elementos dos autos, ao não ter em conta um grande número de provas pertinentes e ao propor interpretações não suportadas pelos autos e não convincentes das provas que tomou em consideração. A diferente perspetiva que o Tribunal Geral procurou dar aos factos demonstrados pela Comissão não permite, portanto, substituir a explicação da Comissão por outra explicação plausível desses factos. |
132. |
Resulta das considerações precedentes que o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado procedente. |
133. |
Atendendo à importância atribuída pelo Tribunal Geral à constatação — que se revelou infundada — do alegado reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka na análise do objeto anticoncorrencial dos acordos Krka, o mérito do primeiro fundamento de recurso implica, por si só, a anulação do acórdão recorrido na parte em que declarou que não estava demonstrado o caráter de restrição da concorrência por objeto dos referidos acordos. |
134. |
Todavia, é útil examinar igualmente os outros fundamentos de recurso apresentados pela Comissão relativos à análise pelo Tribunal Geral do objeto anticoncorrencial dos acordos Krka, nomeadamente com vista à avocação do processo pelo Tribunal de Justiça após a anulação do acórdão recorrido. |
ii) Quanto à licença como incentivo para a Krka aceitar as restrições da resolução amigável (segundo fundamento de recurso)
135. |
No âmbito do seu segundo fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito, desvirtuações de provas, insuficiências de fundamentação e contradições de fundamentos quando procedeu à análise do conteúdo e dos objetos do acordo de licença Krka como incentivo para esta aceitar as restrições contidas no acordo de resolução amigável Krka. |
136. |
Nos considerandos 1738 e seguintes da decisão controvertida, a Comissão considerou que a licença concedida à Krka pela Servier nos sete mercados da Europa central e oriental tinha constituído um incentivo significativo para que a Krka aceitasse, através do acordo de resolução amigável, não fazer concorrência à Servier nos restantes 18/20 mercados da União. |
137. |
Segundo a Comissão, a licença constituía um incentivo significativo para que a Krka aceitasse estas restrições porque, em primeiro lugar, dizia respeito aos mercados históricos da Krka na União, onde obtinha as suas mais fortes margens, em segundo lugar, porque lhe oferecia a garantia de que a Servier deixaria de a ameaçar com a invocação da patente 947 e, em terceiro lugar, porque se tratava de uma licença única que estabelecia um duopólio de facto entre a Servier e a Krka nos sete mercados em causa. A Krka obteve assim a certeza de assegurar as suas vendas graças à licença e de gerar lucros elevados graças à pressão concorrencial limitada nos referidos mercados. A Krka calculou que o valor em termos monetários das vantagens concedidas excedia 10 milhões de euros (considerandos 1738 a 1742 da decisão controvertida). |
138. |
Por seu turno, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 948 a 952 do acórdão recorrido, que, como se justificava, em princípio, associar um acordo de licença, que se baseia no reconhecimento da validade da patente, a um acordo de resolução amigável que continha cláusulas de não comercialização e de não contestação, tal associação não constituía um «indício sério» de um pagamento compensatório. Incumbia assim à Comissão, para demonstrar que um acordo de licença associado a um acordo de resolução amigável, na realidade, oculta um pagamento compensatório do titular da patente a favor da sociedade de genéricos, demonstrar que a remuneração paga pela referida sociedade ao referido titular no âmbito deste acordo de licença é anormalmente baixa e que este acordo não é, portanto, celebrado nas condições normais do mercado. |
139. |
Nos n.os 975 a 984 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que, no caso em apreço, o montante da taxa devida pela Krka à Servier no âmbito do acordo de licença Krka não era anormalmente baixo e a Comissão não tinha demonstrado que este acordo não constituía uma transação celebrada em condições normais de mercado. Segundo o Tribunal Geral, a Comissão não demonstrou, portanto, a existência de um pagamento compensatório constitutivo de um incentivo no âmbito dos acordos de resolução amigável e de licença Krka. |
140. |
A título preliminar, importa precisar que, contrariamente ao que a Servier insinua, a questão de saber se o Tribunal Geral concluiu corretamente que o conjunto de contratos constituído pelos acordos de resolução amigável e de licença Krka não envolvia uma transferência de valor por parte da Servier em proveito da Krka, sendo que a única contrapartida por parte da Krka era o seu compromisso de não concorrência, não diz respeito a apreciações factuais que, salvo em caso de desvirtuação, são da exclusiva competência do Tribunal Geral. Esta questão diz respeito, pelo contrário, à qualificação jurídica pelo Tribunal Geral dos factos pertinentes e às consequências jurídicas que o mesmo deles retirou, sendo abrangida pela fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral ( 76 ). |
141. |
Como o Tribunal de Justiça declarou ( 77 ), acordos de resolução amigável como o que está em causa no caso em apreço constituem restrições da concorrência por objeto se resultar de todos os elementos disponíveis que o saldo positivo das transferências de valores, monetários ou não, do fabricante de medicamentos originais em proveito da sociedade de genéricos se explica unicamente pelo interesse comercial destas partes em não concorrerem pelos seus méritos. Para examinar se é esse o caso, há que apreciar se o saldo positivo das transferências de valores do fabricante de medicamentos originais em proveito da sociedade de genéricos se pode justificar pela existência de eventuais contrapartidas diferentes da abstenção de concorrência. Em caso de resposta negativa, há que determinar se esse saldo positivo é suficientemente importante para incentivar efetivamente a sociedade de genéricos em causa a renunciar a entrar ou a tentar entrar no mercado em causa. |
142. |
Ora, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no acórdão recorrido, a Comissão demonstrou na decisão controvertida que era efetivamente esse o caso do conjunto de contratos constituído pelos acordos de resolução amigável e de licença Krka. |
143. |
Como salienta, em substância, a Comissão, a análise do Tribunal Geral a este respeito enferma de três erros. Antes de mais, o Tribunal Geral não retirou a conclusão que se impunha atendendo ao facto de que a licença concedida pela Servier à Krka nos sete mercados da Europa central e oriental constituía a contrapartida do compromisso da Krka de não fazer concorrência à Servier nos restantes 18/20 mercados da União. Seguidamente, o Tribunal Geral centrou‑se no nível de royalties da licença e no facto de esta ter sido celebrada em condições normais de mercado, sem ter em conta o esquema contratual constituído pelos acordos de resolução amigável e de licença Krka na sua globalidade, os seus objetos e o seu contexto. Por último, deste modo, o Tribunal Geral não reconheceu que a licença implicava uma transferência de valor significativa por parte da Servier em proveito da Krka. |
144. |
Como a Comissão indica, estes erros provêm, nomeadamente, do facto de a análise do Tribunal Geral assentar na ficção de uma resolução amigável baseada nos méritos da patente subjacente e de uma licença separada celebrada em condições de mercado. Ora, ao basear‑se, implicitamente, nessa ficção, o Tribunal Geral ignorou os princípios que, todavia, afirmou no acórdão recorrido, segundo os quais, para determinar se um acordo tem um objeto anticoncorrencial, há que atender ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir e ao contexto económico e jurídico em que se insere ( 78 ). |
– Quanto à licença como contrapartida do compromisso de não concorrência
145. |
Em primeiro lugar, a análise do Tribunal Geral contém uma contradição no n.o 1029 do acórdão recorrido. O Tribunal Geral considerou aí que o facto incontestado de que a licença constituía uma condição para que a Krka aceitasse as cláusulas de não comercialização e de não contestação do acordo de resolução amigável [tendo a Krka indicado que tinha «sacrificado» os mercados da Europa ocidental a favor dos mercados da Europa central e oriental (considerando 1748 da decisão controvertida)], «não permit[iam] demonstrar que o acordo de licença não constitui uma transação concluída em condições normais de mercado». |
146. |
Ora, um acordo nos termos do qual o titular de uma patente concede a uma sociedade de genéricos uma licença em determinados mercados, mas cuja contrapartida não são (ou não são apenas) os royalties pagos por esta sociedade de genéricos por essa concessão, mas o compromisso desta sociedade de não concorrer com o titular da patente noutros mercados, não pode ser qualificado de transação concluída em condições normais de mercado. Não corresponde às condições normais de mercado que a contrapartida de uma licença em certos mercados seja constituída por um compromisso de não concorrência noutros mercados, sobretudo se esse acordo não for justificado por diferenças quanto à situação subjacente em matéria de patentes. |
147. |
Tal esquema contratual, que implica uma transferência de valor por parte do titular da patente a favor da sociedade de genéricos, constituída pela concessão da licença em certos mercados, por um lado, e um compromisso por parte da referida sociedade para não fazer concorrência ao referido titular noutros mercados, por outro, deve ser analisado através da grelha de análise estabelecida pelo Tribunal de Justiça, indicada no n.o 141, supra, para determinar se a transferência de valor por parte do titular da patente a favor da sociedade de genéricos tem outra contrapartida por parte desta, além do seu compromisso de não concorrência. |
148. |
Como acertadamente alega a Comissão, contrariamente ao que sugerem, nomeadamente, os n.os 943, 956, 963 e 974 do acórdão recorrido, não há nenhuma razão para nos afastarmos desta grelha de análise no caso em apreço pelo facto de o acordo celebrado ter revestido a forma de uma licença e a transferência de valor uma forma não monetária, a saber, a cessão pela Servier à Krka de uma parte das suas quotas de mercado nos mercados abrangidos pela licença. Como já foi indicado nos n.os 127 e 128, supra, a aplicação do direito da concorrência da União ficaria gravemente comprometida se as partes em acordos anticoncorrenciais pudessem subtrair‑se à aplicação do artigo 101.o TFUE dando simplesmente uma determinada forma a esses acordos. O que é decisivo não é a forma que um acordo reveste, mas a questão de saber se o conteúdo, os objetivos e o contexto de um acordo revelam que o mesmo tem por objeto restringir a concorrência. |
149. |
Por conseguinte, as circunstâncias, evocadas nos n.os 943 a 948, 953 e 963 a 969 do acórdão recorrido, de que havia verdadeiros litígios em matéria de patentes em curso entre a Servier e a Krka e de que a licença tinha uma ligação com estes litígios, não impediam esse acordo de revestir caráter anticoncorrencial, como a Comissão explicou acertadamente no considerando 1709 da decisão controvertida. Isto é ainda mais válido na medida em que já foi demonstrado, nos n.os 124 e 125, supra, que os conteúdos dos acordos de resolução amigável e de licença Krka não refletiam as posições e os riscos em matéria de patentes nos países abrangidos por estes acordos. Por conseguinte, não se afigura que estes acordos de resolução amigável e de licença tenham refletido um compromisso relativo à situação subjacente em matéria de patentes ( 79 ). |
– Quanto ao caráter incentivador da licença
150. |
Em segundo lugar, ao confrontar a análise que o Tribunal Geral fez dos acordos de resolução amigável e de licença Krka com a grelha de análise e com os princípios indicados nos n.os 141 e 144, supra, afigura‑se que a Comissão tem razão ao sustentar que, nos n.os 963, 973 a 984 e 1029 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral atribuiu demasiada importância à questão de saber se a própria licença, considerada independentemente do acordo de resolução amigável, correspondia às condições normais de mercado e se o nível dos royalties era anormalmente baixo. |
151. |
Como a Comissão acertadamente alega, não é pertinente analisar esta questão de forma isolada. Isto porque, ao proceder a uma análise global dos acordos de resolução amigável e de licença, afigura‑se que a concessão da própria licença (independentemente do nível da taxa e da questão de saber se correspondia às condições normais de mercado) constituiu a contrapartida oferecida pela Servier à Krka pelo compromisso desta última de não fazer concorrência nos 18/20 mercados da Europa ocidental abrangidos pela resolução amigável. O acordo de resolução amigável Krka não menciona outros custos ou prestações por parte da Krka em benefício da Servier que pudessem explicar a razão pela qual a Servier concedeu à Krka uma licença (considerandos 1706 e 1735 e nota 2354 da decisão controvertida). |
152. |
O contexto dos acordos de resolução amigável e de licença Krka, que estavam intrinsecamente ligados (considerandos 1701 a 1704, 1710, 1745 e 1746 da decisão controvertida), o objeto destes acordos e as intenções das partes, destacados pela Comissão nos considerandos 1670 a 1763 da decisão controvertida, revelam as verdadeiras razões e o funcionamento da repartição dos mercados da União efetuada pela Servier e pela Krka e do duopólio estabelecido entre estes dois operadores nos sete mercados abrangidos pela licença. Estes elementos, insuficientemente tomados em conta pelo Tribunal Geral, demonstram que a licença concedida à Krka era a contrapartida do compromisso de não concorrência contido na resolução amigável. |
153. |
A Krka era o concorrente potencial da Servier mais avançado para o fornecimento de perindopril na União, nomeadamente nos maiores mercados da Servier a nível mundial, como a França e o Reino Unido. Além disso, a Krka já era um concorrente efetivo em alguns dos sete mercados abrangidos pela licença que representavam os seus mercados históricos e onde beneficiava de uma presença comercial importante (considerandos 1673, 1674, 1676, 1681, 1716, 1721, 1738 e 1740 da decisão controvertida). Por conseguinte, não se afigura plausível que a Krka tivesse renunciado à sua presença nestes mercados e à sua determinação em tentar entrar nos outros mercados da União contra um pagamento monetário, como as outras sociedades de genéricos com as quais a Servier celebrou acordos de resolução amigável. |
154. |
Como já tivemos ocasião de demonstrar, uma transferência de valor sob a forma de uma presença num mercado autorizada pelo titular da patente traz uma mais‑valia a uma sociedade de genéricos em comparação com uma simples transferência monetária. Esta mais‑valia consiste na possibilidade de distribuir o seu próprio produto e de criar ou conservar a sua clientela, as suas redes de distribuição e a sua imagem de marca ( 80 ). Isto é ainda mais importante num mercado de «genéricos de marcas», em que as receitas médicas não se referem à denominação comum internacional de um medicamento, ou seja, à sua molécula ou ao seu princípio ativo, mas à marca dos medicamentos, pelo que as sociedades de genéricos têm necessidade de promover as suas próprias marcas. Ora, era esse o caso nos mercados abrangidos pelo acordo de licença Krka (considerando 1726 da decisão controvertida). |
155. |
Não podendo eliminar totalmente a Krka do mercado, como as outras sociedades de genéricos com as quais celebrou acordos, a Servier propôs‑lhe, assim, uma parte da renda de monopólio gerada precisamente pela eliminação dos outros concorrentes genéricos potenciais e do risco de uma abertura do mercado aos genéricos, que teria tido como consequência uma importante queda dos preços. Graças à eliminação deste risco e à entrada controlada da Krka apenas numa parte do mercado, a Servier e a Krka puderam conservar preços mais elevados e margens muito mais importantes do que em caso de abertura do mercado aos genéricos (considerandos 1721, 1724, 1728 a 1730 e 1819 da decisão controvertida). Como a Comissão alega, sem a contrapartida do compromisso de não concorrência nos mercados não abrangidos pela licença, a Servier não tinha motivo para conceder à Krka uma licença que lhe tinha recusado no passado. |
156. |
Para a Krka, uma entrada apenas numa parte do mercado, concertada com a Servier, associada à certeza de que a Krka e a Servier continuariam a ser os únicos operadores no mercado e que não haveria outros operadores genéricos a entrar ( 81 ), era finalmente melhor do que continuar a contestar a posição da Servier em toda a União. A razão era, nomeadamente, que uma vitória no contencioso em matéria de patentes e uma entrada independente no mercado teriam aberto o mercado a todas as sociedades de genéricos, o que teria levado a uma queda drástica dos preços e uma concorrência entre estas diferentes sociedades. Foi por isso que, em discussões internas da Krka que datam de agosto/setembro de 2005 e de abril de 2006, para as quais a Comissão remete no presente processo de recurso e que não foram tidas em conta pelo Tribunal Geral, se indicou que uma anulação da patente 947 «[abriria] infelizmente o mercado a toda a gente», e que «uma oposição bem‑sucedida abre, com efeito, o mercado a toda a gente» (considerandos 844, 874, 914, 1759 e 1763 da decisão controvertida). |
157. |
Por último, para a Krka, a oferta que lhe foi feita pela Servier de ser a primeira e única sociedade de genéricos a manter‑se ou entrar numa parte do mercado era, portanto, preferível, tanto mais que, graças aos acordos com a Servier, esta entrada era certa, ao passo que a continuação do contencioso e do projeto de uma entrada independente nos mercados onde ainda não estava presente comportava riscos e necessitava de investimentos e de recursos ( 82 ). O facto de os lucros que a Krka podia retirar da licença corresponderem aos lucros que poderia ter esperado nos três maiores mercados da Europa ocidental, aos quais renunciou, confirma esta leitura (considerandos 1733, 1739 a 1744, 1748, 1753 a 1756 e 1760 bem como notas 2348 e 2368 da decisão controvertida). |
158. |
Uma análise global dos acordos de resolução amigável e de licença Krka bem como do seu contexto, constituído, nomeadamente, pelos acordos celebrados pela Servier com as outras sociedades de genéricos e pela estratégia global antigenéricos da Servier (v., nomeadamente, considerandos 4 a 9, 1819, 2774, 2919, 2929 e 2932 da decisão controvertida), confirma, portanto, que os acordos Krka constituíam uma «atividade conjunta [por parte da Servier e da Krka] com vista a controlar o mercado», nos termos de uma mensagem de correio eletrónico da Krka datada de 29 de setembro de 2005. A Krka contemplou, de resto, a celebração de um acordo com a Servier, relativo à patente 947, em discussões internas datadas de abril de 2006, para as quais a Comissão remete no presente processo de recurso (considerandos 849, 853, 873, 874, 1759, 1760 e 1763 da decisão controvertida). Estes elementos também não foram tomados em conta pelo Tribunal Geral. |
159. |
Daqui resulta que a Comissão tinha razão ao concluir, no considerando 1745 da decisão controvertida, que, embora uma licença pudesse ser um meio legítimo para o titular de uma patente conceder aos outros agentes no mercado o direito de explorar o know‑how protegido pela patente, o acordo de licença Krka tinha sido problemático porque tinha servido de incentivo para obter restrições de concorrência nos 18/20 mercados não abrangidos pela licença enquanto parte do acordo de repartição do mercado. A apreciação dos elementos apresentados pela Comissão, efetuado nos n.os 145 a 158, supra, demonstrou que a Comissão constatou que tinha havido uma transferência de valor da Servier para a Krka no âmbito do acordo de licença Krka, constituída pelas quotas de mercado cedidas pela Servier à Krka, e que esta transferência de valor tinha como contrapartida o compromisso da Krka de não fazer concorrência à Servier nos restantes mercados da União, não abrangidos por este acordo de licença. |
– Quanto à quantificação do valor transferido para a Krka através da licença
160. |
A este respeito, em terceiro lugar, a Comissão tem igualmente razão ao alegar que o Tribunal Geral, ao concentrar‑se, nos n.os 963, 973 a 984 e 1029 do acórdão recorrido, no caráter anormalmente baixo ou não da taxa devida no âmbito do acordo de licença Krka, não analisou se o saldo líquido da transferência de valor efetuada pela Servier em proveito da Krka no âmbito do referido acordo era suficientemente importante para ter incitado efetivamente a Krka a renunciar a entrar ou a tentar entrar nos mercados não abrangidos pela licença. |
161. |
Importa recordar que a Krka estimou o valor comercial da licença, ou seja, o valor da sua presença nos mercados duopolísticos abrangidos pela licença, em mais de 10 milhões de euros em três anos (considerandos 1738 e 3162 e nota 4112 da decisão controvertida). A Comissão estimou que a margem operacional que a Servier sacrificou em proveito da Krka no âmbito da licença era ainda mais elevada (considerando 1739 da decisão controvertida). |
162. |
O montante dos royalties devidos pela Krka à Servier pela exploração da licença foi fixado em 3 % do montante líquido das vendas da Krka nos mercados abrangidos pela licença (considerando 910 da decisão controvertida). Os royalties ascenderam a cerca de 1,1 milhões de euros durante um período de quatro anos para um volume de negócios de cerca de 30 milhões de euros (considerando 1739 e nota 2350 da decisão controvertida). |
163. |
Resulta destes números que o saldo líquido do valor transferido pela Servier para a Krka no âmbito do acordo de licença Krka ascendia aproximadamente a, pelo menos, quase nove milhões de euros em termos de valor da licença para a Krka, se se presumir que os 10 milhões de euros de lucro estimados pela Krka não tinham ainda em conta os custos dos royalties. Em termos de margem sacrificada pela Servier, mais elevada do que os lucros da Krka em razão dos preços mais elevados da Servier (considerando 1739 da decisão controvertida), o montante do saldo líquido do valor transferido pela Servier para a Krka no âmbito da licença seria ainda mais elevado. |
164. |
Nos n.os 977 a 981 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que não é necessariamente anormal que o nível de um excedente de exploração ultrapasse largamente o nível da taxa de uma licença, que a taxa represente apenas uma pequena parte das margens do licenciado e que esse nível seja calculado com base no preço de venda do produto desse licenciado. Além disso, a licença não era exclusiva, o que limitava o seu caráter vantajoso para a Krka. |
165. |
Ora, estas considerações gerais não permitem afastar a constatação de que, concretamente, no caso em apreço, os quase nove milhões de euros [em termos de valor da licença para a Krka (v. n.o 163, supra)] transferidos pela Servier para a Krka não se explicam por nenhuma outra contrapartida da Krka senão o seu compromisso de não fazer concorrência à Servier nos 18/20 mercados da União não abrangidos pelo acordo de licença Krka. O Tribunal Geral, embora mencionando, em diferentes passagens do acórdão recorrido, o nível de royalties de 3 % (n.os 975, 977, 983 e 1029 do acórdão recorrido), por um lado, e a estimativa pela Krka dos lucros decorrentes da licença em 10 milhões de euros (n.o 1000 do acórdão recorrido), por outro, não associou manifestamente estes números para determinar o saldo líquido do valor transferido pela Servier para a Krka e para analisar se esse saldo podia ser explicado de outro modo que não fosse o compromisso de não concorrência da Krka no âmbito do acordo de resolução amigável Krka. |
166. |
Contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral no n.o 983 do acórdão recorrido, a declaração de que a transferência de valor efetuada pela Servier em proveito da Krka nos termos do acordo de licença não podia ser explicada por considerações limitadas ao valor económico da patente objeto da licença, não foi, portanto, posta em causa. O Tribunal Geral não invalidou a declaração da Comissão no considerando 1739 da decisão controvertida, segundo a qual, se o acordo de licença Krka tivesse sido negociado sem considerações adicionais relacionadas com os mercados não abrangidos pela licença, uma concessão racional de licença por um titular de uma patente estabelecido no mercado teria pelo menos sido acompanhada de uma taxa próxima das margens de lucro perdidas nas vendas captadas pelo beneficiário da licença. |
167. |
Como a Comissão salienta acertadamente, as considerações do Tribunal Geral não têm em conta que a perda de margem sofrida pela Servier constituía uma transferência de valor líquida da Servier para a Krka, que o facto de a taxa representar uma pequena proporção dos lucros da Krka nos países abrangidos pela licença demonstra que a licença tinha um valor suficientemente importante para convencer a Krka a abandonar os outros 18/20 mercados da União, e que o facto de a licença não ser juridicamente exclusiva não impediu que conferisse à Krka um duopólio de facto com a Servier, garantindo uma vantagem concorrencial significativa e uma repartição dos lucros ( 83 ) (considerandos 913 e 1738 a 1742 da decisão controvertida). |
168. |
Ao não tomar devidamente em conta o objeto dos acordos de resolução amigável e de licença Krka na globalidade, revelados pelo contexto destes acordos, acima exposto nos n.os 145 a 158, o Tribunal Geral não se limitou a recusar reconhecer que o valor transferido pela Servier para a Krka a título da licença era constituído pelas margens sacrificadas pela Servier em proveito da Krka nos mercados abrangidos pela mesma. Mais ainda, o Tribunal Geral recusou reconhecer que este valor decorria também do facto de a Servier ter garantido à Krka que esta podia manter preços elevados graças ao duopólio estabelecido entre estes dois operadores e ao encerramento do mercado aos outros concorrentes genéricos. O valor transferido pela Servier para a Krka consistia igualmente, portanto, na preservação desta situação. Nos termos do esquema contratual entre a Servier e a Krka, a Krka permitiu à Servier manter o seu monopólio nos mercados não abrangidos pela licença e em troca, a Servier partilhou a sua renda de monopólio com a Krka nos mercados abrangidos por esta licença. |
169. |
Daqui resulta que as alegações da Comissão contra as considerações do Tribunal Geral, expostas nos n.os 992 a 997 do acórdão recorrido, devem igualmente ser acolhidas. |
170. |
Nos referidos números, o Tribunal Geral explicou que a análise da Comissão segundo a qual a licença concedida à Krka nos sete mercados da Europa central e oriental tinha constituído um incentivo para o seu compromisso de não concorrer com a Servier nos restantes 18/20 mercados da União não podia ser acolhida. Segundo o Tribunal Geral, aderir a esta tese significaria que quanto maior fosse o âmbito de aplicação do acordo de licença, maior seria o incentivo e mais fácil seria, portanto, declarar uma restrição da concorrência por objeto. Ora, isso estaria em contradição com o facto de uma licença ser, por natureza, pró‑concorrencial. Além disso, aderir à análise da Comissão significaria que, quando associa um acordo de resolução amigável a um acordo de licença, o titular de uma patente tem a obrigação de conceder uma licença em todo o território abrangido pelo acordo de resolução amigável. Ora, isso não respeitaria os seus direitos de patente. |
171. |
Estas considerações gerais não são suscetíveis de revelar um erro cometido pela Comissão na análise dos acordos Krka. Esta análise concentra‑se no objeto e nas condições específicas e concretas dos referidos acordos, que revelam que, nas circunstâncias do caso em apreço, o acordo de licença Krka constituiu a contrapartida do compromisso de não concorrência ao abrigo do acordo de resolução amigável Krka. A única implicação desta constatação para acordos futuros é que estes serão anticoncorrenciais se a sua análise revelar que existe uma transferência de valor significativa por parte do titular de uma patente em proveito de um concorrente genérico potencial, que não se explica de outra forma que não seja o compromisso deste último de não fazer concorrência ao primeiro. |
172. |
Por fim, a este respeito, a última alegação da Comissão no âmbito do presente fundamento de recurso, formulada contra as conclusões do Tribunal Geral que figuram no n.o 998 do acórdão recorrido, deve igualmente ser acolhida. Nesse número, o Tribunal Geral considerou que um acordo de licença «assimétrico» como o que está em causa, que não abrangia todo o território abrangido pelo acordo de resolução amigável, não constituía um incentivo suficiente para que a sociedade de genéricos se submetesse às restrições deste acordo de resolução amigável. Segundo o Tribunal Geral, para que tal acordo possa ser considerado incentivador, «deve oferecer a esta sociedade uma compensação pela perda certa dos lucros esperados, resultante da aceitação de uma resolução amigável que inclui cláusulas que lhe proíbem a entrada em algumas partes geográficas do mercado». |
173. |
Ao fazer esta afirmação, o Tribunal Geral não só cometeu o mesmo erro que o referido no n.o 168, supra, mas ignorou igualmente o contexto, em matéria de patentes, dos acordos em causa no caso em apreço, no qual a situação de concorrência potencial entre o titular da patente presente no mercado e os seus concorrentes genéricos potenciais que se preparam para nele entrar, se caracteriza precisamente por uma incerteza quanto à validade da patente e ao caráter contrafeito dos medicamentos genéricos ( 84 ). |
174. |
Em tal contexto, não se exige que a autoridade da concorrência demonstre que, na falta dos acordos, os concorrentes genéricos potenciais teriam certamente entrado no mercado e que, ao celebrarem os acordos, renunciaram a lucros certos. Basta que demonstre que, na falta dos acordos, esses concorrentes dispunham de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado e de nele realizar lucros ( 85 ). Ora, para que essas possibilidades reais e concretas se realizem, são necessários investimentos, esforços, e uma assunção de riscos por parte das sociedades de genéricos. Pode, portanto, revelar‑se comercialmente mais vantajoso para estas abandonarem os seus esforços a este respeito em contrapartida da concessão de uma parte da renda de monopólio pelo titular da patente ( 86 ). |
175. |
Por conseguinte, o Tribunal de Justiça reconheceu que, para caracterizar uma transferência de valor suficientemente incentivadora efetuada em troca de um compromisso de não concorrência num caso como o presente, não é de forma nenhuma exigido que as transferências de valores sejam necessariamente superiores aos benefícios que a sociedade de genéricos teria auferido se tivesse obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente. Importa apenas que essas transferências de valores sejam suficientemente elevadas para incentivar esta sociedade a renunciar à entrada no mercado em causa e a não concorrer com base no mérito com o fabricante de medicamentos originais em causa ( 87 ). Ora, resulta da apreciação do presente fundamento de recurso que a Comissão demonstrou precisamente que era o que tinha acontecido no caso em apreço. |
– Conclusão intercalar
176. |
Decorre das considerações precedentes que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando recusou reconhecer que o acordo de licença Krka continha uma transferência de valor por parte da Servier em proveito da Krka que constituiu a contrapartida do compromisso desta de não concorrer com a Servier nos mercados afetados pelo acordo de resolução amigável Krka. |
177. |
Por conseguinte, o segundo fundamento de recurso deve igualmente ser julgado procedente. |
178. |
À semelhança do que foi constatado, nos n.os 133 e 134, supra, quanto ao primeiro fundamento de recurso, deve igualmente precisar‑se a respeito do segundo fundamento de recurso que, embora a procedência deste justifique, por si só, a anulação do acórdão recorrido no que respeita à qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por objeto, é útil examinar os outros fundamentos de recurso da Comissão a este respeito, nomeadamente tendo em vista a posterior avocação do processo pelo Tribunal de Justiça. |
iii) Quanto à aplicação do conceito de restrição da concorrência por objeto (terceiro fundamento de recurso)
179. |
O terceiro fundamento de recurso da Comissão é relativo a vários erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na aplicação do conceito de restrição da concorrência por objeto. |
180. |
Como para os dois primeiros fundamentos de recurso, importa também neste caso precisar a título preliminar que, contrariamente ao que a Servier sustenta, as alegações apresentadas pela Comissão no âmbito do presente fundamento de recurso não dizem respeito à apreciação dos factos pelo Tribunal Geral, mas à sua qualificação jurídica e à aplicação das regras relativas à produção de prova. Ora, a fiscalização do mérito desta qualificação jurídica e do respeito destas regras é da competência do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral ( 88 ). |
– Quanto à inexistência de repartição «estanque» dos mercados
181. |
Em primeiro lugar, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, nos n.os 1003 a 1006 do acórdão recorrido, que os acordos Krka não podiam ser qualificados de acordos de partilha de mercado porque não estabeleciam uma repartição «estanque» dos mercados entre a Servier e a Krka. O Tribunal Geral chegou a essa conclusão pelo facto de a Servier não estar excluída dos sete mercados abrangidos pelo acordo de licença Krka nos quais a Servier e a Krka concorriam entre si. |
182. |
Ora, como acertadamente sustente a Comissão, esta circunstância não obsta de modo algum à qualificação dos acordos Krka como acordos de repartição do mercado. Conforme foi acima analisado nos n.os 141 a 176, no âmbito da apreciação do segundo fundamento de recurso, a Comissão demonstrou que os acordos de resolução amigável e de licença Krka tinham por objeto incentivar a Krka, através de uma transferência de valor significativa constituída pelo acordo de licença Krka, que lhe permitia uma presença sem riscos e uma partilha da renda de monopólio com a Servier em sete mercados da União, a abster‑se de fazer concorrência à Servier nos restantes 18/20 mercados da União. |
183. |
Tal acordo deve ser qualificado de acordo de repartição de mercado, mesmo que a Servier não estivesse excluída dos sete mercados atribuídos à Krka pelo acordo de licença, nos quais os acordos Krka previam um duopólio de facto entre estes dois operadores. Isto é ainda mais válido na medida em que a análise demonstrou que a repartição dos mercados da União entre a Servier e a Krka não se alinhava por diferenças relativas à situação das patentes, mas correspondia a uma partilha de diferentes zonas de interesse económico ( 89 ). |
184. |
A jurisprudência relativa aos acordos de partilha de mercado não exige uma repartição «estanque» dos mercados para que um acordo possa ser qualificado como tal. O presente processo ilustra precisamente que os acordos de partilha de mercado podem revestir múltiplas formas. Por conseguinte, como a Comissão acertadamente observa, se a interpretação do Tribunal Geral nos n.os 1003 a 1006 do acórdão recorrido fosse aceite, acordos de partilha de mercado como os que estão em causa no caso em apreço escapariam à qualificação de restrição da concorrência por objeto, o que reduziria indevidamente o alcance do artigo 101.o TFUE e prejudicaria gravemente a aplicação do direito da concorrência da União ( 90 ). |
– Quanto às intenções das partes e às suas convicções quanto à validade da patente 947
185. |
Em segundo lugar, a Comissão coloca em causa o n.o 1012 do acórdão recorrido, por ter considerado que «[t]al conjunto contratual, baseado no reconhecimento da validade da patente, não pode ser […] qualificado como acordo de exclusão do mercado». A Comissão alega que o Tribunal Geral desvirtuou o sentido das provas relativas às convicções das partes quanto à validade da patente. Esta argumentação já foi analisada e considerada procedente, no que respeita à Krka, nos n.os 100 a 130, supra, no âmbito da apreciação do primeiro fundamento do recurso. |
186. |
No que diz respeito à Servier, a Comissão não refere provas que tenham sido desvirtuadas pelo Tribunal Geral, pelo que não compete ao Tribunal de Justiça procurar oficiosamente essas desvirtuações ( 91 ). Em qualquer caso, a Comissão salienta com razão que, mesmo que os acordos Krka tivessem sido baseados no reconhecimento pelas partes da patente 947, tais acordos não seriam, no entanto, excluídos do âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE se tivessem por objeto dividir o mercado. Isto é tanto mais válido quanto o Tribunal Geral baseou as suas constatações expostas no n.o 1012 do acórdão recorrido na falta de demonstração de um incentivo. Ora, foi destacado, nos n.os 141 a 176, supra, no âmbito da apreciação do segundo fundamento de recurso, que o Tribunal Geral concluiu erradamente que não existia incentivo oferecido pela Servier à Krka em troca do compromisso desta de não concorrência. |
187. |
De resto, para todos os efeitos úteis, pode observar‑se que, nos n.os 1020 a 1022 e 1024 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou dois elementos de prova relativos às intenções da Servier, circunstância que é revelada pela mera leitura destes números, mesmo que a este respeito a Comissão não alegue especificamente uma desvirtuação. Como foi indicado no n.o 96, supra, existe desvirtuação quando, sem recorrer a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigura manifestamente errada ( 92 ), pelo facto de o Tribunal Geral ter manifestamente ultrapassado os limites de uma apreciação razoável desses elementos de prova ( 93 ). |
188. |
Por um lado, nos n.os 1020 a 1022 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou a menção «quatro anos ganhos = grande sucesso» que figura numa ata de uma reunião da administração da Servier que faz referência ao acórdão britânico de 6 de julho de 2007, que declara a invalidade da patente 947 ( 94 ). Segundo o Tribunal Geral, mesmo admitindo que se pudesse deduzir deste documento, mencionado nos considerandos 4, 112, 184, 244, 804, 1762 e 2984 da decisão controvertida, que a direção da Servier tinha considerado, na sequência desse acórdão, que a patente 947 tinha tido o interesse de lhe permitir ganhar quatro anos suplementares de proteção, isso não permitia concluir que, em 27 de outubro de 2006, no momento da assinatura dos acordos de resolução amigável e de licença Krka, a Servier tinha a intenção de chegar a acordos de partilha ou de exclusão do mercado. |
189. |
Deste modo, o Tribunal Geral não tomou em consideração os outros elementos mencionados pela Comissão nos considerandos 4, 112, 184, 244, 804, 1762 e 2984 da decisão controvertida, segundo os quais, em 2007, a patente 947 (depositada em 2001 ( 95 )) poderia ter fornecido à Servier até 14 anos suplementares de proteção por patente (até 2021). Poderia esperar‑se, portanto, a deceção da Servier no momento do acórdão que declarou a invalidade desta patente no Reino Unido em 2007. Segundo a Comissão, o facto de a Servier, pelo contrário, se ter congratulado pelos «quatro anos ganhos» desde a expiração do certificado complementar de proteção relativo à patente sobre a molécula do perindopril no Reino Unido em 2003 ( 96 ), indica que a Servier se congratulou, com efeito, pelo sucesso da sua estratégia que consistia em atrasar a entrada dos genéricos na sequência da expiração da proteção conferida pela patente de molécula, estratégia que incluía, nomeadamente, o depósito da patente de processo 947 e a celebração de acordos com os seus concorrentes genéricos, entre os quais a Krka. |
190. |
Tendo em conta todos os elementos dos autos, nomeadamente os já referidos no n.o 158, supra, que confirmam esta leitura, afigura‑se, portanto, que o Tribunal Geral desvirtuou a menção «quatro anos ganhos = grande sucesso» da Servier, quando considerou que este elemento não podia confirmar a vontade da Servier de atrasar a entrada dos genéricos do perindopril no mercado através, nomeadamente, da celebração dos acordos com a Krka. |
191. |
Por outro lado, o Tribunal Geral desvirtuou, no n.o 1024 do acórdão recorrido, um documento da Servier, intitulado «Coversyl: defesa contra os genéricos», de 19 de junho de 2006, mencionado nos considerandos 7, 111, 141, 605, 803, 886, 1007, 1183, 1250, 1368, 1474, 1621, 1761, 1991, 2768, 2779, 2962 e 2981, bem como nas notas 2386 e 2430 da decisão controvertida. Segundo o Tribunal Geral, o facto de este documento ser anterior à Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 limita consideravelmente a sua pertinência, uma vez que esta decisão alterou substancialmente o contexto, nomeadamente no que respeita à perceção que a Krka e a Servier tinham da validade da patente 947 (n.o 1017 do acórdão recorrido). |
192. |
No entanto, já foi acima analisado, nos n.os 102 a 130, no âmbito da apreciação do primeiro fundamento de recurso, que a declaração do Tribunal Geral segundo a qual a referida decisão alterou substancialmente a perceção, pela Krka, da validade da patente 947 era infundada. O Tribunal Geral também não explicou as razões pelas quais, por um lado, a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 teria alterado substancialmente a perceção, pela Servier, desta validade e, por outro, a celebração dos acordos Krka após esta decisão, em 27 de outubro de 2006, não seria um elemento de implementação da estratégia antigenéricos da Servier prevista imediatamente antes. |
193. |
Além disso, também não se vislumbra a razão pela qual os acordos Krka não fariam parte da referida estratégia global pelo facto de o documento referido no n.o 191, supra, não mencionar expressamente uma estratégia relativa à Krka, como o Tribunal Geral sugeriu no n.o 1024 do acórdão recorrido. É manifesto que os acordos Krka faziam parte, como os acordos celebrados com as outras sociedades de genéricos, cujo caráter anticoncorrencial foi reconhecido pelo Tribunal Geral ( 97 ), da estratégia antigenéricos da Servier. Além disso, o Tribunal Geral não indicou que o documento em questão continha também a menção «Isto funcionou?», e indicava todos os acordos celebrados até à data da sua elaboração, apesar de mencionar a Krka entre as fontes de concorrência genérica que ainda subsistiam nesta fase. |
194. |
Por conseguinte, é manifesto que o Tribunal Geral desvirtuou igualmente este documento ao considerar que não confirmava a intenção da Servier de celebrar acordos anticoncorrenciais com a Krka. |
– Quanto ao duopólio de facto estabelecido pela licença
195. |
Em terceiro e quarto lugar, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 987 a 991 do acórdão recorrido, quando considerou que o duopólio de facto entre a Servier e a Krka, estabelecido nos sete mercados abrangidos pelo acordo de licença Krka, podia, quando muito, ser considerado resultado de escolhas posteriores da Servier e da Krka, imprevisíveis no momento da celebração do referido acordo. Segundo o Tribunal Geral, a tomada em consideração de tais escolhas posteriores assemelhava‑se à tomada em consideração dos efeitos do acordo, não exigida para a análise do seu objeto. Além disso, o alegado efeito potencial do acordo de licença Krka de ter conduzido a um duopólio entre a Servier e a Krka nos mercados em causa baseava‑se em circunstâncias hipotéticas e não objetivamente previsíveis no momento da celebração do acordo. |
196. |
Esta conclusão do Tribunal Geral é manifestamente errada. Resulta indubitavelmente da análise dos termos dos acordos Krka, bem como do contexto da sua celebração, efetuada nos n.os 145 a 147, 150 a 159 e 168, supra, que era evidente para a Servier e para a Krka que estes acordos se destinavam a organizar a estrutura dos mercados da União para reservar os 18/20 mercados não abrangidos pelo acordo de licença Krka para a Servier e os sete mercados abrangidos pela licença para a Servier e para a Krka. Os elementos de prova pertinentes, na globalidade, permitem claramente chegar a esta dedução, ao passo que a explicação alternativa do Tribunal Geral, segundo a qual a instauração do duopólio tinha resultado de escolhas posteriores, não previsíveis no momento da celebração dos acordos, carece de plausibilidade e de credibilidade. |
197. |
É decerto verdade que, nos termos do acordo de licença Krka, a Servier estava teoricamente autorizada a conceder outra licença a um terceiro por país (n.o 46 do acórdão recorrido e considerandos 910 e 1744 da decisão controvertida). No entanto, a Comissão demonstrou de forma convincente, tendo em conta o conjunto de elementos contextuais apresentados, que, na prática, era evidente para a Krka que a Servier não exerceria esta faculdade, pelo que os mercados abrangidos pela licença continuariam reservados à Servier e à Krka. |
198. |
Assim, por um lado, no momento da celebração dos acordos Krka, não estava prevista a entrada de outro operador genérico nestes mercados (considerandos 1739, 1742 e 1744 da decisão controvertida). Por outro lado, como se analisou nos n.os 155 a 158 e 168, supra, o esquema contratual entre a Servier e a Krka era justamente vantajoso para estes dois operadores porque lhes permitia manter os preços elevados, evitando a queda dos preços ocasionada pela abertura do mercado aos genéricos, e tirar proveito destes preços bem como de quotas de mercado elevadas (considerandos 1744 e 1755 da decisão controvertida). Por conseguinte, este esquema só podia funcionar sem a entrada de outros operadores genéricos no mercado. |
199. |
Contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral, a instauração de um duopólio de facto entre a Servier e a Krka nos mercados abrangidos pela licença não era, portanto, um efeito potencial hipotético dos acordos Krka, imprevisível no momento da celebração destes acordos, mas sim o cenário previsível e estabelecido por estes mesmos acordos. Por conseguinte, para efeitos da análise do objeto dos referidos acordos, a tomada em consideração da instauração deste duopólio não exige de modo nenhum a análise dos seus efeitos. |
200. |
De resto, a Comissão não está proibida de invocar circunstâncias factuais posteriores a um comportamento anticoncorrencial, na medida em que estas se destinam a confirmar o conteúdo de um elemento objetivo de prova ( 98 ). O facto de a Comissão, para corroborar a declaração de que o acordo de licença Krka tinha tido por objeto a instauração de um duopólio entre a Servier e a Krka nos mercados abrangidos pela licença, ter tido em conta a circunstância de a Servier não ter realmente concedido licenças a terceiros após a celebração dos acordos Krka, não significa, portanto, que a Comissão tenha procedido, quanto a este aspeto, a uma análise dos efeitos destes acordos. |
201. |
A atitude hostil e a falta de cooperação entre a Servier e a Krka nos mercados abrangidos pela licença, salientadas pela Comissão no considerando 1725 da decisão controvertida, não conduzem, contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral no n.o 991 do acórdão recorrido, a concluir pela inexistência de um duopólio entre a Servier e a Krka estabelecido nestes mercados. A Comissão demonstrou, nos considerandos 1728 e 1744 da decisão controvertida, que, não obstante o facto de a situação criada pela licença não excluir um certo grau de concorrência entre a Servier e a Krka, a concessão desta licença pela Servier à Krka não levou a uma situação em que os rendimentos da Servier e da Krka seriam significativamente afetados por uma concorrência efetiva, mas a um duopólio de facto com a Krka que a própria Servier tentou manter para preservar as suas fontes de rendimentos. |
202. |
Ora, isto corresponde às constatações efetuadas no n.o 155, supra, segundo as quais a licença era o preço a pagar pela Servier para que a Krka aceitasse não lhe fazer concorrência nos 18/20 mercados não abrangidos pela licença e deixasse de a ameaçar com um contencioso que podia potencialmente conduzir à abertura completa do mercado aos genéricos. |
203. |
Esta constatação é igualmente coerente com as explicações da Comissão que figuram no considerando 1725 da decisão controvertida, segundo as quais o acordo de licença Krka não previa uma parceria comercial entre a Servier e a Krka além do pagamento dos royalties. Pelo contrário, a Servier elaborou e implementou ações para enfrentar a penetração dos mercados pelos genéricos da Krka, por exemplo na Polónia, a fim de acompanhar a mudança da Servier para o perindopril arginina, não substituível pelo perindopril erbumina da Krka. Ora, esta mudança fez parte da estratégia antigenéricos da Servier, que consistia em obter um «evergreening» do perindopril (considerando 239 da decisão controvertida) ( 99 ). |
204. |
Resulta de todas as considerações que figuram nos n.os 195 a 203, supra, que as constatações do Tribunal Geral, expostas nos n.os 987 a 991 do acórdão recorrido, segundo as quais o objeto dos acordos Krka não era a instauração de um duopólio de facto entre a Servier e a Krka nos mercados abrangidos pela licença, enfermam de erro e não podem ser aceites. |
– Quanto a uma declaração da Lupin
205. |
Em quinto lugar, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao recusar reconhecer, no n.o 1023 do acórdão recorrido, que uma declaração feita pela Lupin no momento dos acordos Krka, referida no considerando 1730 da decisão controvertida, era suscetível de corroborar a declaração da Krka segundo a qual tinha «sacrificado» os mercados da Europa ocidental, relativamente aos quais se comprometeu a não fazer concorrência à Servier, em proveito dos sete mercados da Europa central e oriental, para os quais a Servier lhe concedeu a licença. |
206. |
Segundo a declaração da Lupin em questão, «[afigura‑se] que, do ponto de vista da Servier, a justificação desta resolução amigável seja a proteção dos mercados principais nos quais é constatada a prevalência de um nível elevado de substituição e/ou de uma prescrição de [denominação comum internacional] (RU/França) […] Ao permitir à Krka entrar nos mercados genéricos de marca da Europa central e oriental, a Servier gera uma concorrência de “marca” e uma erosão mais controlada, mas não conduz a uma passagem radical para os medicamentos genéricos». |
207. |
O Tribunal Geral, que apenas citou, no n.o 1023 do acórdão recorrido, a primeira parte desta declaração, considerou que esta não permitia concluir pela existência de uma intenção da Servier de adotar com a Krka acordos de partilha ou de exclusão do mercado. No entanto, a Comissão não recorreu à declaração da Lupin para demonstrar uma intenção da Servier, mas para afirmar que a perceção deste observador externo corroborava a constatação de que os acordos Krka tinham por objeto estabelecer uma partilha de mercado entre estes dois operadores. Ora, contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral, esta conclusão impõe‑se com evidência, como a Comissão constatou no considerando 1755 e na nota 2379 da decisão controvertida, onde observou que «o objetivo da transação era de tal modo evidente, que pôde ser observado por um concorrente sem conhecimento dos pormenores do acordo». |
208. |
Por conseguinte, a apreciação pelo Tribunal Geral da declaração da Lupin em questão é igualmente desvirtuada, uma vez que o Tribunal Geral excedeu manifestamente os limites de uma apreciação razoável do referido elemento de prova ( 100 ). |
– Quanto às Orientações de 2004 relativas aos acordos de transferência de tecnologia e ao Regulamento n.o 772/2004 relativo à aplicação do n.o 3 do artigo [101.o TFUE] a categorias de acordos de transferência de tecnologia
209. |
Em sexto lugar, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 248 e 958 do acórdão recorrido, ao fazer uma interpretação errada das Orientações de 2004 relativas aos acordos de transferência de tecnologia ( 101 ) e do Regulamento (CE) n.o 772/2004, de 27 de abril de 2004, relativo à aplicação do n.o 3 do artigo [101.o TFUE] a categorias de acordos de transferência de tecnologia ( 102 ), no sentido de que justificam a associação entre os acordos de resolução amigável e de licença Krka. Nos referidos números do acórdão recorrido, o Tribunal Geral explicou, em substância, que resultava dessas disposições que os acordos de resolução amigável e de licença podem, em princípio, ser legítimos e não constituem necessariamente infrações ao artigo 101.o TFUE. Ora, embora isso não seja contestado, é verdade que, como já foi constatado nos n.os 126 a 128, 148 e 149, supra, considerações gerais sobre a forma que revestiram os acordos em causa no caso em apreço não são pertinentes para determinar se esses acordos constituíram, concretamente e nas presentes circunstâncias, uma restrição da concorrência por objeto. |
– Conclusão intercalar
210. |
Decorre das considerações precedentes que, à semelhança dos primeiro e segundo fundamentos de recurso, o terceiro fundamento de recurso também é procedente. Os erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral, constatados no âmbito da apreciação deste fundamento de recurso, conjugados com os erros constatados em sede da apreciação dos primeiro e segundo fundamentos de recurso, bastariam para justificar a anulação da parte do acórdão recorrido consagrada ao objeto dos acordos Krka. No entanto, à semelhança do que foi observado após a apreciação dos primeiro e segundo fundamentos de recurso nos n.os 133, 134 e 178, supra, por razões de exaustividade e na perspetiva da avocação do processo pelo Tribunal de Justiça, cumpre examinar ainda os outros fundamentos de recurso apresentados pela Comissão contra a referida parte do acórdão recorrido, relativos à qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por objeto. |
iv) Quanto à intenção das partes (quarto fundamento de recurso)
211. |
No âmbito do seu quarto fundamento de recurso, a Comissão imputa ao Tribunal Geral erros de direito, omissões e desvirtuações, cometidos na aplicação dos princípios relativos à produção de prova e na apreciação das provas reunidas pela Comissão relativas às intenções das partes. As alegações apresentadas pela Comissão no âmbito do presente fundamento de recurso coincidem em grande medida com críticas que já foram examinadas e consideradas procedentes no âmbito da apreciação dos primeiro a terceiro fundamentos de recurso. |
212. |
A título preliminar, é útil observar que é decerto verdade que, como o Tribunal Geral recordou no n.o 222 do acórdão recorrido, a intenção das partes é apenas um elemento subsidiário a tomar em consideração na determinação do caráter restritivo da concorrência de um tipo de coordenação entre empresas ( 103 ). Todavia, contrariamente ao que a Servier considera, isso não pode conduzir a qualificar o presente fundamento de recurso de inoperante. Como já foi explicado ao examinar o caráter operante do primeiro fundamento de recurso, nos n.os 80 a 90, supra, no caso em apreço, elementos relativos às intenções e perceções das partes — nomeadamente no que respeita ao alegado reconhecimento pela Krka da validade da patente 947 — constituíram uma das bases da análise, pelo Tribunal Geral, do caráter restritivo da concorrência dos acordos Krka. |
– Quanto à tomada em consideração da intenção das partes
213. |
No âmbito do presente fundamento de recurso, a Comissão critica o Tribunal Geral, em primeiro lugar, por a ter acusado, no n.o 1015 do acórdão recorrido, de não ter analisado a intenção das partes, quando, tratando‑se de uma restrição da concorrência por objeto, tal não era exigido. |
214. |
Porém, numa leitura mais aprofundada, afigura‑se que, em vez de ter acusado a Comissão de não ter analisado a intenção das partes, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1015 a 1026 do acórdão recorrido, que as provas apresentadas pela Comissão não permitiam concluir que a Comissão tinha demonstrado a intenção da Servier e da Krka de celebrarem um acordo de partilha ou de exclusão do mercado. |
215. |
Ora, a análise do presente fundamento de recurso, efetuada nos números seguintes, demonstrará que essa consideração assenta numa análise incompleta das provas e numa violação dos princípios relativos à produção e à apreciação das provas no direito da concorrência da União. |
– Quanto à aplicação dos princípios relativos à produção de prova
216. |
A este respeito, em segundo lugar, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter interpretado mal os princípios de direito que deveriam ter orientado a sua análise das provas, segundo os quais essa análise deve ser global. Estes princípios foram recordados nos n.os 92 a 96, supra. |
217. |
Por um lado, a Comissão acusa o Tribunal Geral de não ter examinado todas as provas factuais em que assenta a decisão controvertida e de, nos n.os 1017 a 1024 do acórdão recorrido, ter feito apenas uma referência sumária a determinados documentos citados pela parte da referida decisão relativa à intenção das partes. Nomeadamente, o Tribunal Geral não referiu nem considerou os elementos de prova apresentados nos considerandos 873, 847, 1687 a 1690 e 1758 a 1760 da decisão controvertida, nem a estratégia antigenéricos da Servier. De igual modo, o Tribunal Geral não teve em conta a mensagem de correio eletrónico da Krka de 29 de setembro de 2005, referida nos considerandos 849 a 854 e 1760 da decisão controvertida, bem como a declaração da Lupin, referida nos considerandos 1730 e 1748 da mesma, que se corroboravam e reforçavam mutuamente. |
218. |
Estas alegações e estes elementos de prova já foram examinados e considerados procedentes nos n.os 102 a 130, 156, 158, 187 a 194 e 205 a 207, supra, no âmbito da análise dos primeiro a terceiro fundamentos de recurso. Como já salientado no n.o 129, supra, o Tribunal Geral sustentou, nos n.os 1018, 1019 e 1025 do acórdão recorrido, que as provas reunidas pela Comissão eram fragmentadas e ambíguas, sem ter examinado todos os elementos de prova pertinentes e tendo procedido a uma apreciação manifestamente errada das provas por ele examinadas, escolhidas de forma seletiva. |
219. |
Por outro lado, a Comissão alega que, no n.o 1016 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aplicou erradamente a jurisprudência relativa a inferências no contexto da apreciação de provas por ter considerado que a sua aplicabilidade ao presente caso não era evidente uma vez que a Comissão pôde aceder ao conteúdo dos acordos em causa. A Comissão alega, a este respeito, que esses acordos não foram tornados públicos no momento da sua celebração. |
220. |
Todavia, o considerando 56 da decisão controvertida indica que o texto dos acordos figura entre as provas utilizadas pela Comissão e esta não contesta ter tido acesso aos referidos acordos. No entanto, como já foi indicado nos n.os 97 e 98, supra, independentemente da questão de saber se a Comissão pôde ou não aceder facilmente ao conteúdo completo dos acordos, a jurisprudência em matéria de inferências e deduções é, em todo o caso, pertinente no caso em apreço. Com efeito, a resposta à questão de saber se esse conteúdo tinha por objeto uma partilha ilegítima do mercado deve ser deduzida não só do referido conteúdo como também do contexto dos acordos e da intenção das partes, para cuja análise a Comissão examinou um grande número de provas documentais. |
221. |
Na mesma ordem de ideias, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter considerado, no n.o 1016 do acórdão recorrido, que «deduções resultantes de extratos parciais de mensagens de correio eletrónico ou de outros documentos que devem demonstrar as intenções das partes» não podiam pôr em causa uma conclusão baseada no próprio conteúdo dos acordos. |
222. |
A este respeito, importa recordar que já foi constatado, nos n.os 126 a 129, 148 e 149, supra, que o Tribunal Geral retirou conclusões erradas da forma dos acordos Krka, nomeadamente do facto de um destes acordos ser um acordo de licença. De igual modo, constatou‑se que o Tribunal Geral cometeu o erro de analisar os acordos de resolução amigável e de licença Krka de forma independente um do outro e separada do seu contexto (n.o 144, supra). |
223. |
Por último, há que salientar que, no n.o 1016 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral parece criticar a Comissão por ter feito deduções a partir «de extratos parciais de [mensagens de correio eletrónico] ou de outros documentos que devem demonstrar as intenções das partes», quando se constatou, nomeadamente, nos n.os 116, 188 a 190, 193 e 205 a 207, supra, que foi o próprio Tribunal Geral que baseou a sua análise em citações parciais de documentos e circunstâncias que foram citados na íntegra na decisão controvertida. De igual modo, foi reiteradamente constatado no âmbito da apreciação dos três primeiros fundamentos de recurso que a análise dos acordos Krka pelo Tribunal Geral assenta numa tomada em consideração incompleta e parcial dos elementos de prova e das circunstâncias relativas ao contexto destes acordos (v., nomeadamente, n.os 102 a 105, 114, 115, 152, 156, 158, 165 e 168, supra). Pelo contrário, a análise do presente recurso demonstrou que, contrariamente ao que o Tribunal Geral indicou no n.o 1025 do acórdão recorrido, a Comissão reuniu um conjunto de indícios pertinentes e convergentes a favor da sua declaração de que os acordos Krka constituíam acordos de repartição do mercado. |
224. |
A Comissão tem razão, portanto, ao sustentar que se o Tribunal Geral tivesse aplicado corretamente os princípios em matéria de produção de prova, recordados nos n.os 92 a 96 e 110, supra, não teria podido chegar à mesma conclusão. A alegação relativa a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na aplicação destes princípios é, portanto, igualmente procedente. |
– Quanto à credibilidade das provas em função da sua data de elaboração
225. |
Em terceiro lugar, a Comissão alega que os n.os 1017 e 1024 do acórdão recorrido enfermam de erros de direito por terem considerado que a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 ( 104 ) e a injunção provisória de 3 de outubro de 2006 proferida no Reino Unido contra a Krka ( 105 ) tinham alterado substancialmente o contexto em que os acordos Krka tinham sido celebrados, em particular no que respeita à perceção pela Krka e pela Servier da validade da patente 947. Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou, nomeadamente nos n.os 1017, 1018 e 1024 do acórdão recorrido, que documentos posteriores a esses acontecimentos seriam mais pertinentes para apreciar as intenções dessas partes do que os documentos elaborados antes dos referidos acontecimentos. |
226. |
Ora, já se constatou nos n.os 101 a 108 e 114 a 123, supra, no âmbito da apreciação do primeiro fundamento de recurso, que essas conclusões do Tribunal Geral foram formuladas após uma análise parcial, ou mesmo seletiva, das provas apresentadas pela Comissão e após uma apreciação manifestamente errada, ou mesmo uma desvirtuação, das provas tomadas em conta pelo Tribunal Geral. |
– Quanto ao valor probatório de declarações posteriores
227. |
Em quarto lugar, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral violou os princípios relativos à produção de prova ao atribuir, nos n.os 999, 1000 e 1010 do acórdão recorrido, mais peso às declarações apresentadas pela Krka posteriormente à celebração dos acordos Krka do que às provas contemporâneas referidas nos n.os 1015 a 1024 do acórdão recorrido. A procedência desta crítica já foi reconhecida nos n.os 109 a 113, supra. |
– Conclusão intercalar
228. |
Resulta das considerações precedentes que o quarto fundamento de recurso é igualmente procedente. Em razão das considerações já expostas nos n.os 133, 134, 178 e 210, supra, após a apreciação dos primeiro, segundo e terceiro fundamentos de recurso, importa, no entanto, proceder à apreciação dos outros fundamentos de recurso relativos ao objeto anticoncorrencial dos acordos Krka. |
v) Quanto à tomada em consideração dos efeitos pró‑concorrenciais da licença (quinto fundamento de recurso)
229. |
No âmbito do seu quinto fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 1007 a 1009 e 1031 do acórdão recorrido, quando tomou em consideração os efeitos positivos da licença nos sete Estados‑Membros da Europa central e oriental onde a mesma se aplicou. |
230. |
Contrariamente ao que a Servier sustenta, a Comissão identifica claramente os erros que imputa ao Tribunal Geral a este respeito, pelo que o presente fundamento de recurso é admissível. |
231. |
Nos números do acórdão recorrido criticados no âmbito deste fundamento de recurso, o Tribunal Geral indicou que o acordo de licença Krka tinha contribuído para a entrada ou para a manutenção da Krka nos sete mercados abrangidos pela licença. Este acordo teria tido, portanto, um efeito favorável à concorrência em relação à situação anterior que era aquela em que a Krka só podia manter‑se ou entrar no mercado com risco, sobretudo porque a validade da patente 947 acabava de ser confirmada pelas autoridades competentes e que existia um risco, considerado significativo pela Krka, de que o seu produto fosse contrafeito. |
232. |
No entanto, este alegado efeito favorável à concorrência do acordo de licença Krka não pode pôr em causa a declaração de que os acordos de resolução amigável e de licença Krka constituíam acordos de repartição do mercado e, portanto, uma restrição da concorrência por objeto. |
233. |
Por um lado, como a Comissão recorda, o artigo 4.o da decisão controvertida limitou a declaração da infração em relação à Servier e à Krka aos 18/20 mercados da União abrangidos pelo acordo de resolução amigável Krka, e não declarou uma infração nos sete mercados abrangidos pelo acordo de licença Krka (v. n.o 39, supra). Ora, como a Comissão sustenta, com razão, no âmbito do presente recurso, e como indicou no considerando 1755 da decisão controvertida, a entrada ou a continuação da presença da Krka nestes sete Estados‑Membros, a que se refere o n.o 1007 do acórdão recorrido, não altera nem justifica o facto de a Krka ter sido eliminada como fonte de concorrência potencial nos 18/20 mercados abrangidos pelo acordo de resolução amigável Krka. |
234. |
Neste contexto, contrariamente ao que a Servier alega, os acórdãos nos processos Consten e Grundig/Comissão ( 106 ) e MasterCard e o./Comissão ( 107 ), referidos pela Comissão, são, mutatis mutandis, pertinentes no âmbito do presente processo. Nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que os efeitos pró‑concorrenciais de um acordo num determinado mercado não podem «compensar» os efeitos restritivos da concorrência de tal acordo noutro mercado. |
235. |
Por outro lado, mesmo admitindo que haja que tomar em consideração os efeitos do acordo de licença Krka nos mercados afetados pelo mesmo, para efeitos da avaliação global dos acordos de resolução amigável e de licença Krka no seu conjunto, estes efeitos não são suscetíveis de pôr em causa a declaração de que estes acordos constituíam uma restrição da concorrência por objeto. |
236. |
Assim, é decerto verdade que o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Generics (UK) e o. ( 108 ), que, sempre que as partes num acordo como os que estão em causa no caso em apreço invoquem os efeitos pró‑concorrenciais que lhe estão associados, tais efeitos devem, enquanto elementos do contexto desse acordo, ser devidamente tomados em consideração para efeitos da qualificação desse acordo de «restrição por objeto», uma vez que estes são suscetíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficiente de nocividade para a concorrência da prática colusória em causa e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por objeto». |
237. |
Todavia, o Tribunal de Justiça constatou igualmente no referido acórdão que tais efeitos alegadamente pró‑concorrenciais só podem pôr em causa a declaração de uma restrição por objeto se forem comprovados, relevantes, específicos do acordo em causa e suficientemente significativos para suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência do acordo de resolução amigável em causa e, por conseguinte, do seu objeto anticoncorrencial. O Tribunal de Justiça prosseguiu, declarando que não era esse o caso de um acordo que permitia uma entrada controlada de uma sociedade de genéricos no mercado, concertada com o titular da patente para efeitos de uma reorganização do mercado em causa, que não gerava uma pressão concorrencial sobre o referido titular e apenas proporcionava aos consumidores benefícios mínimos ou mesmo incertos ( 109 ). |
238. |
Ora, no caso em apreço, a entrada da Krka nos sete mercados abrangidos pela licença também não gerava uma pressão concorrencial significativa sobre a Servier (n.o 201, supra). Além disso, esta entrada ocorreu no âmbito de um duopólio de facto entre a Servier e a Krka, cujo objetivo era evitar a queda dos preços que teria sido ocasionada por uma abertura do mercado no momento da entrada independente dos genéricos. Por conseguinte, esta reorganização controlada do mercado permitiu à Servier e à Krka manterem preços e quotas de mercado muito mais elevados do que em caso de abertura independente do mercado aos genéricos (n.os 155 a 158, supra). Os benefícios proporcionados aos consumidores pela entrada ou pela continuação da presença da Krka nos mercados afetados pela licença eram, portanto, limitados em comparação com os benefícios que teriam resultado de uma abertura independente destes mercados aos genéricos. |
239. |
Além disso, as equivalentes nacionais da patente 947 não tinham ainda sido concedidas em alguns dos referidos mercados, pelo que a Krka não necessitava de uma licença para neles entrar ou permanecer. No entanto, o Tribunal Geral considerou que a licença tinha tido o efeito benéfico de evitar à Krka um risco de contencioso posterior, na hipótese de as patentes serem futuramente concedidas à Servier nestes mercados (n.os 1008 e 1027 do acórdão recorrido). Decorre destas considerações que os alegados efeitos pró‑concorrenciais do acordo de licença Krka eram não só limitados mas também hipotéticos e incertos. |
240. |
Por último, no caso em apreço, como no processo Generics (UK) e o., a entrada controlada, concertada com o titular de uma patente, de uma sociedade de genéricos no mercado ocorreu em troca do abandono por esta sociedade dos seus esforços no sentido de uma entrada independente no referido mercado. Ora, como salientámos nas conclusões que apresentámos no referido processo, o facto de conferir alguns benefícios mínimos aos consumidores em virtude de uma ligeira descida dos preços não pode pôr em causa o objeto anticoncorrencial de um acordo que tem, além do mais, como objeto aniquilar a concorrência em relação a um determinado produto ou num determinado mercado ( 110 ). |
241. |
Neste contexto, o cenário «concorrencial» com o qual importa comparar a situação concertada implementada pelos acordos não é, com efeito, o da entrada independente garantida dos fabricantes de genéricos no mercado, mas o da continuação dos seus esforços nesse sentido em função da sua apreciação autónoma dos riscos e das oportunidades a esse respeito. Por conseguinte, o facto de a entrada concertada entre o titular da patente e a sociedade de genéricos ser certa, ao passo que o cenário de uma entrada independente está sujeito às contingências do contencioso sobre a patente, não significa que a entrada controlada seja necessariamente o «melhor cenário» em termos de concorrência. Com efeito, o que importa não é a entrada a qualquer preço dos genéricos no mercado, mas o facto de esta entrada se realizar ou não em virtude do livre jogo da concorrência e não em virtude de uma concertação entre as partes que se substituiu a este ( 111 ). |
242. |
Resulta destas considerações que o quinto fundamento de recurso, relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na apreciação das consequências dos efeitos pró‑concorrenciais do acordo de licença Krka para efeitos da qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por objeto, deve igualmente ser julgado procedente. |
vi) Quanto ao acordo de cessão e de licença Krka (sexto fundamento de recurso)
243. |
Com o seu sexto fundamento de recurso, o último relativo à qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por objeto, a Comissão imputa ao Tribunal Geral um erro de direito por ter recusado reconhecer caráter anticoncorrencial ao acordo de cessão e de licença Krka, celebrado em 5 de janeiro de 2007, ou seja, cerca de dois meses após a celebração dos acordos de resolução amigável e de licença Krka em 27 de outubro de 2006. |
244. |
Como se indicou no n.o 59, supra, a Comissão constatou que o acordo de cessão e de licença Krka tinha permitido reforçar a posição concorrencial da Servier e da Krka que resultava da partilha de mercados estabelecida pelo conjunto dos acordos Krka, impedindo a Krka de ceder a sua tecnologia concorrente para a produção de perindopril a outras sociedades de genéricos. Uma vez que o pagamento do montante de 30 milhões de euros no âmbito deste acordo não estava relacionado com os rendimentos esperados ou realizados pela Servier através da exploração comercial da tecnologia cedida pela Krka, este pagamento foi analisado pela Comissão como uma partilha da renda gerada pela repartição dos mercados entre a Servier e a Krka ( 112 ). |
245. |
Por sua vez, nomeadamente nos n.os 1053, 1054 e 1059 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, uma vez que a Comissão tinha concluído que no acordo de cessão e de licença Krka se verificava uma restrição por objeto com base na sua constatação de que, nos acordos de resolução amigável e de licença Krka, se verificava uma restrição por objeto, e uma vez que o Tribunal Geral tinha declarado esta última constatação inválida, a conclusão respeitante ao objeto restritivo do referido acordo de cessão e de licença devia igualmente ser anulada. |
246. |
Ora, no âmbito da apreciação dos cinco primeiros fundamentos de recurso, acima efetuada, reconheceu‑se que as considerações do Tribunal Geral relativas ao objeto anticoncorrencial dos acordos de resolução amigável e de licença Krka estão erradas, e que a Comissão pôde concluir com razão que estes acordos constituíam uma restrição da concorrência por objeto. |
247. |
Por conseguinte, como a Comissão acertadamente alega, as conclusões que o Tribunal Geral extraiu destas constatações no que respeita ao acordo de cessão e de licença Krka assentam numa hipótese errada. |
248. |
Por outro lado, a Comissão tem igualmente razão ao sustentar que as conclusões do Tribunal Geral relativas ao acordo de cessão e de licença Krka, expostas nos n.os 1041 a 1060 do acórdão recorrido, são insuficientemente fundamentadas na medida em que não explicam as razões pelas quais os considerandos 1764 a 1810 da decisão controvertida, consagrados a este acordo, que não foram sequer analisados pelo Tribunal Geral, estariam errados. |
249. |
Daqui resulta que o sexto fundamento de recurso, relativo a erros cometidos na análise do objeto do acordo de cessão e de licença Krka pelo Tribunal Geral, deve igualmente ser julgado procedente. |
3) Conclusão sobre o objeto dos acordos Krka
250. |
Resulta de todas as considerações precedentes, efetuadas no âmbito da apreciação dos primeiro a sexto fundamentos de recurso da Comissão (n.os 69 a 249, supra), que a declaração do Tribunal Geral segundo a qual os acordos Krka não deviam ser qualificados de restrição da concorrência por objeto (n.os 1032, 1060 e 1233 do acórdão recorrido), assenta numa análise que enferma de erros de direito e deve ser anulada. |
251. |
Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado. |
252. |
Resulta da apreciação dos primeiro a sexto fundamentos de recurso que é esse o caso do presente processo no que respeita à declaração do objeto anticoncorrencial dos acordos Krka. Esta apreciação permitiu demonstrar que o nono fundamento apresentado em primeira instância pela Servier, no qual assenta a análise do Tribunal Geral (v. n.os 910 a 942 e 1033 a 1040 do acórdão recorrido), não permite invalidar a declaração da Comissão, que figura em substância, nomeadamente, nos considerandos 1756, 1810 e 1812 da decisão controvertida, segundo a qual estes acordos constituíam uma atividade única e continuada que tinha por objeto a partilha e a distribuição dos mercados do perindopril na União entre a Servier e a Krka, autorizando a Krka a continuar a comercializar ou a lançar o perindopril genérico no âmbito de um duopólio de facto com a Servier em sete Estados‑Membros, como recompensa pelo compromisso da Krka de se abster de fazer concorrência à Servier nos restantes 18/20 mercados da União. |
253. |
Por conseguinte, o Tribunal de Justiça pode avocar o processo e julgar improcedente o nono fundamento invocado em primeira instância pela Servier no que respeita ao objeto dos acordos Krka, o que levará à confirmação da decisão controvertida quanto a este aspeto. |
b) Quanto à restrição da concorrência por efeito (sétimo fundamento de recurso)
254. |
No âmbito do seu sétimo fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu uma série de erros de direito em sede da apreciação dos efeitos anticoncorrenciais dos acordos Krka. |
255. |
A título preliminar, há que recordar que o objeto e o efeito anticoncorrencial de um acordo não são condições cumulativas, mas alternativas, para aplicar a proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Um acordo é proibido, independentemente dos seus efeitos, se o seu objeto for contrário à concorrência. Daqui resulta que a tomada em consideração dos efeitos de um acordo é supérflua quando se demonstre que este tem como objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum ( 113 ). |
256. |
Por conseguinte, se, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça reconhecesse, em conformidade com as considerações precedentes e com a conclusão que figura nos n.os 252 e 253, supra, que as constatações do Tribunal Geral no sentido de que os acordos Krka não têm um objeto anticoncorrencial estão erradas e que a Comissão teve razão ao concluir pela existência de um objeto anticoncorrencial destes acordos, não seria necessário examinar o presente fundamento de recurso, relativo aos efeitos anticoncorrenciais dos referidos acordos. |
257. |
Por uma questão de exaustividade, vamos, todavia, proceder à apreciação deste fundamento de recurso. |
258. |
Antes dessa apreciação (2) é útil resumir brevemente como foram analisados esses efeitos, tanto pela Comissão na decisão controvertida como pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido (1). |
1) Análise dos efeitos dos acordos Krka na decisão controvertida e no acórdão recorrido
i) Decisão controvertida
259. |
Nos considerandos 1214 a 1218 da decisão controvertida, a Comissão explicou que, para avaliar os efeitos restritivos de um acordo, havia que tomar em conta as condições concretas em que o mesmo produz os seus efeitos, e que o exame das condições de concorrência num dado mercado devia basear‑se não só na concorrência existente entre as empresas já presentes no mercado relevante, mas também na concorrência potencial. A Comissão entendeu que, no caso em apreço, devia examinar os efeitos dos acordos de resolução amigável, incluindo dos acordos Krka, na concorrência potencial, uma vez que tais acordos tinham afetado os incentivos dos concorrentes genéricos da Servier para se prepararem para uma entrada num ou em vários mercados da União. |
260. |
Nos considerandos 1219 e 1220 da decisão controvertida, a Comissão precisou, em substância, que a avaliação dos efeitos restritivos concretos dos acordos de resolução amigável na concorrência potencial, que consistiram na supressão das sociedades de genéricos enquanto concorrentes potenciais, e na estrutura da concorrência nos mercados em causa, devia ser efetuada com base nos factos no momento dessas resoluções amigáveis, tomando simultaneamente em conta o modo pelo qual os acordos tinham sido efetivamente implementados. Com efeito, a qualificação de uma infração não pode, em princípio, depender de desenvolvimentos factuais posteriores. Segundo a Comissão, quando está em causa a eliminação da concorrência potencial, «observar o que aconteceu verdadeiramente pode ter pouco a ver com o que teria provavelmente acontecido na falta do acordo». Tal é ainda mais verdade quando o acordo altera consideravelmente os incentivos de uma parte, ou de ambas, para continuarem a concorrer entre si. |
261. |
Nos considerandos 1221 e 1226 da decisão controvertida, a Comissão indicou que os efeitos restritivos de um acordo deviam ser avaliados em comparação com o contexto económico e jurídico real em que a concorrência teria existido na falta do acordo, o que exigiria examinar o grau de concorrência entre as partes e a concorrência de terceiros, particularmente a concorrência real e potencial, que teria existido na falta dos acordos, e o comportamento concorrencial que as sociedades de genéricos teriam sido suscetíveis de adotar em tal situação. |
262. |
No que respeita às possibilidades reais e concretas de as sociedades de genéricos entrarem nos mercados relevantes e fazerem concorrência à Servier, a Comissão remeteu para o seu exame da concorrência potencial entre a Servier e as sociedades de genéricos, efetuado no âmbito do exame do objeto dos acordos (considerando 1222 da decisão controvertida). |
263. |
Por último, a Comissão explicou que examinará igualmente os efeitos restritivos destes acordos na estrutura da concorrência, analisando, nomeadamente, o poder de mercado das partes e a questão da existência de outras fontes de concorrência para a Servier, pertinente quando o mercado está privado de um novo operador (considerandos 1223 a 1227 da decisão controvertida). |
264. |
A este respeito, a Comissão considerou, nos considerandos 1228 a 1240 da decisão controvertida, nomeadamente, que as pressões concorrenciais impostas por outros medicamentos sobre o perindopril eram de eficácia limitada, que contrastava com a força da pressão esperada dos genéricos do perindopril (e que acabou por ser introduzida por estes). Segundo a Comissão, esta pressão concorrencial exercida pelos genéricos do perindopril era crucial, uma vez que as práticas contestadas tinham por objeto neutralizar esta mesma pressão. Comparadas com a pressão concorrencial dos genéricos, as outras pressões sobre o perindopril eram insuficientes para exercer uma pressão concorrencial eficaz. |
265. |
A eliminação da pressão concorrencial dos genéricos teve, assim, efeitos significativos para o perindopril, em termos de despesas globais dos consumidores. Sem a entrada dos genéricos no mercado, a Servier não foi confrontada com uma concorrência eficaz uma vez que, com exceção dos genéricos do perindopril, não sofreu outra pressão importante. Na medida em que a capacidade da Servier para manter preços superiores à concorrência estava associada aos acordos de resolução amigável que tinha celebrado com as sociedades de genéricos, é igualmente possível demonstrar efeitos anticoncorrenciais diretos destes acordos (considerandos 1240 a 1243 da decisão controvertida). |
266. |
Nos considerandos 1244 a 1269 da decisão controvertida, a Comissão explicou que, no momento da celebração dos acordos entre a Servier e as sociedades de genéricos, a estrutura do mercado se caracterizava por um número limitado de sociedades de genéricos que se preparavam para entrar no mercado. Além das partes que celebraram estes acordos com a Servier, restavam apenas duas ameaças genéricas diretas importantes para a Servier. A Comissão concluiu que, em tais condições, a eliminação de um único concorrente reduzia de forma significativa a probabilidade de uma entrada efetiva e atempada dos genéricos no mercado. |
267. |
A Comissão examinou seguidamente, nos considerandos 1813 a 1850 (continuação da secção 5.5) da decisão controvertida, a questão de saber se os acordos Krka constituíam uma restrição da concorrência por efeito, exame que estava limitado aos mercados da França, dos Países Baixos e do Reino Unido (considerando 1816 da decisão controvertida). |
268. |
Segundo a Comissão, a Krka era um concorrente potencial da Servier nestes três mercados e dispunha de possibilidades reais e concretas para neles entrar a curto prazo. A Krka era um fornecedor efetivo de perindopril em cinco mercados geográficos e preparava‑se para entrar em vários outros mercados, o que mostrava as suas intenções a este respeito. Além disso, a Krka estava em condições de entrar nos mercados onde não era um fornecedor efetivo num prazo curto, uma vez que tinha concluído o desenvolvimento do seu produto. A Krka estava também a preparar ativamente o terreno para o seu produto através do contencioso no Reino Unido e estava convencida da invalidade da patente 947 (considerando 1820 da decisão controvertida). |
269. |
Ao incentivar a Krka a comprometer‑se a não entrar nos referidos mercados, os acordos Krka tiveram por efeito eliminar estas possibilidades de entrar no mercado em França, nos Países Baixos e no Reino Unido. Na falta dos acordos Krka, a Krka teria continuado a representar uma ameaça concorrencial enquanto novo operador genérico potencial de perindopril nestes mercados (considerandos 1824 a 1834 da decisão controvertida). |
270. |
A Comissão considerou igualmente que, no momento da celebração dos acordos Krka, a Krka constituía uma das ameaças mais imediatas para a Servier (considerandos 1843 e 1849 da decisão controvertida) e que, tendo em conta a estrutura do mercado, a eliminação de um único concorrente restringia significativamente a probabilidade de uma entrada efetiva e em tempo útil de genéricos no mercado (considerando 1844 da decisão controvertida), e por maioria de razão porque a Krka era também um fornecedor potencial de produtos à base de perindopril para as outras sociedades de genéricos (considerando 1848 da decisão controvertida). |
271. |
A Comissão concluiu, portanto, que os acordos Krka tinham tido por efeito restringir de forma sensível a concorrência potencial entre a Servier e as sociedades de genéricos (considerando 1850 da decisão controvertida). |
ii) Acórdão recorrido
272. |
O Tribunal Geral examinou o décimo fundamento da Servier em primeira instância, relativo à qualificação errada dos acordos Krka como restrição da concorrência por efeito, nos n.os 1075 a 1232 do acórdão recorrido. |
273. |
Em primeiro lugar, o Tribunal Geral qualificou de «hipotética» a abordagem adotada pela Comissão relativamente à restrição da concorrência por efeito, resumida nos n.os 259 a 263, supra, pelo facto de a mesma se basear em hipóteses ou «possibilidades» e não no desenrolar real dos acontecimentos (n.os 1078 a 1104 do acórdão recorrido). |
274. |
Por outro lado, o Tribunal Geral considerou que a jurisprudência segundo a qual a análise dos efeitos de um acordo incluía também os seus efeitos potenciais não era aplicável quando se tratava de um acordo que tinha sido implementado e punido pela Comissão (n.os 1107 a 1133 do acórdão recorrido). |
275. |
Em segundo lugar, o Tribunal Geral constatou, nos n.os 1140 a 1217 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha cometido um erro de apreciação ao concluir que os acordos Krka tinham caráter de restrição da concorrência por efeito. |
276. |
Num primeiro momento, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1142 a 1187 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha demonstrado os efeitos restritivos sobre a concorrência da cláusula de não comercialização do acordo de resolução amigável Krka. A Comissão não demonstrou, nomeadamente, que, na falta do referido acordo, a Krka teria provavelmente entrado nos mercados da França, dos Países Baixos e do Reino Unido. A este respeito, a Comissão não teve em conta o facto de a Krka reconhecer a validade da patente 947. No que respeita a este reconhecimento, o Tribunal Geral reiterou, em substância, nos n.os 1148 a 1169 do acórdão recorrido, as mesmas considerações em que se tinha baseado no exame do objeto dos acordos Krka, já analisadas no âmbito da apreciação do primeiro fundamento de recurso ( 114 ). |
277. |
Segundo o Tribunal Geral, ao invocar apenas a «ameaça concorrencial» que a Krka teria continuado a representar, a Comissão não demonstrou que a concorrência que teria existido na falta do acordo provavelmente teria sido mais aberta. Além disso, a Comissão devia ter precisado quais teriam sido os efeitos prováveis, particularmente nos preços, na produção, na qualidade ou na diversidade dos produtos ou ainda na inovação, da «ameaça concorrencial» que a Krka teria continuado a exercer sobre a Servier na falta dos acordos Krka (n.os 1174 a 1179 do acórdão recorrido). |
278. |
Num segundo momento, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1192 a 1213 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha demonstrado os efeitos restritivos sobre a concorrência da cláusula de não contestação do acordo de resolução amigável. A Comissão não demonstrou, nomeadamente, que, na falta do referido acordo, a prossecução dos litígios entre a Krka e a Servier teria, de forma provável, ou mesmo plausível, permitido uma invalidação mais rápida ou mais completa da patente 947. A este respeito, o Tribunal Geral considerou que o facto de a Krka se ter retirado dos processos em que estava envolvida, a saber, o processo no tribunal inglês ( 115 ) e o processo no IEP ( 116 ), não tinha produzido efeitos quanto à eliminação da patente 947. Acontecimentos posteriores à celebração do acordo, a saber, a invalidação da patente 947 no Reino Unido no processo entre a Servier e a Apotex ( 117 ) e a revogação da patente 947 pela Câmara de Recurso Técnica do IEP ( 118 ), mostram que esta patente tinha, em qualquer caso, sido anulada, independentemente das ações intentadas pela Krka. Ora, a Comissão não demonstrou que a prossecução dessas ações teria tido por efeito a declaração de invalidade da referida patente mais cedo ou de forma mais completa (n.os 1194 a 1207 do acórdão recorrido). |
279. |
Por último, num terceiro momento, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 1214 e 1215 do acórdão recorrido, que a Comissão também não tinha demonstrado os efeitos restritivos sobre a concorrência do acordo de cessão e de licença Krka. |
280. |
Em terceiro lugar, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 1219 a 1232 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha cometido um erro de direito ao não ter em conta o verdadeiro desenrolar dos acontecimentos, tal como podia ser observado no momento da adoção da sua decisão, e ao ter baseado a sua descrição do jogo da concorrência na falta dos acordos em hipóteses ou possibilidades. |
281. |
Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão não tinha demonstrado que os acordos Krka tinham constituído uma restrição da concorrência por efeito, e julgou procedente o décimo fundamento apresentado pela Servier em primeira instância (n.os 1217 e 1232 do acórdão recorrido). |
2) Fundamento de recurso relativo aos efeitos dos acordos Krka
282. |
No âmbito do seu sétimo fundamento de recurso, a Comissão sustenta que as considerações do Tribunal Geral, acima resumidas nos n.os 272 a 281, enfermam de uma série de erros de direito. |
283. |
A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro, nos n.os 1128, 1178, 1179 e 1227 a 1231 do acórdão recorrido, ao considerar que o efeito real de restringir a concorrência potencial entre a Servier e a Krka não bastava para demonstrar que os acordos Krka constituíam restrições da concorrência por efeito. A Comissão demonstrou que, no momento da celebração destes acordos, a Krka dispunha de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado que os referidos acordos tinham eliminado, o que era conforme com a análise contrafactual exigida pela jurisprudência. Segundo a Comissão não há que alterar este padrão de prova pelo facto de estarem em causa patentes e de o resultado dos litígios em matéria de patentes ser imprevisível. |
284. |
Assim, o Tribunal Geral considerou erradamente, nos n.os 1123, 1160, 1161, 1165, 1168, 1169, 1173, 1174, 1178, 1179, 1183, 1204, 1206, 1207, 1209, 1221, 1226 e 1231 do acórdão recorrido, que a Comissão devia ter demonstrado que, na falta dos acordos Krka, a Krka teria provavelmente entrado nos três mercados em causa «com risco», e que devia ter especificado os efeitos prováveis da «ameaça concorrencial» que a Krka teria continuado a exercer sobre os preços e sobre outros parâmetros de concorrência. De igual modo, nos n.os 1198 a 1207 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral exigiu erradamente que a Comissão demonstrasse que a continuação dos processos em curso pela Krka, que esta última abandonou devido aos acordos Krka, teria permitido uma invalidação mais rápida ou mais completa da patente 947. |
285. |
A Comissão considera igualmente que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 1107 a 1128 e 1225 do acórdão recorrido, ao distinguir os acordos implementados e os acordos não implementados na análise dos efeitos anticoncorrenciais, ao entender que a jurisprudência relativa à tomada em consideração dos efeitos potenciais não era pertinente quando os acordos tinham sido implementados. |
286. |
Além disso, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 1130, 1151, 1170, 1181, 1210 e 1219 do acórdão recorrido, ao exigir que, para a avaliação dos efeitos de um acordo, a Comissão tomasse em conta todos os desenvolvimentos factuais ocorridos anteriormente à adoção da sua decisão. Segundo a Comissão, o caráter anticoncorrencial de um acordo deve, pelo contrário, ser avaliado no momento da sua celebração. |
287. |
Por último, a Comissão considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e desvirtuou as provas ao considerar, nos n.os 1148 a 1170 do acórdão recorrido, que, na falta dos acordos Krka, a Krka provavelmente não teria entrado nos mercados em causa devido ao seu reconhecimento da validade da patente 947. |
i) Quanto à análise contrafactual
288. |
Para examinar estas críticas, há que começar por recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, os efeitos restritivos da concorrência de um acordo podem ser tanto reais como potenciais ( 119 ). |
289. |
Para a apreciação de tais efeitos, é necessário analisar o funcionamento da concorrência no quadro real em que se produziria se o acordo controvertido não existisse ( 120 ). |
290. |
Para tanto, há que tomar em consideração, nomeadamente, a natureza e a quantidade limitada ou não dos produtos objeto do acordo, a posição e a importância das partes no mercado dos produtos em causa, o caráter isolado desse acordo ou, pelo contrário, o lugar deste num conjunto de acordos. A este respeito, a existência de contratos semelhantes, sem ser necessariamente determinante, é uma circunstância que, acrescida de outras, pode constituir um contexto económico e jurídico no qual o referido acordo deve ser apreciado ( 121 ). |
291. |
O cenário previsto a partir da hipótese de inexistência do acordo em causa deve ser realista. Nesta ótica, se necessário, é possível levar em conta os desenvolvimentos prováveis no mercado, caso esse acordo não tivesse existido ( 122 ). |
292. |
Na apreciação dos efeitos restritivos de um acordo, é nomeadamente possível tomar como base a concorrência potencial representada por um novo operador potencial eliminado por esse acordo e a estrutura do mercado em causa ( 123 ). |
293. |
Numa situação como a que está em causa no caso em apreço, isto é tanto mais verdade quanto, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão Generics (UK) e o., a determinação do cenário contrafactual não pressupõe qualquer conclusão definitiva em relação às possibilidades de sucesso da sociedade de genéricos no processo relativo à patente ou à probabilidade de celebração de um acordo menos restritivo ( 124 ). |
294. |
Com efeito, o cenário contrafactual tem apenas como finalidade determinar as possibilidades realistas de comportamento dessa sociedade na falta do acordo em causa e assim determinar o funcionamento provável do mercado e da sua estrutura na falta desse acordo ( 125 ). Embora o referido cenário contrafactual não possa ser indiferente às possibilidades de sucesso da sociedade de genéricos no processo relativo à patente ou ainda à probabilidade de celebração de um acordo menos restritivo, estes são apenas alguns elementos, entre outros, a ter em conta na determinação do funcionamento provável do mercado e da sua estrutura se não tivesse sido celebrado o acordo em causa ( 126 ). |
295. |
Consequentemente, para demonstrar a existência de efeitos sensíveis potenciais ou reais sobre a concorrência de acordos de resolução amigável como os que estão em causa no caso em apreço, não compete à autoridade da concorrência concluir que a sociedade de genéricos parte nesse acordo teria provavelmente obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente ou que as partes no referido acordo teriam provavelmente celebrado um acordo de resolução amigável menos restritivo ( 127 ). |
296. |
Há que concluir que o exame dos efeitos dos acordos Krka pela Comissão, resumido nos n.os 259 a 271, supra, é conforme com a metodologia estabelecida por esta jurisprudência para a análise do cenário contrafactual provável em caso de inexistência destes acordos. |
297. |
Antes de mais, a Comissão determinou corretamente o âmbito da sua análise, indicando que examinaria os efeitos dos acordos controvertidos em comparação com o contexto económico e jurídico real em que a concorrência teria funcionado caso os mesmos não existissem, e que examinaria, portanto, o grau de concorrência que teria existido entre as partes e o comportamento concorrencial que as sociedades de genéricos poderiam ter adotado na falta de acordo (n.o 261, supra). |
298. |
Por outro lado, como a própria salienta, a Comissão teve suficientemente em conta, enquanto contexto jurídico e económico dos acordos Krka, o quadro factual em que estes se inseriam em termos de patentes e de contencioso em matéria de patentes, nomeadamente, nos considerandos 1826, 1829 e 1835 a 1846, bem como na nota 2445 da decisão controvertida. |
299. |
À luz da jurisprudência exposta no n.o 290, supra, foi também com razão que a Comissão teve em conta a posição dos acordos respetivos no âmbito de todos os acordos celebrados pela Servier com as sociedades de genéricos e a estratégia adotada pela Servier, bem como a posição das partes no mercado (n.os 263 a 266, supra). |
300. |
No que respeita à Krka, a Comissão teve corretamente em conta o facto de, por um lado, a Krka ser um concorrente potencial importante, ou até uma das ameaças mais imediatas à Servier nos três mercados considerados para efeitos da análise dos efeitos dos acordos Krka, que dispunha de possibilidades reais e concretas de entrar nestes mercados, e de, por outro, os acordos Krka terem eliminado estas possibilidades ao incentivarem a Krka a deixar de tentar entrar nos referidos mercados e de contestar as patentes da Servier (n.os 268 a 270, supra). |
301. |
Contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral, nomeadamente nos n.os 1174 a 1178, 1183 e 1226 do acórdão recorrido, a Comissão fundamentou suficientemente os efeitos restritivos da concorrência dos referidos acordos ao demonstrar que, na falta dos acordos Krka, a Krka teria prosseguido os seus esforços para entrar nos mercados em causa e que o efeito destes acordos tinha consistido em eliminar a Krka enquanto concorrente potencial da Servier e, por isso mesmo, a eventualidade de as possibilidades reais e concretas de a Krka entrar esses mercados se realizarem. |
302. |
A este respeito, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1183 e 1226 do acórdão recorrido, no caso em apreço não são desprovidas de pertinência as considerações expostas no Acórdão Visa Europe e Visa International Service/Comissão ( 128 ), segundo as quais a análise dos efeitos de um acordo se pode basear na concorrência potencial representada por um novo operador potencial eliminado pelo acordo, porque o contexto dos acordos celebrados pela Servier com as sociedades de genéricos se caracteriza pela existência da patente 947. Com efeito, resulta da jurisprudência referida no n.o 294, supra, que o contexto relacionado com patentes de acordos, como os que estão em causa no caso em apreço, só deve ser tido em conta, entre outros elementos, a título do contexto desses acordos. No entanto, daqui não resulta que os princípios jurisprudenciais que regem a análise contrafactual dos efeitos de um acordo percam a sua relevância. |
303. |
Por conseguinte, a Comissão tem razão ao alegar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nomeadamente, nos n.os 1160, 1168, 1169, 1173 e 1182 do acórdão recorrido (n.o 276, supra), ao exigir que a Comissão demonstrasse que, na falta dos acordos Krka, a Krka teria «provavelmente» entrado com risco nos mercados em causa ou que, se esses acordos não tivessem existido, as partes teriam celebrado um acordo menos restritivo. |
304. |
Por outro lado, como a Comissão alega, a análise do Tribunal Geral, que figura nos n.os 1148 a 1169 do acórdão recorrido (n.o 276, supra), segundo a qual, na falta dos acordos Krka, a Krka não teria provavelmente entrado nestes mercados porque estava convencida da validade da patente 947, está viciada pelos mesmos erros que já foram constatados no âmbito da apreciação do primeiro fundamento de recurso ( 129 ). |
305. |
De igual modo, o Tribunal Geral errou ao considerar, nomeadamente, nos n.os 1192 a 1213 do acórdão recorrido (n.o 278, supra), que, para demonstrar os efeitos da cláusula de não contestação contida no acordo de resolução amigável, a Comissão deveria ter demonstrado que a continuação dos processos contenciosos que a Krka abandonou em consequência desse acordo teria provavelmente permitido uma invalidação mais rápida ou mais completa da patente 947. |
306. |
Como se indicou nos n.os 293 e 295, supra, o Tribunal de Justiça precisou no Acórdão Generics (UK) e o. que, numa situação como a que está em causa no caso em apreço, a determinação do cenário contrafactual não pressupõe que se demonstre que as partes no referido acordo teriam provavelmente celebrado um acordo de resolução amigável menos restritivo ou que a sociedade de genéricos parte no acordo em causa teria provavelmente obtido ganho de causa no processo relativo à patente. |
307. |
Trata‑se efetivamente, para uma autoridade da concorrência, ao proceder a essa análise contrafactual, de retratar não a situação que teria existido, na falta do acordo, em matéria de patente, mas a situação que teria existido em matéria de concorrência. Ora, em termos de concorrência, o cenário contrafactual seria uma situação em que a sociedade de genéricos teria continuado a gerir autonomamente, com base na sua própria avaliação da situação em matéria de patentes, a sua estratégia comercial e contenciosa a fim de aproveitar da melhor forma possível as suas possibilidades reais e concretas de entrar no mercado. A situação que teria existido sem os acordos seria, portanto, uma situação em que essas possibilidades reais e concretas teriam tido a possibilidade de se realizar ( 130 ). |
308. |
Ora, no caso em apreço, os efeitos restritivos da concorrência dos acordos Krka consistiam precisamente na eliminação desta oportunidade de as possibilidades reais e concretas de a Krka entrar nos mercados em causa se realizarem. |
309. |
O facto de não ser possível determinar com certeza, no âmbito da análise contrafactual, se essas possibilidades se teriam verdadeiramente realizado, em nada altera o caráter real do efeito da sua eliminação. O que importa, em termos de impacto na concorrência, não é o facto de a Krka entrar a qualquer preço nos mercados em causa ou de obter a invalidação da patente, mas o facto de que tinha a capacidade e a firme intenção de entrar no mercado e de obter a invalidação da patente para poder beneficiar do livre jogo da concorrência, antes de se envolver numa concertação com a Servier ( 131 ). |
310. |
Contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou, essa análise contrafactual nada tem de «hipotético». O efeito de eliminar a concorrência potencial não é menos real do que o efeito de eliminar a concorrência real ou atual, dado que um acordo de não fazer concorrência pode ser celebrado tanto com um concorrente potencial como com um concorrente atual. |
311. |
A abordagem do Tribunal Geral ignora que o artigo 101.o TFUE não protege apenas a concorrência atual, mas igualmente a concorrência potencial sem a qual a entrada de novos operadores no mercado nunca se poderia concretizar ( 132 ). |
312. |
Além disso, como sustenta a Comissão, ao exigir, no n.o 1179 do acórdão recorrido, que a Comissão precisasse os efeitos prováveis dos acordos sobre os preços e de outros parâmetros da concorrência, o Tribunal Geral violou o princípio segundo o qual o artigo 101.o TFUE, à semelhança das outras normas em matéria de concorrência do Tratado FUE, não se destina a proteger unicamente os interesses diretos dos concorrentes ou dos consumidores, mas a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência enquanto tal. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que a conclusão de que uma prática concertada entre empresas tem um objeto anticoncorrencial não pode depender do facto de esta estar diretamente ligada aos preços finais de venda ao consumidor ( 133 ). Ora, o mesmo se aplica quando se trata de constatar os efeitos anticoncorrenciais de uma coordenação entre empresas. |
313. |
Além disso, a Comissão alega igualmente, com razão, que o Tribunal Geral rejeitou erradamente, nos n.os 1180 e 1210 do acórdão recorrido, a premissa de que a eliminação de uma fonte importante de concorrência potencial pode, em si, dar origem a efeitos sobre os preços ou outros parâmetros da concorrência com um grau razoável de probabilidade. |
ii) Quanto ao momento a tomar em conta para a análise contrafactual
314. |
A Comissão alega igualmente que o Tribunal Geral errou ao exigir que a análise dos efeitos de um acordo que foi implementado pressupõe que se analisem todos os desenvolvimentos factuais ocorridos após a sua celebração. Segundo a Comissão, para a análise do cenário contrafactual, há que atender, pelo contrário, ao momento da celebração de um acordo. |
315. |
O exame do objeto de um acordo para efeitos da aplicação do artigo 101.o TFUE deve orientar‑se para o exame dos efeitos desse acordo se não for possível concluir, atendendo ao tipo de acordo ou aos mecanismos que institui, analisados no seu contexto, que o referido acordo tem por objeto restringir a concorrência ( 134 ). Em tal caso, há que analisar se os mecanismos instituídos pelo acordo, atendendo ao seu funcionamento, ao seu contexto e à situação concorrencial no mercado em causa, terão, quando forem aplicados, efeitos restritivos da concorrência. |
316. |
Tal análise dos efeitos de um acordo impõe‑se, por exemplo, quando uma autoridade é confrontada com um ou vários acordos que constituem um conjunto complexo, com componentes pró e anticoncorrenciais, cujo caráter anticoncorrencial é impossível determinar sem proceder ao exame dos respetivos efeitos ( 135 ), e tem por objeto determinar a incidência que o acordo pode ter sobre a concorrência no respetivo mercado ( 136 ). |
317. |
Resulta da jurisprudência referida no n.o 289, supra, que a análise contrafactual consiste em examinar o jogo da concorrência no quadro real em que a mesma se produziria se não existisse o acordo controvertido. Isso significa necessariamente que há que analisar o que se teria passado na hipótese de o acordo não existir e não o que efetivamente se passou perante a existência do acordo. Os acontecimentos reais, tal como ocorreram no decurso e na sequência da implementação do acordo, estão já necessariamente viciados pela existência do referido acordo. Assim, uma análise contrafactual que se baseie nessa situação, que já prejudicou o livre jogo da concorrência, como a efetuada pelo Tribunal Geral, nomeadamente, nos n.os 1192 a 1213 do acórdão recorrido (v. n.o 278, supra), na medida em que deduz da inexistência de efeitos restritivos de acontecimentos reais que ocorreram durante a implementação do referido acordo, assemelha‑se a um raciocínio circular que viola as próprias bases dessa análise, conforme é exigida pela jurisprudência referida nos n.os 289 a 295, supra. |
318. |
Embora em princípio, para efeitos da análise dos efeitos negativos de um acordo no mercado, não seja de excluir a tomada em consideração de acontecimentos posteriores que digam respeito, nomeadamente, à implementação desse acordo, como indicou a Comissão (v. considerando 1220 da decisão controvertida e n.o 260, supra), estes elementos não podem ser tomados em conta para determinar um cenário contrafactual que se baseou erradamente na própria existência desse acordo, embora o referido cenário deva partir da sua inexistência. |
319. |
Por conseguinte, o Tribunal Geral baseou‑se erradamente na prossecução e nos resultados dos processos nos órgãos jurisdicionais britânicos e no IEP, depois de a Krka se ter retirado desses processos, para concluir pela inexistência de efeitos restritivos da cláusula de não contestação constante do acordo de resolução amigável Krka (n.o 278, supra). Ora, mesmo que a prossecução dos referidos processos pela Krka não tivesse conduzido a um resultado diferente, em termos de patentes e de contencioso, do resultado obtido com a sua prossecução por outros operadores (o que nem sequer está demonstrado), tal circunstância não poderia ser pertinente para efeitos da apreciação contrafactual dos efeitos da referida cláusula. Para esse fim, o que importa é saber se esta cláusula tinha por efeito que a Krka abandonasse as suas tentativas de concorrer com a Servier, nomeadamente, prosseguindo os processos em causa. |
320. |
Daqui resulta que a consideração da Comissão segundo a qual a análise contrafactual deve ser feita no momento da celebração do acordo não enferma de erro. Pelo contrário, como o Tribunal de Justiça já declarou, a natureza anticoncorrencial de um ato deve ser avaliada no momento em que esse ato foi cometido ( 137 ). Esta conclusão é coerente na medida em que são os acordos que têm por objeto ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno que são proibidos por força do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, a questão de saber se um acordo tem um objeto ou efeitos anticoncorrenciais deve, em princípio, ser examinada à data da sua celebração. |
321. |
Desenvolvimentos posteriores, independentes da vontade das partes e dos mecanismos instituídos pelo acordo, não podem retirar o caráter anticoncorrencial a um acordo que tinha por efeito restringir a concorrência no momento da sua celebração ( 138 ). Como a Comissão explicou, nomeadamente, na audiência no presente processo de recurso, um acontecimento posterior, que neutralize os efeitos de um acordo, só deve ser tomado em conta ex nunc, a partir do momento em que ocorre, para determinar a duração da infração ao artigo 101.o TFUE constituída pelo acordo. De resto, foi precisamente desta forma que a Comissão tomou em conta, no caso em apreço, acontecimentos posteriores, ocorridos após a celebração dos acordos controvertidos, no caso em apreço a anulação da patente 947 no Reino Unido, nos Países Baixos e pelo IEP, para determinar a respetiva cessação das infrações (v., no que respeita à Krka, considerando 2126 da decisão controvertida). |
322. |
O acórdão recorrido enferma, aliás, quanto a este aspeto, de uma contradição nos seus fundamentos. No n.o 856 do referido acórdão, o Tribunal Geral constatou, a propósito do acordo celebrado pela Servier com a Lupin, que eventuais acontecimentos posteriores à celebração deste acordo não podem neutralizar o seu caráter restritivo e que «[c]om efeito, [havia] que distinguir, por um lado, a questão da própria existência da infração, que não pode ser posta em causa pela simples possibilidade de ocorrerem acontecimentos futuros, e, por outro, a questão da duração da infração, que pode depender da ocorrência efetiva de tais acontecimentos». |
323. |
Esta consideração corresponde exatamente à argumentação da Comissão no que respeita aos efeitos dos acordos Krka. Não é possível compreender as razões pelas quais o Tribunal Geral avaliou esta questão de forma diferente no que respeita aos referidos acordos, por um lado, e ao acordo celebrado pela Servier com a Lupin, por outro. |
iii) Quanto à falta de pertinência da distinção entre acordos implementados e acordos não implementados
324. |
Resulta do que precede que é irrelevante a distinção feita pelo Tribunal Geral entre a análise dos efeitos dos acordos que foram implementados e dos efeitos dos acordos que não foram implementados (v. n.os 1107 a 1133 do acórdão recorrido e n.o 274, supra). Na medida em que a análise contrafactual é feita no momento da celebração do acordo, esta distinção não serve para a determinar os efeitos de um acordo, mesmo que não se possa excluir a tomada em consideração de elementos posteriores, relativos à implementação de um acordo, a respeito do seu contexto. |
325. |
Por outro lado, resulta da jurisprudência que também não é relevante a distinção entre efeitos reais e potenciais, conforme utilizada pelo Tribunal Geral no contexto da distinção a que procedeu entre acordos implementados e acordos não implementados, porque, de qualquer modo, na análise contrafactual, importa ter em conta tanto os efeitos potenciais como os efeitos reais ( 139 ). |
326. |
De resto, as conclusões do Tribunal Geral a respeito de uma alegada distinção entre acordos implementados e acordos não implementados, para efeitos da análise dos respetivos efeitos, também não decorrem da jurisprudência analisada pelo Tribunal Geral para esse fim nos n.os 1107 a 1133 do acórdão recorrido (n.o 274, supra). Além do seu caráter excessivamente casuístico, a leitura que o Tribunal Geral propõe desta jurisprudência não só é contrária à sistemática e à finalidade do artigo 101.o TFUE (v. n.o 320, supra), como também retira desta jurisprudência conclusões incompatíveis com os seus termos explícitos, que se referem tanto aos efeitos reais como aos efeitos potenciais dos acordos examinados. |
3) Conclusão sobre os efeitos dos acordos Krka
327. |
Resulta das considerações precedentes, efetuadas no âmbito da apreciação do sétimo fundamento de recurso da Comissão (n.os 282 a 326, supra), que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar de «hipotética» e ao rejeitar a abordagem que consiste em tomar como base o efeito real da eliminação da Krka enquanto fonte de concorrência potencial, para demonstrar os efeitos restritivos da concorrência dos acordos Krka. A conclusão do Tribunal Geral segundo a qual esses acordos não deviam ser qualificados de restrição da concorrência por efeito (n.os 1217 e 1232 do acórdão recorrido) assenta, portanto, numa análise viciada por erros de direito e deve ser anulada. |
328. |
Como já foi recordado no n.o 251, supra, nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se o mesmo estiver em condições de ser julgado. |
329. |
Resulta da apreciação do sétimo fundamento de recurso que é esse o caso do presente processo no que diz respeito à conclusão sobre os efeitos anticoncorrenciais dos acordos Krka. Esta apreciação mostrou que o décimo fundamento invocado em primeira instância pela Servier, no qual assenta a análise do Tribunal Geral (v. n.os 1217 e 1232 do acórdão recorrido), não permite invalidar a conclusão da Comissão segundo a qual os acordos Krka tiveram por efeito restringir de forma sensível a concorrência potencial entre a Servier e as sociedades de genéricos (considerando 1850 da decisão controvertida). |
330. |
Por conseguinte, o Tribunal de Justiça pode avocar o processo e julgar improcedente o décimo fundamento invocado em primeira instância pela Servier no que respeita aos efeitos dos acordos Krka, o que levará à confirmação da decisão controvertida quanto a este aspeto. |
c) Conclusão sobre a existência de uma infração nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE no que respeita aos acordos Krka
331. |
Resulta das considerações que figuram nos n.os 250 à 253 e 327 a 330, supra, que as conclusões do Tribunal Geral, relativas à inexistência de objeto e de efeitos anticoncorrenciais dos acordos Krka (n.os 1217 e 1232 a 1234 do acórdão recorrido) devem ser anuladas, e que o Tribunal de Justiça pode avocar o processo quanto a este aspeto e julgar improcedentes os fundamentos da primeira instância, relativos à inexistência de objeto e de efeitos anticoncorrenciais destes acordos. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça pode confirmar a conclusão da decisão controvertida, segundo a qual os acordos em causa constituíam uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE, bem como a coima aplicada à Servier a este respeito (artigo 4.o e artigo 7.o, n.o 4, da decisão controvertida). |
2. Quanto ao artigo 102.o TFUE
332. |
Com os seus oitavo a décimo primeiro fundamentos de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando anulou a decisão controvertida no que respeita à declaração de uma infração ao artigo 102.o TFUE cometida pela Servier. |
333. |
O Tribunal Geral julgou procedentes todos os fundamentos invocados pela Servier em primeira instância (décimo quarto a décimo sétimo fundamentos), relativos à infração ao artigo 102.o TFUE, com base na sua conclusão de que a Comissão tinha definido erradamente o mercado relevante dos produtos acabados como se estivesse limitado apenas à molécula do perindopril nas suas versões original e genérica. |
334. |
Antes de examinar os fundamentos de recurso da Comissão que contestam esta conclusão (b), é útil resumir as constatações da decisão controvertida e do acórdão recorrido a este respeito (a). |
a) Constatações relativas ao artigo 102.o TFUE na decisão controvertida e no acórdão recorrido
1) Decisão controvertida
335. |
Em primeiro lugar, a Comissão constatou que o mercado relevante dos produtos acabados era limitado ao perindopril tanto na sua versão original como na sua versão genérica. Fez esta constatação em quatro Estados‑Membros analisados, a saber, a França, os Países Baixos, a Polónia e o Reino Unido, para o período de 2000 a 2009 (secção 6, considerandos 2128 a 2549 da decisão controvertida). |
336. |
Para chegar a esta conclusão, a Comissão explicou, antes de mais, que o perindopril, utilizado no tratamento da hipertensão, fazia parte da classe dos «Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IEC)», que formavam um grupo que incluía dezasseis moléculas diferentes durante o período pertinente, partilhando o mesmo modo de ação e tendo indicações terapêuticas e efeitos secundários frequentemente semelhantes. No entanto, nem todos os IEC formam um grupo de medicamentos perfeitamente homogéneos, e o perindopril foi reconhecido por certas características que o diferenciavam dos outros IEC. No início do período pertinente para a definição do mercado, em 2000, a classe dos IEC era já uma classe amadurecida e a maioria dos IEC já estavam disponíveis em versão genérica. As versões genéricas dos IEC considerados mais próximos do perindopril ficaram disponíveis entre 1999 e 2005 (considerandos 92, 93, 2144, 2145, 2149, 2165 a 2171, 2449 e 2537 e quadros 21, 24, 27 e 30 da decisão controvertida). |
337. |
Em seguida, ao examinar as pressões concorrenciais a que o perindopril estava sujeito, a Comissão constatou que a Servier se tinha baseado nas diferenças entre os IEC e nas qualidades específicas do perindopril para levar a cabo uma política de diferenciação nos seus esforços de promoção junto dos médicos prescritores (considerandos 2445 a 2457 da decisão controvertida). |
338. |
Além disso, e sobretudo, a Comissão constatou que a redução dos preços muito considerável dos outros IEC na sequência da entrada das suas versões genéricas não conduziu a uma redução dos preços do perindopril e das despesas de promoção da Servier, que se mantiveram estáveis durante todo o período considerado, nem a uma diminuição dos volumes vendidos do perindopril, que aumentaram constantemente. As reduções muito consideráveis dos preços dos outros IEC não causaram, assim, uma substituição do perindopril por estes outros IEC. A Comissão retirou daí a conclusão de que o perindopril não estava sujeito a nenhuma pressão concorrencial significativa por parte dos outros IEC durante o período investigado e que a Servier podia, portanto, em larga medida, assumir um comportamento independente dos demais produtores de IEC (considerandos 2460 a 2495, 2521 e 2544 da decisão controvertida). |
339. |
Por último, a Comissão constatou que a eficácia limitada das pressões exercidas pelos outros IEC sobre o perindopril contrastava claramente com a força da pressão esperada e eventualmente introduzida devido à entrada dos genéricos do perindopril, que podiam concorrer com todas as vendas existentes do perindopril de origem. Além disso, a Comissão entendeu que a pressão concorrencial exercida pelos genéricos do perindopril devia ser considerada crucial na avaliação do mercado de produtos em causa num caso em que as práticas contestadas tinham por objeto neutralizar esta mesma pressão (considerandos 2528 a 2546 da decisão controvertida). |
340. |
Em segundo lugar, a Comissão analisou a posição da Servier no mercado relevante dos produtos acabados e concluiu que a Servier se encontrava em posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE no mercado do perindopril original e genérico no Reino Unido, nos Países Baixos, em França e na Polónia durante o período considerado (secção 6, considerandos 2550 a 2600 da decisão controvertida). |
341. |
Em terceiro lugar, a Comissão constatou que o mercado relevante a montante do mercado dos produtos acabados, ou seja, o mercado da tecnologia, era limitado apenas à tecnologia do perindopril e que a Servier ocupava igualmente uma posição dominante neste mercado relevante da tecnologia (secção 7, considerandos 2601 a 2758 da decisão controvertida). |
342. |
Por último, em quarto lugar, a Comissão analisou o comportamento da Servier e concluiu que a estratégia única e continuada da Servier que combinava, nomeadamente, uma aquisição de tecnologia do IFA e dos acordos de resolução amigável em matéria de patente contra pagamento compensatório tinha constituído uma infração única e continuada ao artigo 102.o TFUE (secção 8, considerandos 2759 a 2998 da decisão controvertida). |
2) Acórdão recorrido
343. |
Por seu turno, o Tribunal Geral julgou procedente, em primeiro lugar, o décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância, relativo à definição do mercado dos produtos acabados relevante para efeitos da aplicação do artigo 102.o TFUE. O Tribunal Geral considerou que a Comissão tinha determinado erradamente o mercado relevante como se o mesmo estivesse restrito apenas à molécula do perindopril (n.os 1367 a 1592 do acórdão recorrido). |
344. |
Este décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância estava dividido em três alegações (n.os 1367 a 1370 do acórdão recorrido). |
345. |
Depois de ter procedido a observações preliminares (n.os 1371 a 1405 do acórdão recorrido), o Tribunal Geral, em primeiro lugar, examinou e julgou improcedente a primeira parte da primeira alegação, relativa à não tomada em consideração de todos os elementos do contexto económico (n.os 1406 a 1417 do acórdão recorrido). Em segundo lugar, o Tribunal Geral examinou e julgou procedente a segunda alegação, relativa ao facto de a Comissão ter ignorado a substituibilidade terapêutica dos IEC (n.os 1418 a 1566 do acórdão recorrido). Em terceiro lugar, o Tribunal Geral examinou e julgou procedente a segunda parte da primeira alegação, relativa à importância excessiva atribuída ao critério do preço na análise do mercado (n.os 1567 a 1585 do acórdão recorrido). Em quarto lugar, o Tribunal Geral constatou que já não havia que responder à terceira alegação, relativa ao facto de a análise econométrica dos preços realizada pela Comissão enfermar de um vício metodológico (n.o 1586 do acórdão recorrido). |
346. |
Após esta apreciação, o Tribunal Geral, tendo recordado, no n.o 1374 do acórdão recorrido, o princípio segundo o qual a fiscalização exercida pelo juiz da União sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão se limita necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos e da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder ( 140 ), concluiu que, no caso em apreço, a Comissão tinha cometido uma série de «erros» na análise da definição do mercado relevante e tinha, portanto, restringido erradamente o mercado relevante dos produtos acabados apenas à molécula do perindopril, pelo que havia que julgar procedente o décimo quarto fundamento invocado em primeira instância (n.os 1589 a 1592 do acórdão recorrido). |
347. |
Em seguida, em segundo lugar, o Tribunal Geral julgou procedente o décimo quinto fundamento da Servier em primeira instância e anulou a conclusão formulada na decisão controvertida segundo a qual a Servier detinha uma posição dominante neste mercado dos produtos acabados (n.os 1595 a 1608 do acórdão recorrido). |
348. |
O Tribunal Geral julgou igualmente procedente, em terceiro lugar, o décimo sexto fundamento da Servier em primeira instância e anulou a conclusão relativa à existência de uma posição dominante da Servier no mercado a montante dos produtos acabados, ou seja, o mercado da tecnologia (n.os 1611 a 1622 do acórdão recorrido). |
349. |
Por último, na falta de uma definição correta de mercado, o Tribunal Geral julgou procedente, em quarto lugar, o décimo sétimo fundamento da Servier em primeira instância e anulou a conclusão da decisão controvertida relativa ao comportamento abusivo da Servier (n.os 1625 a 1632 do acórdão recorrido). |
350. |
Com base nestas considerações, o Tribunal Geral anulou o artigo 6.o (declaração de uma infração da Servier ao artigo 102.o TFUE) e o artigo 7.o, n.o 6 (coima por esta infração) do dispositivo da decisão controvertida (n.os 1633 e 1963 e n.os 2 e 3 do dispositivo do acórdão recorrido). |
b) Fundamentos de recurso relativos ao artigo 102.o TFUE
351. |
A Comissão invoca quatro fundamentos de recurso respeitantes às constatações do Tribunal Geral relativas à definição do mercado relevante. |
352. |
No âmbito do seu oitavo fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito ao considerar que a Comissão tinha dado uma importância excessiva aos preços na determinação do mercado dos produtos acabados (1). |
353. |
Com o seu nono fundamento de recurso, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu erros de direito tanto na sua abordagem conceptual como nas suas constatações específicas no que respeita à substituibilidade terapêutica (2). |
354. |
O décimo fundamento de recurso da Comissão visa obter a declaração de que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando julgou admissíveis os anexos A 286 e A 287 da petição e o anexo C 29 da réplica (3). |
355. |
Por último, no âmbito do seu décimo primeiro e último fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando anulou, com base nas suas conclusões relativas ao mercado dos produtos acabados, as constatações da Comissão relativas ao mercado relevante da tecnologia do IFA do perindopril (4). |
1) Quanto à posição do preço na determinação do mercado relevante dos produtos acabados (oitavo fundamento de recurso)
356. |
No âmbito do seu oitavo fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito, nomeadamente ao aplicar de forma errada o conceito de mercado relevante e ao apresentar uma fundamentação insuficiente e/ou contraditória, ao julgar procedente, nos n.os 1567 a 1586 do acórdão recorrido, a segunda parte da primeira alegação do décimo quarto fundamento formulado pela Servier em primeira instância, que criticava o facto de a Comissão ter atribuído uma importância excessiva às evoluções dos preços relativos dos medicamentos na determinação do mercado relevante dos produtos (n.os 344 e 345, supra). |
357. |
Como recorda a Comissão e conforme acima indicado no n.o 345, o Tribunal Geral julgou improcedente a primeira parte da primeira alegação do décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância (n.os 1406 a 1417 do acórdão recorrido). Deste modo, o Tribunal Geral confirmou que a Comissão tinha efetivamente tido em conta todo o contexto económico na sua análise do mercado relevante, incluindo a utilização terapêutica dos medicamentos e as alterações relativas dos preços (n.os 1411 a 1415 do acórdão recorrido). O Tribunal Geral reconheceu igualmente, enquanto elementos factuais, a pouca sensibilidade do perindopril às variações dos preços dos outros IEC, não contestada pela Servier, bem como as circunstâncias de que os volumes do perindopril vendidos pela Servier tinham constantemente progredido e de que a rentabilidade da Servier se tinha mantido muito alta durante o período considerado (n.os 1499, 1500, 1559, 1573, 1579 e 1583 do acórdão recorrido). |
358. |
Como salienta a Comissão, o Tribunal Geral considerou que a Comissão tinha tomado em consideração todos os elementos relevantes, mas que tinha atribuído uma importância excessiva às alterações relativas dos preços num contexto em que estas alterações, que consistiam na queda maciça dos preços dos outros IEC, alegadamente em concorrência com o perindopril, que ia até 90 % ( 141 ), não tinham afetado nem os preços nem os volumes do perindopril vendido pela Servier, nem a rentabilidade desta última num período de nove anos. |
359. |
A Comissão alega que, deste modo, o Tribunal Geral cometeu uma série de erros de direito, relativos aos fatores ligados aos preços na determinação do mercado relevante (i), à falta de sensibilidade aos preços dos médicos prescritores (ii), bem como à tomada em consideração da concorrência exercida pelos genéricos do perindopril (iii). |
i) Quanto aos fatores ligados aos preços na determinação do mercado relevante (primeira e segunda partes do oitavo fundamento de recurso)
360. |
No âmbito das primeira e segunda partes do seu oitavo fundamento de recurso, a Comissão alega, por um lado, que, nomeadamente, nos n.os 1380 a 1405 e 1567 a 1586 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que os fatores ligados ao preço tinham tido demasiada importância na determinação do mercado relevante, não atribuindo, ele próprio, qualquer importância real ao fator preço na sua análise. Por outro lado, a Comissão sustenta que o acórdão recorrido enferma de uma insuficiência de fundamentação e de uma contradição de fundamentos relativos aos fatores ligados aos preços. |
361. |
Há que constatar que resulta da mera leitura das considerações do Tribunal Geral a este respeito que a Comissão tem razão ao sustentar que as mesmas enfermam de uma fundamentação insuficiente e contraditória. |
362. |
As considerações do Tribunal Geral relativas ao fator preço começam, nos n.os 1390 a 1404 do acórdão recorrido, por uma série de reflexões gerais sobre a «delimitação de um mercado relevante de produtos no setor farmacêutico» ( 142 ). O Tribunal Geral salientou aí, em substância, que a pressão concorrencial pelos preços era largamente atenuada no setor farmacêutico, devido à importância concedida pelos prescritores aos aspetos terapêuticos dos medicamentos e ao quadro regulamentar que regula os seus preços e as suas modalidades de reembolso (n.os 1390 a 1394 do acórdão recorrido). |
363. |
Segundo o Tribunal Geral, a liberdade de escolha dos médicos e a atenção que dão aos aspetos terapêuticos permitem o exercício de pressões concorrenciais significativas, de ordem qualificativa e não tarifária, fora dos mecanismos habituais de pressão pelos preços (n.os 1395 a 1397 do acórdão recorrido). |
364. |
Simultaneamente, o Tribunal Geral reconheceu, nos n.os 1392 e 1398 do acórdão recorrido, que a variável do preço podia ter a sua importância para a determinação do mercado relevante no setor farmacêutico. A inexistência de impacto da redução significativa do preço de um medicamento sobre um medicamento reconhecido como substituível podia, portanto, constituir um indício da fraqueza da pressão concorrencial sofrida por este último. |
365. |
Do mesmo modo, o Tribunal Geral indicou, no n.o 1578 do acórdão recorrido, que a substituibilidade económica podia existir quando alterações que afetam variáveis económicas significativas distintas dos preços transferem uma parte significativa das vendas de um produto para outro. |
366. |
Todavia, o Tribunal Geral não explicou as razões pelas quais, em seu entender, o facto, reconhecido nos n.os 1573 a 1575 do acórdão recorrido, de as reduções significativas dos preços dos outros IEC não terem tido qualquer impacto sobre o perindopril e de não ter, precisamente, havido uma transferência das vendas do perindopril para os outros IEC, não ser um indicador da inexistência de pressão concorrencial dos outros IEC sobre o perindopril. |
367. |
De igual modo, o Tribunal Geral não explicou a sua conclusão que figura no n.o 1579 do acórdão recorrido, que começa pela locução «por conseguinte», apesar de os números precedentes não permitirem fundamentar o seu conteúdo. Segundo esta conclusão não explicada, a circunstância de as vendas e os preços do perindopril só terem caído após a entrada do perindopril genérico, ao passo que permaneceram estáveis durante a redução dos preços dos outros IEC, não permitia concluir pela inexistência de pressões concorrenciais até à entrada dos genéricos do perindopril. |
368. |
O Tribunal Geral limitou‑se, no n.o 1577 do acórdão recorrido, a afirmar que, no setor farmacêutico, havia que ter em conta pressões concorrenciais de ordem não tarifária, e a remeter a este respeito para as suas considerações constantes dos n.os 1418 a 1566 do acórdão recorrido, destinadas a responder à segunda alegação do décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância, que dizia respeito à substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC (n.o 1369 do acórdão recorrido). |
369. |
Ora, não só essa remissão geral, desprovida de explicações, para as considerações expostas em 149 números do acórdão recorrido não permite às partes e ao Tribunal de Justiça compreender a fundamentação do Tribunal Geral, como as afirmações do Tribunal Geral também não permitem compreender as razões pelas quais as pressões concorrenciais de ordem não tarifária, alegadamente exercidas pelos outros IEC sobre o perindopril, ainda que a sua existência tivesse sido suficientemente fundamentada nestes 149 números, não se traduziram de forma nenhuma na evolução dos preços e dos volumes do perindopril, observada pela Comissão, que sugere, pelo contrário, que o perindopril estava ao abrigo de pressões por parte dos outros IEC. |
370. |
Por conseguinte, como a Comissão corretamente alega, a fundamentação do Tribunal Geral relativa ao fator preço não só é insuficiente, uma vez que não permite compreender a posição deste fator no conjunto da sua análise, como também é contraditória, na medida em que o Tribunal Geral aceita, em princípio, num primeiro momento, o papel do fator preço, para, num segundo momento, o afastar dessa mesma análise sem fundamentos que o justifiquem. |
371. |
Por último, como salienta a Comissão, quando procedeu à sua análise relativa ao mercado relevante, o Tribunal Geral parece ter posto em causa a importância do fator preço enquanto tal. O Tribunal Geral não estabelece uma relação entre as considerações sobre as pressões não tarifárias, por um lado, e os preços, por outro, limitando‑se a indicar que as primeiras existiam e que o facto de não terem tido impacto sobre os segundos não era pertinente para efeitos da análise. |
372. |
Ora, a Comissão alega com razão que, deste modo, o Tribunal Geral violou os princípios estabelecidos pela jurisprudência no que respeita à definição do mercado relevante para efeitos da aplicação do artigo 102.o TFUE. |
373. |
Segundo estes princípios, a definição do mercado em causa é efetuada com vista a estabelecer os limites dentro dos quais se deve apreciar a questão de saber se uma empresa se pode comportar, de forma significativa, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores ( 143 ). |
374. |
Por outras palavras, trata‑se de analisar se existem produtos concorrentes que exerçam uma pressão concorrencial significativa sobre as empresas em causa ( 144 ). Para efeitos dessa análise, há que ter em conta não apenas as características objetivas dos produtos em causa, no caso em apreço a substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC, como também as condições de concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado e, portanto, todos os indicadores de pressões concorrenciais possíveis ( 145 ). |
375. |
Como o Tribunal Geral reconheceu no seu Acórdão no processo AstraZeneca/Comissão ( 146 ), estes princípios são igualmente válidos quando se trata de mercados farmacêuticos, uma vez que as especificidades desses mercados não retiram a pertinência aos indicadores baseados nos preços. |
376. |
Na determinação do mercado relevante importa, por conseguinte, identificar de forma sistemática os condicionalismos concorrenciais que as empresas em causa têm de enfrentar para identificar os concorrentes efetivos que são suscetíveis de restringir o comportamento dessas empresas ou de as impedir de atuar independentemente de uma pressão concorrencial efetiva ( 147 ). |
377. |
No âmbito desta análise, podem ser tidos em conta acontecimentos naturais no mercado durante o período considerado ( 148 ), do mesmo modo que os factos invocados a título de comportamentos abusivos ( 149 ). |
378. |
Nesse exercício, não é possível abstrair de fatores, como no caso em apreço a evolução dos preços do perindopril e dos outros IEC, que indicam que os produtos que poderiam teoricamente ser substitutos do produto em causa não exerceram pressão concorrencial significativa neste. Isto é tanto mais verdade quanto esta evolução mostra que só a entrada no mercado dos genéricos do próprio perindopril teve impacto neste último. Ora, são precisamente os acordos celebrados pela Servier a fim de atrasar a entrada destes genéricos no mercado que, no caso em apreço, estão na base da acusação da existência de um abuso. |
379. |
Resulta das considerações precedentes que as primeira e segunda partes do oitavo fundamento de recurso da Comissão, relativas a uma fundamentação insuficiente e contraditória e a erros de direito no que respeita à tomada em consideração do fator preço na análise do mercado relevante pelo Tribunal Geral, são procedentes. |
ii) Quanto à insensibilidade aos preços dos médicos prescritores (terceira e quarta partes do oitavo fundamento de recurso)
380. |
Com as terceira e quarta partes do seu oitavo fundamento de recurso, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu erros de direito nas suas considerações relativas à falta de sensibilidade aos preços dos médicos prescritores e ao formular uma fundamentação insuficiente e/ou contraditória a este respeito. |
381. |
Antes de mais, há que constatar que, como a Comissão alega, esta fundamentação do acórdão recorrido se afigura efetivamente contraditória e não permite compreender as consequências que o Tribunal Geral retirou da insensibilidade dos médicos aos preços. |
382. |
Assim, por um lado, o Tribunal Geral indicou, no n.o 1390 do acórdão recorrido, que o facto de a pressão concorrencial pelos preços ser atenuada no setor farmacêutico devido à importância concedida pelos médicos aos aspetos terapêuticos poderia justificar a delimitação de mercados pequenos. Por outro lado, o Tribunal Geral baseou‑se, nos n.os 1575 a 1578 do acórdão recorrido, na insensibilidade dos médicos aos preços para justificar uma definição ampla do mercado com base em pressões concorrenciais não tarifárias exercidas sobre o perindopril pelos outros IEC. |
383. |
Além disso, ao mesmo tempo que destacou, nos n.os 1393 a 1395 do acórdão recorrido, que a procura no setor farmacêutico era essencialmente determinada pelos médicos prescritores, o Tribunal Geral reconheceu, nomeadamente nos n.os 1398 e 1464 do acórdão recorrido, que a procura neste setor era também determinada pelos sistemas de segurança social, suscetíveis de encorajar a prescrição de versões genéricas de medicamentos reconhecidos como equivalentes. |
384. |
Atendendo a esta fundamentação insuficiente e contraditória, não é portanto possível compreender as conclusões que o Tribunal Geral daí retira quanto à incidência da procura no setor farmacêutico. |
385. |
Além disso, a Comissão tem igualmente razão quando sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ignorar a própria função da definição do mercado, que consiste em identificar as pressões concorrenciais significativas a que estão sujeitas as empresas, no caso em apreço a Servier. Como alega a Comissão, a insensibilidade dos médicos aos preços é antes suscetível de diminuir as pressões concorrenciais sofridas pela Servier, na medida em que lhe permite fixar os seus preços mais livremente, e não o contrário, o que, de resto, o Tribunal Geral reconheceu no n.o 1390 do acórdão recorrido ( 150 ). |
386. |
Como a Comissão alegou, nomeadamente na audiência no presente processo de recurso, o Tribunal Geral ignorou o conceito de mercado relevante ao concentrar‑se longamente nas pressões que recaíam sobre os médicos em vez de analisar as pressões que recaíam sobre a Servier. Ora, como a Comissão também salientou na audiência, o objeto da definição do mercado não é estudar as escolhas dos médicos enquanto tais, mas analisar as suas implicações para o alcance das pressões concorrenciais exercidas sobre a Servier. |
387. |
Daqui resulta que as terceira e quarta partes do oitavo fundamento de recurso, relativas a erros de direito e à insuficiência de fundamentação na tomada em consideração das escolhas dos médicos para efeitos da determinação do mercado relevante pelo Tribunal Geral, são igualmente procedentes. |
iii) Quanto à concorrência exercida pelos genéricos do perindopril (quinta e sexta partes do oitavo fundamento de recurso)
388. |
Por último, com as quinta e sexta partes do seu oitavo fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não tomar suficientemente em conta a concorrência exercida pelos genéricos do perindopril e ao proceder, a este respeito, a uma fundamentação insuficiente e/ou contraditória. |
389. |
Estas críticas coincidem em parte com certas alegações já examinadas no âmbito da primeira e segunda partes do oitavo fundamento de recurso. |
390. |
Como já foi constatado nos n.os 367 e 369, supra, a fundamentação do Tribunal Geral é insuficiente na medida em que não permite compreender as conclusões que o Tribunal Geral retirou do facto, que reconheceu, porém, nos n.os 1392 e 1579 do acórdão recorrido, de os preços do perindopril terem caído maciçamente com a introdução dos genéricos deste último, ao passo que permaneceram estáveis com a introdução dos genéricos dos outros IEC. |
391. |
Do mesmo modo, também não é possível compreender as conclusões que o Tribunal Geral retirou do facto, reconhecido nos n.os 1392 e 1398 do acórdão recorrido, de que os sistemas de segurança social podiam encorajar a prescrição de genéricos, quer os genéricos do próprio medicamento em causa quer os genéricos de medicamentos reconhecidos como equivalentes. |
392. |
A Comissão salienta que o n.o 1392 do acórdão recorrido sugere que a pressão concorrencial exercida pelos genéricos de um determinado medicamento só podia ser tida em conta após a sua chegada efetiva ao mercado, o que é errado. No entanto, a leitura do n.o 1392 do acórdão recorrido não permite compreender se o Tribunal Geral restringiu assim efetivamente a tomada em consideração da pressão concorrencial exercida pelos genéricos de um determinado medicamento. |
393. |
Em qualquer caso, o Tribunal de Justiça precisou, no Acórdão Generics (UK) e o., que os genéricos de um determinado medicamento podem ser tidos em conta para efeitos da determinação do mercado relevante mesmo que não sejam ainda efetivamente comercializados no mercado e que a situação em matéria de patentes seja incerta, quando os fabricantes de medicamentos genéricos em causa possam entrar a curto prazo no mercado em questão com força suficiente para constituir um contrapeso sério ao fabricante de medicamentos originais já presente nesse mercado ( 151 ). |
394. |
No âmbito da análise desta questão, são igualmente pertinentes os elementos que demonstram a perceção, pelo titular da patente, dos genéricos como uma ameaça ( 152 ). Por conseguinte, no caso em apreço, como já foi indicado no n.o 378, supra, o facto de a prática imputada na decisão controvertida consistir na estratégia implementada pela Servier para atrasar a entrada dos genéricos no mercado é um elemento importante no âmbito da análise do mercado relevante. |
395. |
Ora, como a Comissão acertadamente alega, o Tribunal Geral não explicou qual a pertinência que tencionava atribuir, na sua análise, às pressões concorrenciais exercidas pelos genéricos do perindopril. |
396. |
Pelo contrário, o Tribunal Geral concentrou a sua análise na substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC, sem ter suficientemente em conta o facto, salientado pela Comissão, de que esta substituibilidade, embora existente em teoria, não se traduzir, na prática, numa substituição efetiva entre estes medicamentos. |
397. |
Decorre do que precede que as quinta e sexta partes do oitavo fundamento de recurso, relativas a uma insuficiente tomada em consideração das pressões concorrenciais exercidas pelos genéricos do perindopril, bem como a uma fundamentação insuficiente a este respeito, devem igualmente ser julgadas procedentes. |
iv) Conclusão intercalar
398. |
Resulta das considerações precedentes, efetuadas no âmbito da apreciação do oitavo fundamento de recurso, que o Tribunal Geral cometeu erros de direito e violou o dever de fundamentação do seu acórdão quando declarou que a Comissão tinha atribuído uma importância excessiva ao fator preço na determinação do mercado relevante dos produtos acabados. |
399. |
Ora, estes erros bastam, por si só, para pôr em causa as conclusões do Tribunal Geral, que figuram nos n.os 1589 a 1591 do acórdão recorrido, segundo as quais a Comissão definiu erradamente o mercado relevante dos produtos acabados e não estava demonstrado que este mercado estava limitado apenas ao perindopril original e genérico (n.o 346, supra). |
400. |
Assim, no n.o 1589 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral enumerou, é certo, cinco erros distintos alegadamente cometidos pela Comissão na determinação do mercado relevante dos produtos acabados. Destes erros, os quatro primeiros dizem respeito à substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC e às pressões concorrenciais não tarifárias, ao passo que só o quinto diz respeito à tomada em consideração do fator preço. |
401. |
Todavia, dada a importância da análise do referido fator preço na análise global da Comissão (v. n.o 338, supra) e a sua interdependência com os outros fatores (v. n.os 369, 371 e 378, supra), a constatação do caráter errado e insuficientemente fundamentado das conclusões do Tribunal Geral a este respeito fere de erro toda a análise feita por este último à luz da definição do mercado relevante, sem que seja necessário examinar o nono fundamento de recurso da Comissão, relativo a erros do Tribunal Geral na tomada em consideração da substituibilidade terapêutica na determinação do mercado relevante dos produtos acabados. |
402. |
Por conseguinte, os erros do Tribunal Geral, constatados no âmbito da apreciação do oitavo fundamento de recurso, justificam por si só a anulação do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral julgou procedentes, com base na conclusão sobre o caráter alegadamente errado da definição do mercado relevante dos produtos pela Comissão, os décimo quarto a décimo sétimo fundamentos invocados pela Servier em primeira instância e anulou o artigo 6.o e o artigo 7.o, n.o 6, da decisão controvertida (v. n.os 343 a 350, supra). |
403. |
Por conseguinte, é apenas por uma questão de exaustividade que examinaremos os outros fundamentos de recurso da Comissão relativos ao artigo 102.o TFUE. |
2) Quanto à tomada em consideração da substituibilidade terapêutica na determinação do mercado relevante dos produtos acabados (nono fundamento de recurso)
404. |
Com o seu nono fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito tanto na sua abordagem conceptual como nas suas conclusões específicas no que respeita à substituibilidade terapêutica. |
405. |
No âmbito da primeira parte deste fundamento, relativa a erros cometidos pelo Tribunal Geral na análise do papel da substituibilidade terapêutica na determinação do mercado relevante dos produtos acabados, a Comissão põe essencialmente em causa considerações que figuram na parte do acórdão recorrido destinada à apreciação da segunda parte da primeira alegação do décimo quarto fundamento invocado em primeira instância, relativa à importância excessiva atribuída ao fator preço na análise do mercado (n.os 1567 a 1585 do acórdão recorrido) (v. n.o 345, supra) (i). |
406. |
No âmbito das segunda a sexta partes do presente fundamento, relativas a erros cometidos pelo Tribunal Geral na tomada em consideração ou na análise de um certo número de elementos de prova, a Comissão critica as considerações que figuram na parte do acórdão recorrido destinada à apreciação da segunda alegação do décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância, que dizia respeito à substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC (n.os 1418 a 1566 do acórdão recorrido) (v. n.o 345, supra) (ii). |
i) Quanto ao papel da substituibilidade terapêutica na determinação do mercado relevante dos produtos acabados (primeira parte do nono fundamento de recurso)
407. |
Com a primeira parte do seu nono fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na sua análise do papel da substituibilidade terapêutica na determinação do mercado relevante dos produtos acabados. |
408. |
Contrariamente ao que alega a Servier, a presente parte não é inadmissível por respeitar apenas à apreciação dos factos pelo Tribunal Geral. Esta parte respeita, pelo contrário, à qualificação jurídica dos factos e às consequências jurídicas que o Tribunal Geral daí retirou, o que é abrangido pela fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral ( 153 ). |
409. |
As críticas avançadas pela Comissão no âmbito desta primeira parte do presente fundamento, relativas à sobreavaliação dos fatores de concorrência não tarifários na análise do mercado relevante dos produtos acabados por parte do Tribunal Geral, refletem as críticas avançadas pela Comissão no âmbito do seu oitavo fundamento de recurso, relativas à subavaliação do fator preço pelo Tribunal Geral nessa análise. |
410. |
Por conseguinte, os argumentos da Comissão no âmbito da presente parte do nono fundamento de recurso coincidem com uma parte dos argumentos já examinados e considerados procedentes no âmbito da análise do oitavo fundamento de recurso. |
411. |
A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na sua tomada em consideração da substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC. Segundo a Comissão, o Tribunal Geral deduziu desta mera substituibilidade terapêutica a presença de pressões concorrenciais efetivas de ordem não tarifária exercidas pelos outros IEC sobre o perindopril. |
412. |
A Comissão põe em causa os n.os 1385, 1395, 1397, 1574 a 1577, 1579 e 1584 do acórdão recorrido, que já foram examinados, no essencial, nos n.os 362 a 369, supra. Nesses números, o Tribunal Geral considerou, em substância, que os médicos se orientavam, nas suas escolhas de prescrição, essencialmente por fatores não tarifários, e que a análise dos acontecimentos naturais relativos aos preços não permitia concluir pela inexistência de pressões concorrenciais de ordem qualitativa e não tarifária. |
413. |
Ora, como já se concluiu nos n.os 361 e 370 a 378, supra, a Comissão tem razão ao sustentar que, ao proceder a estas constatações, o acórdão do Tribunal Geral não só padece de fundamentação insuficiente, como também viola os princípios que regem a determinação do mercado relevante. Segundo estes princípios, ao proceder a essa determinação, não é possível limitar o exame apenas às características objetivas dos produtos em causa, no caso em apreço, a substituibilidade terapêutica ( 154 ). |
414. |
Com efeito, como alega a Comissão, o Tribunal Geral parece ter deduzido da mera substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC e, portanto, das características objetivas destes medicamentos, que estes últimos exerciam necessariamente pressões concorrenciais não tarifárias sobre o primeiro. |
415. |
Ora, como salienta a Comissão, a substituibilidade de utilização entre dois produtos, e especialmente entre dois medicamentos, é apenas o ponto de partida para o exame da questão de saber se esses produtos fazem parte do mesmo mercado relevante de produtos ( 155 ). Esta substituibilidade de utilização não pode, em contrapartida, constituir já o ponto de chegada desse exame, que, pelo contrário, deve prosseguir para determinar se a referida substituibilidade de utilização se traduz realmente, tendo em conta as condições de concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado em causa, em pressões concorrenciais efetivas. |
416. |
Daqui resulta que a Comissão tem razão ao sustentar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito devido ao modo como teve em conta a substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC na sua análise do mercado relevante dos produtos acabados. A primeira parte do nono fundamento de recurso deve, portanto, ser julgada procedente. |
ii) Quanto à tomada em consideração ou à análise de um certo número de elementos de prova (segunda a sexta partes do nono fundamento de recurso)
417. |
Com as segunda, terceira, quarta, quinta e sexta partes do nono fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na tomada em consideração ou na análise de um certo número de elementos. |
418. |
Como já foi indicado no n.o 406, supra, os elementos visados por estas partes fazem parte dos elementos analisados pelo Tribunal Geral no âmbito da sua apreciação da segunda alegação do décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância, relativa à substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC, exposta nos n.os 1418 a 1566 do acórdão recorrido (v n.o 345, supra). |
419. |
No âmbito da segunda parte do nono fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no exame dos estudos sobre o perindopril, exposto nos n.os 1435 e 1446 do acórdão recorrido. No entanto, este exame diz respeito à interpretação das recomendações médicas e dos estudos sobre o perindopril, o que é abrangido pela apreciação dos factos e dos elementos de prova pelo Tribunal Geral. A presente parte é, portanto, inadmissível ( 156 ). |
420. |
Embora, como salienta a Comissão, o Tribunal de Justiça fiscalize a pertinência e a utilização dos factos pelo Tribunal Geral para efeitos da determinação do mercado relevante, bem como o peso respetivo por ele atribuído a factos e a relação estabelecida entre os mesmos ( 157 ), a própria apreciação desses factos é, salvo em caso de desvirtuação, da competência exclusiva do Tribunal Geral. |
421. |
É certo que a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu igualmente erros conceptuais, nomeadamente ao confundir os conceitos de diferenciação e de superioridade (n.o 1446 do acórdão recorrido). De igual modo, segundo a Comissão, o Tribunal Geral cometeu tais erros na avaliação das conclusões a tirar dos esforços de promoção envidados pela Servier (n.os 1541 a 1566 do acórdão recorrido), e na apreciação da pertinência de estudos sobre os outros IEC para a diferenciação do perindopril desses outros IEC (n.os 1448 e 1449 do acórdão recorrido). Todavia, a Comissão não explica quais seriam as consequências destes erros conceptuais para a análise da questão de saber se os outros IEC exerciam pressões concorrenciais de ordem não tarifária sobre o perindopril. Por conseguinte, não se vislumbra qual a declaração do Tribunal de Justiça que a Comissão pretende obter com esta segunda parte do nono fundamento de recurso. |
422. |
Com a terceira parte do nono fundamento de recurso, a Comissão alega que, nos n.os 1466 a 1473 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao tomar em consideração os documentos internos de estratégia da Servier e ao relacioná‑los com as recomendações médicas e com a peritagem do professor V. (n.os 1455 a 1457 do acórdão recorrido). Estas críticas incidem essencialmente sobre a apreciação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, sem que seja invocada uma desvirtuação, o que é inadmissível em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral. |
423. |
É certo que a Comissão parece sustentar que o Tribunal Geral cometeu um erro na apreciação das consequências a retirar, no que respeita às pressões concorrenciais alegadamente exercidas sobre o perindopril pelos outros IEC, dos esforços de promoção da Servier e do facto de estes terem cessado com a entrada no mercado dos genéricos do perindopril. Todavia, também neste caso, não explica melhor quais seriam as consequências desse erro e qual a declaração do Tribunal de Justiça que a Comissão pretende obter em caso de procedência da presente parte do nono fundamento de recurso. |
424. |
No âmbito da quarta parte do nono fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao tomar em conta factos não pertinentes. A este respeito, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral tomou erradamente em conta a dimensão da base dos pacientes dos outros IEC (n.os 1494, 1495, 1499 e 1500 do acórdão recorrido), os volumes de negócios dos outros IEC (n.os 1497 e 1498 do acórdão recorrido) e as quotas de mercado detidas pelo perindopril no mercado alemão (n.o 1497 do acórdão recorrido), que não fazia parte dos quatro mercados nacionais analisados para efeitos da aplicação do artigo 102.o TFUE. Além disso, segundo a Comissão, o Tribunal Geral aplicou incorretamente esta disposição ao concluir que a evolução relativa dos diferentes IEC podia pôr em causa a constatação de um mecanismo de inércia dos médicos (n.os 1502, 1506 e 1507 do acórdão recorrido). |
425. |
Há que concluir que a fundamentação exposta nestes números do acórdão recorrido não permite compreender de que modo estas constatações do Tribunal Geral, relativas aos outros IEC, são pertinentes em relação à conclusão sobre o crescimento contínuo das vendas do perindopril e ao fenómeno de «inércia» dos médicos, em cuja análise se inscrevem as referidas constatações (n.o 1488 do acórdão recorrido). Não se vislumbra como é que o facto de tal fenómeno ter igualmente podido existir no que respeita aos outros IEC e de os seus volumes terem igualmente estado em crescimento permite fundamentar a conclusão de que estes outros IEC exerciam uma pressão concorrencial sobre o perindopril e faziam parte do mesmo mercado que este. O Tribunal Geral referiu‑se, no n.o 1507 do acórdão recorrido, às flutuações no tempo das vendas relativas dos IEC como suscetíveis de pôr em causa a conclusão sobre um fenómeno de «inércia» dos médicos, mas sem estabelecer uma relação com a conclusão relativa ao crescimento contínuo das vendas do perindopril reconhecida, todavia, nos n.os 1499, 1500, 1579 e 1583 do acórdão recorrido. |
426. |
Como indica a Comissão, as constatações do Tribunal Geral, relativas às quotas de mercado dos outros IEC, pressupõem que é necessário demonstrar, a saber, a existência de um mercado comum entre estes outros IEC e o perindopril ( 158 ), o que, de resto, o Tribunal Geral reconheceu no n.o 1506 do acórdão recorrido. |
427. |
Daqui resulta que o acórdão recorrido enferma de fundamentação insuficiente no que respeita à tomada em consideração dos dados sobre os outros IEC para efeitos da apreciação do fenómeno de «inércia» dos médicos, examinado nos n.os 1483 a 1513 do acórdão recorrido. Por conseguinte, a conclusão do Tribunal Geral que figura no n.o 1513 do acórdão recorrido não pode ser mantida. Segundo esta conclusão, a Comissão não demonstrou que um fenómeno de «inércia» dos médicos e a existência de um grupo crescente de prescritores «fiéis» ao perindopril tinham restringido de forma significativa a pressão concorrencial exercida sobre o perindopril pelos outros IEC para os novos pacientes. |
428. |
A quarta parte do nono fundamento de recurso deve, portanto, ser julgada procedente. |
429. |
Com a quinta parte do nono fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral desvirtuou as provas no n.o 1519 do acórdão recorrido, ao declarar que, «[n]a falta de diferenças de eficácia e de tolerância entre IEC, não está demonstrado que a alteração de tratamento entre IEC suscitava receios específicos da parte dos médicos». |
430. |
Ora, resulta da mera leitura dos considerandos 2181, 2187, 2379, 2436, 2497 e 2499 bem como da nota 3303 da decisão controvertida, invocados pela Comissão, que a conclusão do Tribunal Geral, reproduzida no n.o 429, supra, constitui uma desvirtuação dos mesmos ( 159 ). Com efeito, resulta destes considerandos e desta nota que a Comissão não baseou a conclusão relativa a um receio por parte dos médicos quanto à alteração do tratamento de um doente com hipertensão em diferenças de eficácia e de tolerância entre os IEC. A Comissão baseou antes esta conclusão no facto de o processo para encontrar o bom tratamento poder ser longo, de o equilíbrio entre a tensão saudável e o tratamento individual adaptado a cada paciente específico poder ser difícil de encontrar, e de a alteração de tratamento, na medida em que implica necessariamente um período sem controlo da hipertensão, comportar riscos importantes que podem até implicar a morte dos pacientes em causa. |
431. |
Por conseguinte, a quinta parte do nono fundamento de recurso, relativa a uma desvirtuação pelo Tribunal Geral no n.o 1519 do acórdão recorrido, deve igualmente ser julgada procedente. |
432. |
Por último, com a sexta e última parte do nono fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito e desvirtuou as provas na sua tomada em consideração dos estudos Thalès, efetuada nos n.os 1520 a 1522 do acórdão recorrido. |
433. |
Estes estudos analisaram os hábitos de prescrição dos médicos generalistas durante um certo período em França e no Reino Unido, e apuraram que mais de 90 % das prescrições de perindopril correspondiam a renovações. A Comissão deduziu dos resultados destes estudos, nos considerandos 2380 a 2385 da decisão controvertida, uma taxa de «fidelidade» superior a 90 %, o que confirmava a existência de efeitos de bloqueio. |
434. |
No entanto, nos n.os 1520 a 1522 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral relativizou a pertinência destes estudos, ao declarar que a proporção de receitas de renovação no número total de receitas apenas fornecia uma informação parcial sobre a propensão para alteração dos pacientes tratados com perindopril, nomeadamente porque taxa de prescrições de renovação dependia da frequência das visitas dos pacientes ao consultório dos médicos. |
435. |
Ora, sem sequer examinar a objeção da Comissão segundo a qual não pôde tomar posição sobre este argumento, apresentado pelo Tribunal Geral pela primeira vez no acórdão recorrido, há que concluir que, mais ainda do que de uma desvirtuação, as considerações em causa enfermam de insuficiência de fundamentação porque não são compreensíveis. Assim, não se indica de que modo uma taxa de 90 % de prescrições de renovação no número total de prescrições pode não ser um indicador de fidelidade e de reticência à mudança por parte dos médicos e dos pacientes. Também não é revelada a razão pela qual a frequência das visitas dos pacientes ao consultório dos médicos seria suscetível de afetar esta conclusão, quando parece mais plausível que, diferentemente das prescrições iniciais, as prescrições de renovação não exijam necessariamente uma nova visita ao consultório de um médico. Do mesmo modo, é difícil compreender o argumento do Tribunal Geral segundo o qual «o número de receitas de renovação em relação ao número total de receitas não mede a taxa de fidelidade dos pacientes, no sentido da parte dos pacientes tratados com perindopril no período N que ainda são tratados com perindopril no período N + 1». |
436. |
Daqui resulta que a sexta e última parte do nono fundamento de recurso, relativa a erros do Tribunal Geral na tomada em consideração dos estudos Thalès, é igualmente procedente. |
iii) Conclusão intercalar
437. |
Resulta das considerações precedentes que, das seis partes do nono fundamento de recurso, quatro devem ser julgadas procedentes (n.os 416, 428, 431 e 436, supra). |
438. |
Os erros constatados neste âmbito são, por si só, suficientes para pôr em causa as conclusões do Tribunal Geral que figuram nos n.os 1589 a 1591 do acórdão recorrido, na medida em que se baseiam em alegados erros cometidos pela Comissão na análise e na tomada em consideração da substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC para efeitos da determinação do mercado relevante dos produtos acabados. |
439. |
Esta conclusão não é posta em causa pelo facto, salientado pela Servier, nomeadamente na audiência no presente processo de recurso, de a Comissão não contestar, ou não contestar com sucesso (v. n.os 419 a 423, supra), todas as considerações efetuadas pelo Tribunal Geral no âmbito da sua apreciação da segunda alegação do décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância, relativa à substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC, nos n.os 1418 a 1566 do acórdão recorrido (v n.o 345, supra). |
440. |
É certo que, como já foi indicado no n.o 400, supra, o Tribunal Geral enumerou, no n.o 1589 do acórdão recorrido, cinco erros distintos alegadamente cometidos pela Comissão na determinação do mercado relevante dos produtos acabados, dos quais os quatro primeiros dizem respeito à substituibilidade terapêutica entre o perindopril e os outros IEC e às pressões concorrenciais não tarifárias. Com base na apreciação do nono fundamento de recurso, não é possível determinar com precisão quais desses alegados erros foram postos em causa em sede de recurso da decisão do Tribunal Geral. |
441. |
Todavia, também não é necessário fazer esse exercício. |
442. |
Como o próprio Tribunal Geral indicou no referido n.o 1589 do acórdão recorrido, as conclusões que figuram nesse número resultam de uma análise global dos elementos em que a Comissão baseou a sua apreciação do mercado relevante dos produtos acabados. Por conseguinte, na medida em que a apreciação do nono fundamento de recurso demonstrou que esta análise global enferma de erros quanto a aspetos essenciais, o resultado da referida análise está necessariamente viciado na íntegra. |
443. |
Isto é tanto mais verdade quanto, como já foi indicado no n.o 368, supra, no n.o 1577 do acórdão recorrido o Tribunal Geral limitou‑se a remeter para os n.os 1418 a 1566 do mesmo acórdão, relativos à substituibilidade terapêutica, em apoio da sua afirmação segundo a qual o perindopril podia ser exposto a pressões concorrenciais de ordem qualitativa e não tarifária por parte dos outros IEC. |
444. |
Ora, por um lado, esta remissão geral, sem outras explicações, para as considerações expostas em 149 números de fundamentação não permite ao Tribunal de Justiça compreender em que consistiam essas pressões e se eram efetivamente exercidas. |
445. |
Por outro lado, e em qualquer caso, como já foi salientado nos n.os 369 e 371, supra, as afirmações do Tribunal Geral não permitem compreender como é que este explica que as pressões concorrenciais de ordem não tarifária, alegadamente exercidas pelos outros IEC sobre o perindopril, não se traduziram de forma alguma nas evoluções dos preços e dos volumes do perindopril. |
446. |
A este respeito, há que recordar, por último, que a apreciação do oitavo fundamento de recurso revelou que o Tribunal Geral tinha igualmente cometido erros de direito e violado o seu dever de fundamentação ao concluir que a Comissão tinha atribuído uma importância excessiva ao fator preço na determinação do mercado relevante dos produtos acabados, e que os diferentes fatores tomados em consideração nessa determinação são interdependentes (n.os 398 e 401, supra). |
447. |
À semelhança do que foi constatado após a análise do oitavo fundamento de recurso, a procedência parcial do nono fundamento de recurso deve conduzir, por si só e ainda mais em conjugação com a procedência do oitavo fundamento de recurso, à anulação de todos as conclusões do Tribunal Geral relativos ao artigo 102.o TFUE, que decorrem todas do caráter alegadamente errado da delimitação do mercado relevante dos produtos acabados (v. n.os 343 a 350 e 402, supra). |
448. |
Por conseguinte, é apenas por uma questão de exaustividade que prosseguimos a apreciação dos outros fundamentos de recurso da Comissão relativos ao artigo 102.o TFUE. |
3) Quanto à inadmissibilidade de certos anexos apresentados em primeira instância (décimo fundamento de recurso)
449. |
No âmbito do seu décimo fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando julgou admissíveis os anexos A 286 e A 287 da petição e C 29 da réplica, cuja inadmissibilidade a Comissão já tinha alegado em primeira instância. |
450. |
Importa recordar que, para que um recurso no Tribunal Geral seja admissível, os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia devem resultar, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Embora o corpo da petição possa ser sustentado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos a ela anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a falta dos elementos essenciais da argumentação jurídica, que devem figurar na petição. Com efeito, não incumbe ao Tribunal Geral procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos que poderia considerar que constituem a razão de ser do recurso ( 160 ). |
451. |
No que respeita às apresentações de provas com a réplica, só são admissíveis se constituírem uma contraprova ou uma ampliação das provas apresentadas na sequência de uma contraprova da parte contrária ( 161 ). |
452. |
No caso em apreço, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1459 a 1463 do acórdão recorrido, por um lado, que o anexo C 29 era admissível porque respondia a uma crítica formulada pela Comissão na sua contestação. Por outro lado, o Tribunal Geral concluiu que os anexos A 286, A 287 e C 29 eram admissíveis, porque sustentavam argumentos de facto e de direito invocados na petição e na réplica. |
453. |
No entanto, há que concluir que as indicações do Tribunal Geral, expostas no n.o 1462 do acórdão recorrido, não permitem ao Tribunal de Justiça compreender em que medida a apresentação dos anexos A 286, A 287 e C 29 em primeira instância satisfazia os requisitos recordados no n.o 450, supra. Com efeito, o Tribunal Geral limitou‑se a enunciar que esses anexos eram admissíveis, sem, no entanto, fundamentar suficientemente esta conclusão, pelo que o Tribunal de Justiça não pode verificar o seu mérito. |
454. |
Assim, no n.o 1462 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral limitou‑se a enunciar que, mesmo que os anexos A 286, A 287 e C 29 fossem volumosos e contivessem uma série de documentos, a Servier tinha indicado no corpo dos seus articulados os argumentos invocados. Segundo o Tribunal Geral, a Servier sustentava, pela apresentação destes anexos, que continham documentos provenientes dos organismos regionais de saúde do Reino Unido, a sua argumentação destinada a demonstrar que esses organismos se pronunciaram sobre a equivalência terapêutica entre o perindopril e os outros IEC, que incentivaram os médicos generalistas a substituir o perindopril por outros IEC e que estas políticas, que não têm caráter individual, tiveram um impacto real na procura ao nível local. |
455. |
No âmbito destas explicações, o Tribunal Geral não referiu números dos articulados em primeira instância nem pontos dos anexos em causa para os quais esses articulados remetiam. A afirmação do Tribunal Geral segundo a qual esses anexos eram admissíveis não está, portanto, suficientemente fundamentada. É certo que, nos seus articulados no presente processo de recurso, a Servier indica os números dos seus articulados em primeira instância nos quais figuravam o argumento sustentado pelos anexos em causa e a remissão para as passagens pertinentes destes anexos. Todavia, não incumbe ao Tribunal de Justiça, no âmbito do presente recurso, verificar se, e em que medida, os referidos anexos sustentavam efetivamente argumentos que figuram na petição e proceder ele próprio, desse modo, ao exame da admissibilidade desses anexos em primeira instância. |
456. |
Além disso, é impossível para o Tribunal de Justiça verificar se, e em que medida, o Tribunal Geral se baseou nos anexos A 286, A 287 e C 29 no âmbito das suas considerações posteriores. Com efeito, embora o Tribunal Geral se refira certamente aos documentos contidos nesses anexos, os números desses anexos não são referidos noutros números do acórdão recorrido senão nos n.os 1345 (que resume a argumentação da Comissão) e 1459 a 1463 (que examinam a admissibilidade dos anexos em causa). |
457. |
Por conseguinte, há que concluir que o acórdão recorrido enferma, quanto a este aspeto, de fundamentação insuficiente, que a Comissão também invoca e de que, em qualquer caso, o Tribunal de Justiça pode conhecer oficiosamente ( 162 ). Como sustenta a Comissão, a forma de proceder do Tribunal Geral, no que respeita à apreciação da admissibilidade dos anexos A 286, A 287 e C 29, contrasta com a sua forma de examinar a admissibilidade dos anexos A 2 e A 3, que analisou em pormenor nos n.os 107 a 116 do acórdão recorrido. |
458. |
Nestas condições, o décimo fundamento de recurso deve ser julgado procedente, sem que seja necessário examinar a admissibilidade do anexo C 29 à luz dos princípios recordados no n.o 451, supra. |
4) Quanto ao mercado relevante da tecnologia (décimo primeiro fundamento de recurso)
459. |
No âmbito do seu décimo primeiro fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao anular as conclusões da decisão controvertida relativas ao mercado relevante da tecnologia do IFA do perindopril e à posição dominante ocupada pela Servier nesse mercado (n.o 341, supra). |
460. |
Nos n.os 1611 a 1622 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu pelo caráter errado das conclusões da Comissão relativas ao mercado relevante da tecnologia do IFA do perindopril e à posição da Servier nesse mercado, com base nas suas próprias conclusões relativas ao caráter errado da definição do mercado relevante dos produtos acabados pela Comissão. |
461. |
Ora, na medida em que a análise dos oitavo e nono fundamentos de recurso revelou que estas conclusões estão erradas e devem ser anuladas (v. n.os 398 a 403 e 437 a 448, supra), as considerações do Tribunal Geral relativas ao mercado relevante da tecnologia do IFA do perindopril afiguram‑se também viciadas por erros de direito. |
462. |
Nestas condições, o décimo primeiro fundamento de recurso deve ser julgado procedente, sem que seja necessário examinar os argumentos da Comissão que visam demonstrar que o Tribunal Geral cometeu erros de direito adicionais nas suas considerações sobre o mercado relevante da tecnologia do IFA do perindopril, independentes dos erros cometidos em relação à definição do mercado relevante dos produtos acabados. |
463. |
Todavia, não se pode deixar de observar que, na medida em que as conclusões do Tribunal Geral, relativas ao mercado dos produtos acabados, não podem, devido ao seu caráter errado, servir de base às suas conclusões relativas ao mercado da tecnologia, a Comissão tem razão quando sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito independente ao não analisar as considerações específicas expostas na decisão controvertida, relativas ao mercado da tecnologia. Com efeito, o próprio Tribunal Geral constatou, no n.o 1616 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha utilizado, no âmbito da sua análise do mercado da tecnologia, outros elementos distintos dos utilizados na determinação do mercado relevante dos produtos acabados. |
c) Conclusão quanto aos fundamentos de recurso relativos ao artigo 102.o TFUE
464. |
Decorre da apreciação dos oitavo a décimo primeiro fundamentos de recurso, efetuado nos n.os 351 a 463, supra, que todas as conclusões do Tribunal Geral relativas à aplicação do artigo 102.o TFUE pela Comissão (n.os 343 a 350, supra), devem ser anuladas. |
465. |
Como já foi recordado nos n.os 251 e 328, supra, nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado. |
466. |
Ora, o presente litígio não está em condições de ser julgado no que respeita aos fundamentos invocados pela Servier em primeira instância, relativos ao artigo 102.o TFUE. |
467. |
Por um lado, no que respeita ao décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância, relativo à definição errada do mercado relevante dos produtos acabados, a análise dos oitavo a décimo fundamentos de recurso revelou insuficiências de fundamentação no acórdão recorrido. Além disso, o Tribunal Geral não examinou a terceira alegação do décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância, relativa ao facto de a análise econométrica dos preços realizada pela Comissão enfermar de um vício metodológico. Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça não está em condições de decidir definitivamente sobre o referido décimo quarto fundamento da Servier em primeira instância sem proceder ele próprio a uma nova instrução completa dos autos. |
468. |
Por outro lado, o Tribunal Geral julgou procedentes os décimo quinto a décimo sétimo fundamentos da Servier em primeira instância essencialmente com base nas suas conclusões relativas ao décimo quarto fundamento (n.os 347 a 349, supra). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça também não pode decidir sobre esses fundamentos sem proceder a uma primeira instrução completa dos autos. |
B. Quanto ao recurso no Tribunal Geral
469. |
Resulta das considerações expostas nos n.os 251 a 253, 328 a 330 e 331, supra, que o presente processo está em condições de ser julgado no que respeita à qualificação dos acordos Krka de infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE, tanto no que respeita ao objeto como aos efeitos anticoncorrenciais destes acordos. |
470. |
O Tribunal de Justiça pode, portanto, avocar o processo e julgar improcedentes os nono e décimo fundamentos, bem como o pedido de anulação do artigo 4.o e do artigo 7.o, n.o 4, alínea b), da decisão controvertida, apresentados pela Servier em primeira instância. |
471. |
Em contrapartida, resulta das considerações que figuram nos n.os 466 a 468, supra, que o litígio não está em condições de ser julgado no que respeita aos décimo quarto a décimo sétimo fundamentos e ao pedido de anulação do artigo 6.o e do artigo 7.o, n.o 6, da decisão controvertida, apresentados pela Servier em primeira instância, nem no que respeita ao pedido, apresentado pela Comissão em primeira instância, de que os anexos A 286, A 287 e C 29 sejam julgados inadmissíveis. |
472. |
Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este decida de novo sobre esses fundamentos e pedidos. |
473. |
Neste contexto, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que remeta o processo ao Tribunal Geral numa composição diferente da que proferiu o acórdão recorrido. |
474. |
Há que salientar, todavia, que, por força do artigo 216.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a decisão de remeter, se for caso disso, um processo a outra secção, após a anulação de um acórdão pelo Tribunal de Justiça, cabe ao presidente do Tribunal Geral. |
475. |
A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer que a circunstância de um mesmo juiz participar em duas formações de julgamento que conheceram sucessivamente do mesmo processo não pode, por si só, independentemente de qualquer outro elemento objetivo, levantar dúvidas quanto à imparcialidade do Tribunal Geral ( 163 ). |
V. Quanto às despesas
476. |
Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, o Tribunal de Justiça decidirá igualmente sobre as despesas. |
477. |
Antes de mais, no caso em apreço, resulta das considerações precedentes que o recurso é inteiramente procedente e que tanto as conclusões do Tribunal Geral relativas à qualificação dos acordos Krka como infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE como as relativas à infração ao artigo 102.o TFUE devem ser anuladas. |
478. |
Por conseguinte, há que condenar a Servier SAS, a Servier Laboratories Ltd e a Les Laboratoires Servier SAS a suportar, solidariamente, a totalidade das suas próprias despesas bem como as despesas da Comissão relativas ao presente processo de recurso. |
479. |
No que respeita às despesas relativas ao processo em primeira instância, importa observar, por um lado, que o presente processo de recurso só lhes diz respeito na parte em que se referem aos nono, décimo e décimo quarto a décimo sétimo fundamentos, apresentados pela Servier em primeira instância, bem como ao pedido, apresentado pela Comissão em primeira instância, de que os anexos A 286, A 287 e C 29 sejam julgados inadmissíveis. |
480. |
Por outro lado, importa salientar que o litígio só está em condições de ser julgado no que respeita aos nono e décimo fundamentos invocados pela Servier em primeira instância, relativos à qualificação dos acordos Krka como infração ao artigo 101.o TFUE, bem como no que respeita ao pedido de anulação do artigo 4.o e do artigo 7.o, n.o 4, alínea b), da decisão controvertida, apresentado pela Servier em primeira instância. O Tribunal de Justiça só pode, portanto, avocar o processo e decidir definitivamente o litígio no que respeita a estes fundamentos e pedidos em primeira instância (v. n.os 469 e 470, supra). |
481. |
Em contrapartida, o litígio não está em condições de ser julgado no que respeita aos décimo quarto a décimo sétimo fundamentos invocados pela Servier em primeira instância, relativos à qualificação do seu comportamento como infração ao artigo 102.o TFUE, no que respeita ao pedido de anulação do artigo 6.o e do artigo 7.o, n.o 6, da decisão controvertida, apresentado pela Servier em primeira instância, bem como no que respeita ao pedido, apresentado pela Comissão em primeira instância, de que os anexos A 286, A 287 e C 29 sejam julgados inadmissíveis. O processo deve, portanto, ser remetido ao Tribunal Geral para que este decida de novo sobre esses fundamentos e pedidos (v. n.os 471 e 472, supra). |
482. |
Por conseguinte, há que decidir que a Servier SAS, a Servier Laboratories Ltd e a Les Laboratoires Servier SAS suportarão, solidariamente, as despesas por elas efetuadas bem como as despesas efetuadas pela Comissão em primeira instância relativas aos nono e décimo fundamentos em primeira instância, e reservar para final a decisão quanto às despesas efetuadas pela Servier e pela Comissão em primeira instância relativas aos décimo quarto a décimo sétimo fundamentos invocados pela Servier em primeira instância, bem como ao pedido, apresentado pela Comissão em primeira instância, de que os anexos A 286, A 287 e C 29 sejam julgados inadmissíveis. |
483. |
Seguidamente, nos termos do artigo 184.o, n.o 4, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que um interveniente em primeira instância que tenha participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça suporte as suas próprias despesas. Tendo a EFPIA participado na fase escrita do presente processo de recurso, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas relativas ao processo de recurso. |
484. |
Por último, resulta das disposições conjugadas do artigo 140.o, n.o 1, e do artigo 184.o, n.o 1, do Regulamento de Processo que os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, há que decidir que o Reino Unido suportará as suas próprias despesas relativas ao processo de recurso. |
VI. Conclusão
485. |
Com base nas considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que decida nos seguintes termos:
|
( 1 ) Língua original: francês.
( 2 ) Acórdão de 30 de janeiro de 2020 (C‑307/18, a seguir «Acórdão Generics (UK) e o., EU:C:2020:52).
( 3 ) Acórdãos de 25 de março de 2021 (C‑591/16 P, a seguir «Acórdão Lundbeck/Comissão, EU:C:2021:243); Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, não publicado, EU:C:2021:241); Generics (UK)/Comissão (C‑588/16 P, não publicado, EU:C:2021:242); Arrow Group e Arrow Generics/Comissão (C‑601/16 P, não publicado, EU:C:2021:244); Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (C‑611/16 P, EU:C:2021:245), e Merck/Comissão (C‑614/16 P, não publicado, EU:C:2021:246).
( 4 ) Acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, a seguir «acórdão recorrido, EU:T:2018:922) (que está em causa no presente recurso bem como no recurso no processo C‑201/19 P, Servier e o./Comissão); Biogaran/Comissão (T‑677/14, EU:T:2018:910) (recurso C‑207/19 P, Biogaran/Comissão); Teva UK e o./Comissão (T‑679/14, não publicado, EU:T:2018:919) (recurso C‑198/19 P, Teva UK e o./Comissão); Lupin/Comissão (T‑680/14, não publicado, EU:T:2018:908) (recurso C‑144/19 P, Lupin/Comissão); Mylan Laboratories e Mylan/Comissão (T‑682/14, não publicado, EU:T:2018:907) (recurso C‑197/19 P, Mylan Laboratories e Mylan/Comissão); Krka/Comissão (T‑684/14, não publicado, EU:T:2018:918) (recurso C‑151/19 P, Comissão/Krka); Niche Generics/Comissão (T‑701/14, não publicado, EU:T:2018:921) (recurso C‑164/19 P, Niche Generics/Comissão), e Unichem Laboratories/Comissão (T‑705/14, não publicado, EU:T:2018:915) (recurso C‑166/19 P, Unichem Laboratories/Comissão).
( 5 ) Decisão C (2014) 4955 final da Comissão, de 9 de julho de 2014, relativa a um processo nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE [processo AT.39612 — Perindopril (Servier)] (a seguir «decisão controvertida»).
( 6 ) N.o 1 do acórdão recorrido, bem como considerandos 11 e segs. da decisão controvertida.
( 7 ) Considerando 14 da decisão controvertida.
( 8 ) N.o 8 do Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Krka/Comissão (T‑684/14, não publicado, EU:T:2018:918), bem como considerandos 19 e seguintes da decisão controvertida.
( 9 ) N.os 2 e 3 do acórdão recorrido, bem como considerandos 1 e segs., 86 e segs. e 2143 e segs. da decisão controvertida.
( 10 ) Como permitia o Regulamento (CEE) n.o 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO 1992, L 182, p. 1).
( 11 ) N.o 4 do acórdão recorrido, bem como considerandos 92 e segs. da decisão controvertida.
( 12 ) Considerando 98 da decisão controvertida.
( 13 ) N.os 5 a 8 do acórdão recorrido, bem como considerandos 94, 118 e segs. e 124 e segs. da decisão controvertida.
( 14 ) N.o 8 do acórdão recorrido e considerando 120 da decisão controvertida.
( 15 ) N.os 9 e 10 do acórdão recorrido, bem como considerandos 8, 88 e 218 e seguintes da decisão controvertida.
( 16 ) Considerando 100 da decisão controvertida.
( 17 ) Considerandos 821, 1674 e 1755 da decisão controvertida.
( 18 ) N.os 11 a 27 do acórdão recorrido, bem como considerandos 129, 151 e segs., 157 e segs. e quadros nos considerandos 156 e 201 da decisão controvertida.
( 19 ) N.os 11 e 12 do acórdão recorrido, bem como considerandos 158 a 161 e 164 e, no que respeita mais especificamente à Krka, 830 da decisão controvertida.
( 20 ) N.o 12 do acórdão recorrido, bem como considerandos 162 a 170 e 962 da decisão controvertida.
( 21 ) N.os 16 a 21 e 24 a 27 do acórdão recorrido, bem como considerandos 171 a 202 da decisão controvertida.
( 22 ) N.os 25 e 26 do acórdão recorrido, bem como considerandos 175 e segs. da decisão controvertida.
( 23 ) N.o 27 do acórdão recorrido, bem como considerandos 193 e segs. da decisão controvertida.
( 24 ) Considerando 410 da decisão controvertida.
( 25 ) N.o 22 do acórdão recorrido e considerando 156 da decisão controvertida (o n.o 22 do acórdão recorrido indica que este pedido teria sido indeferido em setembro de 2006, mas baseamo‑nos aqui no considerando 156 da decisão controvertida, que indica a data de 13 de outubro de 2006).
( 26 ) N.o 23 do acórdão recorrido, bem como considerandos 156, 898 a 904, 909 e 1689 da decisão controvertida.
( 27 ) N.o 45 do acórdão recorrido e considerando 908 da decisão controvertida.
( 28 ) N.o 46 do acórdão recorrido e considerando 910 da decisão controvertida.
( 29 ) Considerandos 843, 886, 1248 e 1755 da decisão controvertida.
( 30 ) N.os 47 a 51 do acórdão recorrido, bem como considerandos 400 e 923 a 928 da decisão controvertida.
( 31 ) V. nota 5 das presentes conclusões.
( 32 ) V. artigos 1.o a 6.o da decisão controvertida e n.o 71 do acórdão recorrido.
( 33 ) Incluem‑se todos os Estados‑Membros da União (entre 2004 e 2009, com exceção, portanto, da Croácia, v. considerando 3134, nota 1 e artigo 4.o da decisão controvertida) que não os sete Estados‑Membros abrangidos pelo acordo de licença Krka. A decisão controvertida faz referência a «18/20 Estados‑Membros» devido ao facto de a adesão da Roménia e da Bulgária à União Europeia ter ocorrido em 1 de janeiro de 2007, dois meses depois de ter sido celebrado o acordo de resolução amigável Krka, o que aumentou de 18 para 20 o número de mercados não abrangidos pela licença (considerando 1677 e nota 2243 da decisão controvertida).
( 34 ) Considerandos 1816 e 1858 da decisão controvertida.
( 35 ) V. n.o 1004 do acórdão recorrido, bem como nota 2451 e artigo 4.o da decisão controvertida.
( 36 ) Considerando 1670 da decisão controvertida.
( 37 ) V. artigo 7.o da decisão controvertida, bem como n.os 72 e 73 do acórdão recorrido.
( 38 ) V. nota 4 das presentes conclusões.
( 39 ) Acórdãos de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão; Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, não publicado, EU:C:2021:241); Generics (UK)/Comissão (C‑588/16 P, não publicado, EU:C:2021:242); Arrow Group e Arrow Generics/Comissão (C‑601/16 P, não publicado, EU:C:2021:244); Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (C‑611/16 P, EU:C:2021:245), e Merck/Comissão (C‑614/16 P, não publicado, EU:C:2021:246).
( 40 ) Como anexos à sua resposta, a Servier apresentou transcrições dos debates na audiência no Tribunal Geral. Na réplica, a Comissão contesta a sua admissibilidade com fundamento em que transcrições foram elaboradas pela Servier no seu interesse próprio e que a Comissão não pode, portanto, verificar a sua fiabilidade. A Servier contesta a inadmissibilidade destes elementos. Não é, contudo, necessário decidir a respeito da sua admissibilidade. Com efeito, a análise dos fundamentos de recurso que se segue demonstrará que as afirmações em apoio das quais a Servier apresenta estes anexos são inoperantes (v., quanto à afirmação segundo a qual os litígios entre a Servier e as sociedades de genéricos eram verdadeiros, n.o 149 das presentes conclusões; quanto à afirmação segundo a qual a Comissão aceitou que a licença concedida pela Servier à Krka tinha sido celebrada em condições normais de mercado, n.o 151 das presentes conclusões, e, quanto à afirmação de que a Comissão podia ter tomado posição sobre a argumentação relativa às visitas aos médicos, n.o 435 das presentes conclusões).
( 41 ) Considerandos 1811 e 1812 da decisão controvertida.
( 42 ) Considerandos 1753, 1756, 1760 e 1763 da decisão controvertida.
( 43 ) Considerandos 1738 a 1749, em particular considerando 1745 da decisão controvertida.
( 44 ) Considerandos 1766 e 1803 a 1811 da decisão controvertida.
( 45 ) N.o 21 das presentes conclusões.
( 46 ) V. Despacho de 29 de setembro de 2010, EREF/Comissão (C‑74/10 P e C‑75/10 P, não publicado, EU:C:2010:557, n.os 41 e 42 e jurisprudência referida), e Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.os 152 e 153 bem como jurisprudência referida).
( 47 ) V., a este respeito, sétimo fundamento de recurso (n.o 304 das presentes conclusões).
( 48 ) V., a este respeito, segundo fundamento de recurso (n.os 135 a 176 das presentes conclusões).
( 49 ) V., quanto a esta definição do caráter operante de um fundamento, Acórdão de 21 de setembro de 2000, EFMA/Conselho (C‑46/98 P, EU:C:2000:474, n.o 38), referido no n.o 1257 do acórdão recorrido.
( 50 ) N.o 21 das presentes conclusões.
( 51 ) Acórdão de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão (48/69 EU:C:1972:70, n.o 68).
( 52 ) Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 44); e de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão (C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 72).
( 53 ) Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão (C‑407/04 P, EU:C:2007:53, n.os 49 e 63); de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão (C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.o 128), e de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão (C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 38).
( 54 ) Acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão (29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.o 20), e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, EU:C:1993:120, n.o 127); v., igualmente, Acórdão de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão (T‑655/11, EU:T:2015:383, n.o 176).
( 55 ) V., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 513 a 523); v., igualmente, Acórdão de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão (T‑44/02 OP, T‑54/02 OP, T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, EU:T:2006:271, n.o 63).
( 56 ) V., neste sentido, Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.os 55 a 57), e de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão (T‑44/02 OP, T‑54/02 OP, T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, EU:T:2006:271, n.os 64 e 65).
( 57 ) Acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão (29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.o 16); de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, EU:C:1993:120, n.os 126 e 127), e de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie//Comissão (C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.o 74).
( 58 ) Acórdãos de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conslho (C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.o 37); de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão (C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 37), e de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão (C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 17).
( 59 ) Acórdãos de 4 de julho de 2013, Comissão/Aalberts Industries e o. (C‑287/11 P, EU:C:2013:445, n.o 52), e de 17 de outubro de 2019, Alcogroup e Alcodis/Comissão (C‑403/18 P, EU:C:2019:870, n.o 64).
( 60 ) O considerando 56 da decisão controvertida indica que o texto dos acordos celebrados entre a Servier e as sociedades de genéricos se encontrava entre os elementos de prova utilizados pela Comissão.
( 61 ) Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.os 53 e 54).
( 62 ) N.o 30 das presentes conclusões.
( 63 ) N.os 20, 21, 29 e 30, das presentes conclusões.
( 64 ) N.o 21 das presentes conclusões.
( 65 ) N.o 29 das presentes conclusões.
( 66 ) N.o 30 das presentes conclusões.
( 67 ) N.o 28 das presentes conclusões.
( 68 ) N.o 24 das presentes conclusões.
( 69 ) V. Acórdão de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão (T‑655/11, EU:T:2015:383, n.os 183, 380 e 381, bem como jurisprudência referida).
( 70 ) N.o 28 das presentes conclusões.
( 71 ) N.o 21 das presentes conclusões.
( 72 ) V. n.o 35 das presentes conclusões.
( 73 ) V., a este respeito, quinto fundamento de recurso (n.os 229 a 242, em especial n.o 239 das presentes conclusões).
( 74 ) V., quanto a este aspeto, Acórdão de 30 de junho de 1966, LTM (56/65, EU:C:1966:38, p. 358) e as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 133 e jurisprudência referida).
( 75 ) V. n.os 92 a 96 das presentes conclusões.
( 76 ) V. Despacho de 29 de setembro de 2010, EREF/Comissão (C‑74/10 P e C‑75/10 P, não publicado, EU:C:2010:557, n.o 41 e jurisprudência referida).
( 77 ) Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 87 a 94 e 111) e Lundbeck/Comissão (n.os 114 e 115).
( 78 ) V. Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53 e jurisprudência referida); v., igualmente, jurisprudência referida no n.o 193 do acórdão recorrido.
( 79 ) V., quanto a este aspeto, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 134 a 139).
( 80 ) V., neste sentido, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 171 e 172).
( 81 ) V., quanto ao caráter exclusivo da licença e à instauração de um duopólio de facto entre a Servier e a Krka através da mesma, n.os 195 a 204 das presentes conclusões.
( 82 ) V., quanto a este aspeto, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 118 a 120).
( 83 ) V., quanto ao caráter exclusivo da licença e à instauração de um duopólio de facto entre a Servier e a Krka através da mesma, n.os 195 a 204 das presentes conclusões.
( 84 ) V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 66 a 70).
( 85 ) Acórdão Generics (UK) e o. (n.o 38), e as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 82 a 84, 122 a 127 e 176 a 178).
( 86 ) V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 119).
( 87 ) Acórdão Generics (UK) e o. (n.o 94), e as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 120).
( 88 ) V. neste sentido, Despacho de 29 de setembro de 2010, EREF/Comissão (C‑74/10 P e C‑75/10 P, não publicado, EU:C:2010:557, n.o 41 e jurisprudência referida).
( 89 ) V. n.os 124, 125 e 149 das presentes conclusões.
( 90 ) V., por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 36).
( 91 ) Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 50), e de 25 de outubro de 2007, Komninou e o./Comissão (C‑167/06 P, não publicado, EU:C:2007:633, n.o 41).
( 92 ) Acórdãos de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho (C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.o 37); de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão (C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 37), e de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão (C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 17).
( 93 ) Acórdãos de 4 de julho de 2013, Comissão/Aalberts Industries e o. (C‑287/11 P, EU:C:2013:445, n.o 52), e de 17 de outubro de 2019, Alcogroup e Alcodis/Comissão (C‑403/18 P, EU:C:2019:870, n.o 64).
( 94 ) N.o 24 das presentes conclusões.
( 95 ) N.o 15 das presentes conclusões.
( 96 ) N.o 14 e nota 10 das presentes conclusões.
( 97 ) V., nomeadamente, n.os 564 (relativamente aos acordos celebrados com a Niche e a Matrix), 707 (relativamente ao acordo celebrado com a Teva) e 869 e 879 (relativamente ao acordo celebrado com a Lupin) do acórdão recorrido.
( 98 ) Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494, n.o 55) (não posto em causa a este respeito em sede de recurso; v. Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363); v. igualmente, neste sentido, Acórdãos de 2 de fevereiro de 2012, Denki Kagaku Kogyo e Denka Chemicals/Comissão (T‑83/08, não publicado, EU:T:2012:48, n.o 193), e de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão (T‑655/11, EU:T:2015:383, n.os 178 e 217).
( 99 ) Quanto à estratégia da Servier de mudar para o perindopril arginina devido aos genéricos do perindopril erbumina, v. também, nomeadamente, considerandos 8, 58, 89, 100, 217, 220, 222, 225, 233 a 242, 1183, 1924, 2089, 2156, 2530, 2532, 2533, 2912 e 2971 da decisão controvertida.
( 100 ) V., quanto a esta definição de desvirtuação, n.os 96 e 187 das presentes conclusões.
( 101 ) Comunicação da Comissão. Orientações relativas à aplicação do artigo [101.o TFUE] aos acordos de transferência de tecnologia (JO 2004, C 101, p. 2).
( 102 ) JO 2004, L 123, p. 11.
( 103 ) Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão (C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 118).
( 104 ) N.o 21 das presentes conclusões.
( 105 ) N.o 30 das presentes conclusões.
( 106 ) Acórdão de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão (56/64 e 58/64, EU:C:1966:41, Colet., p. 496).
( 107 ) Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 242).
( 108 ) N.o 103 desse acórdão; v., igualmente, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 158 a 166).
( 109 ) Acórdão Generics (UK) e o. (n.os 105 a 111); v., igualmente, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 168 a 172, 175 e 179).
( 110 ) V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 175).
( 111 ) V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 176 a 178).
( 112 ) Considerandos 1766 e 1803 a 1811 da decisão controvertida.
( 113 ) Acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM (56/65, EU:C:1966:38, Colet. p. 359); de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o. (C‑8/08, EU:C:2009:343, n.o 28), e de 16 de julho de 2015, ING Pensii (C‑172/14, EU:C:2015:484, n.os 29 e 30); v., igualmente, as nossas Conclusões no processo T‑Mobile Netherlands e o. (C‑8/08, EU:C:2009:110, n.o 42).
( 114 ) V. n.os 102 a 129 das presentes conclusões.
( 115 ) V. n.os 29 e 30 das presentes conclusões.
( 116 ) V. n.os 20 e 21 das presentes conclusões.
( 117 ) V. n.o 24 das presentes conclusões.
( 118 ) V. n.o 21 das presentes conclusões.
( 119 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão (C‑7/95 P, EU:C:1998:256, n.o 77), e New Holland Ford/Comissão (C‑8/95 P, EU:C:1998:257, n.o 91); de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado (C‑238/05, EU:C:2006:734, n.o 50); Generics (UK) e o. (n.o 117), e de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise (C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 73). O sublinhado é nosso.
( 120 ) Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 161); Generics (UK) e o. (n.o 118), e de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise (C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 74).
( 121 ) V. Acórdão de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise (C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 75 e jurisprudência referida).
( 122 ) Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 166).
( 123 ) Acórdão de 14 de abril de 2011, Visa Europe e Visa International Service/Comissão (T‑461/07, EU:T:2011:181, n.o 127).
( 124 ) N.o 119 desse acórdão.
( 125 ) Acórdãos Generics (UK) e o. (n.o 120), e de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise (C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 76).
( 126 ) Acórdão Generics (UK) e o. (n.o 120).
( 127 ) V., neste sentido, Acórdão Generics (UK) e o. (n.os 121 e 122); v., igualmente, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 189 a 202).
( 128 ) Acórdão de 14 de abril de 2011, Visa Europe e Visa International Service/Comissão (T‑461/07, EU:T:2011:181, n.os 127, 187 e 191).
( 129 ) V. n.os 102 a 129 das presentes conclusões. Com efeito, nos n.os 1148 a 1169 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral reiterou, no âmbito do exame dos efeitos dos acordos Krka, essencialmente as mesmas considerações já expostas, nomeadamente, nos n.os 970, 971, 1011, 1017, 1026 e 1027 do acórdão recorrido, ao analisar o objeto desses acordos.
( 130 ) V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 117, 118 e 122 a 129).
( 131 ) V., neste sentido, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 128).
( 132 ) V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 76 e 198).
( 133 ) Acórdãos de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o. (C‑8/08, EU:C:2009:343, n.os 38 e 39); de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o. (C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, no 63), bem como de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão (C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 125); v., igualmente, as nossas Conclusões no processo T‑Mobile Netherlands e o. (C‑8/08, EU:C:2009:110, n.os 58 a 60). V. também, neste sentido, no que respeita à aplicação do artigo 102.o TFUE, Acórdão de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o. (C‑377/20, EU:C:2022:379, n.o 44 e jurisprudência referida).
( 134 ) V., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 52); de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 66 e 115), e de 2 de abril de 2020, Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2020:265, n.o 55).
( 135 ) V., a este respeito, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.os 74 e segs.), e de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija (C‑345/14, EU:C:2015:784, n.os 22 a 24), bem como as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 164 e 171); v., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2019:678, n.os 48 a 50).
( 136 ) Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2019:678, n.o 50).
( 137 ) Acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão (C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.o 110).
( 138 ) V., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 360).
( 139 ) Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 115 a 122, em especial 117, 121 e 122), e de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise (C‑306/20, EU:C:2021:935, n.os 73 e 74).
( 140 ) V. Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão (C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.os 29, 39, 49, 56 e 58), e de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289, n.os 87, 534, 557 e 618).
( 141 ) Considerandos 2286, 2305, 2324 e 2345 da decisão controvertida.
( 142 ) Título que figura antes do n.o 1380 do acórdão recorrido.
( 143 ) Acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36, n.o 28); e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o. (C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 51).
( 144 ) V., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão (C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.os 38 e segs.).
( 145 ) V. Acórdãos de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão (322/81, EU:C:1983:313, n.o 37); de 1 de julho de 2008, MOTOE (C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 32); de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o. (C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 51); de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 30), e de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 111). V. igualmente, neste sentido, Acórdãos de 21 de fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão (6/72, EU:C:1973:22, n.o 32), e de 14 de novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão (C‑333/94 P, EU:C:1996:436, n.o 13).
( 146 ) Acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05, EU:T:2010:266, n.os 183 e 203).
( 147 ) V. ponto 2 da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5).
( 148 ) V., por exemplo, Acórdão de 12 de dezembro de 1991, Hilti/Comissão (T‑30/89, EU:T:1991:70, n.o 71).
( 149 ) Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão (27/76, EU:C:1978:22, n.o 68); v., igualmente, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 239).
( 150 ) V. igualmente, neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05, EU:T:2010:266, n.os 174 e 191).
( 151 ) Acórdão Generics (UK) e o. (n.o 140); v., igualmente, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 229 a 240).
( 152 ) Acórdão Generics (UK) e o. (n.o 135); v., igualmente, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 239).
( 153 ) V. n.os 79 e 140 das presentes conclusões.
( 154 ) V. jurisprudência referida na nota 145 das presentes conclusões.
( 155 ) V., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o. (C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 51 e jurisprudência referida).
( 156 ) V., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão (C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.o 51).
( 157 ) V., por exemplo, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão (C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.os 36 a 50).
( 158 ) V., mutatis mutandis, Acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 208). É certo que, no referido processo, os dois grupos de medicamentos em causa eram objeto de uma utilização diferenciada, ao passo que não era esse o caso do perindopril e dos outros IEC. Todavia, isso em nada altera a pertinência da constatação de que o facto de retirar conclusões da evolução das quotas de mercado respetivas desses medicamentos pressupõe a constatação prévia de que esses medicamentos fazem parte do mesmo mercado.
( 159 ) V., quanto à definição da desvirtuação, n.os 96 e 187 das presentes conclusões.
( 160 ) V. Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.os 40 e 41, bem como jurisprudência referida).
( 161 ) Acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.os 71 e 72).
( 162 ) V. Acórdão de 20 de dezembro de 2017, EUIPO/European Dynamics Luxembourg e o. (C‑677/15 P, EU:C:2017:998, n.o 36 e jurisprudência referida).
( 163 ) Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o. (C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 56).