ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

15 de julho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2000/78/CE — Igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho — Proibição das discriminações em razão da religião ou das convicções — Regra interna de uma empresa privada que proíbe no local de trabalho o uso visível de qualquer sinal político, filosófico ou religioso ou o uso de sinais políticos, filosóficos ou religiosos ostentatórios e de grande dimensão — Discriminação direta ou indireta — Proporcionalidade — Ponderação da liberdade de religião e de outros direitos fundamentais — Legitimidade da política de neutralidade adotada pela entidade patronal — Necessidade de demonstrar a existência de um prejuízo económico da entidade patronal»

Nos processos apensos C‑804/18 e C‑341/19,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Arbeitsgericht Hamburg (Tribunal do Trabalho de Hamburgo, Alemanha) (C‑804/18), e pelo Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha) (C‑341/19), por Decisões de 21 de novembro de 2018 e de 30 de janeiro de 2019, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 20 de dezembro de 2018 e em 30 de abril de 2019, nos processos

IX

contra

WABE eV (C‑804/18),

e

MH Müller Handels GmbH

contra

MJ (C‑341/19),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan, L. Bay Larsen, N. Piçarra e A. Kumin, presidentes de secção, T. von Danwitz, C. Toader, M. Safjan, F. Biltgen (relator), P. G. Xuereb, L. S. Rossi e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 24 de novembro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação de IX, por K. Bertelsmann, Rechtsanwalt,

em representação da WABE eV, por C. Hoppe, Rechtsanwalt,

em representação da MH Müller Handels GmbH, por F. Werner, Rechtsanwalt,

em representação de MJ, por G. Sendelbeck, Rechtsanwalt,

em representação do Governo grego, por E. M. Mamouna e K. Boskovits, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo sueco, por H. Eklinder, C. Meyer‑Seitz, H. Shev, J. Lundberg e A. Falk, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann, M. Van Hoof e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de fevereiro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alíneas a) e b), do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16), bem como dos artigos 10.o e 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

O pedido de decisão prejudicial no processo C‑804/18 foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe IX à sua entidade patronal, WABE eV (a seguir «WABE»), uma associação registada na Alemanha e que explora um grande número de creches, a respeito da suspensão de IX das suas funções na sequência da sua recusa em respeitar a proibição imposta pela WABE aos seus trabalhadores de usarem qualquer sinal visível de natureza política, filosófica ou religiosa no local de trabalho quando estão em contacto com os pais ou com os filhos destes.

3

O pedido de decisão prejudicial no processo C‑341/19 foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a MH Müller Handels GmbH (a seguir «MH»), uma sociedade que explora uma cadeia de drogarias no território alemão, à sua trabalhadora, MJ, a respeito da legalidade da ordem que lhe foi dirigida pela MH de se abster, no local de trabalho, de usar sinais ostentatórios e de grande dimensão de natureza política, filosófica ou religiosa.

Quadro jurídico

Diretiva 2000/78

4

Os considerandos 4, 11 e 12 da Diretiva 2000/78 enunciam:

«(1)

Nos termos do artigo 6.o [TUE], a União Europeia assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios estes que são comuns aos Estados‑Membros; a União respeita os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950,] e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do [da União].

[…]

(4)

O direito das pessoas à igualdade perante a lei e à proteção contra a discriminação constitui um direito universal, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, pelos pactos internacionais das Nações Unidas sobre os direitos civis e políticos e sobre os direitos económicos, sociais e culturais, e pela Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais, de que todos os Estados‑Membros são signatários. A Convenção n.o 111 da Organização Internacional de Trabalho proíbe a discriminação em matéria de emprego e atividade profissional.

[…]

(11)

A discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização dos objetivos do Tratado [FUE], nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas.

(12)

Para o efeito, devem ser proibidas em toda a [União] quaisquer formas de discriminação direta ou indireta baseadas na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual, nos domínios abrangidos pela presente diretiva […]»

5

O artigo 1.o desta diretiva prevê:

«A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

6

O artigo 2.o da referida diretiva prevê:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)

essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários, […]

[…]

5.   A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

7

O artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

«Dentro dos limites das competências atribuídas à [União], a presente diretiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

[…]

c)

Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;

[…]»

8

Nos termos do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78:

«Os Estados‑Membros podem introduzir ou manter disposições relativas à proteção do princípio da igualdade de tratamento mais favoráveis do que as estabelecidas na presente diretiva.»

Direito Alemão

GG

9

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha), de 23 de maio de 1949 (BGBl. 1949 I, p. 1, a seguir «GG»), dispõe:

«(1)   A liberdade de crença e de consciência, bem como a liberdade de professar crenças religiosas e filosóficas, são invioláveis.

(2)   É garantida a liberdade de culto.»

10

O artigo 6.o, n.o 2, do GG prevê:

«Criar e educar os filhos é um direito natural dos pais e um dever que lhes incumbe em primeiro lugar. O Estado supervisiona a forma como estas tarefas são executadas.»

11

O artigo 7.o, n.os 1 a 3, do GG tem a seguinte redação:

«1.   Todo o sistema de ensino se encontra sob a supervisão do Estado.

2.   As pessoas que exercem as responsabilidades parentais têm o direito de decidir sobre a participação dos filhos na educação religiosa.

3.   A educação religiosa é uma matéria de ensino regular nas escolas públicas, com exceção das escolas não confessionais. A educação religiosa é dada em conformidade com os princípios das comunidades religiosas, sem prejuízo do direito de supervisão do Estado. Nenhum professor pode ser obrigado a lecionar educação religiosa contra a sua vontade.»

12

O artigo 12.o do GG prevê:

«(1)   Todos os alemães têm o direito de escolher livremente a sua profissão, o seu emprego e o seu estabelecimento de formação. O exercício da profissão pode ser regulamentado por lei ou com base numa lei.

[…]»

AGG

13

O Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz (Lei Geral sobre a Igualdade de Tratamento), de 14 de agosto de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 1897, a seguir «AGG»), visa transpor a Diretiva 2000/78 para o direito alemão.

14

O § 1 do AGG, que determina o objetivo desta lei, enuncia:

«A presente lei tem como objeto prevenir ou eliminar qualquer desvantagem em razão da raça ou da origem étnica, do sexo, da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da identidade sexual.»

15

O § 2, n.o 1, do AGG dispõe:

«Por força da presente lei, as discriminações baseadas num dos motivos indicados no § 1 são proibidas quando dizem respeito:

1. às condições de acesso ao emprego, às atividades por conta própria ou ao trabalho, incluindo os critérios de seleção e as condições de recrutamento, seja qual for o ramo de atividade e a todos os níveis da hierarquia profissional, incluindo em matéria de progressão na carreira;

2. às condições de emprego e de trabalho, incluindo a remuneração e as condições de despedimento, nomeadamente as constantes das convenções coletivas e dos contratos de trabalho individuais, e às medidas tomadas no decorrer e na cessação de uma relação laboral, bem como em caso de progressão na carreira;

[…]»

16

O § 3, n.os 1 e 2, do AGG prevê:

«1.   Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no § 1, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável. Considera‑se que existe igualmente discriminação direta em razão do sexo, para efeitos do § 2, primeiro parágrafo, n.os 1 a 4, quando uma mulher seja objeto de um tratamento menos favorável devido a gravidez ou maternidade.

2.   Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível, por uma das razões previstas no § 1, de colocar pessoas numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários.»

17

O § 7, n.os 1 a 3, do AGG dispõe:

«1.   Os trabalhadores por conta de outrem não podem ser alvo de discriminação por um dos motivos previstos no § 1. Esta proibição é igualmente aplicável sempre que o autor da discriminação baseie o facto discriminatório apenas na presunção da existência de um dos motivos previstos no § 1.

2.   As cláusulas contratuais que violem a proibição de discriminação prevista no n.o 1 são juridicamente ineficazes.

3.   Uma discriminação, na aceção do n.o 1, praticada pela entidade patronal ou por outro trabalhador constitui uma violação das obrigações contratuais.»

18

Nos termos do § 8, n.o 1, do AGG:

«É permitida uma diferença de tratamento baseada num dos motivos a que alude o § 1 quando a natureza da atividade a exercer ou as condições do seu exercício constituem um requisito profissional essencial e decisivo, desde que o objetivo seja legítimo e o requisito seja proporcional.»

19

O § 15 do AGG tem a seguinte redação:

«1.   Em caso de violação da proibição das discriminações, a entidade patronal fica obrigada a indemnizar pelo dano causado. Esta regra não se aplica se a entidade patronal não for responsável pela violação dessa obrigação.

2.   O trabalhador pode pedir uma indemnização pecuniária adequada por um dano não patrimonial. Em caso de não recrutamento, a indemnização não pode exceder três meses de salário sempre que o trabalhador não tivesse sido recrutado mesmo que a seleção não tivesse sido discriminatória.

3.   Em caso de aplicação de convenções coletivas, a entidade patronal só fica obrigada a indemnizar se tiver agido intencionalmente ou com negligência grave.»

Código civil

20

Nos termos do § 134 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil), «[o] ato jurídico contrário a uma proibição legal é nulo, a menos que a lei disponha diferentemente».

GewO

21

O § 106 da Gewerbeordnung (Código relativo à organização das profissões industriais, comerciais e artesanais, a seguir «GewO») dispõe:

«A entidade patronal, ao exercer o seu poder discricionário de forma razoável, pode definir o conteúdo, o lugar e o momento em que o trabalho deve ser efetuado, a menos que estas condições de trabalho estejam previstas no contrato de trabalho, em disposições de um acordo de empresa ou de uma convenção coletiva aplicável ou ainda nas disposições legislativas. O mesmo se aplica em relação ao respeito da ordem interna da empresa pelo trabalhador e à conduta deste na empresa. No exercício desse poder discricionário, a entidade patronal deve igualmente ter em conta as deficiências do trabalhador.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑804/18

22

A WABE explora um grande número de creches situadas na Alemanha, as quais empregam mais de 600 trabalhadores e acolhem cerca de 3500 crianças. Reclama‑se neutra no que diz respeito a partidos políticos e a confissões religiosas.

23

Resulta do pedido de decisão prejudicial nesse processo que, no âmbito do seu funcionamento quotidiano, a WABE segue e partilha sem reservas as recomendações da cidade de Hamburgo (Alemanha) para o ensino e a educação das crianças, aplicáveis nas instituições de acolhimento coletivo, publicadas em março de 2012 pela Administração do Trabalho, dos Assuntos Sociais, da Família e da Integração da cidade de Hamburgo. Essas recomendações preveem, nomeadamente, que «[t]odos os estabelecimentos têm como tarefa abordar e explicar as questões éticas fundamentais, bem como as crenças religiosas e outras, enquanto parte integrante do nosso mundo. Assim, os estabelecimentos proporcionam às crianças a oportunidade de se interrogarem sobre questões relativas ao sentido da vida, como a alegria e o sofrimento, a saúde e a doença, a justiça e a injustiça, a culpabilidade e o insucesso, a paz e os conflitos, bem como a questão de Deus. Ajudam as crianças a trazer para a discussão os seus sentimentos e as suas convicções a este respeito. A possibilidade de abordar estas questões com curiosidade e de as aprofundar desperta o interesse pelos conteúdos e pelas tradições das orientações religiosas e culturais representadas no grupo de crianças. Desta forma, desenvolvem‑se a estima e o respeito por outras religiões, por outras culturas e convicções. Esta confrontação fortalece a criança na consideração da sua própria imagem e na experiência de uma sociedade funcional. Tal inclui igualmente a possibilidade de as crianças vivenciarem ao longo do ano celebrações de origem religiosa e de nelas participarem ativamente. No encontro com outras religiões, as crianças aprendem a conhecer diferentes formas de reflexão, fé e espiritualidade».

24

IX é educadora especializada e trabalha para a WABE desde 2014. Decidiu, no início de 2016, usar um lenço islâmico. De 15 de outubro de 2016 a 30 de maio de 2018, esteve de licença parental.

25

Em março de 2018, a WABE adotou as «Instruções de serviço para o respeito do princípio da neutralidade» com vista a aplicá‑las nos seus estabelecimentos, instruções de que IX tomou conhecimento em 31 de maio do mesmo ano. Essas instruções preveem, nomeadamente, que a WABE «tem uma posição neutra relativamente às confissões religiosas e atribui expressamente um acolhimento favorável à diversidade religiosa e cultural. Para garantir o desenvolvimento livre e pessoal das crianças em matéria de religião, crenças e política, os trabalhadores […] devem respeitar rigorosamente o princípio da neutralidade aplicável em relação aos pais, às crianças e a terceiros. [A WABE] prossegue uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa no que lhes diz respeito». Com exceção do pessoal docente, as obrigações impostas com vista ao respeito do princípio da neutralidade não se impõem aos trabalhadores da WABE que trabalham na sede da empresa, uma vez que estes não têm contactos nem com as crianças nem com os pais. Neste contexto, as regras que se seguem constituem «princípios para o respeito efetivo pelo princípio da neutralidade no local de trabalho:

os trabalhadores não se envolverão, no seu local de trabalho em manifestações políticas, filosóficas ou religiosas perante os pais, as crianças ou terceiros;

os trabalhadores não usarão no seu local de trabalho nenhum sinal visível das suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas, perante os pais, as crianças ou terceiros;

os trabalhadores não realizarão no seu local de trabalho ritos decorrentes dessas convicções, perante os pais, as crianças ou terceiros»

26

Na «Ficha informativa sobre o princípio da neutralidade» emitida pela WABE, a questão de saber se o uso da cruz cristã, do lenço islâmico ou da quipá judaica está autorizado tem a seguinte resposta:

«Não, isso não é autorizado, uma vez que as crianças não podem ser influenciadas pelos pedagogos no que diz respeito a uma religião. A escolha consciente de vestuário orientada por considerações religiosas ou filosóficas é contrária ao princípio da neutralidade.»

27

Em 1 de junho de 2018, IX apresentou‑se no seu local de trabalho com um lenço islâmico. Tendo recusado retirar esse lenço, foi suspensa provisoriamente pela diretora do estabelecimento.

28

Em 4 de junho de 2018, IX apresentou‑se novamente no trabalho usando um lenço islâmico. Foi‑lhe entregue uma advertência datada do mesmo dia por ter usado o lenço em 1 de junho de 2018 e foi convidada, atento o princípio da neutralidade, realizar futuramente o seu trabalho sem lenço. Tendo‑se IX novamente recusado a retirar o referido lenço, foi enviada para casa e suspensa provisoriamente. No mesmo dia, recebeu nova advertência.

29

Durante esse mesmo período, a WABE conseguiu que uma trabalhadora retirasse um pingente em forma de cruz que usava.

30

IX interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio, pedindo que a WABE fosse condenada a retirar do seu dossiê pessoal as advertências relativas ao uso do lenço islâmico. Em apoio do seu recurso, alega, antes de mais, que, apesar do caráter geral da proibição do uso visível de sinais de natureza política, filosófica ou religiosa, essa proibição visa diretamente o uso do lenço islâmico e constitui, portanto, uma discriminação direta, em seguida, que essa proibição diz exclusivamente respeito a mulheres e deve, portanto, ser igualmente examinada à luz da proibição das discriminações em razão do sexo e, por último, que essa proibição diz sobretudo respeito às mulheres oriundas da imigração, pelo que também é suscetível de constituir uma discriminação em razão da origem étnica. Por outro lado, o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha) declarou que a proibição de usar o lenço islâmico no trabalho, num estabelecimento de acolhimento para crianças, constituía uma violação grave da liberdade de crença e de confissão e devia, para ser admissível, basear‑se num risco demonstrado e concreto. Por último, entende que o Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), não permite a oposição ao pedido de remoção dos referidos avisos. Com efeito, nesse acórdão, segundo IX, o Tribunal de Justiça fixou apenas normas mínimas no direito da União, pelo que o nível de proteção contra a discriminação alcançado na Alemanha, graças à jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) relativa ao artigo 4.o, n.o 1, do GG e ao § 8 do AGG, não pode ser revisto por baixo.

31

A WABE pede ao órgão jurisdicional de reenvio que negue provimento a esse recurso. Em apoio desse pedido, alega, nomeadamente, que a regra interna que proíbe o uso visível de sinais políticos, filosóficos ou religiosos é conforme com o § 106, primeiro período, da GewO, lido em conjugação com o § 7, n.os 1 a 3, do AGG, e que estas disposições nacionais devem ser interpretadas em conformidade com o direito da União. Ora, resulta do Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), que uma entidade patronal privada é autorizada a aplicar uma política de neutralidade na empresa, caso essa política seja prosseguida de forma coerente e sistemática e seja limitada aos trabalhadores que contactam com os clientes. Não há discriminação indireta se a disposição em causa for objetivamente justificada por um objetivo legítimo, como a vontade da entidade patronal de prosseguir uma política de neutralidade no âmbito dos contactos com os clientes, e se os meios utilizados para o alcançar forem adequados e necessários. Ora, é o que acontece no caso em apreço. Além disso, IX não pode ser colocada num cargo que não implique contactos com as crianças e os seus pais, na medida em que esse cargo não corresponderia às suas capacidades e às suas qualificações. No seu Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), o Tribunal de Justiça decidiu definitivamente a questão da ponderação dos direitos fundamentais à luz da Carta no caso de uma obrigação de neutralidade imposta pela entidade patronal. Uma vez que o § 3, n.o 2, do AGG visa transpor o direito da União, os órgãos jurisdicionais alemães não podem proceder a uma ponderação diferente da liberdade de religião, como a adotada pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal), sem violar o primado do direito da União e o princípio da interpretação conforme com o direito da União. Além disso, admitindo que seja necessário demonstrar a existência de um risco concreto ou de um prejuízo económico concreto para restringir a liberdade de religião, essa prova é igualmente feita no caso em apreço, uma vez que resulta das contribuições da recorrente no processo principal expostas na sua página pessoal de uma rede social que a mesma pretendia, através do seu comportamento, influenciar terceiros de uma forma específica e deliberada.

32

Atendendo a estes argumentos, o órgão jurisdicional de reenvio considera que IX pode ter sido objeto de uma discriminação direta em razão da religião, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, devido ao vínculo entre o tratamento desfavorável que sofreu, a saber, a emissão de uma advertência, e a característica protegida que a religião constitui.

33

Na hipótese de inexistência de discriminação direta, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma política de neutralidade adotada por uma empresa pode ser constitutiva de discriminação indireta em razão da religião, ou mesmo, tendo em conta que a proibição em causa no processo principal diz respeito a mulheres na grande maioria dos casos, de discriminação indireta em razão do sexo. Neste contexto, questiona‑se se uma diferença de tratamento em razão da religião e/ou do sexo pode ser justificada por uma política de neutralidade estabelecida com vista a ter em conta os desejos dos clientes. Por outro lado, na hipótese de uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se, para efeitos da análise do caráter adequado de uma tal diferença de tratamento, pode ter em conta os critérios previstos no artigo 4.o, n.o 1, do GG enquanto disposição mais favorável, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

34

Nestas condições, o Arbeitsgericht Hamburg (Tribunal do Trabalho de Hamburgo, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Uma instrução unilateral do empregador, que proíbe o uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas, coloca diretamente numa situação de desvantagem em razão da religião, na aceção do artigo 2.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva [2000/78], dos trabalhadores que seguem um determinado código de vestuário por força de preceitos religiosos que obrigam a cobrir a cabeça?

2)

Uma instrução unilateral do empregador, que proíbe o uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas coloca diretamente numa situação de desvantagem em razão da religião e/ou do sexo, na aceção do artigo 2.o, n.os 1 e 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, uma trabalhadora que usa um lenço por professar a fé muçulmana?

Em especial:

a)

Uma discriminação [indireta] em razão da religião e/ou do sexo pode igualmente ser justificada, ao abrigo da Diretiva 2000/78, pela vontade do empregador de prosseguir uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa, quando o empregador pretende, dessa forma, satisfazer os desejos subjetivos dos seus clientes?

b)

Opõem‑se a Diretiva [2000/78] e/ou o direito fundamental à liberdade de empresa, consagrado no artigo 16.o da [Carta], tendo em conta o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva [2000/78], a uma legislação nacional segundo a qual a proibição do uso de vestuário religioso, para efeitos da proteção do direito fundamental à liberdade de religião, não pode, à partida, ser justificada com base numa suscetibilidade abstrata de pôr em risco a neutralidade do empregador, mas apenas com base numa ameaça concreta significativa, nomeadamente, numa ameaça concreta de prejuízo económico para o empregador ou para um terceiro interessado?»

Processo C‑341/19

35

MJ trabalha, desde 2002, como consultora de vendas e operadora de caixa numa das filiais da MH. Desde o ano de 2014, usa um lenço islâmico. Não tendo cumprido o pedido da MH de retirar esse lenço no seu local de trabalho, foi afeta a um posto que lhe permitisse usar o referido lenço. Em junho de 2016, a MH pediu‑lhe, novamente, que retirasse o referido lenço. Uma vez que MJ se recusou a dar cumprimento a esse pedido, foi enviada para casa. Em julho de 2016, a MH ordenou‑lhe que se apresentasse no seu local de trabalho sem sinais ostentatórios e de grande dimensão expressivos de alguma convicção religiosa, política ou filosófica.

36

MJ intentou nos órgãos jurisdicionais nacionais uma ação tendo em vista a declaração de invalidade da referida ordem e a obtenção de uma indemnização pelos danos sofridos. Em apoio da sua ação, MJ invocou a sua liberdade de religião, protegida pelo GG, sustentando simultaneamente que a política de neutralidade desejada pela MH não beneficia de primado incondicional à luz da liberdade de religião e deve ser sujeita a um exame de proporcionalidade. A MH alegou que, desde julho de 2016, uma diretriz interna de proibição do uso de sinais ostentatórios e de grande dimensão de natureza religiosa, política ou filosófica no local de trabalho era aplicável em todas as suas filiais (a seguir «diretriz interna»). O objetivo dessa diretriz era manter a neutralidade na empresa e, assim, prevenir conflitos entre trabalhadores. Tais conflitos, atribuíveis às diferentes religiões e culturas presentes na empresa, já tinham acontecido várias vezes no passado.

37

Tendo MJ obtido ganho de causa nesses órgãos jurisdicionais, a MH interpôs recurso de Revision para o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha), alegando igualmente que resulta do Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), que não é necessário demonstrar que existiu um prejuízo económico concreto ou uma diminuição da clientela para que uma proibição de manifestação de convicções possa ser validamente aplicada. Assim, em seu entender, o Tribunal de Justiça atribuiu um peso mais importante à liberdade de empresa protegida pelo artigo 16.o da Carta do que à liberdade de religião. Afirma que um resultado diferente não pode ser justificado com base nos direitos fundamentais protegidos pelo direito nacional.

38

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, para poder decidir o litígio nele pendente, lhe incumbe apreciar a legalidade da ordem dirigida a MJ pela MH e da diretriz interna, à luz das limitações impostas ao direito de uma entidade patronal de dar instruções ao abrigo do § 106, primeiro período, da GewO. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio indica que deverá, em primeiro lugar, examinar se essa ordem e a diretriz interna na qual se baseia constituem uma desigualdade de tratamento na aceção do § 3 do AGG e se essa desigualdade de tratamento é constitutiva de uma discriminação proibida. Se a referida ordem respeitar o quadro jurídico existente, deveria, em segundo lugar, proceder‑se à sua apreciação ex aequo et bono, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, exige uma ponderação dos interesses concorrentes tendo em conta, nomeadamente, o quadro constitucional e legislativo, os princípios gerais da proporcionalidade e da adequação, bem como os usos. Todas as circunstâncias particulares do processo principal deveriam ser tomadas em consideração nessa apreciação.

39

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a diretriz interna da MH, que tem caráter de regra geral, é constitutiva de desigualdade de tratamento indiretamente baseada na religião, na aceção do § 3, n.o 2, do AGG e do artigo 2, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78. Com efeito, MJ seria especialmente discriminada em comparação com os outros empregados em razão de um motivo mencionado no § 1 do AGG, uma vez que os agnósticos exprimem mais raramente em público a sua convicção através de vestuário, joias ou outros sinais do que as pessoas que seguem uma certa religião ou determinadas convicções. Todavia, a fim de determinar se essa desigualdade de tratamento é constitutiva de uma discriminação indireta ilegal, na aceção do § 3, n.o 2, da AGG, há ainda que responder à questão de saber se só uma proibição completa que abranja todas as formas visíveis de expressão das convicções políticas, filosóficas ou religiosas é apta a alcançar o objetivo prosseguido por uma política de neutralidade instituída na empresa ou se, como no âmbito do processo principal, uma proibição limitada aos sinais ostentatórios de grande dimensão basta para esse efeito, desde que seja aplicada de forma coerente e sistemática. Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, mais especialmente os Acórdãos de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), e de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2017:204), não fornece resposta a esta questão.

40

Se se devesse concluir que esta última limitação bastava, colocar‑se‑ia a questão de saber se a proibição em causa no processo principal, que se afigura necessária, é adequada, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se se impõe, no âmbito da análise do caráter adequado dessa proibição, proceder a uma ponderação dos direitos previstos no artigo 16.o da Carta, por um lado, e no artigo 10.o da Carta, por outro, ou se essa ponderação só deve ser feita no momento da aplicação da regra geral no caso individual em questão, por exemplo, no momento em que uma instrução é dirigida a um trabalhador ou por ocasião de um despedimento. Se se devesse concluir que os direitos em conflito decorrentes da Carta e da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») não podem ser tomados em consideração no âmbito da análise do caráter adequado da proibição em causa no processo principal em sentido estrito, colocar‑se‑ia então a questão de saber se se pode considerar que um direito, protegido por uma disposição nacional de natureza constitucional, em especial a liberdade de religião e de crença protegida pelo artigo 4.o, n.os 1 e 2, do GG, constitui uma regulamentação mais favorável, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78

41

Por último, importa ainda analisar se o direito da União, no caso em apreço, o artigo 16.o da Carta, exclui a possibilidade de ter em conta os direitos fundamentais protegidos pelo direito nacional no âmbito do exame da validade de uma instrução de uma entidade patronal. Ora, colocar‑se‑ia nomeadamente a questão de saber se um particular, como uma entidade patronal, pode, no âmbito de um litígio que opõe exclusivamente pessoas privadas, invocar o artigo 16.o da Carta.

42

Nestas condições, o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Uma discriminação indireta em razão da religião, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva [2000/78], decorrente de uma norma interna de uma empresa privada, apenas pode ser considerada proporcionada se, segundo essa regra, for proibido o uso de quaisquer sinais visíveis e não apenas o uso de sinais notórios, de [grande dimensão], de convicções religiosas, políticas, ideológicas e outras?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

a)

Deve o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva [2000/78] ser interpretado no sentido de que os direitos que decorrem do artigo 10.o da [Carta] e do artigo 9.o da [CEDH] podem ser tidos em consideração na análise da questão de saber se uma discriminação indireta em razão da religião decorrente de uma regra interna de uma empresa privada que proíbe o uso de sinais notórios, de [grande dimensão], de convicções religiosas, políticas ou filosóficas é proporcionada?

b)

Deve o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva [2000/78] ser interpretado no sentido de que as normas nacionais de natureza constitucional de proteção da liberdade religiosa podem ser tidas em consideração como disposições mais favoráveis, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, dessa diretiva, na análise da questão de saber se uma discriminação indireta em razão da religião, decorrente de uma regra interna de uma empresa privada que proíbe o uso de sinais notórios, de [grande dimensão], de convicções religiosas, políticas ou filosóficas é proporcionada?

3)

Em caso de resposta negativa [à segunda questão, alínea a), e à segunda questão, alínea b)]:

Na análise de uma instrução baseada numa regra interna de uma empresa privada, que proíbe o uso de sinais notórios, de grandes dimensões, de convicções religiosas, políticas ou filosóficas, devem as normas nacionais de natureza constitucional de proteção da liberdade religiosa deixar de ser aplicadas por força do direito primário da União, ainda que o direito primário da União, como o artigo 16.o da [Carta], reconheça as disposições legais e as práticas nacionais?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão no processo C‑804/18

43

Com a sua primeira questão no processo C‑804/18, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o e o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que uma regra interna de uma empresa, que proíbe os trabalhadores de usarem qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho, constitui, relativamente aos trabalhadores que seguem um determinado código de vestuário em função de preceitos religiosos, uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, na aceção dessa diretiva.

44

Para responder a esta questão, importa recordar que, em conformidade com o artigo 1.o da Diretiva 2000/78, esta tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento. Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, dessa diretiva, «entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o» da mesma. O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva precisa que, para efeitos da aplicação do artigo 2.o, n.o 1, da mesma, existe discriminação direta sempre que uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa que se encontre numa situação comparável, com base em qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o da mesma diretiva, entre os quais figuram a religião ou as convicções.

45

No que respeita ao conceito de «religião», na aceção do artigo 1.o da Diretiva 2000/78, o Tribunal de Justiça já declarou que este deve ser interpretado no sentido de que abrange quer o forum internum, a saber, o facto de ter convicções religiosas, quer o forum externum, ou seja, a manifestação, em público, da fé religiosa (Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions,C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 28), correspondendo esta interpretação à do mesmo conceito utilizado no artigo 10.o, n.o 1, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o., C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 52).

46

O uso de sinais ou de vestuário para manifestar a sua religião ou as suas convicções é abrangido pela «liberdade de pensamento, de consciência e de religião» protegida pelo artigo 10.o da Carta. O próprio conteúdo dos preceitos religiosos assenta numa apreciação que não compete ao Tribunal de Justiça efetuar.

47

A este respeito, há que acrescentar que o artigo 1.o da Diretiva 2000/78 cita no mesmo plano de igualdade a religião e as convicções, à semelhança do artigo 19.o TFUE, nos termos do qual o legislador da União pode tomar as medidas necessárias para combater qualquer discriminação em razão, nomeadamente, da «religião ou crença»», ou do artigo 21.o da Carta, que refere, entre os diferentes motivos de discriminação que cita, «religião ou convicções». Daqui resulta que, para efeitos da aplicação da Diretiva 2000/78, os termos «religião» e «convicções» devem ser analisados como as duas faces de um mesmo e único motivo de discriminação. Como resulta do artigo 21.o da Carta, o motivo de discriminação em razão da religião ou das convicções deve ser distinguido do motivo relativo às «opiniões políticas ou outras» e abrange, portanto, tanto as convicções religiosas como as convicções filosóficas ou espirituais.

48

Importa igualmente acrescentar que o direito à liberdade de consciência e de religião, consagrado no artigo 10.o, n.o 1, da Carta, e que é parte integrante do contexto pertinente para interpretar a Diretiva 2000/78, corresponde ao direito garantido no artigo 9.o da CEDH e que, por força do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, tem o mesmo sentido e o mesmo âmbito que aquele (Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 27). Ora, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos (a seguir «TEDH»), o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, previsto no artigo 9.o da CEDH, «representa um dos fundamentos de uma “sociedade democrática” na aceção [desta] Convenção» e constitui, «na sua dimensão religiosa, um dos elementos mais vitais que contribuem para formar a identidade dos crentes e a sua conceção da vida» bem como «um bem precioso para os ateus, agnósticos, céticos ou indiferentes», contribuindo para o «pluralismo —conquistado a custo ao longo dos séculos — consubstancial a tal sociedade» (TEDH, 15 de fevereiro de 2001, Dahlab c. Suíça, CE:ECHR:2001:0215DEC004239398).

49

Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, ao se referirem, por um lado, à discriminação «por» um dos motivos referidos no artigo 1.o da Diretiva 2000/78, e, por outro, a um tratamento menos favorável «por» um desses motivos, e ao utilizarem os termos «outra» pessoa e «outras pessoas», a redação e o contexto do artigo 2.o, n.os 1 e 2, dessa diretiva não permitem concluir que, no que respeita ao motivo protegido que constituem a religião ou as convicções, previsto no referido artigo 1.o, a proibição da discriminação estabelecida pela referida diretiva se limitaria unicamente às diferenças de tratamento existentes entre pessoas que professam uma religião ou determinadas convicções e as que não professam uma religião ou determinadas convicções. Em contrapartida, decorre da referida palavra «por» que uma discriminação em razão da religião ou das convicções na aceção desta mesma diretiva, só pode ser declarada quando o tratamento menos favorável ou a desvantagem particular em questão é suportado em função da religião ou das convicções (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie, C‑16/19, EU:C:2021:64, n.os 29 e 30).

50

O objetivo prosseguido pela Diretiva 2000/78 milita, além disso, a favor de uma interpretação do artigo 2.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva no sentido de que esta não limita o círculo de pessoas em relação às quais pode ser feita uma comparação para identificar uma discriminação baseada na religião ou nas convicções na aceção da referida diretiva, com as que não professam uma certa religião ou determinadas convicções (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie, C‑16/19, EU:C:2021:64, n.o 31).

51

Com efeito, como resulta do n.o 44 do presente acórdão, em conformidade com o artigo 1.o da Diretiva 2000/78, e como resulta tanto do seu título e preâmbulo como do seu conteúdo e finalidade, a referida diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão, nomeadamente, da religião ou das convicções no que se refere ao emprego e à atividade profissional, tendo em vista a aplicação, nos Estados‑Membros, do princípio da igualdade de tratamento, oferecendo a qualquer pessoa uma proteção eficaz contra a discriminação baseada, nomeadamente, nesse motivo (Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie, C‑16/19, EU:C:2021:64, n.o 32).

52

No que respeita, mais especificamente, à questão de saber se uma regra interna de uma empresa privada que proíbe o uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho é constitutiva de uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, o Tribunal de Justiça já declarou que essa regra não constitui uma discriminação desse tipo, uma vez que a mesma se refere indistintamente a qualquer manifestação dessas convicções e trata de forma idêntica todos os trabalhadores da empresa, impondo‑lhes, de forma geral e indiferenciada, designadamente, uma neutralidade indumentária que se opõe ao uso desses sinais (Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.os 30 e 32). Com efeito, uma vez que cada pessoa pode ter quer uma religião quer convicções, essa regra, desde que seja aplicada de forma geral e indiferenciada, não cria uma diferença de tratamento baseada num critério indissociavelmente ligado à religião ou às convicções (v., por analogia, no que respeita à discriminação em razão de uma deficiência, Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie, C‑16/19, EU:C:2021:64, n.o 44 e jurisprudência referida).

53

Esta conclusão não é posta em causa, como salientou o advogado‑geral no n.o 54 das suas conclusões, pela consideração de que certos trabalhadores observam preceitos religiosos que impõem o uso de um certo vestuário. Embora a aplicação de uma regra interna como a referida no n.o 52 do presente acórdão possa, é certo, ocasionar um constrangimento particular a esses trabalhadores, esta circunstância não tem incidência na conclusão, constante do referido número, segundo a qual essa mesma regra, que traduz uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa da entidade patronal, não instaura, em princípio, uma diferença de tratamento entre trabalhadores baseada num critério indissociavelmente ligado à religião ou às convicções, na aceção do artigo 1.o da Diretiva 2000/78.

54

Uma vez que resulta dos elementos dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a WABE exigiu igualmente e conseguiu que uma trabalhadora que usava uma cruz religiosa retirasse esse sinal, afigura‑se, à primeira vista, que a aplicação a IX da regra interna em causa no processo principal foi feita sem nenhuma diferenciação comparativamente com qualquer outro trabalhador da WABE, pelo que não se pode considerar que IX tenha sofrido uma diferença de tratamento diretamente baseada nas suas convicções religiosas, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78. Todavia, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às apreciações factuais que se impõem e determinar se a regra interna adotada pela WABE foi aplicada de forma geral e indiferenciada a todos os trabalhadores dessa empresa.

55

Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão no processo C‑804/18 que o artigo 1.o e o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que uma regra interna de uma empresa, que proíbe os trabalhadores de usarem qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho, não constitui, em relação aos trabalhadores que seguem um determinado código de vestuário em aplicação de preceitos religiosos, uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, na aceção dessa diretiva, quando essa regra é aplicável de forma geral e indiferenciada.

Quanto à segunda questão, alínea a), no processo C‑804/18

56

Com a sua segunda questão, alínea a), no processo C‑804/18, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião e/ou no sexo, decorrente de uma regra interna de uma empresa que proíbe os trabalhadores de usarem qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho, pode ser justificada pela vontade da entidade patronal de prosseguir uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa para com os seus clientes ou utentes, a fim de ter em conta as expectativas legítimas destes.

57

Antes de mais, importa salientar que esta questão assenta na observação do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual a regra interna em causa no processo principal C‑804/18, que proíbe a utilização de sinais visíveis de convicções políticas, filosóficas ou religiosas quando os trabalhadores da WABE estão em contacto com os pais ou com as crianças, de facto, diz respeito mais a certas religiões do que a outras e dirige‑se mais às mulheres do que aos homens.

58

A título preliminar, quanto à existência de uma discriminação indireta em razão do sexo, invocada nesta questão, importa observar que, como salientou o advogado‑geral no n.o 59 das suas conclusões, este motivo de discriminação não é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, único ato do direito da União referido nessa questão. Por conseguinte, não há que examinar a existência de tal discriminação.

59

No que respeita à questão da diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, importa recordar que tal diferença existe quando está demonstrado que a obrigação aparentemente neutra que uma regra contém implica, de facto, uma desvantagem específica para as pessoas que professam uma religião ou determinadas convicções (Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 34). Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio verificar este aspeto, há que salientar que, segundo as observações desse órgão jurisdicional, a regra em causa no processo C‑804/18 afeta, no plano estatístico, quase exclusivamente os trabalhadores do sexo feminino que usam um lenço devido à sua fé muçulmana, pelo que o Tribunal de Justiça parte da premissa segundo a qual esta regra é constitutiva de uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião.

60

Quanto à questão de saber se uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião pode ser justificada pela vontade da entidade patronal de prosseguir uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa no local de trabalho, a fim de ter em conta as expectativas dos seus clientes ou utilizadores, importa recordar que o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 prevê que é proibida uma diferença de tratamento desse tipo, a menos que a disposição, critério ou prática de que decorre seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários. Por conseguinte, uma diferença de tratamento, como a referida pela segunda questão, alínea a), no processo C‑804/18, não constitui uma discriminação indireta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, se for objetivamente justificada por um objetivo legítimo e se os meios utilizados para o alcançar forem adequados e necessários (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2017:204, n.o 33).

61

A este respeito, quanto ao conceito de objetivo legítimo e ao caráter adequado e necessário dos meios adotados para o alcançar, importa precisar que estes devem ser interpretados de forma estrita (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria, C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 112).

62

Com efeito, a Diretiva 2000/78 concretiza, no domínio por ela abrangido, o princípio geral da não discriminação atualmente consagrado no artigo 21.o da Carta (Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie, C‑16/19, EU:C:2021:64, n.o 33). O considerando 4 dessa diretiva recorda que o direito das pessoas à igualdade perante a lei e à proteção contra a discriminação constitui um direito universal, reconhecido por vários acordos internacionais, e resulta dos considerandos 11 e 12 da referida diretiva que o legislador da União pretendeu considerar, por um lado, que a discriminação baseada, nomeadamente, na religião ou nas convicções pode comprometer a realização dos objetivos do Tratado FUE, nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e o objetivo de desenvolver a União como espaço de liberdade, segurança e justiça, e, por outro, que qualquer discriminação direta ou indireta baseada na religião ou nas convicções nos domínios abrangidos pela mesma diretiva deve ser proibida em toda a União.

63

A este respeito, quanto à condição relativa à existência de um objetivo legítimo, a vontade de uma entidade patronal de anunciar, nas relações com os clientes quer públicos quer privados, uma política de neutralidade política, filosófica ou religiosa pode ser considerada legítima. Com efeito, a vontade de um empregador de dar uma imagem de neutralidade aos clientes diz respeito à liberdade de empresa, reconhecida no artigo 16.o da Carta, e reveste, em princípio, caráter legítimo, designadamente quando a entidade patronal envolve na prossecução desse objetivo apenas os trabalhadores que é suposto entrarem em contacto com os clientes da entidade patronal (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.os 37 e 38).

64

Dito isto, a simples vontade de uma entidade patronal de prosseguir uma política de neutralidade, embora constituindo, em si, um objetivo legítimo, não basta, enquanto tal, para justificar de forma objetiva uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, uma vez que o caráter objetivo dessa justificação só pode ser identificado perante uma verdadeira necessidade dessa entidade patronal, que lhe incumbe demonstrar.

65

Nestas condições, para demonstrar a existência de uma justificação objetiva e, portanto, de uma verdadeira necessidade da entidade patronal, podem, em primeiro lugar, ser tidos em conta, nomeadamente, os direitos e as expectativas legítimas dos clientes ou utentes. É o que acontece, por exemplo, com o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas reconhecido no artigo 14.o da Carta e com a sua vontade de verem os seus filhos orientados por pessoas que não manifestam a sua religião ou as suas convicções quando estão em contacto com as crianças com o objetivo, nomeadamente, de «garantir o desenvolvimento livre e pessoal das crianças em matéria de religião, crenças e política», como preveem as instruções de serviço adotadas pela WABE.

66

Tais situações devem, em contrapartida, ser distinguidas, entre outras, por um lado, do processo que deu origem ao Acórdão de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2017:204), no qual o se verificou despedimento de uma trabalhadora na sequência de uma reclamação de um cliente e na falta de uma regra interna da empresa que proibisse o uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas, bem como, por outro, do processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2008, Feryn (C‑54/07, EU:C:2008:397), que dizia respeito a uma discriminação direta baseada em motivos de origem racial ou étnica que tinha, pretensamente, origem em exigências discriminatórias da parte de clientes.

67

Em segundo lugar, para apreciar a existência de uma necessidade verdadeira da entidade patronal na aceção recordada no n.o 64 do presente acórdão, apresenta especial pertinência a circunstância de a entidade patronal ter feito prova de que, na falta de tal política de neutralidade política, filosófica e religiosa, seria violada a sua liberdade de empresa, reconhecida no artigo 16.o da Carta, na medida em que, tendo em conta a natureza das suas atividades ou o contexto no qual estas se inserem, sofreria consequências desfavoráveis.

68

Importa ainda sublinhar, como foi recordado no n.o 60 do presente acórdão, que uma regra interna como a que está em causa no processo principal, para escapar à qualificação de discriminação indireta, deve ainda ser apta a garantir a boa aplicação da política de neutralidade da entidade patronal, o que pressupõe que essa política seja verdadeiramente prosseguida de forma coerente e sistemática, e que a proibição do uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas e religiosas que essa regra implica se limita ao estritamente necessário (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.os 40 e 42).

69

Esta última exigência pressupõe em especial que se verifique que, tratando‑se de uma restrição à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, garantida no artigo 10.o, n.o 1, da Carta, como a que implica a proibição imposta a um trabalhador de respeitar no seu local de trabalho um preceito que lhe impõe o uso de um sinal visível das suas convicções religiosas, a mesma se afigura estritamente necessária atendendo às consequências desfavoráveis, que a entidade patronal procura evitar através de tal proibição.

70

Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão, alínea a), no processo C‑804/18 que o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, decorrente de uma regra interna de uma empresa que proíbe os trabalhadores de usarem qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho, pode ser justificada pela vontade da entidade patronal de prosseguir uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa em relação aos clientes ou aos utentes, contanto, em primeiro lugar, que essa política responda a uma necessidade verdadeira dessa entidade patronal, que a esta incumbe estabelecer tomando, nomeadamente, em consideração as expectativas legítimas dos referidos clientes ou utentes bem como as consequências desfavoráveis que essa entidade patronal sofreria na falta de tal política, tendo em conta a natureza das suas atividades ou o contexto no qual estas se inserem, em segundo lugar, que essa diferença de tratamento seja apta a garantir a boa aplicação dessa política de neutralidade, o que pressupõe que essa política seja seguida de forma coerente e sistemática, e, em terceiro lugar, que essa proibição seja limitada ao estritamente necessário tendo em conta a amplitude e a gravidade reais das consequências desfavoráveis que a entidade patronal procura evitar através de tal proibição.

Quanto à primeira questão no processo C‑341/19

71

Com a sua primeira questão no processo C‑341/19, o órgão jurisdicional de reenvio nesse processo pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma discriminação indireta baseada na religião ou nas convicções, decorrente de uma regra interna de uma empresa que proíbe, no local de trabalho, o uso de sinais visíveis de convicções políticas, filosóficas ou religiosas com o objetivo de assegurar uma política de neutralidade nessa empresa, só pode ser justificada se tal proibição abranger qualquer forma visível de expressão das convicções políticas, filosóficas ou religiosas ou se basta que essa proibição seja limitada aos sinais ostentatórios de grande dimensão quando é aplicada de forma coerente e sistemática.

72

A este respeito, há que salientar, antes de mais, que, embora esta questão assente na premissa da existência de uma discriminação indireta, a verdade é que, como, nomeadamente, a Comissão Europeia alegou nas suas observações apresentadas no âmbito do processo C‑341/19, uma regra interna de uma empresa que, como a que está em causa nesse processo, proíbe apenas o uso de sinais ostentatórios de grande dimensão pode afetar mais gravemente as pessoas que seguem correntes religiosas, filosóficas e não confessionais que preveem o uso de vestuário ou de um sinal de grande dimensão, como um adereço para cobrir a cabeça.

73

Ora, como foi recordado no n.o 52 do presente acórdão, deve considerar‑se que uma desigualdade de tratamento que decorre de uma disposição ou de uma prática que se baseia num critério indissociavelmente ligado ao motivo protegido, no caso em apreço, a religião ou as convicções, se baseia diretamente nesse motivo. Assim, nos casos em que o critério do uso de sinais ostentatórios de grande dimensão de convicções políticas, filosóficas ou religiosas está indissociavelmente ligado a uma ou a várias religiões ou determinadas convicções, a proibição imposta por uma entidade patronal aos seus trabalhadores de usarem esses sinais com base nesse critério terá como consequência que certos trabalhadores serão tratados de modo menos favorável do que outros com base na sua religião ou nas suas convicções, e que uma discriminação direta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, poderá ser declarada.

74

No caso de tal discriminação direta não ser, porém, declarada, importa recordar que, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), dessa diretiva, uma diferença de tratamento como a visada pelo órgão jurisdicional de reenvio será, se se provar que conduz, de facto, a uma desvantagem particular para as pessoas que professam uma religião ou determinadas convicções, constitutiva de uma discriminação indireta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), dessa diretiva, como já foi indicado no n.o 60 do presente acórdão, a menos que seja justificada por um objetivo legítimo e contanto que os meios usados para o alcançar sejam adequados e necessários.

75

A este respeito, importa salientar que resulta do pedido de decisão prejudicial que a medida em causa tem por objetivo evitar conflitos sociais na empresa, particularmente tendo em conta a existência de tensões que houve no passado relacionadas com convicções políticas, filosóficas ou religiosas.

76

Como foi observado no n.o 63 do presente acórdão, uma política de neutralidade pode constituir um objetivo legítimo na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78. A fim de determinar se essa política basta para justificar de forma objetiva uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, importa verificar, como decorre do n.o 64 do presente acórdão, se a mesma responde a uma verdadeira necessidade da empresa. A este respeito, há que salientar que tanto a prevenção dos conflitos sociais como a apresentação da entidade patronal de forma neutra perante os clientes podem corresponder a uma verdadeira necessidade da entidade patronal, o que esta deve demonstrar. Todavia, importa ainda verificar, em conformidade com o exposto nos n.os 68 e 69 do presente acórdão, se a regra interna que consiste em proibir o uso de qualquer sinal ostentatório de grande dimensão de convicções políticas, filosóficas e religiosas é apta a garantir o objetivo prosseguido e se essa proibição se limita ao estritamente necessário.

77

A este respeito, importa precisar que uma política de neutralidade na empresa, como a referida pela primeira questão no processo C‑341/19, apenas pode ser eficazmente prosseguida se não for autorizada nenhuma manifestação visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas quando os trabalhadores estão em contacto com os clientes ou em contacto entre eles, uma vez que o uso de qualquer sinal, mesmo de pequena dimensão, põe em risco a aptidão da medida para alcançar o objetivo pretensamente prosseguido e põe, assim, em causa a própria coerência da referida política de neutralidade.

78

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão submetida no processo C‑341/19 que o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma discriminação indireta baseada na religião ou nas convicções decorrente de uma regra interna de uma empresa que proíbe, no local de trabalho, o uso de sinais visíveis de convicções políticas, filosóficas ou religiosas com o objetivo de garantir uma política de neutralidade nessa empresa só pode ser justificada se essa proibição abranger qualquer forma visível de expressão das convicções políticas, filosóficas ou religiosas. Uma proibição limitada ao uso de sinais de convicções políticas, filosóficas ou religiosas ostentatórias e de grande dimensão pode constituir uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções, a qual não pode, de qualquer modo, ser justificada com fundamento nessa mesma disposição.

Quanto à segunda questão, alínea b), no processo C‑804/18 e à segunda questão, alínea b), no processo C‑341/19

79

Com a sua segunda questão, alínea b), no processo C‑804/18, que é análoga à segunda questão, alínea b), no processo C‑341/19, o Arbeitsgericht Hamburg (Tribunal do Trabalho de Hamburgo) pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que as disposições constitucionais nacionais de proteção da liberdade de religião podem ser tomadas em conta como disposições mais favoráveis, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, dessa diretiva, no âmbito do exame do caráter adequado de uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções.

80

Esta questão tem origem na interrogação, igualmente suscitada pelo Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal) no processo C‑341/19, relativa à questão de saber se, no âmbito do exame do caráter adequado de uma regra interna de uma empresa como a que está em causa nos litígios nos processos principais, há que proceder a uma ponderação dos direitos e liberdades em conflito, mais especificamente dos artigos 14.o e 16.o da Carta, por um lado, e do artigo 10.o da Carta, por outro, ou se essa ponderação só deve ser feita no momento da aplicação da referida regra interna a um caso particular, por exemplo quando uma instrução é dirigida a um trabalhador ou por ocasião do seu despedimento. Se se devesse concluir que os direitos em conflito decorrentes da Carta não podem ser tomados em consideração no âmbito do referido exame, colocar‑se‑ia então a questão de saber se se pode considerar que uma disposição nacional de natureza constitucional, como o artigo 4.o, n.os 1 e 2, do GG, de proteção da liberdade de religião e de crença, constitui uma regulamentação mais favorável, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

81

No que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se importa, no âmbito do exame do caráter adequado, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78, da restrição decorrente da medida instituída para garantir a aplicação de uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa, ter em conta diferentes direitos e liberdade em causa, há que recordar, antes de mais, como declarou o Tribunal de Justiça quando procedeu à interpretação do conceito de «religião», na aceção da Diretiva 2000/78, que o legislador da União se referiu, no considerando 1 dessa diretiva, aos direitos fundamentais tal como os garante a CEDH, que prevê, no seu artigo 9.o, que qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, implicando esse direito, nomeadamente, a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. Por outro lado, no mesmo considerando, o legislador da União referiu‑se igualmente às tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito da União. Ora, entre os direitos que resultam dessas tradições comuns e que foram reafirmados na Carta, figura o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião consagrado no artigo 10.o, n.o 1, da Carta. Em conformidade com esta disposição, este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individualmente ou coletivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. Conforme resulta das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), o direito garantido no artigo 10.o, n.o 1, da mesma corresponde ao direito garantido no artigo 9.o da CEDH e, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, tem o mesmo sentido e o mesmo âmbito que aquele (Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.os 26 e 27).

82

Por conseguinte, ao proceder ao exame do caráter adequado, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78, da restrição decorrente de uma medida destinada a garantir a aplicação de uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa, devem ser tidos em conta os diferentes direitos e liberdades em causa.

83

Em seguida, o Tribunal de Justiça já declarou que, ao proceder ao exame do caráter necessário de uma proibição semelhante à que está em causa nos processos principais, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, atendendo a todos os elementos dos autos em causa, ter em conta os interesses presentes e limitar as restrições «às liberdades em causa ao estritamente necessário» (Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 43). Ora, uma vez que, no processo que deu origem a esse acórdão, apenas estava em causa a liberdade de empresa, reconhecida no artigo 16.o da Carta, conclui‑se que a outra liberdade a que o Tribunal de Justiça fazia referência nesse mesmo acórdão era a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, referida no n.o 39 desse mesmo acórdão.

84

Por último, impõe‑se observar que a interpretação da Diretiva 2000/78 assim acolhida é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça na medida em que permite garantir que, quando vários direitos fundamentais e princípios consagrados pelos Tratados estão em causa, como, no caso em apreço, o princípio da não discriminação consagrado no artigo 21.o da Carta e o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião garantido no artigo 10.o da Carta, por um lado, bem como o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos seus filhos em conformidade com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas reconhecido no artigo 14.o, n.o 3, da Carta e a liberdade de empresa reconhecida no artigo 16.o da Carta, por outro, a apreciação da observância do princípio da proporcionalidade deve ser efetuada respeitando a necessária conciliação das exigências ligadas à proteção dos diferentes direitos e princípios em causa e de um justo equilíbrio entre eles (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o., C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 65 e jurisprudência referida).

85

Quanto às disposições de direito nacional em causa nos processos principais, mais especificamente do artigo 4.o, n.o 1, do GG, e à exigência que as mesmas implicam segundo a qual, numa situação como a que está em causa nesses processos, incumbe à entidade patronal não apenas demonstrar que prossegue um objetivo legítimo que pode justificar uma desigualdade de tratamento indireta baseada na religião ou nas convicções, mas também demonstrar que existia, no momento da instauração da regra interna em questão, ou que existe, atualmente, um risco suficientemente concreto de que esse objetivo seja prejudicado, como o risco de problemas concretos na empresa ou o risco concreto de perdas de rendimentos, importa observar que tal exigência se insere no âmbito fixado pelo artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 no tocante à justificação de uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções.

86

No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber se uma disposição nacional relativa à liberdade de religião e de consciência pode ser considerada uma disposição nacional mais favorável à proteção do princípio da igualdade de tratamento, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, importa recordar, como resulta do título desta diretiva, que esta estabelece um quadro geral dessa igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, que deixa uma margem de apreciação aos Estados‑Membros, tendo em conta a diversidade das suas abordagens quanto à importância que atribuem à religião ou às convicções. A margem de apreciação assim reconhecida aos Estados‑Membros, na falta de consenso no âmbito da União, deve, no entanto, ser acompanhada de fiscalização, que incumba ao juiz da União e que consista, designadamente, em averiguar se as medidas tomadas no âmbito nacional se justificam no seu princípio e se são proporcionadas (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o., C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 67).

87

Além disso, o quadro assim criado revela que, na Diretiva 2000/78, o legislador da União não procedeu ele mesmo à conciliação necessária entre a liberdade de pensamento, de convicção e de religião e os objetivos legítimos que podem ser invocados como justificação de uma desigualdade de tratamento, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), desta diretiva, mas deixou a incumbência de proceder a essa conciliação aos Estados‑Membros e aos seus órgãos jurisdicionais (v., por analogia, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o., C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 47).

88

Por conseguinte, a Diretiva 2000/78 permite ter em conta o contexto próprio de cada Estado‑Membro e reconhecer a cada um deles uma margem de apreciação no âmbito da conciliação necessária dos diferentes direitos e interesses em causa, a fim de assegurar um justo equilíbrio entre estes últimos.

89

Daqui resulta que as disposições nacionais de proteção da liberdade de pensamento, de convicção e de religião, enquanto valor ao qual as sociedades democráticas contemporâneas atribuem uma importância acrescida há muitos anos, podem ser tomadas em conta como disposições mais favoráveis à proteção do princípio da igualdade de tratamento, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, no âmbito da análise do que constitui uma diferença de tratamento baseada na religião ou nas convicções. Assim, são abrangidas, por exemplo, pela faculdade oferecida por este artigo 8.o, n.o 1, disposições nacionais que sujeitam a justificação de uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções a mais exigências do que o que está previsto no artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78.

90

Atendendo a estas considerações, há que responder à segunda questão, alínea b), no processo C‑804/18 e à segunda questão, alínea b), no processo C‑341/19 que o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que as disposições nacionais de proteção da liberdade de religião podem ser tomadas em conta como disposições mais favoráveis, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, dessa diretiva, no âmbito do exame do caráter adequado de uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções.

Quanto à segunda questão, alínea a), e à terceira questão no processo C‑341/19

91

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão no processo C‑341/19, não há que responder à segunda questão, alínea a), nem à terceira questão nesse mesmo processo.

Quanto às despesas

92

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o e o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, devem ser interpretados no sentido de que uma regra interna de uma empresa, que proíbe os trabalhadores de usarem qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho, não constitui, em relação aos trabalhadores que seguem um determinado código de vestuário em aplicação de preceitos religiosos, uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, na aceção dessa diretiva, quando essa regra é aplicável de forma geral e indiferenciada.

 

2)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, decorrente de uma regra interna de uma empresa que proíbe os trabalhadores de usarem qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho, pode ser justificada pela vontade da entidade patronal de prosseguir uma política de neutralidade política, filosófica e religiosa em relação ao clientes ou aos utentes, contanto, em primeiro lugar, que essa política responda a uma necessidade verdadeira dessa entidade patronal, que a esta incumbe estabelecer tomando, nomeadamente, em consideração as expectativas legítimas dos referidos clientes ou utentes bem como as consequências desfavoráveis que essa entidade patronal sofreria na falta de tal política, tendo em conta a natureza das suas atividades ou o contexto no qual estas se inserem, em segundo lugar, que essa diferença de tratamento seja apta a garantir a boa aplicação dessa política de neutralidade, o que pressupõe que essa política seja seguida de forma coerente e sistemática, e, em terceiro lugar, que essa proibição seja limitada ao estritamente necessário atendendo à amplitude e gravidade reais das consequências desfavoráveis que a entidade patronal procura evitar através de tal proibição.

 

3)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma discriminação indireta baseada na religião ou nas convicções decorrente de uma regra interna de uma empresa que proíbe, no local de trabalho, o uso de sinais visíveis de convicções políticas, filosóficas ou religiosas com o objetivo de garantir uma política de neutralidade nessa empresa só pode ser justificada se essa proibição abranger qualquer forma visível de expressão das convicções políticas, filosóficas ou religiosas. Uma proibição limitada ao uso de sinais de convicções políticas, filosóficas ou religiosas ostentatórias e de grande dimensão pode constituir uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções, a qual não pode, de qualquer modo, ser justificada com fundamento nessa mesma disposição.

 

4)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que as disposições nacionais de proteção da liberdade de religião podem ser tomadas em conta como disposições mais favoráveis, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, dessa diretiva, no âmbito do exame do caráter adequado de uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.