CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 26 de setembro de 2019 ( 1 )

Processo C‑532/18

GN, legalmente representada por HM

contra

ZU, como liquidatário da Niki Luftfahrt GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Convenção de Montreal — Artigo 17.o, n.o 1 — Responsabilidade dos transportadores aéreos perante os passageiros — Conceito de “acidente” — Lesão corporal sofrida por um passageiro devido ao derrame de uma bebida quente ocorrido a bordo de um avião em voo»

I. Introdução

1.

O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional ( 2 ) (a seguir «Convenção de Montreal»), disposição que determina as condições em que um passageiro que sofreu uma lesão corporal no decurso de um voo pode desencadear a responsabilidade da transportadora aérea que operou esse voo.

2.

Este pedido inscreve‑se no quadro de um litígio que opõe um passageiro menor, representado pelo seu pai, ao responsável pela liquidação de uma companhia aérea. A demandante no processo principal solicita uma indemnização a título das queimaduras que lhe foram causadas pelo derramamento de uma bebida quente ocorrido, por uma razão desconhecida, durante um voo transfronteiriço efetuado pela referida companhia.

3.

O Tribunal de Justiça é convidado, de modo inédito, a delimitar os contornos do conceito de «acidente», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, tendo em conta, nomeadamente, os critérios de aplicabilidade já adotados por alguns órgãos jurisdicionais nacionais. Mais especificamente, é‑lhe colocada a questão de saber, em substância, se é necessário que o evento ocorrido a bordo de um avião não só tenha sido súbito ou inabitual e externo ao passageiro em causa, mas também que seja devido a um risco inerente ao transporte aéreo ou associado a esse transporte. Pelas razões expostas nas presentes conclusões considero que apenas os primeiros critérios devem ser preenchidos, e não os últimos.

I. Quadro jurídico

A.   Convenção de Montreal

4.

O preâmbulo da Convenção de Montreal expõe, designadamente, no seu terceiro parágrafo, que os Estados partes «reconhece[m] a importância de assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como a necessidade de uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição». Além disso, o seu quinto parágrafo enuncia que «uma ação coletiva dos Estados atinente a uma maior harmonização e codificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional através da celebração de uma nova Convenção constitui o meio mais adequado de alcançar um justo equilíbrio de interesses».

5.

O artigo 17.o da Convenção de Montreal, sob a epígrafe «Morte e lesão corporal de passageiros — Avaria de bagagens», prevê, no seu n.o 1, que «[a] transportadora só é responsável pelo dano causado em caso de morte ou lesão corporal de um passageiro se o acidente que causou a morte ou a lesão tiver ocorrido a bordo da aeronave ou durante uma operação de embarque ou desembarque».

6.

Nos termos do artigo 20.o dessa convenção, sob a epígrafe «Exoneração», «[s]e provar que foi negligência ou outro ato doloso ou omissão da pessoa que reclama a indemnização, ou da pessoa de quem emanam os direitos da primeira, que causou ou contribuiu para o dano, a transportadora será total ou parcialmente exonerada da sua responsabilidade perante o requerente na medida em que tal negligência, ato doloso ou omissão causou ou contribuiu para o dano. Quando a indemnização por motivo de morte ou lesão corporal de um passageiro é reclamada por terceiro, a transportadora será igualmente total ou parcialmente exonerada da sua responsabilidade na medida em que provar que foi negligência ou outro ato doloso ou omissão do passageiro que causou ou contribuiu para o dano. O presente artigo aplica‑se a todas as disposições em matéria de responsabilidade da presente convenção, incluindo o n.o 1 do artigo 21.o».

7.

O artigo 21.o da referida convenção, sob a epígrafe «Indemnização em caso de morte ou lesão corporal de passageiros», tem a seguinte redação:

«1.   A transportadora não poderá excluir ou limitar a sua responsabilidade pelos danos a que se refere o n.o 1 do artigo 17.o que não excedam 100000 direitos de saque especiais por passageiro.

2.   A transportadora não será responsável pelos danos a que se refere o n.o 1 do artigo 17.o que excedam 100000 direitos de saque especiais por passageiro, se provar que:

a)

Tais danos não foram causados por negligência ou outro ato doloso ou omissão sua ou dos seus trabalhadores ou agentes;

b)

Tais danos foram causados exclusivamente por negligência ou outro ato doloso ou omissão de terceiro.»

8.

O artigo 29.o desta mesma convenção, sob a epígrafe «Fundamento dos pedidos», prevê que «[n]o transporte de passageiros, bagagens e mercadorias, as ações por danos, qualquer que seja o seu fundamento, quer este resida na presente convenção, em contrato, em ato ilícito ou em qualquer outra causa, só podem ser intentadas sob reserva das condições e limites de responsabilidade previstos na presente Convenção, sem prejuízo da determinação de quais as pessoas com legitimidade para a ação e de quais os direitos que lhes assistem. Em tais ações, as transportadoras não podem ser condenadas no pagamento de indemnizações punitivas, exemplares ou outras indemnizações não compensatórias».

B.   Direito da União

9.

Os considerandos 5 a 7 e 10 do Regulamento (CE) n.o 889/2002 ( 3 ), que altera o Regulamento (CE) n.o 2027/97 do Conselho, relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas em caso de acidente ( 4 ), têm a redação seguinte:

«(5)

A Comunidade assinou a Convenção de Montreal, indicando a sua intenção de se tornar parte no acordo, mediante a sua ratificação.

(6)

É necessário alterar o Regulamento (CE) n.o 2027/97 […], de modo a alinhá‑lo pelas disposições da Convenção de Montreal, criando assim um sistema uniforme de responsabilidade para o transporte aéreo internacional.

(7)

O presente regulamento e a Convenção de Montreal reforçam a proteção dos passageiros e dos seus dependentes e não podem ser interpretados de modo a reduzir a sua proteção em relação à presente legislação à data de aprovação do presente regulamento.

[…]

(10)

No contexto de um sistema de transportes aéreos seguro e moderno, convém dispor de um regime de responsabilidade ilimitada em caso de morte ou de lesões corporais dos passageiros.»

10.

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 2027/97, conforme alterado pelo Regulamento n.o 889/2002 (a seguir «Regulamento n.o 2027/97»), «[o] presente regulamento transpõe as disposições pertinentes da Convenção de Montreal respeitantes ao transporte aéreo de passageiros e da sua bagagem e estabelece certas disposições complementares. O presente regulamento também torna o âmbito de aplicação dessas disposições extensivo ao transporte aéreo dentro de um Estado‑Membro».

11.

O artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2027/97 enuncia que «[o]s conceitos constantes do presente regulamento que não se encontrem definidos no n.o 1 terão o significado que lhes é atribuído pela Convenção de Montreal».

12.

O artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento prevê que «[a] responsabilidade das transportadoras aéreas comunitárias relativamente aos passageiros e à sua bagagem regula‑se por todas as disposições da Convenção de Montreal aplicáveis a essa responsabilidade».

II. Processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

13.

Em agosto de 2015, a demandante no processo principal, então com 6 anos, efetuou um voo, entre a Espanha e a Áustria, operado pela companhia aérea Niki Luftfahrt GmbH, sociedade de direito austríaco.

14.

A criança estava sentada ao lado do seu pai, que, durante o voo, recebeu da assistente de cabine um copo sem tampa contendo café quente e o colocou na mesa dobrável situada à sua frente. Em seguida, esse recipiente deslizou e o seu conteúdo derramou‑se sobre a criança, que sofreu queimaduras de segundo grau numa parte do corpo. Não foi possível determinar se o derrame do copo de café era devido a um defeito da mesa ou à vibração do avião.

15.

A demandante no processo principal, legalmente representada pelo seu pai, intentou uma ação destinada a obter a condenação da Niki Luftfahrt na reparação do dano causado pelo acidente ocorrido durante o referido voo, no montante de 8500 euros, acrescidos de juros e despesas, com base no artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal.

16.

O administrador judicial da companhia aérea, agora em falência, refutou a existência de responsabilidade, invocando não ter havido acidente na aceção desta disposição, uma vez que nenhum «acontecimento súbito e inesperado» conduziu ao derrame do copo de café. De qualquer modo, nenhum «risco inerente ao transporte aéreo», isto é, típico desse transporte, se concretizou, sendo que esta condição também deveria ser preenchida.

17.

Por Decisão de 15 de dezembro de 2015, o Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburg, Áustria) julgou procedente o pedido da demandante no processo principal. Este tribunal considerou que se verificara um «acidente» na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, nas circunstâncias do caso em apreço, uma vez que o derrame do copo de café tinha resultado de um «acontecimento inabitual de origem exterior». Além disso, declarou que um «risco inerente ao transporte aéreo» se concretizou, uma vez que uma aeronave está sujeita, no quadro da sua exploração, a graus de inclinação variáveis que podem conduzir a que objetos pousados sobre uma superfície horizontal no avião deslizem, sem que uma manobra particular da aeronave seja necessária. Por fim, constatou a inexistência de culpa da transportadora aérea, pelo motivo de o facto de servir bebidas quentes em recipientes desprovidos de tampa ser uma prática habitual e socialmente adequada.

18.

Por Acórdão de 30 de agosto de 2016, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria) reformou a decisão proferida em primeira instância, após ter considerado que a responsabilidade da transportadora aérea estava excluída, uma vez que o artigo 17.o da Convenção de Montreal abrange unicamente os acidentes causados por um «risco inerente ao transporte aéreo» e que, no caso em apreço, a demandante no processo principal não tinha podido apresentar a respetiva prova.

19.

Em sede de recurso de Revision, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal), por Decisão de 26 de junho de 2018, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de agosto de 2018, decidiu suspender a instância e submeter a este último a seguinte questão prejudicial:

«Constitui um “acidente” que dá origem a responsabilidade da transportadora, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção [de Montreal], o deslizamento e queda, por motivos não apurados, de um copo com café quente colocado no tabuleiro da cadeira da frente de uma aeronave em pleno voo, causando queimaduras a um passageiro?»

20.

Foram apresentadas observações escritas no Tribunal de Justiça pelos demandados no processo principal, o Governo polaco e a Comissão Europeia. Na audiência de 19 de junho de 2019, o Governo francês e a Comissão apresentaram as suas observações orais.

III. Análise

A.   Observações preliminares

21.

Antes de mais, observo que o órgão jurisdicional de reenvio refere que a Convenção de Montreal é aplicável nas circunstâncias do litígio no processo principal, uma vez que o voo durante o qual se produziu o evento controvertido reveste um caráter internacional, na aceção do artigo 1.o desta convenção, dado que os lugares de partida e de destino desse voo estão situados no território de dois Estados partes ( 5 ). A este respeito, sublinho que, nos domínios abrangidos pela Convenção de Montreal, os Estados‑Membros da União transferiram para esta última as suas competências no que respeita à responsabilidade pelos danos sofridos em caso de morte ou lesão de um passageiro ( 6 ) e que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2027/97 prevê que a responsabilidade relativamente aos passageiros de uma «transportadora aérea comunitária» ( 7 ), como no caso em apreço parece, é regulada por todas as disposições da referida convenção relativas a essa responsabilidade ( 8 ).

22.

Em seguida, recordo ( 9 ) que as disposições da Convenção de Montreal são parte integrante da ordem jurídica da União ( 10 ), pelo que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre a sua interpretação, no respeito pelas regras do direito internacional que se impõem à União, em particular, pelo artigo 31.o da Convenção de Viena ( 11 ), de acordo com o qual um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim ( 12 ). Além disso, atento o objeto da Convenção de Montreal, que é unificar as regras relativas ao transporte aéreo internacional, o Tribunal de Justiça já declarou que os conceitos contidos nesta Convenção não definidos por ela «devem ser objeto de uma interpretação uniforme e autónoma, não obstante os diferentes sentidos atribuídos a estes conceitos no direito interno dos Estados partes nesta Convenção» ( 13 ).

23.

Por último, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no quadro do processo de reenvio prejudicial, compete exclusivamente aos tribunais nacionais definir o quadro factual e jurídico do litígio que são chamados a dirimir ( 14 ). A este título, saliento que no caso em apreço é pacífico, como indica expressamente a questão prejudicial, que foi impossível determinar a razão pela qual o copo de café se derramou sobre a demandante no processo principal. Além disso, resulta da decisão de reenvio que a objeção relativa a uma culpa contributiva da lesada, que tinha sido inicialmente suscitada pela demandada no processo principal, já não é objeto do processo nacional ( 15 ). O Tribunal de Justiça tem, portanto, de se pronunciar sobre a interpretação que lhe é pedida partindo das constatações assim expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B.   Quanto ao conceito de «acidente» na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal

1. Quanto ao objeto da questão prejudicial e às teses em presença

24.

No presente processo, o Tribunal de Justiça é convidado, em substância, a determinar se o conceito de «acidente» na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal deve ser interpretado de modo a incluir uma situação na qual um copo de café quente, depositado numa mesa dobrável num avião em voo, se derrama por uma razão indeterminada e causa uma queimadura a um passageiro, que pode, portanto, exigir, nos termos da referida disposição, que a transportadora aérea em causa lhe pague uma indemnização por perdas e danos a título dessa lesão corporal.

25.

Embora a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio seja formulada em termos ligados às circunstâncias próprias do litígio no processo principal, considero, no entanto, preferível que o Tribunal de Justiça não se limite a dar uma resposta que valha apenas para esta situação específica, mas aproveite a oportunidade que lhe é dada de fornecer uma interpretação do conceito em causa, fixando critérios de apreciação abstratos, e portanto de alcance mais geral ( 16 ). Há que sublinhar que o presente processo é o primeiro em que o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o referido conceito.

26.

A este respeito, constato, como o órgão jurisdicional de reenvio, que a Convenção de Montreal não contém uma definição do conceito de «acidente», ainda que a ocorrência desse evento constitua de forma evidente uma condição determinante para que possa ser responsabilizada uma transportadora aérea com base no artigo 17.o, n.o 1, da referida convenção, em caso de dano físico (lesão corporal ou morte) sofrido por um passageiro ( 17 ). Do mesmo modo, este termo figurava na disposição equivalente que constitui o artigo 17.o da Convenção de Varsóvia ( 18 ), que foi substituída pela Convenção de Montreal ( 19 ), mas também não era definido por esse primeiro instrumento.

27.

No entanto, alguns órgãos jurisdicionais nacionais desenvolveram jurisprudências, que o órgão jurisdicional de reenvio evoca expressamente, relativas ao conceito de «acidente» na aceção da Convenção de Varsóvia e/ou da Convenção de Montreal ( 20 ). Preciso que, apesar das diferenças entre o artigo 17.o da Convenção de Varsóvia e o artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, sou da opinião de que a segunda destas disposições deve, contudo, ser interpretada também à luz das decisões relativas à primeira, dada a equivalência substancial que existe entre elas ( 21 ).

28.

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal se lhe afigura aplicável no caso em apreço, uma vez que a lesão corporal sofrida pela demandante no processo principal resulta, segundo a terminologia utilizada pelos referidos órgãos jurisdicionais nacionais, de um evento «súbito», tendo por origem uma «ação externa» à lesada e provocando um «dano inesperado» para esta. Salienta que o litígio no processo principal se foca na questão de saber se o conceito de «acidente», na aceção desta disposição, implica, para além da reunião dos critérios assim mencionados, que um «risco inerente ao transporte aéreo» se tenha materializado ( 22 ).

29.

Este órgão jurisdicional refere que várias abordagens se opõem quanto à necessidade de preencher este último critério, tendo em conta certas decisões proferidas por órgãos jurisdicionais de Estados partes na Convenção de Varsóvia e/ou na Convenção de Montreal, bem como diversas opiniões doutrinais.

30.

De acordo com uma primeira abordagem, que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é adotada pela maior parte da doutrina e da jurisprudência alemãs ( 23 ), o conceito de «acidente» em questão deve restringir‑se às situações em que se concretizou um risco decorrente tipicamente da natureza da aeronave, do seu estado ou da sua exploração ( 24 ), ou ainda de uma instalação aeronáutica utilizada no momento do embarque ou do desembarque. Tal justifica‑se pelo facto de a intenção dos Estados partes na Convenção de Montreal não ser que as transportadoras aéreas assumam os riscos gerais da vida corrente. Por conseguinte, a pessoa lesada suporta o ónus de provar a materialização de um risco que só pode surgir no domínio do transporte aéreo. Ora, no caso em apreço, dada a impossibilidade de determinar a causa do acontecimento controvertido, esta interpretação levaria à improcedência do pedido formulado pela demandante no processo principal.

31.

Pelo contrário, de acordo com uma segunda abordagem, não seria necessário provar que um risco inerente ao transporte aéreo se concretizou para se poder basear no artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, tendo em conta a redação desta disposição, o regime de responsabilidade por ela instaurado e a necessidade de preservar a sua eficiência. O órgão jurisdicional de reenvio considera que estes últimos argumentos são convincentes. Precisa que alguns autores deduziram daí que constitui um «acidente» que pode desencadear a responsabilidade de uma transportadora aérea, nomeadamente, o derrame de uma bebida quente sobre o corpo de um passageiro ( 25 ). No litígio no processo principal, esta interpretação conduziria a reconhecer a responsabilidade da transportadora aérea.

32.

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera outra abordagem, qualificada de «solução intermédia», segundo a qual a responsabilidade prevista no referido artigo 17.o, n.o 1, decorreria do simples facto de o evento considerado se ter produzido a bordo do avião, ou no momento do embarque ou do desembarque, sem necessidade de um risco inerente ao transporte aéreo se ter materializado, mas com a possibilidade de o transportador se exonerar dessa responsabilidade provando a inexistência de ligação com a natureza ou a exploração da aeronave. No caso em apreço, esta interpretação levaria também a admitir a responsabilidade da demandada no processo principal, dado que a causa do acidente em causa não pôde ser identificada.

33.

As observações apresentadas ao Tribunal de Justiça no presente processo refletem estas diferentes abordagens. A demandada no processo principal sustenta que a responsabilidade das transportadoras aéreas só pode ser desencadeada, com base no artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, quando o acidente, acontecimento súbito e inesperado resultante de uma intervenção externa, tenha sido provocado por um risco inerente ao transporte aéreo. Ora, o risco de lesão corporal devida ao derrame de uma bebida quente pode também materializar‑se no quadro da vida privada ( 26 ).

34.

Em contrapartida, o Governo polaco descarta a exigência de um risco inerente ao transporte aéreo, mas considera, contudo, que um nexo de causalidade plausível é necessário entre o evento em causa — o qual deve ser súbito ou inesperado e de fonte externa ao passageiro — e o movimento ou exploração da aeronave, nexo que existe no caso em apreço ( 27 ).

35.

Por seu lado, o Governo francês e a Comissão ( 28 ) são da opinião de que a situação em causa no processo principal está efetivamente abrangida pelo conceito de «acidente» na aceção do referido artigo 17.o, n.o 1, uma vez que se trata de um evento súbito, ocorrido durante o transporte aéreo, e externo à pessoa da lesada, sem que seja necessário demonstrar a concretização de um risco inerente ao transporte aéreo — tese sustentada pela demandada no processo principal — nem mesmo a existência de um nexo de causalidade com esse transporte — tese defendida pelo Governo polaco —. Esta é também a minha opinião, pelas razões que se seguem, que se conformam com as regras de interpretação acima referidas ( 29 ).

2. Quanto à interpretação literal

36.

Antes de mais, no que se refere à redação do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, recordo ( 30 ) que apenas fazem fé as seis versões linguísticas deste instrumento que foram consideradas «autênticas», entre as quais figuram três versões que correspondem a línguas oficiais da União, designadamente o inglês, o espanhol e o francês ( 31 ).

37.

Este artigo 17.o, n.o 1 enuncia que «[a] transportadora só é responsável pelo dano causado em caso de morte ou lesão corporal de um passageiro se o acidente que causou a morte ou a lesão tiver ocorrido a bordo da aeronave ou durante uma operação de embarque ou desembarque».

38.

Logo à partida constato, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, que o artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal não formula qualquer exigência segundo a qual a transportadora aérea poderia ser responsabilizada, com fundamento nesta disposição, apenas quando o evento controvertido tiver sido causado por um risco inerente ao transporte aéreo, como sustenta a demandada no processo principal, ou apresente um nexo de causalidade com a natureza ou a exploração da aeronave, como propõe o Governo polaco. Ora, considero que se os autores da referida convenção tivessem tido a intenção de prever tais critérios restritivos, não teriam deixado de disso dar conta de forma explícita ( 32 ), o que não acontece no presente caso. Além disso, os trabalhos preparatórios não contêm qualquer indicação dessa intenção ( 33 ).

39.

No mesmo sentido saliento, como o Governo francês, que uma precisão notável foi acrescentada nesse artigo 17.o, n.o 1, em relação à disposição correspondente da Convenção de Varsóvia ( 34 ), que o precedeu, ou seja, a fórmula «só» ( 35 ), que é reveladora da vontade dos referidos autores de não sujeitar a responsabilidade da transportadora aérea a outras condições para além das de um «acidente» que se produziu nas circunstâncias e que teve os efeitos que são em seguida enunciados no referido artigo 17.o, n.o 1. Resulta desta precisão, em minha opinião, que o conceito de «acidente», na aceção desta última disposição, deve ser objeto de uma interpretação que não tenha por efeito reduzir o seu âmbito de aplicação material.

40.

No que respeita ao referido conceito, constato que a terminologia utilizada no artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, a respeito da responsabilidade da transportadora aérea em caso de morte ou lesão de passageiros, contrasta com a utilizada no n.o 2 desse artigo 17.o e no artigo 18.o da referida convenção, a respeito da responsabilidade da transportadora aérea em caso de destruição, perda ou avaria, respetivamente, de bagagem registada e de mercadorias. Com efeito, ao contrário daquela primeira disposição, estas últimas não visam um «acidente», mas o simples «facto» que causou os danos sofridos pela bagagem registada ou por uma mercadoria ( 36 ). Resulta deste contraste, na minha opinião, que para aplicar o referido artigo 17.o, n.o 1, é necessário que o facto que causou a morte ou a lesão do passageiro não só se tenha produzido a bordo ou no momento do embarque ou do desembarque ( 37 ), como também possa revestir a qualificação de «acidente», em função de critérios a determinar pelo Tribunal de Justiça.

41.

Embora o termo «acidente» seja utilizado várias vezes na Convenção de Montreal, tampouco é explicitado pelas outras disposições em que também figura ( 38 ). Quando muito, o artigo 28.o desta Convenção, relativo aos adiantamentos em caso de morte ou lesão de passageiros, refere que estes últimos danos devem resultar de «acidentes com aeronaves» ( 39 ), mas sem outra precisão.

42.

Recordo que, em conformidade com o disposto no artigo 31.o da Convenção de Viena, o conceito de «acidente» previsto no artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal deve ser interpretado à luz do «sentido comum a atribuir [ao termo em questão]».

43.

A este respeito, considero, como fizeram quer o órgão jurisdicional de reenvio quer todas as partes que apresentaram observações no presente processo, que há que ter em consideração a interpretação do referido conceito que foi adotada por diversos órgãos jurisdicionais de Estados partes na Convenção de Varsóvia e/ou na Convenção de Montreal ( 40 ), a fim de eventualmente obter inspiração nesses precedentes jurisprudenciais, ainda que o Tribunal de Justiça não esteja por eles vinculado.

44.

Em primeiro lugar, observo que certos critérios foram amplamente admitidos, apesar de algumas variações na escolha das palavras utilizadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, como sendo pertinentes para efeitos do conceito de «acidente» que figura no artigo 17.o da Convenção de Varsóvia e no artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal. Segundo estes juízes, em substância, o lesado deve demonstrar que o acontecimento que ocorreu durante o período de transporte aéreo, quer a bordo da aeronave, quer durante as operações de embarque ou desembarque, e que gerou o dano físico invocado, por um lado, reveste um caráter «súbito» ou «inabitual» e, por outro, tem uma origem «externa» à pessoa do passageiro em causa ( 41 ). Dito de outra forma, não pode ser qualificado de «acidente» um facto danoso que resulte de reações próprias do lesado ao funcionamento habitual, normal e previsível da aeronave, ou que foi provocado pelo estado de saúde preexistente do lesado. O consenso encontrado a favor de tais fatores de apreciação resulta, em particular ( 42 ), da jurisprudência americana ( 43 ), da jurisprudência alemã ( 44 ), bem como da jurisprudência francesa ( 45 ). As observações apresentadas no presente processo são igualmente convergentes a este respeito.

45.

Considero que estes critérios, que são perfeitamente conformes com a definição usual do termo em causa ( 46 ), podem ser utilmente tidos em conta também pelo Tribunal de Justiça no presente processo, a fim de determinar quais as situações suscetíveis de serem abrangidas pela qualificação de «acidente», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal. A este respeito, recordo que o órgão jurisdicional de reenvio considera, com razão, a meu ver, que todos os critérios acima mencionados estão preenchidos em circunstâncias como as do litígio no processo principal ( 47 ). Do mesmo modo, outros órgãos jurisdicionais nacionais, nomeadamente americanos ( 48 ), decidiram que o derrame de uma bebida quente sobre um passageiro a bordo de uma aeronave constitui um «acidente» na aceção do artigo 17.o da Convenção de Varsóvia.

46.

Em segundo lugar, como refere a decisão de reenvio, constato que existe, em contrapartida, uma controvérsia sobre a questão de saber se há que exigir, por força das referidas disposições, a verificação de um critério suplementar, relativo à existência de um «risco inerente ao transporte aéreo». A demandada no processo principal alega que este critério foi adotado na jurisprudência austríaca ( 49 ), mas o órgão jurisdicional de reenvio duvida da justeza de tal posição, tendo nomeadamente em conta a evolução da jurisprudência alemã aparentemente no sentido de uma moderação relativamente ao lugar concedido a esse critério ( 50 ). Além disso, na jurisprudência americana, embora certos órgãos jurisdicionais tenham aplicado um critério deste tipo ( 51 ), o Supremo Tribunal e outros órgãos jurisdicionais não optaram, no entanto, por tal abordagem restritiva ( 52 ). Por fim, saliento que, na jurisprudência francesa, a procura de um risco próprio do transporte aéreo foi algumas vezes efetuada para efeitos do artigo 17.o da Convenção de Varsóvia, mas sem que tal procura tenha sido diretamente feita sob o ângulo do conceito de «acidente» ou seja ainda relevante ( 53 ).

47.

Pela minha parte, como indiquei no início ( 54 ), considero que a exigência de tal risco, cuja adoção jurisprudencial se me afigura limitada, não está de forma alguma refletida na terminologia utilizada no artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal. A minha posição é reforçada à luz das finalidades desta disposição.

3. Quanto à interpretação teleológica

48.

À semelhança do órgão jurisdicional de reenvio e do Governo francês ( 55 ), considero que não seria conforme com as finalidades da Convenção de Montreal, em particular com as do seu artigo 17.o, n.o 1, impor à pessoa que pede a reparação de um dano físico, com base nesta disposição, a prova da existência de um «risco inerente ao transporte aéreo» ou de um nexo de causalidade plausível com esse transporte, condições que deveriam ser verificadas, respetivamente, segundo a demandada no processo principal e segundo o Governo polaco, para que um evento pudesse ser qualificado de «acidente» na aceção da referida disposição.

49.

Antes de mais, observo que a Convenção de Montreal tem por objeto realizar uma uniformização das regras que eram aplicáveis nos domínios abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, e mais especificamente aqui em matéria de responsabilidade das transportadoras aéreas. O quinto parágrafo do seu preâmbulo refere que os Estados partes neste instrumento tiveram como objetivo «uma maior harmonização e codificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional» e, portanto, reforçar o sistema uniforme anteriormente instituído pela Convenção de Varsóvia ( 56 ). Além disso, o artigo 29.o da Convenção de Montreal enuncia que as ações de indemnização de danos, incluindo as baseadas no seu artigo 17.o, n.o 1, só podem ser intentadas sob reserva das condições e limites de responsabilidade previstos por essa convenção, o que exclui a aplicação das regras de direito nacional que regulam a responsabilidade das transportadoras aéreas abrangidas pelo âmbito de aplicação desta ( 57 ).

50.

Por conseguinte, considero que não se deve adotar uma interpretação do conceito de «acidente», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, que conduza a subordinar as ações fundadas nessa disposição a condições restritivas que não tenham sido pretendidas pelos autores da referida convenção, nem sequer de forma implícita, tais como a exigência de um «risco inerente ao transporte aéreo» ou de um nexo de causalidade com esse transporte. Esta abordagem é, na minha opinião, corroborada pelas indicações que figuram no preâmbulo do Regulamento n.o 889/2002, e em particular no seu considerando 7, que sugere que as disposições da Convenção de Montreal que tenham um objetivo protetor sejam interpretadas mediante uma abordagem favorável aos passageiros e aos seus dependentes ( 58 ).

51.

A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente que resulta do preâmbulo da Convenção de Montreal ( 59 ) que os Estados partes na mesma tiveram como objetivos, no plano substancial, «assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como […] uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição», e «alcançar um justo equilíbrio d[os] interesses» em presença. Assim, os referidos Estados adotaram um regime de responsabilidade estrita das transportadoras aéreas ( 60 ), zelando por preservar, ao mesmo tempo, um equilíbrio entre os interesses das transportadoras aéreas e os dos passageiros ( 61 ).

52.

Ora, admitir que o evento na origem de um dano abrangido pelo artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal tem de apresentar especificidades próprias do transporte aéreo implicaria uma limitação, ou mesmo uma privação, dos direitos do passageiro, devido às consequências que este critério tem não apenas sobre o ónus da prova mas também sobre o efeito útil da referida disposição.

53.

Com efeito, por um lado, como a pessoa lesada não tem acesso a todos os dados técnicos relativos à navegação da aeronave ou da exploração aérea, de que só a transportadora aérea dispõe, seria excessivamente difícil provar a existência de um risco inerente ao transporte aéreo ou mesmo um nexo de causalidade com este último, a fim de poder pedir uma indemnização com fundamento nesse artigo 17.o, n.o 1.

54.

Por outro lado, a regra prevista neste último seria largamente esvaziada da sua substância por tais exigências, uma vez que numerosos eventos danosos deveriam ser excluídos da qualificação de «acidente», na aceção desta disposição, podendo apresentar‑se de forma semelhante em circunstâncias diferentes das do transporte aéreo, quer dizer, na vida corrente. Esta exclusão implica uma redução significativa dos casos em que a responsabilidade de uma transportadora aérea poderia ser desencadeada com base na referida disposição, limitando‑os aos incidentes mais graves do transporte aéreo, tais como fortes turbulências ou a queda de uma aeronave.

55.

As considerações precedentes, relativas à redação do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal e às finalidades desta, são corroboradas por uma análise do contexto em que se inscreve esta disposição.

4. Quanto à interpretação sistemática

56.

Para proceder à interpretação solicitada do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, e mais especificamente do conceito de «acidente» que aí figura, importa, em minha opinião, como indicam a decisão de reenvio e todas as observações apresentadas no Tribunal de Justiça, ter em conta o regime de responsabilidade das transportadoras aéreas que decorre desta disposição, lida em conjugação com outras disposições da referida convenção.

57.

Nos termos do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, em caso de morte ou lesão corporal sofrida por um passageiro, a transportadora aérea é responsável, de pleno direito, pelo simples facto de o acidente se ter produzido a bordo da aeronave, ou por ocasião do embarque ou do desembarque ( 62 ). Além disso, o artigo 21.o desta convenção prevê, no seu n.o 1, que, quando o dano não ultrapasse um determinado limite de indemnização ( 63 ), como acontece no caso em apreço ( 64 ), o transportador não pode escapar a essa responsabilidade objetiva e, no seu n.o 2, que acima desse limite, pode, em contrapartida, eximir‑se da sua responsabilidade por culpa presumida, se demonstrar que o dano não foi causado por si, nem pelos seus trabalhadores ou pelos seus agentes, sendo imputável unicamente a um terceiro. Por último, nos termos do artigo 20.o da referida convenção, nos dois casos referidos no artigo 21.o o transportador tem a possibilidade de limitar, ou mesmo excluir, a sua responsabilidade se provar a existência de culpa da pessoa lesada, culpa que foi afastada no litígio no processo principal ( 65 ).

58.

Resulta do conjunto destas disposições que os autores da Convenção de Montreal previram um regime de responsabilidade que é favorável ao passageiro lesado, dado que este está obrigado a apresentar não a prova de um ilícito cometido pela transportadora aérea, pelos seus trabalhadores ou agentes, mas apenas a prova do seu próprio dano e do nexo de causalidade existente entre este e o facto gerador qualificável de «acidente». Não é feita qualquer menção, nas disposições acima referidas, à necessidade de o passageiro provar que um risco inerente ao transporte aéreo se materializou ou que o facto danoso está diretamente ligado a esse transporte, resultando da natureza ou da exploração da aeronave. Só numa fase posterior, uma vez feita a qualificação como «acidente», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, é que a transportadora aérea pode eventualmente, como meio de defesa, procurar atenuar a sua responsabilidade, ou mesmo dela se exonerar inteiramente, apresentando de forma juridicamente bastante as provas exigidas, em particular, no artigo 20.o do mesmo instrumento.

59.

Além do mais, pôr em perspetiva o regime de responsabilidade que resulta atualmente da Convenção de Montreal, em caso de acidente que ocasione a morte ou uma lesão corporal, relativamente ao regime que estava previsto na Convenção de Varsóvia, é particularmente revelador da intenção de reforço da proteção dos passageiros que presidiu à adoção desse instrumento mais recente ( 66 ). Com efeito, no âmbito da Convenção de Varsóvia, existia, nesses casos, apenas uma responsabilidade por culpa presumida da transportadora aérea ( 67 ), que se tornou numa responsabilidade concebida de forma mais estrita em virtude da Convenção de Montreal. Além disso, a Convenção de Varsóvia previa um limite máximo do montante da reparação suscetível de ser devido pelas transportadoras aéreas ( 68 ), limitação que desapareceu na Convenção de Montreal. Esta vontade de endurecer o regime aplicável à responsabilidade das transportadoras aéreas, a fim de melhor indemnizar os danos físicos (morte ou lesão corporal) dos passageiros, é também evocada, nomeadamente, no preâmbulo do Regulamento n.o 889/2002 ( 69 ).

60.

A tomada em consideração desta evolução conforta a minha opinião de que o conceito de «acidente» que figura no referido artigo 17.o, n.o 1, não pode ser interpretado no sentido de exigir a existência de um risco inerente ao transporte aéreo ou uma ligação direta com este último, critérios que não estão em conformidade com o sentido corrente deste conceito, nem com os objetivos da Convenção de Montreal, nem com o teor do regime de responsabilidade instaurado por esta. Assim, circunstâncias como as do litígio no processo principal são, em minha opinião, suscetíveis de serem abrangidas pelo referido conceito, como o órgão jurisdicional de reenvio parece inclinar‑se a considerar.

61.

Em conclusão, considero que o artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que constitui um «acidente» suscetível de fundar a responsabilidade da transportadora aérea, nos termos desta disposição, qualquer evento que tenha causado a morte ou a lesão corporal de um passageiro e que se tenha produzido a bordo da aeronave, ou durante as operações de embarque ou desembarque, que revista um caráter súbito ou inabitual e uma origem externa à pessoa do passageiro em causa, sem que seja necessário averiguar se o referido evento se deve a um risco inerente ao transporte aéreo ou está diretamente ligado a esse transporte.

IV. Conclusão

62.

À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) da maneira seguinte:

O artigo 17.o, n.o 1, da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999, e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001, deve ser interpretado no sentido de que constitui um «acidente» suscetível de fundar a responsabilidade da transportadora aérea, nos termos desta disposição, qualquer evento que tenha causado a morte ou a lesão corporal de um passageiro e que se tenha produzido a bordo da aeronave, ou durante as operações de embarque ou desembarque, que revista um caráter súbito ou inabitual e uma origem externa à pessoa do passageiro em causa, sem que seja necessário averiguar se o referido evento se deve a um risco inerente ao transporte aéreo ou está diretamente ligado a esse transporte.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Esta convenção, celebrada em Montreal em 28 de maio de 1999, foi assinada pela Comunidade Europeia em 9 de dezembro de 1999 e aprovada em nome desta pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001 (JO 2001, L 194, p. 38). Entrou em vigor, no que respeita à União Europeia, em 28 de junho de 2004.

( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de maio de 2002 (JO 2002, L 140, p. 2).

( 4 ) Regulamento do Conselho, de 9 de outubro de 1997 (JO 1997, L 285, p. 1).

( 5 ) Ou seja, respetivamente, o Reino de Espanha e a República da Áustria.

( 6 ) V., neste sentido, n.o 4 da declaração relativa à competência da Comunidade Europeia sobre os assuntos regulados pela Convenção de Montreal, declaração que figura no instrumento de aprovação da Comunidade depositado em 29 de abril de 2004 e no endereço Internet seguinte: https://www.icao.int/secretariat/legal/List%20of%20Parties/Mtl99_FR.pdf.

( 7 ) Definido, no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, como sendo uma transportadora aérea titular de uma licença de exploração válida emitida por um Estado‑Membro nos termos do Regulamento (CEE) n.o 2407/92 do Conselho, de 23 de julho de 1992, relativo à concessão de licenças às transportadoras aéreas (JO 1992, L 240, p. 1), que foi revogado e substituído, com efeitos a partir de 1 de novembro de 2008, pelo Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3).

( 8 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 6 de maio de 2010, Walz (C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 18); de 22 de novembro de 2012, Espada Sánchez e o. (C‑410/11, EU:C:2012:747, n.o 19); de 26 de fevereiro de 2015, Wucher Helicopter e Euro‑Aviation Versicherung (C‑6/14, EU:C:2015:122, n.o 35); e de 9 de setembro de 2015, Prüller‑Frey (C‑240/14, EU:C:2015:567, n.os 25 e segs.).

( 9 ) V. também as minhas Conclusões no Processo Guaitoli e o. (C‑213/18, EU:C:2019:524, n.o 29).

( 10 ) A partir da data de entrada em vigor indicada na nota 2 das presentes conclusões.

( 11 ) Convenção sobre o Direito dos Tratados, celebrada em Viena em 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331).

( 12 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 22 de novembro de 2012, Espada Sánchez e o. (C‑410/11, EU:C:2012:747, n.os 20 a 22); de 17 de fevereiro de 2016, Air Baltic Corporation (C‑429/14, EU:C:2016:88, n.os 23 e 24); e de 12 de abril de 2018, Finnair (C‑258/16, EU:C:2018:252, n.os 19 a 22).

( 13 ) V., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2010, Walz (C‑63/09, EU:C:2010:251, n.os 21 e 22), relativo ao conceito de «dano», que está subjacente ao artigo 22.o, n.o 2, da referida convenção.

( 14 ) Nos termos do artigo 267.o TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os juízes nacionais e o Tribunal de Justiça, qualquer apreciação dos factos da causa é da competência daqueles juízes que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, qualquer apreciação dos factos da causa é da competência do tribunal nacional (v., nomeadamente, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Garkalns, C‑470/11, EU:C:2012:505, n.o 30, e de 7 de agosto de 2018, Prenninger e o., C‑329/17, EU:C:2018:640, n.o 27).

( 15 ) O órgão jurisdicional de reenvio não precisa se o debate incidiu, no processo principal, sobre a eventual culpa da menor queimada e/ou do seu pai, que manipulou o copo de café e que a representa nesta instância.

( 16 ) Com efeito, no âmbito da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, chamados a contribuir direta e reciprocamente para a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados‑Membros, o Tribunal de Justiça pode extrair da redação da questão prejudicial, tendo em conta os dados fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, os elementos que dependem da interpretação do direito da União. Assim, pôde admitir‑se que, quando a questão submetida parece procurar uma aplicação direta do direito da União ao litígio no processo principal, o órgão jurisdicional pretende, na realidade, uma interpretação desse direito para efeitos deste litígio (v., nomeadamente, Acórdãos de 18 de janeiro de 1979, van Wesemael e o., 110/78 e 111/78, EU:C:1979:8, n.o 21; de 17 de novembro de 2011, Jestel, C‑454/10, EU:C:2011:752, n.o 21; de 8 de novembro de 2012, Gülbahce, C‑268/11, EU:C:2012:695, n.o 32; e de 13 de fevereiro de 2014, Crono Service e o., C‑419/12 e C‑420/12, EU:C:2014:81, n.os 28 e 29).

( 17 ) Além disso, o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2027/97 remete para a Convenção de Montreal no que respeita aos conceitos, como o de «acidente», que este regulamento contém sem os definir.

( 18 ) Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, assinada em Varsóvia, em 12 de outubro de 1929. Preciso que o termo «acidente» também era empregue, sem outra precisão, no artigo 30.o, n.o 2, desta convenção, visando o caso, não relevante no caso em apreço, de transportes aéreos a executar por diversos transportadores sucessivos.

( 19 ) V. preâmbulo e artigo 55.o da Convenção de Montreal.

( 20 ) A este título, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se a Reuschle, F., Montrealer Übereinkommen — Kommentar, De Gruyter, Berlim, 2.a ed., 2011, comentário ao artigo 17.o da Convenção de Montreal, especialmente n.os 13 e segs.

( 21 ) Quanto a estas jurisprudências nacionais, v. também n.os 43 e segs. das presentes conclusões.

( 22 ) Expressão sublinhada no original, em língua alemã: «ein für die Luftfahrt typisches Risiko».

( 23 ) O órgão jurisdicional de reenvio cita Schmid, R., «Artikel 17», em Frankfurter Kommentar zum Luftverkehrsrecht, Luchterhand, Alemanha, 2016, n.os 16 e 17 (v. também versão em língua inglesa, Schmid, R., «Article 17.o», em Montreal Convention, Kluwer, Países Baixos, 2006, n.os 16 e 17), bem como Ruhwedel, E., Der Luftbeförderungsvertrag, Luchterhand, Colónia, 3.a edição, 1998, n.o 331. Além disso, refere um acórdão do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), de 21 de novembro de 2017 (X ZR 30/15, NJW 2018, 861), salientando, no entanto, que este exige apenas a existência de uma «ligação» com um risco inerente ao transporte aéreo. Anteriormente a este acórdão, v. Decisão do Landgericht Frankfurt (Tribunal Regional de Frankfurt, Alemanha), de 16 de dezembro de 2005 (NJW‑RR 2006, 704), além da jurisprudência referida por Führich, E., Reiserecht — Handbuch und Kommentar, C. H. Beck, Munique, 2015, p. 1059.

( 24 ) Risco que pode resultar, por exemplo, de alterações da altitude ou da velocidade do avião.

( 25 ) Neste sentido, a decisão de reenvio menciona Reuschle, F., op. cit. nota 20, n.o 15; Stefula, M., Schadenersatz für Passagiere im Luftfahrtgesetz, Verlag Österreich, Viena, 2001, n.os 123 e 136 (v. também relatório desta última obra por Müller‑Rostin, W., NZV, 2002, p. 75), bem como Kehrberger, H.‑P., «Overhead Bin‑Unfälle an Bord von Luftfahrzeugen — Eine Fallstudie», Festschrift für Werner Guldimann, Luchterhand, Berlim, 1997, n.os 129 e 130, sobre o artigo 17.o da Convenção de Varsóvia.

( 26 ) Para ilustrar em que é que pode consistir um risco especificamente ligado à exploração de uma aeronave, por oposição a um risco geral da vida corrente, a demandada no processo principal menciona um derrame de bebida quente devido a turbulências, uma modificação da altitude de voo ou da inclinação da aeronave, ou um defeito da mesa, circunstâncias não demonstradas no litígio no processo principal.

( 27 ) Segundo o Governo polaco, tal nexo resulta do facto de servir bebidas quentes no decurso da viagem ser uma prática usual dos transportadores, aéreos ou outros, que pode fazer parte do serviço de transporte ou constituir uma prestação suplementar diretamente ligada a este.

( 28 ) Preciso que, na audiência, a Comissão explicitou a sua posição, confirmando que aderia ao ponto de vista expresso pelo Governo francês.

( 29 ) V. n.o 22 das presentes conclusões.

( 30 ) V. também as minhas Conclusões no processo Guaitoli e o. (C‑213/18, EU:C:2019:524, n.o 58).

( 31 ) Sobre a tomada em conta das seis versões linguísticas em que a Convenção de Montreal foi adotada (ou seja, nas línguas inglesa, árabe, chinesa, espanhola, francesa e russa), v. Acórdãos de 6 de maio de 2010, Walz (C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 24), e de 17 de fevereiro de 2016, Air Baltic Corporation (C‑429/14, EU:C:2016:88, n.os 23 e 31 a 34).

( 32 ) V., a título de comparação, a definição pormenorizada do termo «acidente» que figura no artigo 2.o do Regulamento (UE) n.o 996/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativo à investigação e prevenção de acidentes e incidentes na aviação civil e que revoga a Diretiva 94/56/CE (JO 2010, L 295, p. 35), o qual, nos termos do seu artigo 1.o, não regula, no entanto, a responsabilidade das transportadoras aéreas, contrariamente à Convenção de Montreal.

( 33 ) O órgão jurisdicional de reenvio menciona que aquando da elaboração da Convenção de Montreal não se pretendeu uma limitação aos casos em que se concretizou um risco inerente ao transporte aéreo, tendo em conta o Acórdão do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), já referido, nota 23. Preciso que o n.o 21 desse acórdão enuncia que, de acordo com o conteúdo das atas da conferência internacional que conduziu à adoção desta convenção, não se coloca como condição, a fim de caracterizar a existência de um acidente, que um perigo próprio da aviação se concretize.

( 34 ) O artigo 17.o da Convenção de Varsóvia dispunha que «[o] transportador é responsável pelo prejuízo superveniente em caso de morte, ferimento ou qualquer outra lesão corporal sofrida por um viajante quando o acidente que causou o prejuízo se produziu a bordo da aeronave ou no decurso de quaisquer operações de embarque ou desembarque» (o sublinhado é meu).

( 35 ) Fórmula presente tanto na versão em língua francesa do artigo 17.o da Convenção de Montreal como nas suas versões em língua inglesa («upon condition only») e em língua espanhola («por la sola razón»).

( 36 ) É o que acontece na versão em língua francesa da Convenção de Montreal, mas também nas suas versões em língua inglesa (onde figuram os termos «accident» e «event») e em língua espanhola (onde figuram os termos «accidente» e «hecho»).

( 37 ) Sublinho que o lapso de tempo abrangido pelo artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal é mais longo do que a duração do voo propriamente dito, que vai da descolagem da aeronave até à sua aterragem.

( 38 ) Isto é, o artigo 28.o (sob a epígrafe «Adiantamentos»), os n.os 2 e 3 do artigo 33.o (sob a epígrafe «Jurisdição») e o n.o 2 do artigo 36.o (sob a epígrafe «Transporte sucessivo»), da Convenção de Montreal.

( 39 ) O mesmo acontece nas versões em língua inglesa («aircraft accidents») e em língua espanhola («accidentes de aviación»). Segundo Reuschle, F., op. cit., nota 20, n.o 26, há que distinguir entre os acidentes da própria aeronave (por exemplo, a sua queda), de que trata o artigo 28.o da Convenção de Montreal, e os acidentes a bordo da aeronave, mas o conceito de «acidente», na aceção do seu artigo 17.o, inclui os dois tipos de acidentes. Aprovo esta última consideração, mas não me pronunciarei aqui sobre o objeto do referido artigo 28.o

( 40 ) V. n.os 27 e segs. das presentes conclusões.

( 41 ) Saliento que não se deve confundir a verificação do facto de que o dano alegado não é devido a uma predisposição do passageiro em causa, que intervém na fase da eventual qualificação do acontecimento controvertido como «acidente» suscetível de servir de base à responsabilidade da transportadora aérea — nos termos do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal —, com a questão posterior de saber se está provado que esse passageiro contribuiu ativamente ou por omissão para a realização do seu próprio dano, de modo que a transportadora aérea poderia ser exonerada da sua responsabilidade — ao abrigo do artigo 20.o desta convenção.

( 42 ) V. também Mercadal, B., «Transports aériens», Répertoire de droit commercial, Dalloz, Paris, 2000, n.os 110 e segs.; Grigorieff, C.‑I., «Le régime d’indemnisation de la convention de Montréal», Revue européenne de droit de la consommation, 2012, n.o 4, p. 662 a 665, e Letacq, F., «Fascicule 925», Jurisclasseur Transport, Lexis360, Paris, 2018, n.o 70.

( 43 ) V., principalmente, Acórdão do U.S. Supreme Court (Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América), de 4 de março de 1985, Air France v. Saks [470 U.S. 392 (1985), acessível no endereço de Internet seguinte: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/470/392/]. Este acórdão paradigmático enuncia que o conceito de «acidente» na aceção do artigo 17.o da Convenção de Varsóvia, que foi «drafted in French by continental jurists», abrange «an unexpected or unusual event or happening that is external to the passenger», e não o caso em que «the injury indisputably results from the passenger’s own internal reaction to the usual, normal, and expected operation of the aircraft», e que «[a]ny injury is the product of a chain of causes, and we require only that the passenger be able to prove that some link in the chain was an unusual or unexpected event external to the passenger » (o sublinhado é meu).

( 44 ) V., nomeadamente, decisões alemãs citadas por Reuschle, F., op. cit., nota 20, n.o 13.

( 45 ) Para além das decisões francesas referidas pelos autores op. cit., nota 42, v. Acórdão da Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), 1.a Secção Cível, de 15 de janeiro de 2014 (ECLI:FR:CCASS:2014:C100011, e os precedentes jurisprudenciais mencionados no endereço de Internet seguinte: https://www.legifrance.gouv.fr/affichJuriJudi.do?oldAction=rechJuriJudi&idTexte=JURITEXT000028482732&fastReqId=1262213182&fastPos=2).

( 46 ) A palavra «acidente», que vem do termo latino «accidens: que acontece fortuitamente» e é definido como um «evento ou facto involuntário danoso imprevisto», segundo Cornu, G. e o., Vocabulaire juridique, 12.a ed., PUF, Paris, 2018, p. 11, ou «[an] unexpected event, typically sudden in nature and associated with injury, loss, or harm», segundo a Encyclopædia Britannica (https://academic.eb.com/levels/collegiate/article/accident/605405).

( 47 ) V. n.o 28 das presentes conclusões.

( 48 ) V., entre outros, Acórdãos do U.S. District Court of Puerto Rico (Tribunal Federal do Distrito de Porto Rico, Estados Unidos), de 17 de junho de 1988, Diaz Lugo v. American Airlines, Inc. [686 F. Supp. 373 (D.P.R 1988), acessível no endereço de Internet seguinte: https://law.justia.com/cases/federal/district‑courts/FSupp/686/373/1362396/], bem como do U.S. District Court of California (Tribunal Federal do Distrito da Califórnia, Estados Unidos), de 15 de maio de 2007, Wipranik v. Air Canada e o. [2007 WL 2441066, acessível no endereço de Internet seguinte: https://www.aviationlawmonitor.com/wp‑content/uploads/sites/579/2013/06/Wipranik.pdf].

( 49 ) Neste sentido, a demandada no processo principal cita um Acórdão do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal), de 2 de julho de 2015 (2 Ob 58/15s, acessível no endereço de Internet seguinte: https://www.ris.bka.gv.at/Dokumente/Justiz/JJT_20150702_OGH0002_0020OB00058_15S0000_000/JJT_20150702_OGH0002_0020OB00058_15S0000_000.pdf).

( 50 ) V. as considerações desse órgão jurisdicional expostas nas notas 23 e 33 das presentes conclusões.

( 51 ) V., nomeadamente, Acórdão do U.S. District Court of New York (Tribunal Federal do Distrito de Nova Iorque, Estados Unidos), de 10 de janeiro de 2017, Lee v. Air Canada [228 F. Supp. 3D 302 (2017), acessível no endereço de Internet seguinte: https://www.leagle.com/decision/infdco20170210967], bem como a jurisprudência referida por Naveau, J., Godfrioid, M., e Frühling, P., Précis de droit aérien, Bruylant, Bruxelas, 2.a ed., 2006, n.o 214.

( 52 ) V. Acórdão já referido na nota 43, além da jurisprudência referida por Tompkins, G. N., Liability Rules Applicable to International Air Transportation As Developed by the Courts in the United States — From Warsaw 1929 to Montreal 1999, Kluwer, Países Baixos, 2010, pontos 8.5.5 e 8.9.1 a 8.9.17, bem como por Diederiks‑Verschoor, I. H., An Introduction to Air Law, Kluwer, Países Baixos, 2012, pp. 153 a 160.

( 53 ) Mercadal, B., op. cit., nota 42, n.os 117 a 124, bem como Letáq, F., op. cit., nota 42, n.o 57, expõem que os riscos inerentes à navegação e à exploração aérea eram anteriormente exigidos em França para caracterizar as operações de embarque e de desembarque, na aceção do referido artigo 17.o, mas que esse critério foi aí abandonado, assim como nos países anglo‑saxónicos.

( 54 ) V. n.o 38 das presentes conclusões.

( 55 ) V. também, neste sentido, os autores op. cit., nota 25.

( 56 ) Quanto ao reforço da proteção dos passageiros, v. n.o 59 das presentes conclusões.

( 57 ) Este artigo 29.o prevê uma exceção ao princípio da exclusividade do regime instituído pela referida convenção, remetendo para as regras de direito nacional aplicáveis ao litígio as questões relativas à «determinação de quais as pessoas com legitimidade para a ação e de quais os direitos que lhes assistem».

( 58 ) V. os excertos desse preâmbulo referidos no n.o 9 das presentes conclusões.

( 59 ) Mais precisamente, tendo em conta os terceiro e quinto parágrafos do referido preâmbulo.

( 60 ) Referir‑me‑ei ao teor deste regime nos n.os 56 e segs. das presentes conclusões.

( 61 ) V. Acórdãos de 6 de maio de 2010, Walz (C‑63/09, EU:C:2010:251, n.os 30 e segs.); de 22 de novembro de 2012, Espada Sánchez e o. (C‑410/11, EU:C:2012:747, n.os 29 e 30); de 17 de fevereiro de 2016, Air Baltic Corporation (C‑429/14, EU:C:2016:88, n.os 38 e 48); e de 12 de abril de 2018, Finnair (C‑258/16, EU:C:2018:252, n.os 34 e 43).

( 62 ) A respeito da expressão «só», que é utilizada nesta disposição, v. n.o 39 das presentes conclusões.

( 63 ) Ou seja, 100000 direitos de saque especiais (DSE) por passageiro, montante elevado a 113100 DSE a partir de 30 de dezembro de 2009 (relativamente a este sistema de nível duplo e à revisão operada quanto ao limite pertinente, ver o guia acessível no endereço Internet seguinte: https://www.icao.int/secretariat/legal/Administrative%20Packages/mtl99_fr.pdf). Preciso que o artigo 23.o da referida convenção prevê que, em caso de ação judicial, a conversão em moeda de um Estado que, como a República da Áustria, é membro do Fundo Monetário Internacional (FMI) deve efetuar‑se de acordo com o valor do DTS calculado à data da decisão, segundo o método aplicado quotidianamente pelo FMI e publicado no seu sítio Internet (v. https://www.imf.org/fr/About/Factsheets/Sheets/2016/08/01/14/51/Special‑Drawing‑Right‑SDR).

( 64 ) Tido em conta o montante de indemnização pedido (v. n.o 15 das presentes conclusões).

( 65 ) V. n.o 23 das presentes conclusões.

( 66 ) Neste sentido, v. também n.o 21 do Acórdão do Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça), já referido, nota 23.

( 67 ) V. artigo 17.o da Convenção de Varsóvia, conjugado com o seu artigo 20.o, que previa que a presunção de responsabilidade da transportadora aérea era ilidível.

( 68 ) Em conformidade com o artigo 22.o, n.o 1, da Convenção de Varsóvia. Quanto à revisão dos limites inicialmente previstos por esta, v. Grigorieff, C.‑I., op. cit., nota 42, p. 653 a 656.

( 69 ) Os considerandos 7 e 10 deste regulamento indicam que «[este] e a Convenção de Montreal reforçam a proteção dos passageiros e dos seus dependentes» e que «[n]o contexto de um sistema de transportes aéreos seguro e moderno, convém dispor de um regime de responsabilidade ilimitada em caso de morte ou de lesões corporais dos passageiros». A melhoria considerável do regime de indemnização dos passageiros vítimas de acidentes aéreos, especialmente no que respeita ao ónus da prova, foi igualmente sublinhada nos relatórios oficiais publicados em França e na Suíça, respetivamente acessíveis nos endereços de Internet seguintes: http://www.assemblee‑nationale.fr/12/pdf/rapports/r0675.pdf e https://www.admin.ch/opc/fr/federal‑gazette/2004/2701.pdf.