CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 29 de julho de 2019 ( 1 )

Processo C‑460/18 P

HK

contra

Conselho e Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Função Pública — Pensões — Pensão de sobrevivência — Artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto — Condições de atribuição — Conceito de “cônjuge sobrevivo” — Requisito de duração do casamento — Parcerias não matrimoniais — União de facto — Igualdade de tratamento — Proporcionalidade — Artigos 20.o e 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

1. 

Através do presente recurso, o recorrente solicita a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 3 de maio de 2018, HK/Comissão (T‑574/16, não publicado, a seguir «acórdão impugnado», EU:T:2018:252), que negou provimento ao recurso de anulação que interpôs, com base numa exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), da decisão da Comissão que, ao abrigo dessa disposição, lhe negou o benefício de uma pensão de sobrevivência em virtude de o seu casamento com a funcionária falecida ter tido uma duração inferior a um ano e de não ter sido considerado o período de vida em comum anterior.

2. 

Além da problemática clássica da fundamentação do Acórdão do Tribunal Geral, o presente processo dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar, pela primeira vez, sobre a compatibilidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto com o princípio geral da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), na perspetiva, por um lado, da situação dos casais concubinos e, por outro, dos casais que estavam casados há menos de um ano quando do falecimento do cônjuge funcionário e dos que atingiriam a duração necessária caso fosse considerado o período de vida em comum anterior.

3. 

Esta questão, com uma dimensão social inegável, é obviamente do maior interesse para o conjunto dos membros da função pública europeia.

I. Quadro jurídico

4.

O Estatuto faz parte do Regulamento n.o 31 (CEE)/11 (CEEA) que fixa o Estatuto dos Funcionários e o Regime aplicável aos outros agentes da Comunidade Económica Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica ( 2 ). Esse regulamento foi alterado inúmeras vezes, nomeadamente em 2004 pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 723/2004 do Conselho, de 22 de março de 2004, que altera o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias ( 3 ).

5.

Nos termos do artigo 1.o D do Estatuto, na versão aplicável ao litígio:

«1.   Na aplicação do presente Estatuto, é proibida qualquer discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor, origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.

Para efeitos do presente Estatuto, as parcerias não matrimoniais são objeto de um tratamento idêntico ao concedido ao casamento, desde que todas as condições enumeradas no n.o 2, alínea c), do artigo 1.o do anexo VII estejam preenchidas.

[…]

5.   Sempre que pessoas abrangidas pelo presente Estatuto se considerem lesadas por não lhes ter sido aplicado o princípio da igualdade de tratamento anteriormente enunciado e estabeleçam factos a partir dos quais se possa presumir que existia discriminação direta ou indireta, cabe à instituição o ónus da prova da inexistência de violação do princípio da igualdade de tratamento. A presente disposição não é aplicável em processos disciplinares.

6.   No respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, qualquer limitação da sua aplicação deve ser justificada em fundamentos objetivos e razoáveis e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal. Estes objetivos podem, nomeadamente, justificar a fixação de uma idade obrigatória de aposentação e de uma idade mínima para beneficiar de uma pensão de aposentação.»

6.

O artigo 79.o, primeiro parágrafo, do Estatuto determina:

«Em conformidade com o preceituado no capítulo IV do anexo VIII, o cônjuge sobrevivo de um funcionário ou de um antigo funcionário tem direito a uma pensão de sobrevivência igual a 60 % da pensão de aposentação ou do subsídio de invalidez de que o seu cônjuge beneficiava ou de que teria beneficiado se a tivesse podido reclamar, independentemente do tempo de serviço e da idade, à data da sua morte.»

7.

O artigo 1.o, n.os 1 e 2, do anexo VII do Estatuto determina:

«1.   O abono de lar é fixado num montante de base de 170,52 [euros], acrescido de 2 % do vencimento de base do funcionário.

2.   Tem direito ao abono de lar:

a)

O funcionário casado,

b)

O funcionário viúvo, divorciado, separado legalmente ou solteiro, que tenha um ou vários filhos a cargo na aceção dos n.os 2 e 3 do artigo 2.o;

c)

O funcionário que esteja registado como parceiro estável não matrimonial, desde que:

i)

o casal produza um documento oficial, reconhecido como tal por um Estado‑Membro da União Europeia ou por qualquer autoridade competente de um Estado‑Membro, que certifique o seu estatuto de parceiros não casados,

ii)

nenhum dos parceiros seja casado, nem faça parte de outra parceria não matrimonial,

iii)

os parceiros não estejam ligados por qualquer dos seguintes laços: pais, filhos, avós, irmãos, irmãs, tias, tios, sobrinhos, sobrinhas, genros e noras,

iv)

o casal não tenha acesso ao casamento civil num Estado‑Membro; para efeitos da presente subalínea, considera‑se que um casal tem acesso ao casamento civil apenas nos casos em que os membros do casal satisfazem o conjunto das condições fixadas pela legislação de um Estado‑Membro que autorize o casamento desse casal,

d)

Por decisão especial e fundamentada da entidade competente para proceder a nomeações [AIPN], tomada com base em documentos comprovativos, o funcionário que, não preenchendo as condições previstas nas alíneas a), b) e c), assuma, contudo, efetivamente encargos de família.»

8.

O artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto prevê, no que respeita à pensão de sobrevivência do cônjuge sobrevivo, o seguinte:

«O cônjuge sobrevivo de um funcionário falecido numa das situações previstas no artigo 35.o do Estatuto beneficia, contanto que tenha sido seu cônjuge durante, pelo menos, um ano, e sem prejuízo do disposto no n.o 1 do artigo 1.o […] e no artigo 22.o do anexo VIII do Estatuto, de uma pensão de sobrevivência igual a 60 % da pensão de aposentação que teria sido paga ao funcionário se este, independentemente do tempo de serviço e da idade, tivesse podido requerê‑la à data da sua morte.

A condição relativa à data da celebração do casamento acima prevista não é exigida se um ou vários filhos tiverem nascido deste casamento, ou de um casamento anterior do funcionário, contanto que o cônjuge sobrevivo proveja ou tenha provido às necessidades desses filhos ou se a morte do funcionário resultar quer de enfermidade ou doença contraída por ocasião do exercício das suas funções, quer de acidente.»

II. Antecedentes do litígio

9.

HK, o requerente, e N iniciaram a sua vida em comum no ano de 1994, em Liège (Bélgica).

10.

N era funcionária da Comissão Europeia e estava afeta ao Centro Comum de Investigação (JRC) em Sevilha (Espanha) desde 16 de maio de 2005.

11.

O requerente, por sofrer de diabetes de tipo 2, viu‑se impedido de trabalhar e de frequentar formações, sendo N que, nessas circunstâncias, provia às necessidades do casal.

12.

O requerente e N casaram‑se em Liège em 9 de maio de 2014.

13.

N faleceu em 11 de abril de 2015.

14.

O requerente foi verbalmente informado pela Comissão, em 14 de abril de 2015, de que não tinha direito a beneficiar de uma pensão de sobrevivência (a seguir «decisão controvertida»).

15.

Em 15 de junho de 2015, reclamou da decisão controvertida.

16.

Por decisão de 15 de setembro de 2015, a Comissão indeferiu essa reclamação com fundamento numa duração insuficiente do casamento, inferior a um ano, já que o período prévio de vida em comum também não podia ser tido em conta para efeitos da obtenção da duração necessária.

III. Tramitação do processo no Tribunal Geral e o acórdão impugnado

17.

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal da Função Pública da União Europeia em 18 de fevereiro de 2016, o requerente interpôs um recurso em que pedia a anulação da decisão controvertida e uma indemnização pelo prejuízo moral sofrido.

18.

Por força do artigo 3.o do Regulamento (UE, Euratom) 2016/1192 ( 4 ), esse processo foi transferido para o Tribunal Geral na fase em que se encontrava em 31 de agosto de 2016.

19.

No que toca ao pedido de anulação da decisão controvertida, o requerente invocou uma exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto, com base em dois fundamentos relativos, o primeiro, ao caráter «arbitrário e inadequado» do critério da elegibilidade para a pensão de sobrevivência e, o segundo, a uma discriminação resultante da violação do artigo 21.o da Carta e do artigo 2.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional ( 5 ).

20.

O Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua integralidade e condenou HK a suportar as suas próprias despesas bem como as da Comissão.

IV. Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

21.

Em 12 de julho de 2018, o requerente interpôs recurso do acórdão do Tribunal Geral e conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

declarar o recurso admissível e julgá‑lo procedente;

anular o acórdão impugnado;

avocar o processo para decidir a causa, julgando procedentes os pedidos que formulou em primeira instância, incluindo a condenação nas despesas da recorrida; ou, subsidiariamente,

devolver o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie, devendo as despesas do presente recurso ser decididas em conformidade com o artigo 184.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

22.

A Comissão conclui pedindo que seja negado provimento ao presente recurso e que o requerente seja condenado na totalidade das despesas.

23.

O Conselho da União Europeia, interveniente em primeira instância em apoio da Comissão, solicitou, ao abrigo do artigo 76.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a realização de uma audiência, pedido esse que foi deferido.

24.

As partes foram ouvidas na audiência que teve lugar no Tribunal de Justiça em 8 de maio de 2019.

V. Análise jurídica

25.

No âmbito da presente análise, pareceu‑me ser necessário, antes de mais, abordar a crítica do requerente relativa ao respeito, pelo Tribunal Geral, do seu dever de fundamentação, crítica essa que me parece justificada e me conduz a propor ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão impugnado com esse fundamento. À luz desse entendimento e também do facto de se encontrarem reunidas as condições para a avocação do processo, procedeu‑se, em seguida, à apreciação da admissibilidade e da procedência do recurso que o requerente interpôs no Tribunal Geral e, no termo dessa apreciação, propôs‑se a anulação da decisão da Comissão que recusou a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao requerente.

A. Quanto ao presente recurso

26.

O requerente apresenta dois fundamentos em apoio do presente recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto e a uma fundamentação simultaneamente equívoca, incoerente e contraditória do acórdão impugnado e, o segundo, à violação do princípio da não discriminação e a uma fundamentação insuficiente do acórdão impugnado.

27.

Ao proceder desse modo, o requerente mistura, nos seus dois fundamentos de anulação, uma crítica relativa ao dever de fundamentação do Tribunal Geral, por um lado, e ao mérito da fundamentação do acórdão impugnado, por outro, questões distintas que exigem uma apreciação separada.

28.

No que toca ao dever de fundamentação, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação de um acórdão impugnado deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional ( 6 ).

29.

A questão de saber se a fundamentação de um acórdão do Tribunal Geral é contraditória ou insuficiente é uma questão de direito que pode ser suscitada, enquanto tal, no contexto de um recurso como o presente ( 7 ). Além disso, a violação do dever de fundamentar os acórdãos do Tribunal Geral constitui um fundamento de ordem pública que deve ser suscitado pelo juiz da União ( 8 ).

30.

A apreciação da fundamentação do acórdão impugnado implica que a título prévio se recorde o objeto do litígio no Tribunal Geral, ou seja, um pedido principal de anulação da decisão controvertida fundado numa exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto escorada em dois fundamentos relativos, o primeiro, ao caráter «arbitrário e inadequado» do critério da elegibilidade para a pensão de sobrevivência e, o segundo, a uma discriminação resultante da violação do artigo 21.o da Carta e do artigo 2.o da Diretiva 2000/78.

31.

Estas duas acusações formalmente distintas confundem‑se, na realidade, numa única crítica atinente à violação do princípio da igualdade de tratamento ( 9 ), princípio esse atualmente consagrado no artigo 20.o da Carta e que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de igual modo, a não ser que esse tratamento objetivamente se justifique ( 10 ).

32.

Uma diferenciação entre duas categorias de pessoas que se encontram em situações comparáveis pode justificar‑se objetivamente se estiver em causa um objetivo legítimo, desde que a medida em questão seja apropriada e necessária à consecução desse objetivo, o que o requerente precisamente contesta ao alegar o caráter «arbitrário e inadequado» do requisito segundo o qual o cônjuge sobrevivo deve ter sido cônjuge durante pelo menos um ano, no momento do falecimento do funcionário, para poder beneficiar da pensão de sobrevivência.

33.

Ora, no acórdão impugnado, o Tribunal Geral limitou‑se a examinar sucessivamente as duas acusações sem proceder a nenhuma qualificação, o que, em meu entender, esteve na origem de uma fundamentação que não revela de forma clara o raciocínio do Tribunal Geral.

34.

A este respeito, o requerente sustenta que a fundamentação do acórdão impugnado é «equívoca, incoerente e contraditória». Refere, designadamente, que, em alguns pontos do acórdão, o Tribunal Geral interpreta o conceito de «cônjuge» como relativo apenas ao estatuto matrimonial, ao mesmo tempo que noutros coloca no mesmo plano os conceitos de «cônjuge» e de «parceria não matrimonial».

35.

Cabe sublinhar que, no contexto da apreciação da primeira acusação do requerente, o Tribunal Geral procedeu a uma interpretação do conceito de «cônjuge sobrevivo» para concluir, no n.o 23 do acórdão impugnado, que as disposições do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto são claras e precisas e expõem, sem ambiguidade, os requisitos necessários para se poder beneficiar de uma pensão de sobrevivência, ou seja «te[r] sido seu cônjuge [(do funcionário falecido)] durante, pelo menos, um ano».

36.

Assim, o Tribunal Geral procede a uma assimilação exclusiva entre o conceito de «cônjuge» e o estatuto matrimonial, que reitera nos n.os 25 e 30 ( 11 ), ao referir‑se à aceção ordinária desse conceito, e nos n.os 27 a 29, relativamente à universalidade do conceito de «casamento» enquanto forma de união civil reconhecida no conjunto dos Estados‑Membros, na origem de obrigações jurídicas específicas, e isso por oposição à parceria não matrimonial ou ao concubinato.

37.

Assim, causa algum espanto ler no n.o 32 do acórdão impugnado, que além do mais é um número conclusivo, que, ao limitar a atribuição da referida pensão às pessoas casadas civilmente «bem como aos parceiros registados e que não tenham acesso ao casamento», o legislador da União não atuou de forma arbitrária.

38.

Desse parágrafo resulta manifestamente que o benefício da pensão de sobrevivência não está, portanto, reservado para o cônjuge sobrevivo na aceção exclusivamente matrimonial, contrariamente ao que até agora vinha sendo afirmado, não tendo o Tribunal Geral fornecido qualquer explicação que permita compreender essa indicação de uma abertura do direito à pensão, desde que cumpridos certos requisitos, numa situação de parceria não matrimonial.

39.

No n.o 28 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral tinha de facto enunciado, embora numa formulação evasiva, que «o casamento não [era], em princípio, comparável ao concubinato ou a outras situações de facto», sendo que a utilização da expressão «em princípio», sem mais esclarecimentos, deixa pressupor que excecionalmente pode não ser assim.

40.

No que toca ao exame da segunda acusação feita pelo requerente e relativa a uma violação do princípio da não discriminação, o Tribunal Geral reafirmou nos n.os 48, 51 e 53 do acórdão impugnado o nexo exclusivo existente entre o cônjuge sobrevivo e o estatuto matrimonial, tendo‑se procedido ao teste de comparabilidade entre a situação de um funcionário falecido que tenha vivido em união livre e a do referido funcionário «que foi casado».

41.

Todavia, no n.o 47 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral refere que o requisito de atribuição da pensão de sobrevivência é constituído pela natureza jurídica dos vínculos que uniram o funcionário falecido «ao cônjuge ou ao parceiro sobrevivo», sem outro esclarecimento, mais uma vez, sobre a menção da parceria e o alcance exato desse conceito, que pode abranger a situação de uma união legal com uma parceria não matrimonial oficialmente registada, em causa no n.o 32 do acórdão impugnado, ou de uma união de facto como a do concubinato que o requerente viveu com a funcionária falecida antes de se casarem.

42.

A Comissão entende que o n.o 47 deve ser interpretado à luz da utilização da conjunção «ou», que implica uma apreciação diferenciadora de cada situação referida, sendo que só a primeira, com a existência de um casamento, confere elegibilidade para a pensão de sobrevivência.

43.

Porém, esta interpretação está em contradição com o n.o 32 do acórdão impugnado evocado supra.

44.

Nestas circunstâncias, parece‑me que a fundamentação do acórdão impugnado não revela de forma clara e compreensível o raciocínio do Tribunal Geral no que respeita aos beneficiários da pensão de sobrevivência, situação que decorre, em minha opinião, de uma análise incompleta das disposições estatutárias que importam para efeitos da questão da atribuição da referida pensão.

45.

O Tribunal Geral limitou‑se a citar o artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto, não fazendo referência a outras disposições estatutárias pertinentes, como o artigo 79.o do Estatuto, mas também, e sobretudo, o artigo 1.o D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto e o artigo 1.o, n.o 2, do anexo VII do Estatuto.

46.

O artigo 1.o D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto estende as vantagens e direitos que o Estatuto confere aos funcionários casados ao conjunto dos parceiros não matrimoniais, embora, por força do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do anexo VII do Estatuto, apenas àqueles cuja parceria não matrimonial esteja oficialmente registada e que não tenham acesso ao casamento ( 12 ).

47.

O artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do anexo VII do Estatuto, interpretado em conjugação com o artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto, alarga, portanto, o direito à pensão de sobrevivência a casais comprometidos numa parceria oficialmente registada e que não tenham acesso ao casamento em alguns Estados‑Membros, sendo a situação tida em vista a dos casais do mesmo sexo.

48.

Assim, o conceito de «cônjuge sobrevivo» não pode ser exclusivamente assimilado ao estatuto matrimonial.

49.

Esta interpretação articulada das disposições estatutárias pertinentes explica talvez o teor do n.o 32 do acórdão impugnado, segundo o qual a atribuição da pensão de sobrevivência está limitada às pessoas casadas civilmente «bem como aos parceiros registados e que não tenham acesso ao casamento», embora o acórdão não o refira.

50.

Ora, a questão do âmbito de aplicação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto no que respeita aos seus destinatários está estreitamente relacionada com a comparabilidade das situações ponderadas para efeitos da verificação da compatibilidade dessa disposição com o princípio geral da igualdade de tratamento.

51.

No presente caso, o Tribunal Geral verifica se a situação de um funcionário falecido que viveu em união livre, estável e de longa duração e em que o seu parceiro beneficiou dos seus rendimentos, é comparável à situação de um funcionário falecido que foi casado, ignorando o caso dos parceiros registados que não têm acesso ao casamento ( 13 ), todavia referida no n.o 32 do acórdão, enquanto o requerente evocava, designadamente, a comparabilidade das uniões legais com as uniões de facto para sustentar a sua alegação de violação do princípio da igualdade de tratamento.

52.

Esta única categorização e comparação das situações torna também dificilmente compreensível o raciocínio do Tribunal Geral no que respeita à acusação relativa ao caráter «arbitrário e inadequado» da condição de uma duração mínima do casamento de um ano, recordando‑se que o requerente estava efetivamente casado com a funcionária falecida e que lhe foi recusada a pensão de sobrevivência devido a uma duração do casamento inferior a um ano e, além disso, foi‑lhe recusada a contabilização do período de concubinato anterior.

53.

O Tribunal Geral limita‑se a observar, no n.o 35 do acórdão impugnado, que a condição da duração mínima do casamento de um ano para «a realização do objetivo de luta contra a fraude não é inadequada» ( 14 ), o que traduz necessariamente a tomada em consideração de um objetivo legítimo de diferenciação de situações comparáveis e a implementação de uma fiscalização da proporcionalidade, mas sem que se logre entender como é que o Tribunal Geral chegou a essa conclusão a partir apenas da ponderação das situações efetuada, que o levou a afirmar a natureza não comparável destas.

54.

O teor dos n.os 35 e 36 do acórdão impugnado revela mais uma vez o raciocínio equívoco do Tribunal Geral, já que no primeiro ponto conclui pelo caráter apropriado da condição de duração de um ano para efeitos da realização do «objetivo de luta contra a fraude» antes de concluir, no segundo ponto, que o duplo critério do casamento civil com uma duração superior a um ano não é «por conseguinte» nem arbitrário nem inadequado na perspetiva da «finalidade da pensão de sobrevivência».

55.

Ao proceder deste modo, o Tribunal Geral evoca dois conceitos distintos, ou seja, o objetivo legítimo que justifica a diferenciação entre situações comparáveis e a finalidade da pensão de sobrevivência na perspetiva da qual se deve verificar se a situação factual e jurídica das pessoas em causa é comparável, sem explicar a relação causal entre os dois parágrafos e revelando assim uma confusão entre esses dois conceitos.

56.

Caso o Tribunal de Justiça venha a compartilhar da presente análise, terá de considerar que o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentação, dado que os fundamentos equívocos do acórdão impugnado não permitem ao requerente compreender o raciocínio do Tribunal Geral relativamente à alegação de uma violação do princípio da igualdade de tratamento que está na base da exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto, e por essa mesma razão da improcedência do seu recurso, nem ao Tribunal de Justiça fiscalizar jurisdicionalmente esse aspeto.

57.

Além disso, para ser exaustivo, sublinho que, na sua contestação, a Comissão pede que seja declarada a inadmissibilidade do pedido de anulação ao invocar a falta de concordância entre a reclamação e a petição, já que na primeira não é invocada a exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto.

58.

Ora, cabe reconhecer que essa argumentação ficou por responder no acórdão impugnado, que não lhe faz nenhuma referência.

59.

Importa recordar que, no contexto do presente recurso, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objeto, nomeadamente, verificar se o Tribunal Geral respondeu de modo juridicamente satisfatório a todos os argumentos invocados pelo requerente ( 15 ).

60.

O Tribunal de Justiça também considerou que o fundamento relativo à falta de resposta do Tribunal Geral a argumentos apresentados em primeira instância equivaleria, no essencial, a alegar uma violação do dever de fundamentação que decorre do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 81.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral ( 16 ), recordando‑se, no entanto, que o fundamento relativo à violação desse dever constitui um fundamento de ordem pública que deve ser suscitado pelo juiz da União, conforme se indicou supra.

61.

O acórdão impugnado comporta assim uma falta de fundamentação manifesta no que respeita à acusação de inadmissibilidade do recurso.

62.

Consequentemente, à luz dessas duas violações do dever de fundamentação do Tribunal Geral e sem que seja necessário examinar os fundamentos de mérito invocados pelo requerente em apoio do presente recurso, há que, em meu entender, anular o acórdão impugnado.

63.

Em conformidade com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

64.

No presente caso, parece‑me que o Tribunal de Justiça está em condições de decidir sobre a exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto suscitada pelo requerente no decurso da primeira instância, na medida em que, por um lado, a exposição dos factos necessários à decisão se revela completa, suficiente e não é objeto de discussão entre as partes e, por outro, os elementos do litígio foram objeto de debate contraditório tanto no Tribunal Geral como no Tribunal de Justiça. Além disso, o interesse do requerente em obter rapidamente uma decisão definitiva deve ser atendido, importando sublinhar que o seu pedido de atribuição da pensão de sobrevivência remonta a abril de 2015.

B. Quanto ao recurso interposto no Tribunal Geral

65.

A avocação deve conduzir o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre o litígio tal como se apresentava quando foi submetido ao Tribunal Geral, não tendo, portanto, de se pronunciar sobre os fundamentos do presente recurso, bem como sobre a inadmissibilidade do primeiro dos referidos fundamentos suscitada pelo Conselho na audiência de alegações.

66.

Em primeira instância, o requerente pediu a anulação da decisão controvertida e, «na medida do necessário», a anulação da decisão de indeferimento da reclamação. A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, um pedido de anulação formalmente apresentado contra o indeferimento de uma reclamação tem por efeito, caso essa decisão seja destituída de conteúdo autónomo, submeter à apreciação do Tribunal o ato contra o qual foi apresentada a reclamação ( 17 ). No presente caso, sendo a decisão de indeferimento da reclamação desprovida de conteúdo autónomo, deve considerar‑se que o recurso foi interposto da decisão controvertida.

1.   Quanto à admissibilidade

67.

Na sua contestação, a Comissão pediu que fosse declarada a inadmissibilidade do pedido de anulação tendo alegado a falta de concordância entre a reclamação e a petição, já que no primeiro documento não era invocada a exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto.

68.

A este propósito, importa recordar que a regra da concordância entre a reclamação, na aceção do artigo 91.o, n.o 2, do Estatuto, e a petição subsequente exige, sob pena de inadmissibilidade, que um fundamento suscitado perante o órgão jurisdicional da União também o tenha sido no âmbito da fase pré‑contenciosa, a fim de que a AIPN possa conhecer as críticas que o interessado formula em relação à decisão em causa ( 18 ).

69.

Consequentemente, nos recursos de funcionários, os pedidos submetidos ao órgão jurisdicional da União só podem conter queixas fundadas na mesma causa que as invocadas na reclamação, devendo ficar especificado que essas queixas podem ser desenvolvidas, no órgão jurisdicional da União, através da apresentação de fundamentos e argumentos que não têm de figurar necessariamente na reclamação, mas que a ela estão estreitamente associados ( 19 ).

70.

Ficou especificado, por um lado, que, como o procedimento pré‑contencioso tinha natureza informal e os interessados atuavam geralmente nessa fase sem o apoio de advogado, a Administração não devia interpretar as reclamações de forma estrita, antes devendo, pelo contrário, examiná‑las com espírito de abertura e, por outro, que o artigo 91.o do Estatuto não tinha por objeto estabelecer a ligação, de forma rigorosa e definitiva, com a eventual fase contenciosa, porquanto o recurso contencioso não alterava nem a causa nem o objeto da reclamação ( 20 ).

71.

No presente caso, é certo que a reclamação foi redigida apenas pelo requerente que nela não mencionou uma exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto, ficando também assente que foi elaborada na sequência de uma simples comunicação verbal de não atribuição da pensão de sobrevivência devido a uma duração do casamento insuficiente. Nessa reclamação, o requerente contestou a posição da Comissão alegando que a sua comunidade de vida com a funcionária falecida tinha durado mais de vinte anos no contexto de uma concubinagem. Nessas circunstâncias, a exceção de ilegalidade do referido artigo fundada numa violação do princípio da igualdade de tratamento deve considerar‑se, a um nível bastante, estreitamente relacionada com a reclamação.

72.

De qualquer modo, entendeu‑se ser admissível uma exceção de ilegalidade que seja suscitada pela primeira vez na fase do recurso contencioso, em derrogação à regra da concordância ( 21 ).

2.   Quanto ao pedido de anulação da decisão da Comissão de indeferimento da atribuição da pensão de sobrevivência

73.

É certo que o recurso interposto no Tribunal Geral se baseia exclusivamente numa exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto cuja admissibilidade não oferece dúvidas, já que a decisão controvertida se baseia fundamentalmente nessa disposição.

74.

Como se referiu supra, o artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto faz parte das disposições estatutárias que fixam o regime jurídico da pensão de sobrevivência.

75.

O artigo 79.o do Estatuto prevê para o cônjuge sobrevivo do funcionário o direito a auferir dessa pensão e o seu montante, sem prejuízo das condições indicadas no capítulo 4 do anexo VIII do Estatuto, que inclui o artigo 17.o que determina que o cônjuge sobrevivo tenha sido cônjuge durante pelo menos um ano.

76.

Além disso, o artigo 1.o D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto determina que as parcerias não matrimoniais são objeto de um tratamento idêntico ao concedido ao casamento, desde que todas as condições enumeradas no n.o 2 do artigo 1.o do anexo VII estejam preenchidas, o que abrange, no caso de duas delas, uma parceria oficialmente registada e o não acesso do casal em causa ao casamento civil.

77.

Ao aplicar estas disposições por ocasião da apreciação do pedido de atribuição de uma pensão de sobrevivência apresentado pelo requerente, a Comissão considerou que embora o interessado tivesse efetivamente o estatuto de cônjuge sobrevivo dado o seu casamento com a funcionária falecida, a condição relativa à sua duração não se encontrava satisfeita. Além disso, a existência de uma vida comum de mais de 20 anos no contexto de uma concubinagem não podia ser atendida, dado não estar preenchida a condição da equiparação de uma parceria não matrimonial ao casamento, constante do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), iv), do anexo VII do Estatuto e relativa à impossibilidade de acesso ao casamento civil num Estado‑Membro.

78.

Importa sublinhar, à luz da dimensão da fiscalização do Tribunal de Justiça, que o requerente não critica a Comissão por, no presente caso, ter cometido um erro de apreciação. Apenas alega que a decisão individual negativa da Comissão é ilegal porque fundada numa norma que, por sua vez, também é ilegal.

79.

A coberto de duas acusações formalmente distintas, o requerente conclui, em substância, pela ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto em virtude de uma violação do princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação, dado que a petição se refere, a este respeito, ao artigo 21.o da Carta e ao artigo 2.o da Diretiva 2000/78.

80.

O artigo 21.o, n.o 1, da Carta está redigido nos seguintes termos:

«É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.»

81.

O requerente não especificou a causa de discriminação em questão, embora dos seus articulados se infira que é constituída pela natureza jurídica do vínculo que une os membros de um casal, conceito que não figura na referida lista, que também não é exaustiva, como o confirma a utilização do advérbio «designadamente».

82.

De qualquer modo, observe‑se que resulta da exposição constante da petição, assim como das observações relativas ao articulado de intervenção do Conselho, que o requerente põe claramente em causa a compatibilidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto com o princípio geral da igualdade de tratamento. A Comissão e o Conselho, por seu lado, também inscreveram a sua defesa no contexto mais geral da igualdade de tratamento.

83.

O respeito do princípio da igualdade de tratamento faz parte dos princípios gerais do direito da União cujo caráter fundamental está consagrado no artigo 20.o da Carta, à qual o artigo 6.o, n.o 1, TUE reconhece o mesmo valor jurídico que aos Tratados. Conforme resulta do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, as suas disposições têm por destinatários, nomeadamente, as instituições da União que devem, consequentemente, respeitar os direitos que ela consagra ( 22 ).

84.

No presente caso, o requerente alega uma violação do princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 20.o da Carta, sob dois aspetos.

a)   Quanto à diferença de tratamento dos casais de concubinos

85.

Importa sublinhar, a título preliminar, que o caráter comparável das situações deve ser apreciado à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa ( 23 ).

86.

O objeto e a finalidade da pensão de sobrevivência prevista, designadamente, no artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto é conceder ao cônjuge sobrevivo um rendimento de substituição que lhe permita compensar parcialmente a perda dos rendimentos do seu cônjuge falecido ( 24 ).

87.

O requerente sustenta que um casal numa relação de concubinagem estável e de longa duração, com assistência financeira de um dos membros do casal ao outro, e um casal casado ou numa parceria não matrimonial encontram‑se em situações comparáveis, pelo que o facto de o concubino sobrevivo ficar privado da pensão de sobrevivência configura uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

88.

O requerente utiliza, a este respeito, uma visão da finalidade da pensão de sobrevivência baseada numa análise ex post do casal, e não ex ante conforme apresentada pelas outras partes, visão essa que permite concluir que no dia do falecimento de um dos concubinos, o concubino sobrevivo encontra‑se numa situação rigorosamente idêntica à de um cônjuge sobrevivo, ou seja, à de uma pessoa que durante anos beneficiou dos rendimentos do seu concubino e que de súbito se viu deles privado.

89.

Esta interpretação redutora da finalidade da pensão de sobrevivência, deliberadamente centrada numa perspetiva puramente material da situação referenciada apenas ao dia do falecimento do funcionário, não traduz o exato ratio legis do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto.

90.

Resulta dessa norma, conjugada com as outras disposições pertinentes do Estatuto, que a atribuição da pensão de sobrevivência não está sujeita a condições de recursos financeiros ou de património suscetíveis de caracterizar uma incapacidade do cônjuge sobrevivo para fazer face às suas necessidades e demonstrativas, assim, da sua dependência financeira anterior relativamente ao defunto.

91.

O benefício da referida pensão vem compensar a perda de uma solidariedade resultante de obrigações legais que oneram os membros do casal desde a celebração da sua união e que se prolongam no tempo. Importa, a este respeito, sublinhar que o artigo 26.o do anexo VIII do Estatuto prevê que, quando o cônjuge sobrevivo casa de novo, deixa de ter direito à pensão de sobrevivência, o que não acontecerá se o referido cônjuge mantiver uma relação de concubinagem (ou uma parceria registada), independentemente da sua duração e estabilidade.

92.

Essa solidariedade existe obviamente no âmbito do casamento, única forma de relação civil comum a todos os Estados‑Membros da União ( 25 ) e que possui uma certa universalidade quanto ao seu teor ( 26 ), já que o casamento tem por principal objetivo organizar as obrigações pessoais, materiais e patrimoniais dos cônjuges na pendência do matrimónio. Para esse efeito, confere aos cônjuges direitos e obrigações mútuos, o que, nomeadamente, se traduz na existência de um dever de assistência e/ou de contribuir para as despesas familiares, e impõe igualmente uma solidariedade financeira relativamente a terceiros pelas dívidas domésticas. Além disso, o casamento está sujeito a um formalismo de registo rigoroso.

93.

Embora o reconhecimento da parceria não matrimonial registada seja marcado por uma heterogeneidade das legislações nacionais, é possível afirmar que a referida parceria também corresponde a um regime jurídico da vida de casal, sujeita a um formalismo real, que inclui direitos e obrigações para os parceiros, o que a aproxima inegavelmente do estatuto matrimonial.

94.

Em contrapartida, a união de facto ou união livre, de que faz parte a concubinagem ( 27 ), escapa por definição a qualquer enquadramento jurídico vinculativo para aqueles que optaram por essa forma de união civil e não acarreta, portanto, consequências jurídicas, patrimoniais, nas relações entre concubinos. A determinação da natureza destas, que podem eventualmente traduzir‑se numa solidariedade factual entre concubinos, depende apenas da vontade e das opções dos membros de uma união que não está sujeita a nenhum tipo formalismo.

95.

O requerente evoca a doutrina e decisões de órgãos jurisdicionais belgas que reconhecem a existência de obrigações naturais entre concubinos que podem vir a transformar‑se em obrigações civis. Para além de, no quadro da apreciação do caráter comparável das situações das pessoas em causa, o órgão jurisdicional da União dever tomar em consideração conceções dominantes no conjunto da União e não num único Estado‑Membro ( 28 ), sendo que o exemplo que o requerente retirou da jurisprudência demonstra bem que a transformação da obrigação natural, que apenas obriga a consciência, em obrigação civil e jurídica, depende apenas do compromisso unilateral de vontade de um dos concubinos.

96.

Também não me parece pertinente evocar o Acórdão de 1 de abril de 2008, Maruko (C‑267/06, EU:C:2008:179), relativo à interpretação dos artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2000/78 na perspetiva do direito alemão que atribui uma pensão de viuvez aos casais que celebraram uma parceria não matrimonial registado de um montante inferior à que paga aos casais casados. A comparação dizia respeito, por um lado, à situação de duas pessoas do mesmo sexo que não tinham acesso ao casamento e estavam unidas no contexto de uma parceria não matrimonial registada e, por outro, a de um casal casado, enquanto, no presente caso, se compara a situação de duas pessoas numa situação de união livre com um casal casado ou que não tem acesso ao casamento, mas celebrou uma parceria oficialmente registada.

97.

Importa sublinhar que, no n.o 75 do seu Acórdão de 15 de abril de 2010, Gualtieri/Comissão (C‑485/08 P, EU:C:2010:188), o Tribunal de Justiça referiu que, embora sob, determinados aspetos, as uniões de facto e as uniões legais, como o casamento, pudessem ser semelhantes, essas semelhanças não implicam necessariamente uma assimilação entre esses dois tipos de união.

98.

Além disso, no Acórdão do TEDH de 3 de abril de 2012, Van der Heidjen c. Países Baixos (CE:ECHR:2012:0403JUD004285705, § 69), foi afirmado que: «O casamento confere um estatuto especial a quem o contrai. O exercício do direito de casar está protegido pelo artigo 12.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e acarreta consequências sociais, pessoais e jurídicas (v., mutatis mutandis, Acórdãos [do] TEDH [de] 29 de abril de 2008, Burden c. Reino Unido, CE:ECHR:2008:0429JUD001337805, § 63, e [de] 2 de novembro de 2010, Şerife Yiğit c. Turquia, CE:ECHR:2010:1102JUD000397605, § 72). Da mesma forma, as consequências jurídicas da parceria registada distinguem esse tipo de relação das outras formas de vida comum. Mais do que a duração ou o caráter de assistência recíproca da relação, o elemento determinante é a existência de um compromisso público, que vai de par com um conjunto de direitos e obrigações de natureza contratual.»

99.

Nestas circunstâncias, atenta a finalidade da pensão de sobrevivência conforme recordada e especificada supra, parece‑me que as situações apresentadas pelo requerente não são comparáveis, já que as uniões de facto e as uniões legais, quer se trate do casamento ou de uma parceria não matrimonial registada, apresentam diferenças de natureza jurídica inultrapassáveis. Uma diferença de tratamento não pode, sem mais, conduzir à conclusão de que houve violação da igualdade de tratamento.

100.

Todavia, esta conclusão não encerra o debate sobre o fundamento relativo à exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto na perspetiva de uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

b)   Quanto à diferença de tratamento dos casais cuja duração do casamento é inferior a um ano

101.

O requerente, na petição, formulou uma crítica relativamente ao requisito de duração da relação pessoal necessária para a atribuição da pensão de sobrevivência alegando que o critério do casamento ou da parceria não matrimonial com uma duração superior a um ano era «arbitrário e inadequado».

102.

Esta argumentação deve ser recolocada no contexto factual e jurídico do litígio, ou seja, que o requerente esteve casado durante mais de onze meses com a funcionária falecida, e que a decisão da Comissão de indeferimento do pedido de atribuição da pensão de sobrevivência se fundou numa duração insuficiente do casamento, isto é, inferior a um ano, e na recusa de tomar em consideração o período de concubinagem anterior.

103.

No presente caso, a situação de um casal casado há mais de um ano e a de um casal casado há menos de um ano, independentemente de ser precedida ou não de uma vida comum no contexto de uma concubinagem, podem considerar‑se comparáveis na perspetiva da finalidade da pensão de sobrevivência, devendo recordar‑se não ser necessário que as situações em causa sejam idênticas ( 29 ).

104.

Em ambos os casos, trata‑se de casais que assumiram um compromisso público que confere a cada um dos cônjuges, no próprio dia da celebração do casamento, um conjunto mútuo de direitos e obrigações específicos, e em relação a terceiros, que originam uma solidariedade legal, o que caracteriza uma similitude bastante entre as situações na perspetiva da prestação em causa.

105.

Pode uma diferenciação entre essas duas categorias de pessoas que se encontram em situações comparáveis encontrar uma justificação objetiva?

106.

Cabe recordar, a este respeito, que o artigo 52.o, n.o 1, da Carta aceita que possam ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos e liberdades que reconhece, desde que essas restrições sejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

107.

Desta disposição resulta que as restrições ao exercício do direito à igualdade, para serem conformes ao direito da União, devem, de qualquer modo, satisfazer três requisitos ( 30 ), ou seja, devem estar previstas na lei, visar um objetivo de interesse geral e não serem excessivas, no sentido de deverem ser necessárias e proporcionais ao objetivo prosseguido, e o «conteúdo essencial», ou seja, a substância, do direito ou da liberdade em causa não deve ser afetado.

1) Base legal

108.

A restrição deve estar «prevista na lei». Por outras palavras, a medida em causa deve ter uma base legal ( 31 ), o que, no presente caso, não levanta qualquer dificuldade, dado que o requisito de atribuição da pensão de sobrevivência relativo ao facto de o cônjuge sobrevivo o ter sido durante um ano quando do falecimento do funcionário se encontra previsto no artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto. Além disso, essa norma corresponde às exigências de acessibilidade, clareza e previsibilidade impostas pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para permitir às pessoas em causa determinar a respetiva conduta com conhecimento de causa ( 32 ).

2) Objetivo de interesse geral

109.

Importa observar que quando se trata de um ato legislativo da União, cabe ao legislador comunitário demonstrar a existência de critérios objetivos aduzidos como justificação da diferença de tratamento e submeter ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por este, da existência dos referidos critérios ( 33 ).

110.

Cabe observar que o Estatuto, enquanto tal, não fornece nenhuma precisão ou indicação no que respeita ao objetivo subjacente ao artigo 17.o do seu anexo VIII. De um modo geral, o artigo 1.o D, n.o 6, do Estatuto determina que, «[no] respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, qualquer limitação da sua aplicação deve ser justificada em fundamentos objetivos e razoáveis e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal» ( 34 ).

111.

No entanto, essa circunstância não obsta a que esse objetivo, para efeitos da apreciação jurisdicional da sua legitimidade e do caráter adequado e necessário dos meios utilizados para a sua realização, possa ser inferido do contexto geral da medida em causa ( 35 ).

112.

Nos seus articulados e no momento da audiência, a Comissão e o Conselho referiram, relativamente a este aspeto, a necessidade de evitar a fraude consubstanciada em casamentos de conveniência, de preservar desse modo o equilíbrio do sistema de pensões, de evitar uma sobrecarga excessiva da Administração no tratamento dos processos contrários ao princípio da boa administração, especialmente no que respeita à apreciação de elementos de prova factuais, e de assim garantir a igualdade de tratamento dos funcionários.

113.

Estas aspirações podem ser consideradas objetivos de interesse geral, ou seja, legítimos, reconhecidos pela União e, portanto, a sua proporcionalidade deve ser sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça, conforme previsto no artigo 52.o da Carta.

3) Controlo da proporcionalidade

114.

Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade faz parte dos princípios gerais do direito da União. Esse princípio exige que as medidas sejam aptas a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não ultrapassem os limites do que é necessário para a realização desses objetivos ( 36 ), sabendo‑se que quando existe uma opção entre várias medidas adequadas se deve usar a menos restritiva e que os inconvenientes gerados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos que se pretende alcançar ( 37 ).

i) Caráter apropriado

115.

Importa verificar se a disposição controvertida é apta a contribuir para a realização dos objetivos de interesse geral anteriormente identificados.

116.

No contexto dessa apreciação, a Comissão e o Conselho afirmam que há que ter em conta o facto de que, em matéria de organização do sistema de proteção social dos funcionários da União, o legislador dispõe de um amplo poder de apreciação ( 38 ). O reconhecimento desse poder implica a necessidade de verificar se o meio escolhido para efeitos da realização do objetivo prosseguido não é manifestamente inapropriado ou excessivo ( 39 ).

117.

Todavia, o Tribunal de Justiça declarou que essa margem de apreciação não pode levar a esvaziar da sua substância a aplicação do princípio da não discriminação ( 40 ), o que é necessariamente válido para o princípio da igualdade de tratamento. Também considerou que uma legislação só podia ser apta a garantir a realização do objetivo invocado se respondesse verdadeiramente à preocupação de o alcançar de uma forma coerente e sistemática ( 41 ).

118.

A este propósito, podem suscitar‑se dúvidas no presente processo se se considerar a situação do falecimento inopinado, devido, designadamente, a um acidente de um dos cônjuges após 11 meses e 29 dias de casamento e cujo cônjuge sobrevivo ficaria privado da pensão de sobrevivência enquanto, pelo contrário, beneficiaria da referida pensão o parceiro que tivesse contraído casamento com um funcionário gravemente doente, que acabaria por morrer doze meses após a união civil.

119.

Esta comparação de situações revela a debilidade de uma disposição que assenta apenas num critério ratione temporis com a aplicação de uma data limite guilhotina que funciona de forma automática e cega.

120.

Além disso, também podem ser formuladas dúvidas a respeito de uma análise in concreto dos objetivos de diferenciação aduzidos e, em especial, do primeiro, relativo à luta contra a fraude, ao qual os três outros estão estreitamente associados, dele decorrendo.

121.

Com efeito, importa circunscrever o conceito de «fraude» a que se refere a Comissão e o Conselho, que utilizam expressões como «pactos relativos a sucessões futuras», conceito que a priori só diz respeito às regras de sucessão ou, de forma mais conotada, «casamento de conveniência». A ideia avançada é a de prevenir, por meio da duração do casamento, o risco de este ter sobretudo lugar com o objetivo de beneficiar de prestações familiares e não em virtude de um «projeto de vida comum».

122.

É possível questionarmo‑nos sobre a situação concreta tida em vista pela Comissão e pelo Conselho. A expressão «casamento de conveniência» remete para a de «casamento branco» normalmente utilizada para designar uma união fictícia, unicamente motivada pela possibilidade de um dos cônjuges obter, através dessa união, a nacionalidade desejada do outro cônjuge. Esta associação pontual de interesses de dois indivíduos, sem verdadeiros laços afetivos, não pode ser transposta para o presente caso.

123.

Praticamente, a única situação que se pode considerar é a de um casal, que independentemente de ter ou não concluído um pacto matrimonial, toma a decisão de contrair matrimónio na sequência de uma degradação importante do estado de saúde do parceiro funcionário.

124.

A ideia de que essa união possa ser qualificada de casamento de conveniência parece‑me muito contestável e de alguma forma deslocada, como que negando a própria essência do casamento. Trata‑se efetivamente, nessa hipótese, de duas pessoas já a viver uma relação de casal que optam por reforçar o seu compromisso através da adoção do estatuto matrimonial, e ao assim procederem nada mais fazem do que responder ao forte incentivo nesse sentido das disposições estatutárias, que privilegiam manifestamente o estatuto matrimonial. Nestas circunstâncias, o temor de um casamento que não assente verdadeiramente num «projeto de vida comum» não tem fundamento, já que essa vida comum era anterior à união civil.

125.

A escolha do estatuto matrimonial comporta necessariamente e em todas as circunstâncias uma dimensão patrimonial e decorre de uma vontade de segurança jurídica e de proteção máxima do parceiro durante a união e no seu termo. O facto de essa escolha poder ocorrer na sequência de uma informação inquietante sobre o estado de saúde do companheiro não caracteriza uma fraude, mas confirma a força do vínculo que une duas pessoas que vão assumir um compromisso cuja data de expiração nunca pode ser conhecida antecipadamente com segurança, independentemente da doença que afeta o companheiro tornado cônjuge. Não existe aí, em minha opinião, qualquer desvirtuação do casamento como a Comissão e o Conselho alegam.

126.

Além disso, «o efeito retardador», que é o que de alguma forma representa a exigência de uma duração do casamento de um ano para poder beneficiar da pensão de sobrevivência, é radicalmente incompatível com a natureza jurídica do casamento que produz os seus efeitos no próprio momento da assunção do compromisso. A Comissão e o Conselho sublinharam vigorosamente que a diferença de tratamento, consagrada no Estatuto, entre as pessoas casadas e os concubinos assentava numa «diferença de situação familiar que decorre de uma escolha deliberada dos interessados», porquanto o estatuto matrimonial com as suas obrigações jurídicas e financeiras que oneram os cônjuges distingue‑se necessariamente de uma simples união livre no que respeita à finalidade da pensão de sobrevivência.

127.

Importa reconhecer que o requerente e N optaram, em 9 de maio de 2014, por esse estatuto matrimonial que gera instantaneamente o quadro jurídico invocado por essas instituições como elemento diferenciador objetivo. Se não existisse neste tipo de questão, como com acuidade o revela a situação do requerente, uma realidade humana dolorosa, seria tentador atardar‑se na ironia de uma situação que consiste no facto de a Comissão e o Conselho se refugiarem no conceito de «casamento de conveniência» para indeferir o pedido de atribuição da pensão de sobrevivência após terem oposto ao requerente a sua não escolha do estatuto matrimonial no contexto do critério de comparabilidade à luz da finalidade da referida pensão.

128.

Nestas circunstâncias, a medida em causa parece‑me manifestamente inadequada para efeitos da concretização do objetivo de luta contra a fraude, impondo‑se a mesma conclusão relativamente aos outros fundamentos que dele apenas são os corolários.

129.

Admitindo que o fundamento de legitimidade decorrente da proteção do equilíbrio financeiro do sistema das pensões possa ser objeto de uma apreciação distinta, importa observar que o risco de se pôr em causa esse equilíbrio caso não exista a diferença de tratamento em causa não está de modo nenhum demonstrado, nem mesmo explicado pela Comissão ou pelo Conselho. Além disso, da jurisprudência do Tribunal de Justiça resulta que considerações de ordem orçamental, puramente financeiras, não podem por si sós constituir um objetivo legítimo suscetível de justificar uma derrogação ao princípio geral da igualdade de tratamento e da não discriminação ( 42 ).

ii) Necessidade

130.

Caso o Tribunal de Justiça considere manifestamente adequada a condição de um ano de casamento, será necessário questionarmo‑nos sobre se uma disposição como a que está em causa no presente processo era necessária para lograr os objetivos prosseguidos. Uma medida é necessária quando o objetivo legítimo que se prossegue não pode ser alcançado através de uma medida tão adequada, mas menos onerosa ( 43 ). Importa, no presente caso, determinar se não existem soluções menos radicais para evitar riscos de fraude, preservar assim o equilíbrio financeiro do sistema de pensões, evitar encargos excessivos para a Administração no tratamento dos processos em contradição com o princípio da boa administração e garantir por esse mesmo meio a igualdade de tratamento dos funcionários.

131.

Preciso que, no presente caso, a solução adotada é no mínimo radical, porquanto qualquer falecimento de um funcionário ocorrido nos doze meses seguintes ao respetivo casamento será equiparado a uma presunção inilidível de fraude e privará o cônjuge sobrevivo da pensão de sobrevivência.

132.

O menos gravoso para as pessoas em causa seria dar‑lhes a possibilidade de provar que não se trata de um casamento de conveniência através de elementos que demonstrem a realidade de uma vida em comum anterior cuja duração lhes permitia ultrapassar o limiar fatídico dos doze meses. Importa sublinhar que essa solução não seria de forma alguma contrária à perspetiva adotada na determinação da natureza comparável das situações ponderadas, uniões legais, por um lado, e uniões de facto, por outro, na medida em que não põe em causa o nexo entre casamento e pensão de sobrevivência.

133.

Esta perspetiva menos gravosa não era, por isso, inapropriada.

134.

No que respeita ao objetivo de evitar uma sobrecarga administrativa excessiva, cabe sublinhar que essa alegação da Comissão e do Conselho não se apoia em elementos quantitativos pertinentes. No seu articulado de intervenção, o Conselho evoca uma função pública europeia com mais de 58000 funcionários e agentes e mais de 20000 beneficiários do regime de pensões. Esses dados são manifestamente insuficientes à luz da questão que o presente processo coloca e que apenas diz respeito aos casamentos com uma duração inferior a um ano e relativamente aos quais é razoável pensar que apenas representam uma pequena porção dos processos a tratar, devendo ainda observar‑se que o processo que agora nos ocupa é, que eu saiba, o primeiro relativo a esta problemática específica.

135.

Além disso, nem sequer se pode colocar a questão de solicitar à Administração que realize um qualquer inquérito sobre a situação do casal em causa com apreciação de questões jurídicas relativas ao estado civil dos interessados, devendo a única verificação a ter lugar ser sobre a duração de uma vida comum anterior ao casamento, facilmente demonstrada em caso de parceria não matrimonial registada, e sem dificuldades de maior no caso de uma concubinagem, conforme revelado no presente processo. Esta apreciação de ordem puramente material não é suscetível de implicar uma desigualdade de tratamento dos funcionários.

136.

Importa ainda salientar que embora o legislador estatutário tenha efetivamente procedido a uma categorização, não excluiu a apreciação individual in concreto conforme o comprova o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), do anexo VII do Estatuto que determina que um funcionário que não satisfaça as condições para a atribuição do abono de lar pode, «[p]or decisão especial e fundamentada da AIPN, tomada com base em documentos comprovativos», dele beneficiar caso assuma, contudo, efetivamente encargos de família.

137.

Por último, na perspetiva da referida estimativa de um mais que razoável número de processos relativos a casamentos com uma duração inferior a um ano, a solução menos onerosa proposta não me parece de modo nenhum ser suscetível de pôr em causa o equilíbrio financeiro do sistema de pensões a propósito do qual a Comissão e o Conselho não forneceram nenhuma informação precisa, exceto a existência de um número de quotizantes amplamente superior ao do beneficiário.

138.

Cabe recordar que o artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto rege a atribuição da pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo de um funcionário falecido em atividade. Não é irrazoável pensar que as situações em causa são maioritariamente aquelas em que, como o demonstra o exemplo do requerente, o falecimento do funcionário ocorre após inúmeros anos de exercício de uma atividade profissional e, portanto, de quotizações para o regime de pensão, as quais não darão lugar ao pagamento de uma pensão de reforma. A atribuição, nesse caso, ao cônjuge sobrevivo que fez prova da existência de uma comunidade de vida anterior ao casamento com uma duração que permite superar os doze meses requeridos, de uma pensão de sobrevivência igual a 60 % da pensão de reforma de que o seu cônjuge funcionário teria beneficiado, não é, a priori, suscetível de pôr em causa o equilíbrio financeiro do sistema de pensões.

139.

Das considerações que precedem infere‑se que a duração mínima exigida de doze meses de casamento constitui uma medida que, mesmo atendendo ao amplo poder de apreciação e às exigências de caráter prático na gestão dos sistemas de pensões, excede o que é necessário para alcançar os objetivos de interesse geral prosseguidos pelo autor do Estatuto.

iii) Prejuízo excessivo para os direitos dos funcionários

140.

Caso o Tribunal de Justiça venha a considerar que a duração mínima exigida de doze meses de casamento é uma medida apropriada e necessária para alcançar os objetivos que se fixa, haverá ainda que apreciar a sua proporcionalidade em sentido estrito. A esse título, mesmo que seja apropriada e necessária à realização dos objetivos legitimamente prosseguidos, uma medida não deve causar inconvenientes excessivos relativamente à finalidade pretendida. Por outras palavras, importa ter a certeza de que uma disposição como a que está em causa não acarreta uma limitação excessiva para as pretensões legítimas dos funcionários ( 44 ). Finalmente, trata‑se de ponderar de forma equitativa os interesses opostos dos funcionários e dos respetivos cônjuges sobrevivos, como o requerente, e os da União no contexto da gestão do sistema de pensões.

141.

É efetivamente verdade que qualquer prestação adicional paga ao abrigo do referido sistema agrava o montante global das despesas e, por conseguinte, o encargo que esse regime representa para o orçamento da União. No entanto, esta afirmação deve ser seriamente mitigada pelas afirmações produzidas nas presentes conclusões a propósito do objeto do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto, ou seja, a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo de um funcionário falecido enquanto estava ativo e, portanto, sem auferir de uma pensão de reforma para a qual tinha regularmente quotizado.

142.

O requisito de o casamento durar há um ano conduz à exclusão automática de todo um grupo de cônjuges sobrevivos do benefício das disposições estatutárias, embora possam ter tido uma vida em comum de decénios com o funcionário falecido, como o demonstra o exemplo do requerente, sinónimo de uma participação, indireta, mas efetiva, no esforço contributivo para o sistema de pensões. Um prejuízo tão grave para os interesses de todo um grupo é totalmente desproporcionado relativamente à finalidade da duração mínima do casamento, que se destina principalmente a impedir o comportamento abusivo de determinadas pessoas relativamente a uma prestação social, situação obviamente marginal.

143.

Verifica‑se, portanto, um prejuízo excessivo para os interesses legítimos dos funcionários e dos respetivos cônjuges sobrevivos que implica a conclusão de que houve violação do princípio da igualdade de tratamento conforme consagrado no artigo 20.o da Carta.

144.

Como a limitação em causa não é, em minha opinião, nem necessária nem proporcionada aos objetivos prosseguidos, não importa saber se o «conteúdo essencial», ou seja, a essência, do direito em causa foi prejudicado.

145.

Daqui decorre que o requisito relativo ao facto de o cônjuge sobrevivo o ter sido durante um ano quando o funcionário faleceu, a que o artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto subordina a atribuição da pensão de sobrevivência, deve ser declarado inaplicável ao presente caso.

146.

Como a acusação relativa à ilegalidade do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto é procedente nos termos expostos, há que anular a decisão controvertida.

147.

Importa ainda recordar que, nos termos do artigo 266.o TFUE, cabe à instituição de que emana o ato anulado tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

3.   Sobre o pedido de indemnização

148.

Segundo a jurisprudência, a responsabilidade da União pressupõe que se encontrem reunidas um conjunto de condições relativas à ilicitude do comportamento imputado às instituições, à efetividade do dano alegado e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado, cabendo a prova da reunião dessas condições ao requerente ( 45 ).

149.

No presente caso, o requerente solicita a atribuição de um montante de 5000 euros a título de indemnização pelo prejuízo moral que sofreu devido à decisão ilegal, por ser discriminatória, que lhe recusou o benefício da pensão de sobrevivência num contexto muito doloroso. O requerente, para justificar o seu pedido de indemnização, aduz, portanto, a mesma ilegalidade que já havia aduzido para justificar o seu pedido de anulação.

150.

Na medida em que se concluiu pela procedência da exceção de ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto com fundamento numa violação do princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 20.o da Carta, propõe‑se o acolhimento do pedido de indemnização declarando que a anulação da decisão controvertida constitui um ressarcimento adequado do prejuízo moral que o requerente pode ter sofrido no presente caso.

VI. Despesas

151.

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

152.

Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo diploma, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

153.

No presente caso, o requerente solicitou ao Tribunal de Justiça, na sequência da avocação do processo, que julgasse procedentes os pedidos que formulara em primeira instância, incluindo também a condenação da recorrida nas despesas, ou seja, a Comissão. Não pediu, portanto, a condenação do Conselho, nem que a Comissão fosse condenada a suportar as despesas em que o requerente incorreu no âmbito do presente recurso.

154.

Tendo a Comissão sido vencida, deverá ser condenada a suportar, além das suas próprias despesas relativas às duas instâncias, as despesas do requerente relativas, conforme o seu pedido, ao processo em primeira instância, sendo o requerente quem deverá suportar as suas despesas correspondentes ao presente recurso. O Conselho deverá suportar a totalidade das suas próprias despesas.

VII. Conclusão

155.

Atentas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça:

1)

que anule o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 3 de maio de 2018, HK/Comissão (T‑574/16, não publicado, EU:T:2018:252);

2)

que declare o artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto dos Funcionários da União Europeia inválido, na medida em que prevê que o cônjuge sobrevivo deve ter sido cônjuge durante pelo menos um ano para poder beneficiar da pensão de sobrevivência, em violação da igualdade de direito consagrada no artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;

3)

que anule a decisão da Comissão Europeia que recusa a atribuição da pensão de sobrevivência ao requerente;

4)

que condene a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas relativas às duas instâncias, as despesas em que o requerente incorreu com o processo em primeira instância, devendo o requerente suportar as suas próprias despesas com o presente recurso, e declare que o Conselho da União Europeia suportará a integralidade das suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 1962, 45, p. 1385; EE 01 F1 p. 19.

( 3 ) JO 2004, L 124, p. 1.

( 4 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de julho de 2016, relativo à transferência para o Tribunal Geral da União Europeia da competência para decidir, em primeira instância, dos litígios entre a União Europeia e os seus agentes (JO 2016, L 200, p. 137).

( 5 ) JO 2000, L 303, p. 16.

( 6 ) V., designadamente, Acórdãos de 11 de junho de 2015, EMA/Comissão (C‑100/14 P, não publicado, EU:C:2015:382, n.o 67 e jurisprudência referida), e de 26 de maio de 2016, Rose Vision/Comissão (C‑224/15 P, EU:C:2016:358, n.o 24).

( 7 ) V., designadamente, Acórdãos de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão (C‑3/06 P, EU:C:2007:88, n.o 45), e de 19 de dezembro de 2012, Planet/Comissão (C‑314/11 P, EU:C:2012:823, n.o 63).

( 8 ) Acórdão de 11 de abril de 2013, Mindo/Comissão (C‑652/11 P, EU:C:2013:229, n.o 30).

( 9 ) A acusação relativa ao caráter «arbitrário e inadequado» é a reprodução parcial do n.o 72 do Acórdão de 15 de abril de 2010, Gualtieri/Comissão (C‑485/08 P, EU:C:2010:188), referido no n.o 19 da petição, que é a resposta do Tribunal de Justiça à apreciação de um fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento. Essa análise da argumentação do requerente é compartilhada pelo Conselho (n.o 6 do articulado de intervenção) e pela Comissão (n.o 2 das observações relativas ao articulado de intervenção do Conselho).

( 10 ) V., designadamente, Acórdãos de 5 de junho de 2008, Wood (C‑164/07, EU:C:2008:321, n.o 13), e de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 48).

( 11 ) No n.o 31 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral refere explicitamente que o conceito de cônjuge visa «exclusivamente» uma relação baseada no casamento civil, na aceção tradicional do termo.

( 12 ) O artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do anexo VII do Estatuto também prevê que nenhum dos parceiros deve ser casado nem fazer parte de outra parceria não matrimonial e que os parceiros não devem estar ligados por determinados laços de parentesco.

( 13 ) Esta observação é independente de qualquer possível identidade quanto ao resultado da aferição de comparabilidade após inclusão desta segunda categoria de pessoas.

( 14 ) Além do caráter intrinsecamente explícito da acusação relativa ao caráter «arbitrário e inadequado» da condição de uma duração mínima do casamento de um ano, o requerente desenvolveu, contrariamente ao que o Tribunal Geral refere no n.o 34 do acórdão impugnado, uma argumentação crítica do objetivo de diferenciação nos n.os 14 a 16 das suas observações sobre o articulado de intervenção do Conselho.

( 15 ) V., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.o 128); de 29 de abril de 2004, British Sugar/Comissão (C‑359/01 P, EU:C:2004:255, n.o 47); e de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 244).

( 16 ) V. Acórdão de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão (C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 29), e Despacho de 31 de março de 2011, EMC Development/Comissão (C‑367/10 P, não publicado, EU:C:2011:203, n.o 46).

( 17 ) V. Acórdão de 17 de janeiro de 1989, Vainker/Parlamento (293/87, EU:C:1989:8, n.o 8).

( 18 ) V. Acórdãos de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki (T‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.o 71), e de 4 de julho de 2014, Kimman/Comissão (T‑644/11 P, EU:T:2014:613, n.o 43).

( 19 ) V. Acórdão de 4 de julho de 2014, Kimman/Comissão (T‑644/11 P, EU:T:2014:613, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 20 ) V. Acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki (T‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.o 76 e jurisprudência referida).

( 21 ) Acórdão de 27 de outubro de 2016, BCE/Cerafogli (T‑787/14 P, EU:T:2016:633).

( 22 ) V. Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 39). Importa acrescentar que a referência que o requerente faz à Diretiva 2000/78, que é a expressão, em matéria de emprego e de trabalho, do princípio geral da igualdade de tratamento, é irrelevante no presente caso, pois trata‑se de um litígio relativo à legalidade de uma disposição estatutária.

( 23 ) V. Acórdão de 1 de março de 2011, Association belge des Consommateurs Test‑Achats e o. (C‑236/09, EU:C:2011:100, n.o 29).

( 24 ) V. Acórdãos de 21 de outubro de 2009, Ramaekers‑Jørgensen/Comissão (F‑74/08, EU:F:2009:142, n.o 53), e de 1 de julho de 2010, Mandt/Parlamento (F‑45/07, EU:F:2010:72, n.o 88).

( 25 ) V. Acórdão de 6 de maio de 2014, Forget/Comissão (F‑153/12, EU:F:2014:61, n.o 29)

( 26 ) V., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2009, Comissão/Roodhuijzen (T‑58/08 P, EU:T:2009:385, n.o 75).

( 27 ) O artigo 515‑8 do Código Civil francês estabelece que a concubinagem é uma união de facto, caracterizada por uma vida comum com caráter estável e de continuidade, entre duas pessoas, de sexo diferente ou do mesmo sexo, que vivem como casal.

( 28 ) V., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2001, D e Suécia/Conselho (C‑122/99 P e C‑125/99 P, EU:C:2001:304, n.o 49).

( 29 ) V., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2011, Römer (C‑147/08, EU:C:2011:286, n.o 42).

( 30 ) V. Acórdão de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C‑92/09 e C‑93/09, EU:C:2010:662, n.os 56 a 72.)

( 31 ) V., neste sentido, Acórdãos de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão (C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.o 91), e de 17 de outubro de 2013, Schwarz (C‑291/12, EU:C:2013:670, n.o 35).

( 32 ) V., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2003, Österreichischer Rundfunk e o. (C‑465/00, C‑138/01 e C‑139/01, EU:C:2003:294, n.o 77); Conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:255, n.os 93 a 100), e do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Schwarz (C‑291/12, EU:C:2013:401, n.o 43).

( 33 ) V. Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o. (C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 47), e de 17 de outubro de 2013, Schaible (C‑101/12, EU:C:2013:661, n.o 78).

( 34 ) É possível citar o considerando 31 do Regulamento n.o 723/2004 nos termos, no mínimo evasivos, do qual «[a]s condições subjacentes às atuais disposições em matéria de pensões de invalidez e de pensões de sobrevivência alteram desde a sua primeira aprovação, pelo que devem ser atualizadas e simplificadas». Fazendo eco a esse considerando, sublinho que o considerando 7 enuncia que «[d]everá ser observado o princípio da não discriminação, tal como consagrado pelo Tratado, o que requer o aperfeiçoamento ulterior de uma política de pessoal que garanta a igualdade de oportunidades para todos, independentemente do sexo, da capacidade física, da idade, da identidade racial ou étnica, da orientação sexual e do estado civil», considerações que o considerando 8 precisa nos seguintes termos «[a]os funcionários que sejam parte numa relação não conjugal reconhecida por um Estado‑Membro como uma parceria estável, mas que não têm acesso legal ao casamento, deve ser concedido o mesmo grau de benefícios que aos funcionários casados».

( 35 ) V., neste sentido, a propósito do princípio da não discriminação em função da idade, Acórdãos de 16 de outubro de 2007, Palacios de la Villa (C‑411/05, EU:C:2007:604, n.os 56 e 57); de 12 de janeiro de 2010, Petersen (C‑341/08, EU:C:2010:4, n.o 49); e de 6 de novembro de 2012, Comissão/Hungria (C‑286/12, EU:C:2012:687, n.o 58).

( 36 ) V. Acórdãos de 18 de novembro de 1987, Maizena e o. (137/85, EU:C:1987:493, n.o 15); de 12 de novembro de 1996, Reino Unido/Conselho (C‑84/94, EU:C:1996:431, n.o 57); de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, EU:C:2002:741, n.o 122); de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o. (C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.o 46); e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 67).

( 37 ) V. Acórdãos de 11 de julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter (265/87, EU:C:1989:303, n.o 21); de 12 de julho de 2001, Jippes e o. (C‑189/01, EU:C:2001:420, n.o 81); e de 9 de março de 2010, ERG e o. (C‑379/08 e C‑380/08, EU:C:2010:127, n.o 86); v. igualmente, no mesmo sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 91).

( 38 ) V. Acórdão de 29 de novembro de 2006, Campoli/Comissão (T‑135/05, EU:T:2006:366, n.o 72). Além disso, ao interpretar o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 por ocasião de pedidos de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça esclareceu que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação na escolha dos meios passíveis de realizar os seus objetivos de política social.

( 39 ) V. Acórdãos de 26 de setembro de 2013, Dansk Jurist‑ og Økonomforbund (C‑546/11, EU:C:2013:603, n.o 58), e de 15 de abril de 2010, Gualtieri/Comissão (C‑485/08 P, EU:C:2010:188, n.o 72). Num quadro factual similar relativo a uma discriminação relacionada com o pagamento de uma prestação social, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem referiu efetivamente, no seu Acórdão de 11 de junho de 2002, Willis c. Reino Unido (CE:ECHR:2002:0611JUD003604297), que os Estados contratantes gozavam de uma certa margem de apreciação para determinar se e em que medida diferenças entre situações que sob outro prisma seriam análogas justificavam diferenças de tratamento, mas também verificou se, no caso que lhe foi submetido, a diferença de tratamento não tinha «justificação objetiva e razoável» ou seja, se não prosseguia um «objetivo legitimo» ou se não existia uma «relação razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados e o fim procurado».

( 40 ) V. Acórdão de 5 de março de 2009, Age Concern England (C‑388/07, EU:C:2009:128, n.o 51).

( 41 ) V., além disso, quanto à exigência de coerência, Acórdãos de princípio de 10 de março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, EU:C:2009:141, n.o 55), e de 23 de dezembro de 2015, Hiebler (C‑293/14, EU:C:2015:843, n.o 65). V., especialmente no que respeita à Diretiva 2000/78, Acórdãos de 12 de janeiro de 2010, Petersen (C‑341/08, EU:C:2010:4, n.o 53), e de 26 de setembro de 2013, HK Danmark (C‑476/11, EU:C:2013:590, n.o 67).

( 42 ) V. Acórdãos de 19 de junho de 2014, Specht e o. (C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑41/12, EU:C:2014:2005, n.o 77), e de 11 de novembro de 2014, Schmitzer (C‑530/13, EU:C:2014:2359, n.o 41); v., no mesmo sentido, no que respeita à igualdade de tratamento entre homens e mulheres, Acórdãos de 17 de junho de 1998, Hill e Stapleton (C‑243/95, EU:C:1998:298, n.o 40); de 6 de abril de 2000, Jørgensen (C‑226/98, EU:C:2000:191, n.o 39); de 23 de outubro de 2003, Schönheit e Becker (C‑4/02 e C‑5/02, EU:C:2003:583, n.o 85); e de 21 de julho de 2011, Fuchs e Köhler (C‑159/10 e C‑160/10, EU:C:2011:508, n.o 74).

( 43 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2013, Dansk Jurist‑ og Økonomforbund, C‑546/11, EU:C:2013:603, n.o 69).

( 44 ) V. neste sentido, relativamente a um processo de discriminação com base na idade no contexto da Diretiva 2000/78, Acórdãos de 16 de outubro de 2007, Palacios de la Villa (C‑411/05, EU:C:2007:604, n.o 73), e de 12 de outubro de 2010, Ingeniørforeningen i Danmark (C‑499/08, EU:C:2010:600, n.o 47); v., além disso, Acórdão de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria (C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 123), bem como as Conclusões da advogada‑geral J. Kokott nesse processo (EU:C:2015:170, n.o 131) e no processo Belov (C‑394/11, EU:C:2013:48, n.o 117), ambos relativos à Diretiva 2000/43, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção da origem racial ou étnica (JO 2000, L 180, p. 22).

( 45 ) Acórdãos de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C‑136/92 P, EU:C:1994:211, n.o 42), e de 12 de julho de 2011, Comissão/Q (T‑80/09 P, EU:T:2011:347, n.o 42).