ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

19 de dezembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2004/18/CE — Artigo 1.o, n.o 5 — Artigo 32.o, n.o 2 — Adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços — Acordos‑quadro — Cláusula de extensão do acordo‑quadro a outras entidades adjudicantes — Princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos operadores económicos — Não determinação do volume dos contratos públicos subsequentes ou determinação por referência às necessidades ordinárias das entidades adjudicantes não signatárias do acordo‑quadro — Proibição»

No processo C‑216/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 9 de março de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de abril de 2017, no processo

Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato — Antitrust,

Coopservice Soc. coop. arl

contra

Azienda Socio‑Sanitaria Territoriale della Vallecamonica — Sebino (ASST),

Azienda Socio‑Sanitaria Territoriale del Garda (ASST),

Azienda Socio‑Sanitaria Territoriale della Vallecamonica (ASST),

com intervenção de:

Markas Srl,

ATI — Zanetti Arturo & C. Srl e in proprio,

Regione Lombardia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: J. Malenovský, exercendo funções de presidente de secção, M. Safjan e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de julho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Coopservice Soc. coop. arl, por P. S. Pugliano, avvocato,

em representação da Markas Srl, por F. G. Scoca, P. Adami e I. Tranquilli, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por B. Tidore e P. Palmieri, avvocati dello Stato,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e T. Müller, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

em representação do Governo finlandês, por S. Hartikainen, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de outubro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 5, e do artigo 32.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114; retificação no JO 2004, L 351, p. 44), e do artigo 33.o da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18 (JO 2014, L 94, p. 65).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de dois recursos, apensados pelo órgão jurisdicional de reenvio, que opõem, o primeiro, a Autorità Garante della Concorrenza e del mercato (Autoridade de Defesa da Concorrência e do Mercado, Itália, a seguir «AGCM») e, o segundo, a Coopservice Soc. coop. arl à Azienda Socio‑Sanitaria Territoriale della Vallecamonica — Sebino (Serviço Médico‑Social Territorial do Valcamónica — Sebino, Itália; a seguir «ASST Valcamónica»), a propósito da decisão desta última de aderir ao contrato de saneamento ambiental, recolha e eliminação de resíduos (a seguir «contrato inicial»), celebrado, em 2012, entre a Azienda Socio‑Sanitaria Territoriale del Garda (Serviço Médico‑Social Territorial do Lago de Garda, Itália; a seguir «ASST do Lago de Garda») e a ATI — Zanetti Arturo & C. Srl, um agrupamento temporário de empresas, que agrupa a Markas Srl e a Zanetti Arturo (a seguir «ATE Markas»).

Quadro jurídico

Diretiva 2004/18

3

Os considerandos 11 e 15 da Diretiva 2004/18 enunciam:

«(11)

Deve prever‑se uma definição [a nível da União] de acordo‑quadro, bem como regras específicas para os acordos‑quadro celebrados em relação a contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva. De acordo com essas regras, quando uma entidade adjudicante celebra, nos termos do disposto na presente diretiva, um acordo‑quadro relativo, nomeadamente, à publicidade, aos prazos e às condições para a apresentação de propostas, pode celebrar, durante o período de vigência desse acordo‑quadro, contratos nele baseados, quer aplicando os termos do acordo‑quadro quer, se nem todos os termos tiverem sido fixados de antemão nesse acordo‑quadro, reabrindo concurso entre as partes no acordo‑quadro sobre os termos não fixados. A reabertura de concurso deve obedecer a determinadas regras destinadas a assegurar a necessária flexibilidade e garantir o respeito dos princípios gerais, incluindo o da igualdade de tratamento. Por estas razões, a vigência dos acordos‑quadro deve ser limitada e não deve poder exceder quatro anos, salvo em casos devidamente justificados pelas entidades adjudicantes.

[…]

(15)

Foram desenvolvidas nos Estados‑Membros determinadas técnicas de centralização das compras. Várias entidades adjudicantes foram incumbidas de efetuar aquisições ou de adjudicar contratos públicos/celebrar acordos‑quadro destinados a outras entidades adjudicantes. Dado o grande volume de compras, estas técnicas permitem alargar a concorrência e aumentar a eficácia dos contratos públicos. Por conseguinte, deverá criar‑se uma definição comunitária de central de compras destinada às entidades adjudicantes. É ainda necessário definir as condições em que se pode considerar que, respeitando os princípios da não discriminação e da igualdade de tratamento, as entidades adjudicantes que contratam empreitadas de obras, fornecimentos e/ou serviços recorrendo a uma central de compras observaram o disposto na presente diretiva.»

4

O artigo 1.o, n.o 5, desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«“Acordo‑quadro” é um acordo entre uma ou mais entidades adjudicantes e um ou mais operadores económicos, que tem por objeto fixar os termos dos contratos a celebrar durante um determinado período, nomeadamente em matéria de preços e, se necessário, de quantidades previstas.»

5

Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva, relativo aos «[p]rincípios de adjudicação dos contratos»:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

6

Segundo o artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Métodos de cálculo do valor estimado dos contratos públicos, dos acordos‑quadro e dos sistemas de aquisição dinâmicos»:

«1.   O cálculo do valor estimado de um contrato público baseia‑se no montante total a pagar, sem IVA, estimado pela entidade adjudicante. Este cálculo terá em consideração o montante total estimado, incluindo as eventuais opções e eventuais renovações do contrato.

[…]

3.   Nenhum projeto de obra ou de aquisição de uma determinada quantidade de fornecimentos e/ou de serviços pode ser cindido para ser subtraído à aplicação da presente diretiva.

[…]

7.   No caso de contratos públicos de fornecimento ou de serviços que tenham caráter regular ou se destinem a ser renovados durante um determinado período, o valor estimado do contrato deve ser calculado com base:

a)

Quer no valor total real dos contratos análogos sucessivos adjudicados durante os doze meses anteriores ou no exercício anterior, corrigido, se possível, para atender às alterações de quantidade ou de valor suscetíveis de ocorrerem durante os doze meses seguintes à adjudicação do contrato inicial;

b)

Quer no valor total estimado dos contratos sucessivos adjudicados durante os doze meses seguintes à primeira entrega ou durante o exercício, caso este tenha duração superior a doze meses.

O método de cálculo do valor estimado de um contrato público não pode ser escolhido com o intuito de o excluir do âmbito da presente diretiva.

[…]

9.   Nos acordos‑quadro e nos sistemas de aquisição dinâmicos, o valor a tomar em consideração é o valor máximo estimado, sem IVA, de todos os contratos previstos durante toda a vigência do acordo‑quadro ou do sistema de aquisição dinâmico.»

7

O artigo 32.o da Diretiva 2004/18, relativo aos «[a]cordos‑quadro», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros podem prever a possibilidade de as entidades adjudicantes celebrarem acordos‑quadro.

2.   Para efeitos de celebração de um acordo‑quadro, as entidades adjudicantes seguirão as normas processuais referidas na presente diretiva em todas as fases até à adjudicação dos contratos baseados nesse acordo‑quadro. A escolha das partes no acordo‑quadro é feita mediante a aplicação dos critérios de adjudicação estabelecidos nos termos do artigo 53.o

Os contratos baseados num acordo‑quadro serão adjudicados segundo os procedimentos previstos nos n.os 3 e 4. Esses procedimentos só são aplicáveis entre as entidades adjudicantes e os operadores económicos que sejam parte no acordo‑quadro desde o início.

Aquando da adjudicação de contratos baseados num acordo‑quadro, as partes não podem em caso algum, introduzir alterações substanciais nos termos fixados no acordo‑quadro, designadamente no caso a que se refere o n.o 3.

A duração de um acordo‑quadro não pode ser superior a quatro anos, salvo em casos excecionais devidamente justificados, nomeadamente pelo objeto do acordo‑quadro.

As entidades adjudicantes não podem recorrer a acordos‑quadro de forma abusiva ou de modo a impedir, restringir ou falsear a concorrência.

3.   Quando um acordo‑quadro é celebrado com um único operador económico, os contratos baseados nesse acordo‑quadro devem ser adjudicados nos limites dos termos fixados no acordo‑quadro.

Para a adjudicação desses contratos, as entidades adjudicantes podem consultar por escrito o operador parte no acordo‑quadro, pedindo‑lhe que complete, se necessário, a sua proposta.

4.   Quando um acordo‑quadro é celebrado com vários operadores económicos, o seu número deve ser, no mínimo, três, desde que exista um número suficiente de operadores económicos que cumpram os critérios de seleção e/ou de propostas admissíveis que satisfaçam os critérios de adjudicação.

A atribuição dos contratos baseados em acordos‑quadro celebrados com vários operadores económicos pode ser feita:

quer nos termos estipulados no acordo‑quadro, sem reabertura de concurso,

quer, quando nem todos os termos se encontrem estipulados no acordo‑quadro, após reabertura de concurso entre as partes com base nos mesmos termos, se necessário precisando‑os, e, se for caso disso, noutros termos indicados no caderno de encargos do acordo‑quadro, recorrendo ao seguinte procedimento:

[…]»

8

O artigo 35.o desta diretiva, sob a epígrafe «Anúncios», prevê, no n.o 4:

«As entidades adjudicantes que tenham adjudicado um contrato público ou celebrado um acordo‑quadro enviarão um anúncio com os resultados do procedimento de adjudicação, no prazo de 48 dias após a adjudicação do contrato público ou a celebração do acordo‑quadro.

No caso dos acordos‑quadro celebrados nos termos do artigo 32.o, as entidades adjudicantes estão dispensadas de enviar o anúncio dos resultados de cada adjudicação feita com base nesse acordo.

[…]»

9

O anexo VII A da referida diretiva, relativo às «[i]nformações que devem constar dos anúncios de concurso», precisa:

«[…]

Anúncios de concurso

[…]

3.

[…]

c)

Se for o caso, indicação de que se trata de um acordo‑quadro;

[…]

6.

[…]

c)

Contratos públicos de serviços:

categoria e descrição do serviço. Número(s) de referência à nomenclatura. Quantidade dos serviços a fornecer. Indicar nomeadamente as opções relativamente a aquisições suplementares e, se conhecido, o calendário provisório para o exercício de tais opções, bem como o número de eventuais reconduções. No caso de contratos renováveis no decurso de um determinado período, apresentar igualmente, se conhecida, uma estimativa do calendário dos contratos públicos posteriores relativos aos serviços a adquirir.

No caso de acordos‑quadro, indicar igualmente o período previsto de duração do acordo‑quadro, o valor total estimado das prestações para todo o período de duração do acordo‑quadro, assim como, na medida do possível, o valor e frequência dos contratos a adjudicar.

[…]

18.

Para os acordos‑quadro: o número, eventualmente o número máximo, previsto de operadores económicos que dele farão parte, duração prevista do acordo‑quadro, especificando, sendo o caso, os motivos que justifiquem uma duração superior a quatro anos.

[…]»

Direito italiano

Direito nacional

10

O artigo 1.o, n.o 449, última parte, da legge n. 296 (Lei n.o 296), de 27 de dezembro de 2006 (suplemento ordinário n.o 244, publicada no GURI n.o 299, de 27 de dezembro de 2006), dispõe:

«Os organismos do Serviço Nacional de Saúde estão, em qualquer caso, obrigados a abastecer‑se ao abrigo das convenções celebradas pelas centrais regionais competentes, ou, na falta de convenção regional em vigor, das convenções‑quadro celebradas pela central de compras da [Administração Pública italiana].»

11

O decreto legislativo n. 163 (Decreto Legislativo n.o 163), de 12 de abril de 2006 (suplemento ordinário n.o 107 do GURI n.o 100, de 2 de maio de 2006), em vigor à data dos factos em causa no processo principal, tinha por objeto, nomeadamente, a transposição da Diretiva 2004/18.

12

Resultava do artigo 3.o, n.o 13, desse decreto legislativo:

«“Acordo‑quadro” é um acordo entre uma ou mais entidades adjudicantes e um ou mais operadores económicos, que tem por objeto fixar os termos dos contratos a celebrar durante um determinado período, nomeadamente em matéria de preços e, eventualmente, de quantidades previstas.»

13

O funcionamento de um acordo‑quadro celebrado com um único operador económico estava descrito no artigo 59.o do referido decreto legislativo. Esta disposição reproduzia literalmente, nos n.os 2 a 4, o teor do artigo 32.o, n.o 2, primeiro a terceiro parágrafos, e n.o 3, da Diretiva 2004/18. Em contrapartida, não transpunha o artigo 32.o, n.o 2, quarto e quinto parágrafos, desta diretiva, que têm por objeto, respetivamente, a limitação da duração de um acordo‑quadro em quatro anos, salvo em casos excecionais devidamente justificados, e a proibição imposta às entidades adjudicantes de recorrerem aos acordos‑quadro de forma abusiva ou de modo a impedir, restringir ou falsear a concorrência.

14

O artigo 1.o, n.o 12, do decreto‑legge 6 luglio 2012 n. 95, convertito con modificazioni dalla legge 7 agosto 2012, n. 135 [Decreto‑Lei n.o 95, de 6 de julho de 2012 (suplemento ordinário n.o 141 do GURI n.o 156, de 6 de julho de 2012), alterado e convertido na Lei n.o 135, de 7 de agosto de 2012, suplemento ordinário n.o 173 do GURI n.o 189, de 14 de agosto de 2012], permite alterar os termos de um contrato público durante a sua execução para melhorar as condições de mercado estabelecidas no procedimento concursal inicial.

15

Nos termos do artigo 15.o, n.o 13, alínea b), desse decreto‑lei, um contrato de fornecimento de bens ou de serviços excessivamente oneroso, tendo em conta as condições legalmente estabelecidas, pode ser rescindido, tendo em vista celebrar, sem organização de novo procedimento concursal, um novo contrato que reproduza os termos de um contrato em curso de execução, com outras empresas.

Direito regional

16

Na Lombardia (Itália), o artigo 3.o, n.o 7, da legge regionale n. 14 (Lei Regional n.o 14), de 19 de maio de 1997, obriga a Administração Regional na sua globalidade a recorrer a modalidades de compra centralizadas, incluindo a central de compras regional.

17

A decisão do Conselho Regional n.o 2633, de 6 de dezembro de 2011, reitera a obrigação de as ASST aderirem às encomendas agrupadas e de recorrerem a centrais de compras.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

O litígio no processo principal tem origem no Decreto n.o 1158/2015, aprovado, em 30 de dezembro de 2015, pelo diretor‑geral da ASST Valcamónica, para efeitos de adesão ao contrato inicial, sem organização de procedimento de contratação pública, pelo período compreendido entre 1 de fevereiro de 2016 e 15 de fevereiro de 2021.

19

Para o efeito, o diretor‑geral da ASST Valcamónica solicitou a extensão do contrato público inicialmente adjudicado à ATE Markas por Decreto n.o 828/2011, aprovado, em 4 de novembro de 2011, pelo diretor‑geral da ASST do Lago de Garda (a seguir «Decreto n.o 828/2011»).

20

Este decreto atribuía à ATE Markas os serviços de saneamento ambiental, recolha e eliminação de resíduos, por um período de 108 meses, ou seja, nove anos, compreendido entre 16 de fevereiro de 2012 e 15 de fevereiro de 2021. O ponto 5 do caderno de encargos referente a esse contrato público incluía uma cláusula intitulada «extensão do contrato» (a seguir «cláusula de extensão»), que permitia a um ou vários organismos mencionados na referida cláusula solicitar ao adjudicatário do contrato a sua extensão, em seu benefício, «em condições idênticas às da adjudicação em questão». Esta cláusula, que mencionava, designadamente, a ASST Valcamónica, especificava que o adjudicatário não era obrigado a aceitar o pedido de extensão. Além disso, com base na referida cláusula, formar‑se‑ia uma «relação contratual autónoma», que cobriria a duração remanescente do contrato inicialmente prevista.

21

A Coopservice, que assegurava até então a limpeza das instalações da ASST Valcamónica, e a AGCM interpuseram no Tribunale amministrativo regionale della Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia, Itália) um recurso de anulação, nomeadamente, do Decreto n.o 1158/2015, do Decreto n.o 828/2011, e da cláusula de extensão, com o fundamento de que tais atos permitiam a adjudicação de um novo contrato de prestação de serviços, em violação das regras nacionais e europeias em matéria de concorrência, nomeadamente da obrigação de recorrer a um concurso.

22

Por sentença de 7 de novembro de 2016, o Tribunale amministrativo regionale della Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia) negou provimento aos dois recursos, com o fundamento de que pode ser celebrado um acordo‑quadro entre um determinado operador económico e uma única entidade adjudicante, que aja por conta própria e por conta de outras entidades adjudicantes, que, embora mencionadas no acordo, nele não participem diretamente. Além disso, não é necessário que o acordo‑quadro indique, expressamente e ab initio, o volume das prestações que poderão ser exigidas pelas entidades adjudicantes que podem invocar a cláusula de extensão, podendo o referido volume estar previsto implicitamente, tomando‑se por referência as respetivas necessidades ordinárias.

23

A Coopservice e a AGCM interpuseram então recurso dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália).

24

Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a Markas, que interveio em apoio da ASST Valcamónica, alega que a adesão desta última ao contrato inicial era conforme ao artigo 33.o da Diretiva 2014/24 e pede para que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título prejudicial, sobre a interpretação desta disposição.

25

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio desenvolve três séries de considerações.

26

Em primeiro lugar, considera que o artigo 32.o da Diretiva 2004/18 é aplicável ao processo principal. No entanto, por notar, por um lado, que esta diretiva foi revogada com efeitos a partir de 18 de abril de 2016 pela Diretiva 2014/24 e, por outro, que as disposições aplicáveis desta última diretiva para dirimir o litígio no processo principal são idênticas às da Diretiva 2004/18, o órgão jurisdicional de reenvio considera relevante proceder a uma interpretação conjugada das Diretivas 2004/18 e 2014/24.

27

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera correto, em princípio, qualificar‑se o contrato inicial de «acordo‑quadro», na aceção das Diretivas 2004/18 e 2014/24.

28

Em terceiro lugar, considera que um «acordo‑quadro», na aceção do artigo 1.o, n.o 5, e do artigo 32.o da Diretiva 2004/18 apresenta duas características principais. Por um lado, a abertura de concurso supostamente ocorre a montante, no momento da designação do adjudicatário, pelo que não é necessária à celebração de cada contrato adjudicado em execução do acordo‑quadro com o operador económico selecionado no termo do procedimento de contratação pública que resultou na celebração desse acordo‑quadro (a seguir «contratos subsequentes»). Por outro lado, tendo em conta a locução adverbial «se necessário» que figura no artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2004/18, um acordo‑quadro não tem necessariamente que especificar as quantidades sobre as quais incidirá.

29

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, apesar de a posição adotada pelo Tribunale amministrativo regionale della Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia) se justificar perante o objetivo de promoção de procedimentos de aquisição agrupados, valorizados pelo legislador italiano, essa posição não é, porém, conforme com o direito da União. Esse órgão jurisdicional constata, também, a inexistência de jurisprudência relevante do Tribunal de Justiça sobre esta questão.

30

A este propósito, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) considera que a interpretação da locução adverbial «se necessário» adotada pelo Tribunale amministrativo regionale della Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia) é demasiado extensiva. Do ponto de vista do órgão jurisdicional de reenvio, a cláusula de extensão deve ser duplamente enquadrada. No plano subjetivo, deveria mencionar as entidades adjudicantes que a podem invocar, enquanto, no plano objetivo, deveria prever o valor económico da eventual extensão, incluindo em termos de montante máximo, como decidiu em vários acórdãos seus. Uma interpretação contrária legitimaria uma sucessão indefinida de atribuições diretas, violadoras dos princípios fundamentais do direito da União, nos termos dos quais os contratos públicos são atribuídos com recurso a procedimentos de contratação pública, e prejudicaria, assim, a concorrência.

31

O órgão jurisdicional de reenvio inclina‑se, por conseguinte, para uma interpretação restritiva dessa locução adverbial, segundo a qual o acordo‑quadro determina, «se necessário», a quantidade das prestações sobre as quais incidirá. Esta precisão só deve ser omitida quando as próprias prestações estiverem determinadas ou forem determináveis de forma clara e unívoca, tendo em conta a situação de facto ou de direito de que as partes no acordo‑quadro em causa têm conhecimento, mesmo que não a tenham inscrito no seu conteúdo.

32

Em resposta a um pedido de esclarecimentos que lhe dirigiu o Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 101.o do Regulamento de Processo, a fim de conhecer as razões pelas quais qualificava o contrato celebrado entre a entidade adjudicante inicial e a ATE Markas de acordo‑quadro na aceção do artigo 1.o, n.o 5, e do artigo 32.o da Diretiva 2004/18, pese embora o contrato público ter sido celebrado por um período de nove anos, o órgão jurisdicional de reenvio explicou, por decisão de 20 de fevereiro de 2018, estar vinculado, enquanto órgão jurisdicional administrativo, pelo respeito do princípio dispositivo e que o conhecimento oficioso só é autorizado se um ato administrativo padecer de vícios particularmente graves, suscetíveis de determinar a sua anulação. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, «há […] manifestamente que excluir que uma duração superior à duração máxima prevista na lei constitua um vício de uma gravidade tal que justifique a nulidade da medida, de que, teoricamente, o juiz possa conhecer oficiosamente». Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, tendo em conta o seu objeto específico, que é o de garantir o bom funcionamento de vários hospitais, o contrato inicial pode beneficiar da derrogação prevista no artigo 32.o, n.o 2, quarto parágrafo, da Diretiva 2004/18.

33

Foi neste contexto que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Podem os artigos [1.o], n.o 5, e 32.o da Diretiva [2004/18] e o artigo 33.o da Diretiva [2014/24, que revoga a Diretiva 2004/18,] ser interpretados no sentido de que permitem a celebração de um acordo‑quadro em que:

a autoridade adjudicante age por si só e por conta de outras autoridades adjudicantes especificamente indicadas, as quais, todavia, não participam diretamente na assinatura de tal acordo‑quadro;

não é determinada a quantidade das prestações que poderão ser pedidas pelas autoridades adjudicantes não signatárias no momento da celebração, por parte destas, dos contratos subsequentes previstos pelo mesmo acordo‑quadro?

2)

Em caso de resposta negativa à [primeira] questão […]: Podem os artigos [1.o], n.o 5, e 32.o da Diretiva [2004/18] e o artigo 33.o da Diretiva [2014/24] ser interpretados no sentido de que permitem a celebração de um acordo‑quadro em que:

a autoridade adjudicante age por si só e por conta de outras autoridades adjudicantes especificamente indicadas, as quais, todavia, não participam diretamente na assinatura do acordo‑quadro;

a quantidade das prestações que poderão ser pedidas pelas autoridades adjudicantes não signatárias no momento da celebração, por parte destas, dos contratos subsequentes previstos pelo mesmo acordo‑quadro, é determinada mediante referência às suas necessidades ordinárias?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

34

Resulta do pedido de decisão prejudicial que o raciocínio do órgão jurisdicional de reenvio assenta na premissa de que o contrato inicial deve ser qualificado de «acordo‑quadro», na aceção do artigo 1.o, n.o 5, e do artigo 32.o da Diretiva 2004/18.

35

Contudo, a Coopservice e a Comissão Europeia questionam a bondade desta premissa. Sustentam, com efeito, que o contrato inicial viola o artigo 32.o, n.o 2, quarto parágrafo, da Diretiva 2004/18, nos termos do qual a duração de um acordo‑quadro não pode ser superior a quatro anos, salvo «em casos excecionais devidamente justificados, nomeadamente pelo objeto do acordo‑quadro». Ora, não foi avançada nenhuma explicação para justificar o incumprimento do prazo de quatro anos. Daqui resulta que o referido contrato não pode ser qualificado de «acordo‑quadro», na aceção da Diretiva 2004/18, e, portanto, que o pedido de decisão prejudicial deve ser declarado inadmissível.

36

Com efeito, ao não expor as razões pelas quais o contrato inicial, que foi celebrado por um período de nove anos, poderia beneficiar da derrogação prevista no artigo 32.o, n.o 2, quarto parágrafo, da Diretiva 2004/18, o órgão jurisdicional de reenvio não definiu o quadro factual e regulamentar em que as questões que submete ao Tribunal de Justiça se inserem nem explicou as hipóteses factuais em que essas questões se baseiam, em violação das prescrições do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

37

A este respeito, cabe recordar que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no âmbito da cooperação entre este e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Com efeito, o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação de um diploma do direito da União a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (v., recentemente, no âmbito da liberdade de estabelecimento, Despacho de 31 de maio de 2018, Bán, C‑24/18, não publicado, EU:C:2018:376, n.o 14 e jurisprudência referida).

38

Não obstante, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir (v., nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 1992, Meilicke, C‑83/91, EU:C:1992:332, n.o 22, e de 20 de dezembro de 2017, Global Starnet, C‑322/16, EU:C:2017:985, n.o 24).

39

No âmbito desta cooperação, as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência, de forma que o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.o 25, e de 11 de maio de 2017, Archus e Gama, C‑131/16, EU:C:2017:358, n.o 42).

40

Por outro lado, o direito da União não impõe que os órgãos jurisdicionais nacionais suscitem oficiosamente um fundamento assente na violação de disposições do direito da União, quando a análise desse fundamento os obrigue a renunciar ao princípio dispositivo a cujo respeito estão obrigados, saindo dos limites do litígio tal como circunscrito pelas partes e baseando‑se em factos e circunstâncias diferentes daqueles em que a parte que tem interesse na aplicação das referidas disposições baseou o seu pedido (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 1995, van Schijndel e van Veen, C‑430/93 e C‑431/93, EU:C:1995:441, n.os 21 e 22).

41

Compete, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, como salientou o advogado‑geral no n.o 77 das suas conclusões, não lhe é possível apreciar a compatibilidade da duração adotada para o contrato inicial com o artigo 32.o, n.o 2, quarto parágrafo, da Diretiva 2004/18, na medida em que as partes no processo principal parecem terem invocado o ponto 6, alínea c), intitulado «Contratos públicos de serviços», que figura sob a epígrafe «Anúncios de concursos» do anexo VII A da mesma diretiva. Ora, esta última disposição refere, entre as informações que devem imperativamente constar dos anúncios dos contratos públicos de serviços, o valor total estimado das prestações para todo o período de duração do acordo‑quadro.

42

Além disso, não foi de modo algum demonstrado que um contrato público, como o contrato inicial, não seja suscetível de ser qualificado de «acordo‑quadro», na aceção do artigo 1.o, n.o 5, e do artigo 32.o, n.o 2, quarto parágrafo, da Diretiva 2004/18, pelo simples facto de ter sido celebrado por um período superior a quatro anos, sem que a entidade adjudicante tenha devidamente justificado a ultrapassagem desse período. Com efeito, numa situação como a que está em causa no processo principal, não é de excluir, nomeadamente, que um contrato como o contrato inicial constitua um acordo‑quadro válido no sentido desta última disposição nos primeiros quatro anos de aplicação e que caduque no termo desse período.

43

Consequentemente, há que declarar o pedido de decisão prejudicial admissível.

Quanto às questões prejudiciais

44

Nas questões que submete ao Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio remete simultaneamente para as Diretivas 2004/18 e 2014/24.

45

A este respeito, recorde‑se, a título preliminar, que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a diretiva aplicável é, em princípio, a que está em vigor no momento em que a entidade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai adotar e dirime definitivamente a questão de saber se há ou não a obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação de um contrato público. Em contrapartida, são inaplicáveis as disposições de uma diretiva cujo prazo de transposição expirou após esse momento (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti, C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 31, e de 7 de abril de 2016, Partner Apelski Dariusz, C‑324/14, EU:C:2016:214, n.o 83).

46

No processo principal, o contrato inicial assumiu a forma do Decreto n.o 828/2011, aprovado em 4 de novembro de 2011, embora a Diretiva 2014/24 só tenha revogado a Diretiva 2004/18 com efeitos a partir de 18 de abril de 2016.

47

Consequentemente, na data dos factos no processo principal, a Diretiva 2004/18 era ainda aplicável, de forma que cumpre interpretar o pedido de decisão prejudicial no sentido de que visa obter a sua interpretação, e não a interpretação da Diretiva 2014/24 (v., por analogia, Despacho de 10 de novembro de 2016, Spinosa Costruzioni Generali e Melfi, C‑162/16, não publicado, EU:C:2016:870, n.o 21).

48

Assim, afigura‑se que, com as suas duas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 5, e o artigo 32.o da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que autorizam a celebração de um acordo‑quadro, nos termos do qual, por um lado, uma entidade adjudicante age por conta própria e por conta de outras entidades adjudicantes especificamente mencionadas, que, porém, não são diretamente partes nesse acordo‑quadro, e, por outro, o volume das prestações que poderá ser pedido pelas entidades adjudicantes não signatárias no momento em que celebrarem os contratos subsequentes previstos no referido acordo‑quadro não está determinado ou é determinado por referência às respetivas necessidades ordinárias.

Quanto à faculdade de a entidade adjudicante agir por conta própria e por conta de outras entidades adjudicantes claramente designadas, que, porém, não são diretamente partes no acordo‑quadro

49

Nos termos do artigo 32.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18, os contratos baseados num acordo‑quadro devem ser adjudicados de acordo com os procedimentos que só são aplicáveis entre as entidades adjudicantes e os operadores económicos que sejam parte no acordo‑quadro desde o início.

50

Uma vez que a letra desta disposição não permite, por si só, determinar se a exigência de ser parte no acordo‑quadro ab initio é válida simultaneamente para as entidades adjudicantes e para os operadores económicos ou unicamente para estes últimos, importa ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, EU:C:1983:335, n.o 12).

51

A este respeito, importa, antes de mais, sublinhar que o artigo 32.o, n.o 4, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18, lido à luz do considerando 11 desta diretiva, prevê que, no caso de um acordo‑quadro celebrado com vários adjudicatários, os contratos subsequentes são celebrados após reabertura de concurso entre as partes no acordo‑quadro com base nos termos não fixados. Do mesmo modo, o ponto 18 que figura sob a epígrafe «Anúncio de concurso» do anexo VII A da referida diretiva obriga a entidade adjudicante parte no acordo‑quadro ab initio a indicar o «número, eventualmente, o número máximo, previsto de operadores económicos que dele farão parte […]».

52

Decorre destas disposições que a exigência de que sejam partes no acordo‑quadro ab initio só vale para os operadores económicos, uma vez que não se trata de abrir um concurso para as próprias entidades adjudicantes.

53

Esta interpretação contribui, além disso, para assegurar o efeito útil do artigo 1.o, n.o 5, e do artigo 32.o da Diretiva 2004/18, cujo objetivo é, nomeadamente, aumentar a eficácia dos contratos públicos, incentivando, mediante recurso a acordos‑quadro, a agregação das aquisições públicas, a fim de realizar economias de escala.

54

Acresce que esta interpretação é corroborada, como salientou o advogado‑geral no n.o 62 das suas conclusões, pela redação do artigo 32.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/24, nos termos do qual os procedimentos de adjudicação dos contratos baseados num acordo‑quadro só são aplicáveis entre, por um lado, as entidades adjudicantes claramente identificadas para o efeito no convite à apresentação de propostas ou no convite à confirmação de interesse e, por outro, os operadores económicos que sejam partes no acordo‑quadro, nos termos nele previstos.

55

Resulta das considerações expostas que o artigo 32.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18 tem por objetivo permitir que uma entidade adjudicante faculte a outras entidades adjudicantes o acesso a um acordo‑quadro que esteja prestes a celebrar com os operadores económicos que serão partes no mesmo ab initio.

56

Assim, o artigo 32.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18 não exige que a entidade adjudicante «secundária», como a ASST Valcamónica no processo principal, tenha participado na assinatura do acordo‑quadro para, posteriormente, poder celebrar um contrato subsequente. É suficiente que essa entidade adjudicante surja como beneficiária potencial desse acordo‑quadro logo à data da sua celebração, ficando claramente designada nos documentos do concurso mediante menção expressa capaz de dar a conhecer esta possibilidade tanto à própria entidade adjudicante «secundária» como a qualquer operador interessado. Esta menção pode constar, ou do próprio acordo‑quadro, ou de qualquer outro documento, incluindo uma cláusula de extensão constante do caderno de encargos, desde que respeitadas as exigências de publicidade e de segurança jurídica e, portanto, de transparência.

Quanto à possibilidade de as entidades adjudicantes não signatárias de um acordo‑quadro não determinarem o volume das prestações que poderá ser exigido quando celebrarem contratos subsequentes ou determinarem por referência às respetivas necessidades ordinárias

57

Decorre do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2004/18 que um acordo‑quadro tem por objeto fixar os termos para a adjudicação de contratos durante um determinado período, nomeadamente em matéria de preços e, se necessário, de quantidades previstas.

58

Certamente, é possível deduzir da locução adverbial «se necessário» que a indicação das quantidades de prestações sobre as quais incidirá o acordo‑quadro é meramente facultativa.

59

Esta interpretação não pode, no entanto, ser acolhida.

60

Em primeiro lugar, resulta de várias outras disposições da Diretiva 2004/18 que o acordo‑quadro deve, desde o início, determinar o volume máximo de fornecimentos ou de serviços que poderão ser objeto dos contratos subsequentes. Em especial, o artigo 9.o, n.o 9, desta diretiva, que expõe, nomeadamente, os métodos de cálculo do valor estimado dos acordos‑quadro, dispõe que o valor a tomar em consideração é o valor máximo estimado, sem IVA, de todos os contratos previstos durante todo o período de vigência desse acordo. Por sua vez, o ponto 6, alínea c), intitulado «Contratos públicos de serviços», que figura sob a epígrafe «Anúncios de concurso», do anexo VII A da Diretiva 2004/18, exige igualmente que o anúncio de concurso relativo a um tal acordo especifique o valor total estimado das prestações para todo o período de duração do acordo‑quadro, assim como, na medida do possível, o valor e frequência dos contratos a adjudicar. Como sustenta, em substância, a Comissão e como salientou o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, se é certo que apenas está sujeita a uma obrigação de meios quando se trate de especificar o valor e a frequência de cada contrato subsequente a adjudicar, a entidade adjudicante que seja parte no acordo‑quadro ab initio deve, não obstante, imperativamente especificar o volume global no qual possam inscrever‑se os contratos subsequentes.

61

Em segundo lugar, nos termos do artigo 32.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18, quando um acordo‑quadro é celebrado com um único operador económico, os contratos baseados nesse acordo‑quadro devem ser adjudicados nos limites dos termos fixados por este. Daqui resulta que a entidade adjudicante que seja parte no acordo‑quadro ab initio só se pode comprometer, por conta própria e por conta das entidades adjudicantes potenciais que estejam claramente designadas no referido acordo, até um determinado volume‑limite e que, quando esse limite tiver sido atingido, o referido acordo terá deixado de produzir efeitos.

62

Em terceiro lugar, esta interpretação assegura o respeito pelos princípios fundamentais que regem a contratação pública, que, em conformidade com o artigo 32.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/18, são aplicáveis logo no momento da celebração do acordo‑quadro. Com efeito, o acordo‑quadro integra, em termos genéricos, o conceito de contrato público, porquanto confere certa unidade aos diversos contratos específicos que rege (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de maio de 1995, Comissão/Grécia, C‑79/94, EU:C:1995:120, n.o 15; de 29 de novembro de 2007, Comissão/Itália, C‑119/06, não publicado, EU:C:2007:729, n.o 43; e de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n. 5 Spezzino e o., C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.o 36).

63

Ora, tanto os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação como o princípio da transparência daí decorrentes (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2015, UNIS e Beaudout Père et Fils, C‑25/14 e C‑26/14, EU:C:2015:821, n.o 38) implicam que todas as condições e modalidades do processo de adjudicação sejam formuladas de forma clara, precisa e unívoca no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, de modo, primeiro, a permitir a todos os proponentes razoavelmente informados e normalmente diligentes compreenderem o seu alcance exato e interpretá‑las da mesma maneira e, segundo, a possibilitar à entidade adjudicante verificar efetivamente se as propostas dos proponentes correspondem aos critérios por que se rege o concurso em causa (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2017, Ingsteel e Metrostav, C‑76/16, EU:C:2017:549, n.o 34).

64

Com efeito, os princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos operadores económicos interessados na celebração do acordo‑quadro, instituídos designadamente no artigo 2.o da Diretiva 2004/18, sairiam afetados se a entidade adjudicante que seja parte no acordo‑quadro ab initio não especificasse o volume global objeto desse acordo.

65

A obrigação de transparência impõe‑se tanto mais que, na hipótese de um contrato subsequente, as entidades adjudicantes estão, nos termos do artigo 35.o, n.o 4, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18, dispensadas de notificar os resultados da adjudicação de cada contrato baseado no acordo‑quadro.

66

Além disso, se a entidade adjudicante que seja parte no acordo‑quadro ab initio não estivesse obrigada a indicar de antemão o volume e o montante máximo das prestações cobertas por esse acordo, a sua celebração poderia servir para fracionar artificialmente um contrato público e, assim, ficar abaixo dos limiares fixados na Diretiva 2004/18, o que o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 proíbe.

67

Acresce que, mesmo supondo que a referência às necessidades ordinárias das entidades adjudicantes claramente designadas no acordo‑quadro seja suficientemente expressa do ponto de vista dos operadores económicos nacionais, o mesmo não se pode necessariamente presumir de um operador económico estabelecido noutro Estado‑Membro.

68

Por último, se o volume global de prestações que representam essas necessidades ordinárias for notório, não deveria haver qualquer dificuldade em mencioná‑lo no próprio acordo‑quadro ou noutro documento publicado, como o caderno de encargos, e, desta forma, em assegurar o pleno respeito pelos princípios da transparência e da igualdade de tratamento.

69

Em quarto lugar, exigir à entidade adjudicante que seja parte no acordo‑quadro ab initio que especifique, no acordo‑quadro, o volume e o valor das prestações que esse acordo cobrirá concretiza a proibição, prevista no artigo 32.o, n.o 2, quinto parágrafo, da Diretiva 2004/18, de recorrer a acordos‑quadro de forma abusiva ou de modo a impedir, restringir ou falsear a concorrência.

70

Consequentemente, há que responder às questões submetidas que o artigo 1.o, n.o 5, e o artigo 32.o, n.o 2, quarto parágrafo, da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que:

uma entidade adjudicante pode agir por conta própria e por conta de outras entidades adjudicantes claramente designadas que não sejam diretamente partes num acordo‑quadro, desde que sejam respeitadas as exigências de publicidade e de segurança jurídica e, portanto, de transparência, e

se exclui que as entidades adjudicantes não signatárias desse acordo‑quadro não determinem o volume das prestações que poderá ser exigido quando celebrarem contratos em sua execução ou que o determinem por referência às respetivas necessidades ordinárias, sob pena de inobservância dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos operadores económicos interessados na celebração do acordo‑quadro.

Quanto às despesas

71

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O artigo 1.o, n.o 5, e o artigo 32.o, n.o 2, quarto parágrafo, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, devem ser interpretados no sentido de que:

 

uma entidade adjudicante pode agir por conta própria e por conta de outras entidades adjudicantes claramente designadas que não sejam diretamente partes num acordo‑quadro, desde que sejam respeitadas as exigências de publicidade e de segurança jurídica e, portanto, de transparência, e

se exclui que as entidades adjudicantes não signatárias desse acordo‑quadro não determinem o volume das prestações que poderá ser exigido quando celebrarem contratos em sua execução ou que o determinem por referência às respetivas necessidades ordinárias, sob pena de inobservância dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos operadores económicos interessados na celebração do acordo‑quadro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.