CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 25 de julho de 2018 ( 1 )

Processo C‑193/17

Cresco Investigation GmbH

contra

Markus Achatzi

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria)]

«Pedido de decisão prejudicial — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Legislação nacional que atribui determinados direitos a um grupo limitado de trabalhadores — Comparabilidade — Discriminação direta em razão da religião — Justificação — Ação positiva — Aplicação horizontal da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Efeito direto horizontal da Carta dos Direitos Fundamentais — Obrigações dos empregadores e dos órgãos jurisdicionais nacionais em caso de incompatibilidade do direito nacional com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais e o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78»

I. Introdução

1.

Segundo o direito austríaco, a Sexta‑Feira Santa é um dia feriado (remunerado) apenas para os membros de quatro confissões religiosas. Se, apesar disso, os membros dessas igrejas trabalharem nesse dia, têm o direito de receber uma compensação correspondente ao salário em dobro. M. Achatzi (a seguir «demandante») trabalha para a Cresco Investigation GmbH (a seguir «demandada»). O demandante não pertence a nenhuma dessas quatro confissões religiosas. Consequentemente, não beneficiou de um dia feriado pago nem recebeu qualquer compensação por ter trabalhado na Sexta‑Feira Santa em 2015.

2.

O demandante intentou uma ação contra a demandada em que pede o pagamento da compensação que considera ter direito por ter trabalhado na Sexta‑Feira Santa, alegando que a legislação nacional se traduz numa discriminação em razão da religião ou das convicções no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração. Neste contexto, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) pergunta ao Tribunal de Justiça, no essencial, se, à luz do direito da União, a legislação nacional tal como a que está em causa no processo principal é discriminatória e, se assim for, quais são as consequências de uma eventual declaração de incompatibilidade relativamente ao período anterior à adoção, pelo legislador nacional, de um novo regime jurídico não discriminatório: todos os trabalhadores devem beneficiar dos direitos relativos ao feriado de Sexta‑Feira Santa e da compensação (paga pelo empregador) ou nenhum trabalhador deve poder dispor de tal benefício?

3.

Nas suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio invoca o «artigo 21.o da Carta, em conjugação com» a Diretiva 2000/78 ( 2 ). Não é certamente inédita na jurisprudência do Tribunal de Justiça a existência de um certo paralelismo de facto de conteúdo e aplicação entre uma disposição da Carta e o correspondente instrumento de direito derivado que dá expressão a essa disposição. Quando se trata da questão da compatibilidade abstrata de uma disposição do direito nacional com a Carta e com uma diretiva da UE ( 3 ), a questão de saber exatamente que norma é aplicada ao caso concreto tem possivelmente uma importância secundária. Contudo, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça é convidado a precisar as consequências de uma eventual incompatibilidade para um determinado tipo (horizontal) de relação jurídica, o que, por sua vez, exige que indique em que é que essa legislação nacional é exatamente incompatível no âmbito desse tipo de relação.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

1.   Carta dos Direitos Fundamentais

4.

O artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») dispõe: «É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual».

5.

O artigo 52.o, n.o 1, da Carta estabelece: «Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros».

2.   Diretiva 2000/78

6.

Os artigos 1.o, 2.o e 7 da Diretiva 2000/78 dispõem o seguinte:

«Artigo 1.o

Objeto

A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.

Artigo 2.o

Conceito de discriminação

1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

[…]

5.   A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

[…]

Artigo 7.o

Ação positiva e medidas específicas

1.   A fim de assegurar a plena igualdade na vida ativa, o princípio da igualdade de tratamento não obsta a que os Estados‑Membros mantenham ou adotem medidas específicas destinadas a prevenir ou compensar desvantagens relacionadas com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o

[…]».

B. Direito Nacional

7.

O § 7, n.o 2, da Bundesgesetz über die wöchentliche Ruhezeit und die Arbeitsruhe an Feiertagen (Arbeitsruhegesetz), BGBl. N 144/1983, conforme alterada («Lei relativa aos períodos de repouso») enumera 13 feriados nacionais, aplicáveis a todos os trabalhadores. O § 7, n.o 3, prevê que a Sexta‑Feira Santa é também um dia feriado para os membros das Igrejas Evangélicas das Confissões de Augsburgo e Helvética, da Igreja Católica Antiga e da Igreja Metodista Unida.

8.

O § 9 da Lei relativa aos períodos de repouso dispõe, no essencial, que, se o trabalhador não trabalhar num dia feriado, mantém o direito a receber o salário relativo a esse dia por inteiro (§ 9, n.o 1) e, se trabalhar, receberá essa remuneração em dobro (§ 9, n.o 5).

III. Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

9.

Na Áustria, quem trabalhar em qualquer dos 13 dias feriados deve receber, em princípio, além do seu salário normal, uma compensação do mesmo montante (a seguir «compensação») pelo que, na prática, recebe o dobro da remuneração. No entanto, uma vez que a Sexta‑Feira Santa só é um dia feriado pago para os membros das quatro igrejas, apenas os seus membros têm o direito a um dia feriado pago na Sexta‑Feira Santa ou a receber uma compensação (além do seu salário normal) se trabalharem nesse dia.

10.

O demandante trabalha para a demandada. Não pertence a nenhuma das quatro igrejas. Consequentemente, a demandada não lhe pagou qualquer compensação por ter trabalhado no feriado de Sexta‑Feira Santa, 3 de abril de 2015.

11.

Com a sua ação, o demandante pretende obter o pagamento de um montante ilíquido de 109,90 euros, acrescido de juros. Na sua opinião, a disposição legal ao abrigo da qual a Sexta‑Feira Santa é considerada dia feriado apenas para os membros das quatro igrejas, associado a uma compensação se trabalharem nesse dia, dá origem a uma discriminação em razão da religião ou das convicções no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração.

12.

A demandada contesta essa pretensão e pede que a ação seja julgada improcedente, com a correspondente condenação do demandante nas despesas. Sustenta que não existe qualquer discriminação.

13.

O órgão jurisdicional de primeira instância negou provimento à ação por considerar que a legislação relativa à Sexta‑Feira Santa equivalia a uma diferença de tratamento objetivamente justificado entre situações diferentes.

14.

O órgão jurisdicional de segunda instância deu provimento ao recurso do demandante e alterou a sentença de primeira instância de forma a conceder provimento ao pedido do demandante. Na sua opinião as normas nacionais que preveem diferenças de tratamento no que se refere à Sexta‑Feira Santa são contrárias ao artigo 21.o da Carta, que é diretamente aplicável. Considerou que os trabalhadores em causa eram objeto de uma discriminação direta em razão da religião, que não encontra justificação. O feriado de Sexta‑Feira Santa, não pode, por conseguinte, ser um benefício apenas para grupos específicos de trabalhadores, pelo que o demandante, que trabalhou na Sexta‑Feira Santa, 3 de abril de 2015, também tinha direito a uma compensação.

15.

O Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) tem agora de decidir sobre o recurso de cassação interposto pela demandada do acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância, e mediante o qual a demandada pretende a confirmação da sentença de primeira instância, que julgou a ação improcedente. O referido órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)

Deve o direito da União, em particular o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com os artigos 1.o e 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE, ser interpretado no sentido de que, no quadro de um litígio entre um trabalhador e um empregador [no contexto de] uma relação laboral de direito privado, se opõe a uma [legislação] nacional segundo a qual a Sexta‑feira Santa é um dia feriado, com um período ininterrupto de, pelo menos, 24 horas de repouso, apenas para os membros das Igrejas Evangélicas das Confissões de Augsburgo e Helvética, da Igreja Católica Antiga e da Igreja Metodista Unida, e é devido, em caso de atividade assalariada do trabalhador apesar do período de repouso previsto, além do pagamento da remuneração pelo trabalho não prestado no feriado, também o pagamento da remuneração pelo trabalho prestado, a que não têm direito os trabalhadores que não pertençam a estas igrejas?

2)

Deve o direito da União, em especial o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com o artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78/CE, ser interpretado no sentido de que a legislação nacional [descrita] na primeira questão, que — tendo em conta a população total e o facto de a maior parte da população pertencer à Igreja Católica Romana — [só] confere direitos e benefícios a um grupo relativamente pequeno de membros de determinadas (outras) igrejas, não é afetada por essa diretiva, porque se trata de uma medida que, numa sociedade democrática, é necessária para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros, em particular, do direito à liberdade de culto?

3)

Deve o direito da União, em especial o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE, ser interpretado no sentido de que a legislação nacional [descrita] na primeira questão é uma ação positiva e específica em benefício dos membros das igrejas referidas na primeira questão, [para garantir] a sua plena igualdade na vida profissional e prevenir ou compensar desvantagens ligadas à sua religião, quando, desse modo, lhes é concedido o mesmo direito de praticar a sua religião durante o tempo de trabalho no quadro de uma festividade importante para essa religião, à semelhança do que é reconhecido à maioria dos trabalhadores que, de acordo com [outra disposição do direito nacional,] estão geralmente dispensados do trabalho durante as festividades da religião [a que pertence a maioria dos trabalhadores]?

4)

Caso se conclua pela existência de uma discriminação na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE:

Deve o direito da União, em especial o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com os artigos 1.o, 2.o, n.o 2, alínea a), e 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE, ser interpretado no sentido de que, [na medida em que] o legislador não [tenha adotado] um regime jurídico não discriminatório, um empregador privado deve garantir a todos os trabalhadores, independentemente da [sua] religião, os direitos e benefícios [descritos] na primeira questão em relação à Sexta‑Feira Santa, ou deve a disposição nacional [referida] na primeira questão deixar de ser aplicada na totalidade, de modo a que os direitos e benefícios relativos à Sexta‑Feira Santa [descritos] na primeira questão não sejam reconhecidos a nenhum trabalhador?»

16.

O demandante, a demandada, os Governos austríaco, italiano e polaco, bem como a Comissão apresentaram observações escritas. Esses interessados apresentaram igualmente alegações orais na audiência que teve lugar em 10 de abril de 2018.

IV. Apreciação

A. Introdução

17.

Considero que, num caso como o presente, a concessão de um dia feriado remunerado na Sexta‑Feira Santa apenas aos membros das quatro igrejas, associado a uma compensação no caso de essas pessoas trabalharem nesse dia, constitui uma discriminação em razão da religião na aceção do artigo 21.o, n.o 1, da Carta e uma discriminação direta na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 (primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, abordada na secção C das presentes conclusões). Não parece existir qualquer justificação válida para essa discriminação (segunda questão, secção D). Também não me parece possível qualificar esse tratamento como «ação positiva» (terceira questão, secção E).

18.

Na minha opinião, a questão mais complexa que se coloca neste caso é a de saber quais são os efeitos jurídicos dessa constatação (abstrata) da existência de uma discriminação, efetuada com base numa diretiva (que não tem efeito direto horizontal entre particulares) e numa disposição da Carta, num litígio entre particulares. O princípio do primado exige que a norma nacional não seja aplicada. No entanto, pode igualmente deduzir‑se desse princípio ou do potencial efeito direto horizontal do artigo 21.o, n.o 1, da Carta que um empregador (de direito privado) está obrigado, à luz do direito da União, a pagar a compensação a qualquer pessoa que trabalhe na Sexta‑Feira Santa, independentemente das suas convicções religiosas, para além do seu salário normal? Na minha opinião, isso não é possível. Contudo, o direito da União exige que o trabalhador disponha de uma via de ação judicial efetiva, o que pode incluir a possibilidade de intentar uma ação de indemnização contra o Estado‑Membro (quarta questão, secção F abaixo).

19.

Antes de me debruçar sobre as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio pela ordem indicada, abordarei a questão da competência suscitada pelos Governos italiano e polaco tendo em conta o disposto no artigo 17.o TFUE.

B. Competência do Tribunal de Justiça

20.

Nas suas observações escritas e orais, o Governo polaco alegou que as normas sobre o feriado de Sexta‑Feira Santa que estão em causa no presente processo são normas que regem as relações entre as quatro igrejas e o Estado austríaco. Como tal, enquadram‑se no conceito de «estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas» a que se refere o artigo 17.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não tem competência para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Na audiência, o Governo italiano apresentou uma argumentação semelhante no que se refere ao artigo 17.o TFUE. Concluiu que o Tribunal de Justiça deve responder às questões que lhe foram submetidas confirmando a competência exclusiva dos Estados‑Membros para decidir sobre a concessão de um dia feriado ou de uma compensação a determinados grupos religiosos.

21.

Considero que estes argumentos devem ser considerados improcedentes.

22.

No Acórdão Egenberger, o Tribunal de Justiça declarou que «o artigo 17.o TFUE exprime a neutralidade da União no que respeita à organização pelos Estados‑Membros das suas relações com as igrejas e as associações ou comunidades religiosas» ( 4 ). Nas conclusões que apresentou no processo que deu origem a este acórdão, o advogado‑geral E. Tanchev acrescentou que a exigência de neutralidade não implica que as relações entre a Igreja e o Estado estejam completamente protegidas de qualquer fiscalização do respeito pelos direitos fundamentais da União (ou, de um modo mais geral, pelo direito da União), «sejam quais forem as circunstâncias» ( 5 ). No Acórdão Egenberger, o Tribunal de Justiça confirmou, de facto, expressamente que «[o artigo 17.o TFUE] não é suscetível de dispensar de uma fiscalização jurisdicional efetiva o respeito dos critérios enunciados no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78» ( 6 ).

23.

De um modo mais geral, foi sugerido pelos advogados‑gerais nos processos que deram origem aos Acórdãos Achbita e Egenberger que o artigo 17.o TFUE «complet[a] e concretiz[a] o artigo 4.o, n.o 2, TUE». Esta última disposição «não permite, por si só, concluir que certas matérias ou áreas de atividade estariam totalmente excluídas do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78» ( 7 ).

24.

Na mesma linha, no Acórdão Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania ( 8 ), não se afigurava, de forma alguma, que o artigo 17.o, n.o 1, TFUE impedisse a aplicação de normas da União em matéria de auxílios estatais aos rendimentos das igrejas. A questão do artigo 17.o, n.o 1, TFUE nem sequer foi apreciada pelo Tribunal de Justiça ( 9 ), ainda que a substância do processo pudesse, numa determinada perspetiva, ser interpretada no sentido de que diz respeito às relações financeiras entre a Igreja e o Estado ou de que tem implicações consideráveis no estatuto financeiro das igrejas.

25.

O quadro que resulta da referida jurisprudência afigura‑se bastante claro: o artigo 17.o, n.o 1, confirma, de facto, a neutralidade do direito da União no que diz respeito ao estatuto das igrejas e exige que não prejudique este estatuto. No meu entender, a União declara‑se totalmente neutra, ou mesmo agnóstica, no que diz respeito aos acordos entre Estado‑Membro e igreja(s) no sentido mais estrito: por exemplo, se um Estado‑Membro se define como estritamente neutro no plano religioso, ou se um Estado‑Membro tem, de facto, uma igreja oficial. Tal declaração de neutralidade é uma importante declaração de princípio. Para além desse entendimento mais restrito, pode igualmente servir de instrumento de interpretação, aplicável de forma transversal, como é efetivamente o caso no que se refere a outros valores e interesses contemplados no Título II do TFUE (intitulado, aliás, «Disposições de aplicação geral») noutras áreas do direito da União: permanecendo todos os restantes fatores inalterados, deve favorecer‑se uma interpretação do direito da União que favoreça os valores ou interesses refletidos nessas disposições.

26.

No entanto, para além dessas duas dimensões, o artigo 17.o, n.o 1, TFUE, não pode, na minha opinião, ser entendido como tendo como consequência que quaisquer normas nacionais relativas às relações do Estado com as igrejas, ou ao estatuto destas, fiquem simplesmente excluídas do âmbito de aplicação do direito da União. Da mesma forma que as isenções fiscais não deixam de ser abrangidas pelo direito da União em matéria de auxílio de Estado pelo simples facto de dizerem respeito a uma igreja, o vinho não escapa às disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias apenas porque se trata de vinho sacramental que se destina a ser utilizado para fins litúrgicos. Dito de forma mais simples, «o respeito pelo estatuto» não pode ser entendido como «isenção por categoria» para qualquer questão relacionada com uma igreja ou uma comunidade religiosa.

27.

Por conseguinte, não vejo por que é que uma legislação que impõe a todos os empregadores (independentemente da sua convicção religiosa ou mesmo que não tenham qualquer convicção religiosa) a obrigação de conceder aos trabalhadores que sejam membros das quatro igrejas um dia feriado remunerado (ou uma compensação aos que trabalhem nesse dia) deve ficar, em virtude do artigo 17.o, n.o 1, TFUE, completamente excluída de fiscalização à luz da Carta ou da Diretiva 2000/78.

28.

Esta interpretação do artigo 17.o, n.o 1, TFUE é ainda corroborado pelo facto de o artigo 17.o, n.o 2, TFUE alargar uma garantia de neutralidade análoga ao estatuto reconhecido às organizações filosóficas e não confessionais. Uma vez que, no artigo 17.o, n.o 2, TFUE, a União Europeia se compromete a «respeita[r] igualmente» o estatuto dessas organizações, qualquer «isenção» hipoteticamente concedida às igrejas e associações ou comunidades religiosas tornar‑se‑ia imediatamente aplicável a quaisquer organizações filosóficas (em grande parte, indefinida e regulada pela legislação dos Estados‑Membros). Assim, o artigo 17.o, n.o 2, realça ainda que a intenção não pode ter sido manifestamente a de excluir do âmbito de aplicação do direito da União todas as relações, diretas ou indiretas, entre os Estados‑Membros e essas organizações.

29.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes os argumentos dos Governos italiano e polaco segundo os quais o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões prejudiciais ou a matéria em apreço não é da competência da União.

C. Primeira questão

30.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 21.o, n.o 1, da Carta e o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 se opõem a uma norma de direito nacional que concede um dia feriado remunerado na Sexta‑Feira Santa apenas aos membros das quatro igrejas e uma compensação no caso de algum desses membros trabalhar nesse dia.

31.

Considero que tal norma constitui uma discriminação na aceção das referidas disposições.

32.

Em geral, existe uma discriminação direta quando uma pessoa seja i) objeto de um tratamento menos favorável ii) do que aquele que é dado a outra pessoa em situação comparável, iii) com base num motivo protegido (neste caso, a religião), iv) sem qualquer justificação objetiva para essa diferença de tratamento ( 10 ).

33.

A questão das potenciais justificações referidas no ponto iv) é objeto da segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio (secção D das presentes conclusões).

34.

Quanto aos pontos i) e iii), na minha opinião, é evidente que, no caso em apreço, existe um tratamento menos favorável em razão da religião. Esse tratamento menos favorável consiste no facto de os trabalhadores que não são membros das quatro igrejas receberem a remuneração normal ou «única» por trabalharem na Sexta‑Feira Santa, enquanto os membros das quatro igrejas recebem efetivamente a remuneração em dobro. Embora entenda que não é objeto de censura pelo demandante no caso em apreço, negar um feriado remunerado na Sexta‑Feira Santa a quem não seja membro das quatro igrejas constitui igualmente um tratamento menos favorável em razão de religião ( 11 ).

35.

O último elemento da análise da existência de discriminação, ou seja, a comparabilidade, é a questão mais complexa no caso em apreço. Exige uma dupla clarificação. Em primeiro lugar, quem deve ser objeto de comparação: indivíduos ou grupos de pessoas (2)? Em segundo lugar, quais são então as características relevantes para a comparação? A que nível de abstração deve ser efetuada a comparação (3)?

36.

Antes de abordar estes aspetos em pormenor, impõem‑se alguns esclarecimentos preliminares.

1.   Parâmetros da análise: tipo de fiscalização, direito aplicável e natureza exata da prestação em causa

37.

Em primeiro lugar, a primeira e a quarta questões do órgão jurisdicional de reenvio têm dois níveis. O primeiro diz respeito à apreciação em abstrato da compatibilidade, no âmbito da qual o órgão jurisdicional de reenvio solicita uma fiscalização da compatibilidade de uma disposição de direito nacional com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta, em conjugação com o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78. O segundo nível, evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão e depois plenamente desenvolvido na quarta questão, é o facto de o processo principal dizer respeito a um litígio entre particulares. Qual é então a consequência real, neste tipo de relação, de uma eventual declaração de incompatibilidade entre o direito do referido Estado‑Membro, tal como descrito na decisão de reenvio e o direito da União?

38.

Nas presentes conclusões, abordo estes dois separadamente. O facto de estarem interligados foi a causa de alguma confusão no presente processo, tanto ao nível das vias de ação judicial como no debate sobre a comparabilidade. Por conseguinte, a resposta que proponho à primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que figura da presente secção B, tem um alcance geral e diz respeito apenas a uma fiscalização (abstrata) da compatibilidade das normas. Na resposta à quarta questão (secção F), examinarei as consequências que tal conclusão eventual poderá ter para o caso em apreço.

39.

Em segundo lugar, relacionada com este aspeto está a questão da legislação aplicável. Quando foi colocada a questão de saber se a aplicação de uma disposição do direito nacional pode ser afastada pelo artigo 21.o, n.o 1, da Carta e pelo artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, o Tribunal de Justiça, em ocasiões anteriores, apreciou a compatibilidade material com essa disposição da diretiva e efetivamente estendeu essa análise ao artigo 21.o, n.o 1, da Carta ( 12 ). Com efeito, quanto à questão da fiscalização abstrata da compatibilidade, ambas as fontes do direito da União são claramente aplicáveis ( 13 ). Por estes motivos, ambas serão tidas em conta, paralelamente, na resposta à primeira e terceira questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Em contrapartida, a situação torna‑se um pouco mais complexa no âmbito da resposta à quarta questão.

40.

Em terceiro lugar, a análise da discriminação deve ser efetuada «na perspetiva da prestação em causa» ( 14 ). No caso em apreço, são concedidas diversas «prestações» aos membros das quatro igrejas (e recusadas aos que não pertencem a esse grupo), designadamente: a) um dia feriado remunerado e b) uma compensação no caso de um membro dessas igrejas trabalhar.

41.

Considero que, para decidir o presente processo, é apenas necessário abordar aqui especificamente a alegada natureza discriminatória da compensação. Com efeito, resulta da exposição dos factos no pedido de decisão prejudicial que, no processo principal pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais, o demandante não pede o reconhecimento do direito a um dia feriado remunerado na Sexta‑Feira Santa. Pelo contrário, o que pede é a compensação por ter trabalhado nesse dia.

42.

Por conseguinte, o tratamento menos favorável ( 15 ) objeto da denúncia, e em relação ao qual deve ser feita a análise da descriminação, é precisamente o não pagamento da compensação. É também neste sentido que interpreto a primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que se refere especificamente aos §§ 7, n.o 3, e 9, n.o 5, da Lei relativa aos períodos de repouso (que prevê a remuneração em dobro para os trabalhadores que trabalhem num dia feriado), e não aos §§ 7, n.o 3, e 9, n.o 1, da Lei relativa aos períodos de repouso (que prevê o direito de receber uma remuneração mesmo que não se trabalhe num dia feriado).

43.

Estou totalmente ciente de que, no direito nacional, todas estas disposições estão relacionadas. A partir do momento em que um dia é declarado feriado pelo direito nacional, todo o regime relativo aos feriados se torna aplicável, a saber quer o direito a receber a remuneração relativa a esse dia mesmo que não se trabalhe quer o direito a receber a remuneração em dobro no caso de se trabalhar nesse dia (compensação). Contudo, aqui reside precisamente uma parte do problema: se determinadas prestações ou direitos foram agrupados em consequência da aplicação do direito nacional, com a mesma justificação, torna‑se bastante difícil separá‑los posteriormente e ignorar todas as consequências que o direito nacional associou à sua aplicação.

44.

A título exaustivo, voltarei, no entanto, à questão do dia feriado remunerado no final da presente secção ( 16 ).

2.   Quem deve ser objeto de comparação: indivíduos ou grupos?

45.

O demandante, a demandada, o Governo austríaco e a Comissão propuseram efetivamente que se comparasse os mesmos grupos, designadamente: i) os membros das quatro igrejas, e ii) o demandante como alguém que não é membro de nenhuma das quatro igrejas.

46.

Contudo, para além deste acordo de princípio, começaram a surgir diferenças. Em especial, foram expressos pontos de vista divergentes quanto à questão de saber se o demandante devia ser objeto de comparação enquanto indivíduo ou enquanto representante de um grupo.

47.

Nas suas observações escritas, a Comissão começa por comparar o demandante com os membros das quatro igrejas. Em seguida, compara grupos hipotéticos de outros trabalhadores na Áustria com os membros das quatro igrejas, afirmando que compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se a legislação nacional conduz a uma discriminação nesses casos. Outras partes também alargaram a comparação para além do demandante. Por exemplo, a demandada compara os membros das quatro igrejas com a «maioria» dos trabalhadores que podem praticar a sua religião (caso tenham alguma) nos dias que já são reconhecidos como feriados.

48.

Seguidamente, a Comissão considerou que a concessão de um dia feriado remunerado aos membros das quatro igrejas não implicava qualquer discriminação em relação ao demandante, que a Comissão pressupôs que era ateu. Para além da declaração de que não era membro de nenhuma das quatro igrejas, as convicções do demandante nunca foram, de facto, confirmadas expressamente no Tribunal de Justiça.

49.

O raciocínio da Comissão realça um aspeto interessante. A Comissão afasta‑se da fiscalização da compatibilidade das medidas nacionais com o direito da União e analisa o caso específico do demandante. Ao fazê‑lo, ajuda a salientar o aspeto anteriormente referido ( 17 ): a questão da existência de uma medida discriminatória incompatível com o direito da União (que é o objeto da primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio e está sujeita a uma fiscalização geral e abstrata da compatibilidade), é uma questão que deve ser considerada separadamente das consequências de uma eventual discriminação legislativa no caso concreto (que é o objeto da quarta questão) ( 18 ).

50.

Este raciocínio encontra apoio sistemático nos casos em que o Tribunal de Justiça foi chamado a apreciar situações de discriminação legislativa. A jurisprudência estabelece uma distinção entre «discriminações que tenham a sua fonte imediata em disposições legislativas ou convenções coletivas de trabalho» e a discriminação por parte de um empregador «num mesmo estabelecimento». Por outras palavras, discriminação criada, por um lado, pelo legislador e, por outro lado, pelo empregador ( 19 ).

51.

No caso em apreço, a alegada discriminação tem origem em disposições legislativas e o Tribunal de Justiça é chamado a apreciar a compatibilidade de tais disposições com o direito da União. Neste tipo de situações, a comparação efetuada pelo Tribunal de Justiça utiliza efetivamente, como ponto de partida para a sua análise, grupos definidos na legislação. O facto de o demandante individual ser membro de algum desses grupos é, evidentemente, relevante para a identificação de um dos grupos que serão comparados. A situação individual de tal demandante pode igualmente ilustrar o funcionamento efetivo das normas gerais analisadas nos casos individuais. No entanto, a verdade é que o que será comparado em tal fiscalização abstrata num caso de discriminação legislativa e o que constitui o quadro de análise da comparabilidade são grupos de pessoas, e não indivíduos.

52.

Foi esse o caso, por exemplo, nos Acórdãos Mangold e Kückükdeveci, relativos à discriminação em razão da idade ( 20 ). Nesses casos, os recorrentes alegaram que tinham sido discriminados por causa da sua idade. O direito do trabalho nacional permitia que as pessoas dos seus grupos etários recebessem menos proteção do que a que era concedida a outros grupos etários. Os seus empregadores tinham aplicado essas normas menos vantajosas aos recorrentes. O Tribunal de Justiça concluiu que a legislação nacional era discriminatória e incompatível com o direito da União. Ao fazê‑lo, não comparou a situação de cada um dos recorrentes com a dos seus colegas de trabalho. Pelo contrário, a comparação foi feita, na prática, entre o tratamento do grupo etário menos favorecido e o dos grupos etários mais favorecidos (por outras palavras, os grupos definidos de forma abstrata na legislação impugnada) ( 21 ).

53.

A abordagem do Tribunal de Justiça nesses casos realça o facto de a análise jurídica revestir claramente a natureza de uma fiscalização geral e abstrata da compatibilidade da legislação nacional com o direito da União, e não de uma investigação da discriminação, especificamente levada a cabo pelo empregador recorrido em concreto, entre o recorrente e os seus colegas de trabalho ( 22 ).

54.

Na minha opinião, no caso em apreço, é importante ter em consideração estes aspetos. Com efeito, além da questão da compatibilidade, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta especificamente, na sua quarta questão, de que forma se pode reparar a discriminação em termos específicos e práticos. Esta questão irá trazer à tona a questão da «fonte» da discriminação, bem como a de saber qual a entidade «responsável pela desigualdade e que po[de] restabelecer a igualdade de tratamento» ( 23 ).

3.   Que grupos: características em que se deve basear a comparação?

55.

Como referido, a maioria das partes interessadas que apresentaram observações perguntou se o demandante estava numa situação idêntica à dos membros das quatro igrejas. No entanto, essa comparação foi efetuada tendo em conta características diferentes e em relação a um termo de comparação diferente. Essa diferenciação, por sua vez, gera um conjunto diferente de grupos comparáveis.

56.

Em geral, as partes propuseram três alternativas, consoante o nível de abstração adotado:

i)

trabalhadores para os quais a Sexta‑Feira Santa é a festa religiosa mais importante do ano («elemento de comparação restrito» que reflete essencialmente a posição do Governo austríaco e da demandada). Se se aplicar este elemento de comparação restrito, e com base nas observações apresentadas pelo demandante na audiência, este não estaria numa situação análoga à dos membros das quatro igrejas. O que excluiria qualquer comparabilidade e significaria que não existe qualquer discriminação;

ii)

trabalhadores para os quais existe uma festa (religiosa) «particularmente importante» que não coincide com nenhum outro dia feriado já reconhecido pelo direito nacional («elemento de comparação intermédio» que reflete essencialmente a posição da Comissão). Com base neste elemento de comparação, não é claro se o demandante está numa situação análoga à dos membros das quatro igrejas, dado que as suas convicções religiosas não são conhecidas. Em última análise, esta seria uma questão de facto a resolver pelo órgão jurisdicional nacional;

iii)

trabalhadores que trabalham na Sexta‑Feira Santa e que estão a ser discriminados em razão da religião no que diz respeito à remuneração relativa a esse dia («elemento de comparação amplo» que reflete essencialmente a posição do demandante no caso em apreço). Com base neste elemento de comparação, o demandante estaria numa situação análoga à dos membros das quatro igrejas que trabalham na Sexta‑Feira Santa. O que implica, em princípio, a existência de uma discriminação.

57.

Antes de examinar qual é o elemento de comparação adequado no caso em apreço, há que abordar um aspeto mais amplo. Nas questões escritas que endereçou às partes no presente processo, o Tribunal de Justiça perguntou se era possível, em princípio, excluir expressamente a comparabilidade com base num fundamento suspeito especificamente enunciado no artigo 21.o, n.o 1, da Carta e no artigo 1.o da Diretiva 2000/78 (no caso em apreço, a religião).

58.

Nos casos que envolvam uma diferença de tratamento diretamente relacionada com o próprio fundamento suspeito, o Tribunal de Justiça pressupõe, de forma reiterada, que existe uma discriminação ( 24 ). Se forem sequer tomados em consideração, o Tribunal de Justiça geralmente dá pouca atenção aos argumentos a respeito da inexistência de comparabilidade em tais contextos ( 25 ).

59.

No entanto, considero que não é possível confirmar, em abstrato, que uma diferença de tratamento baseada num fundamento suspeito deve, em todos os casos, ser equiparada a uma discriminação direta ( 26 ). A possibilidade de um fundamento suspeito ser, ele próprio, utilizado para negar a comparabilidade não pode ser completamente excluída ( 27 ).

60.

Creio que, como em muitos outros casos, a dificuldade estará no nível de pormenor com que o fundamento de diferenciação é formulado. O fundamento suspeito é sempre abstrato (por exemplo, é proibida a discriminação em razão da religião). No entanto, as normas que estabelecem um quadro de comparabilidade para casos concretos são inevitavelmente mais pormenorizadas, tomando frequentemente em conta outros interesses e considerações (como as normas em matéria de dias feriados e de remuneração). Assim, na prática, raramente o fundamento suspeito e o quadro de comparabilidade serão formulados exatamente com o mesmo nível de abstração e exatamente com o mesmo alcance.

61.

Dito isto, a jurisprudência acima referida confirma claramente que, quando o fundamento suspeito é invocado dessa forma, a luz vermelha metafórica começa a piscar. Só excecionalmente se conclui pela inexistência de comparabilidade. A menos que se demonstre clara e convincentemente que os grupos em questão são tão fundamentalmente diferentes, de um modo que torna desnecessário qualquer debate sobre a necessidade ou a proporcionalidade da medida, as diferenças de tratamento devem ser tratadas ao nível das «justificações» e não da «(falta de) comparabilidade».

62.

Esta sobreposição entre a questão da comparabilidade e a questão da justificação, que torna o atual quadro de análise da discriminação modificável no plano interno, é igualmente visível no caso em apreço. Do ponto de vista formal, a análise da discriminação divide‑se em várias etapas: uma investigação sobre a existência de situações comparáveis; a diferença de tratamento entre esses grupos; e, caso se conclua que existe discriminação (diferença de tratamento entre situações comparáveis), uma investigação sobre possíveis justificações. No entanto, todas essas etapas envolvem questões semelhantes sobre o alcance e a relevância das diferenças de situação e de tratamento. Se as diferenças de situação forem consideradas suficientemente significativas (atendendo à natureza e ao alcance, na prática, da diferença de tratamento), não existirá comparabilidade. Se, por outro lado, as diferenças de situação não forem consideradas suficientemente significativas (uma conclusão a que é mais fácil chegar se a diferença de tratamento se afigurar, à primeira vista, um tanto «excessiva»), existe comparabilidade e diferença de tratamento e a análise avança para as justificações. No contexto da apreciação das justificações, a questão é essencialmente a de saber se, apesar de se tratar de situações juridicamente comparáveis, as diferenças de tratamento refletem, de forma adequada e equitativa, as diferenças factuais existentes entre essas situações.

63.

Tendo presentes estas considerações, abordo a seguir à questão do elemento de comparação adequado no caso em apreço.

4.   Elemento de comparação adequado no caso em apreço

64.

Segundo jurisprudência constante, a «exigência referente ao caráter comparável das situações para determinar a existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento deve ser apreciada em relação a todos os elementos que as caracterizam» ( 28 ). Além disso, a apreciação dessa comparabilidade deve ser efetuada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa ( 29 ).

65.

No caso em apreço, o Governo austríaco afirmou que a Sexta‑feira Santa é o dia santo mais importante para os membros das quatro igrejas. O objetivo das normas nacionais em causa é permitir que essas pessoas participem em festas religiosas nesse dia, respeitando assim a sua liberdade religiosa.

66.

A jurisprudência exige igualmente que a análise da comparabilidade não seja efetuada de modo global e abstrato, mas de modo específico, «na perspetiva da prestação em causa» ( 30 ).

67.

Como já foi referido ( 31 ), a prestação em causa no caso em apreço não consiste no dia feriado na Sexta‑Feira Santa, mas na compensação. À luz dessa prestação, considero que o elemento de comparação amplo é o mais correto.

68.

Em consequência da prestação de compensação, um grupo restrito de pessoas que trabalham na Sexta‑Feira Santa recebe a remuneração em dobro especificamente em razão da sua religião. As outras pessoas que trabalham nesse dia recebem o salário normal apesar de poderem estar a realizar exatamente o mesmo trabalho. À luz dessa prestação, não existe nenhum fator distintivo relevante entre esses grupos. Em princípio, não existe uma conexão entre os níveis de remuneração e a convicção religiosa.

69.

Na minha opinião, esta conclusão não é posta em causa pelo objetivo declarado da legislação nacional de proteger a liberdade de religião e de culto. Simplesmente, não vejo de que forma o pagamento da remuneração em dobro num determinado dia a um grupo específico de trabalhadores em função da sua religião pode estar relacionado com esse objetivo. Com efeito, poder‑se‑á argumentar — não sem um toque de com algum cinismo, há que reconhecer — que o direito à remuneração em dobro para os membros das quatro igrejas que trabalhem na Sexta‑Feira Santa constitui um incentivo económico para se absterem de praticar o culto.

70.

Poder‑se‑ia responder que os membros das quatro igrejas que trabalhem na Sexta‑Feira Santa estão, de facto, numa situação diferente porque são especialmente afetados pelo facto de trabalharem nesse dia. A este respeito, estou ciente de que existem alguns setores específicos nos quais os empregadores podem pedir até aos membros das quatro igrejas que trabalhem na Sexta‑Feira Santa. No entanto, como foi acima referido, a questão relevante aqui é, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a de saber se as situações são comparáveis tendo em conta o objetivo do direito nacional (que, no meu entendimento, é proteger a liberdade de religião, e não atribuir uma compensação quando tal não aconteça) e as prestações específicas. Além disso, recordo também que o § 9, n.o 5, da Lei relativa aos períodos de repouso prevê uma compensação para quem trabalhe nos dias feriados, independentemente de o dia feriado ser ou não concedido por motivos religiosos.

71.

Pelas razões acima expostas, tendo em conta a compensação e o objetivo das disposições relevantes do direito nacional, todos os trabalhadores que trabalhem na Sexta‑Feira Santa e sejam objeto de tratamento diferente em razão da religião no que diz respeito à remuneração que auferem nesse dia estão em situação comparável.

72.

Gostaria de acrescentar algumas observações sobre a questão da comparabilidade.

73.

Em primeiro lugar, para ser claro, é obvio que não coloco em causa a especial importância da Sexta‑Feira Santa para os membros das quatro igrejas. Neste aspeto específico, é evidente que podem ser distinguidos das pessoas para as quais a Sexta‑Feira Santa não tem essa importância. Porém, na minha opinião, essa característica tem uma relevância diferente para cada tipo de medidas: a concessão de um dia de folga nesse dia; a concessão de um dia de folga, mas a descontar nas férias; a concessão de um dia de folga remunerado; e o pagamento de uma compensação a alguém por trabalhar nesse dia. No caso em apreço, a prestação em causa é a compensação. À luz desta prestação, é possível que os membros das quatro igrejas que trabalhem na Sexta‑Feira Santa não estejam numa situação idêntica à dos outros trabalhadores, mas a relevância da sua religião não é seguramente de molde a tornar a sua situação incomparável ( 32 ).

74.

Em segundo lugar, a apreciação da comparabilidade no direito da União toma como ponto de partida objetivos e categorias estabelecidos no direito nacional. Contudo, esses objetivos e categorias não podem, por si só, ser decisivos e determinantes. Como já referi noutra ocasião ( 33 ), se assim não fosse e se, no plano intelectual, a questão da comparabilidade fosse predeterminada pelas categorias estabelecidas pela legislação nacional, a própria legislação nacional definiria o conjunto de comparações possíveis através do seu âmbito de aplicação. Tal apreciação tornar‑se‑ia forçosamente circular, sem que, de facto, possa ser objeto de fiscalização.

75.

No caso em apreço, o peso dos objetivos e das categorias estabelecidos no direito nacional na análise da comparabilidade é, na minha opinião, muito reduzido, em especial pela incoerência entre o objetivo declarado de proteger o direito de culto na Sexta‑Feira Santa e a recompensa económica por trabalhar nesse dia.

76.

Em terceiro lugar, a legislação nacional em causa no caso em apreço é possivelmente muito personalizada. Estabelece objetivos e define categorias que conferem um tratamento especial a indivíduos que pertencem a grupos cristãos específicos (e aparentemente bastante pequenos em relação à população austríaca total) ( 34 ). Tal é, por si só, motivo de prudência. No entanto, caso deva presumir‑se que essas características muito especiais são, de facto, de tal forma importantes e significativas que tornam a situação dos membros das quatro igrejas incomparável, tal implica que os membros de outros grupos religiosos podem igualmente possuir características relevantes que os distinguem de todos os outros.

77.

A discriminação consiste não apenas em tratar situações idênticas de forma diferente, mas também em tratar situações objetivamente diferentes do mesmo modo. Se se considerar que os membros das quatro igrejas têm características distintivas relevantes, em princípio, deve apreciar‑se cada religião, individualmente para determinar como podem os membros dessa religião ser tratados de forma diferente em termos de feriados (remunerados) e compensações ( 35 ). Contudo, esta não corresponde absolutamente à abordagem adotada pelo Estado austríaco. Foi confirmado nas observações escritas e orais apresentadas pelo Governo austríaco que existe uma convenção coletiva que concede um dia feriado às pessoas que servem a religião judaica no dia de Yom Kippur, que aparentemente se aplica apenas a alguns setores da economia nacional. Em todo o caso, esta é a única religião diferente que goza de tal tratamento ( 36 ).

78.

Este motivo é também, em última análise, outro argumento para que o «elemento de comparação restrito», como sugerido pelo Governo austríaco e pela demandada, não seja tido em conta. Mesmo que se aceite que só os membros das quatro igrejas têm uma necessidade objetiva de praticar o culto na Sexta‑Feira Santa, o que torna impossível compará‑los com quaisquer outros grupos religiosos (uma vez que, provavelmente, nenhum deles tem a mesma necessidade de praticar o culto nesse dia específico), e que não se tenha em consideração o facto de a compensação dissuadir, mais do que encorajar, a observância dessa prática, a questão da seletividade da medida é claramente suscitada, colocando a questão da discriminação num nível imediatamente acima. O que sucede aos outros grupos ou comunidades religiosas que também têm festas religiosas muito importantes que não são referidas na lista dos feriados existentes constante do § 7, n.o 1, da Lei relativa aos períodos de repouso?

79.

Seguindo essa lógica de (in)comparabilidade até às últimas consequências, nenhum desses grupos seria comparável com nenhum dos outros porque têm uma necessidade objetiva de celebrar diferentes festas religiosas. Significa isso também que o legislador nacional pode conceder feriados (supostamente também de duração diferente?) apenas a algumas pessoas, enquanto nega esses benefícios a outras, potencialmente associados a diferentes níveis de remuneração?

80.

Por todas estas razões, concluo que a aplicação conjugada dos §§ 7, n.o 3, e 9, n.o 5, da Lei relativa aos períodos de repouso leva a que o demandante seja tratado de forma menos favorável do que os membros das quatro igrejas que trabalham na Sexta‑Feira Santa, que recebem a remuneração em dobro pelo seu trabalho. A diferença de tratamento subjacente está diretamente relacionada com a religião ( 37 ).

81.

Na minha opinião, é irrelevante que a redação do § 9, n.o 5, da Lei relativa aos períodos de repouso seja, de facto, aparentemente neutra, uma vez que resulta claramente do pedido de decisão prejudicial que o direito a uma compensação ao abrigo dessa disposição decorre do § 7, n.o 3, da Lei relativa aos períodos de repouso. Esta disposição não é neutra, antes estabelece explicitamente distinções baseadas na religião. A diferença de tratamento daí resultante constitui uma discriminação na aceção do artigo 21.o, n.o 1, da Carta e uma discriminação direta na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78.

5.   Prestação de dia feriado remunerado

82.

A análise precedente incide sobre a questão da discriminação à luz da prestação constituída pela compensação. Na secção anterior das presentes conclusões, procurei explicar por que razão esta prestação, que, em última análise, é o que está em causa no processo principal deve ser tida em conta para efeitos de comparabilidade. A título exaustivo, abordarei sucintamente a prestação de dia feriado remunerado e a forma como a potencial incidência sobre essa prestação alteraria o quadro de comparabilidade.

83.

Já observei que a importância da Sexta‑Feira Santa para os membros das quatro igrejas tem um peso diferente no contexto da análise da comparabilidade se for aplicada a prestações diferentes ( 38 ). A concessão de feriado (não remunerado) nesse dia é claramente mais coerente com o objetivo declarado de proteger a liberdade de religião do que a atribuição de uma compensação. A obrigação de remunerar os trabalhadores que se ausentem do trabalho na Sexta‑Feira Santa para poderem praticar o culto vai um pouco além do objetivo especifico enunciado pelo Governo austríaco, mas possivelmente fica muito mais próxima desse objetivo original do que a compensação ( 39 ).

84.

Estas considerações levam‑me a concluir que, se a prestação em causa fosse apenas a prestação de dia feriado remunerado, existem justificações sólidas para recorrer ao elemento de comparação intermédio, como efetivamente defendeu a Comissão.

85.

Contudo, o facto é que, mais uma vez, o que o demandante pede no processo principal não é para ter um dia feriado remunerado na Sexta‑feira Santa. Nem é que qualquer outro dia especial seja abrangido pelo mesmo regime, para ter em conta as suas convicções religiosas específicas e diferentes. O que o demandante solicita é a compensação por trabalhar na Sexta‑Feira Santa, eliminando desse modo a discriminação remuneratória baseada na religião.

86.

Assim, mantendo plena consciência do objetivo geral da medida, bem como do facto de o dia feriado remunerado e a compensação constituírem essencialmente duas faces da mesma moeda, o elemento de comparação intermédio, proposto pela Comissão ( 40 ), não pode ser decisivo para o caso em apreço. Além disso, pelas mesmas razões acima expostas relativamente à compensação ( 41 ), considero que o recurso ao elemento de comparação restrito, preconizado pelo Governo austríaco e pela demandada, está, em todo o caso, igualmente excluído no que se refere à prestação de dia feriado remunerado.

6.   Conclusão quanto à primeira questão

87.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio do seguinte modo:

«O artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com os artigos 1.o e 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual a Sexta‑feira Santa é um dia feriado, com um período ininterrupto de, pelo menos, 24 horas de repouso, apenas para os membros das Igrejas Evangélicas das Confissões de Augsburgo e Helvética, da Igreja Católica Antiga e da Igreja Metodista Unida, e se um trabalhador que pertença a uma dessas igrejas trabalhar nesse dia, apesar de ser feriado, beneficia igualmente, para além do direito ao pagamento da remuneração pelo trabalho que não está obrigado a realizar em virtude de esse dia ser feriado, do direito ao pagamento de uma remuneração pelo trabalho efetivamente realizado, enquanto os outros trabalhadores, que não são membros dessas igrejas, não beneficiam de tal direito».

D. Segunda questão

88.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as medidas a favor dos membros das quatro igrejas, na medida em que sejam consideradas discriminatórias, podem ser justificadas ao abrigo do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

89.

Na minha opinião, a resposta é negativa.

90.

A título de observação preliminar, na medida em que, na resposta à primeira questão, se conclui que o artigo 21.o, n.o 1, da Carta, em conjugação com o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, se opõe às medidas em causa, qualquer justificação deve ser apreciada à luz do artigo 52.o, n.o 1, da Carta e do artigo 2.o, n.o 5, da diretiva, respetivamente. Para além do aspeto formal de que uma disposição de uma diretiva não pode prever a derrogação de uma disposição da Carta, o facto é que estas duas disposições estão redigidas em termos ligeiramente diferentes.

91.

No entanto, para os efeitos do caso em apreço, a análise substantiva ao abrigo destas duas disposições é semelhante. Nos termos das duas disposições, a justificação invocada é a «proteção dos direitos e liberdades de terceiros». Além disso, enquanto derrogações à proibição de discriminação, ambas as disposições devem ser interpretadas de forma restritiva ( 42 ) e estão sujeitas a um requisito de proporcionalidade ( 43 ).

92.

Há três razões, em especial, que me levam a concluir que a concessão da prestação de compensação não pode ser justificada ao abrigo do artigo 52.o, n.o 1, da Carta ou do artigo 2.o, n.o 5, da diretiva.

93.

Em primeiro lugar, não evidente que a «proteção dos direitos e liberdades de terceiros» abranja a concessão de uma compensação em caso de restrições às referidas liberdades. Isto não me parece constituir, uma proteção, mas uma compensação pela falta de proteção.

94.

No entanto, na medida em que possa, em princípio, estar abrangida, as disposições referem‑se especificamente à «proteção dos direitos e liberdades de terceiros». A este respeito, o artigo 2.o, n.o 5, foi aparentemente inserido na diretiva à última hora por insistência do Reino Unido ( 44 ), e os dados sugerem que esta disposição se destinava a proteger o público em geral do comportamento prejudicial de determinados grupos ( 45 ).

95.

A interpretação que faço desta disposição vai no mesmo sentido: permite derrogações em nome dos direitos e liberdades de terceiros, entendidos no sentido horizontal e transversal, ou seja, os direitos e as liberdades da restante sociedade em geral. Tal resulta da estrutura lógica da derrogação: um encargo ou uma desvantagem impostos a um grupo específico podem ser legitimamente suportados por esse grupo se forem necessários e proporcionais ao interesse global do público em geral. Nessa fase, pode ocorrer uma certa ponderação de interesses entre o especifico (desvantagem) e o geral (interesse).

96.

Acolher a lógica de que o termo «terceiros» na frase «proteção dos direitos e liberdades de terceiros» se refere, na verdade, aos membros do grupo ao qual a legislação em causa atribui algumas vantagens subverteria essa lógica. Todo o argumento se tornaria circular e qualquer regime específico seria justificado pelo simples facto de existir.

97.

Em segundo lugar, o caráter seletivo do § 7, n.o 3, e do § 9, n.o 5, da Lei relativa aos períodos de repouso é, em todo o caso, problemático do ponto de vista da proporcionalidade, em especial da sua primeira dimensão, a adequação. Embora o objetivo declarado das medidas seja a proteção da liberdade religiosa, estas só se aplicam a grupos específicos. Não há referência a outras minorias. Recordo que, no contexto da apreciação da proporcionalidade de uma medida nacional discriminatória, o Tribunal de Justiça tem em conta a coerência da medida relativamente ao objetivo declarado. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que «uma legislação só é adequada para garantir a realização do objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática, e que exceções às disposições de uma lei podem, em certos casos, prejudicar a coerência desta […]» ( 46 ). Embora seja verdade que as disposições de direito nacional relevantes no caso em apreço não contêm exceções que excluam determinados grupos, o efeito prático de uma delimitação muito restritiva do alcance do direito é o mesmo. Exclui todas as pessoas com exceção dos membros das quatro igrejas.

98.

Este problema de seletividade não é resolvido mediante a concessão de dias de folga por motivos religiosos por força de outras normas. A este respeito, é verdade que, na Áustria, existe, por exemplo, uma convenção coletiva que concede um dia feriado no Yom Kippur aos membros da religião judaica, e que impõe igualmente aos empregadores um dever de solicitude para com os seus trabalhadores ( 47 ).

99.

Contudo, no que diz respeito à convenção coletiva, foi confirmado pelo Governo austríaco nas suas respostas escritas às perguntas do Tribunal de Justiça, que essa convenção não se aplica a todos os setores e, mais uma vez, apenas se aplica aos membros de um grupo religioso. No que se refere ao dever de solicitude, na minha opinião, o direito de um trabalhador solicitar, de forma proativa, algumas horas de repouso para poder praticar o culto religioso não pode, simplesmente, ser comparado com o direito a um feriado remunerado consagrado na legislação nacional ou numa convenção coletiva. De um ponto de vista mais geral, mesmo quando seja possível a membros de outras religiões beneficiar de um dia de folga para poderem praticar o culto, mediante pedido e sob reserva do acordo do empregador, não existe um direito geral e automático a uma compensação financeira quando esse dia de folga efetivamente não se concretize.

100.

Em terceiro lugar, não existe uma ligação óbvia entre a proteção da liberdade de religião e o direito a uma compensação pelo trabalho prestado na Sexta‑Feira Santa. Pelas mesmas razões, entendo que a concessão de uma compensação aos membros das quatro igrejas que trabalhem na Sexta‑Feira Santa, ainda que aplicada desse modo seletivo, é desproporcionada no sentido de que é inadequada para alcançar os objetivos de proteção da liberdade religiosa constantes dos artigos 52.o, n.o 1, da Carta e 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78. Mais uma vez, é difícil compreender de que forma pagamento do salário em dobro para não se praticar o culto religioso na Sexta‑Feira Santa pode ser uma medida adequada para atingir o objetivo de proteção da liberdade de religião e de culto (ainda que atribuída de forma seletiva).

101.

Por último, observo que, embora as considerações precedentes incidam sobre a compensação, a argumentação constante dos n.os 97 e 98 no que se refere à seletividade da medida à luz da prestação de feriado remunerado é igualmente aplicável e exclui a justificação da natureza discriminatória dessa prestação.

102.

À luz destas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio do seguinte modo:

«Em circunstâncias como as do caso em apreço, a legislação nacional que concede uma compensação do tipo da que é referida na primeira questão apenas aos membros de determinadas igrejas que trabalhem na Sexta‑Feira Santa não constitui uma medida que, numa sociedade democrática, seja necessária para assegurar a proteção dos direitos e liberdades de terceiros, na aceção da Diretiva 2000/78».

E. Terceira questão

103.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as medidas a favor dos membros das quatro igrejas são abrangidos pelo conceito de ação positiva nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, em conjugação com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta.

104.

Na minha opinião, não estão.

105.

A título preliminar, observo que a relação precisa entre o artigo 21.o, n.o 1, da Carta e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 não é totalmente clara. Em especial, o debate sobre se a ação positiva é uma derrogação (temporária) do princípio da igualdade ou se, na realidade, se trata de uma componente inerente a uma visão verdadeiramente substantiva da igualdade está longe de ser consensual. No entanto, considero que, para efeitos das presentes conclusões, não é necessário analisar nenhuma dessas questões profundas.

106.

No contexto do caso em apreço, o Governo austríaco afirmou que podia considerar‑se que as medidas são abrangidas pelo conceito de ação positiva no sentido de que foram adotadas para compensar o tratamento menos favorável no passado. Segundo as observações escritas do Governo austríaco, os membros das quatro igrejas, ao contrário da maioria católica, não tinham direito a um dia de folga para celebrar a sua festa religiosa mais importante do ano e tinham permanecido nessa situação durante muitos anos até esse direito ter sido pedido e concedido nos anos 50.

107.

É verdade que nem a legislação nem a jurisprudência definem claramente o conceito de «ação positiva». Assim, não existe uma limitação prima facie do que pode ser abrangido por esse conceito, tanto em termos materiais como cronológicos. Desse ponto de vista, é possível, de facto, sugerir que a intenção de «compensar desvantagens relacionadas com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o» pode incluir igualmente o desejo de compensar um passado (ou mesmo séculos) de perseguição religiosa.

108.

Dito isto, devo confessar que, de um ponto de vista estritamente cronológico, afigura‑se bastante duvidoso que uma medida adotada nos anos 50 tenha sido efetivamente concebida como «ação positiva» na aceção de um conceito muito mais contemporâneo, que surge pela primeira vez, seguramente no direito da União, apenas décadas mais tarde. Tal capacidade de antecipação é quase miraculosa.

109.

No entanto, pondo de lado a falta de especificidade da definição e a cronologia, existem duas razões imperiosas pelas quais considero que a compensação não pode, em caso algum, constituir uma «ação positiva».

110.

Em primeiro lugar, a medida visa um grupo muito específico, reabrindo assim a questão já debatida da sua seletividade e discriminação de segundo nível ( 48 ). As medidas foram adotadas para garantir a plena igualdade de todos os grupos que, em geral, foram desfavorecidos no passado ou que, mais especificamente, que não dispõem de um dia feriado para uma festividade importante, contrariamente à maioria católica.

111.

Em segundo lugar, qualquer medida alegadamente abrangida pelo âmbito da ação positiva deve, em todo o caso, respeitar o princípio da proporcionalidade. Tal foi recentemente confirmado, em termos gerais, em relação a medidas que restringiam liberdades religiosas, apreciadas à luz da Carta e da Diretiva 2000/78 ( 49 ). Embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação do conceito de ação positiva no contexto do direito derivado não apresente a análise em termos de proporcionalidade, é evidente que o Tribunal de Justiça analisa as medidas para determinar se são necessárias para neutralizar o desfavorecimento detetado ( 50 ). Pelas mesmas razões expostas em relação à segunda questão ( 51 ), considero que as medidas de direito nacional em causa não podem, em caso algum, ser consideradas proporcionadas, pelo que não podem ser abrangidas pelo conceito de ação positiva na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

112.

Por último, saliento que, embora as considerações precedentes incidam novamente sobre a compensação, a argumentação dos n.os 97, 98 e 101 no que se refere à seletividade da medida à luz da prestação de feriado remunerado é igualmente aplicável e exclui o tratamento dessa prestação como «ação positiva».

113.

À luz das considerações precedentes, proponho que se responda à terceira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio do seguinte modo:

«A legislação nacional que concede uma compensação como a descrita na primeira questão não constitui uma ação positiva na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78».

F. Quarta questão

114.

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, de que forma a violação da proibição de discriminação deve ser reparada, mais precisamente quando ocorra numa relação entre particulares. Antes de abordar a questão de saber se a solução é não conceder o dia feriado e a compensação a nenhuma pessoa ou concedê‑los a todas as pessoas, a questão prejudicial, que antecipa parcialmente essa resposta, é a de saber o que é aplicável em tal relação horizontal e com que consequências.

115.

Vários princípios já contidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça fornecem algumas orientações a este respeito.

116.

Em primeiro lugar, uma diretiva não pode ser invocada enquanto tal contra um particular (como um empregador do setor privado) ( 52 ). Nesses casos, a solução judicial para a vítima assume, em princípio, a forma de uma ação de indemnização contra o Estado ( 53 ).

117.

Em segundo lugar, a proibição de discriminação em razão da religião, consagrada no artigo 21.o, n.o 1, da Carta, pode, pelo menos nalguns casos, ser invocada «em conjugação com» a Diretiva 2000/78 contra um particular, tendo como consequência que o órgão jurisdicional nacional deve abster‑se de aplicar qualquer legislação considerada incompatível com essa proibição. Nesse sentido, a conjugação do artigo 21.o, n.o 1, da Carta com a diretiva dá origem a um direito de não sofrer qualquer discriminação, o qual pode ser diretamente invocado nos órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo num contexto horizontal. No entanto, é importante que fique claro que tal é a consequência do primado do direito da União, não o seu efeito direto (secção 1 abaixo).

118.

Em terceiro lugar, na minha opinião, o artigo 21.o, n.o 1, da Carta não tem «efeito direto horizontal» no sentido de que dá origem, por si só, a uma obrigação clara por parte de um empregador privado que deve ser imposta pelos órgãos jurisdicionais nacionais diretamente a esse empregador quando, como no caso em apreço, a discriminação tenha origem no direito nacional (secção 2). Contudo, a vítima deve ter a possibilidade de intentar uma ação de indemnização contra o Estado para corrigir essa discriminação (secção 3).

1.   Primado

a)   Conjugação das diretivas com as disposições da Carta

119.

O Tribunal de Justiça compensou a recusa em conceder efeito direto horizontal às diretivas acima referidas de várias formas. Muitas vezes, fê‑lo através do dever de interpretação conforme ( 54 ). Segundo jurisprudência constante, essa obrigação não exige, porém, que o órgão jurisdicional de reenvio interprete o direito nacional «contra legem». No caso em apreço, o órgão jurisdicional nacional indicou claramente que a interpretação conforme do direito nacional não é possível.

120.

Face a tais limitações na interpretação conforme, o Tribunal de Justiça «conjugou» a sua própria leitura dos princípios gerais do direito ( 55 ) ou da Carta ( 56 ) com a Diretiva 2000/78 e concluiu que um particular pode invocar o que, na prática, constitui o conteúdo substantivo de uma diretiva num litígio com outro particular a fim de afastar a legislação nacional incompatível.

121.

Nos Acórdãos Mangold, Kückükdeveci e DI ( 57 ), o Tribunal de Justiça declarou que as disposições nacionais em causa eram incompatíveis com as disposições específicas relevantes da diretiva. Confirmou ainda que o direito da União «se opunha» a essas disposições de direito nacional (tendo como consequência que o órgão jurisdicional nacional deve «abster‑se de as aplicar», «afastá‑las» ou «recusar‑se a aplicá‑las») na medida em que violavam o princípio geral. Assim, concluiu que os órgãos jurisdicionais nacionais devem interpretar as disposições do direito nacional «de maneira a poderem ser aplicadas em conformidade com essa diretiva, ou, se tal interpretação conforme for impossível, não aplicar, se necessário, as disposições desse direito nacional contrárias ao princípio geral da não discriminação em razão da idade» ( 58 ). Por conseguinte, o conteúdo relevante da diretiva foi efetivamente importado para o princípio geral antes de esse princípio «reelaborado» ter sido aplicado num litígio de direito privado no qual se concluiu pela incompatibilidade da legislação nacional.

122.

No Acórdão Egenberger, o Tribunal de Justiça declarou que a proibição de discriminação em razão da religião ou de convicções, consagrada no artigo 21.o, n.o 1, da Carta, «basta, por si só, para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal num litígio que os oponha num domínio abrangido pelo direito da União» ( 59 ). Ao aplicar essa proibição, cabe ao órgão jurisdicional nacional «tomar em consideração, designadamente, o equilíbrio estabelecido entre esses interesses pelo legislador da União na Diretiva 2000/78, a fim de determinar as obrigações resultantes da Carta» ( 60 ). Por outras palavras, o Tribunal de Justiça considerou efetivamente que o teor das disposições relevantes da diretiva estava implícito no artigo 21.o da Carta. O juiz nacional deve garantir o pleno efeito desta disposição, «se necessário afastando a aplicação de qualquer disposição nacional contrária» ( 61 ). O mesmo raciocínio foi aplicado, mutatis mutandis, ao artigo 47.o da Carta.

123.

Contudo, no processo AMS ( 62 ), o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de limites a essa forma de importação do conteúdo de diretivas para princípios gerais e disposições da Carta para efeitos de aplicação em situações horizontais. O processo em causa dizia respeito à Diretiva 2002/14, que exigia uma representação dos trabalhadores nas empresas com mais de 50 trabalhadores ( 63 ). O artigo 3.o, n.o 1, fixava o limiar de «50 trabalhadores» e, na parte relevante para o caso em apreço, o processo dizia essencialmente respeito à definição de «trabalhador» para esse efeito. O Tribunal de Justiça declarou que a disposição nacional em causa era incompatível com o artigo 3.o, n.o 1, da diretiva porque excluía determinados tipos de trabalhadores do cálculo do número de trabalhadores.

124.

Todavia, o Tribunal de Justiça declarou ainda que «as circunstâncias da causa no processo principal são distintas das que estão na origem do Acórdão Kücükdeveci, já referido, na medida em que o princípio da não discriminação em razão da idade, em causa neste último processo, consagrado no artigo 21.o, n.o 1, da Carta, basta, por si só, para conferir aos particulares um direito subjetivo que pode ser invocado enquanto tal» ( 64 ). Em contrapartida, o artigo 27.o da Carta «não basta […] para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal» ( 65 ). Assim, o Tribunal de Justiça considerou efetivamente que a norma constante do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/14 era demasiado pormenorizada para se considerar que estava implícita na disposição relevante da Carta.

b)   Efeitos jurídicos em virtude da jurisprudência existente

125.

É evidente que, na sequência do Acórdão Egenberger, o artigo 21.o, n.o 1, da Carta pode ser «invocado» em conjugação com a Diretiva 2000/78, num litígio entre particulares, como instrumento de interpretação conforme e, o que é mais importante, como critério de impugnação da validade do direito da União e da compatibilidade do direito nacional (no âmbito de aplicação do direito da União). Assim, pode ser invocado por particulares contra outros particulares para «se opor» a uma disposição do direito nacional contrária ou para que o órgão jurisdicional nacional «se abstenha de a aplicar», a «afaste» ou «se recuse a aplicá‑la».

126.

O Acórdão Egenberger confirma assim o primado do direito primário da União sob a forma do artigo 21.o, n.o 1, da Carta no contexto específico de um litígio de natureza horizontal, quando o instrumento de direito derivado seja uma diretiva e a interpretação conforme não seja possível.

127.

No entanto, o Acórdão Egenberger não entra em pormenores quanto às demais consequências da invocação nesses casos. Em especial, não há nada no Acórdão Egenberger (ou em qualquer dos outros acórdãos referidos na secção anterior), que confirme que o artigo 21.o, n.o 1, da Carta tem «efeito direto horizontal» no sentido de que é intrinsecamente suscetível, por si só, de constituir uma fonte autónoma de direitos que geram obrigações correspetivas para outro particular num litígio de direito privado. O Acórdão Egenberger e a restante jurisprudência referida também não permitem concluir que a invocação do artigo 21.o, n.o 1, e a constatação de incompatibilidade conduzem necessariamente a uma solução concreta.

128.

Ao invés, essa jurisprudência reitera a fórmula geral segundo a qual os órgãos jurisdicionais nacionais devem assegurar «a proteção jurídica que para as pessoas decorre do direito da União e garantir o pleno efeito deste» (não aplicando todas as disposições da lei nacional eventualmente contrárias) ( 66 ) ou declara que o órgão jurisdicional nacional deve «garantir a observância do princípio da não discriminação» ( 67 ) ou que uma pessoa não pode ser privada do benefício de uma interpretação que se opõe à norma nacional controvertida ( 68 ).

129.

Em suma, é agora claramente ponto assente que a fiscalização abstrata da compatibilidade à luz do artigo 21.o, n.o 1, da Carta, em conjugação com a Diretiva 2000/78, tal como foi efetuada na resposta à primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode levar à não aplicação do direito nacional incompatível. Tal é a consequência do primado do direito da União, que também pode ocorrer no contexto de um litígio entre particulares.

130.

Pelos motivos expostos na secção seguinte, a sugestão que deixo ao Tribunal de Justiça é a de que seria sensato manter essa abordagem. Quando lhe seja expressamente colocada a questão de saber quais são as consequências práticas específicas para as partes, se a legislação nacional for, de facto, afastada, proponho ainda que, em vez de ter em conta o efeito direto horizontal das disposições da Carta (2), a apreciação incida sobre a questão das vias de ação judicial (3).

2.   «Efeito direto horizontal»

131.

Declarar que o artigo 21.o, n.o 1, da Carta tem efeito direto horizontal significaria que os particulares podem demonstrar, diretamente com base nesta disposição, a existência de um direito e de uma obrigação correspondente da outra parte privada (não estatal), independentemente da existência e/ou da referência ao conteúdo do direito derivado. Neste sentido, uma disposição dotada de efeito direto é, por si só, suficientemente clara, precisa e incondicional para poder ser invocada numa relação horizontal.

132.

Tenho dificuldade em considerar que a disposição do artigo 21.o, n.o 1, da Carta, no contexto do caso em apreço, satisfaz esses requisitos (secção a), bem como, nesse sentido, uma série de disposições da Carta, em geral (b). No entanto, e mais uma vez, tal não impede que as disposições da Carta sejam, efetivamente, aplicáveis e especialmente relevantes em casos como o presente, embora de forma diferente (c).

a)   Efeito direto horizontal do artigo 21.o, n.o 1, da Carta

133.

A um determinado nível, pode certamente sugerir‑se que a norma que proíbe a discriminação em razão da religião é, de facto, a esse nível de abstração, suficientemente clara, precisa e incondicional. É incondicional e claro, que não deve existir qualquer discriminação em razão da religião.

134.

No entanto, considerada a esse nível de abstração, em substância qualquer disposição do direito da União pode ter efeito direto. Por essa razão, o critério tradicional do efeito direto tem uma natureza diferente: o conteúdo da norma específica é suficientemente claro e preciso para poder ser invocado no âmbito de um determinado processo?

135.

O caso em apreço constitui, em si mesmo, um bom exemplo da complexidade dessa questão e da razão pela qual não existe uma regra «clara, precisa e incondicional» para lhe dar resposta. Consistirá esta num direito a (e numa obrigação de conceder) um feriado remunerado, decorrente do artigo 21.o, n.o 1, da Carta? Esse feriado será na Sexta‑Feira Santa ou noutra data específica? Ou poderá o pedido ser apenas pecuniário, sob a forma de um direito a um pagamento adicional ou a uma indemnização ou reparação por danos sofridos (com uma obrigação correspondente de o empregador proceder ao pagamento desses valores)?

136.

Na minha opinião, a redação sucinta do artigo 21.o, n.o 1, da Carta não pode, de modo algum, ser interpretada no sentido de que contém respostas a essas questões. No entanto, o juiz nacional que «não aplique» a disposição em causa do direito nacional irá inevitavelmente deparar‑se com elas, como no presente caso.

137.

Não tenho dificuldade em reconhecer que a expressão «clara, precisa e incondicional» não implica que todos os aspetos do direito estejam expressa e previamente estabelecidos na legislação. Tal cenário simplesmente não é realista. Contudo, o que fica por decidir deve, pelo menos, poder ser invocado ( 69 ). Na minha opinião, a própria natureza do direito em causa (um dia feriado na Sexta‑Feira Santa, um dia indefinido de feriado remunerado, compensação se o feriado não for gozado) não é algo que possa, nesse sentido, ser invocado.

138.

Mais concretamente, considero que a questão aqui em causa não é a do «efeito direto horizontal» da Carta (em conjugação com a diretiva). Mais uma vez, a um determinado nível de abstração, pode existir uma exigência «clara, precisa e incondicional» de não discriminação no artigo 21.o, n.o 1, da Carta, mas não uma exigência prática «clara, precisa e incondicional» daí decorrente. Na minha opinião, a quarta questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional não deve ser abordada em termos de efeito direto horizontal. O efeito direto horizontal no sentido acima descrito — que dá origem a direitos específicos (a dinheiro, a prestações, entre outros) e a obrigações correspondentes — é manifestamente inexistente.

b)   Efeito direto horizontal da Carta em geral

139.

Para além do contexto específico do caso em apreço e da aplicação do critério tradicional do «efeito direto» ao artigo 21.o, n.o 1, da Carta, há outros argumentos de princípio que explicam por que razão o efeito direto horizontal das disposições da Carta seria problemático.

140.

Em primeiro lugar, segundo o seu artigo 51.o, n.o 1, a Carta, à semelhança das diretivas baseadas no artigo 288.o TFUE, simplesmente não tem como destinatários os particulares, mas os Estados‑Membros e as instituições e órgãos da União. Pode sugerir‑se que este argumento (textual) não é muito forte, uma vez que, na verdade, já existem efeitos horizontais significativos da Carta que foram acima expostos em pormenor ( 70 ). Há, no entanto, uma importante diferença qualitativa entre, por um lado, afirmar que uma carta de direitos pode ser utilizada para fiscalizar a compatibilidade e para a eventual revogação de disposições contrárias, e que pode ser a fonte de interpretação conforme que abrange igualmente situações horizontais, e, por outro lado, fazer das disposições dessa carta de direitos a fonte de obrigações diretas para os particulares, independentemente e/ou na falta de disposições legais. Também por essa razão, tanto quanto é do meu conhecimento, em certos ordenamentos jurídicos, a carta de direitos nacional desempenha precisamente essas duas funções, talvez até juntamente com a imposição de obrigações positivas que o Estado deve assumir. No entanto, ainda que se estendessem dessa forma às relações de direito privado, os direitos fundamentais continuariam a não ser dotados, muito sensatamente, de aplicabilidade direta horizontal.

141.

Em segundo lugar, a razão para tal restrição não é seguramente a falta de vontade de proteger eficazmente os direitos fundamentais. É antes a necessidade de previsibilidade, segurança jurídica e, ao nível constitucional, separação dos poderes. As cartas de direitos tendem a ser bastante abstratas e, por isso, vagas, e o mesmo acontece com a Carta. Geralmente, necessitam de ser regulamentadas para obterem conteúdo invocável em juízo. Conferir a essas disposições, por si mesmas, efeito direto horizontal relativamente aos direitos e obrigações dos particulares, abre a porta a formas extremas de criatividade judicial ( 71 ).

142.

Em terceiro lugar, uma vez que o conteúdo dos direitos e obrigações decorrentes da Carta não é claro, poderia ser tentador procurar respostas no direito derivado aplicável. Quando aprecia a compatibilidade do direito nacional com as disposições da Carta (princípio do primado), o Tribunal de Justiça refere‑se, com efeito, à aplicação das disposições da Carta e dos princípios gerais «tendo em conta» ou «em conjunto com» o direito derivado ( 72 ). Aparentemente, existe um crescente acervo de jurisprudência do Tribunal de Justiça que, de facto, importa o conteúdo (muitas vezes, bastante sofisticado) de diretivas para as disposições da Carta e depois aplica essas disposições da Carta às relações horizontais ( 73 ).

143.

Não há dúvida de que, por vezes, consultar o direito derivado é, de facto, crucial para determinar qual pode ser o conteúdo (aceitável) de um direito ou de um princípio geral num determinado momento ( 74 ). Existe, no entanto, uma diferença entre um exame comparativo crítico de (um conjunto de) fontes de direito derivado, para decidir qual pode ser a tendência geral, e a efetiva «transliteração» direta e acrítica do conteúdo de uma diretiva para uma disposição da Carta.

144.

São vários os problemas constitucionais e práticos desta última abordagem ( 75 ). Deve o efeito direto das disposições da Carta ficar efetivamente dependente de saber se e que direito derivado foi adotado num determinado domínio? A existência (ou não) do efeito direto da Carta será, assim, indiretamente decidida pelo legislador da União? Deve a Carta ser, desse modo, «desconstitucionalizada»? Em vez de servir de referência para a fiscalização do direito derivado, deve ser determinada e dominada por este? Se assim não for ou, certamente, se assim não for sempre, quando deve ou não sê‑lo?

145.

Por fim, é esse problema de previsibilidade e segurança jurídica, associado, é certo, a um claro sabor a violação dos próprios limites previamente impostos que me conduz à questão final: se for essa, de facto, a futura abordagem do Tribunal de Justiça, será talvez aconselhável rever a questão do efeito direto horizontal das diretivas. A persistência em recusar formalmente efeito direto horizontal às diretivas ao mesmo tempo que se move céus e terra para garantir que essa restrição, na verdade, não tem quaisquer consequências práticas, como importar o conteúdo de uma diretiva para uma disposição da Carta, suscita cada vez mais dúvidas.

c)   Inexistência de efeito direto horizontal, mas existência de efeitos (significativos).

146.

A inexistência de efeito direto horizontal do artigo 21.o, n.o 1 (bem como de outras disposições) da Carta não significa que este não tenha efeitos horizontais. Muito pelo contrário. Mas estes têm uma natureza diferente. No que diz respeito ao direito nacional, a Carta serve: i) de instrumento interpretativo para a interpretação conforme do direito nacional; ii) como critério de compatibilidade das normas da União e nacionais, tendo como possível consequência que, quando as normas nacionais (aplicadas no contexto em que o Estado‑Membro atua no âmbito de aplicação do direito da União) sejam incompatíveis com a Carta, devem ser revogadas pelo juiz nacional, mesmo nos litígios entre particulares. Todavia, tal é consequência do primado do direito da União, e não do efeito direto horizontal das disposições da Carta. Não podem ser criadas novas obrigações autónomas para os particulares unicamente com base na Carta.

147.

É verdade que a não aplicação da legislação nacional incompatível não pode, por si só, garantir proteção imediata às partes. É claramente o que sucede no caso em apreço. A não aplicação significa a revogação das disposições em causa do direito nacional. A menos que se adote uma abordagem bastante singular, para não dizer complicada e perigosa, do conceito de «não aplicação» (que envolva, por exemplo, a ablação seletiva de termos específicos da disposição em causa ( 76 ), a não aplicação ou revogação da disposição em causa, implicaria, no caso em apreço, a revogação da totalidade do § 7, n.o 3, da Lei relativa aos períodos de repouso. Tal significaria que, a partir do momento em que essa declaração judicial de incompatibilidade fosse proferida, ninguém beneficiaria de um dia feriado na Sexta‑Feira Santa.

148.

Uma abordagem alternativa seria considerar que existe um direito com efeito direto horizontal de não sofrer discriminação e que, esse direito inclui o direito de beneficiar dos mesmos direitos e prestações que o grupo favorecido (nivelamento por cima) ou de ver os seus pares serem igualmente lesados (nivelamento por baixo). Tal está, na verdade, implícito na quarta questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional. Contudo, partindo do princípio de que é adotada a solução do nivelamento por cima — regressarei a este ponto mais adiante — tal ainda não responde a nenhuma das questões acima formuladas quanto à natureza e ao âmbito dos direitos em causa.

149.

Ao invés, a questão deve, na minha opinião, ser entendida no sentido de que visa obter uma definição clara das vias de ação judicial concretos que devem estar disponíveis em casos como o presente, por oposição a um conjunto indefinido de direitos específicos (a feriados, compensações ou outros). Na verdade, essa abordagem já foi adotada na jurisprudência dos Acórdãos Mangold, Kükükdeveci, DI e Egenberger, que confirmaram a não aplicação da disposição nacional em causa e a existência de um direito a uma via de ação judicial efetiva (e não o «efeito direto horizontal» da Carta). Contudo, no caso em apreço, a incidência sobre quais são as consequências práticas da não aplicação significa que o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se de forma clara sobre essa distinção. Passo a abordar esta questão.

3.   Vias de ação judicial

150.

O artigo 21.o, n.o 1, da Carta não dá origem a um conjunto específico de direitos e obrigações correspondentes do empregador e do trabalhador. No entanto, cabe em particular aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar a proteção jurídica que para os particulares decorre das disposições do direito da União e garantir a plena eficácia destas ( 77 ). Deve estar disponível uma via de ação judicial para reagir contra a discriminação, em conformidade com o princípio da proteção judicial efetiva ( 78 ).

151.

Na falta de regulamentação da União sobre esta matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e definir as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a proteção dos direitos que decorrem para os particulares do direito da União. Porém, os Estados‑Membros são responsáveis por assegurar, em todas as circunstâncias, a proteção efetiva desses direitos ( 79 ) e, ao fazê‑lo, respeitar os princípios da equivalência e da efetividade ( 80 ).

152.

No entanto, o Tribunal de Justiça pode fornecer orientações sobre o que o direito a uma via de ação judicial efetiva implica num caso como o presente. Existem duas questões em relação às quais o Tribunal de Justiça pode auxiliar o órgão jurisdicional de reenvio. Trata‑se, em primeiro lugar, da questão de saber a) se essa via de ação judicial consiste num nivelamento por cima ou por baixo e, em segundo lugar, b) contra quem deve ser dirigida essa ação judicial.

153.

Considero que, em casos como o presente, em que se trata de um litígio entre particulares e em que a fonte da discriminação reside na legislação nacional e seja estabelecida com base no artigo 21.o, n.o 1, da Carta (numa fiscalização abstrata como na primeira questão, em conjugação com a Diretiva 2000/78), o direito da União não exige que seja disponibilizada uma via de ação judicial contra o empregador. Contudo, o direito da União exige que a vítima possa intentar uma ação de indemnização contra o Estado para de reparar os efeitos dessa infração.

154.

Antes de analisar estes aspetos mais pormenorizadamente, abordarei a questão do «nivelamento por cima» e do «nivelamento por baixo».

a)   Nivelamento por cima e nivelamento por baixo

155.

A quarta questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional prevê duas soluções para o problema da discriminação no caso em apreço: nivelamento por cima ou nivelamento por baixo.

156.

Gostaria de esclarecer que considero que a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio diz respeito apenas ao «período transitório», ou seja, o período após a declaração de incompatibilidade, mas antes de o legislador nacional instituir um novo regime. No que diz respeito a esse período, a questão do nivelamento por cima ou por baixo coloca‑se efetivamente.

157.

Em contrapartida, a mesma questão não se coloca verdadeiramente em relação ao passado, nomeadamente aos anos anteriores em que a compensação era concedida apenas ao grupo restrito e não aos outros apesar desses prazos ainda não terem prescrito, nos termos das normas do direito nacional. No que diz respeito a esses períodos, o único meio de reparar a discriminação anterior é, na prática, de facto, o «nivelamento por cima». Não se pode retirar retroativamente ao grupo privilegiado as vantagens de que este dispôs, devido às expectativas legítimas, ou até direitos já adquiridos. Assim, o único meio de reparar a discriminação no que diz respeito a esse período é conceder a mesma prestação a todos (mas sujeita à questão abordada na secção seguinte, de saber quem deve pagar e porquê).

158.

Passando então agora apenas ao período transitório, também relativamente a esse período, a Comissão sugeriu que a resposta correta seria o nivelamento por cima. Em apoio deste argumento, tanto o demandante como a Comissão citaram jurisprudência, nomeadamente os Acórdãos Milkova, Specht e Landtová ( 81 ).

159.

Com efeito, é verdade que, nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que, «quando seja detetada uma discriminação contrária ao direito da União e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, regime este que, na falta da aplicação correta do direito da União, é o único sistema de referência válido» ( 82 ).

160.

Daqui resulta que, quando o órgão jurisdicional nacional seja confrontado com uma discriminação que tenha origem na legislação, a consequência inevitável da revogação da disposição contrária do direito nacional é, de facto, o «nivelamento por cima», até à adoção de legislação não discriminatória (que pode eventualmente nivelar por baixo) ( 83 ).

161.

A este respeito, há que fazer as seguintes observações.

162.

Em primeiro lugar, o primado do direito da União, incluindo o primado da Carta, exige que a disposição do direito nacional que é incompatível com o direito da União seja revogada. Tal significa que a disposição em causa deve efetivamente desaparecer do ordenamento jurídico nacional em situações em que seja contrária ao direito da União. Por conseguinte, logicamente, o que desapareceu não pode, de modo algum, ser aplicado a quem quer que seja. No entanto, um pouco miraculosamente, a mesma disposição que foi revogada quando era aplicável a algumas pessoas é imediatamente recuperada para ser aplicada a todas. Este paradoxo, que está implícito na solução do nivelamento por cima, deve ser reconhecido antes de poder ser analisado.

163.

Em segundo lugar, de modo geral, a solução do nivelamento por cima como meio de reparação provisório por defeito (em oposição ao reconhecimento de um direito com efeito direto horizontal) parece ser a melhor opção, em especial do ponto de vista das expectativas legítimas do grupo favorecido. Mas, mais uma vez, o problema está nos pormenores (ou, pelo menos, na aplicação prática). Os casos mais complexos envolvem prestações não pecuniárias. No caso em apreço, a Comissão alegou, nas suas observações escritas, que o § 7, n.o 3, da Lei relativa aos períodos de repouso podia ser discriminatório ao conceder um dia de folga na Sexta‑Feira Santa a alguns grupos religiosos, mas não a outros. Contudo, a solução proposta pela Comissão não consistia em alargar o dia feriado na Sexta‑feira Santa a todos. A Comissão propôs antes uma reformulação judicial da disposição de forma a alargar a prestação de um dia de folga remunerado para celebrar um evento religioso «particularmente importante» a designar pelo trabalhador. Por muito bem que soe (pelo menos em inglês), «nivelar por cima» encobre uma complexidade potencialmente significativa, quase uma arbitrariedade, na sua aplicação prática, não muito diferente da que já vimos ao tratar da questão do efeito direto horizontal.

164.

Em terceiro lugar, existem vários acórdãos do Tribunal de Justiça nos quais foi enunciada uma variante do princípio do «nivelamento por cima». No entanto, cada um desses processos tem características distintas. Duas delas têm particular importância, designadamente a fonte da discriminação e a identidade do demandado.

165.

A este respeito, saliento que, em todos os processos referidos pelas partes em apoio da solução do nivelamento por cima ( 84 ), a fonte da discriminação estava na legislação nacional e o demandado era o Estado (e o objeto do litígio era de caráter pecuniário) ( 85 ). Esta é, na minha opinião, a configuração mais simples possível (e, de facto, a mais comum na jurisprudência do Tribunal de Justiça) ( 86 ). No final, o Estado‑Membro deve pagar a fatura da discriminação legislativa. Esse é o resultado evidente do Acórdão Francovich e dos que lhe sucederam. A responsabilidade do Estado deve, em princípio, proporcionar uma rede de segurança.

166.

Existem igualmente casos em que o Tribunal de Justiça fez referência ao princípio do nivelamento por cima no âmbito de um litígio entre particulares. Todavia, tal ocorreu num número reduzido de processos relacionados com discriminação em matéria de pensões ( 87 ) ou de salários ( 88 ), geralmente imputável ao empregador (e que não tinha origem na legislação). No contexto de litígios entre particulares que envolviam uma alegada discriminação, em vez de propor o nivelamento por cima como solução geral, o Tribunal de Justiça preferiu concentrar a sua atenção na exigência geral de proporcionar vias de ação judicial e sanções eficazes ( 89 ).

167.

Em quarto lugar, na falta de razões adicionais específicas, como a dignidade do ser humano ou as expectativas legítimas, que se oponham ao nivelamento por baixo durante o período transitório no contexto de um caso concreto, não vejo qualquer argumento de princípio para que, sistematicamente e em todos os casos de discriminação, se exclua o nivelamento por baixo per se. Tal é ainda mais verdadeiro nos casos em que a prestação concedida ao grupo favorecido é recorrente, ou quando não é, não tenha sido criada qualquer relação de dependência (como, por exemplo, prestações de segurança social periódicas).

168.

Voltando ao caso em apreço, qual pode ser a razão (adicional) específica para efetivamente afastar a conclusão de que a disposição em causa deve ser «revogada» e substituí‑la pela conclusão de que o seu âmbito de aplicação pessoal deve ser multiplicado por 50 ( 90 )?

169.

A magnanimidade de proclamar que se deve melhorar a situação de todas as pessoas traz, porventura, muita satisfação pessoal, mas dificilmente se pode considerar juridicamente adequada, já para não falar da sua sustentabilidade económica ( 91 ). Gostaria de sublinhar que os argumentos económicos não podem, evidentemente, ser uma justificação para a discriminação. Contudo, tal não fornece, só por si, uma justificação válida para o nivelamento por cima.

170.

A proteção da liberdade religiosa dos membros das quatro igrejas é também inconclusiva. A este respeito, observo que o § 8 da Lei relativa aos períodos de repouso impõe aos empregadores um dever de solicitude, exigindo‑lhes efetivamente que satisfaçam razoavelmente as necessidades de culto dos seus trabalhadores. Se tal é suficiente para as outras minorias religiosas na Áustria no que se refere às suas festividades religiosas específicas, por que razão não o é para os membros das quatro igrejas? Em contrapartida, não é claro de que modo o «nivelamento por cima», eventualmente através da concessão a todos os trabalhadores austríacos da remuneração em dobro ou de um dia de folga na Sexta‑Feira Santa, pode, de alguma forma, promover a liberdade de culto.

171.

À luz das considerações precedentes, considero que não é possível, no caso em apreço, simplesmente responder ao órgão jurisdicional de reenvio no sentido de confirmar que o «nivelamento por cima» é a única solução correta. Essa é uma abordagem que o Tribunal de Justiça desenvolveu no âmbito de ações contra o Estado, sobretudo em relação a prestações da segurança social, e que não é, de um modo geral, transponível para os litígios horizontais. Além disso, nas circunstâncias do caso em apreço, constituiria uma resposta demasiado simplista encobrir determinadas complexidades que são de grande importância prática. Pelo contrário, considero que, no caso em apreço, o ponto de referência deve ser a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a recursos judiciais efetivos.

b)   Recursos judiciais efetivos (e identidade do demandado)

172.

Apesar de o artigo 21.o, n.o 1, da Carta não ter efeito direto horizontal, a disposição nacional controvertida não deve ser aplicada (primeira questão). A questão do nivelamento por cima ou por baixo foi acima abordada. Na presente secção final, analisarei a questão de saber quem deve reparar o prejuízo. Existem essencialmente duas opções: i) o empregador (que pode depois propor uma ação contra o Estado), ou ii) o Estado (que deve ser demandado diretamente pelo trabalhador). Na minha opinião, a resposta correta é esta última: o Estado.

i) Vias de ação contra o empregador

173.

Em casos como o presente, em que o demandante é vítima de uma legislação nacional discriminatória aplicada por um empregador, o direito a um recurso efetivo exige que o trabalhador disponha de uma via de ação contra esse empregador?

174.

O advogado‑geral P. Cruz Villalón defendeu expressamente esta opção nas Conclusões que apresentou no processo que deu origem ao Acórdão AMS. Considerou que era «razoável que o ónus da ação de indemnização recaia sobre quem tenha beneficiado da conduta ilegal e não sobre o titular do direito originado pela concretização do conteúdo do princípio» ( 92 ). O empregador que seja considerado responsável pode depois propor uma ação contra o Estado.

175.

Salvo erro da minha parte, o Tribunal de Justiça nunca abordou diretamente esta questão. No entanto, o Acórdão DI pode igualmente ser entendido no sentido de que impõe essa exigência ( 93 ).

176.

De facto, essa abordagem pode ser justificada por razões de eficácia (da proteção do trabalhador). Pode ser mais barato e mais rápido (e mais fácil) para o trabalhador intentar uma ação contra o empregador do que contra o Estado. Do ponto de vista moral, o trabalhador é afetado pela lei discriminatória e deve poder beneficiar de proteção. Como observou o ilustre advogado‑geral P. Cruz Villalón, é provável que o empregador tenha obtido um benefício ilegítimo em consequência da aplicação da legislação discriminatória, que deve ser compensado. De um modo geral, é provável que o empregador esteja numa posição de poder relativo.

177.

Assim, os argumentos a favor da tese de que, nos casos de discriminação em matéria de condições de trabalho, deve existir sempre uma via de ação direta contra o empregador, tendem a girar essencialmente em torno de três elementos: fonte, culpa e benefício, eventualmente conjugados com o argumento da força e da (inerente) desigualdade.

178.

De um modo geral, esses argumentos são seguramente válidos para um certo tipo de discriminação: a que pode ser atribuída, pelo menos parcialmente, a um determinado empregador. No entanto, deparam‑se com uma série de dificuldades lógicas num caso como o presente, um litígio entre particulares relativo a uma discriminação em razão da religião, que resulta diretamente da legislação nacional.

179.

Em primeiro lugar, a fonte da violação no caso em apreço é a legislação nacional. O empregador não dispunha de um verdadeiro poder discricionário ou de um poder de decisão independente. Limitou‑se a aplicar a legislação nacional em vigor. Esta situação é muito diferente daquelas em que o Tribunal de Justiça exigiu que fosse disponibilizada uma via de ação contra o empregador, mas, aí, a fonte da discriminação incluía igualmente as decisões do próprio empregador ( 94 ).

180.

Em segundo lugar, tal está relacionado com o elemento de culpa. Qual é a culpa pela qual o empregador deve pagar? A aplicação de normas válidas do direito nacional? Nos casos em que o Tribunal de Justiça analisou situações de alegada discriminação por parte dos empregadores, em violação do direito da União, declarou, por diversas vezes, que a sanção imposta pelo incumprimento deve ser eficaz, proporcionada e dissuasora ( 95 ). A menos que se espere que os empregadores se comportem como polícias constitucionais, com um dever positivo de descobrir e se opor ativamente às normas do direito nacional que considerem que podem ser potencialmente incompatíveis com disposições da Carta, essa lógica de dissuasão desaparece. Consistirá a culpa do empregador no facto de não ter posto em causa a compatibilidade da legislação nacional com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta e a Diretiva 2000/78? É assim suposto, em termos práticos, um empregador antecipar o resultado de um processo com uma duração de vários anos, a intervenção do Supremo Tribunal de um Estado‑Membro e da Grande Secção do Tribunal de Justiça e a contribuição de muitos outros ilustres advogados e juízes em vários momentos diferentes?

181.

Em terceiro lugar, também não vejo que benefício terá retirado um empregador do facto de ter de pagar a alguns dos seus trabalhadores a remuneração em dobro, ou mesmo do facto de ser obrigado a conceder‑lhes um dia feriado remunerado na Sexta‑Feira Santa. A não ser que, segundo uma interpretação muito discutível, o facto de não pagar o mesmo aos restantes 98% dos trabalhadores seja qualificado como um «benefício» ilícito ardilosamente obtido pelos empregadores, apenas vejo a imposição de encargos ao empregador.

182.

Em quarto lugar, existe o argumento da relativa fragilidade. Este argumento, ao contrário dos outros três, tem pelo menos algum dinamismo. Pode até entender‑se que afasta todas as outras considerações: dada a desigualdade inerente às relações de trabalho, deve ser sempre o empregador a pagar a fatura, independentemente das circunstâncias.

183.

Este argumento oculta uma opção profundamente ideológica sobre riscos e imputação de custos ( 96 ). Além disso, talvez seja seguro presumir que nem todos os empregadores na Áustria, ou em qualquer outro país da União, são as habituais empresas multinacionais sem rosto. Muitas empresas são geridas por pessoas singulares ou por um pequeno número de pessoas. Por que razão devem suportar os custos da aplicação da legislação nacional incompatível?

184.

No entanto, é verdade que tais questões se tornam irrelevantes quando, essencialmente, o empregador seja chamado a pagar a fatura apenas pelo facto de ser um empregador. Trata‑se de um argumento axiomático, mas também, no meu entender, de um argumento que não merece ser aceite indiscriminadamente.

185.

Tendo em conta todos os motivos expostos, considero que o direito da União não exige que esteja prevista uma via de ação contra o empregador em casos como o presente, em que o empregador tenha agido em conformidade com o direito nacional, mas o direito nacional seja considerado contrário ao artigo 21.o, n.o 1, da Carta (em conjugação com a Diretiva 2000/78). Para ser claro, esta conclusão aplica‑se a litígios entre particulares, não quando o demandado seja o Estado (na qualidade de empregador). No entanto, o direito da União não se opõe à existência de uma via de ação mesmo contra empregadores privados no caso de o direito nacional prever esse instrumento.

ii) Ação de indemnização contra o Estado

186.

Existe uma diferença, que é reconhecida na jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre a discriminação que tem como fonte original o legislador (como no processo principal) e a que tem como fonte original o empregador ( 97 ). Podemos inspirar‑nos nos argumentos convincentes da Comissão no processo que deu origem ao Acórdão Dekker ( 98 ): «Nestas circunstâncias, é razoável perguntar se pode legitimamente esperar‑se que o empregador ignore completamente a legislação nacional discriminatória ou a impugne judicialmente por considerar que esta é incompatível com a diretiva ou com as normas [referidas no Acórdão Dekker] relativas à igualdade de tratamento entre homens e mulheres. O resultado desse processo seria, contudo, bastante incerto; em qualquer caso, uma exigência desse tipo equivaleria a impor ao empregador uma obrigação que deve ser suportada pelo Estado».

187.

Existem outras razões pelas quais não seria oportuno que o direito da União exigisse a existência de uma via de ação contra o empregador privado em tais circunstâncias, e pelas quais a proteção judicial efetiva deve, na prática, assumir a forma de uma ação de indemnização contra o Estado. A maioria dessas razões é refletida pelos argumentos já abordados na secção anterior.

188.

Em primeiro lugar, existe o simples argumento moral, já analisado quando nos debruçámos sobre a fonte e a culpa na secção anterior. O Estado é o principal responsável pela discriminação. Admitindo que todos os fatores permanecem estáveis, não é clara a razão pela qual os custos decorrentes dessa culpa devem ser suportados, em primeira instância, pelos empregadores.

189.

O argumento moral está em sintonia com o argumento estrutural. Se, em consequência do princípio do primado e a fiscalização abstrata da compatibilidade, a disposição nacional controvertida for revogada, tanto a culpa como o consequente vazio legislativo daí recorrentes são claramente imputáveis ao Estado‑Membro.

190.

Em segundo lugar, considerar que os empregadores são responsáveis em primeira linha não funcionará como elemento de dissuasão para eles ( 99 ), e pode até reduzir o efeito dissuasor em relação à entidade verdadeiramente responsável: o Estado. Para que ocorram alterações legislativas é necessário que seja exercida pressão sobre o Estado.

191.

Em terceiro lugar, se os trabalhadores puderem obter uma reparação demandando o seu empregador por este ter aplicado a lei e os empregadores, por sua vez, intentarem ações judiciais contra o Estado, haverá uma duplicação da litigância. Em contrapartida, se a parte lesada reagir diretamente contra a parte responsável, e não contra o intermediário que não tem culpa, evita‑se um nível de litigância.

192.

Em quarto lugar, no âmbito de um litígio entre particulares no qual não é possível a interpretação conforme de uma diretiva, o Tribunal de Justiça tem sistematicamente rejeitado a possibilidade de um particular invocar a diretiva contra outro particular. Deve estar prevista uma via de ação judicial, mas contra o Estado, sob a forma de uma ação de indemnização ( 100 ). Não é clara a razão pela qual, em princípio, deve deixar de ser assim nos casos em que as disposições da Carta sejam invocadas em paralelo. Deste modo seria coerente, a estrutura das vias de ação para as relações (horizontais) de direito privado quando sejam invocadas fontes de direito da União que não tenham efeito direto horizontal.

193.

Em quinto e último lugar, existe outro elemento de coerência geral que milita a favor da abordagem em matéria de vias de ação aqui defendida. Prende‑se com o quadro de comparação já analisado. Propus que, nos casos de fiscalização abstrata da compatibilidade, o quadro de comparação fosse de grupos ( 101 ). Tal está em total sintonia com o facto de a fonte de diferenciação ser a legislação nacional, e não qualquer decisão do empregador. Por esse motivo, a identidade dos outros trabalhadores do empregador (Cresco Investigation) não era crucial, nem a questão de saber se, comparando a sua situação com a deles, o demandante foi tratado de forma diferente.

194.

Contudo, esta questão tornar‑se‑ia bastante importante, e reabriria totalmente o debate a ela associado sobre a comparabilidade, se o demandante devesse intentar uma ação contra o empregador alegando que este o discriminou ( 102 ). Partindo do princípio de que esse empregador em concreto não tem nenhum membro de uma das quatro igrejas entre os seus trabalhadores ( 103 ), a sua defesa lógica seria naturalmente a de que não discriminou ninguém porque tratou todos os seus trabalhadores exatamente da mesma forma. Como poderia então esse empregador ser responsabilizado por uma discriminação que era absolutamente impossível ter cometido?

195.

Estes dois últimos aspetos realçam novamente a necessidade de coerência lógica em qualquer abordagem que o Tribunal de Justiça venha a adotar, nomeadamente a dois níveis: em primeiro lugar, no caso em apreço (o tipo de fiscalização está relacionado com o quadro de comparabilidade, que, por sua vez, tem impacto nas vias de ação judicial) e, em segundo lugar, horizontalmente, em termos de vias de ação disponíveis para reagir contra violações de determinadas fontes de direito da União.

196.

Pelas razões expostas na presente secção e nas secções anteriores, considero que os particulares podem invocar o artigo 21.o, n.o 1, da Carta (em conjugação com o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78) a fim de obter a revogação de disposições incompatíveis do direito nacional. No entanto, o direito da União não exige que os custos decorrentes da incapacidade do Estado em assegurar a conformidade do direito nacional com a Carta sejam suportados, em primeira instância, pelos empregadores privados que aplicam essa legislação nacional.

4.   Conclusão quanto à quarta questão

197.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à quarta questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio do seguinte modo:

«Em circunstâncias como as do caso em apreço, em que está em causa um litígio entre particulares:

enquanto o legislador não estabelecer um regime jurídico não discriminatório, as disposições do direito nacional consideradas desconformes com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com os artigos 1.o, 2.o, n.o 2, alínea a), e 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE, não devem ser aplicadas;

o artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com os artigos 1.o, 2.o, n.o 2, alínea a), e 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE, não pode, por si só, impor obrigações ao empregador;

contudo, uma parte lesada em consequência da aplicação do direito nacional pode invocar o Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428), a fim de obter, se for caso disso, uma indemnização pelo dano sofrido».

V. Conclusão

198.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof do seguinte modo:

1)

«O artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com os artigos 1.o e 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual a Sexta‑feira Santa é um dia feriado, com um período ininterrupto de, pelo menos, 24 horas de repouso, apenas para os membros das Igrejas Evangélicas das Confissões de Augsburgo e Helvética, da Igreja Católica Antiga e da Igreja Metodista Unida, e se um trabalhador que pertença a uma dessas igrejas trabalhar nesse dia, apesar de ser feriado, beneficia igualmente, para além do direito ao pagamento da remuneração pelo trabalho que não está obrigado a realizar em virtude de esse dia ser feriado, do direito ao pagamento de uma remuneração pelo trabalho efetivamente realizado, enquanto os outros trabalhadores, que não são membros dessas igrejas, não beneficiam de tal direito.»

2)

«Em circunstâncias como as do caso em apreço, a legislação nacional que concede uma compensação do tipo da que é referida na primeira questão apenas aos membros de determinadas igrejas que trabalhem na Sexta‑Feira Santa não constitui uma medida que, numa sociedade democrática, seja necessária para assegurar a proteção dos direitos e liberdades de terceiros, na aceção da Diretiva 2000/78.»

3)

«A legislação nacional que concede uma compensação do tipo da que é referida na primeira questão não constitui uma ação positiva na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.»

4)

«Em circunstâncias como as do caso em apreço, em que está em causa um litígio entre particulares:

enquanto o legislador não estabelecer um regime jurídico não discriminatório, as disposições do direito nacional consideradas desconformes com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com os artigos 1.o, 2.o, n.o 2, alínea a), e 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE, não devem ser aplicadas;

O artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, em conjugação com os artigos 1.o, 2.o, n.o 2, alínea a), e 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE, não pode, por si só, impor obrigações ao empregador;

contudo, uma parte lesada em consequência da aplicação do direito nacional pode invocar o Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428), a fim de obter, se for caso disso, uma indemnização pelo dano sofrido.»


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

( 3 ) Para saber se uma disposição do direito nacional com estas ou aquelas características, em geral e no essencial independentemente da natureza da relação jurídica na qual foi aplicada ao nível nacional, é compatível com o direito da UE — V., recentemente, por exemplo, Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia (C‑143/16, EU:C:2017:566).

( 4 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 58).

( 5 ) Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral E. Tanchev no processo que deu origem ao Acórdão Egenberger (C‑414/16, EU:C:2017:851, n.o 93, v., igualmente, n.o 88).

( 6 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 58).

( 7 ) Conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo que deu origem ao Acórdão G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 32); Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral E. Tanchev no processo que deu origem ao Acórdão Egenberger (C‑414/16, EU:C:2017:851, n.o 95).

( 8 ) Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania (C‑74/16, EU:C:2017:496).

( 9 ) V., contudo, Conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo que deu origem a esse acórdão (C‑74/16, EU:C:2017:135, n.os 29 a 33).

( 10 ) V., em geral, por exemplo, recentes Acórdãos de 5 de julho de 2017, Fries (C‑190/16, EU:C:2017:513, n.os 29 a 31), e de 12 de dezembro de 2013, Hay (C‑267/12, EU:C:2013:823, n.o 31), naturalmente com a diferença de que, no contexto da Carta, tal justificação deve respeitar o artigo 52.o, n.o 1, desta, enquanto que, no contexto da Diretiva 2000/78, trata‑se do artigo 2.o, n.o 5, desta.

( 11 ) Analisarei a distinção entre esses dois benefícios os n.os 40 a 44 e 82 a 86 das presentes conclusões.

( 12 ) V., por exemplo, Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia (C‑143/16, EU:C:2017:566, n.os 16 a 18 e 47).

( 13 ) De forma mais pormenorizada, v. conclusões que apresentei no processo que deu origem ao Acórdão Abercrombie & Fitch Italia (C‑143/16, EU:C:2017:235, n.os 20 a 36).

( 14 ) Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia (C‑143/16, EU:C:2017:566, n.o 25). V., igualmente, Acórdão de 1 de outubro de 2015, O (C‑432/14, EU:C:2015:64, n.o 32).

( 15 ) Na aceção da fase i) do exame da descriminação descrito no n.o 32 das presentes conclusões.

( 16 ) N.os 82 a 86 das presentes conclusões.

( 17 ) N.os 37 e 38 das presentes conclusões.

( 18 ) V., a este respeito, Acórdão Feryn, no qual a origem da discriminação era a política de contratação de um empregador, que prejudicava os imigrantes, tendo‑se considerado desnecessário identificar uma vítima para demonstrar a existência de discriminação (Acórdão de 10 de julho de 2008, C‑54/07, EU:C:2008:397, n.o 40).

( 19 ) V., por exemplo, Acórdãos de 17 de setembro de 2002, Lawrence e o. (C‑320/00, EU:C:2002:498, n.o 17), e de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56, n.o 40).

( 20 ) Acórdãos de 22 de novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709), e de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, EU:C:2010:21).

( 21 ) Tanto no Acórdão Mangold como no Acórdão Kücükdeveci (como no caso em apreço), o recorrente era membro do grupo menos favorecido. Para uma abordagem semelhante, mas com menos certeza sobre se a medida em causa é efetivamente (apenas) favorável ou (apenas) desfavorável para um determinado grupo, v. Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia (C‑143/16, EU:C:2017:566).

( 22 ) Tal contrasta com a abordagem adotada nos casos em que a discriminação é imputável ao empregador e, em muitos casos, é necessário identificar grupos específicos de colegas de trabalho objeto de um tratamento mais favorável para se poder efetuar qualquer comparação. V., neste sentido, Acórdãos de 17 de setembro de 2002, Lawrence e o. (C‑320/00, EU:C:2002:498); de 13 de janeiro de 2004, Allonby (C‑256/01, EU:C:2004:18); e de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, EU:C:2011:277).

( 23 ) Acórdãos de 17 de setembro de 2002, Lawrence e o. (C‑320/00, EU:C:2002:498, n.os 17 e 18), e de 13 de janeiro de 2004, Allonby (C‑256/01, EU:C:2004:18, n.os 45 e 46). Essa distinção tem um impacto claro na questão das vias de ação judicial disponíveis, analisada em pormenor nos n.os 172 a 196.

( 24 ) Acórdãos de 8 de novembro de 1990, Dekker (C‑177/88, EU:C:1990:383, n.os 12 e 17); de 8 de novembro de 1990, Handels‑ og Kontorfunktionærernes Forbund (C‑179/88, EU:C:1990:384, n.o 13); de 27 de fevereiro de 2003, Busch (C‑320/01, EU:C:2003:114, n.o 39); e de 1 de abril de 2008, Maruko (C‑267/06, EU:C:2008:179, n.o 72). É manifestamente o caso quando o tratamento diferenciado se baseia expressamente no pretenso fundamento [por exemplo, Acórdão de 5 de julho de 2017, Fries (C‑190/16, EU:C:2017:513, n.os 32 a 34)]. No entanto, a simples referência feita por uma medida a um pretenso fundamento não é, por si só, suficiente para concluir que existe uma discriminação direta [v. Acórdãos de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2017:204, n.o 32), e de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 30)]. O Tribunal de Justiça adotou uma abordagem semelhante quando o pretenso fundamento constitua a motivação subjacente à diferença de tratamento [v., por exemplo, Acórdão de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria (C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 91)] ou, na prática, afete apenas um grupo que pode ser identificado com base no pretenso fundamento [por exemplo, Acórdão de 20 de setembro de 2007, Kiiski (C‑116/06, EU:C:2007:536, n.o 55)].

( 25 ) V., por exemplo, Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia (C‑143/16, EU:C:2017:566, n.os 25 a 28). No entanto, v., como exemplo de um caso em que a comparabilidade foi rejeitada, Acórdão de 1 de outubro de 2015, O (C‑432/14, EU:C:2015:643).

( 26 ) V., para uma perspetiva diferente, Conclusões apresentadas pela advogada‑geral E. Sharpston no processo que deu origem ao Acórdão Bressol e o. (C‑73/08, EU:C:2009:396, n.o 55).

( 27 ) Acórdão de 1 de outubro de 2015, O (C‑432/14, EU:C:2015:643, n.o 40).

( 28 ) Acórdão de 1 de outubro de 2015, O (C‑432/14, EU:C:2015:643, n.o 31).

( 29 ) Acórdão de 1 de outubro de 2015, O (C‑432/14, EU:C:2015:643, n.o 33).

( 30 ) Acórdãos de 1 de abril de 2008, Maruko (C‑267/06, EU:C:2008:179, n.o 42); de 10 de maio de 2011, Römer (C‑147/08, EU:C:2011:286, n.o 42); de 12 de dezembro de 2013, Hay (C‑267/12, EU:C:2013:823, n.o 33); e de 1 de outubro de 2015, O (C‑432/14, EU:C:2015:643, n.o 32).

( 31 ) N.os 40 a 43 das presentes conclusões.

( 32 ) Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia (C‑143/16, EU:C:2017:566, n.o 25).

( 33 ) V. Conclusões que apresentei no processo que deu origem ao Acórdão MB (C‑451/16, EU:C:2017:937, n.o 47).

( 34 ) Nas alegações escritas e orais apresentadas pelo Governo austríaco, foi explicado que, historicamente, os membros das quatro igrejas constituíam uma minoria na Áustria, que, ao contrário da maioria católica, não tinha um dia feriado no seu dia santo mais importante. Na altura em que o § 7, n.o 3, foi inserido na lei, os membros das quatro igrejas até podiam constituir a maioria da população não‑católica. Contudo, como foi confirmado no pedido de decisão prejudicial, não representam toda a população não‑católica da Áustria, que inclui outras convicções religiosas.

( 35 ) V., para um exemplo de tratamento idêntico de situações que podem, todavia, ser diferenciadas por motivos religiosos, Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Grande Câmara) de 6 de abril de 2000, Thlimmenos c. Grécia (CE:ECHR:2000:0406JUD003436997).

( 36 ) V., por exemplo, Acórdão de 1 de outubro de 2015, O (C‑432/14, EU:C:2015:643, n.o 38). Nesse processo, o Tribunal de Justiça analisou a comparabilidade de «jovens» que frequentavam o ensino secundário ou o ensino superior com outros trabalhadores. O Tribunal de Justiça considerou que os grupos não eram comparáveis. Ao fazê‑lo, teve em conta os objetivos da legislação nacional, mas claramente atendeu à coerência do argumento e ao tratamento de outros grupos.

( 37 ) V., neste sentido, Conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo que deu origem ao Acórdão G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 43).

( 38 ) N.os 40 a 43 e 73 das presentes conclusões.

( 39 ) Especialmente no que diz respeito aos trabalhadores para os quais tirar um dia de folga adicional não remunerado é financeiramente difícil.

( 40 ) Assim, sem entrar nas questões relativas à interpretação do elemento de comparação intermédio que deveriam ser abordadas, e que certamente não são simples: o que pode ser considerado um dia «especial»? Existe um limiar jurídico para a importância espiritual ou religiosa? Que religiões devem ser tidas em conta e, na realidade, a questão pode ser transposta para outros sistemas de convicções que tenham vários dias muito importantes? O que dizer, por exemplo, dos ateus que também têm dias que são muito importantes para eles? Deve negar‑se aos católicos um dia extra porque, por razões históricas, alguns dos dias que são especiais para eles já estão cobertos pelos outros 13 feriados? Além disso, na audiência, a questão sensível de a pessoa ter de revelar ao empregador pormenores sobre as suas convicções (religiosas) — uma consequência lógica da aplicação do elemento de comparação intermédio — foi também debatida.

( 41 ) N.os 76 a 79 acima.

( 42 ) V. Acórdãos de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.os 55 e 56), e de 12 de dezembro de 2013, Hay (C‑267/12, EU:C:2013:823, n.o 46).

( 43 ) V. redação do artigo 21.o, n.o 1, da Carta e considerando 23 da diretiva. V., igualmente, Acórdão de 5 de julho de 2017, Fries (C‑190/16, EU:C:2017:513, n.o 44).

( 44 ) V., por exemplo, Ellis, E., e Watson, P., EU Antidiscrimination law, 2.a ed., Oxford EU law library, 2012, segunda edição, p. 403.

( 45 ) Conclusões apresentadas pela advogada‑geral E. Sharpston no processo que deu origem ao Acórdão Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2016:553, nota 99).

( 46 ) Acórdão de 5 de julho de 2017, Fries (C‑190/16, EU:C:2017:513, n.o 48).

( 47 ) Constante do § 8 da lei.

( 48 ) À semelhança dos n.os 76 a 79 e 97 e 98 das presentes conclusões.

( 49 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 68).

( 50 ) V., neste sentido, por exemplo, Acórdão de 11 de novembro de 1997, Marschall (C‑409/95, EU:C:1997:533, n.o 31).

( 51 ) N.o 100 das presentes conclusões.

( 52 ) Acórdãos de 14 de julho de 1994, Faccini Dori (C‑91/92, EU:C:1994:292, n.o 20), de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 108), e de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, EU:C:2010:21, n.o 46).

( 53 ) Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428) — no contexto do artigo 21.o, n.o 1, da Carta, em conjugação com a Diretiva 2000/78, Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 50).

( 54 ) Acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584), e de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257).

( 55 ) Acórdãos de 22 de novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709), e de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, EU:C:2010:21).

( 56 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257).

( 57 ) Acórdãos de 22 de novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709, n.os 77 e 78), de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, EU:C:2010:21, n.os 43 e 51), e de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.os 27 e 35).

( 58 ) Acórdão de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 43).

( 59 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 76).

( 60 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 81).

( 61 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 79).

( 62 ) Acórdão de 1 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2).

( 63 ) Diretiva 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2002, que estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia (JO 2002, L 80, p. 29).

( 64 ) Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 47). O sublinhado é meu.

( 65 ) Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 49).

( 66 ) Acórdão de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 29 ou 35).

( 67 ) Acórdãos de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, EU:C:2010:21, n.o 56), e de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.os 35 a 37).

( 68 ) Acórdão de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 41).

( 69 ) Permitindo assim, igualmente, que regras formuladas a um certo nível de abstração [como a regra de que o custo das ações de fiscalização da legalidade de determinadas decisões proferidas no âmbito da Diretiva Avaliação do Impacto Ambiental (Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, JO 1985, L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9) não deve ser exageradamente dispendioso], mas claramente circunscritas no seu objetivo e âmbito de aplicação, bem como nos resultados práticos a alcançar, pela estrutura do instrumento de direito derivado de que são parte, tenham efeito direto — V. Conclusões que apresentei recentemente no processo que deu origem ao Acórdão Klohn (C‑167/17, EU:C:2018:387, n.os 33 a 55).

( 70 ) N.os 125 a 129 da secção anterior das presentes conclusões.

( 71 ) Também por essa razão, já em 1929, Hans Kelsen, que é frequentemente invocado como o «pai» da justiça constitucional moderna, mas que provavelmente ficaria bastante surpreendido se conhecesse o seu âmbito atual, pretendeu excluir a aplicabilidade direta das «überpositiver Normen», nas quais incluía igualmente os direitos fundamentais, avisando que tal conferiria a qualquer tribunal constitucional um monopólio de poder efetivo nas estruturas do Estado — Kelsen, H., Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbaarkeit. Veröffentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer, Heft 5. Berlim e Leipzig, de Guyter, 1929, pp. 69 a 70.

( 72 ) Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257), evocado neste contexto no n.o 122 das presentes conclusões. V., igualmente, Acórdão de 19 de janeiro de 2010, Kükückdeveci (C‑555/07, EU:C:2010:21), relativo ao princípio da não discriminação em razão da idade «como concretizado pela» Diretiva 2000/78.

( 73 ) Muito recentemente, por exemplo, o meu ilustre colega advogado‑geral Y. Bot propôs que o Tribunal de Justiça importasse para o artigo 31.o, n.o 2, da Carta os conteúdos relevantes da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9). Tal conclusão foi justificada por referência às anotações relativas à Carta, de acordo com as quais o artigo 31.o, n.o 2, «baseia‑se na Diretiva 93/104/CE» (que foi codificada pela Diretiva 2003/88) — V. Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral Y. Bot nos processos apensos que deram origem ao Acórdão Bauer e Broßonn (C‑569/16 e C‑570/16, EU:C:2018:337, n.o 86).

( 74 ) V., para um exemplo de tal análise cuidadosa e ponderada, Acórdão de 15 de outubro de 2009, Audiolux e o. (C‑101/08, EU:C:2009:626).

( 75 ) V., para um debate pormenorizado sobre este tópico, Conclusões apresentadas pela advogada‑geral V. Trstenjak no processo que deu origem ao Acórdão Dominguez (C‑282/10, EU:C:2011:559).

( 76 ) O § 7, n.o 3, da lei, na sua redação atual, dispõe: «A Sexta‑Feira Santa é também dia feriado para os membros das Igrejas Evangélicas das Confissões de Augsburgo e Helvética, da Igreja Católica Antiga e da Igreja Metodista Unida». Levar a «não aplicação» ao nível dos termos desta disposição poderia equivaler, por exemplo, a eliminar o objeto da frase, i.e. a referência aos membros das quatro igrejas (no sentido de todas as pessoas terem direito a um dia feriado ou a uma compensação na Sexta‑Feira Santa) ou retirar as referências aos membros das quatro igrejas e à Sexta‑Feira Santa (no sentido de existir um dia feriado com data indeterminada — na prática, a proposta da Comissão). Todavia, deve talvez continuar a existir uma diferença entre a revogação de uma disposição incompatível do direito nacional e um jogo de Scrabble jurídico, que permita a criação de qualquer norma apenas através da recombinação de termos selecionados a partir da legislação em vigor.

( 77 ) V. Acórdão de 5 de outubro de 2004 proferido nos processos apensos Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 111). V., igualmente, Acórdão de 15 de abril de 2008, Impact (C‑268/06, EU:C:2008:223, n.o 42).

( 78 ) Acórdão de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 37 e jurisprudência referida).

( 79 ) V., em especial, Acórdãos de 9 de julho de 1985, Bozzetti (C‑179/84, EU:C:1985:306, n.o 17), de 18 de janeiro de 1996, SEIM (C‑446/93, EU:C:1996:10, n.o 32), e de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 40).

( 80 ) V., em especial, Acórdãos de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral (33/76, EU:C:1976:188, n.o 5), de 16 de dezembro de 1976, Comet (45‑76, EU:C:1976:191, n.os 13 a 16), de 14 de dezembro de 1995, Peterbroeck (C‑312/93, EU:C:1995:437, n.o 12), de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 43), e de 7 junho de 2007, processos apensos van der Weerd e o. (C‑222/05 a C‑225/05, EU:C:2007:318, n.o 28).

( 81 ) Acórdãos de 22 de junho de 2011, Landtova (C‑399/09, EU:C:2011:415), de 19 de junho de 2014, Specht (C‑501/12, EU:C:2014:2005), e de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198).

( 82 ) Acórdãos de 22 de junho de 2011, Landtová (C‑399/09, EU:C:2011:415, n.o 51), de 19 de junho de 2014, Specht e. o. (C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 a 541/12, EU:C:2014:2005, n.o 95), e de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 67). O sublinhado é meu.

( 83 ) V. Acórdão de 9 de fevereiro de 1999, Smith (C‑167/97, EU:C:1999:60).

( 84 ) Nota 81 das presentes conclusões.

( 85 ) A prestação fungível por excelência, ao contrário, por exemplo, do direito a um dia feriado ou do direito ao emprego.

( 86 ) Outros acórdãos que repetem a «variante Lantová, Specht, Milkova» do princípio do nivelamento por cima envolvem igualmente o Estado como demandado — V. Acórdãos de 12 de dezembro de 2002, Caballero (C‑442/00, EU:C:2002:752, n.o 42), de 21 de junho de 2007, Jonkman (C‑231/06 a C‑233/06, EU:C:2007:373, n.o 39), de 28 de janeiro de 2015, Starjakob (C‑417/13, EU:C:2015:38, n.o 46), e de 14 de março de 2018, Stollwitzer (C‑482/16, EU:C:2018:180, n.o 30). V., igualmente, variantes redigidas de forma mais estrita no que se refere, por exemplo, à discriminação em relação ao pagamento, Acórdãos de 7 fevereiro de 1991, Nimz (C‑184/89, EU:C:1991:50, n.o 18), e de 17 de abril de 1997, Evrenopoulos (C‑147/95, EU:C:1997:201, n.o 42). A discriminação decorrente de convenções coletivas é também habitual e efetivamente equiparada à discriminação legislativa e o Tribunal de Justiça utiliza uma variante redigida de forma mais aberta do princípio do nivelamento por cima — V., por exemplo, Acórdão de 20 de março de 2003, Kutz‑Bauer (C‑187/00, EU:C:2003:168, n.o 72).

( 87 ) V. Acórdãos de 28 de setembro de 1994, Akker (C‑28/93, EU:C:1994:351), de 28 de setembro de 1994, Coloroll (C‑200/91, EU:C:1994:348), e de 28 setembro de 1994, Smith (C‑408/92, EU:C:1994:349), que também dizia tecnicamente respeito a um sistema de pensões não estatais, mas tratava‑se de um sistema de pensões «convencionalmente excluído» no sentido de que as contribuições para esse sistema substituíam as contribuições para o sistema público de pensões.

( 88 ) Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56).

( 89 ) Acórdãos de 10 de abril de 1984, Harz (C‑79/83, EU:C:1984:155), e de 8 de novembro de 1990, Dekker (C‑177/88, EU:C:1990:383).

( 90 ) Observo que, nas suas alegações orais, a Comissão defendeu o alargamento do feriado/compensação de Sexta‑Feira Santa de que beneficiam os membros das quatro igrejas (cerca de 2% da população) a todos os trabalhadores austríacos, e que o mesmo fosse feito em relação ao Yom Kippur.

( 91 ) Na audiência, o custo da extensão da compensação pela Sexta‑Feira Santa a todos os trabalhadores foi avaliado em 600 milhões de euros por ano (um montante que será sem dúvida semelhante ao caso do Yom Kippur).

( 92 ) Conclusões apresentadas no processo que deu origem ao Acórdão Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2013:491, n.o 79).

( 93 ) Acórdão de 19 de abril de 2016, Dansk Industri (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 42).

( 94 ) Por exemplo, no Acórdão de 8 de novembro de 1990, Dekker (C‑177/88, EU:C:1990:383), a candidatura a um emprego apresentada pela recorrente foi rejeitada porque esta estava grávida de três meses. Porém, o seu estado de graça estava qualificado como «doença» pelo direito nacional. Uma vez que o potencial empregador estava plenamente consciente da sua «doença», se lhe tivesse dado o emprego teria de suportar o encargo da sua maternidade sem apoio do Estado, o que o empregador não queria. Assim, a legislação nacional continha um (significativo) desincentivo financeiro ao emprego de mulheres grávidas. Contudo, era igualmente claro que a decisão final de aplicar ou não, e de que forma, essa legislação discriminatória nacional no caso concreto pertencia ao empregador.

( 95 ) Acórdão de 10 de abril de 1984, Von Colson (C‑14/83, EU:C:1984:153). Quando o Tribunal de Justiça declarou que o direito da União exige que o direito nacional preveja uma ação de indemnização contra particulares por violação do direito da União, insistiu na finalidade compensatória e dissuasora de tal ação. V. Acórdão de 20 de setembro de 2001, Crehan (C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 27).

( 96 ) Não se pode partir do princípio de que uma parte, a totalidade ou até a maioria dos empregadores irá intentar ações de indemnização bem‑sucedidas contra o Estado. Assim, é justo reconhecer que a escolha quanto a quem deve ser demandado num caso como o presente significa, na realidade, uma decisão sobre quem suportará os custos.

( 97 ) N.os 50 a 52 das presentes conclusões.

( 98 ) Tal como resumida no relatório para a audiência. V., Ward, A., Judicial Review and the Rights of Private Parties in EU Law, 2.a ed., Oxford University Press, Oxford, 2007, p. 57.

( 99 ) N.o 180 das presentes conclusões.

( 100 ) Acórdãos de 19 de novembro de 1991, Francovich (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.o 45), e de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 50).

( 101 ) N.os 45 a 54 das presentes conclusões.

( 102 ) Penso que este elemento foi parcialmente responsável pela confusão em torno da questão da comparabilidade (n.os 46 a 48 das presentes conclusões).

( 103 ) O que se afigura estatisticamente bastante provável, não apenas no que diz respeito à Cresco Investigation, mas igualmente a muitos outros empregadores austríacos. Foi confirmado que os membros das quatro igrejas representam cerca de 2% dos trabalhadores austríacos.